O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 389

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 190

ANO DE 1957 20 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 190, EM 19 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Secretários: Exmos. Srs.
Alberto Pacheco Jorge

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - foram aprovados os n.os 188 e 189 do Diário das sessões, aquele com uma rectificação proposta pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa os elementos inquiridos pelo Ministério do Ultramar, respeitantes a S. Tomé e Príncipe, em satisfação de um requerimento do Sr. Deputado Águeda de Oliveira em sessão de 6 de Abril do ano findo. Foram entregues a este Sr. Presidente.
Feriado pela Presidência do Concelho, e para os efeitos do 3.º do artigo 769.º da constituição, receberam na Mesa o Diário do governo n.os (...) 1.ª serie inserindo o Decreto-lei n.º 41 027.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinto Barriga, que enviou dois requerimentos à Mesa e Carlos Borges para agradecer ao Governo a recente inauguração da Escola Comercial e Industrial de Santarém.

Ordem do dia. - Continuou a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu sobre acidentes de aviação.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Augusto Simões e Melo Machado.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas

O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.

Página 390

390 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 190

Eduardo Pereira Viana.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa A roso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Sarnento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 188 e 189 do Diário das Sessões.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário n.º 188: a p. 369, col. 2.ª, 1. 20, onde se lê: «7900 contos», deve ler-se: «8956 contos», que é o número exacto da receita na portagem da Ponte do Marechal Carmona em 1950.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero aprovados os referidos números do Diário das Sessões com a rectificação apresentada.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Vários a apoiar as considerações do Sr. Deputado Antão Santos da Cunha em defesa dos interesses da região de Braga.
Do Presidente da Câmara Municipal de Vila da Praia da Vitória a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Agnelo do Rego acerca da construção dum porto de abrigo na ilha Terceira.
De Josés de Monserrate (Viana do Castelo) a pedir que seja considerado feriado nacional o dia de S. José.
De Josés do Gavião no mesmo sentido.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos, respeitantes à província do S. Tomé e Príncipe, fornecidos pelo Ministério do Ultramar em satisfação do requerimento apresentado na sessão da Assembleia Nacional de 6 do Abril do ano findo pelo Sr. Deputado Águeda de Oliveira. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Enviado pela Presidência do Conselho, e para cumprimento do disposto no 3º do artigo 109.º da Constituição, Está na Mesa o Diário do Governo nº 58, 1.º série, de 13 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 41 027.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Pinto Barriga.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa dois requerimentos, que vou ler:

«Fazendo sentir a actual conjuntura económica e internacional a manifesta urgência de reformar a orgânica interna do Ministério do Ultramar, vultosamente envelhecida e desactualizada em face das últimas modificações constitucionais e das renovadas postulações e recentes requisitos de ordem económica e política, para que assim os quadros de serviço possam, cabal e satisfatoriamente, efectivar o seu papel económico-político, e, finalmente, inteiramente confiante nu experimentada e brilhante actuação do titular dessa pasta, tenho a honra de entregar, nos termos da alínea c) do artigo 22.º do nosso Regimento, o seguinte pedido de informações pelo referido Ministério: noticia das diligências e estudos elaborados para a reforma da organização do Ministério do Ultramar».
«Desejando ocupar-me brevemente, nesta Assembleia, do problema das Misericórdias de Portugal, no sentido de verificar se mantêm intacto o espírito de caridade cristã que sempre as animou, se deixaram burocratizar e estatizar demasiadamente, se, embora raramente, algumas delas se transformaram em autênticas casas de saúde, mais procurando um fim lucrativo ou de protecção de afilhados do que uma pura e indistinta caridade, e, finalmente, se essas instituições vivem mais à sombra dos subsídios do erário público do que dos donativos e deixas dos seus benfeitores, institucionalizando-se como órgãos concelhios de assistência e perdendo, assim, em parte, o seu admirável carácter tradicional e a sua plena autonomia: nestas condições, tenho a honra de entregar na Mesa, nos termos da alínea c) do artigo 22.º do nosso Regimento, o seguinte pedido de informações sobre as Misericórdias portuguesas, pelo Ministério do Interior, aproveitando também a oportunidade de testemunhar ao titular desta pasta a homenagem de profunda admiração pela forma como tem sempre actuado:

1.º Receitas e despesas ordinárias e extraordinárias no último quinquénio, marcadamente

Página 391

20 DE MARÇO DE 1957 391

com referência aos subsídios do Estado e às contribuições e deixas dos benfeitores;
2.º Número de doentes internados e assistidos;
3.º Noticia circunstanciada de outras actividades, afora a hospitalar, exercidas cumulativamente por essas instituições, bem como a cifra despendida nessas actividades;
4.º Súmula dos relatórios apresentados e demonstrativos da eficácia da fiscalização e inspecção realizadas à vida orgânica administrativa dessas corporações, sobretudo em relação às Misericórdias que foram objecto de critica pública, como se deu ultimamente com a da Barquinha o outras.

O Sr. Carlos Borges: - Sr. Presidente: em 15 do corrente foi solenemente inaugurada, pelo Sr. Ministro da Educação Nacional, a Escola Comercial e Industrial de Santarém.
15 de Março é uma data indelevelmente gravada na nossa história pela audácia intemerata do esforçado guerreiro e político subtil que foi D. Afonso Henriques, o qual fez de Santarém o baluarte mais firme, seguro e leal da reconquista e alicerce inabalável do reino e da Nação.
A velha e orgulhosa capital do Ribatejo associou às glórias do passado as conquistas do presente e celebrou com delirante entusiasmo a criação da nova escola, dispensando àquele ilustre membro do Governo vibrantes testemunhos de reconhecimento e admiração.
As manifestações, que assumiram verdadeiros aspectos de apoteose, concorreu todo o povo de Santarém, sem distinção de pessoas nem de classes, estudantes, operários, comerciantes, pequenos e grandes lavradores, sem convocações especiais, sem prévia propaganda, espontânea e livremente.
É que, mais uma vez, o Governo satisfizera uma antiga e legítima aspiração da cidade.
Há bastantes anos que a Associação Comercial criara nas salas da sua sede uma pequena escola onde se ministrava gratuitamente o ensino de técnica comercial.
Servida por professores desinteressados, em breve a escola passou a funcionar, com o título de Ateneu Comercial, nas salas da escola primária, em cursos nocturnos de numerosa frequência.
A criação da Escola Comercial e Industrial, satisfazendo uma premente necessidade do ensino técnico, foi também a legitima consagração da modesta e feliz iniciativa da Associação Comercial, depois do Grémio do Comércio, que sempre lhe consagraram o máximo interesse.
Nas aclamações com que o receberam, nas múltiplas exteriorizações de entusiasmo, de simpatia o de reconhecimento que lho tributaram, verificou o Sr. Ministro da Educação Nacional que a sua obra de valorização intelectual e moral do povo, com todo o seu árduo trabalho, tem o aplauso e o louvor de todos os bons portugueses.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-S. Ex.ª teve ocasião de verificar que os homens da região ribatejana, que não negam o sen gosto pela vida ao ar livre, pela força, coragem e destreza que mostram ao abrir os braços anto a arremetida furiosa do um touro e ao dominar a resistência vigorosa de um bom cavalo, que sofrem, como quase toda a gente, da delirante psicose dos desafios da bola, também sabem interessar-se e até apaixonar-se pelos mais suaves e transcendentes prazeres do espírito.
No Círculo de Cultura Musical, que visitou, ouviu o Orfeão Scalabitano e Orquestra Típica, viu os alunos das escolas de dança clássica e folclórica, que. tanto pela elegância o aprumo da apresentação como pela perfeição das suas execuções e exibições, são desvanecido orgulho da cidade e prova insofismável do seu gosto pela arte.
Já vi uma vez. nesta Casa. todos os ilustres Deputados de um círculo usarem da palavra, um por um. para agradecer ao Governo certo plano que largamente beneficiava a região que representam.
Os Deputados pelo circulo de Santarém, porque sou o mais velho, embora o menos competente...

Vozes: - Não apoiado!

O Orador:-.. .cometeram-me a missão de agradecer ao Governo a criação da Escola Comercial e Industrial de Santarém, ao Sr. Ministro da Educação Nacional a honra de a haver inaugurado e ao Sr. Presidente do Conselho, orientador supremo da obra de renovação nacional,...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-...o seu magnifico liceu, o imponente Palácio de Justiça e tantos outros melhoramentos de vulto de que Santarém e o seu distrito têm beneficiado dentro do vasto plano da boa e honrada política de progresso o engrandecimento da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu acerca de acidentes de viação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Simões.

O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: depois da brilhante e clara exposição feita pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, ao efectivar o seu oportuno aviso prévio sobre os problemas conexos com os acidentes de viação, a que seguiu o apropositado depoimento do Sr. Deputado Urgel Horta, reconhece-se que ficaram examinados com notável profundidade todos os mais aspectos importantes destes temíveis flagelos da hora presente.
Assim, não seria talvez necessário avançar em mais alguns conceitos sobre este assunto, de tão certo é que fatalmente hão-de versar pontos de vista já expendidos; no entanto, porque o património global da Nação em vidas e em fazendas carece de ser convenientemente acautelado contra as depredações da viação acelerada o para. disciplinar esta, livrando-a, das tremendas consequências dos desvairamentos, paixões e exibicionismos, é vantajoso reunir o maior número possível de opiniões sobro as cansas próximas e remotas dos males que. em tão importante capítulo, uma frouxidão de ordenamentos pode trazer, proponho-me analisar ainda, dentro da conhecida modéstia dos meus recursos, não qualquer ponto obscuro das exposições até agora feitas, que o não posso encontrar, mas alguns aspectos dos assuntos vergados, iluminados pela soma de conhecimentos que a, lei da vida, principalmente, e o estudo colocaram ao meu alcance.
Desta sorte, guiado pelas directrizes magistralmente traçadas no desenvolvimento desse importante aviso

Página 392

392 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º100 392

prévio e sob a plenitude dos conceitos da sua directa gerarão, que nos fornecem o teor da sua muito grande valia e proficiência, qualidades, aliás, comuns a todos os trabalhos parlamentares do seu ilustre autor, a quem, por isso mesmo, quero exprimir as minhas homenagens procurarei focar o lado especialmente preventivo duma política contra os acidentes de viação, lastimando que o contributo que possa trazer não alcance certamente de servir a riqueza dos conceitos daquele magnífico trabalho, como estava na linha de rumo do meu propósito.
Sr. Presidente: o acidente de viação apresenta-se como fenómeno extremamente complexo por emergir de um sem-número de causas que o apresentam profundamente diversificado, mas sempre semelhante nos seus resultados, que, no geral, são lesivos da vida ou dos haveres, variando essas lesões em extensão e em grandeza na justa medida dos rebitados obtidos.
Consequência natural de certos primados da vida moderna, que tantos deles espelham com verdadeiro rigor, os acidentes de viação não fatalidades que não podem ser inteiramente banidas, mas que consentem perfeitamente determinado grau de prevenção e de repressão.
Pareceu-me que, de certa maneira, os ilustres oradores que me antecederam procuraram orientar os seus sábios juízos mais no sentido da faceto repressiva do que no da preventiva desses acidentes, muito embora, com verdadeiro rigor não se possa encontrar uma linha de separação de muita nitidez entre os dois conceitos, que se nos apresentam perfeitamente interpenetrados pelos traços comuns.
Mas, encarando certas especialidades da primeira, procurarei glosar, dentro das causas geralmente apresentadas como factores preponderantes da produção dos acidentes de trânsito rodoviário, a incapacidade psico-física dos condutores e as características das nossas estradas no seu actual panorama. Suponho não ser descabido, ao começar o desenvolvimento do primeiro sumário, dividir os condutores de viaturas automóveis de qualquer das espécies de ligeiros e pesados nas duas grandes categorias por que se repartem efectivamente, e que são os profissionais, ou sujam aqueles que conduzem viaturas próprias ou alheias para ganharem a vida, e aqueles que apenas empunham o volante por mero diletantismo ou enfatuada exibição, que é larga legião a cruzar as nossas estradas em todos os sentidos, por não terem necessidade de deitar coutas à vida.
A divisão tem muito mais interesse do que à primeira vista pode parecer, porque é perfeitamente, diverso o comportamento geralmente usado pelos membros de cada. uma dessas categorias..
É entre os condutores do segundo grupo que mais se encontram os destruídos, os irreflectidos, os imprudentes, os precipitados, os ignorantes, os imperitos, os exibicionistas temerários e audaciosos e os possuídos do delírio da velocidade, segundo uma qualificação profundamente ajustada que o Sr. Deputado Paulo Cancella Abreu fixou.
Geralmente bem instalados na vida, estes condutores costumam estadear a sua pretensa supremacia fazendo das estradas ou dos arruamentos dos centros populacionais pistas de circo, onde gostam de exibir as suas muitas habilidades, com as mais temerosas inconsiderações e indiferença pelos direitos alheios.
Para, estes de nada valeria uma política preventiva dos acidentes de trânsito, sempre na possibilidade da sua acção, que não compreenderiam e de que até zombariam, possuídos como andam, do pensamento de serem entes superiores.
Sendo certo que não recuam perante a possibilidade dos grandes males que podem, causar ou sofrer, profundamente empenhados, como geralmente vivem, em
demonstrar as primícias da sua gigantesca vaidade, entendem, que as leis e os princípios fixados não lhes dizem respeito, a eles se evadindo com espantosa. facilidade. Estes são os condutores que mais se devem temer.

Perante a potencialidade de males e sofrimentos que representam no meio 'social, haverá que reprimi-los por todas as formas e feitios, castigando-os com a maior a severidade.
Recordo-me de uma sugestão de evidente utilidade que certo dia ouvi fazer, e nem já me recordo onde, segundo a qual seria de grande conveniência elaborar em cada agregado populacional o cadastro desses dementados condutores, aos quais seria comunicada a sua inscrição em livro negro para que ficassem cabendo que a Mia aventurosa vida ao volante lhos acarretaria os maiores contratempos se nela intentarem persistir. o maior dos quais deveria ser o da inibição total de conduzirem, não por um prazo limitado, mas sim definitivamente, qualquer viatura motorizada a partir de; uma segunda ocorrência delituosa. Com os ímpetos moderados ainda lhes ficava o recurso de conduzirem veículos de tracção hi-pomóvel, em que tanto e tanto se distinguiram os janotas dos séculos XVIII o XIX!
É pois contra estes condutores que medidas repressivas cheias de dureza são altamente aconselháveis e de flagrante utilidade, para que não agravem as condições de já não muita segurança em que muitos de nós. ou quase todos, se vêem forçados a circular por essas estradas e caminhos na dura labuta pelo pão quotidiano.
Os condutores da primeira categoria, os profissionais, pelo império da propila vida. são, no geral, muitíssimo menos passíveis das loucuras do volante.
Conduzindo habitualmente para ganharem a vida directamente nessa ocupação ou até para facilitarem o exercício de outras ocupações, não têm margem para loucuras nem estão, no geral, ao alcance dos seus apetites os exibicionismos e as, temeridades.
Submetidos, é certo, às contingências da vida terão momentos em que o reiterado uso do volante, criando certa mecanização dos sentidos, lhes poderá furtar as qualidades de tacto e de ponderação, propiciando determinado grau de mecânica desatenção, durante a qual tudo pode acontecer.
O facto, porém, absolutamente inevitável e muito raro felizmente, não pode ser havido como valor de alto índice na escala de possibilidades, mas não pode. deixar de ter-se em conta como causa que muito convém procurar banir ou atenuar.
Mas onde as incapacidades psicofísicas mais se fazem sentir e maiores e mais acidentes produzem é entre os condutores das viaturas pesadas da indústria da camionagem de carga, sobre os quais tem caído a forte e generalizada acusação de serem inconsiderados na forma como conduzem os veículos sob o seu domínio. Desacompanhada do conhecimento das especiais circunstâncias que concorrem para o aparecimento e actuação dessa incapacidade, ela como que se evade ao domínio da nossa compreensão e faz correr o risco de se emitirem juízos fortemente temerários que, longe de concorrerem para o seu desaparecimento ou atenuação, mais ainda lhes agravam a sua incidência ...
Se pelos Ministérios das Comunicações e das Finanças mu houvessem já sido fornecidos os elementos há tanto tempo pedidos sobre as condições de vida da indústria da camionagem de carga, poderia agora com maior abundância, de dados pormenorizar as causas de tantos males pesando sobre essa indústria e melhor justificai-os assertos que vou fazer.
Assim mesmo não me é difícil, repetindo embora quanto nesta Assembleia tenho afirmado, fazer novamente a demonstração de que, no actual clima de impo-

Página 393

20 DE MARÇO DE 19-57 393

Sições tributárias que sufocam essa industria, uma larga série dos mais débeis que nela. em momento pouco feliz das suas vidas, inverteram os seus capitais e os alheios têm estado submetidos à tortura do trabalho servil executado nas mais depauperantes e impróprias condições.
Tendo-se criado na regulamentarão da Lei n.º 2008, que estatuiu a coordenação dos transportes terrestres, um erradíssimo sentido das proporções de possibilidades desta indústria, à se têm debitado inconsideradamente todas as culpas de quanto de mau tem atingido outra indústria sua congénere, vem-se-lhe exigindo contribuição que ela na o pode pagar porque, movimentando-se em campo submetido a encurtamentos da mais variada conveniência, não consegue auferir rendimentos que cheguem para satisfazer o volume da impetuosa torrente das imposições que lhe são feitas.
É que. além dos impostos gerais que todas as indústrias pagam, e quase todas muito mais rendosas do que esta. a camionagem de carga está ainda submetida à incidência dum imposto mensal - o imposto de camionagem-, paradoxalmente criado para servir a desejada coordenação dos transportes terrestres.
Ora esse imposto, para cujas fórmulas jamais se encontrou qualquer justificação plausível ou ao menos compreensível, não dá margem de descanso aos pobres industriais.
Para toda a parte os acompanha o temível espectro da execução fiscal, tantas vezes o ponto final duma vida acidentada, especialmente quando lhes arrebata os veículos, únicos instrumentos de trabalho e, pois, fontes da precária subsistência da família.
Então lançam-se no trabalho desordenado, sem qualquer espécie de controle, procurando fazer andar as viaturas o mais possível, para angariarem receitas que lhes permitam salvar-se das arreliadoras consequências de faltarem ou demorarem o pagamento dos impostos, das contribuições para a previdência e dos avantajados custos da exploração.
Como em pequena conta podem ter as suas conveniências fisiológicas, as poucas horas de descanso que se permitem são passadas em plena estrada, dormindo ou repousando desajeitadamente nas viaturas, quase em pleno alerta, raramente ocupando um leito. O sistema nervoso não pode encontrar uma normalização e o organismo ressente-se e por tal forma que. vividos pouco mais de dez anos em vida de tão duro labutar, todas as energias entraram em profunda crise e é geral o descontrole.
Os condutores forçados a semelhante regime, onde o cansaço e o sono dominam largamente, trazem um tanto embotado o domínio da vontade e dos seus melhores reflexos e, sob o império dessa diminuição de eficiência, fortalecida aliás pelas naturais dificuldades do trânsito moderno em grandes viaturas e em estradas estreitas, são arrastados para um transitar vicioso e, por via dele, para certos acidentes que, em condições normais, se não produziriam certamente.
Como se tem pretendido viver no mais amplo desconhecimento deste estado de coisas, o único remédio ate agora aplicado a tão grandes males tem sido o contido em forte repressão às delinquências que eles frequentemente originam, como se com tal procedimento se pudessem resolver, na escala nacional, os problemas de conteúdo social e humano de tamanha acuidade.
Há, portanto, que orientar as coisas em outro e mais útil sentido, e à política de exclusiva, repressão actuando sobre o farto consumado 'procurar opor com apropriada visão o conjunto de medidas tendentes a banirem as causas dos acidentes, que tantos condutores originam apenas por incapacidade psicofísica derivada dê iníquos regimes em que são forçados a trabalhar.
Com tal política se alcançará um duplo fim, pois, além de se procurar o fomento e a valorização das actividades lícitas da grei. também a Administração se furtará a certo grau de autoria moral nos acidentes de que, em boa verdade, lhe tem de ser imputado largo quinhão de culpas no actual sistema.

Mas se a incapacidade psicofísica que se encarou encerra certo grau de justificação nas circunstâncias que se deixam apontadas, outra há contra a qual se devem reforçar todas as medidas de repressão.
Quero referir-se à embriaguez.
São do meu conhecimento vários e arrepiantes casos de acidentes de viação causados, por condutores etilizados e, ao que me conta. o fenómeno mestra tendência para aumentar.
Tratada no regime geral do Código da Estrada com certa benevolência, essa tão afrontosa causa de acidentes merece ser muito mais fortemente regulamentada e para ela encontrado um regime de fácil averiguarão de existência, por forma a poder fazè-la actuar em juízo como circunstância agravante especial contra aqueles, que nela incorreram.
É preciso, irrecusàvelmente preciso, que todos os condutores, especialmente aqueles que dirigem viaturas automóveis, qualquer que seja a sua categoria, se habituem ao comando da máxima generalizada nos Estados Unidos da América segundo a qual quem conduz deve ser moderado nas bebidas e se o não tiver sido. e pouco importará saber porquê, então deve abster-se de conduzir.
Besta-me Sr. Presidente, no desenvolvimento do sumário que tracei, encarar as características das nossas estradas, no momento actual, perante os mais importantes aspectos dos acidentes de viação.
Problema, já tratado com o mesmo alto valor dos restantes que foram [...] pelos ilustres oradores que me antecederam, não posso furtar-me mesmo assim a produzir também sobre ele algumas considerações.
Começarei por manifestar a minha estranheza pela desarticulação que me informaram existir entre os vários organismos que se ocupam dos problemas gerais do trânsito rodoviário e que são principalmente o Ministério das Comunicações, o Ministério das Obras Públicas e também em certa medida, o Ministério do Interior, organismos cujos departamentos específicos, muito embora submetidos aos comandos das respectivas regulamentações, que extremam os campos de acção de cada um, não se movem com aquele ajustado equilíbrio que é firme pressuposto de alta eficiência dos serviços públicos.
Havendo-se entre nós concluído pela conveniência de repartir por vários sectores, o conjunto dos problemas da estrada e das actividades com ela ligadas, aliás em certa contradição com o que se faz em outros países que não têm tanto a temer, como nós temos, a onerosidade da polarização dos esforços administrativos, é de exigir um perfeito entendimento e o mais ajustado equilíbrio entre todos esses sectores, que devem agir verdadeiramente sincronizados, em ordem a atingirem o interesse geral para que têm de tender.
Neste vasto campo, em que a natureza, pelas suas forças, transcende largamente o poder da inteligência, não pode viver-se em regime de compartimentos administrativos estanques, a pretenderem guardar conhecimentos adquiridos no desenvolvimento das suas actividades, como se de património exclusivo se tratasse.
A interpenetração dos conhecimentos ou das conquistas alcançadas no mundo da técnica deve fazer-se normalmente e sem dependência de qualquer teia de buro-cratização.
Mal se compreende, por exemplo, que a Junta Autónoma de Estradas, organismo com uma larga e [...]

Página 394

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 190 394

lhante folha de serviços prestados à Nação desde há longos anos, servido por um notável conjunto de técnicos, cuja craveira profissional se cota em perfeita paridade com a dos melhores do estrangeiro, não seja chamada a dirigir ou ao menos a colaborar eficientemente na plenitude dos estudos para as mais convenientes soluções dos problemas do trânsito que os seus técnicos se viram forcados a equacionar para encontrarem a orientação mais ajustada à construção e conservação das muitas rodovias a seu cargo, que são os grandes e importantes canais por onde circulam as gentes e as riquezas da Nação.
O afastamento desses técnicos do âmbito das resoluções tomadas e discutidas pela Direcção-Geral de Transportes Terrestres, organismo que trabalha, com forte autonomia, furta muitas dessas soluções a critérios de utilidade e de vantagem que deveriam ser tomados em conta.
Ganhará a Nação com tal estado de coisas? Ninguém o acredita.
PO outro lado, também é bastante singular que só há muito pouco tempo à Junta Autónoma de Estradas começassem a ser comunicados regularmente os acidentes de viação e prestadas as informações que foi possível apurar da forma como ocorreram e das suas causas.
É perfeitamente óbvio que o conhecimento circunstanciado de todos esses anormais eventos pelo organismo que tem a seu especial cargo o lançamento e a melhoria das rodovias nacionais è da mais alta relevância para o estabelecimento de muitas das soluções que todos desejam ver tomadas para se eliminar, tanto quanto possível, a produção desses acidentes.
Do que deixo exposto, Sr. Presidente, me parece poder extrair-se a conclusão de que se torna necessário trazer uma criteriosa revisão do actual sistema de estudo e regulamentação dos problemas do trânsito, em ordem a harmonizar e a sincronizar a acção dos organismos aos quais eles especialmente incumbem, aumentando-Ihes a possibilidade de serem eficientes através de muito mais íntima colaboração e compreensão.
Sr. Presidente: como o ilustre autor do aviso prévio, também entendo que a grande maioria das nossas rodovias e dos arruamentos urbanos se nos apresenta [...]o conjunto de características de aptidão ao trânsito intensissimo dos nossos dias.
O natural desenvolvimento do País impôs a reparação da quase totalidade das rodovias nacionais e, desta sorte, garças ao ingente esforço do grande e abnegado servidor da Pátria que foi o sempre saudoso Ministro Duarte Pacheco, cimentou-se uma política rodoviária cujos frutos ainda hoje colhemos com o mais alto proveito.
A melhoria dos acessos às mais desvairadas partes do território frutificou em apreciável aumento de riqueza e impôs a sua circulação. Esta criou a necessidade de um parque de veículos automóveis por tal forma importante que nos fins de 1956 já linha atingido a elevada cifra de 205 611 viaturas, acrescida do incontável número de viaturas de outros géneros e com missões idênticas. Começaram também a aparecer as viaturas da larga tonelagem, como recurso de defesa de que os industriais tiveram de lançar mão. Por outro lado, as viaturas pesadas, mais as de carga do que as de passageiros, mas umas e outras em ritmo muito apreciável, lançaram-se na penetração do território nacional, atingindo-lhe quase todas as latitudes em busca das pessoas e das mercadorias.
Então as estradas começaram a sofrer um tráfego intensissimo e a suportar os efeitos de pesos para que não estavam preparados os teus pavimentos.
Uma grande parte das nacionais lá se tem aguentado, melhor ou pior porque, não lhe tem faltado o canseiroso cuidado da importante e bem disciplinada rede de cantoneiros e dos outros elementos de trabalho de que dispõe a Junta Autónoma.
Mas as estradas havidas como municipais e assim colocadas fora do âmbito dos eficientes recursos do Estado tiveram de sucumbir e oferecem hoje o panorama desolador que todos conhecem e que cada vez mais se acentua.
Quase me tento, Sr. Presidente, a aproveitar o ensejo que se me oferece neste momento para lançar mais um brado de angústia igual ao que sei a ecoar do norte ao do Sul do país. traduzindo a muita ansiedade já não somente das Câmaras municipais, forcadas espectadoras da ruína da sua rede de estradas, mas de largos milhares de portugueses de muitos centros rurais que temem justamente pelo isolamento a que serão votados e que se avizinha a passos agigantados ,se o candente problema da conservação dessas vias de comunicação não for resolvido, mas convenientemente resolvido, sem mais desesperances delongas.
Proponho-me tratar do problema com mais desenvolvimento em outra oportunidade, pois torna-se absolutamente necessário encarar outros importantes problemas de melhoramentos rurais que, por desventura nossa, se envolveram no ano que decorre com um espesso véu de impossibilidade, ocultando aos povos sedentos de progresso e possuídos da plena consciência dos seus direitos as realizações por que há tanto tempo aspiram.
Retomado ao meu propósito, Sr. Presidente, entendo que quando nos lançamos numa política fortemente preventiva dos acidentes de trânsito e decididamente dirigida a atenuar-lhes as causas bem conhecidas não pode deixar de encarar-se o problema, que se reconhece ser singularmente difícil, de colocar as estradas nacionais na escala das exigências do trânsito hodierno, eliminando-lhes tantos milhares de curvas, em que o perigo se instalou ao serviço da parca, fazendo alargamentos em série, criando pavimentos paia peões e velocípedes e permitindo, enfim, uma disciplina que dia a dia, hora a hora, mais necessária se torna.
Enquanto não se puder alcançar escopo tão importante, suponho da maior vantagem intensificar-se uma campanha nacional de prevenção contra os acidentes de trânsito, instruindo, educando, batalhando sem afrouxamentos de qualquer espécie para tornar suficientemente conhecido do maior número o conjunto das regras que se fixaram para o trânsito.
Recordo que a exigência legal de uma licença de condução para todos os velocípedes, que só pode ser passada a quem demonstre possuir o conhecimento dos primordiais preceitos de bem transitar em todas as estradas, alcançou uma utilidade que transcendeu certamente o espírito que presidiu à criação dessa medida.
É que todos os utentes dos veículos dessa natureza são forçados a tomar conhecimento dos mais importantes preceitos onde. no Código da Estrada, se regula o trânsito, a maioria dos quais lhes era inteiramente desconhecida.
Assim, muitos pecavam por desconhecimento.
É claro que parto do princípio de que as câmaras municipais compreenderam o verdadeiro alcance da sábia estatuiçâo, e por isso não a devem ter sabotado, encarando-a apenas como fonte de receita que lhes caiu do céu.
Sr. Presidente: se é certo que o analfabetismo tanto nos envergonhou que para combatê-lo se ergueu uma campanha nacional, a ignorância das leis do trânsito, quer pelos automobilistas, quer pelos peões - e sabe-se a forma terrivelmente despreocupada e insensível como

Página 395

20 DE MARÇO DE 1957 395

Estes transitam ao longo das estradas, causando problemas da mais variada ordem-, representa uma forma perniciosa do analfabetismo geral, que deve ser combalida com a mesma intensidade.
É por isso que não podem deixar de ser louvadas. pela alta compreensão e espírito de bem-servir que tão claramente demonstram, as campanhas da prudência levadas a efeito pelo Automóvel Clube do Portugal, nem a sua, restante actividade em prol da difusão dos preceitos básicos que a todos cumpre conhecer, nem ainda o interesse revelado pela imprensa no mesmo sentido, como sentinela sempre, generosa, e atenta aos grandes problemas nacionais.
Foram geralmente apreciadas as sugestivas imagens que se deixou estereotipada perante os olhares de tantos incrédulos a súmula de tremendos resultados da condução feita por indivíduos falhos de idoneidade moral para serem condutores da viação acelerada. em que muitos, puderam ver o retrato das suas próprias; torpezas.
A lição não pode deixar de ter frutificado.
Importa, porem, que os departamentos ,do Estado aos quais o trânsito e a vasta gama dos seus, problemas mais devem interessar secundem e revigorem deliberadamente aquelas patrióticas campanhas. Tudo quanto se faça pela difusão das regras da circulação ocupa os lugares cimeiros duma. escala de valores.
É quando, Sr. Presidente, tenhamos efectivamente alcançado estado de compreensão tão ajustado ao alto interesse público que cada um de nós viva compenetrado de que não pode facilmente desrespeitar os preceitos estudados e criados .para a segurança de todos sem incorrer no aviltamento da sua própria consciência, a vida terá então encontrado aquela expressão de harmonia pela qual é mister que se trabalhe sem desfalecimento.
Disse.

Vozes:- Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente o Srs. Deputados: em primeiro lugar, quero pedir desculpa a VV. Ex.as da minha excessiva assiduidade a esta tribuna. Posso afirmar que não tenho nenhum propósito de copiar o nosso ilustre colega Sr. Pinto Barriga, mas circunstâncias que não vale a pena referir têm feito com que nos últimos tempos eu tenha subido à tribuna mais certamente do que VV. Ex.as desejavam e muito mais do que eu desejaria.
Além destas, tenho também de apresentar as minhas desculpas ao ilustre Deputado avisante pela maneira impetuosa com que há dias o interrompi, mas isso deveu-se às más condições acústicas da sala. que não me permitiram ouvir completamente o que S. Ex.ª tinha dito; isso me levou, pois, a ter intervindo com uma certa inoportunidade.
Lendo o Diário das Sessões, vi que, na verdade, S. Ex.ª se tinha referido exactamente a alguns assuntos que eu salientara. Posso afirmar que isso não foi por falta de consideração ou de amizade por S. Ex.a, mas apenas se deveu ao meu interesse pela questão e porque supus que essa minha intervenção podia, efectivamente, ajudar a esclarecê-la. Se assim não foi, não tem S. Ex.ª mais do que desculpar-me.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito obrigado a V. Ex.ª pelo seu esclarecimento.

O Orador:- É evidente que neste assunto não se pode estar em desacordo com o nosso colega, porque todos nós desejaríamos que o número do vitimas causado pelos acidentes de viação fosse cada voz menor. Portanto, neste ponto todos estamos de acordo. Poderemos, sim, não estar de acordo com certos métodos propostos e que impressionam: a ideia, por exemplo, de uma certa ferocidade legislativa contra o automobilista, pois é certo também que nenhum automobilista causa um acidente deliberadamente e por vontade.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Se fosse deliberadamente, o automobilista seria um assassino.

O Orador:-Há muitas causas que conduzem a esses acidentes e que V. Ex.a referiu.
Assim, por exemplo, é evidente que as actuais estradas não são as mais próprias pura a intensa viação automóvel. Trata-se de estradas antigas, com muitas curvas, com muitos cruzamentos, o tudo isso torna extremamente difícil conduzir um automóvel sem perigo iminente de acidentes.
Todos nós, os que conduzimos automóveis, sabemos que quando chegamos do noite a casa, depois do um dia a guiar carro na cidade, ficamos surpreendidos por termos conseguido permanecer incólumes.
Mas em todo o taxo há uma manifesta falta por parte de toda a população em relação aos cuidados que seria indispensável ter para evitar um sem-número de acidentes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- VV. Ex.as sabem que há romarias que se efectuam em plena estrada, e porque o asfalto é mais convidativo que o largo da povoação, ali só realizam bailes. Já me tem sucedido ir sossegadamente por uma estrada e encontrar uma aglomeração de gente que entusiasticamente ali baila, causando dificuldades atravessar essa multidão sem que ocorra qualquer acidente.
Lembro-me até, Srs. Deputados, de que o único acidente de viação gravo que tive na minha vida foi na minha terra, com um trem. Uma criança saiu de repente a correr e meteu-se debaixo das patas do cavalo. Isto é inevitável.
E quando a gente pensa que um automobilista ao ter um acidente sofre com todo o rigor a actuação da justiça, que lhe cai em cima, não podemos deixar do reconhecer que tudo .isso ó um bocadinho forçado, não Valendo a pena ser perseguido com tanta ferocidade, porque os inconvenientes e as causas desses incidentes não estão muitas vezes no automobilista, mas nas circunstâncias que o rodeiam ou na inconsciência dos peões.
Sr. Presidente: é minha convicção que o que mais falta faz para atenuar e diminuir os acidentes é a educação.
Seria possível fazer-se nas escolas, para as crianças, uma educação sobre o trânsito, e lembro a VV. Ex.as que em França se ensina nas escolas, faz parte dos programas, um código do viação reduzido, com o essencial.

O Sr. António de Almeida: -V. Ex.a fez uma afirmação interessante sobre a possibilidade de se ensinar as crianças. Em Setembro passado estivo na América do Norte e verifiquei que em todas as escolas de ensino primário se faziam prelecções sobre o trânsito.

O Orador:-Agradeço muito o esclarecimento de V.Ex.a...
É evidente que, se a viação automóvel é uma coisa do nosso tempo e não tende a diminuir, mas a desenvolver-se, se não educarmos as pessoas para esta realidade inegável os acidentes hão-de multiplicar-se e ser porventura cada vez mais graves, a menos que nos ré-

Página 396

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 190 396

signemos a circular de automóvel a velocidades tão baixas que não sejam compatíveis com a trepidação da vida moderna.
As pessoas, por falta de cuidado, atravessam fora do sítio próprio, sendo vitimas de acidentes, e as culpas recaem sempre sobre o automobilista.

O Sr. António de Almeida: - Na América do Norte os condutores, junto das escolas, têm de abrandar a marcha, havendo nesses locais faixas especiais pura as crianças passarem, servindo algumas senhoras e os mais velhos de polícias de trânsito, com distintivos apropriados, que toda a gente respeita.

O Orador:-Não só as crianças mas também os adultos precisam de ser instruídos. Todos os processos são poucos para alcançar esse fim: telefonia, televisão, cartazes ou qualquer coisa com que se possam elucidar. Tudo é indispensável para criar no público a ideia dos cuidados a ter.

O Sr. António de Almeida: - N América do Norte também verifiquei que na ocasião da abertura das escolas todos os automóveis traziam dísticos como este: «Abriram as escolas. Cuidado; tenham cautela; as crianças reagem sempre como crianças».

O Orador:-Uma das causas perturbadoras do trânsito e extremamente perigosa são os peões que resolvem atravessar a rua a correr. Esse impulso inicial escapa inteiramente à previsão do automobilista. Casos destes vêem-se constantemente.
Mas verifica-se ainda mais: a péssima iluminação da nossa cidade de Lisboa, que tem em certas ruas zonas escuras onde uma pessoa pode atravessar sem ser vista.
Tudo isto são circunstâncias que me parece deverem atenuar efectivamente os rigores excessivos com que a lei ataca os automobilistas. Não falo, evidentemente, dos casos que têm de ser rigorosamente punidos, como o do senhor que, embriagado, guia automóvel, etc., para os quais não pode haver desculpa.
O nosso Governo tem acompanhado cuidadosamente os trabalhos que se fazem no estrangeiro no sentido de procurar diminuir os acidentes. Há na O. N. U. uma comissão que costuma reunir em Genebra, no Palácio das Nações, e intitulada «Comissão dos Transportes Interiores», a qual trata especialmente destes assuntos. Estamos ali representados por um delegado do Ministério das Comunicações e outro do Ministério das Obras Públicas. Os nossos delegados propuseram ultimamente a realização de uma exposição de cartazes com que se procure elucidar o público, e é curioso verificar que a nossa exposição foi a melhor de todas.
Devo dizer a VV. Ex.as que, tendo procurado informar-me sobre estes assuntos, encontrei números que foram além da minha expectativa, ou, melhor, contrários à minha expectativa.
Estava na convicção de que os nossos desastres de viação seriam em percentagem inferior à dos outros países, mas isso, infelizmente, não é assim.
Ainda agora falei na educação; neste aspecto acho que lá fora até mesmo a própria Igreja serve, para aconselhar as pessoas que circulam nas estradas. É preciso que essa educação vá até aos condutores e, por vezes, à própria Polícia.
Tenho aqui alguns números curiosos, que quero ler a VV. Ex.as, sobre a percentagem de desastres. Há uma estatística de desastres por 1000 automóveis. Essa estatística vem no boletim de estatística dos transportes europeus, mas a de Portugal foi feita cá. Ora a verdade é que o nosso país fica à cabeça, com 96,7 desastres por 1000 automóveis. A Suíça vem logo a seguir, com 90,5.
(Nesta altura assumiu a presidência o Ex.mo Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu).

E a razão por que a Suíça vem logo a seguir é simples: VV. Ex.as sabem que a Suíça é um país montanhoso, com estradas estreitas, onde circulam grande número de turistas que não conhecem essas estradas. Logo a seguir vem a Itália, com 93,4, o Luxemburgo, com 69,1, a Inglaterra, com 55,7, a Irlanda, com 31,12, a Suécia, com 27,4, e a Noruega, com 23,6. Não tenho, neste aspecto, o número de acidentes na França.
Vamos agora ver o número de mortes causadas.
Neste aspecto estamos abaixo da Itália, pois, enquanto nós temos 4 mortos para 96,7 acidentes, a Itália tem 4,8 para 95,4. Depois varia muito esta percentagem, e assim temos: na Suíça 3,2, no Luxemburgo 3, na Irlanda 1,65, na França 1,59, na Bélgica 1,31, na Inglaterra l,2, na Noruega 0,9 e na América 0,66.
Suponho, o V. Ex.ª Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu também se referiu a este assunto, que uma das causas por que a nossa percentagem de mortos nos acidentes é tão elevada é porque não estamos em condições de dar prontos socorros aos acidentes.
O Sr. Dr. Urgel Horta mostrou, noutro dia, falta de simpatia pelas medidas anunciadas pelo Sr. Ministro das Comunicações de procurar ilustrar a Polícia nos primeiros socorros a prestar em casos de acidentes.
Eu permito-me divergir desta opinião porque acho que é preferível que a pessoa que tem de acudir aos sinistrados possua algumas noções do que tem a fazer do que não ter nenhumas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Sói que V. Ex.a Sr. Deputado Paulo Cancella do Abreu está de acordo comigo, e com isso me felicito.
Mas entre nós suponho que o que falta são meios de acudir às pessoas acidentadas, pois, em geral, o hospital local não está em condições de fazer o que é necessário muitas vezes e os meios de condução são deficientes e levam muito tempo a aparecer, etc.
Também me impressiona o facto de ler nos jornais que há determinados sítios onde se repetem os acidentes. Isto é uma prova manifesta de que há ali qualquer coisa que não está bem e, certamente por muitas e ponderosas razoes, tarda-se em não remediar o que manifestamente é causa dos acidentes.
Suponho, Sr. Presidente, que outro motivo da frequência de acidentes é o número cada vez maior de motos e bicicletas motorizadas. Eu reputo isto uma verdadeira calamidade para o automobilista. Compreendo muito bem que as nossas estradas não foram feitas contando com este novo elemento de circulação; não há, pois, uma parte especialmente destinada a velociclos motorizados ...
Mas não há dúvida de que elas constituem para o automobilista motivo de grande preocupação e perturbação na circulação e uma dificuldade imensa, sobretudo de noite.
VV. Ex.as sabem que quando os carros se cruzam e se baixam as luzes os cata-focos não funcionam, ou porque a luz é baixa de mais ou porque a sua intensidade é insuficiente. Só por um verdadeiro milagre é que não se esbarra com uma bicicleta cuja existêência não pôde ser suspeitada
Além disso, há ainda um facto profundamente lamentável, que é a tendência de a grande maioria das bicicletas circularem sem qualquer luz, e o que acontece

Página 397

20 DE MARÇO DE 1957 397

normalmente é que, quando há qualquer desastre, o polícia, naturalmente porque está mais próximo do ciclista, não tem olhos para verificar as suas faltas, mas abro-os bem para o automobilista ...
Suponho ainda, Sr. Presidente, que há muitos carros de lavoura que circulam sem cata-focos e sem luz. Por consequência, os acidentes nestas circunstâncias são inevitáveis.
Outra coisa que me impressiona quando se aprecia este assunto é que o automobilista consciencioso que pretende acudir à pessoa que magoou ou feriu involuntariamente e não tem o cuidado de estar à procura de testemunhas que o ilibem da responsabilidade sofre depois as consequência da sua humanidade, isto é, de ter procurado socorrer a vitima!

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Quando socorrem ! ...

O Orador: - Mas a verdade é que, dada a gravidado das penas, parece que primeiro deverão procurar assegurar-se de que não tiveram qualquer culpa no desastre, deixando o sinistrado a espera de socorros na estrada enquanto procuram arranjar testemunhas, o que aliás é também muito difícil. E isto porque o tempo que se perde nos tribunais e as vexes que lá só tem de ir para nada faz com que todos evitem ser testemunhas ...

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - As testemunhas geral, condenam sempre o automobilista...

O Orador: - Também é verdade, já me sucedeu que, estando parado a uma cancela dos caminhos de ferro, por detrás de uma camioneta, esta fez marcha atrás e amachucou-me o guarda-lamas. Um operário que vinha muito atrás no seu caminho e nada viu, ao aproximar-se, ouvindo a discussão, imediatamente se voltou contra mim. Entre um camarada e um proprietário de automóvel pôs-se logo, e insolentemente, a favor daquele ! ...
Todas estas circunstâncias que eu tenho estado a salientar a VV. Ex.as levam-me a pedir que não haja um tão excessivo rigor contra o automobilista e que voltemos então para o tal processo de educação já aqui referido, para que todos saibam andar na rua, de modo a diminuir-se o número de acidentes de viação.
E se houver socorros a tempo e horas também suponho que o número de vítimas passará a ser mais reduzido.
O assunto que V. Ex.ª trouxe à Assembleia - e felicito-o por isso - tem sempre actualidade, porque, efectivamente, precisamos de estar sempre a tratá-lo para se procurar evitar, quanto possível, esta, praga dos nossos tempos, mas também temos do reconhecer que, de certo modo, se trata dum mal inevitável, porque, desde que ande mais gente nas ruas e mais automóveis em circulação, os acidentes terão de ser em maior número.
No entanto, precisamos do os reduzir para não continuarmos no cimo da escala; precisamos de descer nela, para descanso o tranquilidade de todos nós.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - O debate prosseguirá na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas

Srs. Deputados que colaboram durante a sessão:

Américo Cortês Pinto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Joaquim de Sousa Machado.
José Gualberto de Sá Carneiro.

Srs. Deputados que faltaram à sessão

Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras
António Rodrigues.
António Russel de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinto Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Urgel Abílio Horta.

O Redactor - Luís de Avillez.

Página 398

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×