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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 196
ANO DE 1957 3 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 196, EM 2 DE ABRIL
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Alberto Henriques de Araújo
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 193 e 194 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
Receberam-se na Mesa os elementos fornecidos pelos Ministérios do Ultramar, Comunicações e Interior requeridos em anteriores sessões pelos Srs. Deputados Gaspar Ferreira, Augusto Simões e Pinto Barriga, que foram, entregues a estes Srs. Deputados.
Também se receberam na Mesa os mapas elaborados pela circunscrição administrativa do Mogincual em satisfação de um requerimento do Sr. Deputado Águedo de Oliveira, a quem foram entregues.
Usou da palavra o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu para recordar a personalidade do contra-almirante Afonso de Cerqueira, há dias falecido.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Daniel Barbosa concluiu o seu aviso prévio sobre o problema económico português.
O Sr. Deputado Melo Machado requereu a generalização do debate.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
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Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.os 193 e 194 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: -Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero-os aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Oficio
Da Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Sorraia acerca da nova lei de fomento hidroagrícola.
Telegramas
Da Federação dos Grémios da Lavoura de Entre Douro e Minho a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Magalhães Couto sobre a tributação dos grémios da lavoura.
Da Câmara Municipal de Lamego a apoiar as considerações do Sr. Deputado Azeredo Pereira acerca do problema das estradas daquela região.
Da Associação dos Proprietários e Agricultores do Norte de Portugal a apoiar uma representação da Associação Lisbonense de Proprietários sobre a Lei do Inquilinato.
De outro signatário sobre o mesmo assunto.
O Sr. Presidente:-Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Comunicações em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 17 de Janeiro último pelo Sr. Deputado Augusto Simões; os elementos fornecidos pelo Ministério do Interior em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Barriga na sessão de 13 de Março findo; os elementos fornecidos pelo Ministério do Ultramar em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 15 de Dezembro último pelo Sr. Deputado Gaspar Inácio Ferreira, e um mapa elaborado pela circunscrição administrativa de Mogincual, da província de Moçambique, em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 6 de Abril de 1956 pelo Sr. Deputado Águedo de Oliveira. Todos estes elementos vão ser entregues aos Srs. Deputados referidos.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: -Sr. Presidente: partiu desta vida o contra-almirante Afonso de Cerqueira. Era meu adversário político, mas, nesta hora do seu passamento, presto-lhe homenagem.
Se para isto não bastasse ter sido um nobre e bravo marinheiro; se não bastasse ter, com Mouzinho de Albuquerque, Paiva Couceiro, Azevedo Coutinho, Aires de Orneias, João de Almeida, Alves Roçadas e outros, elevado, em glória, Portugal no Mundo e salvado a integridade do Império; se não bastasse isto, bastava ter sido quem, após a escalada de Monsanto, à frente dos seus marinheiros e impondo-se à turba desvairada com o seu prestígio e a sua acção, defendeu da morte os bravos combatentes vencidos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Perante a sua memória inclino a bandeira da minha fé política - fé política que não foi a sua.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para continuar a efectivação do seu aviso prévio sobre o problema económico português o Sr. Deputado Daniel Barbosa.
O Sr. Daniel Barbosa: - Sr. Presidente: em face das alegações que proferi nas sessões de quinta e sexta-feira passadas, sentimos que é preciso fazer mais alguma coisa para além daquilo que, dentro das nossas possibilidades e de acordo com certos critérios subordinativos, já fizemos até agora, na certeza, porém, de que se impõe entusiasmo, convicção e perseverança para seguirmos na curva de evolução do nosso progresso económico da forma que mais convém.
Se uma figuração geométrica me fosse permitida, diria que todo o trabalho de adaptação política e de preparo infra-estrutural que se impôs realizar durante um longo período de anos tinha fatalmente de amarrar
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essa curva -que precisou de partir de zero ou de uma posição inferior- a cotas que fatalmente tinham de ir variando também, a pouco e pouco, em relação ao eixo das abcissas em que figurasse o tempo; mas agora temos já posição suficiente para seguir por cotas sucessivas cada vez maiores, marcando-se a curva, nesta nova fase, por lugares geométricos de pontos cujas tangentes vão tendo cada vez maior inclinação.
Nesta convicção estará, em grande parte, o ânimo para a solução do problema; encaremo-la, portanto, através da constituição que lhe poderá, eventualmente, ser dada por uma política de investimentos.
Um fim essencial a atingir com a solução procurada não poderá deixar, em face do exposto, de procurar promover um aumento de consumo, nomeadamente até do consumo que respeita aos particulares; na realidade, e relativamente a 1953, no conjunto do produto nacional bruto e da despesa nacional a parte dos particulares tocava os 80 por cento, deixando para a do Estado qualquer coisa como cerca de 10 ou 11 por cento sòmente.
No seu conjunto é ao sector privado que se deve o grande esforço na formação do capital fixo; por outro lado, a massa esmagadora das despesas portuguesas tem a sua incidência no nosso mercado interno, dado que o investimento líquido no estrangeiro nesse ano não deve ter atingido sequer os 5 por cento, apesar de toda a perturbação que isso nos causa.
Estas conclusões, com todas as rectificações que os números que a elas levam possam eventualmente sofrer, chegam para mostrar a cautela que tem de haver em todas as medidas que, em defesa da economia nacional, da manutenção do equilíbrio social ou de possibilidades para o fisco, possam afectar o sector privado, que duma forma tão vincada contribui para a produção e o consumo totais, muito baixos embora.
Os aumentos de consumo implicarão, naturalmente, maiores volumes de produção, os quais serão, por sua vez, não só função do nível de investimentos, como duma exploração mais intensiva e racional dos capitais fixos (aumento de produtividade) e dos recursos actuais (maior âmbito das explorações).
Podemos admitir que a possibilidade duma melhoria do nível do consumo está, de certo modo, implícita na possibilidade de um acréscimo sensível para o rendimento nacional; sendo assim, a intensificação dos investimentos, pela sua repercussão neste - embora não exclusiva-, deverá contribuir, ao fim e ao cabo, para a almejada solução.
O primeiro problema que se nos depara, portanto, é o da determinação da relação média entre o acréscimo obtido no nosso produto bruto e os investimentos realizados que para ele contribuíram como seu factor primário; o problema é na realidade, delicado e difícil, até porque implica como ponto de partida uma série de hipóteses do simplificação que particularmente respeitam à medida e ao aumento da repercussão do investimento. Investimentos levados a cabo na edificação dum liceu, na abertura duma estrada, na construção duma barragem ou numa instalação industrial não podem ter, como é evidente, o mesmo efeito - em volume e no tempo - sobre o produto nacional. Acresce que os números de que nos possamos servir fornecem, decerto, mais uma indicação de ordens de grandeza do que propriamente valores reais ou exactos.
Em qualquer circunstância, do exame daquela relação provável poderíamos concluir, exactamente no período de desenvolvimento do actual Plano de Fomento, duma velocidade e duma intensidade modestas quanto ao aumento do rendimento nacional em face dos investimentos que temos levado a cabo ultimamente, o que não quereria dizer que, para futuro, essa relação se não torne mais vincada.
Observaríamos de facto, então, que entre 1950 e 1955 cerca de 30 por cento dos investimentos ficaram ligados aos sectores dos transportes, comunicações e electricidade, onde o efeito do multiplicador não tem aquela rapidez que outros sectores apresentam, que talvez mais de 20 por cento, também, se destinaram à construção de habitações e que, possivelmente, uns 10 por cento se ligaram ao sector público; isto nos leva a concluir desde logo que cerca de 60 por cento da formação bruta de capital fixo, nesse intervalo de tempo, não podia ter um efeito imediato e vincado sobre o nível do nosso produto nacional.
Diga-se de passagem que esta referência não envolve qualquer crítica, visto se dever admitir a necessidade imperiosa das obras levadas a cabo, que não poderão deixar de continuar a realizar-se, para bem do próprio interesse nacional; faço-a unicamente pela necessidade de poder objectivar uma justificação para a modéstia da relação que, em determinado período e dentro de margens de erro talvez sensíveis, se encontra para a relação investimento anual-acréscimo do produto nacional bruto; pretende-se que ela, e de certo modo, nos poderá dar um indicativo da produtividade do capital português nesse mesmo intervalo, através da determinação daquilo que podemos denominar a sua produtividade marginal.
Assim, para um investimento anual médio da ordem dos 7500 000 contos, topamos com um acréscimo anual médio da ordem dos 750 000 contos, o que nos permite encontrar, com as devidas reservas e para a relação procurada, um valor da ordem dos 10 por cento.
Assentemos, de momento, nestes 10 por cento, dentro, aliás, das margens de erro, repito, que sejam de admitir, não para tirar, como daqui a pouco veremos, um sentido de condução, mas para firmar uma interpretação.
O aumento do rendimento nacional, encarado como um meio em potência para garantir um maior poder de compra médio à nossa população, implica, naturalmente, a consideração das suas capitações; e depois um segundo problema surge: o de prever a nossa evolução demográfica para os anos mais próximos.
Não iria prender a atenção de VV. Ex.as, que já tanto massacrei e vou massacrar um pedaço mais ainda, com a forma desta previsão; o assunto está hoje, no geral e no particular, suficientemente esclarecido, para podermos abandonar as extrapolações à base de progressões aritméticas ou geométricas, mesmo com ajustamentos procurados apoiados na lei dos mínimos quadrados.
A extrapolação à base de uma logística, apesar de não vivermos numa economia fechada, nem constituirmos pelos nossos movimentos migratórios um modelo tipo, parece, apesar de tudo, ser aquela que mais se vai quadrando com a realidade; aliás, leva-nos à obediência a um movimento de evolução demográfica, que é geral a grande escala, e coaduna-se até com as previsões que possamos fazer em face da nossa reprodutividade líquida ou das nossas pirâmides de idades.
Inclusivamente, parece ter-se já marcado, há cerca de meia dúzia de anos, o ponto de inflexão, que é uma das características principais da sua curva representativa; e os números definidos pelos censos vão-se quadrando com satisfatório rigor dentro da equação que a define. As suas primeiras comprovações encontram-se, de facto, na diminuição dos aumentos demográficos médios anuais, a partir do intervalo 1940-1950, na posição relativamente rigorosa dos pontos que respeitam a 1950 e a 1955 e na baixa verificada nas taxas daquela reprodutividade líquida que referi.
À base de uma extrapolação por curva logística, toparemos, assim, para o continente português, com
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cerca de 9 milhões de habitantes em 1970 e 10 600 000 no ano 2000; se quisermos, porém, considerar processos de extrapolação que nos levem a valores mais altos, tais como através de exponenciais ou quadráticas, encontraríamos médias de conjunto que se poderiam computar por 9 300 000 e 12 milhões de habitantes para aqueles dois anos, respectivamente também.
Partindo, para efeito da avaliação do produto nacional bruto, dos valores demográficos mais baixos - que me parecem ser, aliás, os mais prováveis-, estamos trabalhando num sentido favorável para as previsões; por isso aceito o número de 9 milhões de habitantes para 1970, ano em relação ao qual vamos procurar estabelecer umas simples previsões indicativas.
Admitamos, então, que o custo de vida actual se mantém até lá, ou seja que durante estes treze anos mais próximos os preços se manterão estabilizados, através duma política firme de controle do mercado, de fomento da nossa economia e de coordenação da nossa produção-consumo; admitamos ainda que procuraríamos conseguir para esse ano a média dos 3.000$ mensais por cada agregado populacional de quatro pessoas.
A capitação do produto nacional bruto correspondente deverá ser então da ordem dos 9.000$, ou seja o correspondente a cerca de 320 dólares, isto é, tanto como a capitação da Alemanha Ocidental em 1949; corresponderia assim, em comparação com valores observados quase vinte anos atrás, a 68 por cento da capitação de então da França, a 57 por cento da da Bélgica, a 39 por cento da da Suíça, por exemplo.
O aumento de capitação desta forma procurado implica, consequentemente, um aumento global da ordem os 58 ou 59 por cento em relação à capitação provável para 1955, que tomaremos como base; seja um aumento anual médio da ordem dos 3,8 por cento.
Este ritmo de aumento nada tem de extraordinário quando comparado com aquele que podemos encontrar em muitos países do Mundo, embora pudesse supor-se aparentemente elevado quando comparado com a ordem de grandeza dos relativos à Suécia, à Finlândia, à Inglaterra ou à Holanda, por exemplo, que entre 1950 e 1953 se mediram por valores variando de 2,2 a 2,8 por cento, ou até em relação ao dos Estados Unidos da América, que se mediu por 3,2 por cento.
Simplesmente, trata-se de países onde as capitações do produto nacional bruto são das mais elevadas do mundo civilizado, em relação às quais, portanto, não podemos pretender comparações; faça-se -isso sim - a comparação com aqueles valores que respeitam a nações que, ainda com capitações baixas, procuram firmar a sua posição no meio civilizado, que, aliás, integram, tais como a Espanha, com 8,4 por cento, a Grécia, com 6,9 por cento, e a Itália, com 5,7 por cento.
Sendo assim, e na hipótese de desejarmos conseguir em 1970 a capitação de 9.000$, teríamos de considerar então a possibilidade dum produto nacional bruto da ordem dos 81 milhões de contos, ou seja um acréscimo anual médio para esse produto nacional, entre 1955 e aquele ano, da ordem dos 2 200 000 a 2 300 000 contos.
Impunha-se, portanto, uma percentagem para o acréscimo médio anual do produto nacional bruto e em relação a 1955 entre 4,5 a 5 por cento, percentagem que, comparada com a que se pretende deva caracterizar, em média, os acréscimos do produto nacional bruto de 1955 até agora -e que é inferior a 2 por cento-, se mostra relativamente elevada.
De acordo com aquela razão marginal capital-produto nacional bruto de 10/1, necessitaríamos, de facto, de um investimento annual médio da ordem dos 22 milhões a 23 milhões de contos. E aqui começaria o desânimo!
Dêmos, porém, por barata aquela relação marginal donde partimos e admitamos que ela possa vir a estabelecer-se, não em 10/1, mas em 10/1,5, ou até em 5/1; sendo assim, o valor do investimento anual teria de se computar já entre uns 15 milhões a 11 milhões de contos, ou seja entre valores ainda superiores -mas já não tanto- àqueles que em média, e dentro de um esforço que se impõe reconhecer, vimos realizando de há uns anos para cá.
Tenho para mim que, apesar de tudo, a realidade se vai mostrar, em breve prazo, um bom pedaço mais digna de optimismo do que as aparências de momento poderiam deixar prever; de facto, um aumento anual médio para o produto bruto português da ordem dos 2 200 000 a 2 300 000 contos poder-nos-á parecer exagerado - e é-o de certo modo- em face das realidades verificadas até agora.
Contudo, elas não desmentem -ou parece que não poderão desmentir- que, apesar da queda verificada nos aumentos do produto bruto português nos intervalos de 1951-1952 e 1954-1955, este se apresenta com uma média de aumento entre 1948 e 1954 da ordem de 1 300 000 contos anuais, quando em média, também neste intervalo de tempo, as percentagens de aumentos das capitações e das totalidades do produto bruto deverão tocar os 2 e os 3,5 por cento, respectivamente.
O erro e o desânimo poderiam vir, portanto, de se querer raciocinar dentro duma lógica que só é aparente sobre valores relativos a um intervalo curto de tempo pelo facto de eles estarem exactamente coincidindo com a execução dum plano de fomento.
A aceitar, portanto, que os números relativos que para esse intervalo se encontram fossem de facto verdadeiramente indicadores duma situação e "de consequência", cairíamos no absurdo de ter de admitir que exactamente se estagnaria, num período inegável de fomento, uma evolução económica que se vinha desenvolvendo por períodos anteriores, onde os trabalhos fomentadores da nossa economia não se apresentavam, nem em valor anual, nem em valor acumulado, da forma como hoje notamos que eles se estão desenvolvendo em Portugal.
Os maus anos agrícolas, por um lado, e o tempo indispensável para que jogue, no seu pleno efeito, a repercutibilidade dos investimentos que se estão levando a cabo conjugaram-se de maneira a dar-nos, em determinado período, a impressão de uma paragem, que nos poderia desiludir francamente quanto às possibilidades futuras ou ao tempo necessário para as conseguir.
O bom senso e a observação da evolução do fenómeno do efeito do multiplicador para períodos de tempo mais largos devem-nos levar, pelo contrário, à certeza de que havemos em breve prazo de sentir na capitação do nosso produto nacional bruto - e, consequentemente, no nível de vida do País - o efeito salutar, embora insuficiente, do plano de investimento que se está efectivando.
É por isso que, olhando atentamente, embora, às nossas baixas capitações, ao nosso baixo nível de consumo, ao nosso baixo nível de vida - que se impõe exacta e corajosamente destacar para sentirmos a medida da urgência e da escala das soluções e para evidenciar o atraso em que estávamos e o que há ainda a fazer -, olho também, com particular optimismo, o futuro, acreditando, em face das possibilidades que lhe estamos criando no presente, no aumento das que realmente lhe podemos criar, e sinto que vale a pena fazer muito mais ainda, não só para levar o nível do vida médio do País àquela posição mínima que as cir-
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cunstâncias impõem, mas até para aquelas posições em que se destaca, sem euforia nem espectaculares grandezas, um número apreciável de nações. E é exactamente pelas últimas observações que fiz que aceito também não ser preciso um período de tempo demasiado longo para começar a sentir os benefícios duma política económica que, reforçada no bom do que já contém e animada e revigorada por novos moldes e processos, pode levar o País à situação que ambicionamos.
Bastaria, de facto, que aquela percentagem de aumento anual das capitações se mantivesse na ordem dos 2 por cento, já verificada, que tocaríamos a capitação dos 7.500$ em 1970; e se essa percentagem aumentar - o que não é impossível - para 3 por cento, encontraríamos facilmente no ano de 1970 a capitação de cerca de 8.300$.
Apesar disso, é fácil de concluir também, e até para fugir a posições extremas - onde a virtude, neste caso, não reside -, que, se quisermos andar depressa e tudo procurar resolver para além do pouco em que se traduz o desejo, muito louvável embora, de substituir as carências orçamentais familiares correntes por situações de apagada modéstia, indo, pelo contrário, e portanto, abertamente a caminho das soluções que conduzem às situações desafogadas e prósperas que o País hoje contém na sua potencialidade, não poderemos esperar consegui-lo unicamente através duma política de investimentos, mesmo considerada na máxima intensidade que as nossas possibilidades consintam.
A razão está em que não temos viabilidades efectivas, nem prováveis, de investir nos montantes que as circunstâncias tornariam então aconselhável; é limitado o mercado interno de capitais, limitadas as possibilidades reais de cada um, até o recurso ao mercado externo, para efeito de financiamento, é frequentemente mais oneroso e complicado do que a muitos parece ser.
Dentro desta conclusão, estou plenamente convencido de que, por maior que fosse o esforço realizado, por maiores sacrifícios que estivéssemos dispostos a fazer com vista a incrementar ao máximo os investimentos considerados possíveis, nunca poderíamos esperar que unicamente através deles, e dentro dos anos mais próximos, pudéssemos levar a produção e o consumo àquela posição recíproca de equilíbrio desafogado e próspero que pode verdadeiramente interessar ao bem-estar e à prosperidade nacionais.
Por razões de natureza evidente devemos, e podemos, apressar as soluções no tempo, na certeza, porém, de que, se o que já está realizado é hoje base de apoio importantíssima para o que falta fazer - pelo que todo o trabalho que é preciso se integra plenamente num plano de reconstituição nacional, que se impõe, não iniciar, mas continuar-, a situação ainda presente impõe novos critérios para a reconstituição da economia portuguesa, num reforço sempre continuado e intenso da política de investimentos em que o País se lançou. E não se esqueça, como conclusão também das observações que fiz, que depende do valor que consigamos -e isto é importantíssimo! - para aquela relação marginal capital investido-produto bruto a maior ou menor possibilidade de conseguirmos, através dos investimentos viáveis e dentro de curto prazo, uma elevação substancial das capitações do rendimento nacional e, consequentemente, do nível médio da vida do País. Por isso um plano de reconstituição económica tem de estar particularmente atento a ela.
O que será preciso então, na realidade, fazer?
A política ou, melhor, a directriz que nos define os caminhos para a solução do problema deve conter em si, como é evidente e pelas razões já apontadas, a preocupação de facilitar ao máximo os investimentos necessários a uma intensificação dos consumos; dada a escala que se impõe, em relação ao volume e ao tempo, dessa indispensável política, não bastará, portanto, incentivar a acorrência de capitais particulares a determinados empreendimentos, mas procurar facilitar por todos os meios a obtenção ou a mobilização desses capitais.
Uma melhor e mais eficiente organização do seu mercado impõe-se, consequentemente, como consequentemente se impõe uma revisão rápida e adaptável às circunstâncias do momento da nossa legislação bancária, a qual ainda vive num sistema que restringe muitas possibilidades, por melhor vontade que haja em facilitar determinadas situações.
A banca é ainda, entre nós, muito mais um meio de obter possibilidades monetárias para um acto de comércio do que para uma realização da produção; na realidade, a necessidade de facilitar empréstimos a longo prazo, tantas vezes necessários à criação de capital fixo, esbarra, por assim dizer, com uma legislação obsoleta, muito mais destinada -repito- a facilitar uma transacção comercial do que a criar novas riquezas para o País.
Creio que, independentemente da criação dum Banco de Fomento, se deve procurar orientar a banca particular no sentido de, sem perda da manutenção de indispensáveis garantias e necessária disciplina, poder servir a política de fomento da produção que se impõe desenvolver entre nós.
Aguarda-se, por outro lado, a reforma fiscal, tão necessária para atingir, sobretudo, e através da rectificação necessária da incidência do fisco, dois desideratos principais: aumento das receitas do Estado e estímulo da procura por parte dos consumidores. É evidente que, em certos casos, estes desideratos se confundem, até no ponto em que duma eventual melhoria das receitas resulte uma menor contracção para as despesas que sejam, por sua vez, necessárias para facilitar ou incrementar o consumo do País; e é evidente também que uma distribuição mais equitativa de impostos, podendo contribuir para a melhoria social, tem frequentemente, e em muitos casos, uma plena justificação de ordem moral.
Simplesmente, e como já fiz notar, a parte que cabe aos particulares no investimento do País -de longe insuficiente para o que é preciso - mostra-se particularmente dominante, como de igual modo as despesas dos particulares nitidamente dominam as despesas do Estado.
Se quiséssemos referir percentagens indicativas, bastaria lembrar que em 1953. por exemplo, a que coube aos particulares da formação bruta de capital fixo foi da ordem dos 85 por cento, devendo talvez contar-se que este valor tenha subido até para cerca de 87 por cento em 1955.
Sendo assim, dentro duma estrutura política que entrega à iniciativa particular a função de inegável relevância como aquela que se lhe entrega entre nós, há que ter a maior cautela naquilo a que poderíamos chamar as consequências económicas das alterações da incidência fiscal. De facto, o elemento motor da iniciativa privada é, indiscutivelmente, o lucro, e o capital monetário não acorre, nem a iniciativa de cada um se materializa no campo da produção, sem que uma determinada retribuição, dentro do princípio da maior vantagem, torne lucrativo o empreendimento.
O trabalho, por seu lado - seja de direcção, de organização ou de execução -, não se pode considerar senão dentro do princípio de que do esforço realizado resultará uma certa compensação para quem o leva a cabo; e a não ser, portanto, em regimes de tal forma concebidos que a iniciativa só possa caber ao Estado e o trabalho seja mais uma obrigação do que um direito,
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o que há é que não deixar sacrificar um ao outro, antes manter o trabalho e o lucro nas posições relativas de deveres e de prerrogativas, donde resulte o maior interesse para o País e para a comunidade em geral.
Sendo assim, é evidente que um sistema fiscal bem estabelecido -e o actual Ministro das Finanças tem cultura e formação de sobra para o poder compreender e sentir-, ao mesmo tempo que deve procurar conseguir uma melhor distribuição de riquezas fomentadora do consumo, deve procurar fazê-lo de tal forma que não venha a contribuir, por via de processo, para maiores dificuldades na política de investimentos que se impõe, dado que, como vimos, há que intensificá-la ao máximo, em face das naturais limitações que a dificultam, para uma rápida solução no tempo.
Não me parece, portanto, justificável uma guerra ao lucro, como de forma alguma me pareceria justificável, também, uma guerra ao salário alto; de facto, conforme a elevação destes não pode trazer inconvenientes se for devidamente acompanhada ou tiver por lógica contrapartida um aumento das qualidades produzidas sem agravamento do custo da produção, também a realização de lucros só será de defender se, através deles, for possível melhorar as condições dos que trabalham e contribuir largamente para a economia nacional, mediante organizações mais importantes e mais perfeitas no campo da produção.
O lucro tem de ser encarado, portanto, como um direito defensável desde que ofereça uma contrapartida ao País de realizações, de fomento de riquezas e de melhoria do poder de compra da sua população; determinado lucro será, portanto, devido ou indevido - direi mesmo justo ou injusto- conforme o benefício que dele resulte, ou não, para a economia nacional.
Trata-se, assim, dum direito que se não mede em valor absoluto, mas em valor relativo, que ao Estado, pelos princípios intervencionistas e reguladores que o conformam, cabe devidamente apreciar.
O que interessa é que o Estado, através da acção criteriosa e firme duma política fiscal, faça desviar as margens suplementares dum lucro admissível para o campo do investimento e compense, ou premeie, através dessa mesma política, toda a aplicação do lucro nesse sentido, ou noutro qualquer, desde que dele reverta melhoria de condições para o nível de vida do País; só assim completará a necessária acção de fomento deste meio motor de enriquecimento nacional, que poderá, evidentemente, animar muito mais ainda mediante reduções de taxa de juro e deferimentos de amortizações, comparticipações mais ou menos substanciais, intervenções do próprio Estado, no fito de criar um condicionalismo de circunstâncias favoráveis capaz de levar a iniciativa privada a desenvolver-se no sentido que mais interessa à Nação, sem necessidade de lucros demasiado sensíveis.
Que estes, por sua vez e por seu lado, não se deverão nem poderão considerar num sistema fiscal como sussusceptíveis dum montante constante e definido, que o fisco estipulasse admissível duma vez para sempre; de facto, aquilo que poderíamos designar como e "lucro normal", ou seja como lucro que torna de interesse o investimento em -determinado empreendimento, não se pode definir, sem perigo de contrariar o progresso económico do País, por um quantitativo percentual invariável. Pelo contrário, este deve e tem de variar - passe o termo - com o "tipo" de capital, visto depender sobretudo da maior ou menor facilidade com que se poderá deslocá-lo para outras aplicações, bem como da oportunidade que se oferece à sua colocação e do risco, maior ou menor, que poderá correr.
O capital a empregar na produção de artigos facilmente colocáveis, ou em equipamentos capazes de permitir uma fácil transacção, pode oferecer-se a juro muito mais modesto do que aquele que é naturalmente exigível para investimentos que respeitam à fabricação de artigos vendáveis a longo prazo, à necessidade da criação de stocks porventura alteráveis ou sujeitos a sensíveis flutuações de preços, ou, ainda e finalmente, a empreendimentos industriais de certo modo arriscados, cuja amortização é, por natureza, muito longa e cuja exploração se tem de desenvolver entre uma série de eventuais contingências, interiores e exteriores, que o tempo pode facilitar.
Quer dizer que o montante, melhor dizendo, o quantitativo percentual por que se mede um lucro está largamente condicionado pela liquidez do capital investido e pela segurança de que se cerca a sua aplicação. Está, portanto, nas mãos do Estado encaminhar os capitais disponíveis, mediante agravamentos ou suavizações de imposto, para os campos de aplicação com maior interesse para a economia nacional.
Vozes: - Apoiado!
O Orador: - Por isso mesmo, uma judiciosa política fiscal, e sobretudo a sua efectivação em novos moldes num momento particular como é o da economia portuguesa actual, nunca poderia desligar-se da própria política económica do Estado, devendo ser, consequentemente, não um elemento dominador dela, mas sim um elemento de cooperação com ela.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tudo se tem de prever, ordenar e fazer dentro de um plano de verdadeira coordenação económica, em que as finanças deixem de ser um fim para serem unicamente um meio, no fito de conseguir que as facilidades que o Governo vem procurando criar aos investimentos se reforcem muito mais ainda, à base inclusivamente de uma severa disciplina no que toca a evitar que lucros anormais, ou excessivos, se desviem do papel motor de fomento da riqueza e do consumo que se define por uma acção de investir e por uma corajosa valorização do trabalho, dado muitas vezes surgir a tentação por aplicações sem qualquer interesse para a criação e melhor distribuição da riqueza nacional.
O caso tem tanto mais importância quanto é certo que previsões em relação às quais não disponho ainda e possibilidade de controle levaram a admitir, ainda há muito pouco tempo, que o investimento fixo bruto aumentaria unicamente de 4 por cento em 1956, mantendo-se estacionário durante o ano corrente, ano em que, aliás, tenderia a diminuir o investimento privado, que já vinha descendo desde 1955 em valor absoluto e em valor relativo.
Toda esta coordenação que se precisa, e se impõe, não poderá esquecer que quem tem dinheiro, ou quem o ganha, não o movimentando devidamente depois, contribui para o subemprego, para o baixo nível de vida do País e para as crises; o princípio dominante dessa coordenação será sempre o de levar a investir tanto quanto possível e o de actuar sobre o poder de compra dos consumidores, aumentando-lho de modo a facilitar a absorção de quanto se possa, por via disso, vir a produzir.
Consumos elevados e investimentos elevados têm de ser normas da melhor política a orientar essa acção coordenadora, visto que uma possibilidade maior de comércio, a par do maior desejo de o fazer, aumentará as vendas e, consequentemente - se soubermos respeitar os lucros-, aumentará os investimentos; pelo contrário, uma política de austeras restrições, de grande se-
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veridade fiscal, de cerceamentos de consumos, só servirá para aumentar as depressões económicas e, naturalmente, as dificuldades em investir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E exactamente na procura do equilíbrio entre as necessidades dos réditos fiscais para o Estado e a necessidade de disponibilidades dos particulares para investir o para consumir que reside, a par da necessidade daquela coordenação, uma das maiores dificuldades para as soluções aconselháveis; mas o certo é que o Estado pode, de certo modo, atenuá-las no que toca, por exemplo, às disponibilidades que precisa para, sem mais cerceamentos das despesas normais, poder cumprir, no campo financeiro, o seu papel fomentador de empreendimentos, intensificando a sua política de encorajamento de investimentos e aumentando as suas próprias despesas na formação do capital.
De facto, a chamada actividade pública tem um fundamento por completo distinto da actividade privada e não se exerce, ou não deve exercer-se, por outro fim que não seja o da sua influência positiva ou construtiva na vida económica nacional, sob determinado aspecto; substituir este desiderato pelo interesse da obtenção dum lucro ou dum determinado rendimento em sacrifício daquele outro fim mais geral e mais próprio seria, na realidade, um desvio das obrigações do Poder.
Se o Estado, em determinado momento, comparticipa do capital duma empresa, pode e deverá fazê-lo por razões diversas, mas. naturalmente, são dominantes as que respeitam, quer ao encorajamento da formação de capital particular, quer ao interesse da sua própria presença dentro do empreendimento; temos uma série já de exemplos revelantes na Sacor, na Celulose, nas empresas hidroeléctricas, etc.
Simplesmente, se em determinada altura o encorajamento já se não torna preciso e o contrôle da marcha do empreendimento está facilitado ao Estado por outras vias indirectas -regimes tarifários, por exemplo, companhias distribuidoras, normas de qualidade, tabelas de preços, delegacias do Governo-, pode duvidar-se do direito ou da vantagem da continuidade da comparticipação do Estado à laia de posição que melhor caberia ao capital particular, sacrificando à sedução dum juro alto a aplicarão desse dinheiro em novos empreendimentos.
Parece melhor política, sob o ponto de vista de fomento económico, que, logo que o Estado veja asseguraria a realização do empreendimento e garantida n sua manutenção dentro do interesse nacional, ceda a sua posição no capital das empresas, conseguindo desta forma como que uma espécie de roulement de numerário pelo tempo fora, que lhe permitirá acudir, com muito mais frequência e muito menor sacrifício, à instalação de novos empreendimentos.
Direi mais: até com vantagens francamente apreciáveis, dado em muitos casos poder ter duplicado, ou triplicado mesmo, em poucos anos, o valor do seu capital inicial.
E quem diz o Estado diz todas as autarquias locais.
É particularmente delicada, eu sei, a materialização desta solução, dado que nem o Estado pode proceder precipitadamente, criando uma desvalorização brusca do papel, nem tão-pouco facilitar a formação por cedência, a determinados grupos, desta ou daquela maioria; mas o problema merece afincado estudo, e não é impunemente que uma instituição como o Banco de Portugal, por exemplo, existe no País com as possibilidades que tem ou que se lhe podem criar.
Não podemos deixar de admitir, como é evidente, que o aumento da circulação fiduciária pode sempre constituir um erro grave dentro duma estabilidade dos meios da produção; mas temos de admitir, também, que um incremento vigoroso da produção e do consumo, a par de aumentos demográficos, não é compatível com uma limitação rígida à quantidade de dinheiro que circula, a qual, aliás, pode aumentar sem perigo se tudo se conjugar com o embaratecimento e o aumento das quantidades de bens que o consumo possa absorver dentro de níveis normais. Direi mesmo que precisa de aumentar para que o dinheiro, que é um meio essencial das trocas, não se torne escasso e caro, antes cumpra o papel que à produção e ao consumo convém.
Toda a emissão de moeda, portanto, que o Banco de Portugal realizasse para facilitar ao Estado esse roulement de capitais formadores de empreendimentos, por ser única e exclusivamente aplicado na criarão de meios de produção, de grande e rápida repercutibilidade no produto bruto, longe de facilitar a inflação, poderia contribuir para um melhor equilíbrio entre os sectores da produção e do consumo.
Toda a política de fomento económico de que o País precisa impõe, sob qualquer ângulo que se veja a necessidade de coordenação que já referi, da qual se não podem desligar nem vários outros departamentos ministeriais nem a própria política social do Governo.
De facto, dada a insuficiência de possibilidades para investir nos quantitativos precisos para levar, num número curto de anos, o nosso nível de vida à altura que necessita de ter, temos de investir o máximo que pudermos da melhor maneira que o possamos fazer; ou seja: de modo que possamos garantir a máxima e mais rápida rentabilidade do capital formado e a maior e mais rápida repercussão no poder de compra.
Quer dizer: temos de procurar exercer, mas, noutro sentido agora, uma política de severa disciplina, de tenaz austeridade, que evite, sem uma razão muito séria, desvios para a aplicação em investimentos de menor reprodutividade, n não ser naqueles que o próprio interesse nacional impõe; temos, portanto, de atender rigorosamente, ao seleccioná-los, ao efeito do multiplicador, dando, sempre que possível, um destacada primazia às indústrias e nos meios de produção com a maior percentagem possível de equipamento nacional, àquelas que se apontem com maior valor de salários a distribuir por pessoas com grande propensão no consumo para bens de origem portuguesa e igualmente àquelas que irão incrementar, por seu lado, actividades novas ou já existentes, etc. Àquelas, enfim, que possam mais e melhor contribuir para a velocidade e incremento do aumento do nosso produto bruto e do consumo em geral.
Só assim conseguiremos, de modo sensível, aumentar a reprodutividade média dos nossos investimentos, pelo aumento da produtividade marginal e média do capital português.
Ao Estado cabe um papel de particular importância, não só na, ordenação dos seus próprios investimentos, mas na daqueles que respeitam ao sector privado, pelas facilidades que possa conceder à manutenção e criação dos que mais interessem ou pelas dificuldades que ponha a quantos possam desviar de aplicações de maior rentabilidade ou valia capitais que se têm de aproveitar como convém. Tudo quanto estejamos fazendo já nesse sentido é muito pouco ainda em relação ao muito que podemos e devemos fazer.
O País terá de compreender, portanto, dentro dum plano que considere as razões, estabeleça os caminhos e preveja com segurança os resultados, que tem de sacrificar certos tipos de investimento a outros de muito maior interesse: quase me tentaria a dizer que a neces-
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sidade de fomento nacional, em novos moldes e a nova escala, que leva o critério de subordinar o financeiro ao económico, pode, de certo modo, subordinar também o político: político no sentido de obra de aspecto ou de efeito imediato, político no sentido de satisfação de aspirações mais ou menos sentimentais, político, enfim, no sentido de satisfazer, fora dum bom critério económico e sem necessidade de maior, certos agregados populacionais por uns escassos anos, em prejuízo de satisfazer o País duràvelmeute pelo tempo fora.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Integre-se bem a nossa população neste desiderato que a serve, façamo-la compenetrar-se da necessidade da sua própria contribuição a este fim, para que ele mais depressa se atinja, e o País compreenderá o sentido político dessa coordenação indispensável, que tem de chamar a si, subordinando-as também, as próprias obras públicas e as comunicações de terra, mar e ar.
Pelo que toca à política social do Governo, pelo que respeita a melhoria do nível de vida do nosso trabalhador, quer em maior poder orçamental, quer em melhoria do seu ainda tão reduzido conforto, não poderia ela em caso algum e na sua plena extensão e profundidade separar-se da política económica também; esta afirmação é naturalmente aplicável aos critérios que subordinam a defesa dos direitos para os trabalhadores em geral. Mas se há sectores que devem marchar par a par, se há problemas de tipo função recíproca, que tão vincadamente se confundem nas suas causas e nos seus efeitos, são aqueles que resultam dos níveis médios de salários e dos custos médios no sector da produção; de facto, uns condicionam os outros, e não seria, como observa humoristícamente um economista americano, pintando de cor-de-rosa o doente que se curaria o ataque de icterícia.
O problema é um problema de fundo e poderia agravar-se até, ao fim de relativo pouco tempo, se por soluções unilaterais desviadas do verdadeiro problema económico de base, quiséssemos sanar uma situação que não convém e que só uma melhor organização da produção pode, na verdade, resolver devida e seguramente.
Impõe-se intensificar a procura interna, mas devemos sempre fugir a medidas que tendam a procurar consegui-lo mediante um agravamento maior ainda para o custo de produção; que há ajustamentos -e grandes - a fazer, estamos de acordo, e impõe-se que eles sejam feitos sem hesitações nem demoras.
Mas não queiramos arriscar a solução de fundo e integral que impõe a coordenação mediante simplismo de medidas que a podem comprometer ou retardar.
O País não pode suportar, sem graves perigos para as soluções que se precisam com vista a preparar o futuro, a plena desconexão que, muitas vezes, se encontra entre as políticas económica, financeira e social.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Defender o trabalho é mais que louvável, impõe-se; conseguir receitas para o Estado é mais do que compreensível, é indispensável.
Mas tentar cumprir tais desideratos comprometendo a produção é mais do que criticável, é absurdo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Uma indústria só poderá, por exemplo, ser obrigada a aumentar as suas contribuições para o Estado e a manter o pessoal a seu trabalho dentro de certo nível de salários se o Estado, através duma coordenação perfeita, lhe fornecer os meios indispensáveis para que ela se organize e labore de tal forma, em face das condições que depara no mercado, que possa, na realidade, manter-se; e então, se foge a utilizar-se dessa coordenação que se lhe oferece, não tem que invocar razões em que se estribem concepções ou facilidades.
Mas, sem que essa coordenação se firme, sem que o Estado dentro dela atenda, como convém ao País, às situações reais que se lhe criam e às dificuldades que, por falta dessa mesma coordenação, a atormentam ou dominam, todas as imposições unilaterais no campo do social ou no do fisco podem contribuir, apenas e em certos casos, para agravamentos maiores em futuro não distante.
Toda esta coordenação de que se precisa não se poderia coadunar, pela sua importância e extensão, com as formas governativas actuais; excede, de facto, e largamente, as possibilidades dos actuais Conselhos de Ministros, onde, pela natureza do seu próprio funcionamento, se expõem mais situações do que se buscam soluções de conjunto para elas. E o próprio Conselho Económico, que constitui já um grande e valioso passo em frente no caminho que se impõe, não pode traduzir subordinação a um comando coordenador, sem o qual - não tenhamos dúvida - o problema económico português - ou aquele que me permiti designar como tal- não se verá devidamente resolvido tão cedo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há necessidade, sobretudo, de criar um novo sistema para a efectivação da política económica, à base dum verdadeiro Ministério de 'Coordenação Económica, que tem naturalmente no Ministério da Presidência a sua lógica materialização; a Indústria, o Comércio, a Agricultura, as Comunicações, as Obras Públicas, etc., deverão ter as suas Secretarias de Estado, como as Finanças também, mas todas a trabalhar num mesmo plano de direitos para um fim comum, que transcende a função específica e o âmbito de cada Ministério pela consequência de interesse que se concentra em quem os orienta e os limita às suas funções, parte dum todo.
Só dentro duma coordenação nestes moldes será possível olhar a balança do nosso comércio externo como um elemento, entre muitos, de estrutura financeira e económica do País, como uma parcela, de importância embora, da balança de pagamentos; só através dessa coordenação se poderá manejar a balança do comércio externo, num plano de reconstrução económica, com vista a fomentar a produção e o consumo, encarando-a como índice indicador da situação e de possibilidades, em conjugação com aquelas que a nossa conta de divisas possa deixar prever por sua vez. E então, se determinado empreendimento se tornar indispensável ao País, porque a importação de determinado artigo nos coloca em perigosa dependência do estrangeiro ou onera demasiadamente o Tesouro Nacional, pode haver que forçar o consumo desse artigo para o levar àquele nível médio que gostaríamos de atingir e dentro do qual, aliás, outros países, que não nós, já têm devidamente defendida a sua própria produção.
Só para essa coordenação será possível definir, num plano de conjunto, a evolução eventual dos nossos consumos a mais baixos preços e ver em que período será possível atingir o volume suficiente para que a produção nacional o possa manter depois. Só assim se poderão avançar e definir no tempo as possibilidades de certos investimentos, que, de outro modo, estarão sempre comprometidos ou só poderão materializar-se em soluções precárias que não podem contribuir para a só-
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lução que se procura. Só por essa coordenação será possível conjugar as possibilidades que a balança de pagamentos eventualmente ofereça com o restante interesse nacional e ver até que ponto se imporá ou não sacrificar certos artigos - embora do mesmo preço ou de mais interesse imediato - no campo da importação, para que a entrada facilitada daquele que agora está em causa possa vir a contribuir rapidamente para o aumento da riqueza do País.
Precisamos, porém, de ter a consciência de que, se através dessa nova orgânica e de novos métodos somos capazes de melhorar, em valor e em velocidade, a rentabilidade dos nossos investimentos, podemos ficar longe ainda de conseguir, unicamente através deles, resolver em poucos anos o problema instante das nossas baixas capitações, consequentemente o problema que está, em grande parte, na base do custo da nossa produção.
Há necessidade imperiosa, portanto, de procurar rapidamente ajustar por outras vias esse custo, que é alto, ao poder de compra da população portuguesa, que é muito baixo ainda, de modo a dar à capitação de que se disponha uma potencialidade maior de aquisição; só da conjugação dos dois processos conseguiremos acelerar no tempo - e de maneira sensível - a solução que se impõe.
O caminho está, como é evidente, numa imediata, judiciosa e profunda reorganização - da produção, de modo a criar, pelo aumento consequente de salários e vencimentos, um maior poder de compra, sem prejuízo algum duma baixa - quantas vezes substancial - do seu custo, baixa que uma reorganização pode largamente permitir através de melhores equipamentos, duma maior produtividade e do aumento das quantidades produzidas, que uma maior procura há-de, por natureza, consentir ou provocar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Apesar de tudo quanto se tem dito e quanto se afirma ou se programa, continuamos, de facto, como ainda há tempos lembrava e todos reconhecem no País. a trabalhar frequentemente na produção industrial dentro dum sistema condenável, dum fraccionamento excessivo, agravando a baixa produtividade duma deficiente organização e de maquinismos já ultrapassados, com técnica obsoleta, com volumes de produção demasiado baixos, muitas vezes inferiores à capacidade total da instalação; continuamos esquecidos - repito-o - de que para determinada empresa, dentro de determinada técnica e com determinados custos, há um volume óptimo de produção para cada preço praticado.
Mas em vez de caminharmos para uma reorganização e uma concentração no que fosse de concentrar, e que poderia acarretar em muitos casos baixas substanciais nos cultos, abandonamos sem uma única aplicação de interesse o caminho que há mais de dez anos, o Pais traçou através duma legislação a que não são de modo nenhum estranhas as responsabilidades da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa.
Na ausência duma aplicação judiciosa e firme desses princípios uma grande parte da nossa produção industrial continua a debater-se dentro de dificuldades sensíveis, continua a precisar o a pedir protecções cada vez maiores, vai vivendo -quantas vezes- de soluções de emergência, de tal forma e de tal maneira que os casos de excepção que se vão notando, felizmente, pelo País fora não chegam para desviar a crise que o País atravessa.
Como já disse mais de uma vez, aqui e fora daqui, não desejo defender a aplicação pura e simples dessa legislarão, que a experiência não foi capaz de valorizar o que, segundo creio, se pode encontrar possivelmente inadaptável por motivos de ordem prática, em que razões psicológicas não deixam de intervir; mas haja - repito mais uma vez também- a coragem e o critério de a substituir por disposições e por princípios que se - sintam aplicáveis e de definir duma vez para sempre em que condições e de que forma se pode impor a intervenção do Estado no saneamento de situações que acarretam para o País os maiores e mais graves prejuízos.
Não basta, de facto, acumular trabalhos de comissões, que o tempo, aliás, pode ir tornando obsoletos: é preciso materializá-los depois, quando o mereçam, nas soluções que mais convenham no interesse nacional.
Só através duma reorganização judiciosa, pela conjugação do aumento do poder de compra, do baixo custo de produção e de maiores volumes produzidos que satisfaçam a maior procura, podemos criar condições indispensáveis num mercado livre para que, em vez de retracções de oferta elevadora de preços, haja a satisfação imediata da procura que se impõe satisfazer.
A parte que cabe aqui a solução do problema é - sei-o bem- particularmente delicada, até no próprio campo político; mas cada vez creio mais na necessidade de interessar o País nas soluções que procuramos e levá-lo, pela responsabilidade da parte que lhe caiba, a colaborar nelas com entusiasmo e com fé.
Não há coordenação totalmente possível, acção ministerial actuante neste campo, sem uma compreensão cooperante da parte da produção, compreensão que, aliás, se tem de procurar em todos, dado o vasto trabalho que se impõe ser, por natureza própria, incompatível com aqueles resultados espectacularmente rápidos que auxiliam certas reformas administrativas ou políticas.
Temos de pôr, assim, a par da técnica da coordenação uma política de coordenação e procurar muito mais orientar e incrementar movimentos e acções no bom sentido do que impor soluções que contrariam vontades.
Estou, por mim, plenamente convencido, de resto, que um dos maiores erros que presidiu ao critério de reorganização industrial do País -e que poderá presidir ainda- foi o de se aceitar, de certo modo, que ao Estado cabe «fazer tudo» no que respeita à imposição duma obrigatoriedade de reorganização; para além, de facto, do erro psicológico que se pode conter nessas imposições, ou coacções por força de lei, o Estado não tem nem possibilidades materiais nem gente de qualidade em quantidade suficiente para tomar sobre si a responsabilidade duma intervenção directa e directiva neste campo.
Reconhecê-lo é dar um grande passo em frente e deixar de perder tempo à procura de soluções que muito mais se quadrariam com princípios de socialismo do Estado do que com aqueles em que a nossa política se apoia e com os quais muito melhor se coadunam a nossa forma de sentir e as nossas próprias tradições.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Muito melhor actuará o Estado, de certo, definindo uma política económica capaz de levar os próprios interessados à reorganização de que o País precisa, não só facilitando-lhes meios de auxílio monetário e técnico para tal, como dando-lhes particulares compensações e assistência, sempre que voluntariamente se integrem dentro dela.
Se todo aquele que apresentar progressos de organização, a traduzirem-se em baixas de custo da produ-
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cão e mais altos salários, tiver um apoio e um prémio para além das vantagens materiais que a organização lhe acarrete e o Estado deverá respeitar, haverá exemplos que frutificarão em benefício da indiscutível falta e verdadeira mentalidade industrial que é frequente ainda no País; e se tudo se fizer de modo tal que, por novos investimentos, não só mantenha o pessoal fabril ou crie novas possibilidades para alargamento dos seus quadros, haverá que definir formas de especial compensação que o premeie e incentive.
Em contrapartida, será de compreender que o Estado, analisados os casos de per si, crie períodos de transição para qualquer reorganização que se imponha, definindo desde logo qual o sistema que vigorará em futuro mais ou menos próximo e dentro do qual se poderá tornar próspera uma produção reorganizada e cada vez mais difícil aquela que obstinadamente teime em manter-se em situações que não interessam ao País, e a qual, inclusivamente, poderá deixar de ter da parte do condicionamento industrial as protecções de que, a par das aduaneiras, precisa para se poder manter. O Estado deverá reservar - isso sim - a sua capacidade de intervenções directas e determinantes para aqueles casos que se apresentam de tal forma graves que, mais do que atrasando a solução que procuramos, criam problemas que a podem comprometer; devo dizer, aliás, que incluo dentro dessa obrigação a de atender, por suspensão de direitos até, à circunstância lamentável de poder haver, num momento em que tudo se deve aproveitar, quem possua meios ou factores de produção de que não tira, por incapacidade ou por incúria, o proveito que interesse à economia nacional. Afora isso, numa política de aproveitamento integral das nossas possibilidades, deve caber ao Estado neste campo de reorganização da produção muito mais o papel de impulsionador, do condutor, de auxiliador e de coordenador, do que propriamente o de executor. E só assim avançaremos como podemos e se impõe.
As dificuldades serão sem conta, bem o sei, mas só nas dificuldades é que os homens se afirmam, e os políticos também.
Como sei, por outro lado, que esta solução de reorganização e de concentração industriais perturba ainda o espírito de muita gente, para quem o ideal estaria na pulverização industrial, na pequena unidade, quase na indústria caseira, à sombra da qual, aliás, no nosso país se cometem os maiores atentados (apoiados) contra os princípios económicos e sociais do próprio Estado.
É evidente que as grandes concentrações industriais, as grandes unidades, estiveram e estuo, de certo modo ainda, na base de perturbações sociais gravíssimas e podem prestar-se, em muitos casos, mais a servir interesses do que n servir as nações; mas a realidade esta em que temos de viver no mundo, que nos comporta, e a técnica de produção actual não é, de forma alguma, compatível, nas indústrias de particular importância, com processos que estariam mais, de acordo com a nossa forma de sentir tradicional. Forma de sentir, aliás, que temos de rever para mudar, a não ser que queiramos viver tão afastados das possibilidades do presente que paguemos sempre com a pobreza o direito de sermos originais.
De resto, a concentração não exclui a existência de pequenas unidades que podem ajudar a resolver, por exemplo, o gravíssimo problema das chamadas crises rurais; e a forma actualmente mais corrente da energia, que é a electricidade, facilita até certo ponto e em bons moldes económicos a desconcentrarão.
Tudo vai, porém, de definir e de assentar quais as indústrias em que a concentração ou a desconcentrarão se impõe; o se para aquelas as dimensões máximas entre nós possíveis, em consequência da exiguidade do nosso mercado interno, suo hoje ainda muito inferiores às médias que encontramos pelo Mundo a concorrer connosco, ou trabalhamos no máximo da dimensão que pudermos para conseguir o menor agravamento de custo em relação aos outros, ou sacrificamos o sistema por uma disseminação que mais vai encarecer ainda o custo da nossa vida, sem deixar possibilidades de melhor valorizar o trabalho nacional.
O problema das dimensões é um problema devidamente esclarecido hoje em dia no campo da análise de redução dos custos de produção; as suas consequências nocivas -e tudo o que depende da solução dos homens tem de bom e de mau- estão, por seu lado, em grande parte dependentes da própria política económica do Estado.
E só no esquecimento desta indiscutível verdade reside a confusão, tantas vezes frequente, de concentração com monopólio, de grande dimensão industrial com falta de concorrência.
Vejamos se não é assim.
O facto de haver uma única unidade industrial pura a produção de determinado artigo a laborar num país - e coloco-me propositadamente na situação extrema - não pode significar, de forma alguma e como se torna evidente, que estejamos perante um monopólio; a situação monopolista de venda criar-se-ia, de facto, se o Governo interditasse a entrada de produtos congéneres do estrangeiro mais baratos ou indirectamente promovesse tal interdição mediante taxas aduaneiras elevadas que os onerassem no nosso mercado interno acima do preço normal.
E evidente que, se, por uma circunstância anormal e estranha, pudéssemos fabricar a custo F. O. B. inferior ao estrangeiro, criar-se-ia, de igual modo, uma situação monopolista se o Governo interditasse outra qualquer instalação que, em conjunto com esta, conseguisse um preço médio do custo inferior ainda aos artigos provenientes dos mercados externos.
Fora disso, a tal unidade tem por concorrente toda a produção mundial, na medida em que o Governo entenda condicioná-la no nosso mercado interno até ao ponto, evidentemente, em que a nossa balança de pagamentos o consinta; é ele, portanto, que lhe poderá criar ou não essa situação de monopólio, e não unicamente a existência duma unidade só por si.
Esta pode então justificar-se pela necessidade de criar de momento condições ao empreendimento capazes de lhe permitir que subsista temporariamente, isto é, enquanto as dimensões do nosso mercado de consumo não aumentam, até ao ponto de garantirem um consumo suficiente para que duas ou mais unidades - o que será sempre o ideal- possam manter-se depois som agravamento dos preços de custo e, consequentemente, dos de venda, dado que normalmente estes mão diminuem indefinidamente com o aumento da produção, mas cada caso tem o preço de custo mais baixo -num dado volume dela. Essa necessidade pode ser tão imperiosa até que o próprio Estado u reconheça através de uma legislação que lhe permite conceder exclusivos por dez anos; exclusivos, mas não monopólios, que a própria lei, aliás, não permite prolongar em circunstância alguma, para evitar abusos, sem prejuízo de poder manter, contudo, uma protecção contra desaconselháveis concorrências através do condicionamento Industrial.
Qual a vantagem, para uma dimensão apertada pelo total do nosso consumo, de aceitar o princípio de ter de haver sempre, e em qualquer caso, duas ou mais unidades em vez de uma?
Concorrência de preço e concorrência de qualidade, dir-se-á. Simplesmente, se a segunda era mais compreensível -a concorrência de qualidade estrangeira
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pode, aliás, até certo ponto, substituí-la -, a existência de duas unidades, reduzindo o volume de produção de cada uma, pode elevar os preços de custo e, portanto, tornar mais caro o produto ao consumidor português.
Dispenso-me de falar, Sr. Presidente, deste mesmo problema das dimensões quando se encaram, não o fornecimento do mercado interno, mas o próprio fornecimento do mercado externo, o que é, aliás, muito importante para nós, não só porque precisamos de exportar, mas, até, porque precisamos de poder trabalhar com volumes de produção maiores para vender mais barato; seria, então, evidente que toda a solução que não permitisse a igualdade do preço internacional e do preço de venda marginal do empreendimento - seja, melhor dizendo, entre os preços F. O. B. do empreendimento nacional e os dos empreendimentos congéneres estrangeiros-, ruiria no maior dos insucessos.
Em conclusão: não creio que as situações de exclusivo, de soluções industriais à base duma só unidade, sejam, de facto, as melhores para sempre; mas podem ser necessárias a título transitório, exactamente no fito de permitir que através da melhor técnica e da melhor organização se atinja o mais depressa possível um novo estado do mercado capaz de permitir então soluções diferentes. E é um assunto a focar e a considerar, no conjunto das soluções que interessam à reorganização económica do País. Socialmente, dir-se-á, é mau sistema, contudo. Por mim, estou plenamente convencido de que os males consequentes se anulam com facilidade, principalmente encarando o caso sob a certeza dum Governo atento e olhando à solução dentro da escala a que adiante aludirei, não a confinando, portanto, às dimensões escassas do nosso continente; mas admito que haja quem não pense assim e que para esses exista, pois, um problema de consciência política social a resolver antes de se decidir da situação.
Terão, contudo, os que assim pensam de escolher entre dois males: o de um país sofrer as tais consequências de ordem social que não enxergo - se o Governo se não compuser de fisiocratas -, mas facilitando a solução indispensável para um melhor acerto entre o custo de produção e o nível da nossa vida, ou então prolongar, ou facilitar mais ainda, a manutenção desse estado de subconsumo que constitui um dos mais graves problemas nacionais.
Diremos que poderão ser males necessários para evitar males maiores, que o Mundo, aliás, já suportou e nós poderemos suportar muito melhor agora, dada a nossa organização política actual e a experiência adquirida à custa de trabalhos, de perturbações e de lutas que os outros tiveram de sofrer; o doente não foge, de resto, a tomar remédio - que é muitas vezes veneno- quando deseja curar-se de verdade; está na mão do médico, como se torna evidente, escolher a oportunidade do remédio, fixar a sua dose e o tempo de medicamentação. E é só isso que devemos desejar.
De resto, não creio que fosse fácil fugirmos a uma tendência geral, até porque as novas formas da economia que se estão impondo pelo Mundo - consequência do progresso da técnica e dos transportes, a par da própria evolução política que a própria guerra criou - não poderiam deixar de reflectir-se em nós.
Quero referir-me à criação duma zona de livre câmbio na Europa e, mais particularmente ainda, ao chamado e mercado comum», que não traduz, aliás, senão a materialização de ligações fáceis entre alguns mercados nacionais, de forma a que, de partida, seis importantes países, sob o ponto de vista comercial, industrial e agrícola, passem a constituir um mercado único.
O fim imediato desta união económica e aduaneira, com uma pauta sem diferenciações, que une esses seis países, e o seu fim mediato, que pretende estender-se à Europa, é o de suprimir progressivamente, no decorrer de alguns anos, os direitos de alfândega entre os países membros desse novo mercado e alterar as tarifas aduaneiras aplicadas por esses países aos países não membros, de forma a criar uma tarifa única aplicável a todas as fronteiras externas no mercado comum.
Em qualquer circunstância, logo de entrada, e na sua primeira e imediata forma, o mercado comum abrangerá uma população superior à dos Estados Unidos da América ou à da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e compreenderá igualmente um volume de transacções comerciais que em 1955 excederia em cerca de 45 por cento aquele que respeitou à América do Sorte.
A criação do mercado comum, que é já uma realidade, embora os moldes da sua efectivação se possam afastar, de certo modo, da pureza da sua ideia da concepção inicial - haja em vista um decreto, de 15 do mês passado, creio, dos ministros dos negócios económicos e financeiros da França, que criou, a título temporário, uma taxa aduaneira suplementar de 15 por cento para uma grande série de produtos estrangeiros -, traduz-se pelo desejo de atingir uma liberdade completa de comércio e de circulação de pessoas e de capitais; daí a decisão de supressão de direitos alfandegários entre os estados participantes, como já se disse, com o estabelecimento de pautas aduaneiras uniformes com os países que se situam fura dele; tudo isto a par da supressão de regime de contingentes de importação desse mercado e a supressão de qualquer controle de exportação para os países dentro dele.
Sem fugir à necessidade dum período de transição para a solução definitiva, que se preconiza de quinze anos - o que, como já vimos, a própria França de certo modo aproveita para proteger a sua produção -, durante o qual se deverá proceder h remodelação e ao acerto da legislação e dos serviços actualmente vigentes que se coadunem com aqueles desideratos, começou-se a pensar já que esta pequena Europa - a Bélgica, a Holanda, o Luxemburgo, a Alemanha Ocidental, a Itália e a França - constituirá o passo decisivo para a livre comercialização da grande Europa, ou seja, entre os dezassete países da O. E. G. E., abrangendo, portanto, a Inglaterra, a Áustria, os países escandinavos, a Grécia, a Turquia, Portugal, etc.
Toda a discussão que tem havido relativamente à livre troca dos produtos agrícolas e das matérias-primas de origem animal, em que a Inglaterra tem tido papel de particular destaque, bem como a forma de extensão desta nova organização à escala supranacional aos territórios do ultramar, não desviam o problema nem no tempo nem no espaço: estamos perante uma realidade em que o produtor, o comerciante, o trabalhador, o consumidor e o próprio Estado deparam com uma nova forma económica em que se têm de integrar pela força das circunstâncias e do momento, seja para fazerem parte dela, seja para se manterem fora dela, embora considerando-a.
Há quem pretenda até que a criação desse mercado comum, da zona de livre câmbio, da Europa Ocidental não passarão duma primeira fase, conducente a um estreitamento de relações, que ultrapassará, mais tarde, o campo económico-financeiro, para se estender, depois, ao próprio campo político, tendo por fecho uma verdadeira federação de estados; seja como for, a verdade actual é que, pelo que nos respeita, deparamos com uma nova e grande força económico-financeira, em relação à qual ou há que integrar-se nela ou considerá-la como uma concorrente de particular plana.
Recordo, a este respeito, o que há ainda muito pouco tempo um dos maiores industriais franceses me dizia em Paris: «Cometemos um erro sem perdão em certos
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investimentos que fizemos após a guerra, porque os fizemos em empreendimentos à escala da França, quando se impunha fazê-los à escala europeia, e esperemos que os nossos filhos os possam já fazer à escala mundial».
Como é evidente, as regras de concorrência que se esperam e aquelas que se destinam a corrigir distorções e aproximar legislações não podem trazer para nós, e na situação actual, qualquer outra posição que não seja a de termos de nos organizar o mais rapidamente possível, para evitar as consequências que nos adviriam dum custo de produção elevado perante estas novas possibilidades de comercialização; não podemos esquecer de que mesmo certos artigos capazes de suportar actualmente uma concorrência estrangeira dentro dum mercado nacional ficarão sem defesa no mercado comum, que se tornará, aliás, um centro de concorrência, mais de temer ainda para aqueles países que se situem fora dele, seja em relação à importação, seja em relação à exportação.
Às concentrações, as especializações, a melhoria técnica, a aplicação de métodos mais modernos, uma maior e mais eficiente divisão do trabalho, impor-se-ão como soluções inevitáveis para o abaixamento dos preços de custo, dum modo tanto mais importante para nós quanto é certo que, se olharmos objectivamente às indústrias que entre nós são capazes de enfrentar esta nova concorrência, poderemos contá-la pelos dedos de uma mão, e ainda sobrarão dedos ...
O próprio problema dos salários passará a constituir um problema em novos moldes, dado que o trabalhador seguirá, em relação ao mercado comum, uma sorte idêntica à do produtor, sob o ponto de vista de que, se este pode aumentar as suas vendas, desde que baixe os seus preços de custo, também aquele poderá melhorar os teus proventos, se quem o emprega aumenta o volume da sua produção.
Mais do que a mudança do emprego, ou de região, surge-lhe agora a possibilidade de colocação no conjunto de países que constituirão, de começo, a pequena Europa; em qualquer caso, a produção em maior série e a multiplicação das trocas suo favoráveis aos salários altos e à multiplicação de empregos, com acréscimo de que, como consumidores, poderão obter maior quantidade de artigos e de serviços dentro do mesmo salário.
Isto poderá implicar, consequentemente e além de tudo, uma alteração da própria política sindical para a escala do mercado comum ou das zonas de livre câmbio.
Em qualquer circunstância, a posição de Portugal é sempre extraordinariamente delicada perante esta nova situação económica que lhe surge, dado que nem de longe está preparado, no campo da produção, para a enfrentar, colaborando com ela ou vivendo, de certo modo e dentro do possível, à sua margem.
Mesmo que, na melhor hipótese, os períodos de transição para a efectivação plena destas novas formas económicas - que são realidades - se caracterizem por uma série de acordos capazes de permitir uma adaptação sem a qual a integração de situações e de interesses poderia ser perturbadora das economias nacionais, o nosso país precisa apetrechar-se rapidamente para obter uma posição que lhe permita ser considerado, neles; de outra forma, a nossa situação será extremamente grave, e não sei mesmo que remédio lhe poderão aplicar depois.
De facto, o Prof. Marcelo Caetano ainda há bem pouco tempo, com a responsabilidade das suas altas funções e a clareza do seu espírito, tão dado às realidades económicas da Nação, chamou corajosamente a atenção do País para o que o mercado comum podia representar para ele e da necessidade imperiosa de o encarar sem fantasiosas ilusões.
Relembro algumas das declarações que, a tal respeito, S. Ex.a prestou em 16 de Fevereiro deste ano:
A posição portuguesa é extremamente delicada. Por um lado, não pode Portugal alhear-se deste movimento. Cerca de 67 por cento da sua importação provêm dos países europeus em causa e para lá vão 60 por cento das nossas exportações. Se num amplo espaço compreendendo os doze países mais ricos da Europa ocidental se estabelece a zona de livre circulação, mas mantendo-se as barreiras para os produtos portugueses, a nossa indústria tem de renunciar ao mercado europeu. A própria exportação de produtos da agricultura e da pesca, ainda quando estes sejam incluídos (e parece que o não ficarão completamente), há-de ressentir-se do estreitamento de relações económicas e sociais desses países entre si. Mas entrarmos na zona aceitando as mesmas condições que vão ser assumidas pelos países altamente industrializados, de modo a começarmos desde já a demolir as barreiras da nossa indústria incipiente, será comprometer os esforços que estamos a fazer para transformar a estrutura económica do País e melhorar o nível de vida dos Portugueses.
E acrescentava ter-se sempre defendido a necessidade de a nossa entrada ser feita ao abrigo de condições especiais que respeitem à situação de país em via de desenvolvimento.
O Sr. Jorge Jardim: - Se possível!
O Orador: - Como é evidente; porém, essas condições especiais não se poderão coadunar nem com hesitações nem com demoras, visto termos de estar o mais rapidamente possível prontos para enfrentar uma situação que, mal enfrentada, nos poderia tão gravemente comprometer.
Julgo, porém, que, se houver coragem, convicção das possibilidades e firmeza nos critérios e nos planos informadores das soluções que se precisam, esta perturbação exterior que nos bate à porta poderá transformar-se, até em bem para nós, se a quisermos encarar, não como um novo mal que surge, mas como um verdadeiro incentivo à reorganização total da nossa economia, na escala e na profundidade em que temos de a fazer.
Das duas vezes em que Portugal foi verdadeiramente rico nunca soube tirar partido dessa riqueza que as circunstâncias lhe deram, no sentido da sua conservação; viveu, primeiro, na euforia das descobertas marítimas, pela posição que adquiriu nos mercados europeus com o comércio de artigos da maior aceitação, e viveu, depois, no fausto das possibilidades das minas de ouro e dos diamantes do Brasil, fausto que não impediu que, tempos após, as dificuldades e a modéstia voltassem a ser moeda corrente na vida dos Portugueses.
Quem sabe se este impulso que agora nos vem de fora, no momento em que a técnica permite valorizar o nosso território, que uma política firme de recuperação une num conjunto de interesses que se mostra sem par, não virá a ser a causa de um novo período de riqueza nacional, mas riqueza que então se conservará e perdurará, por ser consequência duma estrutura interna, que fica, e não de circunstâncias externas, que se apagam ou se perdem.
Precisamos, para tanto, de abandonar também todo o sistema de hesitações e de dúvidas, de falta de coragem e de prontidão nas decisões, que levam a perder - quantas vezes - oportunidades únicas para a solução
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de problemas em relação aos quais se gasta depois muito mais dinheiro sem a eficiência que se poderia ter tido em determinada ocasião.
Já não basta hoje querer chegar ao fim, visto haver como que uma corrida no tempo para ver quem primeiro chega lá.
O que se impõe é situarmo-nos entusiástica e convictamente à escala dos nossos territórios e das suas possibilidades dentro das realidades mundiais e deixar o romantismo das soluções piegas aos vagares dos homens contemplativos para os cancioneiros e para os folcloristas que vivam no domínio dos sonhos dos tempos que já lá vão.
Um dos primeiros passos, imediatos e firmes, é o de levar o País a estruturar a sua produção dentro da organização científica do trabalho, visto que desse modo e enquanto se reorganiza a produção em novos moldes se conseguirá em pouco tempo um primeiro e importante ajustamento à base de melhores salários e baixo preço de custo daquilo que se produz.
A organização do trabalho investiga, executa, anima, coordena e controla, com vista ao aumento da produtividade pela melhor harmonia dos meios de produção.
Não faltam a sobreporem-se à teoria exemplos flagrantíssimos do sucesso da aplicação desses processos, que hoje dominam dentro da extensão imensa das explorações industriais; referir-me-ei simplesmente a alguns tipos de actividades onde, pela organização racional de trabalho, é possível citar médias para referenciação em instalações industriais relativamente modernas, mas que não tiveram - como é o nosso caso geral- qualquer controle científico à laboração individual no momento das suas instalações.
a) Indústria metalomecânica. - Aumento da produtividade entre os 50 e 150 por cento, com melhoria da qualidade; alimento possível dos salários da ordem dos 20 a 50 por cento; redução do custo do fabrico entre 20 e 40 por cento;
b) Indústria têxtil. - Redução de 30 por cento na mão-de-obra por unidade produzida, o que se pode traduzir em cerca de 10 por cento no custo total de transformação; aumento possível de nível de salários entre os 15 e 70 por cento;
c) Indústria química em certos campos. - Aumento da produtividade entre 30 e 100 por cento; redução de 20 a 50 por cento de encargos da mão-de-obra; aumento possível do nível dos salários entre 20 e 40 por cento.
Uma afirmação desejo fazer ainda antes de terminar este capítulo: a de que através duma melhor organização da produção como a que referi se podem conseguir neste campo situações de particular alcance para o equilíbrio da produção-consumo.
De facto, em muitos países onde a produtividade de há muito constitui preocupação dominante dos produtores e dos governos as pressões de carácter sindical contribuíram frequentemente para que os índices relativos aos aumentos dos salários, consequentes de aumentos da produtividade, excedessem aqueles que se devem considerar em relação a estes; desta forma, e em certos casos, não se conseguiu obter uma contribuição total e perfeita para a baixa do custo de vida. Pelo contrário até.
Acresce, aliás, que onde a produtividade já alcançou o máximo de momento os aumentos contínuos de salários continuam a contribuir para a sua alta, numa espiral de acréscimos a que, em parte, o mercado comum procura ser um novo e ousado travão.
Em Portugal o problema é, porém, bem diferente, dado que se podem obter, de um modo geral, no sector da indústria aumentos substanciais de salários pelo aumento da produtividade ainda tão baixa que, em grande parte por deficiência de organização e de técnica, notamos pelo País fora.
E bastará um governo atento para evitar que os aumentos possíveis para a retribuição do trabalho não excedam os valores que lhe correspondem num aumento da produtividade; assim conseguiremos que se mudo o sentido da evolução ao ciclo vicioso que ainda caracteriza as relações da produção-consumo.
Porque se há-de esperar mais tempo ainda por esse trabalho de reorganização e de coordenação, que se impõe como indispensável para conseguir, a par dos investimentos possíveis, levantar o nível do País, transformando o sentido do ciclo vicioso em que vivemos, de forma a que cada vez mais, pelo aumento do poder de compra, se vá alargando o nosso próprio mercado, e por causa deste alargamento continuem baixando os custos da produção, em benefício, sempre positivo, do nível da vida social?
Eu sei que há uma observação de peso que não poderia esquecer-se na formulação dos meios que preconizei: há que empregar ano a ano um acréscimo importante da população activa, e a reorganização da produção, a par da organização científica do trabalho, com vista ao aumento de produtividade, não poderá deixar de ter por consequência uma diminuição de emprego, que só poderia vir dificultar outro problema que igualmente se põe, e que é o de garantir colocação a quantos a agricultura vá amanhã- dispensando em face da sua reorganização lambem.
Devo afirmar, desde já, que a observação me não convence, e por duas razões, das quais a primeira ó a seguinte: todo o trabalho de reconstituição económica que é preciso tem de estar rigidamente subordinado a uma coordenação; e dentro desta caberá conjugar reorganização com novos investimentos, de forma a garantir, tanto quanto possível, a ocupação daqueles que possam perder trabalho pelo aumento da produtividade da produção nacional.
Caberá a essa coordenação evitar que tenda a diminuir o subemprego, provocando-se o desemprego, e tudo irá de saber escalonar as novas produções no tempo e no espaço, de forma a evitar um mal que económica e socialmente nos poderia trazer uma grave perturbação, dado admitir como princípio que a emigração para o estrangeiro não seria por si só meio capaz de trazer a tão delicado problema a solução que se impõe.
A segunda razão surge imediatamente quando olhamos com a atenção que é precisa para os nossos territórios do ultramar; é consequência, portanto, de uma questão de escala para essa coordenação e merece, pela importância da contribuição que traz para a solução do problema económico português, uma referência muito especial.
Disse no último congresso da União Nacional que a solução do nosso problema económico se deveria situar a uma escala incompatível com as limitações dos problemas minhotos ou alente j anos, para se estender por todo o vasto território português, no aproveitamento integral das suas reais possibilidades; deveríamos situá-la, portanto, naquela escala dentro da qual o Sr. Presidente do Conselho nos habituou a raciocinar e a trabalhar: à escala nacional; só assim se poderão efectivamente criar -e a nossa actual política demonstra-o no seu interesse- ligações cada vez mais fortes entre as parcelas que integram a Nação Portuguesa.
O problema situar-se-á desde logo, portanto, em novos moldes, quer encarando o nosso território como es-
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paço, quer encarando-o como alfobre de potencialidade populacional.
Racionar, como é corrente ainda às vezes, sobre os 92 000 km 2 de território metropolitano, afirmar a pequenez duma nação que é grande, será, desde logo, inferiorizando-nos sem qualquer razão perante o Mundo; para além, portanto, do erro do sistema há qualquer coisa de incompreensível, no teimar numa pequenez que se não tem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As distâncias, a necessidade de ligações, as dificuldades de meios de trabalho, os problemas da saúde, da higiene, do conforto, não chegam, de facto, para defender tão ultrapassado critério numa altura em que se vai daqui a Luanda ou a Lourenço Marques em menos tempo, e muito mais comodamente, do que no Sul de Lisboa a Paris ou em que as possibilidades de aproveitamento e de fomento se estribam em novos moldes e em que valiosas fontes de energia se espalham largamente pelos nossos territórios do ultramar, dando-nos escravos mecânicos sem conta - que se chamam kilowatt-hora! - e que docilmente actuam quaisquer das exigências do trabalho humano.
Disse um dia o Sr. Presidente do Conselho que Portugal podia ser, se nós quiséssemos, uma grande e próspera nação; grande já o é, no sentido da extensão do território e das possibilidades que a técnica actual trouxe para o pé de nós; mas verdadeiramente próspera só poderá sê-lo se considerarmos os 92 000 km 2 do continente e das ilhas adjacentes como uma parte dum todo que se mede por um pedaço de mais de 2 milhões de quilómetros quadrados.
É evidente que as possibilidades de fontes naturais de produção não são proporcionais às áreas consideradas na delimitação daquele espaço; mas do mesmo modo que a técnica actual ajudou a suprir dificuldades, que as distâncias a vencer e a necessidade de aplicação do trabalho impuseram ao aproveitamento hoje possível de todo o território português - e mostra-o o progresso que nele estamos impulsionando-, também nas suas mutações sucessivas ajudou a descobrir, dentro dele, uma potencialidade de riqueza aproveitável que ontem seria, muitas vezes, difícil de conceber.
Surgiram-nos, assim, incontestáveis facilidades para marcharmos na direcção da posição de relevo que desejamos e poderemos ter no conjunto da economia mundial; e até porque a nossa actual estruturação política, a tranquilidade interna de que gozamos, o prestígio exterior que se recuperou, a reforma financeira que se fez, revertem em benefício da aceitação do princípio de que o momento chegou para tirar dum grande território o maior proveito em vantagens das condições económico-sociais do povo português.
Quando, há tempos, ouvia num relato, pela rádio, acerca da visita da rainha da Inglaterra a Portugal, uma referência particularmente entusiástica à forma como ela foi recebida por esta e «pequena mas gloriosa Nação», senti que outros povos pecam muito menos do que nós no desconhecimento da geografia, visto que, se desconhecem a que respeita aos outros, decerto não desconhecem a que respeita a eles próprios.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A alteração de todos esses conceitos, decrépitos e sem sentido, as possibilidades político-económicas reais de aproveitar essa riqueza em potencial que a técnica dia a dia valoriza, a função, reconhecida hoje em dia por todos, da potencialidade africana para a solução do próprio problema económico-europeu, levaram a alterar, também, dentro da geoeconomia moderna, o próprio conceito da nossa posição de possibilidades perante a Europa e perante o Mundo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ontem, ainda, a contribuição económica que poderíamos dar ao conjunto mundial resultava da situação difícil dum pequeno e pobre país na Europa, com territórios vários por várias partes do Mundo; mas hoje em dia, e olhando ao valor real das suas possibilidades materiais, à potencialidade da riqueza que as circunstâncias actuais nos oferecem e aos meios que dispomos para a poder aproveitar, Portugal, na sua unidade perfeita, na sua comunhão indestrutível de interesses, é, sobretudo, e em relação à Europa e ao Mundo, um país vigorosamente ultramarino, com uma testa de ponte - valiosíssima para a valorização do conjunto, coordenação do todo, detenção da condução política, formação de mentalidade e preparação de elites- no continente europeu.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Assim, e dentro deste sentido, se tem de definir a escala daquela coordenação que já referi.
A concentração, ou densidade aritmética, de 88 hab./km 2 no continente e quase 190 hab./km 2 nos arquipélagos da Madeira e dos Açores oferece-se o valor de menos de 5 hab./km 3 de população civilizada em todo o território português.
Não creio que uma coordenação que procurasse emprego para os novos que vão surgindo e garantias de actividade para aqueles que uma reorganização da produção possa, libertar na indústria e na agricultura da metrópole tenha falta de possibilidades perante uma política de largos investimentos, e bem aberta, à escala do ultramar português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E o problema que se nos porá, talvez e então, neste campo, já não será unicamente o de procurar os meios necessários para fornecer condições de vida própria a excedentes populacionais, mas sim o de criar, por adição, os meios - indispensáveis para que se não sinta escassa a mão-de-obra que o aproveitamento de tão vastos territórios impõe.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É ainda a técnica que bem aproveitada e considerada, ajudará a resolver este magno problema: quando, num esforço notabilíssimo, procuramos aproveitar as possibilidades hidroeléctricas do continente português, dentro de uma margem já de utilização que ultrapasso os 2 biliões de kilowatts-hora, ou seja de 1/5 ou de 1/6 das possibilidades continentais totais, as possibilidades hidroeléctricas de Angola orçam pelos 30 biliões de kilowatts-hora/ano, dos quais cerca de 16 biliões- parece poderem caber, segundo os estudos mais recentes, só ao médio Cuanza.
Por seu lado, o conjunto em Moçambique do Revuè, do Incomati, do Zambeze, acerca-se daquela possibilidade que o nosso ilustre colega Araújo Correia tão brilhantemente destacou no seu valioso e recente parecer sobre as Contas Gerais do Estado, na parte em que se refere às províncias ultramarinas; tudo isto mostra que o vasto e prestimoso trabalho que neste campo e em tantos outros se está realizando já no ultramar deixa ainda à sua frente possibilidades de monta para a solução integral do problema económico português.
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Os problemas que se levantam para muitos outros do esgotamento dos carvões e dos petróleos estarão entre nós, de certo modo, superados pelas possibilidades energéticas que temos em aproveitamento e em potencial; a energia é, de resto, hoje em dia, mais do que elemento accionante da produção, uma autêntica matéria-prima de base, em muitos casos: o alumínio tem mais de matéria-prima kilowatts-hora materializados do que propriamente de bauxite, como o cloreto de vinilo - que está na base da petroquímica moderna - tem mais kilowatts-hora materialmente transformados do que de sal marinho.
Quando pensamos no custo da energia no continente português, verificamos que ainda vivemos na fase de olhar mais à necessidade da sua quantidade do que às possibilidades imediatas do seu custo; na verdade, constitui uma realidade insofismável o facto de a nossa carência de energia eléctrica nos levar a aproveitar ainda, quase que sem preocupação de preço, quanta a pouco e pouco o País vai produzindo, no reconhecimento de lamentáveis carências para soluções industriais imediatas do maior interesse.
Certo é, porém, que o verdadeiro potencial de expansão do seu uso, ou de qualquer outra forma de energia que em lugar da eléctrica se considere, depende, na realidade e em grande parte, da relação do seu preço para o da mão-de-obra: é pela relação existente entre o preço unitário da energia e o salário-base do trabalhador médio que o País, ou cada habitante, pode avaliar do potencial daqueles e escravos mecânicos» que a técnica actual põe magnânimamente ao seu dispor para o habilitar a produzir em maior volume e a mais baixo preço, libertando-o, portanto, para outras ocupações ou cara uma acção de trabalho num grau de cultura maior. Sentimos todos, na verdade, que desse preço dependerá grande parte das nossas possibilidades industriais e agrícolas: consumimos, por enquanto, na agricultura um número de kilowatts-hora/habitante inferior de seis vezes ao do consumo na Itália, de vinte vezes ao do da Áustria e ao do da Alemanha, de trinta vezes ao do da Irlanda, de quase noventa vezes ao do da Suécia; e na indústria e nas aplicações domésticas os nossos baixos consumos de electricidade mostram o caminho a percorrer.
Um verdadeiro plano de fomento que procure, não unicamente aplicar verbas disponíveis ou suprir carências nacionais mais instantes, mas sim elevar os níveis da produção e do consumo por um melhor ajustamento dos custos e do poder de compra, não poderá desligar-se dum plano tarifário, tanto mais quanto é certo que se impõe um preço de energia tanto mais reduzido quanto mais baixo se apresenta o preço da mão-de-obra num país.
E não poderá esquecer também que, se uma parte da energia de que o País precisa pode vir a «facilitar a vida corrente, a melhorar o conforto sob todas as formas», outra parte se utilizará para produzir riquezas novas no campo industrial, para mecanizar a agricultura, para assegurar os transportes; seja, em resumo, para animar os circuitos da produção e das distribuições, que estão na base do enriquecimento da Nação.
É esta energia do tipo «produtividade», como há tempos lembrei, que interessa sobretudo distribuir barata, mesmo com sacrifício, durante certo tempo, da primeira, por todos os circuitos em que se podendo contribuir para o enriquecimento nacional se possa, em consequência da redução dos custos, fazer consequentemente os aumentos necessários de vencimentos e salários com vista a aumentar sensivelmente o baixo poder de compra da nossa população.
Só desta maneira se poderá, entre nós, contribuir de forma definitiva para o enriquecimento da colectividade, dado que uma política de redução dos preços da energia que se destina ao aquecimento, à iluminação particular, à vida doméstica, enfim, sacrificando aquela, não poderia ter, em face dos nossos níveis baixíssimos de consumo, o efeito vivificador e imediato que a outra pode ter.
Impõe-se, portanto, sacrificando talvez certas razões de pretensa política, estabelecer desde já, com segurança e longa previsão, uma verdadeira política tarifária de energia que a oriente em todo o território português e não na metrópole unicamente em quantidade capaz, e dentro de preços convenientes, para as utilizações mais produtivas, não esquecendo que pagamos muito cara a experiência de termos verificado à nossa própria custa que cada dia que se perde torna mais caro o kilowatt-hora e, consequentemente, mais difícil a expansão da produção e do consumo.
Por todas as razões apresentadas que se referem ao interesse do custo da energia, temos de olhar seriamente a uma vasta coordenação com vista à recuperação económica de Portugal, coordenação em que se não pode esquecer o baixo preço por que se oferece, ou pode vir a oferecer, com frequência, a produção da hidroelectricidade em certas zonas do ultramar português, determinante, portanto, dum plano de industrialização; preço esse que, em certos casos de utilização, pode vir facilmente a tocar um número dígito de centavos, criando assim condições de possibilidades industriais com vista aos mercados externos muitas vezes impossíveis de obter na parte metropolitana. O caso do aproveitamento do Cuanza constitui, na realidade, uma demonstração concludente.
Não esqueçamos que a energia, mais do que nunca, hoje em dia condiciona todo o resto no campo da produção, e sob este aspecto Portugal tem de sentir-se largamente favorecido, mesmo nas possibilidades futuras, Selo que respeita à energia nuclear; de facto, dentro as nossas necessidades e de acordo com as possibilidades que neste campo a natureza não nos regateou, atendendo à carência que temos de carvões e às limitações que na metrópole existem para a produção de energia hidroeléctrica com vista a um longo plano de reconstrução económica implicando uma satisfatória regularidade de fornecimento a baixo preço, deparam-se-nos condições de particular importância para o enquadramento económico da instalação de centrais atómicas na electrificação do País.
É de desejar, portanto, que, em atenção a esta nova e ilimitada fonte de energia, que há-de ser a fonte principal de energia eléctrica num futuro próximo, e em atenção igualmente à localização óptima permissível a estas novas centrais, que pode acarretar vultosas economias na rede distribuidora, dando um correctivo apreciável aos inconvenientes da dispersão geográfica inevitável das barragens, tudo se pondere e tudo se resolva dentro daquele espírito de coordenação que defendi.
Só assim prepararemos para nós uma nova era, que pode ser de prosperidade e de sucesso desde que saibamos viver dentro dela com entusiasmo e com convicção.
Para tentarmos um verdadeiro lugar no Mundo no que respeita às possibilidades de fornecimento, não só para o mercado interno, mas para o exterior, também
- condição essencial para as dimensões capazes de baixar substancialmente o nosso custo de vida - temos de industrializar e fomentar não esta ou aquela região, mas, dentro da forma economicamente mais perfeita, industrializar e fomentar Portugal.
A coordenação a que aludi e que está na base da solução do nosso problema económico em tempo compatível com as nossas possibilidades tem de abranger assim,
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sem desvios de qualquer espécie, todo o território português.
Estamos em vésperas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de um novo Plano de Fomento, anunciado já em termos que mantêm o seu alto interesse por entidade particularmente responsável; faço votos, muito sinceros, de que ele seja, sobretudo, uma peça corajosa dessa coordenação que se precisa para entrarmos na fase decisiva e nova da política nacional.
Sr. Presidente: vou terminar as minhas alegações longuíssimas, com que pus tão duramente à prova a paciência de todos os Srs. Deputados que me quiseram honrar com a sua presença e ouvir com uma desvanecedora atenção.
Vozes: - Não apoiado!
O orador: - Se para o meu aviso prévio for requerida a generalização, como tanto seria do meu agrado, permitir-me-ei, possivelmente, solicitar de V. Ex.a, uma vez mais, a palavra para, se se tornar necessário, prestar esclarecimentos ou formular qualquer rectificação que se imponha fazer.
Entretanto desejo agradecer a V. Ex.a, Sr. Presidente, e a VV. Ex.as, Srs. Deputados, a benevolência tão amiga com que suportaram este pesado fecho das intervenções que nesta Câmara tive oportunidade de efectivar, desde o começo da anterior legislatura, acerca de problemas que interessam à economia nacional.
Foi, aliás, um irremovível imperativo de consciência que me levou à realização deste aviso prévio, imperativo esse que fundamentalmente se estriba em duas razões por completo diferentes, dado uma me tocar a mim próprio e a outra respeitar ao País e, consequentemente, a todos nós.
Em relação à primeira tudo direi afirmando que antes de terminar o meu mandato desejei cumprir um dever de atenção e de cuidado para o meio donde descendo e donde ascendi às posições que ocupei ou que hoje ocupo; meio modesto e simples, cheio de espírito do melhor sacrifício e de dedicação ao trabalho, como é o do povo português, não permite, pelo respeito que merece a quem dele veio, ser esquecido ou preterido nas suas preocupações.
A segunda razão estriba-se no facto de que toda a política de coordenação que se impõe, porque não pode ter aqueles efeitos imediatos que permitem seduzir as multidões, necessita duma particular aceitação pelo País para se poder estabelecer e cumprir; creio poder dizer até - e julgo que com a aceitação de VV. Ex.as todos - que a própria economia do processo, com vista a melhor aproveitar todas as possibilidades, implicará aqui e além reacções e desagrados que só uma plena convicção nos métodos seguidos e uma confiança bem firme quanto aos fins permitirão atenuar senão mesmo desfazer.
Depois o trabalho é longo, e precisa de ter o sentido duma revolução para afastar cansaços que levam a desilusões capazes de o comprometer.
O País necessita confiar, portanto, na solução do seu problema económico principal, mas, por natureza, tenderá a duvidar de tudo quanto, na sua natural impaciência, não veja efeitos concludentes e prontos.
Para além, portanto, do valor das soluções ou dos planos, impõe-se um incontestável e- verificado prestígio político de quem os apresenta, ou patrocine, cara os creditar na aceitação do País; creio poder terminar lembrando que em tão momentosa e transcendente tarefa, para além do valor e do alcance dos métodos preconizados e das soluções propostas, se põe o problema da pessoa cuja projecção indiscutível facilite e acredite a sua efectivação.
Por mim aguardo confiadamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Sr. Presidente do Conselho se disponha a pôr uma vez mais o altíssimo valor do seu prestígio ao serviço da Nação, na certeza de que a sua presença inconfundível e o seu nome sobremaneira respeitado dominarão todas as desconfianças e aliciarão todas as boas vontades, que todas não serão de mais para o trabalho que se impõe.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. João Amaral: - Sr. Presidente, peço a palavra para interrogar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.a a palavra.
O Sr. João Amaral: - Desejaria saber, Sr. Presidente, se foi requerida a generalização do debate.
O Sr. Presidente: - Informo V. Ex.a de que ainda não foi requerida a generalização.
O Sr. Melo Machado: - Requeira a generalização do debate, Sr. Presidente.
O Sr. João Amaral: - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interrogar a Mesa.
O Sr. Presidente: -Tem V. Ex.a a palavra.
O Sr. João Amaral: - Queria perguntar a V. Ex.a, Sr. Presidente, se a circunstância de não ter sido concedida ainda a generalização do debate me inibe, a mim, que não penso intervir nesse debate, de manifestar desde já o meu interesse, a minha admiração e a minha gratidão pela forma como a matéria do aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa foi versada.
O Sr. Presidente: - A circunstância de não ter sido ainda concedida a generalização do debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa não impede V. Ex.a de fazer interrogações à Mesa, mas o que o impede é de fazer, a propósito de interrogar a Mesa, as considerações que está produzindo.
O Sr. João Amaral: - Tenho há muito tempo grande consideração pelas opiniões de V. Ex.a
O Sr. Presidente: - Ficarão, todavia, registadas no Diário as palavras que V. Ex.a acaba de proferir sobre a forma como foi versada a matéria do aviso prévio e o meu agradecimento à gentileza das que me dizem respeito.
O Sr. Bustorff da Silva: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Melo Machado requereu a generalização do debate e pediu a palavra sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa. Concedo a generalização e registo os pedidos de palavra feitos pelos Srs. Deputados Melo Machado e Bustorff da Silva.
Interrompo a sessão por alguns minutos.
Eram 18 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
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3 DE ABRIL DE 1957 527
O Sr. Presidente: - O discurso do Sr. Deputado Daniel Barbosa ocupou a atenção da Assembleia em três sessões e versou sobre assuntos da mais alta importância, complexidade e delicadeza.
Para que o debate possa continuar com a eficiência necessária, carece a Câmara de alguns dias de estudo e reflexão; e, porque só hoje chegou à Câmara o Diário da primeira sessão em que se iniciou a efectivação do aviso prévio, não depondo, assim, a Câmara do texto autêntico do discurso do Sr. Deputado Daniel Barbosa, julgo conveniente dar nas próximas sessões- prioridade à discussão da proposta de lei que altera a Lei do Inquilinato, retomando-se depois o debate sobre o aviso prévio.
Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia já designada para hoje, mas com prioridade, repito, da discussão da proposta de lei que altera a Lei do Inquilinato.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Herculano Amorim Ferreira.
João Afonso Cid dos Santos.
Joaquim de Sousa Machado.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Teófilo Duarte.
Venâncio Augusto Deslandes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alberto Cruz.
Antão Santos da Cunha.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Rodrigues.
António Russel de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA