Página 399
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191
ANO DE 1957 21 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 191, EM 2O DE MARÇO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.:
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Agnelo Ornelas do Rego
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou, aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho, para cumprimento do § 3." do artigo 109." da, Constituição, os Decretos-Leis n." 41 [...] e 41 030.
O Sr. Deputado Azeredo Pereira ocupou-se do problema dos vencimentos do funcionalismo público.
O Sr. Deputada Mendes Correia falou sobre os Decretos-Leis n." 41 O29 e 40 078.
O Sr. Deputado Teixeira de Sousa agradeceu ao Governo a publicação dos Decretos-Leis n.º 41 0217 e 41 028.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu encerrou o debata sobre o seu aviso prévio relativo aos acidentes de viação.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
Página 400
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191 400
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Exposição
«A S. Ex.a o Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - O Grupo Onomástico Os Josés de Portugal, constituído com a principal finalidade de auxiliar os desprotegidos da sorte, não deixou nunca, de se compenetrar de que haveria de realizar várias iniciativas de alcance social e humanitário, para que assim mais pudesse ampliar o ambiente que se formou à volta, da sua constante actuação.
De facto, este Grupo tem acompanhado com muito interesse e sempre com desvelada dedicação todos os acontecimentos que se harmonizam com a sua finalidade e quer sejam desgraças que enlutem o País, como a que se deu com o desaparecimento de centena e meia de pescadores, no Norte, e para a qual concorreu com certa importância oferecida às famílias dos Josés que
pereceram nessa catástrofe, quer sejam iniciativas de carácter nacional, assim como a Campanha. Nacional de educação de Adultos, para a qual desenvolveu sempre larga propaganda para pôr em evidência o sou altíssimo valor e ainda, para mais, vincar esse grande, merecimento, chamando para ele a atenção de todos os portugueses, organizou nas capitais de distrito sessões solenes, com a presença de todas as autoridades locais, para distribuição de relógios ao professor José que mais alunos tivesse levado a exame nessa Campanha e ao aluno José que tivesse feito o seu exame com êxito.
Em Março passado deliberou o Grupo promover em todo o País a organização de comissões de Josés para que fosse possível realizar festividades solenes em louvor de S. José. seu patrono, com missa rezada pelos Josés falecidos, com visitas de conforto espiritual e material aos doentes dos hospitais e aos encarcerados e ainda com a, realizarão, em hora igual em todo o País, dum acto de bondado a favor dos pobres, justamente para exaltar a alma bondosa de S. José, o Bom. o Justo, o maior exemplo de ternura afectiva e de modelar chefe de família.
Esta grandiosa manifestação, que chegou a todos os cantos de Portugal e que chamou sobre si a ternura e a dedicação de Josés espalhados por todo o País e de muitos outros sem serem Josés, teve a colaboração entermecedora de todas as autoridades e um toda a parte o esforço desenvolvido cativou todas as almas boas.
Esta festa a S. José, que no País inteiro interessou todos os que se prezam de ser bons portugueses, foi o prenúncio de que a tarefa deve ser continuada, a fim de se despertar em todo o País a necessidade de ser feriado o dia l9 de Março, para se glorificar o guarda vigilante e patrono de todas as famílias, porque o carpinteiro de Nazaré foi na verdade, o cabeça e guardião da primeira família cristã e foi o pai de Jesus Cristo-homem.
S. Santidade o Papa Pio XI, em 1927, proclamou S. José o melhor e mais santo propulsor da paz entre os homens, como padroeiro de todos os homens do século xx. para assim valorizar toda a acção daqueles que desejam fortalecer a solidariedade humana no verdadeiro sentimento de Deus.
Esta realidade incontestável e inconcussa merece relevo específico na vida social portuguesa e cristã. Como se sabe, existe entre nós um dia consagrado, por tradição, à fraternidade universal (l de Janeiro), um dia consagrado à família (25 de Dezembro), outro dia consagrado à independência de Portugal e, mais recentemente, à Mocidade Portuguesa (l de Dezembro); existe um dia dedicado a Portugal e à raça (10 de Junho), um dia consagrado à Padroeira de Portugal e à mãe portuguesa -Dia da Mãe- (8 de Dezembro). No entanto, falta ainda, na ordem social e na ordem familiar, um dia próprio consagrado ao pai e chefe de família, àquele que é o guarda e protector nato da família: S. José (19 de Marco).
Parece, por isso, oportuno, conveniente e justo, na conjuntura actual da sociedade e das famílias, que todos os portugueses se unam em redor dum ideal nobre e fecundo, para solicitar da Assembleia Nacional que haja por bem instituir, de acordo com a Suprema autoridade eclesiástica, o Dia do Pai, sob o glorioso patrocínio de S. José.
Assim. Josés e não Josés, todos cristãos e portugueses de fé, o pedem e solicitam respeitosamente com as suas assinaturas, confiados em que a ,sua pretensão será salutar para o melhor dos seus sentimentos.
Marco de 1957. - Os corpos gerentes: Comissão de honra: Prof. Doutor José Cueiro da Mata, presidente -
Página 401
21 DE MARÇO DE 1957 401
Almirante José Augusto Guerreiro de Brito- D. José Colaço, bispo de Cabo Verde - D. José Correia da Silva, bispo de Leiria - D. José da Costa Nunes, vice-camarlengo da Santa Sé - D. José Costa Cruz M. Pinto, bispo de Viseu - Dr. José Espirito Santo Silva- D. José Patrocínio Dias. bispo de Beja - Dr. José Pontes - General José Valente Carvalho - D. José Vaz de Almada - D. José Vieira [...], Patriarca das Judias - D. José Pedro
Telegramas
Da direcção do Grémio do Comércio de Braga a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Antão Santos da Cunha em defesa dos interesses da região de Braga.
Do presidente do Grupo Os Josés de Portugal da zona norte a apoiar a exposição acima transcrita.
Do director dos Congregados Marianos de Penamacor no mesmo sentido.
O Sr. Presidente: - Enviado pela Presidência do Conselho e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 60. l .º série, de 15 do corrente, que insere os Decretos-Leis n.º 41 028 e 41 [...]
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Azeredo Pereira.
O Sr. Azeredo Pereira: - Sr. Presidente: não me proponho. na breve intervenção que ora tem lugar, tratar do complexo e difícil problema do funcionalismo público em ordem ao aumento dos seus vencimentos e consequente melhoria da sua situarão moral e material.
Confio e espero que o Governo, conhecedor do mal-estar duma grande parte do funcionalismo e realizador esforçado da justiça social, saberá. na devida oportunidade, que conto seja breve, empreender e levar a cabo a, reforma justa que se impõe.
Certas medidas parcelares recentemente tomadas, abrangendo gratificações, ajudas de custo, etc., embora oportunas e justas, vieram beneficiar apenas um reduzido número de funcionários e, o que é pior. Tornaram mais distanciadas as remunerações que não foram modificadas dos funcionários de inferior categoria.
É imperioso, portanto, proceder-se a uma revisão geral do sistema de pagamento a todo o funcionalismo público, por forma a determinar-se a retribuição justa e equitativa dos servidores do listado e a consequente harmonia e paz sociais.
A situação presente da maior parte dos funcionários, nomeadamente da simpática e benemérita classe dos professores primários u dos que trabalham nos tribunais, requer uma especial atenção, e nas preocupações do Governo e nos seus elevados propósitos ela figura certamente em primeiro plano.
Enquanto, porém, não for possível -e só o Governo sabe do verdadeiro momento da oportunidade adequada- proceder á imperiosa reforma dos vencimentos do funcionalismo. com o justo objectivo de tais vencimentos acompanharem e fazerem face à alta crescente do custo da vida. que tão acentuadamente se vem verificando. enquanto no condicionalismo actual - demora da reforma fiscal. despesas extraordinárias de carácter militar e esforço gigantesco no desenvolvimento económico- se não torna fácil nem exequível decretar o aumento de vencimentos do funcionalismo, pode, no entanto, remediar-se, melhorando-a, a situação de certos funcionários de inferior categoria e dos mais modestos, .sem que isso vá por qualquer modo afectar o equilíbrio financeiro, que é a base e a garantia do nosso ressurgimento.
Quero referir-me, Sr. Presidente, à modesta classe dos escrivães das execuções fiscais.
Já nesta Assembleia o assunto foi tratado por mais de uma vez, sempre com rara objectividade e profunda justeza, e em exposições pelos interessados enviadas aos departamentos competentes deram estes a conhecer a razão que lhes assiste e a justiça por que pugnam e com todo o ardor anseiam.
Até ao presente, porém não viram ainda satisfeitas as suas legítimas aspirações.
Não há dúvida. Sr. Presidente, que esta humilde categoria de servidores do Estado, autênticos funcionários e como tais designados pela lei (artigo 20." do Código das Execuções Fiscais), embora a partir de 1939 venha usufruindo de algumas vantagens, que são um começo de justiça, encontra-se ainda numa situação lamentável e injusta.
Vivendo durante muito tempo apenas do produto das exíguas e diminutas custas pagas em processos executivos, meses havia em que nada percebiam e em outros arrecadavam quantias irrisórias, que em alguns concelhos atingiam quantitativos de 50$ e 100$.
Pelo Decreto-Lei n.º 29 554 foi-lhes garantido um mínimo anual, de diminuto montante, constituído pela importância das custas por cada funcionário percebidas e por um subsídio do Estado correspondente ao necessário para perfazer aquele mínimo.
Posteriormente, verificando-se que o mínimo anual não podia satisfazer as necessidades primárias desta classe de funcionários -alimentação, alojamento e vestuário-, pois tinham de viver a crédito até ao fim do ano, o que acarretava, além do mais, um enorme desprestígio da função, foi. pelo Decreto-Lei n." 34560 extinto aquele mínimo anual e em sua substituição foi criado o mínimo mensal.
Esta medida, pela sua flagrante justiça, concitou o aplauso geral dos aludidos funcionários e, o que é mais o seu indelével reconhecimento.
Mas são passados doze anos e a sua aspiração maior, o seu legitimo anseio -o direito à aposentação-, não foi ainda obtido, o que. dentro dos princípios da moral e da justiça que são apanágio do regime que felizmente nos governa, é de todo lamentável.
Página 402
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191 402
É certo que para os servidores do Estado terem direito à aposentação é requisito essencial, nos termos do Decreto n.º 36 610, de 24 de Novembro do 1947, que recebam vencimentos ou salários pagos por força de verba inscrita expressamente para pessoal no Orçamento Geral do Estado, e os escrivães das execuções fiscais não satisfazem àquele requisito.
Apesar de serem considerados funcionários, com todos os deveres e direitos inerentes àquela qualidade, não podem ser aposentados.
É, porém, das mais elementar justiça providenciar no sentido de os colocar nas condições necessárias para auferirem o direito à aposentação.
A forma actual de remuneração, que é composta pela parte das custas arrendadas e pelo complemento do mínimo mensal pago pelo Estado, deveria ser substituída por um vencimento fixo a inscrever no Orçamento Geral do Estado.
As importâncias das custas arrecadadas nos processos de execuções fiscais reverteriam integralmente para o Estado e seriam escrituradas como sua receita própria e a esta receita acresceria ó complemento de mínimos que o Estado despende.
Não haveria, assim, qualquer aumento de despesa, pois o Estado continuaria a despender apenas o mesmo subsídio.
Por esta forma ou por outra mais prática e que melhor satisfaça tão justa finalidade, a estudar pelos serviços competentes e a decretar tão breve quanto possível, o que importa e se torna urgente é conceder aos escrivães das execução fiscais o direito à aposentação.
E. uma vez concedido este direito, permitir-se, mediante o desconto competente das quotas para a Caixa Geral de Aposentações, a contagem de tempo de serviço aos escrivães que já houvessem prestado ou pudessem prestar quinze ou mais anos de serviço público
Há escrivães das execuções fiscais com vinte, trinta e mais anos de bom e efectivo serviço. Se a doença ou a idade os impossibilitar do trabalhar, ver-se-ão na contingência de recolher a casa, onde apenas encontrarão a maior miséria.
Ampliar-se e tornar extensiva aos escrivães das execuções fiscais a doutrina contida nos Decretos n.º37862, de 24 de Janeiro de 24 de Janeiro de 1950 e 38 385, de 8 de Agosto de 1951, que concede aos propostos e auxiliares das tesourarias da Fazenda Pública e aos funcionários das secretarias notariais e conservatórias o direito à aposentação, è acto da mais flagrante oportunidade e da mais irrefragável justiça.
Em época de tão grandes realizações sociais, no momento em que a política de previdência social do Governo, já em adiantada fase se procura estender aos trabalhadores rurais, não faz na verdade, sentido deixar no esquecimento tão prestante classe de funcionários.
Acresce, Sr. Presidente, que esta modesta classe de servidores do Estado -para além da sua função desagradável e ingrata, pois personificam, em dado momento, todo o inexorável rigor do fisco, suportando todas as queixas e más vontades daqueles que ficam desapossados dos seus bens, pelo que muitas vezes estão expostos, a sérios perigos- auxilia útil e valiosamente os árduos trabalhos das secções de finanças, realizando trabalho meritório.
O que se encontra já feito em favor desta modesta classe de funcionários é muito louvável, pelo que não e justo regatear-se ao Governo o devido agradecimento.
Importa, porém, continuar e concluir a obra de justiça por ele mesmo iniciada.
É imperioso e urgente conceder-se-lhes o direito à aposentação
Peço, por isso a esclarecida atenção do Governo, e de um modo especial do espírito clarividente e justo do Sr. Ministro das Finanças, para a situação dos humildes e sacrificados funcionários das execuções fiscais, solicitando para estes toda a justiça de que são merecedores e a que têm Incontestável direito.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: o Diária do Governo, 1.º série, de l5 do corrente, que esta manhã chegou às minhas mãos, contém o Decreto n.º 41 029, que aprova o Regulamento dos Institutos de Investigação Cientifica de Angola e Moçambique.
Congratulo-mo com a publicação desse diploma, firmado pelo Ministro do Ultramar, Sr. Prof. Raul Ventura, a quem, como ao autor do Decreto n.º 40078, antigo Ministro daquela pasta e nosso prezado colega nesta Assembleia, o Sr. Comandante Sarmento Rodrigues, que criou os dois Institutos, dirijo as mais calorosas felicitações.
As congratulações que neste momento exprimo referem-se especialmente ao facto de pelo novo decreto se testemunhar o propósito de, dentro de curto prazo, se constituírem e se porem em funcionamento os dois organismos.
Eu sabia que havia trabalhos preliminares em curso, que haviam sido designados os respectivos directores e que estes haviam já realizado visitas úteis a estabelecimentos estrangeiros de análoga natureza e começado a elaborar os necessários planos de actividade.
Mas agora o decreto publicado dá-nos a grata certeza de que, como era de desejar e esperar, a feliz iniciativa não afrouxou e está prestes a efectivar-se, enquadrando-se no vasto esquema de providências governatívas desta situação para o desenvolvimento no ultramar da investigação e da cultura cientificas, na conexão mais estreita possível com as organizações correspondentes da metrópole e principalmente com o labor das nossas Universidades e escolas superiores.
De há muitos anos a esta parte venho preconizando, em vários ensejos, a necessidade cientifica e nacional dos novos Institutos. Fi-lo na Junta de Investigações do Ultramar, fi-lo em relatórios diversos, em artigos de jornal e em diferentes discursos nesta Assembleia e noutros lugares.
Como então disse, tais Institutos representam a satisfação de múltiplas e imperiosas exigências do progresso, da cultura e da política no Portugal de além-mar.
Estimulam e promovem o desenvolvimento da investigação científica sobre os problemas respeitantes ao conhecimento e valorização dos recursos naturais e humanos dos nossos territórios ultramarinos.
Constituem núcleos de cordial e fecunda cooperação e convivência entre investigadores metropolitanos e investigadores do ultramar.
São bases ou úteis apoios locais de missões temporárias, de estudo e técnicas, enviadas da metrópole e até para cientistas estrangeiros de boa intenção que queiram colaborar no esforço investigador nacional.
São, sobretudo, destinados a preencher as lacunas nas actividades preexistentes de finalidade análoga, não a substituí-las ou englobá-las.
E, por último, juntam-se a outras providências -como a de concessão de passagens para estudos nas escolas metropolitanas a alunos do ultramar (iniciativa altamente justa e patriótica do comandante Sarmento Rodrigues) - juntam-se, repito, a outras providências para estimulo e desenvolvimento da cultura, de uma cultura superior, no próprio ultramar.
Página 403
21 DE MARÇO DE 1907 403
Este, dum modo geral, ainda não possui a densidade de população discente em condições que aconselhem a criação ali, desde já, de Universidades e escolas superiores, como já tem sido feito pela Inglaterra, pela França, e pela Bélgica nos seus territórios ,do ultramar.
Na África ao sul do Sara, sem falar na África do Sul. já há Universidades ou Faculdades, em conexão maior ou menor com as das metrópoles, actuais ou antigas, em Dacar na Costa do Ouro, (hoje Gana), em Léopold-ville em Elisabethville, na África Oriental Inglesa.
Enquanto só não tornam oportunas análogas iniciativas no nosso ultramar, é bom que Institutos como os agora criados representem ; ali os focos duma acção cultural de nível superior, além das funções de investigação, de coordenação, de radiação, de convergência e, em geral, de intercâmbio que lhes cumpre desempenhar.
Esta é que é uma feliz, equilibrada e ponderada política de estudo e cultura, que, na agitada e desorientada vastidão da África, nós, Portugueses, estamos exercendo serena e dignamente, como se mostra também na cooperação em organismos interafricanos, como os ainda agora reunidos em Lisboa.
Deixo para outra ocasião considerações de oportunidade indiscutível sobre a nossa política ultramarina e a atitude doutros países na matéria.
Por agora limito-me a congratular-me pelas iniciativas em curso, em matéria de investigação e de cultura, relativas aos nossos territórios ultramarinos, com o voto de que aos novos organismos e a quem os dirige não falte o mais lato apoio dos Governos central e locais, latitude e meios de acção quer em instalações e material, quer em pessoal e colaborações verdadeiramente úteis.
O êxito dos novos Institutos e dos outros centros recentemente criados constitui uma condição fundamental do êxito da nossa acção além-mar, granjeando-nos um clima ainda mais favorável do que o de hoje na consciência e simpatia das populações e no conceito do mundo civilizado.
É uma política de bem geral, de fraternidade, de justiça e de prestigiante dignificação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me referir a dois decretos-leis, recentemente, publicados, os quais têm a mais relevante importância para o arquipélago da Madeira.
Pelo decreto-lei n.º 41 027 é assegurado à Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira o prosseguimento dos trabalhos de electrificação rural daquele distrito, beneficiando das comparticipações do Estado nas condições estabelecidas no decreto-lei n.º 38722. Deste modo, terminada a primeira fase, vão prosseguir as obras de electrificação, estando previsto que em 1961 será distribuída energia eléctrica a todas as freguesias daquele distrito.
Presentemente estão em funcionamento catorze redes de distribuição de electricidade nos meios rurais, e no corrente ano ficarão concluídas mais cinco redes.
Escusado será encarecer os benefícios, a comodidade e o conforto que a electricidade vai levar às diferentes freguesias e a importância que pode ter, contribuindo, em certa medida, para a fixação da população nos campos.
E justo recordar que a forma como tom decorrido estes trabalhos e a rapidez da sua execução se devem ao esforço e aos processos de trabalho seguidos pela Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira, cujas normas foram estabelecidas pelo engenheiro Amaro da Costa, quando dirigiu aqueles serviços.
Também se deve notar que este beneficio é uma consequência directa das obras dos aproveitamentos hidráulicos da Madeira, executadas segundo a orientação estabelecida pelo engenheiro Duarte Pacheco e seguidas com o maior carinho por todos os Ministros das Obras Públicas que lhe sucederam. Deu uma contribuição decisiva para a realizarão dentas obras o Dr. José Nosolini, quando governador do Funchal, as quais têm sido acompanhadas com o maior interesse por todos os governadores, em especial pelo nosso colega engenheiro Daniel Barbosa, quando desempenhou aquelas funções.
Sr. Presidente: o outro decreto-lei a que me quero referir ó o n.º 41 028. que abro um crédito de 3000 contos destinado a comparticipar os encargos com a reparação dos estragos e prejuízos materiais causados pelo temporal nos concelhos de Machico e Santa Cruz.
A extensão deste desastre já foi aqui oportunamente salientada pelo nosso saudoso colega Dr. Gastão Figueira e pelo Dr. Alberto de Araújo. É de notar o interesse e o apoio manifestados logo a seguir às aluviões de 3 de Novembro pelo Ex.mo Ministro das Obras Públicas, informando-se e dando indicações sobre as principais providências a adoptar, tendo enviado dois engenheiros, um da Junta Autónoma de Estradas e outro da direcção-geral dos Serviços Hidráulicos, que se inteiraram, no local, da extensão do desastre e deram indicações sobre os trabalhos em execução.
Os corpos administrativos -ajunta geral e as câmaras municipais- realizaram imediatamente as obras que demandavam a maior urgência, e agora, com base neste decreto-lei, serão completadas todas as outras.
Devemos notar aqui o apoio e a actuação permanente, em benefício dos povos atingidos, do governador do distrito, Ex.mo Sr. Comandante João Inocêncio Camacho de Freitas. Ao Sr. Presidente do Conselho e aos Ministros do Interior, das Obras Públicas, das Finanças e da Economia estão os Madeirenses reconhecidos, mais uma vez, pelo interesse manifestado na resolução dos seus problemas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu acerca dos acidentes de viação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Cancella do Abreu.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: fui extremamente sensível às amáveis e generosas palavras que se dignaram dirigir-me os ilustres Deputados Dr. Urgel Horta, Augusto Simões e Melo Machado a propósito desta minha modesta intervenção parlamentar, que apenas teve o merecimento de agitar um problema sério e combater um mal, que, sendo inevitável tributo do progresso, impõe o dever social de reduzir ao mínimo o seu preço.
E esforçar-me-ei por chegar ao fim desta longa jornada sem ter atropelado ninguém. Apenas, porventura, alguma derrapagem, mas, neste caso a vitima sou eu apenas.
Não vou deter-me na análise circunstanciada das considerações dos oradores que se dignaram trazer ao de-
Página 404
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191 404
bate o prestígio da sua palavra conceituosa, e que, sem dúvida, eu não sabia emprestar-lhe, tanto mais sendo certo que, afora alguns pormenores, nos encontramos numa impressionante e expressiva unanimidade de vistas em assunto complexo e vastíssimo, em que é legítima e natural uma grande variedade de opiniões com respeito às causas, aos efeitos e às soluções sobre os vários aspectos a contemplar.
Assim, às substanciosas considerações do Sr. Dr. Urgel Horta apenas tenho a fazer um reparo, reparo tanto mais audacioso quanto é certo ser de um leigo a um médico.
É que S. Ex.a, ao referir-se à assistência clínica de urgência na estrada e ao indicá-la como necessidade pro-vadamente útil, mostra-se receoso das intervenções terapêuticas intempestivas ou contra-indicadas, que, como, aliás, eu e todos, condena como possível causa de lesões irreparáveis ou mesmo de complicações mortais, e depois de acentuar o princípio, também unanimemente aceite, de que vale mais não fazer nada do que fazer mal, louvou os cursos de enfermagem para os agentes do trânsito, mas só pelo que a medida tem de boa intenção, e não pelos resultados que dela haja a esperar.
Ora, salvo todo o respeito, permito-me repor o problema no pé onde o coloquei. Assim como não pode haver uma bomba ao pé de cada incêndio -e por isso nem sempre ele se extingue logo e propaga-se-, não pode haver uma ambulância, um médico ou um enfermeiro ao pé de cada acidente - e por isso muitas vezes o socorro às vitimas não é prestado a tempo de salvá-las.
Julgo eu que, em casos extremos, todos devem intervir como puderem e souberem, mas, se estiver presente ou comparecer um guarda que tenha algumas noções sobre o modo de prestar socorro imediato e tantas vezes salvador, tanto melhor.
Invasão de atribuições ? Meu Deus! Então retirem-se das praias ou das fábricas e oficinas onde existam as instruções para imediata assistência aos náufragos, aos electrocutados e aos feridos, mediante n respiração artificial, a desinfecção, o estancamento de hemorragias, etc.
Evidentemente que não me refiro aos traumatismos que, embora reclamem socorro urgente, pertençam unicamente ao foro médico.
Como, porém, estou metendo foice em seara alheia, convém documentar o meu raciocínio em apoio autorizado. E, precisamente hoje, tive oportunidade de ler no Boletim do Auto-Clube Médico o seguinte passo de um interessante e profundo estudo do Dr. Vieira Lisboa sobro o «Traumatismo por Acidentes de Viação»:
Julgamos que devemos antes deixar o acidentado em repouso, estando precavidos e vigiando a evolução do quadro, do que transportá-lo imediatamente para um centro cirúrgico, quando o que está em causa é a vida do doente e não qualquer intervenção ou redução cirúrgica de uma fractura, que pode esperar algumas horas.
Ora, que melhor forma pode haver de salvar a vida do sinistrado do que o socorro imediato prestado por quem tenha algumas noções de enfermagem?
O Sr. Urgel Horta: -V. Ex.ª dá-me licença?
Afinal, aquilo que V. Ex.a está a dizer é a confirmação do que eu digo: transporte intempestivo dos doentes, a aplicação de certas terapêuticas por quem não sabe ...
Esse artigo publicado no Boletim ao Auto-Clube Médico que V.Ex.a referiu dá-me inteira razão.
Não são esses que possuem umas noções tão ligeiras que sabem se o doente deve ser ou não transportado imediatamente.
É evidente que não pode estar uma ambulância em cada local, mas pode haver um médico, um enfermeiro em cada ambulância, e são necessárias algumas.
De maneira que o que V. Ex.a leu agora só confirma aquilo que eu afirmei.
Dão-se muitos desastres por transporte intempestivo. E V. Ex.a sabe que há países onde existem essas ambulâncias preparadas com médicos e enfermeiros, em brigadas que correm constantemente a estrada para evitar esses desastres.
O Orador:-Desde que não pode haver em cada local de acidente uma ambulância, um médico ou um enfermeiro, bom é que surja, quanto possível, alguém com conhecimentos rudimentares de enfermagem suficientes para socorrer os sinistrados enquanto não vêm a ambulância, o médico ou o enfermeiro.
O que imediatamente há a fazer é um tratamento de urgência.
O Sr. Urgel Horta: - Mas esse tratamento tem de ser feito por pessoa competente. Pessoa com um mês vendo praticar enfermagem não sabe coisa nenhuma.
O Orador:-Com um mós já se podem adquirir algumas noções, e, sendo possível, deve-se prolongar o estágio. O ponto fundamental da minha discordância com V. Ex.ª está em eu considerar não só útil, mas indispensável aquela aprendizagem.
O Sr. Urgel Horta: - Indispensável é, mas com a tempo suficiente para essa aprendizagem ser útil.
V. Ex.ª sabe quanto tempo demora a prepararão de um enfermeiro? Uma série de anos.
O Orador:-Mas. como não há possibilidade do realizar esse ideal em relação aos guardas da Policia do Viação e Transito, vá-se até onde for possível.
Merecem a nossa concordância as palavras e os comentários expressivos do Sr. Dr. Augusto Simões, e, com S. Ex.a, entendo ser justo distinguir, entre as classes de condutores, a dos profissionais, que ganham o seu pão ao volante dos transportes pesados e ligeiros, e a dos particulares, até porque não são geralmente aqueles, mas sim estes - que, verdade seja, são mais numerosos -, os que, proporcionalmente, cometem maior quantidade de infracções.
O rigor da lei deve recair igualmente sobre todos os responsáveis, e o seu peso deve ser implacável tratando-se de certos jovens inexperientes, a quem os pais presenteiam nos exames escolares ou no casamento, e até para irem às aulas, com uma espécie de torpedo de «jacto», que eles liquidam em aventura: ou matando ou morrendo.
Porque não há-de estabelecer-se que só se concede a carta de condução a quem tenha atingido os 21 anos de idade, a não ser nos casos de comprovado interesso profissional?
Quanto aos outros colegas, entre os quais o Sr. Melo Machado, a quem a acústica deste hemiciclo cinemascó-pico não tenha permitido ouvir todo o meu despretensioso arrazoado, e por isso imaginem que pretendi tomar partido e responsabilizar e acusar os muitos que não têm culpas e se comportam de conformidade com as regras que a lei e a prudência impõem, informo-os de que no Diário das Sessões está reproduzido com fidelidade o que aqui disse e é testemunho da razão e da imparcialidade que me esforcei por empregar.
O próprio Sr. Melo Machado, que me interrompera, o reconheceu lealmente no seu discurso.
Em dado momento, o ilustre Deputado perguntou-me, à queima-roupa, se não haveria mais acidentes com
Página 405
21 DE MAEÇO DE 1957 405
carros de cavalos, desde que devemos contar com a irreflexão do condutor e com as manias dos cavalos.
Há sua diferença, pois, ao passo que estes semoventes são utilizados geralmente sós ou em parelha, os cavalos de cada unidade motorizada são mais numerosos e, se realmente aqueles são perigosos quando tomam o freio nos dentes sem que a rédea firme os contenha, estes, pela sua força e quantidade, mais perigosos são quando desbocados sem que o volante os domine.
Ao Sr. Melo Machado mereceu também particular atenção o problema dos peões; e eu tão de acordo estou com S. Ex.ª que, talvez até mais vincadamente, acentuei a enorme contribuição que dá para os acidentes o péssimo comportamento deles e também dos ciclistas nas ruas e estradas. É clamoroso e intolerável, urgindo pôr-Ihe cobro.
Disso resulta até que entre os peões figura mesmo o maior número de vítimas. Ficam muitas vezes impunes, é certo; mas muitos não pagam a multa nem vão para a cadeia, porque vão para o hospital ou para o cemitério.
Vejamos:
Em 1951 houve 4 335 atropelamentos e em 1955 elevaram-se a 5 543, sendo só em Lisboa 2 738. Atropelamentos de peões, é evidente.
Num total de 520 mortos por acidentes de viação em 1955, os peões foram 223, ao passo que os condutores de motorizados foram 66 e os passageiros 112, tendo os ciclistas contribuído com 99.
O Sr. Melo Machado: - Isso não quer dizer nada sobre a culpa.
O Orador:-O peão é grande responsável, mas é também grande vitima, porque não tem nada que defenda a sua integridade física, ao passo que o motorista muitas vezes escapa porque o próprio carro que conduz atenua o efeito do embate.
São inúmeras vezes vítimas de si próprios, e nem o instinto de defesa os contém!
Os choques foram mais do que os atropelamentos, pois elevaram-se a 7827, também em 1955. Porém, deve, por ser justo, notar-se que há muitos casos em que eles são provocados precisamente pela má conduta dos peões.
A primeira vista, uma coisa é, realmente, digna de estranheza : consiste em ser insignificante o número de autos levantados em 1935 por transito irregular de peões; mas isto, além da impossibilidade, já referida, de uma rigorosa fiscalização, proveio, segundo me informaram, de uma certa e calculada tolerância que houve desde a publicação do novo Código da Estrada até perto do fim daquele ano.
Já não sucedeu assim em 1956, pois as multas aplicadas a peões elevaram-se a 15 700.
Muitos utentes das ruas o estradas entendem que elas são propriedade sua e não de todos e para todos, e, além disso, por esse País fora, muita gente do nosso povo, especialmente das classes mais humildes, incluindo muitos ciclistas e até condutores, ignora totalmente as regras do transito; e assim não são vítimas apenas da imprudência, são-no também da ignorância.
Combatê-la pela educação, pela propaganda e por meios suasórios, pode muitas vezes ser mais eficaz do que a simples aplicação de multas. E é aconselhável, em vez da multa ou com o seu recibo ou talão, entregar ao infractor uma pequena cartilha das regras essenciais do trânsito.
Entre os comentadores externos, um ás do volante, muito meu conhecido, disse-me que esqueci os que andam irritantemente devagar. Quis referir-se especialmente a alguns «domingueiros», que realmente, às vezes, congestionam ou embaraçam o transito.
Seria também útil e justo referir estudos e opiniões sobre os problemas de viação e trânsito em todos os seus aspectos e a propaganda de segurança a que se tom dedicado, além das revistas que mencionei, pessoas autorizadas, como o engenheiro Canto Moniz, o Prof. Dr. Moreira de Sá e outros; como menção especial merece também a larga e sugestiva propaganda da segurança no transito a que se tem dedicado a Shell Portuguesa, especialmente pela instrução escolar recreativa.
Algumas pessoas se me têm dirigido nos últimos dias, narrando casos curiosos ou impressionantes, fazendo comentários e emitindo opiniões, o que tudo prova o interesse que este aviso prévio -não pelo autor, mas pelo assunto- despertou no País.
Evidentemente que me é impossível referir-me a todos e estar de acordo com a totalidade das sugestões e alvitres, aliás contraditórios, que me apresentaram.
Apenas refiro, por ser das mais interessantes, uma carta anónima, cujo autor, segundo diz, não assina por continuar a ser anónimo para mim ...
Narra que na Holanda encontrou à margem das estradas grupos de alunos das escolas primárias a observarem, por indicação dos professores, a passagem dos automóveis e a anotarem os seus números de matricula, a cor e outras características, e os que mais cuidado revelassem seriam premiados. Isto, entre outras vantagens, tem a de interessar as crianças no trânsito e fazê-las estar atentas à aproximação do perigo, conseguindo até, por vezes, dar preciosas informações às autoridades, mesmo na descoberta do itinerário da fuga de criminosos comuns e dos infractores das regras do trânsito.
Também um ilustre colega nosso me disse ontem que semelhante prática é usada nos Estados Unidos, intervindo até as crianças em actos de regularização do trânsito.
Das outras cartas, umas dizem que poupei mais os condutores do que os peões e ciclistas e outras dizem que poupei mais estes do que aqueles, e isto, a meu ver, é bem a prova de que me esforcei por ser imparcial e justo. Ataquei, enfim, todos os responsáveis pelos acidentes ou em risco de, por sua culpa, os causarem, e, note-se bem, só eles, seja qual for a sua condição ou categoria.
Fala-se também do que sucede lá fora, mas o Sr. Melo Machado confirmou, mediante dados estatísticos, que, também em confronto com outros países, não é lisonjeira a nossa situação. Mas, se o fosse ou viermos a conseguir que o seja, tanto melhor. Seria mais um exemplo a darmos ao Mundo, além de tantos que, graças a Deus, lhe damos.
O Sr. Melo Machado: - O que se torna realmente preciso é reduzir o número de acidentes.
O Orador:-Sem dúvida. V. Ex.ª vai ver aquilo que para esse fim me atrevo a sugerir.
Sr. Presidente: o artigo 45.º do Regimento permite que o debate seja encerrado mediante uma moção de ordem. E é frequente apresentá-la.
Permitam-me, porém, V. Ex.ª e a Assembleia, que mais uma vez transgrida este costume.
Tenho opinião comprometida a tal respeito. Na sessão de 6 de Março de 1953, ao encerrar um longo debate num dos momentos mais emotivos da minha actividade parlamentar, disse que uma moção anódina, vaga, sem conteúdo, em nada esclarece o Governo e não é por ela faltar que ele deixará de seguir o caminho que o debate lhe sugira.
Por outro lado, uma moção mais expressiva, que especificamente concretize regras ou soluções, pode embaraçar a actuação do Governo que queira ser fiel à doutrina ou ao voto que nela se exprime, mas não possa
Página 406
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191 406
consegui-lo por quaisquer razões imponderadas ou supervenientes.
Por isso julgo preferível dirigir daqui um apelo caloroso e confiado aos Srs. Presidente do Conselho e Ministros das Comunicações, das Finanças, das Obras Públicas e da Educação Nacional para que conjuguem todos os seus esforços na luta pertinaz e constante contra os acidentes de viação.
É, todavia, legitimo que haja quem me interrogue sobre as soluções que se me afigurem mais eficazes para o conseguir; e por isso, neste final, ouso, em meu nome pessoal e sob censura, estruturar algumas conclusões, que julgo serem a suficiente expressão dos anseios de que neste debate nos esforçámos por ser intérpretes, a saber:
1.º Aumento substancial das dotações orçamentais e, desde já, investimento de verbas suplementares nos serviços de viação e trânsito, já desfalcados também pela subida dos seus encargos correntes, devido à elevação dos preços dos combustíveis, do material, das reparações, das ajudas de custo, etc.;
2.0 Aumento em quantidade eficiente dos quadros da Policia de Viação e Transito, nomeadamente das brigadas móveis, possibilitando assim a sua actividade geral e permanente em todo o Pais, inclusivamente por meio de agentes secretos;
3.º Maior e melhor equipamento dos seus postos e brigadas com transportes motorizados, balanças portáteis, etc.;
4.º Intensificação do emprego de emissores-recep-tores de T. S. F. em todos os serviços daquela Policia e emprego do radar;
5.º Evitar a impunidade e tolerância nas infracções do Código da Estrada cometidas por peões e toda a espécie de condutores, incluindo ciclistas, que originem acidentes ou importem grave perigo para o público e para eles próprios:
6.º Rigor no exame psicofísico dos candidatos e suas reacções e na prestação das provas, sendo estas também com percurso em estradas concorridas;
7.º Concessão de carta de condução só aos 21 anos de idade, excepto nos casos de comprovada necessidade profissional;
8.º Marcação de faixas de travessia em todos os centros populacionais e nas estradas de maior trânsito e punição dos peões que não as utilizem ;
9.º Apreensão também definitiva da carta de condução aos reincidentes em infracções provocadas por estado de embriaguez, e não apenas aos alcoólicos habituais;
10.º Rigorosa fiscalização do horário de serviço dos motoristas profissionais, em ordem a evitarem-se acidentes originados na fadiga ou no adormecimento ao volante;
11.º Intensificação, com largas dotações, da notável acção da Junta Autónoma de Estradas, pela melhor adaptação destas à intensidade do transito, mediante constantes reparações, alargamentos, derivantes, supressão e descobrimento de curvas, supressão das restantes passagens de nível, revestimentos de granito, de betonilha granitada, etc.;
12.º Generalização dos cursos elementares de enfermagem para os guardas da Polícia de Viação e Trânsito e seu equipamento, com vista a socorros urgentes, e criação de uma rede de serviços de assistência na estrada, mediante pessoal, ambulâncias cirúrgicas e outros meios;
13.º Repressão imediata da utilização das partes exteriores de plataformas dos transportes colectivos por menores e adultos;
14.º Estudo da ampliação a todos os veículos de carga e ligeiros da obrigatoriedade do seguro da responsabilidade civil e, entretanto, exigência de qualquer das formas usuais de caução para garantia da indemnização aos sinistrados ou a suas famílias;
15.º Para maior exactidão estatística, exigir que todas as companhias de seguros informem a Direcção-Geral de Transportes Terrestres dos acidentes de viação que lhes tenham sido comunicados pelos segurados;
16.º Finalmente, instrução, propaganda pela palavra, em conferencias ou simples palestras através da rádio, por cartilhas distribuídas em todos os recantos do País e lares e ainda pela imagem sugestiva e impressionante, através da imprensa, do cinema, da televisão e de cartazes, e, obrigatoriamente, noções sobre o trânsito em todos os estabelecimentos de ensino, nas fábricas e oficinas, nas associações, nas Casas do Povo, nas colónias de férias, nos quartéis, em toda a parte, enfim, e contando-se em tudo também com a valiosa colaboração da Igreja, da Legião e da Mocidade Portuguesa.
Mais ainda? Certamente.
Por exemplo: para os doidos ... o manicómio e para os teimosos e perigosamente rebeldes talvez fosse útil estampar, bem à vista dos seus olhos e por toda a parte, o 5.º mandamento, como o refere o Evangelho de S. Lucas: «Não matarás» ! ...
O que fica apontado como síntese e o mais que seja adequado, tudo importa. Mas, repito, pouco resulta sem se enfrentar aquilo em que todo o problema deve assentar a sua estrutura: educação.
Ainda recentemente o Sr. Ministro do Interior, ao referir a necessidade da educação do homem e da elevação do seu nível moral e social, recordou esta afirmação de Salazar, inteiramente apropriada aqui e neste epílogo do debate:
Tudo se tem reformado menos aquilo que, na realidade, o devia ser primeiro - o homem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Está esgotada a inscrição sobre este debate, que declaro, por isso, encerrado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - O assunto que a seguir designarei para ordem do dia é a proposta de lei que introduz alterações à Lei n.º 2030. Trata-se de um diploma que, não sendo muito extenso, tem excepcional importância e é susceptível de grande repercussão social e na opinião pública.
O tempo que as comissões têm tido para se ocuparem deste diploma não é talvez o bastante, de forma que
Página 407
21 DE MARÇO DE 1957 407
isso me obriga a não marcar sessões até terça-feira próxima.
A matéria da ordem desse dia será a discussão na generalidade da proposta de lei que introduz alterações à Lei n.º 2030 (Lei do Inquilinato).
Essa proposta tinha sido inicialmente mandada por mim à Comissão de Legislação e Redacção.
Verifiquei depois que era conveniente também que ela baixasse ao exame das Comissões de Economia e de Trabalho, Previdência e Assistência Social.
Assim, convoco para esse efeito estas duas últimas Comissões para se reunirem amanhã, às 15 horas e 30 minutos.
A próxima sessão será, pois, na terça-feira, dia 26, com a ordem do dia já enunciada.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Jorge Botelho Moniz.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL de LISBOA