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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 195
ANO DE 1957 30 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 195, EM 29 DE MARÇO
Presidente: Exm.º Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Alberto Pacheco Jorge
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Pereira da Conceição solicitou do Ministério das Finanças um aditamento à alínea a) do n.º 2.º do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 24 046.
O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu ocupou-se das vias de acesso à cidade de Aveiro.
O Sr. Deputado Pinho Brandão associou-se às palavras do orador antecedente.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Daniel Barbosa continuou a efectivar o seu aviso prévio acerca do problema económico português e ficou com a palavra reservada.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélia Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
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João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 74 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Da União dos Grémios de Lojistas de Lisboa a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Antão Santos da Cunha acerca das actividades comerciais e da organização corporativa.
Da Câmara Municipal de Tomar a solicitar que o Tribunal do Trabalho de Tomar seja classificado de 2.ª classe.
Telegramas
Do Grémio Concelhio dos Comerciantes de Materiais de Construção do Porto a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Antão Santos da Cunha acerca das actividades comerciais e da organização corporativa.
Do Grémio dos Armazenistas de Materiais de Construção do Norte no mesmo sentido.
Do Grémio do Comércio de Viseu no mesmo sentido.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Pereira da Conceição.
O Sr. Pereira da Conceição: - Sr. Presidente: tive conhecimento da situação moral, verdadeiramente angustiosa, em que se debatem alguns dos velhos e dedicados servidores do Estado, credores do nosso maior carinho, e, por isso, só através do interesse que lhe dispensarmos poderemos manifestar-lhes o reconhecimento que merecem pela forma zelosa por que durante o decorrer duma vida desempenharam as funções que lhes estavam confiadas.
Não é demais, portanto, clamar que se ponha termo ao cruciante problema que os envolve e lhes perturba o sossego que os devia acompanhar no último quartel da vida, permitindo-lhes encarar a morte com a serenidade do dever cumprido e sem a preocupação da situação precária, para não dizer de míngua, em que os seus familiares se irão encontrar, precisamente porque, com o seu falecimento, desaparecerão os meios de subsistência que até essa data permitiam a manutenção do seu agregado.
Quanta amargura, quantas horas de insónia não terá provocado a esses velhos servidores do Estudo a ideia de que, num futuro que cada vez se aproxima mais, porque quanto mais viverem mais perto estarão do fim terreno, aquela filha que de criança já não tem nada, e que, exactamente por isso, não poderá conseguir qualquer espécie de colocação que lhe permita angariar os meios económicos de que carece para se manter, mas que lhe dispensou sempre todo o amor filial, conjunto de carinho e sacrifício, dulcificando-lhe os últimos dias da sua velhice, velando para que nada lhe falte, amparando-o ternamente nos seus achaques, aquela filha ficará sem amparo, sem arrimo, inclusivamente até sem lar, porque mais não terá para se prover do que a generosidade dos amigos de seu falecido pai.
E ele, velho servidor do Estado, com a experiência adquirida nos longos anos de serviço, em contacto com o egoísmo da multidão que durante esses anos diariamente com ele esteve em contacto, conhecendo o cepticismo da maioria, sabe que nada há mais duro que aguardar a caridade dos outros, que rapidamente se esgota e se cansa.
É triste, muito triste, confrangedor mesmo, atentarmos em que, numa vida débil prestos a atingir o seu termo, um cérebro, cônscio de que sempre cumpriu os seus deveres, se preocupa com um problema que lhe furta todos os momentos de descanso, amargurando-o precisamente quando devia gozar em toda a sua plenitude o sol invejado do nosso tão querido país e beneficiar do respeito que todos nós temos por uma velhice venerável.
Podem VV. Ex.as estar certos de que em coisa alguma exagero a situação desses velhos servidores do Estado, nem procuro circunscreve-los num panorama de cores mais nnegras do que as da realidade
Se foco tão pormenorizadamente o problema é porque pretendo que possa ser avaliado em todos os seus meandros e haja todo o interesse em o resolver, mesmo que a solução seja difícil.
Mas nem sequer há dificuldades a vencer, pois é muito simples, é mesmo da maior simplicidade, o solucioná-lo: bastará acrescentar ao texto dum preceito legal uma disjuntiva e algumas palavras mais.
Analisemos concretamente o problema.
Não é segredo para ninguém, e muito menos para nós, o cuidado que o Governo tem dispensado à situação dos servidores do Estado. Pode mesmo dizer-se que foi uma das suas primeiras e principais preocupações após o 28 de Maio.
Assim, em 1929 criou-se a Caixa Nacional de Previdência. E mais tarde, dentro da própria Caixa Nacional de Previdência, mas como instituição autónoma especial, foi criado o Montepio dos Servidores do Estado.
E não podem restar dúvidas de que ao critério da sua criação presidiram duas ideias fundamentais, em que a segunda é consequência da primeira, como claramente (...)
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(...)se verifica tanto do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 24 046, de 21 de Junho de 1934, que o instituiu, como do relatório que precede e justifica este decreto-lei e que talvez se possam sumariar da maneira seguinte:
A unificação de todos os montepios do Estado num único -o dos Servidores do Estado-, para assim assegurar que o montante das pensões a atribuir às famílias dos seus contribuintes não sofresse alterações sensíveis, como anteriormente sucedia, pois cada montepio fixava estatutàriamente e consoante entendia o quantitativo que correspondia a cada categoria e consoante a quota com que contribuíam, sem que, porém, houvesse um critério uniforme a que se obedecesse.
E neste último aspecto procurou o legislador estabelecer uma ordem de preferência na atribuição do direito ao recebimento da pensão.
Pela forma por que se estabeleceu o escalonamento verifica-se que o legislador teve a preocupação de assegurar, em primeiro lugar, a manutenção da viúva e das filhas do falecido, desde que se encontrassem na situação de solteiras, viúvas ou divorciadas.
É o que se estatui na alínea a) do n.º 2.º do artigo 32.º do referido decreto-lei, que expressamente estabelece:
Art. 32.º São considerados herdeiros hábeis do contribuinte falecido:
2.º Os filhos legítimos (incluindo os póstumos), legitimados ou perfilhados nos termos da lei civil, nas seguintes condições:
a) As filhas que à data do falecimento do contribuinte forem solteiras, viúvas ou divorciadas;
Pergunta-se: e as filhas separadas judicialmente?
A situação de direito das divorciadas e das judicialmente separadas é paralela, e não se diz igual ou equivalente porque uma única circunstancia as diferencia: a de lhes ser facultado ou proibido o contraírem novo matrimónio.
Mas, se no campo do direito só este impedimento distingue as duas situações, pois as outras consequências que delas derivam são absolutamente semelhantes, perante o disposto no referido artigo 32.º encontram-se numa situação de desigualdade que aparentemente nada justifica, que aparentemente também não pode ter fundamento sério em que se filie e nem sequer traduz uma lacuna da lei.
E não se pense que, emergindo o direito das filhas do falecido da disposição já reproduzida, sendo a situação da filha judicialmente separada equivalente à da divorciada, pode a primeira ser englobada dentro do âmbito do citado preceito legal.
A enumeração do artigo 32.º é taxativa, pelo que tem de ser rigorosamente observada, nela não se podendo, portanto, englobar qualquer pessoa que não possua o estado civil que nela expressamente se indica.
E não se pode dizer também que se não encontra prevista a situação das outras senhoras de família do falecido que sejam divorciadas ou separadas judicialmente, porque fazê-lo seria olvidarmos o disposto no n.º 4.º do mesmo artigo.
Mas neste preceito legal prevê-se uma situação totalmente diferente: ele engloba todas aquelas senhoras de família que se encontrem num grau de parentesco e numa situação económica que lhes permitiria solicitar em vida do falecido e deste uma pensão alimentar.
Basta confrontar as duas disposições citadas -alínea a) do n.º 2.º do artigo 32.º com o n.º 4.º do mesmo artigo- para ressaltar a anomalia que deles resulta. Pela primeira, as filhas solteiras, viúvas ou divorciadas preferem aos restantes parentes com direito à pensão; mas as filhas separadas judicialmente, porque não estão expressamente mencionadas no texto legal, terão de ser abrangidas pelo disposto do n.º 4.º, e, portanto, só poderão beneficiar da pensão na ausência de outros parentes que lhes prefiram.
Por exemplo: com o falecido servidor coabitavam e viviam a expensas dele duas filhas, uma divorciada, outra separada judicialmente; do agregado familiar do falecido não fazia parte qualquer outro parente que pudesse ser considerado como herdeiro hábil para os efeitos consignados na citada disposição legal. E, como da forma taxativa por que se encontra feita a enumeração do artigo 32.º resulta a exclusão duns parentes em benefício de outros, depararemos com a seguinte e anormal situação do facto: à filha divorciada seria atribuída a pensão, mas a filha separada judicialmente nada receberia e ficaria às expensas da irmã, se esta, por caridade, lhe quisesse dispensar o seu auxílio. A lei não pode ter incongruências desta natureza, que só aparentemente podem existir.
E donde resultou esta?
A resposta é fácil se não nos esquecermos que a criação do Montepio dos Servidores do Estado, ou seja o Decreto-Lei n.º 24 046, data de 1934.
A lei que então regia a separação de pessoas, tomando este termo na acepção de facto e não de direito, era a Lei do Divórcio.
É verdade que nela se consignam disposições que permitem a simples separação de pessoas ou a separação de pessoas e bens.
Mas também é verdade que a prática veio demonstrar que só excepcionalmente tais disposições legais tinham aplicação, pois todos aqueles que pretendiam separar-se utilizavam o divórcio como meio e só raramente recorriam à separação de pessoas.
E, quando empregavam este meio, se decorridos dez anos após essa separação quisessem convertê-la em divórcio podiam fazê-lo.
Consequentemente, só do inusitado meio da separação pode ter resultado o lapso de na referida alínea a) se não declarar em situação paralela a das filhas judicialmente separadas com a das solteiras, viúvas ou divorciadas.
Há anos atrás era coisa rara encontrar-se uma senhora judicialmente separada de seu marido.
E por isso o legislador, ao escalonar as preferências, referia as divorciadas, sem, porém, se lembrar das judicialmente separadas.
E não carecia de o fazer.
Durante anos o problema não se levanta e só há pouco surgiu, quase que inopinadamente.
Porquê ?
Em 1940 foi promulgada a Concordata. Usava-se e abusava-se do divórcio, tudo quanto há de mais contrário não só à estabilidade que todo o lar cristão e católico deve ter, como à sã educação moral que os filhos devem receber e cujos efeitos perniciosos vinham verificando-se de há muito, porque, se é indispensável dar aos filhos a educação técnica de que carecem para se tornarem indivíduos aptos, para fazer deles bons cidadãos e poderem manter-se pelo seu próprio esforço, esta educação só pode ser completa e frutificar em toda a sua amplitude quando obtida e orientada num meio familiar adequado e não quando dispensada de qualquer modo e encontrando-se os pais separados e com novos lares constituídos, em que os filhos têm de se dividir entre ambos, com o inconveniente de, simultaneamente, depararem com madrasta e padrasto.
A todos estes inconvenientes, que apenas se esboçam e que não careço, como é obvio, de pormenorizar, obedeceu a Concordata, determinando que todos aqueles que tivessem realizado o casamento canónico jamais o poderiam ver dissolvido senão por morte.
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Mas, como é fácil de suceder, nem todas as normas legais foram adaptadas à inovação. E daqui resultaram anomalias, como aquela que acabo de apontar. E estas anomalias não se verificaram só no Montepio dos Servidores do Estado.
Noutros organismos congéneres, de carácter particular, surgiram também, igualmente se verificando a necessidade de pôr cobro a tais situações de desigualdade. E alguns já o fizeram, como, por exemplo, o Montepio Geral, uma velha e prestimosa instituição, de tão vastas e honrosas tradições.
Nos seus estatutos, da mesma forma que no Decreto--Lei n.º 24 046, apenas se encontrava prevista a atribuição de pensão às filhas solteiras, viúvas ou divorciadas.
E como a apontada anomalia surgisse, o Montepio, através da sua assembleia geral, desde 1954 que tem o seu problema resolvido; aditou à disposição estatutária uma disjuntiva e algumas palavras mais: «Ou judicialmente separadas de pessoas e bens».
Porque se não há-de fazer o mesmo à alínea a) do n.º 2.º do artigo 32.º do já aludido Decreto-Lei n.º 24 046?
Disse logo ao iniciar estas minhas considerações que o problema era de fácil solução. E verifica-se que assim é.
Basta aditar à referida disposição legal os mesmos termos que constam dos estatutos do Montepio - «ou judicialmente separadas de pessoas e bens» - para que a situação de desigualdade entre filhas de estado civil equivalente, mas que são sempre filhas, desapareça. E, assim, continuar-se-á a pisar aquele caminho de defesa do agregado familiar que o Governo sempre tem trilhado.
Por isso ouso daqui solicitar ao Sr. Ministro das Finanças a sua atenção para este caso, que me parece merecer justo e digno deferimento, consagrando uma solução que, já adoptada em instituições de previdência particulares, exige reconhecimento semelhante por parte do Estado em relação aos seus próprios servidores. Com tal decisão, parece-me, far-se-á caridade e justiça, mas sobretudo justiça para os que se acham no ocaso da vida, duma vida feita existência inteira posta ao serviço dos labores do Estado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: -Sr. Presidente: vem anunciada nos jornais de hoje uma empreitada para a construção de variantes das estradas n.os 16 e 109, junto da cidade de Aveiro.
Registo com satisfação este acontecimento, que certamente causará grande regozijo naquela cidade e subúrbios e mesmo em todo o distrito, pois o importante melhoramento a todos interessa mais ou menos directamente o constitui uma velha aspiração inteiramente justificada. Por isso me refiro a ele aqui e dirijo ao Sr. Ministro das Obras Públicas os mais vivos agradecimentos, certo, como estou, de que interpreto o sentimento do meu distrito.
Realmente Aveiro está muitas vezes quase isolada e inacessível devido às duas passagens de nível existentes naquelas estradas, uma ao norte e outra ao sul da estação de caminho de ferro e a poucos metros de distância, e, portanto, necessariamente encerradas frequentemente por motivo das manobras dos comboios.
E, além destas, apenas serve a cidade a estrada que vem do Sul, realmente em bom estado de conservação, mas estreita, com numerosas e apertadas curvas e sem outros acessos próximos para a estrada n.º l e para a restante rede rodoviária do Pais.
O resultado é que, além do embaraço geral que a todo o movimento causa o inevitável encerramento daquelas passagens de nível, por menos demorado que seja, transtorna muitas vezes a vida particular de toda a gente e nomeadamente daqueles que têm obrigação de comparecer a hora certa nos locais onde exercem a sua actividade, como são os funcionários públicos, os estudantes, os empregados no comércio, etc.
Suponho que agora se trata apenas da primeira fase dos trabalhos, mas, em todo o caso, a sua efectivação vai ter desde já a grande utilidade da construção de um primeiro acesso à cidade transpondo a linha férrea.
Tem sido mais morosa do que se ambicionava a preparação necessária para o início dos trabalhos, devido especialmente às importantes expropriações, mas a Junta Autónoma de Estradas tem envidado todos os esforços para os abreviar e a sua actuação está sendo facilitada pela boa compreensão e pelo apoio da C. P., que eram indispensáveis.
Este importantíssimo melhoramento, que de há muito vinha sendo reclamado pelas autoridades, pelas forças vivas e por Deputados do circulo, figurava também na representação que todas aquelas entidades, tendo à frente o governador civil, entregaram há meses ao Sr. Ministro das Obras Públicas, assim como nela figuravam, entre as mais urgentes, a substituição da vergonhosa e perigosíssima ponte da Barra e a da Varela, sobre a ria, os indispensáveis melhoramentos -alguns já em curso- nos troços da estrada de Lisboa ao Porto compreendidos naquele distrito e numerosas estradas para reparar, construir ou completar. E, visto que tantas vezes me tenho ocupado aqui de assuntos de turismo, aproveito a oportunidade para novamente me referir à necessidade de se abreviar a construção, também mencionada naquela representação, de um pequeno troço que falta na estrada n.º 334 para a ligar directamente à praia de Mira, centro de turismo muito apreciado e procurado por nacionais e estrangeiros. É um pequeno troço de 5 km, que encurtará muito a ligação desta praia com o centro da região, e nomeadamente com o Buçaco, o Luso e a Cúria, que, com Aveiro e a pateira de Fermentelos, formam os centros capitais de turismo no Centro e no Sul do distrito.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me associar aos sentimentos de regozijo que acabam de ser expressos pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu pelo facto de os diários da manhã de hoje anunciarem o concurso da primeira empreitada da construção da obra tendente a suprimir a actual passagem de nível conhecida pela «passagem de nível de Esgueira», obra esta que ficará a servir capazmente as estradas que directamente comunicam com a cidade de Aveiro.
Já era do domínio público que do plano de actividade da Junta Autónoma de Estradas em curso constava verba substancial destinada ao início da construção da referida obra, de tamanho interesse para a região do Vouga e especialmente para todos aqueles que têm relações com a cidade de Aveiro.
Como o Deputado pelo círculo de Aveiro que nesta Casa falou sobre a necessidade premente da realização de obra tão importante, não posso deixar de congratular-me também pela notícia vinda hoje a público para o concurso e consequente adjudicação da primeira empreitada dessa obra e aos agradecimentos dirigidos ao(...)
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Sr. Ministro das Obras Públicas pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu quero neste momento juntar os meus. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para continuar a efectivar o seu aviso prévio sobre o problema económico português, o Sr. Deputado Daniel Barbosa.
O Sr. Daniel Barbosa: - Sr. Presidente: continuando na minha exposição iniciada ontem, devo dizer que, como é natural, a situação económica que referi e que define ainda um baixo nível médio de vida da nossa população- não pode deixar de acarretar particulares consequências no campo político também.
Vejamos este aspecto do problema, que é extremamente delicado, com particular atenção.
Sob o ponto de vista político, um governo afirma-se, junto das grandes massas populacionais, muito mais pelas suas realizações do que pela sua doutrina; particularmente hoje em dia, em que as paixões de propagandas contrárias e as facilidades de comparações nem sempre equilibradas ou justas facilitam a criação de ambientes propícios a críticas quantas vezes precipitadas e imerecidas.
E destas críticas resultarão estados de aceitação, de rejeição ou de indiferença pela política governativa a que seja fácil atribuir o sucesso ou o insucesso de medidas ou de determinações de que o país esperava determinado resultado ou determinado alcance.
É diferente, como se torna evidente, a forma e o espírito crítico dos elementos de elite ou daqueles que compõem a grande massa populacional de uma nação, sendo tanto mais acentuada a diferença quanto é certo que o nível geral de cultura capaz de permitir avaliar os actos políticos do governo varia, de certo modo, proporcionalmente ao nível geral de vida do país.
É compreensível que vários objectivos integram ou podem integrar a preocupação da felicidade que os políticos responsáveis procurarem conseguir para um agregado populacional: serão a maior riqueza e a maior velocidade do seu acréscimo, serão a garantia do pleno emprego e a das grandes reformas sociais, serão a longevidade e a saúde a definirem-se conjuntamente numa maior quantidade de vida, será a identificação do óptimo populacional com o máximo, será uma repartição conveniente e equitativa do rendimento nacional a definir-se numa maior quantidade total do bem-estar, serão a cultura, a educação e o conhecimento que podem implicar um critério de óptimo populacional diferente do óptimo económico, serão ainda a harmonia social, o equilíbrio familiar, a extensão de meios afectos a diversos objectivos colectivos, tais como os da defesa ou do crédito externo, por exemplo.
Assim se definem, num campo de reformas político económico-sociais, programações de governo e materializações de doutrinas; decorrem, porém, no seu conjunto e situam as suas metas finais - posições quase sempre de passagem para novas metas mais distantes - pelo tempo fora, ultrapassando frequentemente a vida de várias gerações.
Daqui a necessidade imperiosa de ter sempre o país num estado de compreensiva aceitação, que o leve, não a suportar sem interesse uma política, mas a integrar-se nela consciente dos seus interesses e razão.
Sabemos, por salvadora experiência própria, que um princípio de sólida administração governativa que fuja aos sucessos imediatos de fácil demagogia, na preocupação construtiva de preparar um futuro, não pode deixar de impor restrições e sacrifícios para o presente; isto não pode significar, porém, que o presente deva descurar-se em sacrifícios inúteis ou prolongados, quando até desta situação, que não convém, pudessem resultar danos de certa monta para o futuro que queremos preparar.
Por outro lado, todos sabemos também que a felicidade de cada um se compõe de possibilidades, ou de satisfações, nos campos moral e material e que, conforme os temperamentos e as formações, assim pesa nas ambições de cada um a obtenção de umas ou de outras.
Existem, de facto, na vida individual e social que define o nosso meio, outros fins mais nobres e altos do que a simples acumulação de riquezas materiais, de tal forma que os homens não podem deixar de se subordinar nos seus desideratos ao direito, à religião e à moral; a uma ética, enfim, com vista exactamente a defendê-los de um materialismo sórdido, que os desgraçaria ao fim e ao cabo.
Há ricos e há riquezas ao modo de cada um, pelo que respeita à possibilidade de satisfazer necessidades que os conceitos mais diferentes da vida deverão efectivamente traduzir; poderíamos admitir então que o egoísmo e o altruísmo se podem, de certa forma, encontrar para obter a «maior riqueza», que consiste, como tão bem observou o padre Renard, não nas coisas consideradas em si mesmas, mas nessas coisas consideradas através do valor que o homem, dentro de uma subjectivação de apreço, na realidade lhes confere.
Poderíamos dizer que encontraríamos os limites dessa subjectivarão de apreciação na vida faustosa, de riqueza oriental, do potentado Aga Khan e na vida riquíssima de dedicação, de poesia e de caridade sem mácula dessa figura inconfundível da humanidade e da Igreja que foi S. Francisco de Assis.
Simplesmente, por maior que seja a reacção tão dignificante dos ascetas, dos indiferentes às riquezas materiais, o homem, na sua generalidade, nunca se pôde abstrair delas, até pela razão bem simples de que muitas vezes lutava, e luta, não por riquezas que se acumulem por ambições ou por avareza, mas por mínimos vitais de possibilidades para si e para os seus.
Esta verdade não é de hoje nem de ontem, mas de sempre; e de tal forma que as condições económicas dos povos foram contínua e sucessivamente factores determinantes não só da sua conduta, mas do seu destino até, constituindo um axioma para interpretação dos fenómenos sociais que se perde na história dos pensadores, dos sábios e dos filósofos.
Já na própria República e nas Leis de Platão não faltavam generalizações respeitantes à ligação estreita entre as condições económicas e os fenómenos sociais, afirmando-se assim, a par de Tucídedes e de Aristóteles, a importância que os filósofos e os historiadores da velha Grécia ligavam a essa correlação; correlação, aliás, que, como lembra Sorokin, no Zendavestá dos masdeístas, nos livros sagrados da índia, em Buda, em Meneio, em Confúcio, se encontrava devida e claramente formulada.
Como formulada, aliás, se encontra também nos Evangelhos, se a não quiséssemos encontrar até no aspecto profundamente social da luta travada entre os homens por esse indómito revolucionário que foi Cristo.
De resto, a própria Igreja, que faz do princípio «nem só de pão vive o homem» base da condução dos seus fiéis, legitima através das encíclicas não só o desejo honesto da riqueza, mas o de procurar obter satisfação
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plena das necessidades materiais, de forma capaz de assegurar o bem-estar e o conforto compatíveis com a dignidade humana e com os preceitos da fé.
Não seriam os tempos de hoje que facilitariam, já não digo um retrocesso - que o termo seria impróprio -, mas uma mudança capaz de suprimir ambições ; muito conseguiremos se em futuro mais ou menos próximo chegarmos a levar a humanidade a reprimir aquelas que fundamentalmente contrariam a moral ou a justiça. Não julguemos, porém, ser fácil, ou natural sequer, tentar diminuir quantas estejam na lógica do nosso sentido humano e que até constituem, muitas vezes, formas de progresso e de civilização.
Que mal existe, de facto, no desejo de se querer melhorar dia a dia o nível da sua vida, de se desejar possuir também a média de prosperidade e de bem-estar que em vastos países do Mundo é corrente e acessível a uma pesada maioria dos agregados familiares?
Que crítica pode merecer o desejo dum chefe de família em querer obter para seus filhos possibilidades capazes de alimentação, de vida social e de educação, que vê acessíveis aos outros, quantas vezes com menos sacrifício de saúde e de trabalho ?
Se é possível a qualquer viver com dez, porque não há-de desejar viver com vinte, ou com trinta, ou mesmo mais, se da procura dessas possibilidades não resultar diminuição para os outros de as poderem ter também?
Parasse a ambição de um melhor nível de vida, parasse o desejo de obtenção de lucros ou de melhores proventos em retribuição justa de investimentos e trabalhos que interessam à economia e ao bem-estar de um país, e pararia o progresso, em prejuízo grave dos homens e das nações.
Temos de reconhecer, portanto, que quem deseja viver melhor num meio de vida melhor para todos, dando em contrapartida - e isto é essencial! - trabalho e serviços úteis à sociedade que integra, é unicamente alguém que invoca um direito próprio, património iniludível do seu próprio direito de existir.
Cada chefe de família que vive na preocupação de cumprir dignamente o dever que a própria organização social, aliás, lhe impõe sente-se, portanto, pelo que respeita à elevação do nível de vida, centro de polarização a política económica dos governos; por isso mesmo é um apreciador e um crítico severo dela, à base de uma avaliação de possibilidades e de realizações que nem sempre consegue objectivar.
E quanto mais dura é a vida que atravessa, quanto mais escasso é o seu poder de compra orçamental, tanto mais naturalmente exigente se encontra perante as remodelações por que anseia e tanto maior tendência tem para acreditar em novas formas que, muitas vezes capciosamente e sem passado que as acredite, lhe prometem melhoria de condições que acabe por julgar inatingível nas circunstâncias actuais.
Toda a restrição de possibilidades de melhoria do nível de vida, toda a austeridade imposta às possibilidades de maiores consumos e reforços orçamentais se podem acreditar em determinado momento pela razão de ser de um certo fim a atingir; e podem perdurar, então, durante largo tempo, enquanto pelo menos se sinta o seu alcance e os motivos que, na compreensão fácil de todos, justificam a sua manutenção.
Criar-se a impressão de que tudo se mantém, só pelo princípio, ou pelo hábito, de manter o que já está, não constitui orientação que sirva para interessar alguém que sofra, por via dessa manutenção, o sacrifício de satisfação de necessidades que as circunstâncias lhe impõem.
A situação actual tem trinta anos de realizações inegáveis, que temos de salvaguardar e que são capazes de marcar já na História uma época de recuperação e de dignidade; mas trinta anos é já um período demasiado longo para convencer aqueles que nasceram dentro dele -e não podem, portanto, ter memória para o passado - das responsabilidades que ao passado porventura caibam na situação presente e do esforço admirável que foi preciso fazer para chegar àquilo que ainda os choca tanto, por naturalmente não saberem nada desse triste passado que tanto chocou a nós. Diferentes, portanto, como já disse um dia, têm de ser as reacções daqueles que adquiriram consciência política no calmo e normal decorrer dos últimos anos, dado lhes faltarem marcos de referência observados num passado bem próximo que lhes permitam firmar, mediante comparações esclarecidas, críticas aos actos do Governo ou à orientação política que encontram para resolver os problemas que, para eles, são centro de preocupações e de ansiedades.
Junta-se-lhes o estado de natural impaciência daqueles para quem as dificuldades da vida, longe de se atenuarem com o tempo, mais parece que se agravam sem esperança; para todos, então, a melhoria que desejam num futuro próximo pode até apresentar-se como implícita consequência das alterações mais ou menos profundas que haveria que impor à política do presente.
De resto, tudo no Mundo se mostra tão inseguro e inconstante, tão intranquilo e tão imprevisível, que a maioria dos homens são levados, por natural incon-formismo, a dar foros de particular importância à vida do dia a dia; e de tal maneira e com uma tal intensidade que frequentemente ultrapassam, no desejo de se manterem materialmente, quaisquer preocupações de carácter doutrinário relativas a governos ou a regimes.
Podemos ter a certeza, assim, de que as condições materiais do País, no que respeita à consequência do seu ainda baixo nível de vida, são -sob o ponto de vista político- uma faca de dois gumes, visto tanto poderem servir para criar ambientes capazes de comprometer o interesse pela política actual, como para lhe dar motivos à sua continuidade e moldes semelhantes aqueles que permitiram o entusiasmo preciso para passar de uma arrancada sem programa a uma obra de restauro nacional.
De facto, se se firma, justa ou injustamente, no País a consciência de que se não quer encarar em novos moldes e duma forma mais viva a estruturação da nossa enconomia; se se assenta, convictamente, no princípio de que lentidões hesitantes, que notamos frequentemente, não deixam renovar processos que ontem foram preciosos como meios de atingir um fim (mas que hoje estão francamente ultrapassados, até porque os fins são outros); se se deixa firmar o sistema condenável de querer resolver os principais problemas económicos nacionais com burocracia a mais e coordenação a menos; se se teima em criar possibilidades restringindo consumos, em vez de os procurar alargar, para que as possibilidades aumentem; se se não sente um esforço revolucionário e entusiasta no aproveitamento coordenado de todas as possibilidades que a técnica e a ciência hoje nos oferecem e que podemos agora aproveitar, graças à estruturação financeira e política que o regime conseguiu, faltará no campo das realizações económicas do Governo aquela vitalidade e aquela presença que, interessando os homens, arrastam atrás de si as nações.
De facto, e como já tantas vezes tenho observado, uma política de austeridade nunca foi, só por si, fautora de riqueza, e a sua parte construtiva, o seu papel de real interesse residem exactamente no facto de ser a forma mais racional e mais segura de preparar o caminho para uma política de investimentos e de maiores consumos.
Perigo, e grave, haveria, portanto, em conceder-lhe o atributo ou dar-lhe a aparência dum fim, de modo
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a desprezar quanto ao potencial se pode ir agora intensivamente aproveitando, no fito exactamente de alargar as possibilidades que a essa política, por natureza e por princípio, cabe, evidentemente, restringir.
Pelo contrário, se marcarmos como etapa nova e imediata do regime a aplicação à nossa ainda debilitada economia dos processos e dos meios que a experiência já creditou em tantos povos; se considerarmos como um dos fins principais do nosso esforço imediato a reorganização de todo o nosso sistema económico, de maneira a obter das possibilidades que actualmente se nos oferecem a forma de rapidamente ir aumentando o nível de vida do País; se criarmos no espírito de todos a necessidade duma devotada cooperação à solução de um tão magno problema, com juventude, ousadia, consciência e novidade, capaz de levar Portugal, entre as diversas nações, a posições que nos orgulhem por antítese, como aquela em que ainda nos colocam as estatísticas internacionais dos consumos médios, a traduzir uma vida materialmente desequilibrada e uma carência donde é preciso sair; se soubermos despertar em todos os portugueses a consciência dos meios de que dispomos para conquistar economicamente a nossa terra ao nível e da forma que se impõe, teremos dado não só um grande passo em frente, mas, sobretudo, o passo que é preciso para aliciar novos entusiasmos e vontades, pelo espírito revolucionário do que se pode conter nessas novas soluções.
E então poderão de novo surgir dedicações e sacrifícios nos actos de cada um, poderá exigir-se particular compreensão e acatamento para as consequências transitórias de medidas do mais largo alcance para o futuro nacional: poderemos juntar todos entusiasticamente para essa nova etapa, prontos a defendê-la de intromissões que a perturbem ou retardem, se não duvidarmos um momento de que ela nos levará ao lugar de particular destaque que teremos e podemos ter na comunidade civilizada mundial.
E não será trabalho que depois se arrume, mas trabalho que sempre e sempre se imporá continuar: de facto, não param outros países e outros povos na marcha sempre crescente do nível de vida que procuram, e de tal forma ale que às vezes chegamos a temer se, por rápida que possa ser a nossa marcha, não ficaremos ainda durante largo tempo, em relação a uns tantos, na posição relativa da diferença que agora nos preocupa.
Por isso não podemos esperar.
O que se impõe, portanto, é não parar nem hesitar, para que essa diferença, que temos de admitir que perdure, ao menos se apoie, pela parte que nos toca, naquela posição de dignidade e de presença que possa constituir ponto de referência e de comparação elogiosa para a grande maioria das nações.
Como é evidente, o baixo nível de consumos que encontramos ainda e em média para a nossa população tem graves repercussões também no campo económico-social e ajuda a explicar até essa espécie de ciclo vicioso em que vive a nossa economia, pelo desequilíbrio existente e dominante que, consequentemente, se verifica entre a produção e o consumo.
A produção adapta-se dentro de um período não demasiado longo a uma razão de proporcionalidade directa dos mercados capazes de a absorver; sem mercados não há produção que subsista ao fim de certo tempo, a não ser mediante artificialismos, que ao fim e ao cabo a oneram e ,consequentemente ,oneram também o País.
Uma população que tenha um nível de vida baixo e que se possa obrigar, em grande parte, a sacrificar o óptimo alimentar para poder viver dentro duma relativa satisfação de outras necessidades indispensáveis tem fatalmente não só de se desinteressar pelo supérfluo, mas até de considerar como tal grande parte das coisas que, muito embora próprias do grau da civilização em que vivemos, não se lhe apresentam com uma indispensabilidade imediata e directa.
E o pior é que, muitas vezes também. s a própria saúde que sofre por carência de higiene, de conforto e de cuidados.
É evidente, assim, que um país onde o poder de compra de uma grande parte da população se encontra abaixo daquela média que seria de desejar -como é o nosso caso- não se pode constituir como mercado que garanta uma média satisfatória para a sua produção também.
Pena é que muitos julguem que o caso não se apresenta desta forma, dado viverem -quantas vezes! - ofuscados, ou com a visão perturbada, por pequenos surtos daquilo que poderíamos denominar de «localizações de consumos razoáveis»; tal diríamos das conclusões precipitadamente tiradas do movimento dos automóveis no centro da capital a determinadas horas, ou pela estrada fora, rumo ao Estoril ou ao Guincho numa tarde soalhenta de domingo primaveril.
O erro está em pretender extrapolar essa impressão de alto grau de civilização e de conforto pelo nível de vida que enganadoramente traduz ao resto do continente português; de facto, em 1954, o número de veículos automóveis por mil habitantes era entre nós de 14,5.
Inferior a este valor encontrávamos, por exemplo, a Espanha com 8,2 e a Checoslováquia com 13,6. Logo acima destes tínhamos a Áustria com 22,2, a Itália com 25, a Finlândia com 28,9, a Holanda com 33,7. E faremos ainda os 43,4 da Alemanha Ocidental, os 67,9 da Bélgica, os 72,4 da França, os 80 da Inglaterra e os 92,3 da Suécia, etc.
De resto, se quisermos admitir números que poderíamos apelidar de internacionais, veríamos que em 1953 o consumo de gasolina em Portugal -incluindo a da aviação e excluindo a dos bunkers - andou pelos 17 kg/hab.; abaixo, portanto, do da Grécia e da Itália, que orçaram pelos 23 kg/hab. Dos países membros da O. E. C. E. só a Turquia, aliás, se apresentou com um consumo per capita inferior ao nosso.
Todos sabemos, por exemplo, o esforço enorme que em Portugal se tem feito no que respeita à produção da energia eléctrica; conseguimos neste campo da maior importância para a economia nacional uma série de inegáveis sucessos, correctores, sobretudo na metrópole, duma inconcebível pulverização, dum rendimento precário e duma dependência nociva da fontes de produção estrangeira. É consolarlor de facto, sentirmos o progresso realizado, mas não tão grande, contudo, que nos tire ainda de consumos específicos que continuam a ser muito baixos em relação à Europa e ao mundo civilizado. Não creio, devo, porém, dizê-lo que o esforço feito nesta última meia dúzia de anos pudesse ter sido, na realidade, muito maior do que foi; o erro veio um pouco mais de trás.
Mesmo que tenhamos atingido, ou ultrapassado até, no ano que findou os 250 ou 26O KWh/hab.. não pode-mos esquecer que no relatório do Plano de Fomento para 1953-1958 se apresentava, além da Espanha como país mais próximo do nosso, a Irlanda, com 247 kWh/hab. Mas este número referia-se a 1949 e, como sabemos, é lei geralmente verificada a duplicação dos consumos totais de dez em dez anos. Para que valores terão passado agora aqueles que então se referiam há sete anos atrás e se apresentavam de 450 para a Itália, de 598 para a Holanda, de 728 para a França, de 949 para a Bélgica, de 976 para a Inglaterra, de
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2073 para a Suíça, de 2197 para a Suécia, de 4863 para a Noruega?
O progresso ou, melhor, a avaliação do progresso não se pode fazer unicamente sobre metas que exclusivamente respeitam a um pais; não se poderá fugir, de facto, a comparar com as metas que são dos outros para avaliar se, na verdade, progredimos em relação ao mundo ou se somente progredimos em relação a nós.
Ora o certo é que o mundo também progride, num ritmo e numa escala tais que, se nos limitarmos em muitos casos a seguir -e nem sempre o fazemos - o ritmo que os outros seguem, continuaremos sempre em relação a eles tão atrasados como estávamos - Daquela posição de carência relativa donde procuramos e devemos sair.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª quer disser, em todo o caso, que o País estava atrasadíssimo.
O Orador: - Foi isso mesmo que afirmei: reconheço, até, que os aumentos que se estão verificando nos consumos de electricidade ultrapassam as médias correntes daquela lei geral que referi.
O Sr. Melo Machado: - Bem sei, mas quero sublinhar isto para que a actual Situação nunca possa ser acusada de não ter feito tudo quanto podia para melhorar tal estado de coisas.
O Orador: - Eu não fiz este aviso prévio para acusar alguém, nem muito monos aqui estou para defender ou acusar a Situação; estou a pôr simples e objectivamente um problema, e é até precisamente dentro desta objectividade que reconheço o muito que já se fez. Isto não quer dizer que ainda numa das mais recentes análises, da situação e problemas da economia portuguesa, da responsabilidade da Organização Europeia de Cooperação Económica, se não frise a consequência nociva que acarreta à criarão de novas indústrias as nossas condições actuais de disponibilidades de energia eléctrica, nas quais reside indiscutivelmente uma das razões do nosso atraso.
A produção e a utilização de energia são, de facto condições técnicas fundamentais da produção em geral e do progresso das sociedades humanas, dependendo da sua importância - como tão bem observa um dos geoeconomistas mais notáveis da Sorbona - uma das maiores possibilidades de o homem produzir, hoje em dia, o que precisa para viver e de assegurar às nações a sua independência económica e política.
Pode de certo modo definir-se o grau de evolução económica duma nação pelo quociente individual das suas disponibilidades energéticas, de tal forma que esse quociente exprime frequentemente, na formulação intuitiva do Prof. Pierre George, posições relativas nos campos social e internacional.
«Um estado que consome pouca energia tem fatalmente de ser um estado com uma economia atrasada» e por isso subordinado ou à economia dos outros ou a sacrifícios de possibilidades que se traduzem por um baixo nível de vida do país.
O interesse que o Governo tão louvavelmente tem evidenciado pelo desenvolvimento da produção da energia eléctrica nacional mostra, como não podia deixar de ser, o sentido que para ele tem este problema gravíssimo da economia portuguesa.
Não podemos, contudo, encará-lo como problema que se quadre com hesitações e com soluções correntes ou, melhor dizendo, possíveis dentro duma normalidade de distribuição orçamental; ele é só por si um problema-base a resolver com vista à solução de todos os outros problemas e pode impor, por si só também, soluções próprias e enformadoras dum plano geral.
A gravidade maior de tão momentoso caso reside no facto de que não é por via de outras fontes ou formas produtoras de energia que conseguimos suprir aquela carência relativa à energia eléctrica.
Se considerássemos, de facto, o volume bruto aparente do consumo interior de fontes comerciais e não comerciais de energia em 1952, calculado através do seu valor calórico total, chegaríamos, atendendo ao consumo de combustíveis sólidos e líquidos e de energia eléctrica, à totalidade geral, para nós, de 17,4 milhões de MWh relativa às fontes comerciais e de 10,4 milhões de MWh relativa a fontes não comerciais. Seja um total da ordem dos 35 milhões de MWh, correspondendo já a um consumo específico médio de cerca de 3,5 a 4 MWh/hab.; este valor, porém, nada tem de extraordinário, como à primeira vista parece, dado na Europa só conseguir igualar o da Grécia e ser superior em 0,4 MWh ao de Malta.
Numa média europeia de 18,1 MWh/hab. -média onde se excluem os países para lá da «cortina de ferro»- já a Jugoslávia se apresenta com 4,3, a Itália com 5,5, a Espanha com 6,1, a Suíça com 11,1, a Irlanda com 13,9: e todo o resto europeu ocidental está daqui para cima, com valores a tocar e a ultrapassar até as duas e três dezenas de MWh/hab.
Destaque-se que são muito melhores, apesar de tudo, os números apontados na Conferência Internacional de Genebra de há dois anos para utilização de energia atómica com fins pacíficos no que toca à posição relativa de Angola, de Cabo Verde, da Guiné e de Moçambique no conjunto africano do que aqueles que se apresentam para a metrópole portuguesa no conjunto europeu.
Pelo que respeita ao consumo específico respeitante à energia consumida através das fontes comerciais - onde se inclui não só uma grande parte da produção industrial e agrícola do País, mas o consumo privado da maioria esmagadora da nossa população-, pretende a O. E. C. E., à base de um cálculo de equivalência ao carvão, que durante 1949, 1950 e 1951 -e tal como em 1937 e, provavelmente, em 1952- nunca Portugal deixou de ocupar um lugar demasiado baixo entre os países membros.
Procura-se hoje, de resto, para avaliar das possibilidades e do grau de progresso de um país não somente valores relativos às capitações do rendimento nacional e ao consumo específico de energia, mas os da correlação existente entre esses dois valores, correlação cujo interesse se afirma pela admissão do pressuposto de que quanto maior for o rendimento nacional por habitante tanto maior deverá ser o seu consumo de energia.
As comparações são, decerto, delicadas e até em certos casos difíceis, dado que em muitos países se considera na estimativa das capitações o conceito do rendimento nacional interno, ao passo que entre nós, a partir de 1951, se considera o do produto nacional bruto ao custo dos factores.
O caso, porém, não traz prejuízo ao raciocínio, dado que toda a comparação feita à base do nosso produto nacional bruto com valores considerados à base de rendimentos nacionais de outros países pode apresentar-se favorável para nós.
Se atendermos, portanto, aos valores admitidos para o nosso produto nacional bruto em 1953 na proposta da Lei de Meios para este ano e olhando unicamente à população continental encontraríamos, depois da correcção relativa a rendimentos provenientes do estrangeiro, um valor da ordem dos 5,7 contos por habitante e por ano; um valor, portanto, de cerca de 200 dólares, ou seja inferior ainda ao mais baixo que se ré-
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feriu para a comparação no relatório do último Plano de Fomento quanto aos rendimentos nacionais de diversos países da Europa em 1949. Andávamos assim ainda nesse ano de 1953 por cerca de 53 por cento do rendimento médio que se encontrava na Europa - com exclusão da Rússia- cerca de cinco anos atrás.
É evidente que estes valores relativos ao produto nacional bruto devem ser encarados com as reservas precisas; mas as ordens de grandeza que devem representar, dentro de erros compreensíveis ou previsíveis, não nos deixam ilusões quanto às posições que apontei.
Em relação, portanto, às capitações de setenta e seis países considerados - julgo que para 1949 - pelos serviços estatísticos das Nações Unidas e referidos no valioso trabalho que o actual Subsecretário de Estado do Tesouro subscreveu a par dos Drs. Pereira de Moura e Teixeira Finto, ainda não conseguimos verdadeiramente sair da posição equivalente de então a países como o Panamá e o Chile; acima da nossa posição actual já se encontravam, em 1949, a União Sul-Africana, a Áustria, a Itália, a Hungria e Cuba, composições entre os 200 e 300 dólares; a Venezuela, o Uruguai, a Argentina, Israel, a Polónia, a U. H. S. ,a Alemanha Ocidental, a Finlândia, a Checoslováquia e a Irlanda entre os 300 e os 450; a Islândia, a França, a. Holanda, o Luxemburgo, a Bélgica e a Noruega entre os 450 e os 600; o Canadá, a Dinamarca, a Inglaterra, a Suécia, a Suíça, a Austrália e a Nova Zelândia entre os 600 e os 900 dólares.
Acima de todos os Estados Unidos da América, com 1453 dólares por habitante, ou seja cerca de 7,5 vezes a nossa capitação actual.
É evidente que não faltavam já então países com rendimentos por habitante inferiores aos nossos; mas além da Jugoslávia, que se encontrava superior ao valor que no relatório do Plano de Fomento se considerou, e a Colômbia, que praticamente o igualava, deparávamos na Europa com a Grécia e, possivelmente com a Bulgária e com a Espanha; na Ásia, com a Turquia, o Líbano, a Síria, o Japão, a Indonésia, a China, a Coreia do Sul, a Birmânia, a Tailândia, a Arábia Saudita, o lémene, as Filipinas, o Afeganistão, o Paquistão, a índia, o Ceilão, o Irão e o Iraque; na América do Sul, com a Colômbia, o Brasil, o Peru, S. Salvador, o Paraguai, a Bolívia e o Equador; na América do Norte, com a Costa Rica. o México, a Nicarágua, as Honduras, a Guatemala, a República Dominicana e o Haiti; e aia África, para acabar, com n Rodésia do Sul e o Egipto, a Rodésia do Norte, o Quénia, a Libéria e a Etiópia.
A nossa situação relativa - e essa apelidação de «relativa» não traduz menos consideração ou apreço por muitos dos países que mostram estar em situação ainda pior do que a nossa no que respeita às capitações do seu produto nacional- não melhora, na verdade, quando procuramos conjugar na correlação rendimento nacional-consumo de energia os valores específicos que caracterizam a situação de Portugal; uma aplicação já usada do processo, com o maior interesse, num relatório notável do Sr. Louis Armaud, acerca da necessidade e das possibilidades da cooperação económica intereuropeia no domínio da energia, não encarava a posição portuguesa; o mesmo já não acontece, porém, num trabalho do Sr. E. S. Mason, da Universidade de Harvard e da National Planning Association, de Washington, onde a posição de Portugal relativamente a 1953 se confunde numa mancha em que se situam a Colômbia e o Peru, a República Dominicana e a Turquia, o Panamá e a Grécia; pior do que nós, e dentro dos quarenta e um países aí considerados, só as Honduras, a índia, a Guatemala e o Ceilão, as Filipinas e o Equador, a Birmânia, o Haiti e o Paraguai, e já acima de nós o Brasil, o México, a Itália, o Japão, o Chile, Porto Rico, a Venezuela, sempre numa queda de distância cada vez maior em relação a Cuba, à Irlanda, à Finlândia, à Áustria, à África do Sul, à Holanda, à Dinamarca, etc., até lá ao topo dessa representação cartesiana onde os Estados Unidos ocupam a posição de maior relevância, marcando pontos definidos pelas coordenadas 9 t de carvão (em equivalência de energia) e cerca de 2000 dólares de rendimento nacional por habitante.
Sob o ponto de vista externo, o caso é particularmente grave; de facto, muitos nos conhecem e, com frequência, nos louvam, mas não tantos e tão correntemente como seria desejo de todos nós.
Somos um país onde é agradável estar, que tem hoje uma ordem, um arranjo, um asseio, de que fazemos timbre com a mais justa razão; apontam-nos como modelo de estabilidade governamental e invejam-nos a sorte de termos tido alguém capaz de nos tirar dum aviltante caos administrativo e político.
Apontam igualmente, e com singular simpatia, a nossa reorganização financeira, o conjunto de obras realizadas, sentindo o esforço de recuperação levado a cabo e aquele que estamos efectivando em prol da nossa ainda enfraquecida economia; admiram abertamente a forma como temos procedido na nossa política externa, na manutenção, sobretudo, de direitos que orgulhosamente invocamos e não estamos dispostos a ceder.
Esta é uma verdade insofismável, mas que de modo algum também exclui a outra de aparecermos, nas publicações mais correntes, nas estatísticas gerais como um país cujos índices de consumo representam ainda atraso, dificuldades, carência e, de certo modo, mal-estar. Melhorámos bastante, é certo, mas muito há que melhorar ainda. E, se o progresso havido pode constituir orgulho duma política, a situação económica, presente não chega por enquanto para elogiosas referências dos que atendam em uns desinteressando-se da evolução que até agora tivemos e que se impõe anotar.
Sob o ponto de vista interno o caso não é, com certeza, menos grave, embora a natureza do aspecto que o condena seja, evidentemente, diferente.
A primeira e imediata conclusão que podemos tirar deste nível baixo de consumo é a exiguidade do nosso mercado interno, que não permite o progresso tecnológico e as dimensões da produção industrial hoje correntes no Mundo; daqui o debatermos frequentemente com uma carência de rentabilidade normal para muitos dos nossos empreendimentos, a par de altos preços e baixa qualidade para muitos dos nossos produtos também.
Temos inegavelmente no País unidades industriais trabalhando já de forma tal que não seriam razões de qualidade e de preços que as impediriam - como não impedem - de concorrer em determinadas circunstâncias nos próprios mercados internacionais; mas necessário seria que a sua frequência se alargasse e se não cingisse a umas tantas, que constituem muito mais excepção do que regra corrente no meio da nossa produção reduzida.
Dizia-se, e muito bem, no relatório da proposta de lei relativa à criação do Instituto Nacional de Investigação, Tecnologia e Economia Industrial -que esta Câmara ainda há poucos dias discutiu- que sem mercados não pode haver produção, como sem esta não pode haver aperfeiçoamento de fábricas, melhoria de qualidade e técnica progressiva.
Cai-se, assim, num ciclo vicioso, que cada vez mais dificulta a nossa vida, dado que, frequentemente, para se manterem certas unidades industriais que se foram estabelecendo em momentos de particular euforia, ou no desejo de partilharem de lucros que existiam ou se jul-
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gava existirem em unidades congéneres se tem de defender a produção nacional com onerosas protecções aduaneiras, em vista da concorrência de artigos produzidos em unidades de grandes dimensões e de alto nível técnico, facilitada ainda - quantas vexes - por via de prémios destinados a intensificar a exportação. Por outro lado, se se caiu numa lamentável dispersão que reduz a dimensão industrial média muito abaixo o óptimo das indústrias congéneres europeias ou americanas, caminhou-se à sombra dum regime de condicionamento industrial, que se tem mostrado inoperante, para um excesso de capacidade de produção em relação ao nível de consumo interno; e então quantas vezes se trabalha em regime de contingentações impostas pelo próprio Estado, ou se procura adaptar a produção de cada unidade às circunstâcias do mercado, com prejuízo dos preços, sacrifício do lucro, diminuição de qualidade.
Sendo assim, e ao passo que nas unidades verdadeiramente equilibradas se procura -e muitas vezes se consegue- trabalhar de acordo com a morfologia do mercado, atendendo à sua maior ou menor fluidez, situando-se; na posição de equilíbrio mais conveniente em atenção a custos ou a receitas marginais, conforme os casos, grande número de empresas entre nós trabalham com volumes de produção inferiores àqueles que, em face das possibilidades existentes, seriam indispensáveis para cobrir os custos totais; daqui uni equilíbrio aparente, frequentemente obtido à sombra de uma simples cobertura dos custos proporcionais ou variáveis, em prejuízo total dos custos fixos que oneram a produção.
As empresas marginais ou vivem numa situação de permanente risco ou, para poderem subsistir, sacrificam muitas vezes qualidade, retribuição do trabalho, valia das matérias-primas, melhoria de instalações e de técnica, novos investimentos até, enredando-se frequentemente num regime de descontos sucessivos que oneram a sua vida e abdicando de todas as possibilidades de amortizações e de reintegrações de capital, que se tornavam indispensáveis à simples melhoria corrente das suas instalações.
Ficam, portanto, obsoletas ao fim de certo tempo instalações industriais que muitas vezes não foram já perfeitamente concebidas e muito menos tecnicamente bem montadas; continuam, porém, a trabalhar, no desejo de subsistir de qualquer forma, sem vantagem económica para o País, particularmente no que respeita à sua desejada evolução.
Os agravamentos que a alta do custo de vida lhes acarreta traz-lhes particulares dificuldades para a manutenção em face das características da procura que encontram num mercado cujo poder de compra médio está abaixo do que seria essencial; de facto, quase poderíamos dizer que para aqueles artigos que, embora sendo indispensáveis num estado de civilização como é o nosso, não o são, contudo, inteiramente para a vida de cada um as curvas de procura respectivas se apresentam com formas que não são correntes pelo que toca à distribuição dos seus graus de elasticidade: muito elásticas, quantas vezes, para subidas do preços, muito rígidas para as descidas destes.
E a explicação é simples, por intuitiva, e racional: se um industrial de certos ramos duma produção não inteiramente indispensável consegue à custa de sacrifícios duma melhor organização, duma melhor técnica, baixar o preço de venda, dos seus produtos, a economia para o comprador modesto, a traduzir-se-lhe num aumento de poder de compra, vai repercutir-se muitas vezes num aumento de consumo não desse artigo mas possivelmente dum outro cuja utilidade se lhe apresente maior: e porque a alimentação e as necessidades de vestuário estão longe de ser devidamente supridas no nível devido pela maioria da gente em Portugal, toda a melhoria do poder de compra -pelo menos até certo grau - torna muitas vezes inútil um sacrifício de preços, a não ser dos artigos essenciais à existência. E, entre estes, tem ainda a primazia a alimentação.
E de igual modo, ou por razões idênticas, se em relação a um artigo não essencial à existência há uma elevação do preço de venda, por pequena que seja, depara-se a probabilidade duma retracção nas compras em grau igual, ou até mais sensível, do que o daquele aumento; e a explicação é bem simples também: se um agregado familiar reduziu já ao mínimo possível, por carência orçamental, as despesas que respeitam às suas necessidades vitais, não pode sacrificá-las mais sem novas perturbações gravíssimas da vida familiar e as quais, por isso mesmo, só em último caso aceitaria. Assim, redux em tudo quanto possível a compra do artigo que agora encareceu, de forma a não sacrificar outras aquisições mais essenciais.
Esta é, entre nós, e diga-se o que se disser, uma dura e insofismável realidade, que cria a maior dificuldade pelas próprias razões que nela se contém à melhoria da situação actual; de facto, e na primeira hipótese considerada, a rigidez da procura não permite que o produtor consiga em face da redução do seu preço de venda, o aumento do consumo pretendido que lhe permitiria aproximar-se do mínimo indispensável para anular, em certos casos prejuízos; torna-se-lhe, assim, inútil o sacrifício como se lhe torna impossível, ou desaconselhável, novos investimentos com vista a uma técnica mais moderna e mais adequada que lhe permita, melhorar a produção.
Na segunda hipótese, a situação paradoxal que se cria não é menos grave, também, visto que se o aumento do preço de venda é consequência do aumento do preço de custo- o qual, por sua vez, é consequência do volume de produção com que se trabalha-, a redução deste volume consequente desse aumento vai onerar mais ainda o preço de custo que se procurou equilibrar; e, assim, de mal a pior se vai andando, com repercussões gravíssimas para a economia nacional.
Não devemos nem podemos esquecer a afirmação peremptória dum dos mais directos e eminentes responsáveis por um curso de preparação para a carreira industrial de engenheiros da Alfa Romeo:
O objectivo fundamental de qualquer empresa industrial é o de produzir dentro da qualidade correspondente à exigida pelo mercado e de acordo com a quantidade considerada económica para as dimensões e técnica adoptadas ao preço de custo mínimo, entendendo-se por tal o conjunto das despesas inerentes ao fabrico do produto considerado.
Sentimos perfeitamente que este racional objectivo está longe de se ter conseguido duma maneira geral entre nós, dado que pelas razões já expostas, se procura muitas vezes não a obtenção do equilíbrio desejado que conduz a um óptimo industrial, mas subsistir de qualquer forma; observe-se, de resto, que uma população com baixo poder de compra é particularmente tolerante para a queda, da qualidade, visto não se importar, muitas vezes, de sacrificar esta em benefício da quantidade que precisa.
E tanto é assim, e tanto à sombra desta constatação se mantêm certos ramos da produção industrial portuguesa - apetecia dizer: tanto é necessário que assim seja para que ela se possa manter -, que não houve ainda a coragem de impor para defesa do consumidor
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português muitas normas de qualidade - físicas, químicas e mecânicas - que são Hoje indiscutivelmente correntes na maioria dos países com os quais comerciamos.
É evidente que, a par desta desorientada e descontrolada forma de produção, outra já lia entre nós, como disse, que se apresenta dentro dos moldes precisos para poder subsistir, sendo útil ao País, mormente em face das contingências novas de carácter externo a que adiante aludiremos; são, porém, de um modo geral, indústrias que já se desenvolveram à base de unidades com dimensões e técnicas razoáveis e, sobretudo, aquelas que a técnica recente permitiu ultimamente instalar em Portugal em moldes e em dimensões incompatíveis, por natureza própria, com o amadorismo ou com a pulverização. Ou então outras que à custa dum espírito de sacrifício e de compreensão digno do maior apreço se modernizaram de maneira devida, transformando-se de unidades que tiveram o seu lugar no passado em unidades devidamente actualizadas para o serviço da economia da Nação.
Não esqueço o que há pouco tempo me afirmava um dos maiores nomes da indústria e do comércio europeus: «A época industrial em que unicamente se procurava garantir uma remuneração ao capital investido está francamente ultrapassada; uma indústria só tem razão de existir se se encontra em moldes tais que, sem prejuízo do lucro admissível e da indispensável valorização do trabalho, contribui para o progresso e para a estabilidade económica de um país». Se temos progredido alguma coisa neste campo, muito mais há ainda que fazer.
O Governo procurou, através duma legislação de interesse e às vezes duma actuação eficiente, impulsionar o estabelecimento e o incremento dessas unidades industriais; mas não conseguiu ainda, nem o conseguirá senão através dum sistema de reorganização enquadrado num plano de total reorganização económica, modificar a situação precária das restantes, que dia a dia se agrava por ter de se equilibrar a base de volumes de produção reduzidos e extremamente fraccionados e dum subconsumo que se pode classificar de decepcionante.
De um modo geral, de facto, o nosso subconsumo pesa entre nós de tal maneira que a dimensão mínima compatível, já não quero dizer com preços internacionais, mas com protecções aduaneiras razoáveis, capazes de permitir defesa durante certo tempo para dar tempo a que o consumo se reforce, não se adapta à exclusividade do nosso mercado interno, e então só no complemento da exportação se encontraria a base de uma «possibilidade»; mas isso desde logo impõe dimensões muito maiores ainda, para obter preços de custo ao nível dos internacionais.
Continuemos, porém, no raciocínio seguido, prestes, aliás, a chegar ao fim: sempre que se pensa, nos ramos da nossa produção -caracterizada por um fraccionamento excessivo e por uma baixa produtividade, consequência de uma deficiente organização a par da maquinaria já obsoleta e de volumes de produção demasiado baixos em relação ao óptimo industrial e à própria capacidade da instalação fabril-, em instalar uma nova unidade, que dentro das nossas possibilidades de consumo seja, de facto, capaz de garantir o mínimo preço do custo e a melhor qualidade, levanta-se um coro de ansiosos protestos que o Governo não pode, como é evidente, deixar de ponderar e de atender; de facto, há capitais investidos, garantias de trabalho local, interesses de há muito criados, serviços prestados apesar de tudo, que não seria possível esquecer sem grave perigo para o próprio equilíbrio económico nacional.
Mas, por causa disso, sacrifica-se a um estado, que é atentatório do nosso maior interesse, a possibilidade de uma melhoria no que respeita às possibilidades de abastecimento dos mercados; impõe-se, portanto, fazer alguma coisa, visto não podermos continuar esquecidos de que para determinada empresa, dentro de determinada técnica e com determinados custos, há um volume óptimo de produção para cada preço praticado; e como, no geral, os nossos volumes possíveis estão muito abaixo dos correspondentes aos preços de venda praticáveis, definindo uma situação que se agrava com a pulverização industrial que observamos, e com a má técnica e deficiente organização que mais onera a produção, a nossa economia mantém-se, no que respeita à necessidade dum equilíbrio produção-consumo, numa precária situação que só traduz dificuldades e prejuízos para todos.
Simplesmente, se há dez anos que temos uma legislação para poder reorganizar, há dez anos também que o País não vê uma única aplicação eficiente daquilo que, neste campo, é indispensável fazer com vista a caminhar-se para uma estrutura industrial que poderá acarretar, em muitos casos, baixas substanciais nos custos e o equilíbrio desejado em mais altos níveis entre a produção e o consumo nacionais; vamos vivendo pelas soluções de emergência, que nem sempre contribuem para o fomento da nossa economia e para a defesa do nosso consumidor.
Toda a política que se tente de compreensíveis ajustamentos de salários, sem a contrapartida da melhoria das condições de produção, cria novos e maiores agravamentos, que, ao fim e ao cabo, tendem a reflectir-se no próprio custo desta, sem vantagens de maior, portanto, para o consumo em geral; de resto, toda a acção do departamento responsável pela nossa política social, não se enquadrando num plano de reforma económico-social do País, poderia tender para agravar até a situação, já precária, do custo da produção. E, assim, só perderiam todos.
Sabemos também que, por outro lado, o nosso país, pelo que toca aos impostos directos pelo menos, ainda é daqueles que mais modestos se mostram no volume relativo da tributação, mas sabemos igualmente que, apesar de ser assim, o País atingiu na parte que respeita à sua produção desorganizada ou em crise o limite de possibilidades dessa tributação. Que o digam certos sectores da agricultura e a maior parte dos ramos industriais; e os modestos consumidores também, em qualquer campo da actividade nacional que se considere.
E a explicação deste facto - que de forma alguma exclui a viabilidade duma melhor e mais acertada distribuição tributária, pelo contrário, até - é, aliás, bem simples, embora para a referir seja preciso quase glosar uma observação tantas vezes já notada: se um consumo se estabelece num nível demasiado baixo, por causa do fraco poder de compra da maioria da população, se uma produção se procura equilibrar com ele, na sua maior parte, à custa das adaptações de toda a espécie a que um subconsumo obriga e uma má situação técnico-industrial impõe, é evidente que qualquer agravamento que mais restrinja esse consumo, ou mais onere os custos de fabrico, mais grave tornará ainda tão precária situação.
Por outro lado, o orçamento do Estado - que tem de ser um elemento motor da vida económica nacional - vive das possibilidades que dessa própria economia obtém; se esta é pobre, e se se encontra debilitada, não há forma de sair, em larga escala, daquela política que poderíamos apelidar de «soluções pela austeridade»
- dadas as economias severas e as rígidas restrições que a caracterizam e que, aliás, já teve, como pro-
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cesso indispensável, larga oportunidade e franco êxito num momento bem grave da vida do País.
Simplesmente - nunca é demais repeti-lo -, grave erro estaria no sistema de teimar em restrições, compressões de despesa e sacrifícios que as circunstâncias, por novas possibilidades, permitissem atenuar.
A realidade está, por outro lado, no facto de aumentarem dia a dia as necessidades do País, pari passu que aumenta a sua população e a consciência do grau do nível de vida que ela deseja e tem o direito de ter; tudo isto a par de encargos cada vez mais pesados, que um alargamento compreensível de serviços e, sobretudo, de obrigações internacionais e de defesa impõe como dados irremovíveis para qualquer cômputo orçamental.
É evidente que, se, pela força das circunstâncias ou dos princípios, o Estado continua a manter uma política austera de severas restrições, procurando resolver, subordinando unicamente a ela, os problemas que estão na base do fomento e da distribuição da riqueza nacional, tem de ter, por natureza dessa própria política, uma acção francamente limitada, impedindo pela acção coercitiva de consumos, que não pode deixar de ter por consequência, o aumento desejado para o rendimento nacional.
Ora o baixo nível de vida do povo português repercute-se, pela sua fraca contribuição de possibilidades de receitas, no orçamento do Estado, não lhe dando aquela potencialidade e aquela maleabilidade que a este seriam necessárias para as suas necessidades, cada vez mais crescentes e cada vez mais prementes; por causa disto, e por seu lado, cria-se a necessidade de restringir despesas não consideradas essenciais, para permitir aquelas que sejam consideradas como tais.
Daí, o sistema inconveniente de continuamente se procurar cobrir despesas extraordinárias com receitas ordinárias, quando estas se mostram ainda insuficientes para suprir necessidades normais da nossa governação, tendo por consequência uma atrofia pesada e severa de muitas despesas correntes; são, assim, como ainda há tempos lembrei, determinados serviços que não tomam o incremento previsto para satisfazer o País, são os vencimentos dos servidores do Estado que se mantêm limitados, numa restrição de consumos que não deixa sair dum nível demasiado baixo a vida de tantas famílias portuguesas.
Desta forma, e em consequência da falta de fontes abastecedoras que permitam ao orçamento do Estado o papel que lhe compete de elemento atenuante, e vivo, da vida económico-social do País, se têm de sacrificar verbas que, directa ou indirectamente, poderiam contribuir para o pleno emprego; como se tem de sacrificar também o poder de compra do funcionalismo público e dos militares, de sacrificar o rendimento ou a produtividade de certas funções públicas que interessam ao próprio produto nacional, de limitar o consumo de muitos artigos e produtos, com prejuízos sensíveis no campo da produção.
E tudo isto na certeza de que qualquer reforço de possibilidades que o orçamento do Estado procure neste campo, dentro da nossa estrutura económico-financeira actual, lhe poderá criar novas limitações, dificultando-lhe consequentemente mais ainda também o equilíbrio a nível desejado entre o custo de vida e o poder de compra da nossa população; pode diminuir-lhe igualmente reservas que se poderiam e deveriam destinar a investimentos, prejudicando os ajustamentos indispensáveis de vencimentos e salários, contribuindo consequentemente para a manutenção e o reforço do apertado ciclo vicioso que caracteriza a economia nacional. E pelo que respeita a possibilidades para o orçamento do Estado vindas do meio consumidor, julgo que os números que referi, relativos ao seu poder de compra médio, respondem exuberantemente só por si.
Concluímos, portanto, que as posições de equilíbrio verificadas no nosso mercado interno, que se caracterizam por um subconsumo demasiadamente vincado - a traduzir a evidente insuficiência do orçamento familiar médio -, não podem deixar de ter ,por contrapartida uma produção reduzida e inadaptada às circunstâncias do momento; e isto só por si implicaria, natural e forçosamente, custos demasiado elevados para a bolsa do consumidor, acarretando penosas consequências no campo económico-social.
Daqui, uma espécie de hostilidade, de desconfiança permanente e mútua entre os sectores da produção e do consumo, que se manifesta por reclamações constantes, pela criação de problemas delicados nos campos da administração e da política que levam o Governo - quantas vezes!- a tentar, nem sempre com o desejado êxito, o papel de medianeiro, numa arbitragem que frequentemente acarreta críticas, impopularidade, reacções.
Deve observar-se, desde já, que cometem grave erro aqueles que julgam que o processo simplista duma melhor distribuição do rendimento poderia, só por si, resolver tão momentosa questão.
Demonstra-o a simples observação que vou fazer: se admitirmos, com base em números da proposta da Lei de Meios para este ano, que tínhamos distribuído igualmente por toda a nossa população continental de então o produto nacional bruto ao preço dos factores relativos a 1953, encontraríamos um número que, aliás, já atrás referi: cerca de 5.750$ por habitante-ano, correspondendo, portanto, a qualquer coisa como uns parcos 15$75 por habitante-dia.
Se considerarmos o preço por que andavam nesse ano as 1000 calorias alimentares, de acordo com aquela ementa modesta que me serviu de base, as 3000 calorias consideradas como mínimo indispensável numa composição alimentar sem qualidade orçariam pelos 8$70; sobrariam, portanto, uns 7$ por dia, ou seja cerca de 45 por cento do rendimento diário individual.
Esta percentagem, que já seria mais satisfatória por aparentemente elevada, não traduziria, porém, nenhuma situação que não interessasse alterar para melhor ; de facto, de 1732 para cá o número 4 é aquele que, em média, caracteriza a relação dos habitantes por fogo, o que nos pode levar a admitir, para fins de hipótese meramente demonstrativa, que cada grupo de quatro habitantes forma, em média, um lar.
Porque os 7$ correspondem a cerca de 210$ por mês, as quatro pessoas consideradas disporiam de uns 840$ mensais; ora, admitindo que o aluguer de casa orçasse por uns 250$ a 300$, ficar-lhes-iam livres uns 600$ a 050$ por mês, ou sejam 20$, ou menos ainda, por dia. O grupo familiar em causa disporia, portanto, desta reduzida quantia para, por dia e em relação a quatro pessoas, suprir todas as despesas restantes, tais como melhoria indispensável de alimentação, assistência médico-farmacèutica, vestuário e calçado, higiene, luz e combustíveis, transportes, diversões, educação doa filhos, etc.
Concordemos que não seria de mais e que, se a potencialidade individual orçamental média do nosso produto bruto poderia de momento acabar com os casos de maior carência com que deparamos no País, não poderíamos considerar outra situação resultante que não fosse um estado de relativa pobreza geral, incompatível - repito-o - não só com as nossas possibilidades reais, como com a própria manutenção do actual nível de vida e com a continuação da evolução que o poderá levar, em breve prazo, a posições melhores.
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De facto, nesta hipótese - que por absurda não destrói o seu fim demonstrativo - não caberiam as menores possibilidades de aplicação de interesses ou de investimentos ; creio poder dizer até que só deduziria implicitamente dela a impossibilidade de o País se manter, sequer, no baixo nível de produção com que abastece o mercado nacional.
Foi uma hipótese, repito, com a qual, reconhecendo, aliás, a irrealidade da sua materializarão, reforcei uma conclusão que achei de interesse destacar.
E creio, Sr. Presidente, que é chegado o momento de dizer também alguma coisa no que toca à influência do nosso nível de vida relativamente ao problema agrícola português; problema que se situa no ambiente de mal-estar permanente, tanto mais sensível, decerto, quanto mais modestas e limitadas são a extensão e a importância, das parcelas consideradas.
A nossa agricultura vive de há muito rolando sobre crises constantes, sobrevivendo - quantas vezes - à custa do apego à terra, dum atavismo da raça e da falta de coragem ou de possibilidades para tentar outras sortes ou venturas.
A terra é, de facto, uma sereia estranha, e a esperança e a resignação de quem a lavra são modelares excepções nos tempos que vão correndo. E, contudo, dela vive, entre nós, uma parte importantíssima da nossa população activa, numa percentagem a tocar, se bem conheço, os 50 por cento.
Dela resulta, igualmente, para o produto nacional bruto, uma posição de contribuição relativa que a vem destacando desde há muito, só a superando - em menos de 10 por cento, aliás, nos anos de maior diferença - a indústria transformadora e a construção.
Se atendermos, de facto, e para o ano de 1953, às diversas posições relativas dos sectores considerados para avaliação do produto nacional bruto - e onde o máximo de cerca de 30 por cento coube ao grupo que atrás referi -, vemos que em relação à percentagem da ordem dos 28 por cento por que se define a contribuição da agricultura e da silvicultura se encontra a de 1,3 por cento para a pesca, 0.8 por cento para as indústrias extractivas, qualquer coisa como uns 6 por cento para a electricidade, gás, água, transporte e comunicações, menos de 8,5 por cento para o comércio por grosso e a retalho, etc.
Quer isto dizer que cabe à actividade agrícola do continente português uma contribuição que se avizinha dos 30 por cento para o produto nacional bruto. Apesar da sua fraca produtividade, pela contribuição que a agricultura traz ao trabalho e ao rendimento nacional, pelo apoio em que se constitui para o próprio orçamento do Estado, pelo esforço que contra todas as circunstâncias adversas teima em realizar para atenuar as contingências e os desfavores do nosso comércio externo, justifica-se a afirmação corrente, mas tantas vezes mal interpretada na sua verdadeira significação, de que Portugal é um país essencialmente agrícola.
De facto é-o, não no sentido irremovível das soluções integrais para futuro, mas sim no de uma realidade indiscutível do passado e ainda bastante viva do momento presente.
Seria, na verdade, uma utopia sem perdão pretender-se que a situação da agricultura em Portugal não exerce - por enquanto, pelo menos - uma influência dominante na evolução da actividade económica do País.
A própria Conta Geral do Estado para 1955 o deixava antever claramente, em face da queda previsível nos totais admissíveis do produto nacional bruto ao custo dos factores entre 1954 e 1955, ou seja: entre os totais de 46 071 contos e 40 550 contos (preços de 1953).
No conjunto, é inegável que as actividades não agrícolas evoluíram, não só neste intervalo de tempo, mas até em intervalos com apoio em anos anteriores, de uma maneira francamente favorável para o aumento do rendimento nacional; no intervalo 1954-1955 poderíamos referir a produção industrial, com particular destaque na produção da electricidade num conjunto aumentado de cerca de 5 por cento, como poderíamos citar a sucessiva entrada em serviço de novas instalações ou de ampliações de instalações existentes, que a politica de fomento do Governo tem vindo a impulsionar no País.
Pois, apesar de tudo, apesar de todo o estorço que viemos inegavelmente realizando, os números mais recentemente publicados, em relação aos anos de 1954 e de 1955, podem corrigir o sentido das variações e os valores das percentagens, mas não alteram a conclusão geral da questão. De facto, citamos a previsão de uma queda de cerca de 1,12 por cento no produto nacional bruto entre os referidos anos, em consequência da queda de cerca de 900000 contos respeitantes às actividades agrícolas.
A proposta da Lei de Meios para 1957 altera, na realidade, o valor absoluto da questão, visto admitir em 1955 não uma diminuição, mas um acréscimo da ordem dos 11,7 por cento para o produto nacional bruto, a preços constantes de 1954 em consequência igualmente duma diminuição da actividade agrícola da ordem de l milhão de contos.
É evidente que uma variação positiva, ou negativa no produto nacional bruto da ordem de 1 por cento não altera o juízo da questão, nem a condução que dele se tira, a qual, aliás, se encontra igualmente referida numa apreciação que, em Novembro do ano findo, a O. E. C. E. publicou acerca da situação e problemas da economia portuguesa: aí se diz, de lacto, que o produto nacional bruto não se acresceu entre esses dois anos, senão de 1,2 por cento, contra valores superiores tanto em 1934 como em 1933(cerca de 6 por cento, então segundo a O. E.C.E.).
A razão invocada pela O. E. C. E. é igualmente a mesma: uma baixa da produção agrícola, que, segundo ela, respeita mais ou menos a um quarto da produção total. Quer dizer que uma queda de menos de 10 por cento no total do produto bruto relativo à agricultura chegou para estagnar nesse intervalo o total do produto nacional.
Todos reconhecem, por outro lado e à escala das actividades comerciais locais, a influência doa bons ou dos maus anos agrícolas no comércio por grosso e a retalho nas mais diversas regiões do País; não é de estranhar, portanto, que a par da expansão da pesca, das indústrias extractivas, da indústria transformadora, da construção e dos serviços, em geral, o comércio por grosso e a retalho acuse entre 1954 e 1953 variações desprezíveis no que respeita à sua contribuição para o produto nacional.
As repercussões mediatas imediatas, das obras de fomento não conseguiram ainda vencer as consequências dum mau ano de trigo e dos restantes cereais, à excepção de arroz, mau ano para o qual, aliás, contribuiu a crise da produção vinícola, a par da baixa produção do azeite, por exemplo. Por isso mesmo o progresso do conjunto da produção e dos rendimentos sofreu, por assim dizer, uma queda grave no seu ritmo, apesar de todo o auxílio que o Governo procurou estabelecer, na continuidade até de certos processos que estão tendendo a transformar em permanente artificialismo formas de correcção de preços defensáveis para situações de emergência ou para períodos de transição dentro dum plano coordenador da produção.
Que a situação é grave -demasiado pravo- pelo que toca ao produtor agrícola e ao País mostra-o o
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facto de as variações verificadas e previsíveis para a parte que cabe à actividade agrícola, a partir de 1951, se poderem representar mais por um arfar em volta dos mesmos índices do que por uma evolução crescente, como se nota para as principais actividades restantes.
Considerando, na realidade, os índices de produção com base em 1953, tínhamos para 1951 (verificado) e para 1956 (previsível) os valores de, respectivamente, 82 e 110 para a pesca; para as indústrias extractivas, 102 e 107; para a indústria transformadora e para a construção, 92 e 108 ; para a electricidade, gás e água, 77 e 151; para os transportes e comunicações, 95 e 111.
Pois bem: em relação à actividade e «agricultura e silvicultura», os índices desceram de 101 para 97, tendo passado provavelmente por 92 em 1955.
Às capitações pretendidas do produto nacional bruto, ao custo dos factores, da agricultura e da silvicultura, em atenção à população activa que lhe corresponde, foram de 9 contos em 1951, 7,7 em 1952, 8,8 em 1953, 8,7 em 1954, com previsão de 8 em 1955 e talvez 8,4 para 1956! Isto evidencia a baixa produtividade que referi.
É sempre o nosso subconsumo, consequência imediata e próxima do fraco poder de compra da população portuguesa, a causa próxima, como disse, de todo o ciclo vicioso donde é preciso sair e dentro do qual, e por natural consequência, a agricultura tem de ser fatalmente a primeira sacrificada nos ramos da produção.
Porquê?
A explicação ou, melhor, a demonstração é de uma simplicidade flagrante.
(Nesta altura assumiu a presidência o Ex.mo Sr.Deputado Augusto Cancella de Abreu).
Um país que vive com um nível de vida ainda baixo, como o nosso, tem de ter uma população que, na sua grande parte, se mantém aferrada à preocupação -mais que dominante, determinante de tudo - de suprir da melhor forma o mínimo das suas necessidades essenciais. E, dentro destas, a da alimentação tem de ter direitos de absoluta primazia, visto que, se se pode andar com fatos velhos e roupa repassada, se se pode viver com mais ou menos conforto, se se pode habitar um casinhoto ou um tugúrio, se se pode dormir em cama ou repousar numa enxerga, para subsistir e trabalhar é preciso comer.
Por outro lado, aqueles que, numa vida socialmente de grau mais elevado, têm necessidade de atender a outras necessidades, para além das que se podem considerar como vitais, nem sempre ganham ainda o que seria na verdade indispensável para não terem de sacrificar uma parte da alimentação - senão já em quantidade, em qualidade pelo menos -, no fito de conseguirem suprir despesas que se têm de considerar essenciais.
Vamos mesmo para a classe média do País, dos empregados particulares, do funcionalismo e dos servidores do Estado, para quem, em muitos casos - como, aliás, já frisei- e em consequência das próprias obrigações que o seu nível social lhes impõe, a distribuição das suas receitas orçamentais ainda é feita duma maneira mais apertada e severa do que aquela que se pode encontrar, com relativa frequência já, na própria classe operária.
Todo o agravamento de preço acarreta, portanto, um agravamento também daquelas dificuldades e impõe novas e, muitas vezes, miraculosas restrições para a garantia indispensável do já difícil equilíbrio orçamental;
a tendência, portanto, é a de dispensar aquilo que o possa ser ainda e diminuir consumos daquilo em que a diminuição seja possível.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Acresce que a alimentação e a habitação são talvez, dentro do nosso clima e para o chefe de família da nossa classe média, as duas preocupações de maior monta, a par da da saúde e da da educação dos filhos; a saúde é ainda hoje para ele frequentemente um «caso» muito caro em Portugal e a habitação está longe de normalmente se lhe oferecer em condições compatíveis dentro das suas possibilidades orçamentais. Sendo assim, se a alimentação se reduziu já, dentro da quantidade indispensável, a um mínimo de variedade que a torna incompleta e monótona, todo o agravamento que viesse, a par dos outros, incidir sobre ela seria sempre muito mais difícil de suportar ou de compreender.
Daqui, até por razões de natural preocupação social e política, o Estado se ver obrigado às vezes a procurar a todo o transe evitar agravamento de preços nos Produtos alimentares, mesmo através de artificialismos e compensações directas ou indirectas, que não poderão subsistir pelo tempo fora sem grave prejuízo para a Nação.
Sendo assim, a agricultura em Portugal teve, e tem, de continuar a ser, enquanto os circunstâncias não mudarem, a primeira sacrificada nas condições económico-sociais actuais.
Com tudo a agravar-se em custos à sua volta, com a vida dia a dia mais encarecida no que respeita a tudo quanto precisa para cultivar, produzir e viver, tem de há muito, por motivos alteráveis dum forçado equilíbrio social, limitados os preços dos seus produtos que se podem considerar essenciais para a nossa alimentação; e para alguns outros que coloca no estrangeiro apostou-se o destino em enfraquecer-lhe mercados que até há anos, a mantinham em situação de particular compensação.
Os números que o Instituto Nacional de Estatística nos fornece para os índices de preços por grosso, com a base 100 no ano de 1927, servem, mesmo dentro da contingência dos erros que se devam admitir, para ilustrar a questão.
Entre 1939 e 1955 os índices relativos aos produtos alimentares variaram de 87 para 192 - seja um acréscimo global médio da ordem dos 120 por cento; em compensação, e entre esses mesmos anos, os índices relativos aos produtos não alimentares passaram de 183 para 453,6 - seja um acréscimo da ordem dos 240 por cento.
Entre 1948 e 1955 a diferença relativa é muito mais sensível ainda, dado que, ao passo que os índices relativos aos produtos alimentares não tiveram praticamente variação final (embora sofressem variações intermédias), os índices relativos aos produtos não alimentares passaram de 344 a 453,6, ou seja, sofreram uma oscilação para mais superior a 31 por cento.
Estas variações comparadas falam exuberantemente só por si e desmonstram por que razão todas as medidas realmente possíveis, que se possam defender como soluções imediatas, não resultam como seria de esperar; e também porque se agrava uma situação que já vem de muito longe, dado que, se procurarmos para base das nossas comparações o ano de 1927, concluiremos que os produtos alimentares viram, até 1955, os seus preços aumentados de 92 por cento somente, ao passo que os não alimentares sofreram, em igual período, uma variação para mais da ordem dos 354 por cento.
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A agricultura, na sua grande generalidade, sustenta-se, portanto, à custa de sacrifícios imensos, à base de salários rurais mais que insuficientes, através muitas vezes de sistemas de arrendamentos nu de parcerias que estão longe de contribuir para a melhoria do seu nível de produção e do nível de vida do País, vive numa luta inglória, procurando através dos estímulos- quantas vezes importantes no seu valor absoluto, mas pequenos no valor relativo de cada caso por si - suprir as necessidades nacionais, frequentemente nas pequenas propriedades, procurando muito mais evitar, ou não aumentar, dívidas do que auferir quaisquer lucros que a tornem desafogada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas a própria natureza da terra do continente, e das ilhas adjacentes também, parece querer pô-la à prova na sua dedicação e sacrifício, tornando já, só por si, mais precária ainda a situação económica da lavoura; de facto, para além dos maus anos agrícolas, que, com uma frequência pesada, atormentam o agricultor e o País, os rendimentos dos principais cultivos são dos mais baixos que encontramos, dentro da aceitação de todas as margens de erro, no conjunto europeu.
Consideremos, de facto, o ano de 1953, que é aquele em que, num conjunto de vários anos a partir de 1947 e numa comparação com uma média anterior à última guerra, as estatísticas da O. E. C. E. de 1954 nos conferem as posições mais favoráveis.
Mesmo assim não passamos, nessa referência, dos 9,1 q/ha para o trigo, tendo logo acima de nós a Turquia, com 12.5 q/ha, a Grécia, com 13.4 q/ha, a Itália, com 19 q/ha; depois dopáramos com vários países, como a França, a Alemanha, a Suíça, a Áustria, a Irlanda, a Noruega e a Suécia, entre os 20 q/ha e os 30 q/ha, e, acima destes, depara-se também com a Inglaterra, com a Holanda, com a Bélgica-Luxemburgo e com a Dinamarca, a ultrapassarem os 40 q/ha.
É certo que os Estados Unidos, com 11,4 q/ha, e o Canadá, com 16,2 q/ha, se apresentam com rendimentos que, aparentemente, vêm dar posição aos nossos; simplesmente, não há que confundir relações, em semelhança do tipo de cultura, como acontece com alguns dos países considerados da Europa, com aquelas que se possam encontrar em formas de cultivo onde a necessidade e as vantagens da extensão para a mecanização compensam a inclusão de terrenos de baixo rendimento num conjunto ou na totalidade duma produção.
Pelo que respeita ao centeio são os 6,0 q/ha que nos tocam em 1953, numa posição que se pretende tão baixa que nem os países de mais baixo rendimento, como a Turquia, a Grécia e a França, a superam ainda.
Na cevada não encontramos valores de produção por hectare tão reduzidos como os nossos, como os não encontramos também na aveia nem no milho, cereais em que as produções mínimas dos outros países membros da O. E. C. E. tocam o dobro das do nosso; o que pretendo realçar, aliás, desta enumeração é, sobretudo, a nossa baixa produtividade natural, que agravará a vida do lavrador.
É no arroz e na batata que a situação relativa de certo modo melhora, particularmente quanto àquele, dado que, em relação a esta última, os mínimos já quase praticamente se confundem.
Se procurássemos igualmente as posições relativas aos efectivos da nossa pecuária encontraríamos também aquela posição modesta que as nossas fracas pastagens e, talvez, uma má política de preços praticada plenamente justificam; e não quero falar dos quantitativos do leite, da manteiga e do queijo produzido, que nem que se lhes confira uma margem de erro da ordem dos 100, 200 ou mesmo 300 por cento não chegariam para nos tirar duma posição demasiado baixa na escala da produção, isto é, em relação a vários outros países onde os erros deverão ser de considerar também.
Creio, Sr. Presidente, não valer a pena perder um minuto mais a reconsiderar sobre a nossa baixa produtividade agrícola ou sobre todas as razões que mais agravam as dificuldades do amanho da nossa terra, a qual se esforça, porém, por se adaptar o mais possível às circunstâncias de momento, sem possibilidades contudo de as vencer, como conviria a todos, em face exactamente das dificuldades que directa e indirectamente lhe cria o subconsumo que caracteriza o nível de vida em Portugal.
Subconsumo que não pode deixar de ter por natural e prejudicial consequência -repito-o - a exiguidade do nosso mercado interno, a qual, como tão justamente se observava na já situada proposta de lei de autorizações das receitas e despesas para 1957, é um dos principais factores limitativos do nosso progresso económico.
«A dimensão do mercado -dizia-se aí com pleno acerto- surge, pois, pomo causa e efeito do baixo nível de rendimento: causa, porquanto, diminuindo o incentivo ao investimento, impede que a efectivação deste promova a expansão do rendimento, e efeito, na medida em que a insuficiência dos rendimentos conduz a um estreitamento do mercado interno».
Esta verdade, que cobre todas as preocupações relativas às dificuldades de adaptação e de equilíbrio da nossa produção em geral, reflecte-se, de uma maneira vincada, na actividade agrícola portuguesa, para defesa da qual não chega o esforço, embora louvável, de auxílio do Governo, se se apresentar desintegrado dum plano geral de reorganização económica. A agricultura nacional, para além do interesse sobremaneira respeitável daqueles que nela labutam, com capital ou trabalho, precisa de ser fortemente defendida das contingências que sobremaneira a atormentam também; até porque precisamos de prepará-la ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... para a máxima contribuição que dela se possa exigir na altura em que as médias dos consumos alimentares em Portugal se situem dentro daquele nível que precisamos de preparar.
Na base das 3000 calorias por dia e de 85, 97 e 470 g por pessoa e por dia de proteínas, de gorduras e de hidratos de carbono, respectivamente, precisaríamos de garantir à nossa população continental em 1960 qualquer coisa como 7450 biliões de calorias por ano, 20 000 t de gorduras, l 175 000 t de hidratos de carbono e 210 000 t de proteínas, das quais 118 000 t devem ser de proveniência animal.
E logo que a nossa população atinja o volume de 10 milhões aqueles números serão muito mais elevados ainda: 8750 biliões de calorias, 283 000 t de gorduras, l 380 000 t de hidratos de carbono e 248 000 t de proteínas, das quais 110 000 t amimais.
As soluções parcelares, ou incompletas, nunca poderão resolver a questão: só uma solução de furado, integral e tenaz, a poderá resolver como é preciso.
Vemos assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que há um problema de base dominante que se aponta, ou melhor, que nitidamente aparece sempre ao analisar-se o caso económico português.
Tudo quanto se faça para equilibrar devidamente a balança do nosso comércio externo, tudo quanto procure defender, mais e melhor ainda, a estrutura e os
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508 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º190
saldos da nossa balança de pagamentos, no fito de defender a sua evolução e tendências de enfraquecimento de posições que não convêm, não resolvem aquela angustiosa situação se não fizermos alguma coisa mais para adaptar o custo de produção ao poder de compra dos portugueses em geral.
Toda a tentativa simplista do aumento do poder de compra por um aumento de vencimentos ou de salários, sem a contrapartida do aumento das quantidades produzidas e da estabilidade -se não mesmo do embaratecimento- do custo da produção, serviria só pura acarretar novos agravamentos no custo da nossa vida, ou levar, quando muito, a manter, com maiores ou memores modificações, as dificuldades actuais; até porque a reacção normal da produção, perante um maior interesse da procura, poderia traduzir-se numa retracção conducente a uma elevação de preços. E iríamos então de muito mal a pior.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Muito bem!
O Orador: - Todo o esforço que o Governo vem realizando no apetrechamento intensivo do País, na valorização do seu património e no aproveitamento das suas possibilidades, na libertação do dependências perigosas e nocivas de economias exteriores, toda a obra moral e material a levar ainda a cubo, na continuação dum esforço que dignificou uma política acreditando um regime, não podem ter todo o efeito preciso, mesmo em futuro próximo, se não houver alguma coisa mais que tenda a provocar em curto prazo aquele necessário ajustamento; de outra forma passaremos ainda largo tempo antes de sair duma situação que se poderia definir por uma tendência maior de enriquecimento para o Estado do que de enriquecimento para a população.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Muito bem!
O Orador: - É a necessidade deste ajustamento que condiciona, portanto, todo o sucesso do trabalho de renovação e de reequipamento que estamos realizando; e esta verdade é tão evidente e tão forte que ressalta das próprias conclusões da análise mais recente feita na O. E. C. E. em relação à situação da nossa economia:
O problema mais grave que se põe à economia portuguesa não é tanto o da manutenção do equilíbrio interior e exterior, mas o do aumento do nível de emprego e do nível de vida. A população activa cresce num ritmo actual de cerca de 40 000 pessoas e a agricultura, que ocupa mais ou menos 50 por cento da população, sofre dum subemprego manifesto. A emigração para o estrangeiro não é só por si susceptível de trazer a este problema uma solução completa, que não poderá ser obtida senão prosseguindo e intensificando a valorização de Portugal e dos seus territórios do ultramar.
Para se conseguir dar um nível de vida mais satisfatório ao conjunto da população não basta absorver o desemprego sazonal e o subemprego, mas, igualmente, melhorar o nível da produtividade.
Pela sua relevância, portanto, pelo facto de o nível de bem-estar duma população constituir um dos fins principais das preocupações económicas dum governo, no que respeita a atingi-lo e a prepará-lo, da forma mais consentânea com o interesse nacional, poderemos dizer que nele se consubstancia, ou por ele se representa, o principal problema económico português.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por uns minutos.
Eram 18 horas e 30 minutos.
(Reassumiu a presidência o Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior).
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 00 minutos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Daniel Barbosa sente-se compreensivelmente fatigado da sua brilhante, mas longa, intervenção, o que me força a adiar para a próxima sessão a conclusão do seu discurso e a encerrar esta sessão.
Antes, porém, de o fazer, quero comunicar à Câmara que o seu funcionamento vai ser prorrogado. Efectivamente, completam-se hoje os noventa dias de duração normal do funcionamento da Assembleia estabelecidos na Constituição. Mas os assuntos pendentes impõem a prorrogação do funcionamento da Câmara. Além dos assuntos que estão na ordem do dia -proposta de lei de alterações à Lei do Inquilinato e aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa sobre o problema económico português -, a Câmara não deve encerrar os seus trabalhos sem se pronunciar sobre as Contas Gerais do Estado e as das províncias ultramarinas, e ainda as da Junta do Crédito Público; isto sem falar de outros diplomas já entrados nesta Câmara e de outros que dentro em breve a ela virão.
Assim, usando da faculdade que me confere o § único do artigo 94.º da Constituição Política, prorrogo por mais um mês, a partir de hoje, o funcionamento da Assembleia Nacional.
A próxima sessão será na terça-feira 2 de Abril, com a mesma ordem do dia da sessão de hoje: efectivação do aviso prévio em curso e continuação da discussão na generalidade e na especialidade das alterações à Lei do Inquilinato.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Rodrigues.
António Russel de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Tasco Michon de Oliveira Mourão.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Gaspar Inácio Ferreira.
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30 DE MARÇO DE 1957 509
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
José Garcia Nunes Mexia.
José Qualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA