Página 529
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 197
ANO DE 1957 4 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 197, EM 3 DE ABRIL.
Presidente: Ex.mos Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Alberto Henriques de Araújo
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado e Diário das Sessões n.º 195
O Sr. Presidente referiu-se à nomeação do Sr. Deputado Elísio Pimenta para governador civil do Porto.
O Sr. Presidente leu um ofício que recebera do Sr. Presidente do Concelho acerca da visita do Chefe de Estado do Brasil.
O Sr. Deputado Urgel horta falou sobre o Hospital Escolar do Porto.
O Sr. Deputado António de Almeida referiu-se aos Decretos-Leis n.ºs 41021 e 41026.
O Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho ocupou-se da disciplina nos campos de futebol.
O Sr. Deputado Pinto Barriga mandou para a Mesa nota de um aviso prévio sobre uma melhoria da eficiência da nossa administração económico-financeira.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre a proposta de lei que altera a lei n.º 230.
Falaram os Srs. Deputados Paulo Cancella de Abreu e vasco Mourão
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 3 minutos.
O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Página 530
530 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 197
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
O Sr. Presidente:-Estão presentes os Srs. Deputados.
Está aberta a sessão
Eram 16 horas e 26 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 196.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero-o aprovado.
Está na Mesa um oficio do Sr. Deputado Elísio Pimenta a comunicar que foi nomeado e tomou posse há dias do cargo de governador civil do Porto. Escusado é acrescentar que a Câmara se regozija com a elevação do digno Deputado a tão honroso cargo, mas não é sem pesar que o vê afastar-se doa trabalhos parlamentares, em que marcou actividade do relevo.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: -Está na Mesa um oficio do Sr. Presidente do Conselho a comunicar à Assembleia o convite feito a S. Ex.a o Presidente da República pelo Sr. Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil para visitar oficialmente o Brasil em Junho próximo.
Foi lido o oficio, que é do teor seguinte:
«Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Tenho a honra de comunicar que foi dirigido por S. Ex.a o Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil um convite a S. Ex.a o Presidente da República para visitar oficialmente o Brasil no próximo mês de Junho.
É desnecessário sublinhar a importância e significado que tem a realização da visita na afectividade que caracteriza as relações entre os dois países e para a vida e futuro da comunidade luso-brasileira.
Não podendo, porém, o Chefe do Estado ausentar-se para pais estrangeiro sem assentimento da Assembleia Nacional e do Governo, e tendo este dado o seu assentimento àquela visita em Conselho de Ministros de 2 do corrente, venho rogar a V. Ex.a se digne de submeter o caso à Câmara, para efeito do artigo 7.º da Constituição.
A bem da Nação.
Presidência do Conselho, 3 de Abril do 1957. - O Presidente do Conselho, Oliveira Salazar».
O Sr. Presidente: - É evidente que nenhuma comunicação oficial podia ser recebida com maior contentamento do que aquela que acaba do ser feita.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - A Câmara saberá dar ao facto, na devida oportunidade, o relevo e o alto significado que tão importante gesto do Brasil representa nas relações dos dois países.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - O assunto vai baixar à comissão dos Negócios Estrangeiros desta Câmara e deverá ser trazido à sua apreciação antes do termo da sessão legislativa.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Urgel Horta.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: dando cumprimento aos meus deveres como Deputado da Nação, pretendo hoje focar e tratar problemas suscitados pela função dos hospitais escolares, em especial o do S. João, do Porto, problemas de tão notável projecção e importância para a assistência clínica, para a investigação o e para o ensino médico do nosso país.
E faço-o, dentro da missão inerente às minhas funções, compenetrado da obrigação imposta à minha consciência de médico, de Deputado e de homem de alma lavada e independência de espirito, que tem, nesta Casa, com a mais ampla liberdade, tratado os mais variados problemas, sempre com uma só finalidade: dar à Nação, como português, amante da Pátria onde nasci, pequeno contributo da minha fé, do meu esforço, da minha inteligência, na obra de renovação que vem sendo realizada.
Página 531
4 DE ABRIL DE 1957 531
Nesta tribuna, que ocupo com pleno assentimento dessa notável figura de estadista que é o Sr. Presidente do Conselho, tenho procurado bem merecer a confiança do País e da região que represento, que tem por capital a velha e nobre cidade do Porto, à qual o Governo está dedicando o maior interesse na satisfarão dos seus anseios e necessidades de realização dos mais diversos empreendimentos para seu engrandecimento, no aspecto monumental, económico, social, cultural e artístico.
minha voz tem equado nesta sala, e não poucas vezes, na apresentação e discussão dos problemas mais diversos, colocando-os sempre em plano verdadeiramente nacional. E, quando alguns desses problemas parecem revestir aspectos regionais, fácil se torna a demonstração de que eles transcendem o regionalismo para se enquadrarem no aspecto de verdadeiro, sincero e patriótico nacionalismo.
Os problemas inerentes à minha actividade profissional, portanto mais dentro dos conhecimentos básicos da minha formação intelectual, têm ocupado grande parte do meu labor parlamentar. E os meus depoimentos sobre assistência social, ligados ao exercício da clínica, nos diferentes aspectos, prenderam a minha atenção em largo espaço das intervenções que realizei.
Hoje, perante as circunstâncias do momento, em manifestação clara do meu pensamento e do meu sentimento, pesando com prudência a responsabilidade da função, reflectindo madura e calmamente sobre algumas afirmações de alto valor aqui produzidas e repetidas nu discussão do aviso prévio realizado sobre o Hospital--Faculdade de Lisboa, tomei a resolução de me ocupar do Hospital Escolar do Porto (Hospital de S. João) e emitir opinião, concordando ou discordando de alguns pontos de vista expostos pelo Sr. Deputado Prof. Cid dos Santos, a quem desejo prestar a mais rasgada homenagem.
E faço-o com sinceridade, sem reservai ou subtilezas impróprias do meu carácter, que tem sido, através duma vida de constante actividade, merecedor de geral consideração, como elemento digno da sacrificada classe a que tenho a maior orgulho em pertencer.
Usou S. Ex.a clara, excessivamente viva e expressiva linguagem na exposição feita com o maior desassombro, tratando um problema a que está ligada grande parte, da sua actividade como Deputado da Nação, dentro do programa definido no período anterior ao início desta legislatura.
É S. Ex.a um cirurgião ilustre, técnico possuidor de extraordinários recursos, admirado e respeitado. Ao dirigir-lhe estas palavras de justiça não invalido o direito que me assiste na discordância de algumas opiniões por S. Ex.º expendidas. E no confronto que possa estabelecer-se entre o que se passa no Hospital-Faculdade de Lisboa e o que se está realizando na fase de acabamento do Hospital de S. João do Porto, além de outras razões, encontra-se o motivo de algumas das considerações que me proponho fazer, adoptando o princípio crítico de moderação e serenidade.
Sr. Presidente: em sessão de 3 de Fevereiro de 1904 ocupei-me largamente do problema dos hospitais escolares, fazendo considerações que me pareceram necessárias e então, expondo o meu pensamento sobre o problema que então, como agora, se debate, trazido à Assembleia pelo aviso prévio do Deputado Cid dos Santos, que originou demorada controvérsia nesta Câmara, com forte repercussão una meios científicos, visto tratar-se de um problema técnico, que aos técnicos interessa na sua organização e na sua direcção. Hoje cumpre-me dizer o que se me afigura essencial, como depoimento sobre a importância dessa obra de assistência, que tanto nacionais como estrangeiros da maior responsabilidade situam em plano do mais elevado nível, tão sentido e tão compreendido é o seu valor, a sua influência e a sua grandeza.
Na minha qualidade de médico e Deputado quis, mais uma vez, pelos meus próprios olhos, certificar-mo das razões que me assistem quando terço armas na defesa dum empreendimento, bela construção material de extraordinária valia assistencial, sonhada e desejada por tantos e cuja realização se deve a tão poucos.
Para tal desiderato, passei grande parte de um dia em visita de estudo, chamemos-lhe assim, a essa grande, unidade hospitalar que na Asprela se levanta, majestosa e opulenta nas suas linhas e na função meritória que dentro de uni ano deverá ser chamada a desempenhar.
Tive como cicerone, através daquele bem delineado bloco, o Prof. Hernâni Monteiro, membro da comissão técnica da construção dos hospitais escolares e presidente da comissão instaladora e administrativa, do Hospital de S. João, cientista ilustre, mestre insigne da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, detentor dum espírito com viva inteligência, aliado a uma sólida cultura, que tem dedicado, no período aproximado de vinte anos, o melhor da sua energia, do seu esforço, da sua vontade, da sua perseverança, a favor do hospital há mais de um século reclamado, e que, em 1867, a Escola Portuense de Medicina, numa mensagem dirigida ao Governo de Sua Majestade, lhe pedia a sua criação e construção, tão necessárias.
E, além do Prof. Hernâni Monteiro, portuense por tantos títulos ilustre, acompanhou-nos também o ilustre arquitecto Oldemiro Carneiro, que há uma dúzia de anos orienta, com honestidade e competência, as tarefas de que está incumbido.
Creio, Sr. Presidente, que tudo quanto tive ocasião de ver e observar deixou no meu espírito profundamente marcada a melhor e a mais agradável das impressões, atingindo mesmo admiração, seja qual for o prisma por que deva encarar-se essa grande obra de assistência, de tão generosa finalidade.
Em todo o Mundo se vem operando transformação notável nos múltiplos sectores da actividade humana. Os problemas da assistência hospitalar, adquirindo o máximo desenvolvimento, bem podem considerar-se problemas de premente interesse nacional; problemas que, na sua amplitude e na sua complexidade, comportam inúmeras dificuldades, de que o Governo, na realização do seu objectivo e no desempenho do seu mandato, se tem ocupado, com o mais escrupuloso empenho de bem servir.
O problema hospitalar, a caminho de solução inteligentemente estudada e orientada, bem merece ser acarinhado pela Nação inteira, que durante vários, anos rogou, pediu, implorou, lhe dessem estabelecimentos hospitalares onde pudesse recuperar saúde, e energia na luta contra a doença. E o Estado Novo, compreendendo esses anseios e essas necessidades, lançou-se uma larga tarefa, que eu, como médico, como Deputado e como homem do povo, admiro e louvo, com a sinceridade de português que assim vê engrandecido o arsenal terapêutico restituidor da saúde e da vida.
O Hospital Escolar do Porto, iniciado há cerca de vinte anos, foi planificado, assim como o Hospital-Faculdade de Lisboa, pelo mesmo célebre arquitecto alemão Diestel. Autor de notáveis construções, como indiscutível competência, o Estado alemão deu-lhe o encargo, entre outros, de projectar o Hospital Contrai de Zurique e o Hospital Escolar de Berlim.
Não se poderá dizer que a escolha não haja sido acertada, tão reconhecido é o vaiar do falecido arquitecto. Mas se a Diestel coube o projecto do edifício, ao Prof. Francisco Gentil, nome grande da medicina.
Página 532
532 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 197
portuguesa, coube a indicação e direcção programativa de tão notável obra, feita após largo período de aturado estudo, visitando para tal fim os melhores - centros hospitalares da Europa.
Vão passados vinte e cinco anos que esse plano principiou a executar-se, e no espaço de um século muitas transformações se operaram em todos os ramos da técnica e uma obra com sinal da grandeza dos hospitais escolares há-de claramente acusar alguns defeitos, algumas falhas, que o próprio autor previa e afirmava, para o que contribuem múltiplas circunstâncias. Mas será sempre, e através de tudo, uma obra que os pequenos defeitos não diminuirão nem em que exercerão influência minimizante sobre a sua capacidade realizadora, no ritmo e na eficiência do trabalho daqueles que dentro dos seus muros exercerão a missão delicada da arte de curar.
O Governo entregou a um profissional distintíssimo a planificação desse grande centro de ensino, de assistência e de investigação, e essa entrega não poderia ter sido confiada em pessoa com maiores possibilidades.
Se houve erros, erros de construção, pequenos ou grandes, mas sempre remediáveis, que culpas cabem ao Governo na sua prática?
Poderão diminuir o valor duma iniciativa que marca no nosso meio época de reconhecido progresso e engrandecimento, dentro do campo assistencial, até agora nunca realizada?
Essa soma de pormenorizados e apregoados defeitos e lacunas, que nada representam, poderá alterar ou diminuir a actividade profissional exigida no exercício da clínica, tarefa de verdadeiro sacerdócio, que o médico vive junto dos doentes que ali vão procurar remédio para os seus males?
Terá influência nas dimensões dos períodos de internamento, ocasionando aumento de despesa ou diminuição no rendimento clínico?
Uma obra que exigiu tanto sacrifício, tanto esforço, tanta abnegação, tanta soma de boas vontades, aspiração que agora se vê realizada, não merece censura, pois em nada modificará ou alterará o objectivo para que foi realizada, e que será alcançado dentro dum curto espaço de tempo.
É aos homens, com a sua força de ânimo e valorização do seu sentido, que cabe dar alma e vida aos estabelecimentos onde se exerce o apostolado médico e onde He vive, com maior intensidade, o sentimento de humanidade e dedicação pelo seu semelhante. Como recordo os meus saudosos mestres Lagrange e Morax, que em Bordéus, no Hospital de Santo André, e em Paris, no Hôtel-Dieu, operavam maravilhas nos doentes a quem tratavam!
Os grandes investigadores, nos seus velhos hospitais de França ou da Inglaterra, da Itália ou da Alemanha, falhos de condições que nem de perto nem de longe se podem assemelhar com as que possuem os hospitais modernos, não abandonaram ou desprezaram esses centros, onde continuam trabalhando no desempenho da sua missão, em favor da humanidade sofredora.
Mas voltemos, Sr. Presidente, ao Hospital Escolar do Porto, onde Faculdade e Hospital viverão independentemente, embora ligados ou unidos para colaborar na mesma obra. Presentemente encontra-se este Hospital em intenso período de acabamento, com algumas instalações já completas, como sejam aquelas onde se encontram instalados a estomatologia, fisioterapia, serviços de sangue, raios X, farmácia, laboratório central, lavadaria serviços administrativo, cozinha e várias unidades clínicas de internamento, espalhados por vários andares.
O apetrechamento destinado aos serviços que acabo de indicar está pronto a ser utilizado, assim como parte do mobiliário, em favor do qual foram já feitas várias encomendas. Entre as tarefas praticamente realizadas conta-se a capela, a que farei, no momento próprio, merecida referência. Trabalha-se activa e generosamente para dar conclusão ao magnífico estabelecimento, que tão grande contribuição de caridade vem proporcionar à velha cidade do Porto.
Tenho presente, Sr. Presidente, a planta dos dez pisos que formam esse grande bloco, onde a distribuição dos diferentes serviços foi feita com o melhor critério, bom senso e desejo sincero de tudo resolver, afastando incompreensões, mal-entendidos, disputas, que parece haverem medrado noutros meios. Tenho também na minha frente o mapa indicativo da distribuição de camas, em número aproximado de mil e duzentas.
Ali, a comissão instaladora, dentro da sua função, sempre prestigiada, soube, em acordo com a legislação universitária, depois de ouvidos professores e directores de serviço, fazer a distribuição de instalações, tendo sempre em mente o valor real das diferentes cadeiras.
Por um rápido exame é fácil avaliar da situação que ocupam as diversas actividades clínicas e o ensino, em que se desdobra ou multiplica a vida hospitalar. Esquematicamente poderá dizer-se que a ala norte é destinada à Faculdade, unida ou ligada ao Hospital por três corpos transversais. Houve, contudo, necessidade, para manter o que por direito é pertença da Faculdade ou pertença do Hospital, que fazer algumas alterações. Assim, na ala norte instalou-se o bloco cirúrgico, com nove salas de operações e seus anexos, e numa parcela dos pisos l e 2 instalaram-se algumas consultas, serviços de urgência e pediatria, ficando, em compensação, a Faculdade com alguns andares das três transversais: nascente, central e poente.
Na transversal nascente encontram-se: no piso 3, salas de trabalhos práticos de histologia e biologia médica; no piso 4, a higiene.
Na transversal central: no piso 3, sala de conselhos, sala de professores, etc.; no piso 4, serviço de secretaria da Faculdade e todos os seus pertences.
No piso 7, cirurgia experimental, com duas salas de operações e anexos, raios X e laboratórios.
Na transversal poente: piso 3, serviços de química fisiológica; piso 7, fotografia e modelação. Arquivos e farmácia ficam situados no piso 10, com instalações muito amplas.
Não existe ainda o pavilhão para triagem dos doentes e serviço social, devendo principiar em breve a sua construção, pois encontra-se pronto o projecto para tal empreendimento. Terá a sua localização na zona norte do parque, visto ser esta a mais apropriada. A biblioteca ficará instalada na transversal central do piso G, compreendendo salas destinadas aos seus vários fins, como sala de leitura, sala para revistas, sala destinada a livros raros, arquivo, gabinete do bibliotecário, estendendo-se a sua instalação a várias salas anexas na ala norte do mesmo piso. E no extremo da mesma ala norte ficarão, de um lado, a sala da história da medicina, o museu, gabinete para o director e outros gabinetes. No outro extremo estará a instalação da psicologia, com diversos gabinetes destinados à directoria e assistentes, laboratórios de psicologia e sala de aulas.
Os serviços administrativos não foram ocupar as dependências que primitivamente lhes eram destinadas, por se julgar não terem rapacidade suficiente para tal fim. Essas dependências destinaram-se, e bem, aos gabinetes do director clínico, do administrador, da superintendência da enfermagem e da assistência social. Só houve lucro nesta modificação, visto os serviços administrativos ocuparem agora amplas dependências,
Página 533
4 DE ABRIL DE 1937 533
com as características mais adequadas às, tarefas do seu pessoal.
Para o servido de sangue foi construído um pavilhão especial, independente, no norte, dentro da mesma traça do edifício, com duas entidades, sendo por uma ligado no Hospital, para uso dos doentes internados, e a outra comunicando com o parque e dominada a dadores e a outros fins, evitando assim embaraços ou confusões.
Ao edifício foi amputada uma parte que diz respeito aos torreões que o Hospital de Santa Maria possui, e que seria destinada à instalarão das especialidades, e foi-lhe ainda cortada uma parte da ala norte.
Pois, apesar dessa redução, procurou-se, e conseguiu-se, instalar convenientemente as dependências para as doenças infecto-contagiosas, a obstetrícia, a ginecologia, a tuberculose, a otorrinolaringologia, a urologia, a ortopedia, a psiquiatria e a neurologia.
No Hospital-Faculdade de Lisboa existe apenas uma sala de consulta de cirurgia, integrando nessa consulta a ortopedia. Não sucederá o mesmo caso no Hospital do Porto, onde a ortopedia terá uma consulta própria e a cirurgia duas, destinadas aos quatro serviços da Faculdade: propedêutica, medicina operatória, patologia cirúrgica e clínica cirúrgica.
Não faltam as instalações para alunos, com salas de estar de grande capacidade; sala de bar, servindo também de refeitório; sala para rapazes e outra destinada para raparigas, obedecendo às melhores condições sanitárias; sala destinada ã delegação do Centro Universitário, e ainda um grande pátio privativo.
Mas uma obra de tão grande capacidade não comporta tudo quanto presentemente se exige, porque hoje as especialidades tendem a dividir-se e o Hospital não possui recursos para as conter, como o que se refere à alergia, reumatologia, gastrenterologia, recuperação funcional, etc.
Mas existem outros imperativos que, perante o progresso das ciências mídias, não podem dispensar-se, pelo seu altíssimo valor. Quero referir-me à necessidade absoluta, que já por mais de uma vez aqui expus e defendi com a maior energia, da criação dum centro anticanceroso. que, destinado aos radioisótopos e a todas as radiações, fosse construído junto do Hospital Escolar e a ele ligado.
Para esta falta, que envolve problema de extraordinária gravidade, chamo especialmente a atenção do Governo. E não se descure o problema da enfermagem, problema não só difícil entre nós, mas em lodo o Mundo, que aqui tratei com largo desenvolvimento, secundado pelos nossos colegas Elísio Pimenta e outros, quando da discussão da Lei de Meios, e de que em Braga o Sr. Subsecretário de listado da Assistência, em notável discurso, pormenorizadamente se ocupou, alimentando fundadas esperanças de o resolver, pela adopção de providências essenciais à solução requerida.
A Escola de Enfermagem, provisoriamente instalada, não satisfaz em nenhum dos aspectos através dos quais o problema se encare.
Sr. Presidente: obra de tão gigantesca projecção, com lacunas ou sem elas, demonstra, com eloquência e com verdade, a hora alta em que vivemos, hora de espiritualidade, com o seu esplendor.
No último andar do Hospital de S. João construiu-se a capela, com capacidade para mais de trezentos doentes, onde estes irão, aos pés de Cristo e junto de Deus, fazer as suas orações, pedindo alívio para as dores, cura para os sofrimentos.
Esta capela, construída com todos os requisitos indispensáveis aos seus frequentadores, dentro das indicações da Igreja, destinada ao culto dos enfermos, é bela realização, com os seus vitrais magníficos, onde vive toda a liturgia eucarística.
O seu altar, de maravilhoso simbolismo na simplicidade da sua opulência, está enquadrado numa ogiva admiravelmente traçada, encimado por um Cristo crucificado, imponente e majestosa imagem cinzelada em pedra de Anca, cópia duma escultura do século XVIII existente no Seminário-Maior do Porto, que nos domina inteiramente, na sua expressão de bondade e sofrimento, abençoando todos quantos a ele acorrem na cura dos seus males e das suas misérias. Grande o admirável remate para esta obra, onde a caridade se pratica sob a bênção do Orador.
Sr. Presidente: em todo o Mundo existiram, e continuarão existindo, dificuldades para recrutamento de pessoal médico e de enfermagem em qualidade e quantidade suficientes para pôr em pleno rendimento máquina tão complicada como é um grande hospital com funções de ensino, de assistência e de investigação.
Essas dificuldades não têm o nosso exclusivismo, visto não poder conseguir-se em limitado espaço de tempo a preparação técnica para obra de tanto vulto, que requer conhecimentos de larga especialização, inerentes à realização de múltiplas tarefas na existência e constituição dos quadros, com a sua conveniente e justa remuneração, exigindo meios financeiros indispensáveis ao seu funcionamento. Não é objecto fácil num meio como o nosso.
E o Governo, fiel ao seu pensamento e ao seu programa, dentro dos recursos de que dispõe, tem procurado realizar a finalidade que se pretende, na valorização material e do elemento humano, como elemento-base de produção e de trabalho. Não lhe cabem culpas em certas faltas, exageradas pela crítica e pela incompreensão dos homens, que não sabem pôr no plano que lhes é devido aquele espírito de boa coordenação e de boa vontade, do melhor entendimento, para realização de tão notável volume social e moral.
É a falta desse espírito que justifica, por vezes, determinados entraves à marcha vitoriosa de iniciativas dignas da mais alta admiração e apoio.
Criar condições de trabalho, satisfazendo necessidades materiais como recompensa de actividades; atraindo médicos e também alunos, uns e outros interessados na aplicação e na aquisição de conhecimentos exigidos no exercício profissional, encarando o hospital como grande escola, onde o clínico poderá fazer a sua carreira, dando alma e vida à instituição, está dentro do programa gizado pelo Governo, que tanto interesse e carinho vem dedicando à organização hospitalar do País.
Sr. Presidente: mais que as construções, às quais se apontam defeitos ou lacunas de que nada resultará de mau para a sua finalidade orgânica, é preciso dentro dos hospitais, e muito especialmente nos escolares, a criação e a manutenção de um ambiente de trabalho acolhedor, agradável, mantendo as hierarquias, por vezes tão esquecidas, dando satisfação aos velhos, atraindo os novos na alegria e no gosto pela aplicação no trabalho generoso, produtivo e compensador, realçando qualidades e não concorrendo para a criação duma mentalidade onde os defeitos superem as virtudes.
Todas estas considerações me foram sugeridas através dessa larga visita feita ao Hospital de S. João, a inaugurar dentro dum curto período de tempo, onde na companhia dum velho mestre, que muito respeito e estimo, o Prof. Hernâni Monteiro, me foi dado apreciar, mais uma vez, o reconhecido valor no magnífico empreendimento que vai ser o grande hospital da cidade.
Bem andou o Governo no apoio concedido à acção do ilustre homem de ciência, que, como timoneiro da
Página 534
534 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 197
barra, de tão difícil manobra, tem sabido sempre - em intima colaboração com os ilustres engenheiros Álvaro David e Octávio Filgueiras, que presidem à construção do empreendimento, ao qual o Sr. Ministro das Obras Públicas presta a melhor e mais reconhecida assistência - prevenir-se contra escolhos, vencendo dificuldades.
E cometeria falta grave se, ao exaltar a acção do Governo, não distinguisse a personalidade do Sr. Ministro do Interior, a quem muito especialmente se deve a grande obra de assistência realizada pelo listado Novo, obra admirada, louvada e sentida por toda a Nação.
Sr. Presidente: disse tudo quanto se me oferecia para dizer, e bem pouco foi. Só peço ao Governo, em quem sempre depositei a confiança que lhe é devida, pelo muito que tem realizado em favor do País, que continue, sem desânimo, a sua tarefa de projecção tão elevada, valorizando a função do grande obreiro da assistência - o médico - e dando pronto remédio às faltas apontadas, para maior prestígio seu, da grande obra dos hospitais escolares e, sempre, para bem da
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: o Diário do Governo de 28 de Fevereiro e o de 9 de Março do ano corrente publicaram dois importantes diplomas, de carácter aduaneiro, sobre os quais desejo fazer algumas considerações, tamanha será a sua projecção política e económica na consolidação da nossa unidade nacional. Refiro-me aos Decretos n.ºs 41 024 e 41 026, publicados pelo Ministério do Ultramar.
A estes diplomas já a nossa imprensa aludiu com aplausos; também o ilustre colega Mons. Castilho Noronha falou, com merecido elogio, do último decreto, embora tivesse manifestado alguns receios, aliás infundados, como se verá no desenvolvimento da minha exposição.
O Decreto n.º 41 024 reúne as disposições legais, que andavam dispersas por mais de três dezenas de diplomas, referentes à concessão de isenções de direitos e de outras imposições alfandegárias aplicáveis a mercadorias importadas nas províncias de além-mar, isenções essas amplamente alargadas no Decreto n.º 41 02(3, que insere também as instruções preliminares e o índice remissivo das pautas aduaneiras ultramarinas.
A preocupação de facilitar e desenvolver a livre circulação de produtos entre todos os territórios portugueses parece vir de 1838, com a publicação da primeira pauta para o ultramar - documento em que se estabeleceu o regime de direitos preferenciais, aparecidos sob rubricas e grandezas diversas, posterior e sucessivamente substituídos e alterados até aos nossos dias, tendo-se em vista o condicionalismo de cada província.
Com o advento da Revolução Nacional estatuíram-se os nobres princípios do Acto Colonial, depois transcritos na Carta Orgânica de 1933, na qual se manteve o sistema dos direitos preferenciais para as mercadorias originárias do território nacional a importar noutros territórios portugueses; o limite mínimo de tais direitos tem sido fixado em 50 por cento dos que incidiam sobre os produtos similares estrangeiros, notando-se que este benefício era superior para algumas mercadorias nacionais ao estabelecido por aquele limite.
A Constituição Política do 1951, elaborada sob a égide dos preceitos assimiladores, afirma no seu artigo 158.º que a organização económica, do ultramar deve integrar-se na organização geral da Nação e comparticipar na economia portuguesa, informando no seu § único que «para atingir os fins indicados neste artigo facilitar-se-á pelos meios convenientes, incluindo a gradual redução ou supressão dos direitos aduaneiros, a livre circulação dos produtos dentro de todo o território nacional».
Passados dois anos, a Lei Orgânica do Ultramar Português, ao ocupar-se na sua base LXXI do regime de direitos aduaneiros com interesse para as relações comerciais entre a metrópole e as províncias ultramarinas e destas entre si e com os países estrangeiros, preconiza a unificação quanto possível, em quase todo o território nacional, dos impostos alfandegários nas trocas de mercadorias com outras nações e a redução «gradual até à sua completa supressão, à medida que sejam substituídos por outras receitas, dos direitos aduaneiros nas relações comerciais entre si e com a metrópole».
No continente vêm sendo concedidas, há já alguns anos, isenções de direitos para os seguintes produtos ultramarinos: carne de gado bovino conservada pelo frio e o gado bovino vivo; madeira em bruto; frutas verdes, secas ou em calda, sem açúcar; melaços que não contivessem mais de 55 por cento de açúcares totais ; peixe seco, salgado em salmoura, prensado, fumado ou seco; sal originário de Cabo Verde; álcool, e forragens sobrantes da alimentação do gado bovino durante a viagem, desde que não excedessem 25 por cento das quantidades embarcadas. Depois de 1953 essas isenções foram extensivas ao chá e ao coco ralado, respectivamente pelos Decretos n.ºs 39 223 e 35 454.
Por sua vez, o ultramar não cobrava direitos aduaneiros das seguintes mercadorias nacionais: artefactos para a Mocidade Portuguesa; bilhetes da lotaria nacional portuguesa; objectos e mercadorias de exposições-feiras oferecidos aos serviços oficiais ou de interesse público; objectos destinados ao intercâmbio cultural, artístico e económico ou para propaganda pertencentes a serviços ou organismos oficiais, etc.
Sr. Presidente: com efeito, os Decretos n.ºs 41 024 e 41 026 constituem quanto ao ultramar duas grandes o decisivas iniciativas do Sr. Prof. Raul Ventura a favor da exemplificação prática dos belos princípios contidos na Constituição e na Lei Orgânica do Ultramar.
As isenções prescritas nestes dois diplomas abrangem a importação de toda a maquinaria, aparelhagem e utensílios destinados a promover o desenvolvimento do fomento e da economia dos nossos territórios de além-mar; porém, as isenções para os artigos estrangeiros só serão permitidas quando se reconheça a impossibilidade de se produzirem entre nós em boas condições de preço e de qualidade, protegendo-se desta sorte, e bem eficazmente, a indústria nacional.
Vem a propósito salientar o carinho especial que o Sr. Ministro do Ultramar tem manifestado pela industrialização das províncias do além-oceano, dando-lhes as maiores facilidades através de diplomas recentemente publicados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-São provas convincentes de tal atitude as Portarias n.ºs 10 022 e 115 0511, de Novembro de 1956 - mandando pôr ali em execução dois decretos vigentes na metrópole, favorecedores da importação de matérias-primas destinadas às indústrias-, e bem assim o Decreto n.º 40 908, de Dezembro do mesmo ano, que cria condições propicias ao desenvolvimento da indústria de carroçamento de veículos automóveis no ultramar, sem deixar de defender a que já existe no continente.
Sr. Presidente: para dar satisfação aos preceitos constantes da Constituição e da Lei Orgânica do Ultra-
Página 535
4 DE ABRIL DE 1957 535
mar respeitantes ao estabelecimento de livre circularão de mercadorias nacionais ou nacionalizadas nutro todas as parcelas territoriais portuguesas houve que realizar estudos demorados e profundos, iniciados há três anos, e muito competentemente. pelos respectivos serviços do Ministério do Ultramar, sob as directrizes do Sr. Prof. Raul Ventura. É que, por mais sedutora que se mostre a tese da formação de uma união aduaneira nacional, muito vantajosa para o estreitamento dos laços de solidariedade económica entre todas as terras de Portugal, não podia tornar-se uma decisão precipitada sobro tão complexa matéria, não fosse comprometer-se o equilíbrio ornamental e o crescente progresso das províncias ultramarinas - regiões novas e de economia instável, dependentes sobretudo do comercio externo. Recorde-se que em 1954 a receita total arrecadada pelas nossas alfândegas ultramarinas, resultantes de direitos aduaneiros o outras imposições aplicadas a produtos nacionais ou nacionalizados e estrangeiros ascendeu a l 410 480 contos, dos quais 720 240 couberam a Angola e 498 208 a Moçambique.
Para esclarecimento do problema da livre circulação de mercadorias e para se fazer ideia do cerceamento a suportar pelas receitas aduaneiras do ultramar -as quais terão de encontrar contrapartida em outras fontes financeiras -, citarei os seguintes dados, expressos em contos, referentes as cinco províncias de África durante o ano de 1956:
(ver tabela na imagem)
É de notar que nas receitas recebidas em Angola e rubricadas de «Imposto do Fundo de Fomento», assim como nas que foram arrecadadas nas províncias de Cabo Verde, Guiné e S. Tomé e Príncipe sob a designação de «Outras receitas», se contém uma parte cobrada sobre a importação de mercadorias nacionais ou nacionalizadas em território português e sobre os produtos exportados para portos nacionais.
Quanto às demais províncias ultramarinas, Macau ú um porto franco o dos rendimentos das alfândegas do listado da Judia não possuo elementos referentes aos últimos anos; as receitas aduaneiras (em contos) de Timor no triénio do 1954 a 1956 foram as seguintes:
(ver tabela na imagem)
É possível que, como afirmou Mons. Castilho Noronha, com a adopção do novo regime da livre circulação comercial, venha a surgir a concorrência entre alguns produtos metropolitanos e ultramarinos; tal circunstância, a verificar-se, aconselhará oportuna regulamentação, como acontece no próprio continente, onde existem produtos de certos territórios quo são concorrentes de outros similares, por exemplo os vinhos comuns das regiões demarcadas e os de outras regiões.
No Decreto n.º 41 026 consigna-se que nas províncias de Cabo Verde e do S. Tomé o Príncipe algumas mercadorias nacionais ou nacionalizadas (açúcar, arroz e madeiras especiais para a primeira; cloreto de sódio, arroz, farinha de milho, feijão, milho em grão. peixe seco e açúcar para a segunda) não poderão, por enquanto, ser importadas livres de direitos e de outras imposições cobrados no despacho alfandegário sem autorização ministerial, a conceder quando se tiver obtido receita aduaneira compensadora da abolição desses impostos; porém, o sistema preferencial será mantido para aqueles produtos ultramarinos a importar nas províncias de Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe e para os que furem importados, no ultramar, desde que sejam originários ou nacionalizados na metrópole.
Elucida-se, no entanto, que se estão realizando ... estudos no sentido de oportunamente desaparecerem as barreiras aduaneiras entre todas as parcelas do território nacional, dando-se deste modo integral satisfação aos preceitos legais da livro circulação comercial em toda a terra portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: permita-me V. Ex.a que faça um ligeiro apontamento sobre o aspecto propriamente técnico-aduaneiro do Decreto n.º 41 026, dado que este importante diploma contém algumas inovações dignas de relevo em relação às disposições vigentes em Angola e Moçambique, respectivamente, desde Dezembro de 1948 e do 1950, apresentando ainda diferente arrumação e ordenação dos assuntos, o que permite mais fáceis manuseamento e consulta por parte das pessoas que tenham de lidar com as alfândegas.
Assim, os vários regimes aduaneiros especiais (proibições, isenções, importações e exportações temporárias, etc.) estabelecidos por diversos diplomas, emanados tanto do Governo Central como dos governos ultramarinos, passaram a figurar em mapas anexos ao articulado.
Para melhor compreensão do sistema adoptado, que constitui na verdade uma interessantíssima novidade na legislação aduaneira portuguesa, visto no próprio instrumento pautai vigente na metrópole a arrumação e ordenação das respectivas matérias se encontrarem integradas no próprio articulado, apontaremos os mapas III a III-G anexos, onde figuram os diversos casos respeitantes às isenções de direitos em vigor nas nossas províncias ultramarinas. O mapa m contém os casos de isenções vigentes em todas as províncias, constando de cada um dos mapas III-I e III-G as isenções que são privativas da respectiva província, circunstâncias que
Página 536
536 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 107
facilitam extraordinariamente a consulta da legislação ultramarina a aplicar na entrada e na saída de mercadorias de qualquer das sete jurisdições aduaneiras do além-mar português.
A extensão ao ultramar do regime de pauta dupla (pauta máxima e mínima), vigente na metrópole desde 1922, é outra inovação que se tornou necessária para dar ao Governo da Nação o instrumento legal que lhe permitisse ajustar o sistema aduaneiro das províncias ultramarinas com o de alguns países que aplicam aos produtos originários dos nossos territórios o regime da pauta máxima - a todos os pulses sem distinção, pelo tacto de só possuirmos no ultramar uma pauta geral aplicável.
Como a pauta máxima tem um carácter punitivo, ela fica constituída, nos casos em que haja de ser aplicada, pelo dobro dos direitos da actual pauta geral, agora tornada pauta mínima; porém, em virtude daquele carácter especial, os direitos da pauta máxima não podem ser inferiores a 10 por cento ad ralarem. E, nestas condições, torna-se evidente que a pauta máxima nunca poderá servir para, através dela, se fazer a compensação da diminuição de receitas.
Entre as regras de simplificação e dispensa de formalidades aduaneiras para aplicação das providências legislativas que estou a analisar conta-se a transmissão aos governos ultramarinos, ou às próprias autoridades alfandegárias, da competência para conceder isenções de direitos pautais às mercadorias nacionais ou nacionalizadas em território português; de futuro a intervenção do Ministério do Ultramar restringir-se-á aos casos de isenção desses direitos para produtos estrangeiros que façam parte do equipamento fabril das indústrias ou de explorações agrícolas e pecuárias, e a audição prévia do Conselho Ultramarino, anteriormente indispensável para a maior parte das isenções, será exigida apenas quando se trate da importação do equipamento que acabo de mencionar.
Sr. Presidente: talvez pareça às pessoas menos familiarizadas com os trâmites do despacho aduaneiro, e em especial com a classificação e tributação pautas das mercadorias, que, pelo facto de se tornarem extensivas às províncias ultramarinas - cujos instrumentos pautais ainda não foram objecto duma reforma idêntica à dos que vigoram em Angola e Moçambique -, as disposições das instruções preliminares em vigor nesses dois territórios criarão dificuldades à desalfandegação dos produtos, tanto na importação como na exportação.
Tais obstáculos só poderiam provir da aplicação dos preceitos definidores dos pesos tributáveis, dos que respeitam aos regimes tributáveis das taras e das regras gerais ou especiais de classificação; a aplicação destes preceitos anda Intimamente relacionada com a classificação aduaneira, a efectivar de acordo com os dizeres dos respectivos textos pautais.
Deve sublinhar-se, todavia, que a maior parte desses preceitos já se encontra em execução nas províncias ultramarinas, por virtude da jurisprudência dimanada dos acórdãos do Conselho Superior Técnico das Alfândegas do Ultramar, que tem apreciado inúmeros casos, enquadrando quase todos os preceitos referidos. Apesar disso, deu-se à redacção de grande número dos citados artigos uma forma que permite harmonizar facilmente as suas disposições com os dizeres dos textos das pautas vigentes em tais províncias.
Porque, segundo suponho, estão muito adiantados os trabalhos de revisão dos projectos dos instrumentos alfandegários vindos de algumas províncias, onde foram cuidadosamente apreciados pelos respectivos conselhos de governo, é de esperar que não decorram muitos meses sem que sejam aplicados nesses territórios ultramarinos textos com nomenclaturas iguais as de Angola o Moçambique, decretadas, respectivamente, em 1948 e 1950, com tributação mais simplificada do que a actual e ajustada, como é óbvio, ao condicionalismo económico e fiscal de cada província, ficando deste modo uniformizada u legislação pautai ultramarina.
Sr. Presidente: é admissível que uma das primeiras consequências da liberdade do circulação de mercadorias agora adoptada venha a consistir na exportação de determinados produtos de umas para outras províncias, mormente daquelas onde vigorarem direitos menos elevados para aquelas em que os mesmos sejam mais onerosos; semelhante irregularidade será mais tentadora se a diferença do montante dos direitos e de outras imposições (incluídas as despesas portuárias, os fretes e o seguro) deixar uma margem apreciável de compensação para os exportadores, desviando-se assim a corrente actual de importação de algumas mercadorias estrangeiras de umas para outras províncias. Estou absolutamente convencido de que o Sr. Ministro do Ultramar terá tomado todas as precauções no sentido de evitar quo venham a ser desvirtuados os altos objectivos da sua tão inteligente, corajosa e patriótica providência.
Manifestou Mons. Castilho de Noronha o receio de que o novo regime aduaneiro contribua para criar qualquer gravame para o consumidor ultramarino.
Não julgo justificado tal temor, porque a perda de receita advinda da abolição dos direitos aduaneiros - que são impostos indirectos - tem de encontrar a sua contrapartida nos impostos provenientes doutras fontes da matéria colectável de cada província, cujo volume virá a ser constituído certamente, na sua quase totalidade, pelos impostos directos, como é natural e lógico.
Em reforço desta opinião citarei o que se passou com a reforma pautal de Angola, na qual se operaram grandes reduções nos direitos, que para algumas mercadorias atingiram cerca de 50 por cento, como, por exemplo, os vinhos e certas espécies de tecidos de algodão nacionais; a diminuição dessa receita, que atingiu alguns milhares de contos, foi compensada com a produzida pelo aumento dos impostos directos.
Com o estabelecimento, pelo Decreto n.º 41 020, do regime da liberdade de relações económicas das províncias ultramarinas portuguesas entre si deu-se o primeiro grande passo em frente para a criação do mercado nacional comum, aduzindo-se simultaneamente mais um oportuno e dos melhores argumentos a apresentar àqueles países que há poucos meses na O. N. U. se esqueceram ou ignoravam a nossa tradicional aptidão para educar povos atrasados e a nossa honrosa missão de pioneiros e agentes operosos da civilização ocidental.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-As novas disposições irão apertar ainda mais os elos espirituais e materiais em que se funda a nossa unidade nacional; é que os regimes económicos das províncias ultramarinas, em completa concordância com o artigo 159.º da Constituição, visam ao desenvolvimento e bem-estar da população, com a justa reciprocidade entre elas e com a Nação Portuguesa, do que são porte integrante.
Pelo que respeita à metrópole, formulo votos no sentido de que, com a possível brevidade, se faça também a substituição do actual sistema aduaneiro preferencial pelo da assimilação, lançando-se assim os sólidos e insubstituíveis alicerces do ansiado mercado nacional único, embora de princípio tenham de exceptuar-se dos benefícios do regime da assimilação alguns produtos, como o açúcar, o tabaco, o café, o algodão e o milho, cujo montante dos direitos representa a maior parte dos que são cobrados na importação na metrópole de produtos do nosso ultramar.
Página 537
4 DE ABRIL DE 1957 537
O Sr. Presidente: a realização da desejada união aduaneira nacional será conseguida inteiramente, após a criação de um ambiente propicio a essa meritória tarefa, a qual depende tanto do perfeito conhecimento dos difíceis problemas a equacionar e a resolver pelo pessoal dos serviços e organismos oficiais como da perfeita compreensão e boa vontade de todos os portugueses de aquém e de além-mar, para quem deve contar, sobretudo, o interesse geral da Nação.
Se é de louvar a intensificação cada vez maior dos contactos entre os representantes qualificados das nossas principais actividades económicas -levados a efeito por meio de viagens de estudo, de feiras e de exposições, a efectuar na metrópole e nos territórios ultramarinos -, quanto aos serviços oficiais há que exaltar a inteligente actuação da Inspecção Superior das Alfândegas do Ultramar - criada pelo antigo e ilustre Ministro Francisco Vieira Machado -, que, a partir de 1941 e com o apoio dos Ministros das Colónias e do Ultramar, vem promovendo numerosos estágios de funcionários técnico-aduaneiros ultramarinos, em gozo de licença graciosa no continente, na Alfândega de Lisboa, e a realização de visitas aos mais categorizados e modernos empreendimentos industriais metropolitanos; ali e nestes eles têm recebido utilíssimos ensinamentos, tão necessários ao bom exercício de seus cargos como à sua cultura geral, pondo-os a par dos aspectos técnicos e económicos da laboração das indústrias produtoras de artigos a exportar para os nossos territórios de além-oceano.
No indefectível patriotismo de quantos portugueses trabalham esforçadamente no ultramar, como no dos da metrópole, também pode confiar a Nação e o Governo de Salazar, empenhado em dignificá-la e enriquecê-la, moral e materialmente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Muito me apraz invocar algumas passagens da Revista Aduaneira de Fevereiro último e do relatório do ano de 1956 da Associação Comercial de Lisboa, ao aludirem à doutrina dos Decretos n.ºs 41 024 o 41 026.
A Revista Aduaneira afirma:
Trata-se dum importante decreto (o n.º 41024) do concatenação e actualização de disposições até agora dispersas por grande número de diplomas e que se justifica para comodidade de aplicação e como preparação para simplificar e unificar a legislação aduaneira do ultramar, além de ter sido também aproveitado para reduzir a intervenção do Ministério do Ultramar, na execução de certos preceitos, aos casos em que a isenção fica pendente da valoração de elementos económicos gerais.
O dinamismo e clarividência do actual e ilustre Ministro do Ultramar -diz a mesma revista- tem produzido, em ritmo impressionante, as mais diversas medidas legislativas tendentes a tornar os serviços aduaneiros ultramarinos órgãos eficientes e perfeitos, simplificando ou melhorando a execução dos preceitos legais, a bem das actividades económicas e sem prejuízo dos interesses do Estado.
Por seu lado, o relatório da Associação Comercial de Lisboa declara:
Há que dar justificado realce à evolução favorável que teve durante o ano do 1956 o problema do estabelecimento do mercado nacional comum.
Foi-nos particularmente grato observar o entusiasmo com que S. Ex.ª o Ministro do Ultramar, Prof. Doutor Raul Ventura, se tem dedicado ao seu estudo, de que resultarão, para já, medidas legislativas, a promulgar no início do ano de 1957, consignando o regime de livres trocas, com isenção de direitos aduaneiros, entre as províncias ultramarinas.
Reconhecem-se as dificuldades dos problemas inerentes à consignação de idêntica regime entre as metrópole e as províncias ultramarinas, mas, porque elas não são irremovíveis, nem o conjunto da economia nacional deve deixar de receber o imprescindível benefício que ele lhe proporcionará, estamos crentes em que ele venha a ser estabelecido em data o mais próxima possível.
Também creio firmemente em que não demorará muito tempo sem que a liberalização das trocas comerciais entre todos os territórios portugueses seja uma realidade.
O Sr. Prof. Raul Ventura disse um dia na Associação Industrial do Porto: «Não basta que a unidade nacional conste dos textos legais, é preciso construí-la».
Estas tão judiciosas palavras encerram uma proposição magnífica, que o distinto Ministro do Ultramar está a desenvolver com o maior brilho e eficiência.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: na sessão de 13 de Março de 1952 abordei com certo desenvolvimento os desmandos nos campos de futebol e ainda a conveniência de se pôr termo à ficção do amadorismo dos jogadores, que na quase totalidade eram e continuam a ser verdadeiros profissionais.
Comecei a minha intervenção por afirmar: «Por mais estranho que pareça, vou ocupar-me de futebol».
Julguei de meu dever, nessa altura, chamar a atenção das entidades em causa -entidades oficiais e direcções dos clubes desportivos- para a necessidade imperiosa de adoptarem providências eficazes no sentido de anular, ou pelo menos reduzir, as violências r tristes exibições de falta de educação dos jogadores e do publico assistente.
Tinham-se até então produzido frequentes e lamentáveis episódios, em que chegaram a tomar parte populações agressivas, que maltrataram os vigilantes, alguns simples turistas, que se deslocavam na tradicional apoio aos jogadores do seu clube ou por mera curiosidade turística.
Volto a ocupar-me do mesmo tema -os espectáculos de futebol -, que pela sua importância e vastidão interessa já ao chamado grande público, porquanto essas manifestações desportivas tocam, atraem e preocupam, sem exagero, a maioria da população do País.
Tocam, atraem e preocupam as vastas multidões, que acorrem pressurosas e entusiásticas aos majestosos ou modestos estádios que, felizmente, surgem em todo o País.
Tocam, preocupam e agitam os milhares de aficcionados, que pela rádio seguem o desenrolar dos principais desafios ou aguardam em casa, nas ruas ou nos cafés, com ansiedade quase doentia, os resultados dos prélios desportivos, em especial os do seu clube preferido, exultando ou «sofrendo» -como é agora corrente dizer-se- com o desenrolar das peripécias do jogo.
Como se trata de actividade que tem assumido proporções nacionais, através dos campeonatos das três di-
Página 538
538 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 197
visões e de jogos especiais e internacionais, não considero fora de propósito que tais actividades tenham eco nesta Assembleia.
É consolador notar que se tem verificado acentuada melhoria no que respeita às reacções dos espectadores e a conduta dos jogadores em plena acção nos campos.
A natureza movimentada e viril do jogo não pode eliminar a violência dos praticantes, que por vezes dão largas a excessos a que os maus instintos não são estranhos.
Para a redução dessas violências muito têm contribuído as actuações drásticas das autoridades responsáveis, com os castigos aplicados a jogadores e com interdição temporária dos campos.
Com a publicação do Estatuto do Jogador, em que está empenhado o Ministério da Educação Nacional, é provável que se crie um profissionalismo responsável, em substituição do actual sistema de amadorismo oficial, embora todos saibam que tem sido profissionalismo quase irresponsável.
E, como consequência do profissionalismo responsável, é de esperar que o nível dos jogos melhore no que respeita à eliminação da truculência e na imposição das melhores regras de jogo, de forma a tornar os espectáculos desportivos fontes de beleza e de emoção civilizada e de movimentação turística, tão útil às terras volumosamente visitadas.
Que não se trata de utopia, mas de realidade possível, demonstrou-o já um clube da província, o Lusitano de Évora, que em dois campeonatos sucessivos da I Divisão e outros jogos avulso, num total de sessenta jogos consecutivos, não teve um único atleta expulso ou castigado.
Por esta actuação granjeou no ano passado o galardão da Taça da Correcção e tem no presente ano direito a igual glorificação.
Vários jornais da capital se referiram a este extraordinário facto, com todo o merecido relevo.
E não se diga que tal resultado foi alcançado por se tratar de uma turma pouco qualificada, mas sim ao contrário, pois os jogadores do Lusitano lutaram bravamente com adversários da maior categoria e valor e alcançaram no último campeonato o honroso 5.º lugar.
Nem por isso perderam a serenidade e o aprumo, que se demonstrou serem possíveis no jogo.
Ainda é de destacar que a turma do Lusitano, no último campeonato, tinha uma composição muito acentuadamente diferente da que actuou no ano anterior.
Porquê iguais resultados? À direcção do clube e aos treinadores - isto é, à orientação do clube - muito se deve pura a obtenção de tão brilhantes resultados no campo da educação dos seus jogadores.
A estes muito há que louvar pela sua serena atitude, quando é certo que tiveram muitas vezes que enfrentar adversários relapsos.
Como educador por profissão, muito me apraz dar o necessário relevo nesta Assembleia a este facto do correcção, alto exemplo a ser imitado e seguido, para honra e dignificação do desporto nacional.
A minha atitude, em seguimento da referida intervenção de 1952, seria semelhante se de qualquer outro clube se tratasse.
É óbvio que tenho especial prazer em que o clube glorificado como campeão da correcção, em dois anos consecutivos, seja o Lusitano de Évora, que, honrando o desporto em geral, oferece novo galardão à histórica cidade de Geraldo, o Sem Pacor.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Aviso prévio
«Tendo anunciado, na sessão de 15 de Dezembro último, um avião prévio que as circunstâncias e o tempo aconselham a elucidar sobre os motivos apontados de discordância, nos termos do artigo 49.º do Regimento, tenho a honra de mandar para a Mesa, nos termos da alínea e) do artigo 22.º do mesmo Regimento, o seguinte esclarecimento ao aviso prévio apresentado, em que relativamente ao desenvolvimento da sua plena efectivação, procurarei demonstrar:
1.º Precípua e vultosamente, a complexidade e uma certa fragilidade da nossa actual estrutura macroeconomizada - em que se assisto à ascensão duma burocracia tecnocratizada, politicamente irresponsável, como consequência imediata duma a relativa inadaptação das estruturas políticas às exigências técnicas da nossa época, e uma evidente interdependência entre a ineficácia de certas organizações e indiferença u carência ideológica das massas populacionais-, em que o corporativismo, que deveria dar a tonalidade da microeconomia de bem-estar, perfeitamente atento ao salariado, com dictomias de salários, bruto e disponível, em face dos encargos corporativos i1 familiares e das vantagens monetárias dos somatórios e conjunção dos réditos do trabalho do agregado, e no consumo, que esse não se deve deixar corromper nas suas naturais possibilidades pela sua completa standardização, muito mesmo macroeconomizada, e que não conseguiu uma útil ligação entre um planismo fomentista, alimentado por verbas orçamentais e de segurança social, com um liberalismo que se está, com concentracionismo atrustado e empresário, super-capitalizando e que não repele nem a euforia nem a propensão, um pouco larvada, inflacionista escritural, por créditos.
2.º A necessidade de ultrapassar o equilíbrio, embora tão excepcional para a nossa época, meramente financeiro e quantitativo do orçamento, que, por si só, constitui um legitimo orgulho para Portugal e seus governantes, para finalmente alcançar um equilíbrio de estrutura, com perfeita coordenação e hierarquização do financeiro, do económico, do social e do político, bem acompanhado por uma nova e tripartida contabilização, a um tempo funcional e económica, e em que se faça a integração da contabilidade pública na contabilidade nacional e remodelada com orçamentos: de administração (velhos e tradicionais serviços do Estado), de capital (investimentos, equipamentos e receitas próprias) e extraordinários (para dar apenas guarida a meros casos fortuitos e imprevistos financeiros).
3.º Um rejuvenescimento do nosso sistema tributário, de forma a atingir, mas com absoluta equanimidade: 1.º O anonimato, perfeitamente descontabilizado, para efeitos fiscais, que começa a mostrar-se como uma degradação da velha noção jurídico-económica da propriedade, parecendo mais dizer respeito à posse dos meios de produção do que ao seu clássico e próprio conceito e que se relaciona menos com os dividendos que tanto agradam
Página 539
4 DE ABRIL DE 1957 539
Ao accionista minoritário do que a política de engrossamento de reservas e autofinanciamento 2.º Os sinais sumptuários de fortuna, hoje quase destributados, devendo fazer-se o lançamento dos impostos, não apenas pela noção isolada de rendimento fiscal, mas adentro de um critério do equidade, iluminado por uma hermenêutica em que não se observe e a desierarquização da lei, do regulamento, da circular e dos despachos regulamentares, dando, desde logo, a imagem duma certa propensão para uma decadência legalista.
4.º A imperiosa conveniência duma reactualização e ajustamento da estrutura e hierarquia dos vencimentos do funcionalismo, tão louvavelmente estabelecida pelo Decreto n.º 26 115, de modo a, dentro das possibilidades do Tesouro, fazer face à alta da vida, que não afrouxa, dando também a todos os aposentados unia justificável equiparação de direitos aos do activo.
5.º A estruturação tecnicamente cabal de um orçamento económico, bem alicerçado sobre o rendimento nacional, permeabilizado por uma desvalorização universal crescente do poder aquisitivo dos signos monetários, que possa permitir operar:
A) O reexame integral da nossa política de segurança social, enquadrada nos seus múltiplos aspectos económicos, sem esquecimento dos demográficos e monetários, financeiros, sociais e políticos, incluindo a revisão extensional e actualizada da noção de risco social, mas muito para além:
a) De uma perigosa matemática do aleatório;
b) De um salário industrial e comercial, mal considerado como categoria dominante do nosso conjunto económico, com menosprezo inexplicável do agrícola;
c) De um abono de família, que não pode nem deve ser tomado o único meio específico de protecção deste agregado e da sua valorização moral e social;
d) De um emprazamento dos riscos de doença, com evidente subterfúgio financeiro dos prazos dilatórios de carência e uma demasiada exiguidade de tempo e meios de tratamento, mais alinhada sobre a poupança do que sobre a terapêutica, tornando o risco social mal assegurado e caríssimo, pelo pouco que é garantido;
e) De uma contínua hesitação entre a capitalização e a repartição, no meio dos refluxos das desvalorizações monetárias e com ignorância aparente da técnica da repartição dos capitais de cobertura, bem enfeixada com a especialização das quotizações e com o escalonamento das reservas técnicas, graduadas com um índice de utilidade económico-social, esteada por uma boa organização administrativa com um contencioso e jurisdições especializados, em que não se verifique a perigosa repercussão nem nas formas tradicionais de medicina nem na coordenação dos serviços de saúde:
f) A recuperação do risco do desemprego, que. embora carinhosamente cuidado, fui absorvido pelo Ministério das Obras Públicas, quando deveria voltar ao seu primitivo círculo de segurança social e integrado no Ministério das Corporações, que, por agora, talvez mais pareça do trabalho, porque aquelas se ausentaram, pratica, administrativa e politicamente, para o da economia.
B) A recriação, mas real, de um corporativismo associacionista, aliado a boas e legítimas ligações de crédito, mas que deverá ser o espelho cristalino da nossa conjuntura económica, perfeitamente alheada de feudalidades económico-financeiras, autênticos ... que se aninham e vegetam nos refolhos da estadualização do nosso corporativismo, em que só começam a insinuar veleidades do labbysmo, que não podem florescer no clima do austeridade salazariana e que obriga uma burocracia talvez um pouco menos prebendaria do que politécnica, mas que a defende contra uma necessária mobilidade social em cómodas situações adquiridas que fogem de certo ritmo de produção para assegurar monopolisticamente a permanência de um elevado grau de rentabilidade por superbenefícios, amparando aparentemente o fraco na indústria e no comércio, na medida em que podem reabsorver as vantagens desta protecção, prosperando numa atmosfera maltusionisto-económica».
Tenho dito.
O Sr. Augusto Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: peço a palavra para interrogar a Mesa.
O Sr. Presidente: Tem V. Ex.a peço a palavra interrogar a Mesa.
0 Sr. Augusto Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: V. Ex.a não pode ter ouvido o que acaba de dizer o Sr. Deputado Pinto Barriga. Nem nós, aqui a seu lado, conseguimos ouvi-lo. No entanto, parece que o Sr. Deputado Pinto Barriga ou formulou mais um aviso prévio ou, com certo ineditismo, esclareceu o confirmou um outro anteriormente anunciado.
Ora, é certo que a Assembleia Nacional já não terá mais do que cerca de uma dezena de sessões até final da legislatura. Mas com certeza o Sr. Deputado Pinto Barriga não teria hoje produzido as suas considerações
Página 540
540 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 197
se não contasse efectivar ainda esse aviso prévio untes de terminar o seu mandato.
Por isso, e para bem me colocar dentro dos preceitos regimentais, formulo a V. Ex.a, Sr. Presidente, a seguinte interrogação: não lhe será ainda possível, esgotando toda a sua boa vontade e exigindo de nós o esforço que for, para tanto, necessário, marcar, de flicto, para uma das poucas sessões que nos restam a efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Pinto Barriga? Creio interpretar assim o interesse da Assembleia, tanto mais que o assunto será, por certo, um útil complemento da matéria transcendente aqui versada pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa.
Interesse da Assembleia e interesse político em que ao Sr. Deputado Pinto Barriga seja ainda facultada a oportunidade que deseja.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pinto Barriga, antes de usar da palavra, apresentou na Mesa uma cópia da nota de esclarecimento que leu, o que libertava a Mesa da dificuldade de ouvir a leitura feita agora à Câmara. Quanto à interrogação precisa que o Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu formulou, asseguro que, não obstante a escassez do tempo, porei toda a minha boa vontade na efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Pinto Barriga antes do termo da actual sessão legislativa, satisfazendo assim o interesse que nesse sentido a Câmara manifestou através da palavra autorizada do Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu.
O Sr. Augusto Cancella de Abreu: - Muito obrigado a V. Ex.a, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão nu generalidade a proposta de lei de alterações à Lei do Inquilinato. Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: tenho como certo que, depois de ter ouvido os oradores que me antecederam, não interessa à Assembleia o depoimento de quem já vive no ocaso e por acaso, embora evite anquilosar-se com ideias ultrapassadas pelo tempo, que seria lícito atribuir-lhe sem rebuço.
Venho das eras em que a instabilidade do lar tinha um símbolo típico nas mudanças semestrais em padiola, a pau e corda, de rua em rua, de casa em casa, como pássaro de ramo em ramo, levando empoleirado na rima dos trastes o papagaio palreiro, tão tradicional antes da epidemia da psicatose ...
Depois, com a evolução do tempo, fui acompanhando a triste evolução dos factos originada especialmente na crise da habitação e provocada esta pela quase paralisação das construções urbanas, agravada pelo afluxo das populações rurais aos grandes centros urbanos.
Isto e a projecção das lutas e dos incidentes políticos da época criaram o funesto desequilíbrio na vida económica e social da Nação, de que o aspecto habitacional constitui um importante reflexo, pelo desequilíbrio entre a oferta e a procura de habitações.
Problema a que as circunstâncias, o mau caminho traçado e os erros crassos cometidos deram um aspecto gravíssimo de paralisação quase absoluta até aos nossos dias, caracterizado por medidas drásticas de emergência ou de circunstancia, que, em parte, ainda perduram, e cuja necessidade podia ter sido transitória.
Legislou-se o mal para remediar o momento, não se legislou para prevenir o futuro.
São responsáveis os antigos governantes, impotentes ou receosos de atacar de frente o sério problema, que, desde há poucos anos, se está a tentar solucionar, não bruscamente, por impossível, mas mediante evolução necessariamente cautelosa em presença do facto consumado.
Vale a pena determo-nos momentaneamente na contemplação do quadro, no que diz respeito à projecção do passado no presente e especificadamente naquilo que mais vincadamente ainda hoje afecta a liberdade contratual e colide com os princípios fundamentais do direito comum de todos; e faço-o no convencimento de que, neste breve instante, não me desvio muito ou me desvio tanto como os distintos oradores precedentes da matéria da proposta, abordando na discussão na generalidade um aspecto do problema que afinal se contém na sua economia e cuja prevalência é uma das suas determinantes.
Acresce, Sr. Presidente, que, embora seja restrito o conteúdo da proposta, é legítimo darmos uma satisfação aos anseios da opinião pública e em especial de entidades e pessoas que se nos tem dirigido delicadamente, solicitando a revisão de outros aspectos igualmente candentes, nomeadamente o das rendas antigas escandalosamente baixas e das rendas modernas escandalosamente altas. Silêncio total nesta oportunidade levaria aos espíritos alarmados ou inquietos a ilusão de que nada mais há a fazer e absurdamente julgamos que tudo está normalizado.
Partem de 1910, pelo Decreto de 12 de Novembro, as restrições à liberdade contratual nos arrendamentos de prédios urbanos em relação ao montante das rendas, pois, tratando-se de casas de habitação, elas não podiam ser elevadas durante o decurso de um ano a partir da data do decreto, e só o podiam ser de 10 por cento por cada período de dez anos da duração do arrendamento tratando-se de estabelecimentos comerciais e industriais.
Estas restrições -e eram só estas-, como as tendentes à estabilidade na habitação, vindas depois, mantiveram-se através do tempo, não obstante o prazo certo e curto da duração estabelecida naquele decreto para as rendas. Medidas excepcionais de circunstância, que, não obstante, perduraram mais em resultado também do clima político, que não apenas da necessidade económica e social prevalecente e desastradamente combatida.
E durante largo tempo, além da limitação dos fundamentos legais de despejo, foi também mantida a proibição do aumento das rendas na renovação dos contratos, quando elas não excediam certo limite, mesmo nos contratos novos, chegando-se ao extremo de punir por desobediência não apenas os proprietários que exigissem mais renda do que a anterior aos novos ocupantes, mas até os que recusassem, por renda igual à antiga, os novos contratos que lhes fossem propostos por terceiros! Violência e absurdo maiores não podia haver!
Determinou-o o Decreto n.º 5411, de 1919, espelho fiel do modo como em regime liberal se entendeu a liberdade.
Rodaram os tempos e através deles surgiu uma dúzia de decretos mais ou menos relacionados com assuntos de locação; mas, se não estou em erro, só em 1928, já sob a égide do actual regime, se encetou, embora a passos lentos, o caminho para uma normalidade mais tolerável, já mantendo-se liberdade de renda para os prédios novamente construídos, já consentindo-se a elevação das rondas antigas até ao rendimento ilíquido matricial, corrigido em função da data da respectiva inscrição.
Mais substancial foi, porém, a Lei n.º 2030. Os seus artigos 47.º a 54.º contêm largas disposições em que,
Página 541
4 DE ABRIL DE 1957 541
de modo geral, se consente u aumento das rendas e especificadamente se indicam as suas bases e o modo de o determinar.
Solução definitiva do problema?
Solução ideal?
Evidentemente que não. E, por isso, a Câmara Corporativa, no seu parecer de 1950 sobre o projecto do Dr. Tito Arantes, parecer relatado doutamente pelo Prof. Paulo Cunha, sugeria novo passo no caminho encetado, mediante uma solução mais equitativa e actualizada, tomando como base essencial números-índices dos preços, por eles darem com suficiente aproximarão e nitidez a linha de evolução do efectivo poder de compra da moeda nas trocas correntes, dentro da nossa economia interna. E, nesta ordem de ideias, sugeria que o factor a aplicar ao rendimento inscrito na matriz partisse do coeficiente máximo de 2,5.
Além disto, a Câmara Corporativa, partindo do principio de que as limitações não deviam figurar na lei com carácter permanente e fixo por provirem de uma necessidade de emergência e assentarem na variação do poder de compra, propunha também que as limitações a estabelecer fossem revistas quando as circunstâncias económicas o aconselhassem, mas não para além de três anos decorridos.
Assim o aconselhava também a própria natureza excepcional das restrições, e, embora hoje os tempos sejam outros, dissipava-se a possibilidade de a revisão não se fazer quando devia ser feita, isto é, quando as circunstâncias o aconselhassem. Lembremo-nos de que ficou sempre letra morta o artigo 117.º do Decreto n.º 5411, que autorizou o Governo a revogar as suas disposições restritivas da liberdade contratual quando entendesse que não subsistiam as circunstâncias de carácter económico e financeiro que as impuseram e determinaram.
Aquele parecer da Câmara Corporativa ainda não foi submetido à apreciação da Assembleia Nacional e, por isso, no emitido agora sobre o projecto de decreto-lei n.º 519, convertido na proposta em discussão, a Câmara Corporativa, depois de salientar a acuidade do problema das rendas, especialmente nos arrendamentos habitacionais do Lisboa e do Porto, regista o facto de a falta do publicação de uma lei -aliás prevista no artigo 48.º da Lei n.º 2030- que permitisse actualizar essas rendas dar origem a uma desactualização cada vez mais acentuada das rendas sujeitas à limitação, ou seja, das rendas antigas.
Estamos, pois, em presença de uma realidade que, se porventura teve origem em justas razões transitórias então irremovíveis, se agravou por culpa do Estado, inerte, indiferente ou receoso perante a grave questão e suas repercussões políticas.
Criou-se uma situação de facto que, hoje, ciadas as consequências, não pode ser removida de um jacto, em ordem a entrar-se súbita e deliberadamente em regime de absoluta liberdade contratual, mas demanda que se dê mais um passo para além dos limites da Lei n.º 2030, votada e promulgada há mais de oito anos, sob a influência do circunstâncias agora, em parte, ultrapassadas.
Mas pergunto:
Foi bom? Foi mau o caminho de restrições iniciado a partir do Decreto de 12 de Novembro de 1910, com o claro objectivo de assegurar a permanência nas casas e evitar o agravamento das rendas e a especulação provocada pela carestia de habitações?
O assunto tem sido largamente ponderado e discutido nas suas causas e efeitos, através deste quase meio século decorrido; e agora seria extemporâneo ou inoportuno estabelecer debate a seu respeito, tanto mais que, infelizmente, o problema das rendas não está directamente em causa na proposta ora em discussão.
Sem embargo, não resisto a um breve apontamento sobre as consequências, aliás à vista de todos.
As limitações mantidas em larga escala no transcurso de tantos anos evitaram com dúvida a especulação dos senhorios gananciosos ou insatisfeitos, facilitada pela crise da habitação, e, neste aspecto, beneficiaram especialmente as classes economicamente débeis, é certo; mas, por outro lado, além de importarem infracção à liberdade contratual e ao direito de propriedade, não impediram a especulação também por parte de arrendatários ricos ou mais que remediados, colhendo o benefício - que não lhes devia ser destinado- da manutenção, que perdura, de rendas ridículas, muitíssimo inferiores às suas possibilidades económicas e inteiramente desproporcionadas com a desvalorização da moeda e mm as necessidades e os encargos dos senhorios, muitos o muitos do quais -velhos, inválidos, doentes ou viúvas- não tom outros recursos para viver, e nas reparações e na exigência camarária de limpezas e pinturas em todos os oito anos, nas contribuições, etc., vêm esgotadas totalmente as rendas relativas a alguns anos.
Isto sem falar da especulação com a locação de quartos por preço superior aos das rendas, abuso bem digno de ser eliminado.
Por outro lado, como disse, durante muitos anos as limitações tiveram unicamente como objectivo directo remediar a falta de habitações, e não, como devia suprir essa falta.
Nem sequer teve eficiência, antes resultou em graúda escandaleira, a minúscula tentativa dos bairros sociais, de triste memória.
Daí resultou que o ritmo das construções não se acentuou apreciavelmente; e houve mesmo períodos do grande retraimento de capitais para tais investimentos e consequente crise de trabalho. Só depois de estabelecidas a liberdade de rendas e isenções e facilidades fiscais para os prédios novos se entrou num franco desenvolvimento das construções civis, atingindo o quo hoje se exprime numa realidade que excede todas as expectativas, nos grandes e nos pequenos centros. Esta euforia, apesar de, infelizmente, predominarem os prédios de luxo e se exigirem ainda rendas incomportáveis, ligada ao que se tem feito e deve ser intensificado com respeito a casas económicas ou de renda económica, de renda limitada, ou com bairros populares e bairros para pobres e o que se está iniciando em propriedade horizontal, tudo isto, segundo creio, constitui a chave do problema habitacional, nomeadamente se as respectivas rendas forem quanto possível baixas, e não, como está sucedendo geralmente, superiores às que pagam os arrendatários sob o regime das rendas antigas! É de desejar seria que ainda pudesse ser votada na presente legislatura a proposta do Sr. Ministro das Corporações, pendente na Câmara Corporativa, que poderá animar muito a solução do problema habitacional.
Mais alguma coisa ainda: combater o urbanismo, prendendo o homem à terra, com exploração e salários compensadores, e pela assistência, pelo melhor conforto no lar, pelo progresso local, etc.
Ora, Sr. Presidente, a proposta em discussão visa fundamentalmente a facilitar o aumento das habitações com o mínimo prejuízo e sacrifício para os locatários já existentes, rodeando, assim, o despejo, destinado a este fim de interesse geral, «de novas cautelas tendentes a assegurar, em termos efectivos e suficientemente relevantes, o verdadeiro fim da lei e tendentes outrossim a conciliar equilibradamente os interesses dos senhorios o arrendatários». Numa palavra: com esta finalidade amplia, esclarece e interpreta o preceito novo o eficaz, que introduzimos na Lei n.º 2030 o é objecto da alínea c) do artigo 69.º
Página 542
542 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 107
Isto basta para a proposta, nu sua economia e, do um modo geral, no seu texto, merecer o meu voto. Embora estudada e meditada pula comissão eventual de que tive a honra de fazer parte - e que, por sinal, se compôs de dezassete membros e teve dezassete sessões-, bem compreensível ó que a prática e a jurisprudência de cerca cie nove anos recomendem a revisão daquela lei.
Apenas desejo fazer uns breves reparos, que, em rigor, melhor caberiam na discussão da especialidade, mas que desde já faço para as respectivas comissões terem tempo de ponderá-los, se disto os julgarem merecedores.
Depois de expor dúvidas e dificuldades e, ao mesmo tempo, apontar as soluções que se oferecem nos casos de se tratar de moradias ou de casas unifamiliares, o Sr. Dr. Tito Arantes vê também os mesmos embaraços relativamente aos prédios rústicos sitos em zonas urbanizadas, e, após judiciosas considerações, diz que pode levantar-se o problema de saber se, neste caso, há ou não direito a preocupação; como intérprete, entende que em face do artigo 4.º da proposta há, mas em face do § l.º do artigo 9.º não há esse direito, mas sim apenas o de indemnização; e conclui: «De qualquer maneira, o problema não está bem claro».
Depreendi das suas palavras que o ilustre Deputado, pelas razoes a que me reporto, se inclina no sentido de que, neste caso, não deve haver direito a reocupação, mas sim apenas à indemnização. Penso do mesmo modo.
Simplesmente, desde que só diz, o é verdade, que a proposta não está clara a este respeito ou não contempla a hipótese, só há um caminho a seguir: esclarecê-la, estabelecendo uma excepção ao n.º 1.º do artigo 4.º, ou de qualquer outro modo. Estamos aqui para fazer as leis quanto possível claras e completas, o não apenas para interpretá-las verbalmente, embora o espírito do legislador seja uma das formas legais de interpretação das leis. E no presente caso, ainda absolutamente remediável, não podemos ter a ilusão de que, dadas as confessadas dúvidas, a jurisprudência dos tribunais venha a ser pacifica.
Direi ainda que ponho mesmo as minhas reservas à aplicação das disposições da proposta quando se trate de parques, jardins ou logradouros, compreendidos ou não no arrendamento dos edifícios existentes nos centros urbanos, pois assim ficam reduzidas as suas já escassas «zonas verdes» ou de simples recreio, quo são outras tantas emanações de ar fresco e sadio. Pulmões da cidade, que ajudam a purificar os ares viciados ou poluídos pelas combustões.
Continuaremos, assim, a ser cúmplices no agravamento do crime de arboricídio de que somos espectadores tristes e inconformados ...
Outro ponto:
O n.º 1.º do mesmo artigo 3.º da proposta exige que o aumento do número de unidades locativas em cada prédio não fique inferior a sete, e a Câmara Corporativa baseia esta inovação na conveniência de se intensificar o aproveitamento económico do terreno, não sendo, por isso, razoável que esse aproveitamento fique abaixo de certa medida.
Quer dizer: o parecer, além de elevar ao mínimo de metade a relação proporcional do aumento com o número anterior de unidades, que o projecto de decreto do Governo limitava a um terço, cria uma nova condição, que obriga o novo prédio a ter, pelo menos, sete habitações e, portanto, outros tantos pavimentos quando se dê o caso de cada um destes pavimentos não ter, nem poder ter, por motivo da pequenez da área, mais do que uma unidade locativa.
Tenho para mim que é preferível não estabelecer este limite, desde que se fixe aumento mínimo de metade dos locais arrendáveis em relação aos anteriores.
De outro modo, vamos imiscuir-nos demasiadamente na parte material e técnica do problema, como concepção da obra, cércea da construção, sua arquitectura, etc., afectando, porventura, as próprias condições de estética, de higiene e comodidade, que o parecer enumera como uma das finalidades da proposta, em ordem a consentir mais perfeito arranjo urbanístico e melhoramento das condições dos locais, na proporção em que se torne necessário.
Há mais.
Além de nos envolvermos em soluções de técnica especial, ofendemos o espirito do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951, em cujo relatório se diz que se deixa aos corpos administrativos a faculdade de, nos seus regulamentos especiais, se afastarem mais ou menos, conforme as circunstâncias, das regras que, entre outras, esse próprio regulamento geral estabelece sobre o número de pavimentos e se considera indispensável que em locais privilegiados da Natureza, na concepção dos edifícios e na sua disposição relativamente ao conjunto, se não menosprezem as vantagens de tirar partido das condições naturais.
Há a considerar ainda as zonas de protecção aos monumentos nacionais, defendidos pela lei.
E, de forma bem expressa, aquele diploma regula o assunto no artigo 58.º e seguintes, estabelecendo condições para a construção dos edifícios, entre as quais as da altura, que as câmaras municipais devem respeitar. Também o artigo 121.º estabelece preceitos para as construções urbanas ou rústicas.
Quanto à Câmara Municipal de Lisboa - onde não foi ainda elaborado um regulamento especial que, à face daquele regulamento geral, actualize o seu regulamento privativo de 28 de Agosto de 1930, aplicado subsidiariamente -, acresce que a situação ainda é mais definida, pois o artigo 113.º deste regulamento, que, naturalmente ainda inspira hoje o seu Gabinete de Estudos, dispõe:
Para a conveniente isolação dos edifícios, a altura máxima das fachadas será fixada para cada arruamento ou grupo de arruamentos pela Câmara, ouvido o Serviço da Planta da Cidade, não podendo, porém, a relação entre a largura da rua e essa altura ser inferior ale exceder-se a altura máxima de 21 m.
Além desta determinação, que presumo actualmente alterada pelo menos em relação à altura máxima, estabelecem-se, nos seus parágrafos, regras especiais para os edifícios de gaveto ou recuados, etc.
Nestas condições, embora a Assembleia Nacional tenha competência ampla para estabelecer preceitos gerais sobre a matéria, afigura-se-me preferível, neste caso, não criar regras rígidas e uniformes, tamanha é a variedade de circunstâncias e particularidades ocorrentes a impossibilitar, a dificultar ou a tornar inconveniente a sua aplicação.
Relegar para as câmaras municipais a fixação do número de unidades locativas no que exceder o aumento mínimo de metade, exigido no n.º 1.º do artigo 3.º da proposta, afigura-se-me, portanto, a melhor solução.
Por isso, se não for apresentada uma proposta de substituição ou eliminação, permitir-me-ei requerer, na ocasião própria, a votação em separado das duas partes em que o preceito se divide.
Para finalizar:
Quando terminará este conflito, esta guerra aberta quase geral entre senhorios e inquilinos ? Esta luta, que, ao calor de interesses antagónicos, se reveste por vezes
Página 543
4 DE ABRIL DE 1957 543
de assomos de revolta e de ódios latentes, como se se tratasse de inimigos em combate?
Este mal-estar, se resulta da crise habitacional em que vivemos durante, pelo menos, cerca de meio século, resulta também de não se ter sabido removê-lo ou tido a coragem de o enfrentar. Erros que de longe vêm...
Muito se tem feito nos últimos tempos, mas muito há a fazer ainda. Oxalá se possa acelerar o ritmo, ao encontro das soluções definitivas que, a contento de todos, normalizem o importante problema nacional da habitação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Vasco Mourão: - Sr. Presidente: a revogação parcial da Lei n.º 2030, restrita unicamente ao fundamento de despejo instituído pela alínea c) do seu artigo 69.º, que constitui o objecto do diploma em discussão, representa a continuação duma tradição pouco recomendável que de longe vem e que tem consistido na sucessão de leis e decretos sobre o chamado problema do inquilinato, contendo modificações apenas de pormenor, o que vem tornar cada vez mais confusa a dispersa legislação sobre esta matéria.
Já desta tribuna o nosso ilustre colega Dr. Tito Arantes formulou o seu reparo sobre o âmbito demasiadamente restrito deste diploma, que nem sequer procura resolver outras dúvidas suscitadas pela aplicação da mesma Lei n.º 2030.
Pela minha parte, tornarei ainda mais amplo esse reparo.
É certo que a regulamentação ou, melhor, a revisão do condicionalismo previsto pela alínea c) do artigo 69.º, para efectivação dos despejos pelo novo fundamento que nessa disposição legal se consignou, impunha-se sem dúvida e de forma urgente, para se pôr cobro a certos abusos já verificados na prática e que aqui já fórum salientados.
Mas, independentemente dessa circunstância de urgência que justifica o presente diploma, afigura-se-me que já seria tempo de se dar uma maior unidade à legislação vigente sobre arrendamentos e despejo, reunindo-a num único diploma em que fosse sistematicamente codificada, para assim se reduzirem ao mínimo possível as dúvidas que têm surgido na sua interpretação e aplicação, dúvidas essas que claramente se revelam na incerteza da jurisprudência dos nossos tribunais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-A propósito referirei a opinião dum grande jurisconsulto do nosso país, que, alguns meses após a publicação da Lei n.º 2030, me dizia que, das cento e nove dúvidas que tinha sobre a legislação anteriormente em vigor, a nova lei apenas resolvera quatro delas e tinha-lhe suscitado mais onze.
Isto posto assim em números estatísticos, agora tanto em moda, mostra bem a falta de segurança com que se podem sustentar e defender perante os tribunais os direitos tanto de senhorios como de inquilinos.
Aproveito por isso esta oportunidade para chamar a atenção do ilustre titular da pasta da Justiça para o alto serviço que prestaria ao Pais promovendo um trabalho de conjunto de verdadeira codificação das disposições constantes dos diversos diplomas ainda parcialmente em vigor nesta matéria, particularmente delicada e sempre sujeita às mais azedas controvérsias.
Ainda há pouco o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu formulou a pergunta: «Quando acabarão estes conflitos entre senhorios e inquilinos?».
Devo dizer a VV. Ex.as que me parece impossível que eles terminem, porque na minha vida profissional já tenho assistido, como certamente outros colegas, a esta posição: um indivíduo raciocinar duma maneira como senhorio e, no mesmo momento, de maneira inteiramente oposta como inquilino. São conflitos chamados «de posição», que me parecem impossíveis de solucionar, a não ser por meio do rigor da lei.
Poderia talvez dizer-se que, sendo a iniciativa das leis tanto da competência do Governo como desta Câmara, qualquer de nós estaria legalmente em condições de apresentar um projecto dessa natureza, sem que ele forçosamente partisse da iniciativa governamental.
Mas creio bom que, neste caso particular, a iniciativa desta Assembleia não seria de aconselhar, visto que, pela necessária estrutura desse diploma, este teria, em grande parte, um carácter regulamentar, cuja discussão e votação se não coaduna bem com o sistema regimental do trabalho desta Assembleia.
Por isso me parece mais conveniente que essa iniciativa, de verdadeira codificação, parta da exclusiva iniciativa do Governo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Posto este reparo, permita V. Ex.a, Sr. Presidente, que faça alguns ligeiros e genéricos comentários a alguns dos preceitos do diploma em discussão, e que reputo fundamentais para se esclarecer convenientemente o âmbito de aplicação das suas disposições.
A primeira dúvida que surge desde logo pode ser formulada em face dos termos genéricos em que se acha redigida a alínea b) do artigo 1.º do texto da Câmara Corporativa, quando se refere ao despejo de prédios rústicos.
Integrando essa disposição dentro do condicionalismo que se contém no artigo 3.º do mesmo texto, parece desde logo resultar que o despejo de prédios rústicos a que se quer referir a alínea b) do artigo 1.º não é o de todos os prédios rústicos, mas apenas o daqueles onde anteriormente se exercia qualquer comércio ou indústria.
E, de facto, compreende-se que assim seja, pois, como já foi também aqui referido durante a discussão deste diploma, para os demais prédios rústicos ainda se mantém o regime de possível despejo no fim do prazo do contrato, e, consequentemente, esta disposição da alínea b) do artigo 1.º não teria interesse.
No entanto, dada a forma como se acha redigida essa alínea, poderá amanhã querer sustentar-se que o condicionalismo estabelecido neste diploma para o despejo de prédios rústicos, e consequente construção de edificações em prédios despejados, seria de aplicar, em regime especial, a todos os prédios rústicos sitos nas zonas urbanizadas.
Ora é justamente essa dúvida que deve ser expressamente esclarecida, quer na discussão parlamentar, quer na redacção definitiva da alínea b) do artigo 1.º do diploma em discussão.
Pela minha parte entendo que essa disposição se deve aplicar apenas aos prédios rústicos sitos nas zonas urbanizadas, mas onde anteriormente ao despejo já era exercido qualquer comércio ou indústria.
Mas, para que assim seja, é preciso que a lei expressamente o defina, para se evitarem outras dúvidas logo no início da aplicação duma nova lei.
Um outro problema se relaciona, a meu ver, com o despejo dos prédios rústicos, para nele se construírem novas edificações: é o do limite de habitações arrendáveis a que deve submeter-se o proprietário desses terrenos ao aproveitá-los para novas edificações.
Página 544
544 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 197
É certo que há imperiosa necessidade de se fixar um mínimo de habitações arrendáveis na reconstrução de prédios urbanos e em função do número de inquilinos que os ocupavam antes do despejo, para assim se limitarem os despejos com fundamento em ampliações ou reconstruções àqueles casos em que o interesse geral de se promover o aumento global das habitações utilizáveis no novo prédio sobreleve ao interesse particular dos seus antigos inquilinos.
Mas, no caso de construção de novos edifícios em prédios que anteriormente eram simples prédios rústicos, embora parcelarmente ocupados por arrendatários comerciais ou industriais, já se me afigura que essa limitação mínima do número de habitações não se justifica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-E poderá até essa rígida fixação desse limite mínimo de habitações arrendáveis nos novos prédios vir a contrariar, em certos casos, a expansão de urbanização que em alguns meios urbanos está já planificada com grandeza e em curso de execução.
O caso mais saliente sob esse aspecto é o que actualmente se verifica na cidade do Porto, onde o Ministério das Obras Publicas, em colaboração com a Câmara Municipal, planeou e está já a executar um vastíssimo plano de urbanização, cuja importância e largueza de visão nunca será de mais encarecer.
Ora, justamente nesse plano de urbanização as vias principais de acesso e travessia e áreas adjacentes a urbanizar localizam-se em zonas onde se encontram os prédios rústicos em que se acham instalados vários pequenos estabelecimentos ou até depósitos de materiais, normalmente existentes nas zonas periféricas dos centros urbanos.
E, se é certo que esse condicionalismo mais rígido é de admitir para o caso da reconstrução ou ampliação de prédios urbanos já anteriormente existentes, no que se refere a novos prédios a construir em terrenos rústicos até então livres de qualquer edificação de real valor habitacional ou comercial entendo que neste caso se não deverá aplicar o regime do n.º 1.º do artigo 3.º do diploma em discussão, mas facilitar com mais amplitude a sua construção, limitando-a apenas ao regime geral estabelecido pelo Regulamento Geral das Construções Urbanas as imposições camarárias quanto ao respectivo projecto.
Em verdade, a obrigatoriedade de os novos edifícios construídos em prédios rústicos ficarem, como os demais, sujeitos aos limites mínimos consignados no n.º 1.º do artigo 3.º ou qualquer outra limitação embora menor que venha a fixar-se na redacção definitiva daquele preceito só traria inconvenientes sob o aspecto do interesse geral, dificultando a rapidez e extensão da urbanização projectada, sem contrapartida de qualquer interesse particular que o justifique.
Assim, se vier a estabelecer-se alguma limitação exagerada para a construção desses novos prédios, só os grandes capitalistas, que são poucos, ou as caixas de previdência, que são o capitalista n.º l do País, se poderão abalançar a tais construções.
Ao passo que, se a limitação do tipo de construção dos prédios a edificar em terrenos até então livres de qualquer edificação urbana de real valor for unicamente a que lhe é imposta pela própria camará municipal interessada na aprovação do respectivo projecto, sem qualquer limitação mínima de habitações arrendáveis, a tais construções se poderá dispor um número muito maior de interessados, concorrendo estes assim com n sua iniciativa particular para mais rapidamente se urbanizarem efectivamente as zonas previstas, com o consequente aumento de novas habitações.
Parece-me, pois, aconselhável estabelecer-se nitidamente esta diferenciação em redacção definitiva no diploma em discussão, no que respeita ao regime de construção dos prédios despejados, conforme sejam urbanos ou rústicos.
Aqui se localiza um outro problema - o da reocupação. Sob este aspecto, afigura-se-me que também deverá fazer-se uma nítida distinção entre o direito reconhecido aos inquilinos despejados nos termos da alínea a) do § 1.º do artigo 1.º do projecto, isto é, a dos prédios urbanos e o que o forem nos termos da alínea b), a dos prédios rústicos.
Evidentemente, o direito de reocupação deve ser reconhecido aos primeiros, visto que a própria finalidade do projecto em discussão é a de tornar praticamente exequível essa reocupação, cuja efectivação se mostrou muito precária dentro do sistema da alínea c) do artigo 69.º da Lei n.º 2030.
Mas, no que respeita aos inquilinos dos prédios rústicos, entendo que tal direito de reocupação não é de considerar, porque nem sequer existe a indispensável correspondência entre os locais despejados e o novo prédio neles construído.
Por isso me parece mais conveniente que, para este último caso, a situação do inquilino despejado se resolva pela concessão de uma indemnização proporcionalmente mais elevada do que a que é concedida aos inquilinos a quem for concedido o direito de reocupação, sem que, contudo, se lhes recusasse esse direito.
Aqui fica o reparo, que ponho à consideração da Câmara quando tiver de se pronunciar concretamente sobre a redacção definitiva dos textos legais em discussão.
Um outro aspecto particular quanto à ampliação ou reconstrução de certos prédios urbanos aqui foi focado pelo Dr. Tito Arantes, e sobre o qual entendo dever fazer também algumas considerações.
É o que respeita ao caso das moradias ou palacetes e as dificuldades que envolve a sua possível ampliação dentro do regime previsto no artigo 3.º do projecto em discussão.
Perdoem-me VV. Ex.as, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que mais uma vez, e para mais expressiva exemplificação, me refira novamente à cidade do Porto, por ser o meio que melhor conheço e mais estrutura urbana e costumes habitacionais tom evidentemente de ser enquadrados nas disposições numéricas do diploma em discussão.
Como é bem sabido e causa normal surpresa aos estrangeiros que visitam o Porto, a grande extensão da sua área urbanizada não corresponde de forma alguma à sua população.
E isto sucede porque os prédios divididos em andares, como habitações autónomas, só desde há pouco tempo começaram a ter aceitação por uma população habituada a viver em casas independentes.
Assim, a grande maioria das casas que ainda beneficiam das chamadas rendas antigas é constituída por casas independentes, em que cada família, por vezes de duas ou três pessoas, ocupa três e quatro andares.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Por outro lado, como esses prédios antigos suo de fachadas estreitas e a Gamara Municipal, pelos seus regulamentos, limita a sua altura em função da largura das ruas onde se acham implantados, será sempre muito difícil, se não mesmo impossível, reedificá-los mesmo completamento para neles se alojarem sete habitações arrendáveis.
Página 545
4 DE ABRIL DE 1957 545
Daí resulta que o rígido condicionalismo consignado no artigo 3.º do texto da Câmara Corporativa tornaria praticamente impossível a reconstrução ou ampliação desses prédios, e isto quanto ao número mínimo de habitações arrendáveis que se preconiza no n.º 1.º do referido artigo 3.º, como ainda no que respeita à possibilidade de os antigos inquilinos poderem vir a reocupar neles locais que correspondam aproximadamente aos que anteriormente ocupavam.
E se este caso particular é, a meu ver, mais saliente na cidade do Porto, pelas circunstâncias que referi, é evidente que noutras cidades ele se verificará, ainda que com menor amplitude.
Haveria, pois, que adoptar-se, quanto ao n.º 1.º do artigo 3.º, uma solução mais maleável e que não vinculasse a reconstrução ou ampliação dos prédios já anteriormente ocupados por arrendatários a um mínimo tão elevado como o que naquele preceito se contém.
Quanto à impossibilidade de reocupação do antigo inquilino de locais correspondentes aos que anteriormente ocupavam, associo-me ao ponte de vista apresentado para este caso pelo Dr. Tito Arantes de se compensarem os inquilinos desalojados por uma indemnização em quantitativo mais elevado do que o previsto no artigo 4.º
Finalmente, e para terminar estes apontamentos muito gerais, farei ainda uma referência ao que se dispõe no § único do artigo 17.º do projecto em discussão.
Determina-se nesse preceito que as disposições inovadoras deste diploma só são aplicáveis aos despejos fundados em projectos cuja aprovação tenha sido requerida à Câmara a partir de 29 de Outubro de 1956.
Parece-me, Sr. Presidente, que esta disposição deveria ser devidamente ponderada e revista, pois não me parece de atender que um proprietário cujo projecto tenha sido requerido antes daquela data possa furtar-se indefinidamente às imposições e condicionalismo da nova lei.
Por isso, e em meu entender, quanto àqueles casos, deveria ainda estabelecer-se um prazo mínimo dentro do qual se poderiam intentar as acções de despejo dentro do regime da alínea c) do artigo 69.º da Lei n.º 2030.
Se as referidas acções não forem intentadas dentro do referido prazo a estabelecer, caducaria quanto aos proprietários o direito ressalvado naquele § único, e estes ficariam, portanto, após o decurso desse prazo, vinculados ao condicionalismo estabelecido neste diploma.
Poderia, Sr. Presidente, apresentar desde já uma proposta de alteração quanto à redacção das disposições que aqui comentei, mas entendo ser mais conveniente deixar apenas expressos os reparos que formulei genericamente, até para facilitar a discussão na especialidade, evitando-se a votação sucessiva de textos vários e deixando à nossa Comissão de Legislação e Redacção o encargo de as concretizar em proposta, se as minhas observações forem de molde a merecer, total ou parcialmente, a sua concordância.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Comunico à Câmara que estão na Mesa várias propostas de alteração apresentadas pelo Sr. Deputado João Assis, as quais vão ser publicadas no Diário das Sessões.
A ordem do dia para a sessão de amanhã é a mesma que foi designada para a de hoje, mas amanhã retomaremos a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Carlos Mantero Belard.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Ricardo Malhou Durão.
Venâncio Augusto Deslandes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
António Carlos Borges.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
João Maria Porto.
Joaquim de Pinho Brandão.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Trigueiros Sampaio.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Tito Castelo Branco Arantes.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Documento relativo ao discurso do Sr. Deputado Horta:
Nota das camas do Hospital Escolar do Porto
Ala sul
A) Oftalmologia:
1) Glaucomatosos Homens ............. 6
Mulheres ........... 6
2) Particulares ..................... 4
3) Homens ........................... 13
4) Mulheres ......................... 15 44
B) Otorrinolaringologia:
1) Homens ........................... 12
2) Mulheres ......................... 12 24
C) Medicina operatória:
1) Particulares ..................... 6
2) Homens ........................... 27
3) Mulheres ......................... 27 60
D) Propedêutica cirúrgica:
1) Particulares ..................... 6
2) Homens ........................... 27
3) Mulheres ......................... 27 60
E) Clínica cirúrgica e urologia:
1) Particulares ..................... 10
2) Homens .................... 27 + 27+6
3) Mulheres .................. 27 + 27 124
A transportar ........................ 312
Página 546
546 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 197
Transporte............................... 312
F) Patologia cirúrgica e ortopedia:
1) Particulares.......................... 10
2) Homens................................ 6+27+27
3) Mulheres.............................. 27+27 124
G) Propedêutica médica e neurologia:
1) Homens................................ 27+27
2) Mulheres.............................. 27+27 108
H) Clinica médica e endocrinologia:
1) Homens................................ 27+27
2) Mulheres.............................. 27+27 108
I) patologia médica e terapêutica média:
1) Homens................................ 27+27
2) Mulheres.............................. 27+27 108
J) Infecto-contagiosos:
1) Tetânicos e raivosos.................. 9
2) Homens................................ 21
3) Mulheres.............................. 20
4) Crianças.............................. 22 72
K) Ginecologia........................... 27
L) Obstetrícia........................... 21+36 57
M) Dermatologia:
1) Homens................................ 15
2) Mulheres.............................. 15 30
N) Tuberculose:
1) Homens................................ 22
2) Mulheres.............................. 24 46
O) Psiquiatria:
1) Agitados................. Homens...... 14
Mulheres... 14
2) Tranquilos............... Homens...... 10
Mulheres... 8 46
Ala norte
P) Pediatria:
1) Observações............................ 6
2) Medicina............................... 60
3) Cirurgia............................... 16
4) Prematuros............................. 8
59 Lactantes.............................. 19 109
Total de camas............................ 1 147
Propostas enviadas para a Mesa no decorrer da sessão:
Nos termos do § 2.º do artigo 38.º e do § 1.º do artigo 39.º do Regimento da Assembleia Nacional, tenho a honra de apresentar as seguintes propostas:
Propostas de emenda
Proponho que se adicione ao corpo do artigo 1.º da proposta de Lei n.º 519 a seguinte fórmula: «e desde que neste se incluam habitações reocupáveis com a mesma localização de pavimento e área e compartimentação não inferiores às das habitações existentes».
Proponho que o n.º 2.º do artigo 3.º da mesma proposta de lei fique com a seguinte redacção:
O novo edifício ou o edifício alterado devem conter locais destinados aos antigos inquilinos, de harmonia com o corpo do artigo 1.º, devidamente assinalados no projecto.
Ou, para a hipótese de rejeição da proposta de emenda ao corpo do artigo 1.º, que o n.º 2.º do artigo 3.º fique assim redigido:
O novo edifício ou o edifício alterado devem conter locais destinados aos antigos inquilinos correspondentes às necessidades de alojamento dos respectivos agregados familiares e devidamente assinalados no projecto.
Propostas de eliminação
Proponho que sejam eliminados os §§ 2.º e 3.º do artigo da proposta de lei em discussão.
Proponho que sejam eliminados os §§ 1.º e 2.º do artigo 4.º da referida proposta de lei e, em consequência:
Propostas de emenda
Proponho que ao n.º 1.º do artigo 4.º se acrescente a fórmula do § 1.º da proposta, a partir de «igual a uma a duas vezes», e que ao n.º 2.º do mesmo artigo se acrescente a fórmula do § 2.º da proposta, a partir de «igual a cinco ou dez vezes».
Que os §§ 3.º e 4.º deste artigo 4.º tomem a designação de n.ºs 3.º e 4.º do mesmo artigo.
Proponho que se elimine a parte final do corpo do artigo da dita proposta de lei, suprimindo-se-lhe a locução: «e daqueles contra quem já exista título exequível de despejo».
Proponho que a locução «nos termos legais» inserida no texto do § 2.º do artigo 6.º da proposta de lei em discussão entre a expressão «documentos comprovativos dos arrendamentos« e «planta do edifício» seja substituída pela seguinte:
...nos casos em que a validade e subsistência jurídicas e a prova do contrato estejam dependentes da existência de título escrito...
Proposta de eliminação e de aditamento
Proponho que o § 5.º do artigo 6.º desta proposta de lei seja eliminado e que com o mesmo número se inclua um novo parágrafo, assim redigido:
As custas da acção, seus incidentes e recursos, incluindo as de parte, ficarão sempre a cargo do autor, sem embargo da condenação dos réus pela sua eventual má fé no litígio.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 3 de Abril de 1957. - O Deputado, João Carlos Assis pereira de Melo.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA