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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 198

ANO DE 1957 5 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

SESSÃO N.º 198, EM 4 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos Srs. José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Alberto Henriques de Araújo

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das n.º 196.
O Sr. Deputado Sá Carneiro apresentou uma reclamação quanto aos n.ºs 193 e 194 do Diário Sessões.
Enviados pela Presidência do Concelho, receberam-se na Mesa o relatório do Tribunal de Contas e respectiva declaração geral de conformidade e, para cumprimento do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º 72 1.ª série, que insere o Decreto-lei n.º 41 048.
Igualmente se receberam na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Comunicações em satisfação de um requerimento do Sr. deputado Bartolomeu Gromicho e os elementos fornecidos pelo Ministério do Ultramar em satisfação do requerido pelo Sr. Deputado Pinto Barriga.
Estes elementos foram entregues aos Srs. Deputados referidos.
Leu-se o expediente.
Foram lidas na mesa as expedições enviadas pelo Sr. Ministro do interior acerca das considerações produzidas pelo Deputado Cid dos Santos numa sessão recente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cortês Pinto, que enviou um requerimento para a Mesa: Sousa Rosal, sobre problemas de interesse para o Algarve, e Cid dos Santos, acerca das explicações dadas pelo Sr. Ministro do Interior sobre as suas recentes considerações quanto ao Hospital-Faculdade de Lisboa.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Barbosa acerca do problema económico português.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Melo Machado, Abrantes Tavares e Pereira Viana.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
António Russel de Sousa.

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Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Cancella de Abreu.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 86 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:-Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 196.
Pausa.

Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, considero-o aprovado. Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Carneiro.

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: não pude assistir à sessão de 28 de Março, em que foi aprovado o Diário das Sessões n.º 192. Se estivesse presente, teria reclamado contra o facto de, por manifesto lapso, a p. 425, col. 2.º, in fine, se me atribuir uma intervenção que excede a que tive. Nesse passo limitei-me a dizer: «Neste caso parece que não há correspondência». Falta depois a expressão «O Orador». Tudo o que vai daquele aparte até ao meu novo aparte, a p. 425, foi dito pelo Sr. Dr. Tito Arantes.

O Sr. Presidente: - Será tomada nota da reclamação de V. Ex.a
Pausa.

O Sr. Presidente:-Enviados pela Presidência do Conselho, estão na Mesa o relatório do Tribunal de Contas e a respectiva declaração geral de conformidade, publicados no Diário do Governo n.º 75, 2.ª série, de 30 de Março último, para completar o processo de apreciação das contas da metrópole e do ultramar.
Está ainda na Mesa, enviado pela Presidência do Conselho, e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º 72, l.ª série, de 29 de Março último, que insere o Decreto-Lei n.º 41 048.
Encontram-se igualmente na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Comunicações em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho na sessão de 27 de Fevereiro último e os elementos fornecidos pelo Ministério do Ultramar em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Pinto Barriga na sessão de 19 de Março findo. Vão ser entregues a estes Srs. Deputados.
Deu-se conta do seguinte

Expediente Telegramas

Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Santos da Cunha sobre o corporativismo.

O Sr. Presidente:-Pelo Sr. Presidente do Conselho foram enviadas à Assembleia as explicações que o Sr. Ministro do Interior entendeu dever dar as considerações do Sr. Deputado Cid dos Santos numa das últimas sessões.
Vai ser lido à Câmara esse documento, emanado do Ministério do Interior.
Foi lido. É o seguinte:

«Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - l. Na Assembleia Nacional, em sessão de 12 de Março último, tu Sr. Deputado Cid dos Santos pediu a palavra, antes da ordem do dia, para anunciar o propósito de proceder à «revisão final dos resultados» o seu aviso prévio de 29 de Janeiro de 1954. No discurso que nessa altura pronunciou limitou-se a historiar os antecedentes do referido aviso prévio, a definir o seu objectivo e a sumariar a conclusão do debate.
A matéria concreta veio a ser tratada na sessão do dia 26, em que efectivou a sua promessa, ocupando-se de assuntos relacionados com a organização e funcionamento do Hospital de Santa Maria.
Pela sua natureza e pela importância do estabelecimento hospitalar cuja actividade versou, esta in-

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tervenção carece de ser objecto de esclarecimento indispensável a apreciação do problema.

2. No seu discurso o ilustre Deputado tomou como ponto de partida uma posição de manifesto equívoco, suficiente por si só para explicar a inflexão do seu pensamento.
O equívoco reside na noção dos «resultados do aviso prévio» cuja revisão entendeu efectuar.
Do aviso prévio surgiram um resultado imediato e resultados mediatos.
O resultado imediato foi a moção com a qual se encerrou a discussão do ajunto.
Os resultados mediatas foram as providências adoptadas polo Governo em concordância com esta moção, que exprimia o ponto de vista da Assembleia.
Erradamente, porém, o orador supôs que o Governo estava obrigado a cingir-se estritamente às opiniões por ele expendidas e que eram elas que deviam constituir a norma de orientação, em vez da moção votada, pela Assembleia na sequência lógica do debate, e entre uma e outra coisa a distância é enorme.
A moção que o Sr. Deputado Cid dos Santos não só votou como subscreveu e que foi aprovada por unanimidade era concebida nos seguintes termos:

A Assembleia Nacional, diante do debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Cid dos Santos e do intuito construtivo que animou a sua efectivação:
a) Reconhece e aprova os esforços desenvolvidos pelo Governo no campo da organização hospitalar em geral e no da sua aplicação ao ensino;
b) Admite a possibilidade de existirem erros de pormenor a corrigir ou lacunas a preencher.
Chama, por isso, a atenção do Governo para o debate e convida-o a que, considerado este, busque os meios de dar satisfação a tudo que parecer razoável.
Portanto, a moção sancionava a acção desenvolvida pelo Governo nu domínio da organização hospitalar e nomeadamente na sua concatenação com o ensino da medicina. Como mera possibilidade, admitia que houvesse serros de pormenor a corrigir ou lacunas, a preencher».
Chamava a atenção para o debate e convidava o Governo a dar satisfação ao que parecesse razoável.
Por esta directriz se pautou o procedimento do Governo, que entendeu do seu dever honrar a confiança da Assembleia, consagrando ao assunto a mais desvelada atenção e não economizando as diligências para aperfeiçoar e valorizar a grandiosa estrutura do Hospital de Santa Maria, ao mesmo tempo que regularizava e normalizava o seu funcionamento.
E, se não pôde atender todas as sugestões formuladas pelo autor do aviso prévio, foi porque as não considerou razoáveis ou porque dependiam da evolução progressiva dos serviços, de requisitos de ordem material ou disponibilidades em pessoal que o decurso do tempo condicionava.
Mas o Sr. Deputado põe agora o problema como se não houvesse moção e as considerações que produziu - e só as suas, apesar de em tanto diferirem de outras- tivessem de constituir regra imperativa para o Governo.
Nesse involuntário equívoco se funda com certeza a sua convicção de que o critério do Governo devia enfeudar-se ao seu, abstraindo dos juízos que lhe incumbia formar e das soluções que considerasse adequadas, pertinentes e viáveis.

3. Quando o Sr. Deputado Cid dos Santos redigiu o seu aviso prévio ainda o Hospital não entrara em funcionamento e quase um ano decorreria até que abrisse as suas portas. Era cedo para se denunciar um suposto processo de aflitiva confusão e se reclamarem remédios de emergência à base de soluções de excepção.
Nesse momento suscitaram-se numerosos problemas, alguns dos quais dependentes até de modificações a introduzir na instalação e que influíam no esquema do funcionamento.
Não podia ser isto, de resto, motivo de surpresa. O Hospital, concebido há vinte anos, era então um dos exemplares mais notáveis da arquitectura hospitalar da época, como o reconheceram, em sons elogiosos depoimentos, os médicos e arquitectos mais autorizados.
Mas o progresso da ciência, o desenvolvimento das técnicas e a extensão do conceito social de assistência, verificados em duas décadas, tornaram inadequadas muitas das instalações e revelaram a falta de outras que não tinham sido previstas de início.

ambém para o Hospital de Santa Maria era válida a clássica afirmação de que um hospital já é velho no dia em que se inaugura. A sentença não podia deixar de se aplicar a uma construção que se alongara por período tão extenso.
Muitas das críticas eram, pelo menos, prematuras.
No quadro
da directriz emanada da Assembleia o Governo não se poupou a esforços para melhorar a base material do organismo hospitalar. A concepção flexível a que obedecera o plano primitivo permitia, com o concurso da boa vontade de todos, resolver as dificuldades que iam surgindo e pôr de pé, em funcionamento activo, um dos melhores hospitais da Europa, trabalhando numa ordem de grandeza que excedia a nossa experiência técnica.
O prosseguimento des«a acção de adaptação e adequação foi - pode dizer-se - o primeiro resultado da moção que encerrou o debate do aviso prévio.

4. Deu-se um novo e decisivo passo com a publicação do Decreto-Lei n.º 40 398, de 24 de Novembro de 1955, que definiu o regime jurídico do Hospital de Santa Maria, integrando-o no nosso sistema hospitalar e garantindo o exercício da função que lhe incumbia no ensino médico-cirúrgico.
Em conjunto com os Hospitais Civis de Lisboa, atribui-se-lhe a responsabilidade que na zona sul do País compete aos hospitais centrais. Dessa forma, foram tidas em conta as proporções do traçado original e as exigências do melhor aproveitamento, no duplo aspecto sanitário e pedagógico.
Organizaram-se tanto a administração como a direcção técnica, confiadas, respectivamente, ao administrador e ao director dos serviços clínicos. Delegou-se no conselho administrativo, de que o director clínico faz parte, a orientação geral e a fiscalização da administração e dos serviços. Criou-se um conselho técnico para dar parecer sobre os assuntos de natureza técnica e no qual a presença de um representante da Faculdade constituiu mais um penhor da interligação do Hospital e da Escola.
Articularam-se os serviços administrativos e técnicos, em concordância com os esquemas que em toda a parte se praticam ou se aconselham, com ressalva apenas das indispensáveis adaptações.
Considerou-se especialmente a formação do pessoal hospitalar, para tanto se prevendo os internatos, externatos e estágios para médicos, farmacêuticos, enfermeiras, auxiliares vários e empregados administrativos.
Delimitou-se largo âmbito de assistência hospitalar, que, para além do internato, ficou abrangendo a con-

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sulta externa, o serviço de urgência, e o tratamento domiciliário, este último correspondente ao Home Care, que tão larga difusão tem tido nos Estados Unidos da América, na Inglaterra e na Franca.
Com esta forma de extensão hospitalar rasga-se uma nova perspectiva. É o Hospital que vai ao encontro doa doentes e se dispõe a acompanhá-los na convalescença ato ao seu completo restabelecimento.
Na conclusão do relatório que precede o diploma sublinha-se a unidade orgânica do Hospital, a solidariedade dos seus elementos e a esperança de que o pessoal cumprirá o seu dever.
Assim, depois de um período experimental que a prudência não pudera dispensar, implantou-se com carácter estável uma ordem afeiçoada à missão que o estabelecimento fura chamado a exercer e que capitalizara os benefícios da experiência adquirida.
Em concordância com a moção da Assembleia, era este o segundo resultado do aviso prévio.

5. De então para cá, o Governo, ciente das suas responsabilidades, não descurou a observação do funcionamento do Hospital e não se desinteressou da tarefa que era preciso levar a cabo de promover o gradual aproveitamento da sua capacidade, à semelhança do que acontece nos outros países, em que os serviços abrem pouco a pouco, e não simultaneamente.
Sobre a forma como o Hospital se tem desempenhado da sua missão depõem os números relativos ao seu movimento, tanto no internato como na consulta externa, e o nível alcançado pelos serviços, em tudo comparável ao dos estabelecimentos que têm atrás de si uma longa tradição. O juízo favorável dos doentes, que, elogiam o tratamento recebido, a higiene e a ordem existentes têm valor definitivo.
A obra realizada e em curso traduz, quanto à sua orientação superior, a firmeza com que o Governo se empenha em corresponder à confiança que a Assembleia lhe delegou.

6. Para o ilustre Depurado, a grande culpa do Governo reside em não ter aceitado o seu alvitre de «criação de uma entidade autónoma temporária, directamente dependente da Presidência do Conselho» e «constituída por um conjunto de técnicos do diversos campos, de forma a poderem orientar e resolver de novo os problemas que o Hospital-Faculdade levantou, desde a organização até aos orçamentos, pesando pelas construções».
A ideia está enterrada - diz com melancolia -, profunda o definitivamente enterrada.
É certo que se tratava do uma sugestão que tinha incontestavelmente a virtude da originalidade, porque nada de semelhante existe em país algum. Mas isso não bastava para se tentar a experiência.
Não obstante a magnitude do Hospital, foi impossível reconhecer a necessidade de criar um regime especialíssimo que o desintegrasse, bem como os seus problemas, da dependência dos Ministros directamente responsáveis. Apesar de tudo, há nos serviços públicos estruturas mais volumosas e até mais complexas do que a do Hospital, e nem por isso se julga indicado sujeitá-las à tutela de entidades autónomas e temporárias que afluam u Presidência do Conselho, emancipando os assuntos dos seus quadros naturais e afogando em expediente o órgão da superior direcção e coordenação da política, nacional.
Preferiu-se dotar o Hospital com uma orgânica própria, correctamente enquadrado, e com uma sólida articulação de serviços, que realizasse a conjunção do labor administrativo e da actividade clínica.

7. Definidos os pontos de importância capital, resta esclarecer ou rectificar um sem número de asserções feitas pelo Sr. Deputado Cid dos Santos, num balanço de resultados cujo saldo lhe parece francamente negativo.
Começa pelos órgãos de direcção, que se lhe afiguram realizações deficientes e inviáveis.
«A direcção clínica e ao conselho técnico - disse o ilustre Deputado - não foram atribuídas, apesar da minha insistência, quaisquer funções específicas transitórias que lhes permitissem resolver todos os problemas do Hospital que se encontrassem nas esferas da sua competência».
Quanto ao director dos serviços clínicos, os seus poderes, definitivos, e não transitórios, são os correspondentes à função que se lhe confia. Mas o Sr. Deputado refere o facto de uma ordem de serviço, elaborada por ele próprio como director dos serviços de cirurgia e homologada pelo director clinico, ter sido mandada arquivar por despacho ministerial.
Este facto isolado, que o levou a concluir que «a direcção clínica não era propriamente uma direcção», está longe de provar o que se pretende.
No documento em referência determina-se o seguinte:

1.º As ordens ou decisões que digam respeito à organização e funcionamento dos serviços clínicos só poderão ser emitidas pela direcção clínica e nenhuma ordem ou decisão de carácter administrativo respeitantes a estes mesmos serviços deverá emanar da administração do Hospital sem o conhecimento prévio e a aquiescência da direcção clínica sempre que a matéria dessas decisões possa interferir com funcionamento dos serviços clínicos;

2.º A partir de agora, toda e qualquer obra ou alteração material no bloco cirúrgico, banco, consulta externa, grupo da cirurgia (exceptuando as que estão incorporadas nos próprios serviços), anestesiologia e cirurgia experimental só poderão ser mandadas executar quando o pedido tenha sido da iniciativa da direcção dos serviços cirúrgicos ou tenha obtido a aquiescência desta.

O incidente explica-se pela falta de noção do que seja uma ordem de serviço e do seu poder determinativo, que só se exerce em relação a entidades subordinadas a pessoa que omite a ordem.
A direcção dos serviços clínicos só dirige manifestamente os serviços clínicos. Não dirige a administração e os serviços administrativos. E, contudo, era a administração que a referida ordem de serviço se dirigia, para lhe proibir que, sobre certos assuntos, tomasse decisões sem a sua iniciativa ou conhecimento prévio e provia aquiescência. Isto é: a direcção clínica pretendia dar ordens à administração do Hospital, com intolerável inversão do funções e subversão da hierarquia.
«Mas são outros», como se marcou no despacho ministerial publicado em anexo ao discurso, «os princípios consignados na nossa legislação e integrados nos nossos costumes».
E foi com estes princípios que, na sequência do funcionamento do Hospital, se conseguiu estabelecer e manter entre a administração e a direcção clínica uma colaboração activa e fecunda.

8. Também no caso do conselho técnico são formulados reparos no aspecto da eficiência, apontando-se dificuldades que surgiram no período inicial da vida hospitalar.
É possível que o conselho se houvesse perdido em discussões estéreis e fora do âmbito da sua competência,

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mas, se isso aconteceu, as culpas pertenceram aos homens que participaram nos trabalhos e não ao sistema, que noutros estabelecimentos vem funcionando com produtividade apreciável.
Anote-se não ser exacto que o conselho não haja reunido depois de Junho de 1955. Precisamente onze dias antes da intervenção parlamentar, o conselho reunia, facto de que o ilustre Deputado teve conhecimento, porquanto se informara de alguns assuntos nele tratados e solicitara até a consulta da respectiva acta.
De resto, é ao director dos serviços clínicos, presidente do conselho técnico, que compete convocá-lo, e se o tem feito poucas vezes é porque terá considerado possível resolver os problemas com os responsáveis pelos diferentes serviços.

9. A comissão especial criada pela portaria de 31 de Março de 1955, destinada a estudar os quadros, os métodos de recrutamento, os direitos e obrigações do pessoal técnico e de enfermagem, também mereceu reparos, que vão desde a sua constituição até ao tacto de não se ter desempenhado do seu mandato.
A exoneração do Sr. Prof. Cid dos Santos, que dela fazia parte, e o afastamento de três outros membros, dois por motivo de terem atingido o limite de idade e um por ter deixado de exercer ai funções do enfermeiro-mor, deviam ler concorrido para que não tivesse chegado ao termo do seu trabalho.
É de esperar, pois que, feita a substituição desses membros, a comissão retome a sua actividade e conclua o estudo que lhe foi confiado.

10. O Sr. Deputado Cid dos Santos lamentou ainda que não se encontrassem fixadas por forma expressa as inerência? das funções docentes com as de directores dos serviços hospitalares correspondentes, embora reconheça depreender-se o princípio do contexto do Decreto-Lei n.º 40 398. Assim é de facto.
Nem por isso deixou de apontar o absurdo de um professor de clinica poder exercer as suas funções sem dispor de serviços hospitalares próprios.
Este absurdo, que não se verificará no Hospital de Santa Maria quando entrarem em funcionamento os serviços previstos, já se verificou, sem que suscitasse indignação, no antigo Hospital Escolar de Santa Marta, em que os professores de Medicina Operatória e de Propedêutica Cirúrgica não tinham serviços próprios.
O caso não é inédito lá fora. Asseguram-nos que o Prof. Lerich, da Faculdade de Medicina de Paris, honra e glória da medicina do seu pais, não dispunha de serviço próprio em qualquer dos hospitais daquela cidade, mas o Prof. Cid dos Santos, que se honra do haver trabalhado com o insigne mestre, está a este respeito melhor informado.

11. As obras levadas a efeito o em curso no Hospital de Santa Maria não se desenvolvem na alegada «confusão extrema por faltar uma coordenação e orientação inteligente de todo o conjunto».
A alegação ó de uma injustiça flagrante e não teria sido produzida se o seu autor se houvesse dado ao trabalho de solicitar para consulta o plano de conjunto das obras e o circunstanciado relatório que elaborou a Comissão o Administrativa dos Novos Edifícios Universitários, relatório sobre o qual recaiu um claro e meticuloso despacho de S. Ex.a o Ministro das Obras Públicas, em que se fixaram as directrizes de execução e se estabeleceram as precedências, assunto que, em sucessivas conferências do titular daquela pasta com os Ministros ido Interior e da Educação Nacional, foi ainda objecto de exame, para o efeito de se definirem as linhas gerais de orientação.
essas obras, como é óbvio, visaram a suprir lacunas e a assegurar a melhor articulação dos serviços, não se percebendo por isso as referências feitas.

12. Para justificar o epíteto de confusão, foram referidos determinado: casos de mudança ou de instalação de serviços que vieram a assumir na actividade do Hospital importância não prevista ou ainda de outro que tiveram de ser transferidos no interesse da sua melhor articulação e eficiência. Isto nada tem de estranho e repetir-se-á se, surgirem novas necessidades, a não ser que tenha de renunciar-se a completar e a aperfeiçoar os serviços existentes.

13. O exemplo do pavilhão de triagem não parece feliz.
Na realidade, carece de fundamento a arguição de que o plano para esse pavilhão obedeceu às, indicações dadas pelo administrador para o Hospital do Porto e que nenhuma entidade clínica do Hospital de Santa Maria sobre ele se pronunciou.
O projecto elaborado para o Hospital de S. João, do Porto, foi apreciado e aprovado pela sua comissão instaladora, de que fazem parte dois professores de Medicina.
Esse plano, como o administrador do Hospital de Santa Maria teve ocasião de esclarecer o Sr. Deputado Cid dos Santos, encontrava-se então em poder da Comissão Administrativa dos Novos Edifícios Universitários, que só pelo seu ofício n.º 853, de l9 de Março, o enviou ao Hospital de Santa Maria, a fim de este informar se a solução encontrado no Porto satisfaria para Lisboa.
A administração não deixará de ouvir, como é seu dever e hábito, as entidades especialmente qualificadas para emitir parecer sobre o assunto, o que não podia fazer sem que lhe tivesse sido cometido o encargo de prestar a sua informação.

14. As projectadas mudanças dos laboratórios centrais dispensam larga justificação, pois que visam a sua junção num único andar, em vez de os manter dispersos, como presentemente acontece, por três.

15. As soluções encontradas para o serviço de sangue, para o Centro de Estudos Egas Moniz e para os serviços administrativos foram cuidadosamente estudadas e acolhidas com entusiasmo pelos directamente interessados ou ligados aos respectivos serviços.

16. O Sr. Deputado Cid dos Santos, que se mostra particularmente interessado pelo ensino de enfermagem, parece não estar de acordo com o facto de se haver arrendado um prédio para nele se instalar a Escola, e o Lar das Alunas até à construção do edifício próprio.
Não se percebe a censura por parte de quem se queixa de o Hospital ter em funcionamento apenas 40 por cento da sua lotação, para o que tem concorrido, entre outras causas, a falta de enfermeiras.
Se a administração se dispôs a tão grande sacrifício, foi por entender que a importância despendida seria largamente compensada com a possibilidade de no próximo ano lectivo, a Escola poder funcionar, antecipando assim de alguns anos a formação de pessoal de enfermagem.
Ao contrário do que se depreende das suas palavras, a Escola já foi criada e dentro de poucos meses entrará em funcionamento.
Note-se que o problema da falta de enfermagem em número suficiente não é específico do Hospital de Santa Maria, nem dos hospitais portugueses, pois respeita aos de todo o Mundo.

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Não parece que u nível técnico do serviço de enfermagem do Hospital de Santa Maria seja inferior ao de qualquer outro. Antes, pelo contrário, tem melhorado de ano para ano. Além do testemunho insuspeito dos diferentes directores de serviço, que não se causam de exaltar a qualidade dos serviços prestados pelo pessoal de enfermagem, há facto bem expressivo de a maioria das escolas de enfermagem eleger o Hospital de Santa Maria como estabelecimento próprio para a preparação escolar e pós-escolar das suas alunas. Por outro lado, são numerosas as enfermeiras de várias nacionalidades que se propõem estagiar neste Hospital, integradas nos seus quadros de enfermagem, estando neste momento pendentes pedidos de admissão de enfermeiras de Espanha, Inglaterra, Holanda e Bolívia. Uma enfermeira dinamarquesa, que há pouco terminou o estágio, que fora autorizado por um ano, pretende ainda a sua prorrogação.

17. «Dos arquivos centrais -disse o orador- é melhor não falar».
Não tendo visitado estes arquivos, não pode ter conhecimento directo da forma como funcionam. A sua eficiência depende, em grande parte, de os servidos lhes remeterem oportuna e regularmente as histórias clínicas e mais documentação dos doentes que lhes respeitam. Ora, sabe-se ser pensamento do Prof. Cid dos Santos que toda aquela documentação clínica deverá permanecer no respectivo serviço durante toda a vida activa do professor que o dirige, reduzindo-se o arquivo clínico central a armazém de papéis de mero interesse histórico. E a verdade é que, de acordo com este critério, a clínica cirúrgica não remeteu até agora nem um só dos seus processos ao arquivo central, com prejuízo manifesto dos doentes que, chegados de urgência, não poderão beneficiar dos elementos de observação que já constem do seu processo por este se encontrar fechado no arquivo privativo do director.

18. O banco não entrou ainda em funcionamento nem poderia entrar, pelo menos em condições satisfatórias, sem o apoio das clínicas gerais e de especialidades necessárias ao escoamento dos doentes que no serviço de urgência fossem classificados como carecendo de internamento.

19. Esgotado o lema das obras e outros com elas mais ou menos directamente relacionados, inteirou-se a Câmara de vários problemas de organização e funcionamento do Hospital. Também nessa matéria há que introduzir correcções e prestar esclarecimentos.
Antes de mais nada, formula-se a queixa de não existir «orçamento privativo provisório».
Ora, se o Hospital de Santa Maria não tem «orçamento privativo provisório», de tipo rígido e duração indeterminada, cuja existência seria coisa extravagente, tem melhor do que isso. Tem, para cada exercício anual, o seu orçamento, que é privativo, mas não é provisório, regularmente aprovado pelos Ministérios do Interior e das Finanças.

20. O problema da coordenação da previdência com os serviços hospitalares, a que também se aludiu, transcende o Hospital de Santa Maria, a sua administração e o próprio Ministério de que depende.
A solução terá de advir de um ajustamento que se diligencia obter através do trabalho de uma comissão mista de representantes da previdência e da assistência e a qual foi incumbido estudar a forma de cooperação.
A comissão já elaborou as bases de um acordo para o internamento de beneficiários nos serviços hospitalares de cirurgia geral, acordo este que, de harmonia com as possibilidades e os resultados da experiência, poderá vir a tornar-se extensivo a outras modalidades e assistência hospitalar.

21. Quanto à falta de «regulamento da organização clinica», não deve tratar-se de omissão tão grave como à primeira vista poderá parecer, porquanto existem e estão em vigor regulamentos de vários serviços clínicos (radiologia, anestesia, agentes físicos e análises clínicas).
O antigo Hospital Escolar de Santa Marta, sob a orientação directa da Faculdade de Medicina, viveu mais de quarenta anos sem esse regulamento. Viveu e morreu.
O mesmo acontece em muitos outros hospitais, que não têm de aguardar, como o Hospital de Santa Maria, o pleno desenvolvimento da sua actividade e o encadeamento lógico de todos os serviços para então se aprovar o regulamento geral.

22. Afirmou-se no discurso que, à tarde e à noite, o Hospital fica «abandonado» e «sem nada estar previsto para uma situação aguda que exija cuidados especiais ou intervenção cirúrgica».
Ora, além de médicos de diferentes serviços, escalados para assistência nocturna, o Hospital mantém um posto permanente de médicos policlínicos e para as intervenções especializadas a que se aludiu existe um serviço permanente de transportes que, a qualquer hora, conduz os doentes ao serviço adequado.
E o sistema que se observa em todos os hospitais de Lisboa, com excepção do de S. José e D. Estefânia, e ainda em todas as grandes cidades que vivem no regime de banco central único.

23. O Sr. Deputado Cid dos Santos insurge-se contra o disposto no artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 40 398, que faculta ao Ministro do Interior o provimento dos lugares de directores e chefes de serviço «de entre indivíduos de reconhecido mérito e capacidade para exercício das respectivas funções», acrescentando que «tais serviços poderão ser dirigidos por homens cujo modo de recrutamento deveria ser semelhante ao dos Hospitais Civis de Lisboa».
Basta ler o artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 28 794, de l de Julho de 1938, em que, quanto aos Hospitais Civis, se estabelece que «o provimento dos lugares de directores de serviços será feito pelo Ministro do Interior sobre proposta do enfermeiro-mor, sendo considerados como motivos de preferência os trabalhos profissionais e o seu interesse pelo serviço hospitalar», para se verificar a semelhança dos dois critérios: o que vigora nos Hospitais Civis e o estabelecido para o Hospital de Santa Maria.

24. Quanto aos outros lugares, também entendemos que os concursos são a forma que oferece menos «riscos» e a mais idónea para estruturar a carreira médica e seleccionar a admissão do pessoal. Tanto assim que já foram abertos trinta e sete concursos de admissão, dos quais doze para médicos, como é do conhecimento geral. De harmonia com esta orientação, foi publicado em 23 de Dezembro de 1954 o edital relativo h abertura do concurso para internos graduados de cirurgia e nomeado o respectivo júri, sob a presidência do Sr. Prof. Cid dos Santos. Se o concurso se não realizou, a culpa cabe, em primeiro lugar, ao referido professor, que inexplicavelmente tem o processo parado nas suas mãos desde 20 de Fevereiro do ano findo.
Não se compreende que o ilustre Deputado venha afirmar que «quanto ao internato, base fundamental de todas as carreiras, encontra-se o Hospital de Santa

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Maria sem estatuto e articulação com o internato dos Hospitais Civis», quando era do seu perfeito conhecimento e consta do referido processo (ofício n.º 2172, de 2 de Fevereiro de 1956) que, até à publicação do regulamento privativo, era aplicável ao regulamento dos concursos e ao próprio internato o disposto para os Hospitais Civis.
Os júris dos primeiros concursos forniu mesmo constituídos por professores da Faculdade de Medicina e médicos dos Hospitais Civis.
O internato do Hospital Escolar de Santa Marta, criado pelo regulamento aprovado pelo Decreto n.º 12624, de 9 de Novembro de 1926, é que «nunca foi posto a funcionar», como expressamente se reconheceu no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 33 033, de 10 de Setembro de 1943.
Logo que a comissão para este efeito nomeada conclua o estudo que lhe foi cometido, encarar-se-á a fusão de todos os internatos médicos dos Hospitais Centrais de Lisboa num único sistema.
Quanto a dizer-se que o internato se encontrava «até há dois dias sem quadros estabelecidos», não é isso exacto.
Num hospital era crescimento os quadros são revistos todos os anos, conforme as necessidades dos serviços. O quadro dos médicos internos em vigor em 1956 foi publicado em 28 de Abril daquele ano; o do ano corrente foi-o em 14 de Março findo.

25. Asseverou o Sr. Deputado Cid dos Santos quo o «rendimento dos serviços clínicos do Hospital de Santa Maria s inferior ao do Hospital de Santa Marta, como não pode deixar de ser».
Não se justifica o asserto.
Em 1953, último ano em que funcionou no máximo da lotação, com uma média de 546 camas ocupadas, o Hospital de Santa Marta tratou 5302 doentes em regime de internato e 16 872 em consulta externa, ou seja o total de 22 724 doentes.
Em 1956 o Hospital de Santa Maria, nas 520 camas que, em média, estiveram ocupadas, tratou 5414 doentes por internamento e 25 190 em regime de consulta externa, o que correspondo a 30 604, isto é, mais 7880 doentes de que os tratados em igual período de tempo em Santa Marta.
Se no internamento a diferença é proporcional ao número de camas em serviço, já nu externato, embora o Hospital de Santa Maria e encontrasse desfalcado das consultas que no ano de 1936 se conservaram em Santa Marta, o acréscimo foi extraordinário.
Só tivermos em consideração a preferência que em toda a parte está a ser dada à assistência ambulatória, poderemos concluir que, mesmo na fase de instalação, foi largo o contributo do Hospital de Santa Maria para a melhoria da assistência hospitalar.
Por outro lado a percentagem de ocupação de camas utilizáveis, isto é, o rendimento das camas existentes nos serviços de internamento, melhora progressivamente, como resulta da percentagem de ocupação relativa aos últimos meses: 88,5 em Dezembro de 1956; 89 e 91,1, respectivamente, em Janeiro e Fevereiro do corrente ano.

26. Reconhece-se, no entanto, que nem todos os serviços dão o rendimento que poderiam dar, atentas as suas instalações, pessoal de que dispõem a sua categoria profissional.
É o caso da clínica cirúrgico. Os médicos nacionais e estrangeiros que a visitaram consideraram modelares as suas instalações e equipamento e a organização dos seus serviços, tendo o seu ilustre director sido justa-
mente felicitado por dispor de um serviço reputado dos melhores do Mundo.
A dotação do pessoal é ampla e generosa. A clínica cirúrgica para 55 doentes internados dispõe de 23 médicos, dos quais 41 voluntários, de 22 enfermeiras e de 20 auxiliares diversos, no total de 65 pessoas; isto sem contar com a capitação que cabe aos referidos doentes no pessoal dos serviços gerais (laboratórios, radiologia, agentes físicos, secretaria, cozinha, lavadaria, etc.), pois, a tê-la em consideração, atingir-se-ia uma densidade de pessoal que dificilmente seria excedida em qualquer outro hospital.
Entretanto, o rendimento está longe de corresponder à magnificência das instalações, à riqueza & variedade de equipamento e à despesa com o pessoal.
Basta ter em conta, não só o que só verifica nos serviços de cirurgia doa Hospitais Civis, mas ainda nos próprios serviços similares do Hospital de Santa Maria.
No ano de 1956, a d em ura média, em dias, dos doentes com alta foi de 43,2 em clínica, cirúrgica, de 35,6 em patologia cirúrgica serviço geral paralelo ao de clínica - e de 19,4 na especialidade de ginecologia.
Se, em vez dos doentes com alta, compararmos o que se passa, com o total de doentes internados, a situarão será ainda mais impressionante, porquanto aos 55,3 dias de demora média em clínica cirúrgica correspondem 33 em patologia, cirúrgica e 20,1 em ginecologia.
Quanto à taxa de mortalidade, exprime-se por estes números: por cada cem doentes internados nos referidos serviços morrem 0,6 em ginecologia, 1,6 em patologia cirúrgica e 4,1 em clínica cirúrgica.

27. O Governo, reconhecendo a existência de erros de pormenor a corrigir e de lacunas a preencher, tem procurado reduzi-los ao mínimo, o que espera conseguir pela realização das obras já estudadas, pelo alargamento, já previsto para o corrente ano da área utilizada e ainda pela ampliação dos serviços.
Onde se diz haver confusão impera a ordem e o bem-estar, que impressionam, não só os doentes, como todos os que tomam contacto com o Hospital.
O pessimismo que a intervenção traduz não é partilhado pelos outros directores de serviço, pelo director e professores da Faculdade, de Medicina de Coimbra, que ainda há pouco visitaram o Hospital e se inteiraram do seu funcionamento, nem tão-pouco corresponde à opinião dos médicos e administradores estrangeiros que nos visitaram e não esconderam a sua admiração pela grandeza e perfeição da obra realizada.
Recorde-se o que disse Maranon. Lembre-se o depoimento do Prof. Doutor Leonídio Ribeiro, que, depois de passar três meses na Europa, a fim de conhecer de perto os seus hospitais mais modernos, e entre estes os de Zurique e de Estocolmo, conclui por dizer expressamente: «Portugal pode orgulhar-se de possuir hoje uma das mais perfeitas instituições hospitalares da Europa e do Mundo».
A bem da Nação.

Lisboa, 3 de Abril de 1907. - O Ministro do Interior, Joaquim Trigo de Negreiros.

O Sr. Presidente: - Os esclarecimentos que acabam de ser lidos à Assembleia vão ser publicados no Diário das Sessões.

O Sr. Cid dos Santos: - Sr. Presidente: peço a palavra, para explicações.

O Sr. Presidente: - V. Ex.a deseja comentar os esclarecimentos do Sr. Ministro?

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O Sr. Cid dos Santos: - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Na altura própria darei a palavra a V. Ex.a

O Sr. Cid dos Santos: - Muito obrigado a V. Ex.a

O Sr. Cortês Pinto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa a seguinte

Requerimento

«Desejando ser esclarecido sobre problemas relacionados com a exposição feita à Assembleia Nacional pelos regantes e beneficiários do vale do Lis e com a proposta de lei n.º 46, sobre o regime jurídico das obras de fomento hidroagricola, tenho a honra de requerer a V. Ex.a que me seja fornecido o relatório da campanha de regas da obra do Lis em 1955 apresentado à Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos pelo engenheiro agrónomo residente».

O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: a lavoura algarvia tem nos frutos secos a sua melhor riqueza. A terra é pobre e, com excepção das pequenas manchas litorais e zonas de regadio, semeia-se por vício e para subsistir. Não se fazem contas. Se o homem da serra algarvia fizesse as contas à semente e ao adubo que emprega e ao esforço que gasta para fazer dar à esquelética terra da serra o pão que come com tanto gosto, por ser regado com o suor do seu rosto em terras que lhe legaram os seus, saberia, no dizer dos entendidos, que o valor de cada quilograma de trigo não andaria longo dos 10$.
A economia nacional tem coutado com a sua produção de frutos secos, quer para acudir a problemas alimentares da população e dos animais, quer como substancial fonte de divisas resultantes da sua exportação.
Estamos indiscutivelmente na presença de uma produção que devemos defender e valorizar.
Em primeiro lugar deve-se estabelecer a disciplina preconizada nos decretos regulamentares publicados para esta actividade pelo nosso ilustre e estimado colega engenheiro Sebastião Ramires, quando Ministro do Comércio, Indústria e Agricultura, que obriga n lavoura a seleccionar as qualidades, a defender as árvores e os frutos contra as doenças, e os comerciantes exportadores a cuidar da sua apresentação e adequada embalagem, som o que não é possível estimular o seu consumo no mercado interno nem defender-nos da concorrência estrangeira, que assume aspectos cada vez mais perturbadores e ainda não medidos convenientemente.
A disciplina deve atingir o mercado de preços, de molde a pagar à lavoura o justo preço, condicionado pelas contingências dos mercados externos e das colheitas, pondo-se cobro às transacções a preços de palpite, jogo em que a própria lavoura se vê enleada por força das circunstâncias e do qual não tira, no fundo, qualquer benefício.
Na última campanha agrícola foi baixo o nível de produção dos frutos secos e, de uma maneira geral, a sua exportação, que atingiu 99:393.513$90, contra 153:419.266$60 em 1955.
O figo é, dos frutos secos, aquele que carece dos maiores cuidados do produtor e do comerciante, pelo mais limitado tempo de conservação.
Esta dificuldade resolvia-se correntemente pela sua destilação quando a exportação não absorvia a produção.
A Portaria n.º 14 354. de 1953. tornando extensivo a todo o País o disposto no n.º 11.º da Portaria n.º 10 174, de 1942, submeteu também o Algarve ao
regime de restrições de trânsito e venda da aguardente de figo, o que se reflectiu imediatamente no seu fabrico regional, com prejuízo para os proprietários de muitas dezenas de caldeiras de destilação e até para o emprego fácil da massa de figo destilado na alimentação do gado vacum e suíno, o que é de considerar numa região deficitária em forragens.
Deslocou-se, assim, a comercialização do figo da caldeira para um número limitado de industriais e para uma determinada região -a de Torres Novas-, devidamente apetrechada paru grandes destilações, prevendo-se desde logo que este privilégio seria prejudicial a economia do Algarve.
Não se evocaram então para o caso razões de ordem técnica ou económica, mas de ordem fiscalizadora, para evitar desvios da aguardente de figo para fins ilegais.
O meio escolhido parece não ser o que se ajusta melhor ao argumento apresentado.
Porém, os industriais em regime de privilégio não tinham até agora levantado problemas de maior quanto à colocação do figo industrial.
No ano de 1955 houve uma dificuldade de colocação para um saldo de 750 t, que acabou por ser resolvida pela Junta Nacional do Vinho, em resultado de diligências feitas pelo Grémio de Exportadores de Frutas e Produtos Hortícolas do Algarve.
Para a produção de 195G o caso apresenta-se com certa gravidade, visto que se encontram sem colocação e em risco de se perderem cerca de 3000 t de figo industrial, que, em virtude das medidas restritivas impostas pela Portaria n.º 14 354, só podem ser absorvidas pelos industriais de Torres Novas, que o não fazem certamente por qualquer impossibilidade funcional ou conveniência comercial, visto que não há obrigatoriedade legal para o fazer. Criou-se um privilégio, sem as subsequentes obrigações.

O Sr. Carlos Mendes: - Devo dizer a V. Ex.ª que a indústria de Torres Novas recebeu todo o figo, e até a massa do figo, que foi recusado pela América. Pena foi que o Algarve tivesse perdido os mercados de figo comestível.

O Orador: - O problema que estou a pôr é o da necessidade de dar saída ao figo industrial que se encontra presentemente no Algarve sem colocação, e muito folgo que a indústria de Torres Novas preste toda a sua possível colaboração no sentido de se conseguir a solução conveniente deste assunto; quanto à perda de mercados para o figo comestível, o Algarve tem as suas culpas, mas há outras que não lhe podem ser imputadas.
Colocado o problema no plano que interessa à economia do Algarve, hoje tocando a comerciantes, que detém o produto, amanhã à lavoura, que terá de sofrer as consequências do insucesso, solicito ao Sr. Ministro da Economia, em nome dos interesses algarvios em causa, que mande estudar o problema e facilite uma solução que esteja conforme os acontecimentos e as possibilidades dos sectores onde o problema se enquadra, numa acção de solidariedade económica que a ética corporativa recomenda, para a qual não pode contribuir a iniciativa regional em razão das limitações impostas pela Portaria n.º 14 354 e falta de mercado externo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cid dos Santos: - Sr. Presidente: agradeço a V. Ex.a o ter-me dado a palavra com tanta facilidade.

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Ouvi com toda a atenção o documento que mós foi lido tão claramente pelo Sr. Deputado Paulo Rodrigues e não perdi uma palavra. Isso permite-me responder neste instante, pois entendo que os meus dois últimos discursos aqui pronunciados constituem uma resposta suficiente a todo o conjunto desse documento, não necessitando, portanto, de fornecer qualquer esclarecimento particular.
Em relação às afirmações aí contidas, terei apenas de fornecer três pequenos esclarecimentos, que são duma importância secundária.
Assim, foi dito no citado documento que não tinha referido aqui a reunião do conselho técnico, tendo declarado que o mesmo não se reunira nestes dois últimos anus. Assim foi. Efectivamente, eu linha conhecimento, como é natural, de que esse conselho técnico se havia reunido. Simplesmente, ele reuniu-se, após o seu ano e meio de silêncio, exactamente cinco dias depois da minha intervenção parlamentar do mês passado, na qual anunciava a crítica final da questão o aviso prévio sobre o Hospital-Faculdade de Lisboa. Foi propositadamente que não me referi a esta reunião isolada do conselho técnico. Entendi, por simples delicadeza, que era preferível ignorar uma reunião que, dadas as circunstâncias em que se realizou, tinha um significado que me pareceu transparente.
Em segundo lugar fala-se nesse documento, a propósito de professores sem serviço, que o professor Leriche tinha estado em Paris sem serviço. Ora, o mesmo professor teve de escolher entre continuar professor de Cirurgia de Estrasburgo, com serviço, ou um Paris, no Colégio de França, sem serviço.
O Colégio de França nada tem que ver com as Faculdades de Medicina. Existe lá uma cadeira de Medicina Experimental, que foi outrora ocupada por Claude Bernard e Nicolle. A regência dessa cadeira constitui uma grande honra, mas nada tem que ver com o ensino da cirurgia. Mas as cadeiras de Clínica Cirúrgica têm os seus serviços inerentes.
Se Leriche fosse da Faculdade de Paris, poderia continuar a reger o seu curso e a dirigir o seu serviço ao mesmo tempo que leccionava no Colégio de França. Mas, estando numa Faculdade de província, não lhe era possível acumular as duas funções, a não ser que se dispusesse a passar a vida num comboio. O Sr. Ministro confundiu as coisas por falta de informação correcta e esqueceu-se da que já um. dia lhe forneci sobre este assunto.
Nesse documento diz-se também que o júri para o concurso ne internos graduados, de que eu era presidente, tinha protelado até hoje esse concurso. Efectivamente, assim foi. Quando reuni o júri pela primeira vez verifiquei que não tinha os elementos necessários para fazer o julgamento - porque não sabia quais eram as condições do concurso e não existiam estatutos nem quadro. Foi fornecida apenas a indicação de que o regulamento do concurso seria o dos Hospitais Civis de Lisboa e que o quadro sairia daí a dias.
Recusei-me a prosseguir sem que a situação se aclarasse. Ora só agora, passado um ano, esse quadro foi publicado. Por isso só neste momento o júri se encontra em condições de prosseguir na sua missão.
Estes são os três pontos que me merecem resposta. Quanto aos outros, repito, entendo que os meus dois últimos discursos são resposta justificada e suficientemente clara para que não valha a pena repeti-la aqui. Aguardo, todavia, a publicação do documento para decidir definitivamente, após a sua leitura, sobre o que devo fazer.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa acerca do problema económico português.
Tem a palavra o Sr. Deputado Melo Machado.

O Sr. Melo Machado:-Sr. Presidente: todos ouvimos com a melhor atenção e o melhor interesse a douta exposição que o nosso ilustre colega engenheiro Daniel Barbosa acaba de me fazer, com o talento, a autoridade e a extraordinária comunicabilidade da sua irradiante simpatia.
Tão vasta é a sua brilhantíssima exposição que não seria nem possível nem conveniente que cada um de nós a abarcasse no seu conjunto, antes me parecendo que deve cada qual focar os aspectos mais apropriados aos seus conhecimentos, à sua formação e às naturais inclinações do seu espírito.
Todos untamos de acordo com os .seu* anseios de progresso da nossa economia no sentido de a fazermos sair daquela zona em que a inscrevem as estatísticas da O. E. C. E., encaminhando-a num sentido de progresso seguro e constante, enquadrado, aliás, esse progresso no desenvolvimento total do País, considerando-o na sua bela expressão de unidade continental e ultramarina.
Seria injustiça não reconhecer que outro não tem sido o pensamento do Governo e que nesse sentido se têm movido os seus esforços e a sua devotada actuação. É natural que possa haver divergências de critério, podemos porventura ler ideias nossas sobre os processos a seguir para consecução dum objectivo comum: e expô-las constitui um dever de consciência», e inadmissível seria que quem tenha os conhecimentos, as faculdades e até as responsabilidades do autor do aviso prévio os não pusesse ao serviço deita causa, que é de todos.
Julgo-me, pois, como Deputado, no dever de agradecer ao nosso ilustre colega Daniel Barbosa a apresentação do seu brilhante trabalho, em que esta Assembleia se honrará colaborando com S. Ex.a e discutindo-o no elevado nível em que o colocou.
O ingente trabalho a que se entregou para a realização deste aviso prévio dá a nota segura da consciência com que desempenha as suas funções de Deputado, vincando bem que se não contenta em formular críticas para as apresentar ao Governo, mas que, com um esforço que é evidente e uma boa vontade tanto de louvar em quem tem tanto e bem em que ocupar o seu tempo, quis trazer a sua achega, o seu notável concurso, que se inspira, aliás, nas palavras de S. Ex.a o Presidente do Conselho, que todos devemos ter como norma da nossa conduta: «Todos não somos de mais para salvar Portugal».
Há quem se moleste e julgue perigoso fazer referências ao nosso nível de vida. As estatísticas da O. E. C. E. não são segredo de Estado; qualquer pode manejá-las e fazer o seu juízo, e julgo, por isso, que será melhor que nós próprios as interpretemos, lhes dêmos o verdadeiro sentido e ponhamos em evidência tudo o que se fez e continuará a fazer-se paru que a situação do País, para que o nível de vida da sua população, melhore tão depressa quanto possível.
A primeira coisa que salta à vista de quem observa as estatísticas é que o tal baixo nível de vida é uma constante da região mediterrânea: Espanha, Grécia e Turquia. Escapa um parte a Itália a essa constante, merco do extraordinário surto industrial do Norte deste

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país, mus é conhecido de todos que a sua parte sul se apresenta em situa-lo bem precária, levantando problemas extremamente complexos e de muito difícil solução. Ora nós não pertencemos propriamente à zona mediterrânea, mas não há dúvida de que ou somos influenciados por ela ou temos características afins.
Todos os que vivem da agricultura sabem que não é igual a situa-lo económica dos proprietários que dispõem de boas terras e a dos que têm propriedades menos favorecidas na sua localização.
No Ribatejo, por exemplo, não é igual a economia das que estão em terreno de aluvião, das que os nateiros do Tejo periodicamente enriquecem ou das de charneca; no Alentejo não há paridade entre as que estão nos bairros de Beja ou nas terras galegas, como no Norte entre as terras de regadio e as de sequeiro.
A nossa posição geográfica é, pois, neste sentido, um elemento adverso que condiciona manifestamente a nossa situação económica.
Todavia, nós podemos e devemos lutar por vencer essa adversidade resultante de condições naturais; foi isto que, com particular inteligência, fez n Suíça e é porventura, o seu exemplo que nos pode incitar e animar.
O baixo nível de vida não é obra da actual situação; herdou-o particularmente agravado, e não tem sido outro o objectivo do Governo senão lutar contra esse facto, procurar vencê-lo, criando ao País as condições indispensáveis para o conseguir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não esqueçamos, porém, que trinta anos na vida duma nação não são mais que um breve momento para a grandeza da tarefa, para a morosidade natural das reacções a conseguir, nem que boa parte desse tempo foi necessária para lançar os fundamentos da obra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Antes de referir os números, impressionantes na sua grandeza e nas suas possibilidades, dêmos para o grande público -o que não pode porventura demorar-se na sua contemplação e menos ainda na sua crítica - dois exemplos incisivos, claros, quase fotográficos, capazes de demonstrar uma melhoria evidente do nosso nível de vida.
Quero referir-me ao que se despende com o futebol e com as excursões.
É sabido que o desenvolvimento do interesse pelo jogo da bola e, consequentemente, pelos jornais desportivos é relativamente recente; é sabido que ainda lia muito poucos anos poucas eram as pessoas de condição modesta, sobretudo os camponeses, que se deslocavam das suas terras, sequer mesmo para tratarem dos seus negócios.
Dum trabalho apresentado ao Congresso da União Nacional pelo Sr. Dr. Afonso Marchueta extraímos os seguintes números:

Assistência ao jogo da bola

(ver tabela na imagem)

Jornais desportivos

(ver tabela na imagem)

Excursões

Não tenho, porque não existem, quaisquer números, que nos digam quantas excursões se fazem no País e para o estrangeiro e qual a sua expressão económica; é fácil, porém, verificar que hoje, graças à camionagem, por toda a parte, quase todas as terras, durante o Verão têm as suas excursões, sem coutar os grupos, aliás alguns tão pitorescos, que se quotizam paru as realizar, constituindo um movimento já importante, que tem valor económico e espiritual na medida em que interessa que todos conheçam bem a sua terra.
É evidente que há muitas outras demonstrações de melhoria de vida, mas estas, que suo supérfluas, tal como a frequência de cinema, demonstram melhor e que temos em vista.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.a considera que, de facto, a afluência ao futebol constitui um índice de melhoria de vida?

O Orador: - Eu considero que, quando se podem gastar 11 000 contos num ano no futebol, é porque o nível de vida não é mau.

O Sr. Pereira de Melo: -Cito a V. Ex.a um facto, concreto que prova o contrário: quando se realizou um jogo do passagem da II para a I Divisão, o grupo de Braga estava em crise e teve de ir a Aveiro disputar o jogo com o Torriense. Pois vieram centenas de automóveis e camionetas porque um pequeno grupo de aficionados ricos, e até autoridades públicas, puseram as bombas de gasolina da cidade à disposição de todas as pessoas que quisessem ir de Braga a Aveiro para assistir àquele desafio. Houve até dois comboios especiais, que também não foram pagos pelos viajantes. E assim esses milhares de pessoas viajaram gratuitamente.

O Orador: - Pois afirmo a V. Ex.a que isso que refere é que é excepção.
Um dos assuntos tratados no aviso prévio que estamos a discutir foi a alimentação na base das calorias indispensáveis. S. Ex.a o autor do aviso prévio consultou sobre o assunto o que têm escrito sobre a matéria todas as autoridades e não me atrevo, naturalmente, a contestar afirmações tão bem fundamentadas, tanto mais que desconheço o assunto completam eu te. Todavia, os factos também têm a sua força, e lembro, a propósito, que a dieta usada há muitos séculos nas nossas províncias do Minho, das Beiras e não sei também se na de Trás-os-Montes, que a nós, homens do Sul, nos parece tão fraca, não deixou de criar homens fortes, decididas, extraordinariamente resistentes. Penso, aliás, que a dieta do trabalhador da Estremadura ou do Alentejo não conviria ao da Beira ou do Minho.
Lembro-me de que no tempo da guerra os ingleses que nos visitavam apreciavam particularmente a nossa comida, esquecendo de boa vontade as calorias. Haverá,

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porventura, neste assunto excesso de técnica, que, como tantas vezes sucede, se não coaduna bem com as realidades.
Por outro lado, raríssima será hoje a casa onde só ganha o chefe da família, o que parece obviar às necessidades apontadas pelo ilustre Deputado avisante.

O Sr. Carlos Moreira: - Lembro-me de que o Sr. Engenheiro Daniel Barbosa se referiu à necessidade que uma família tem de conseguir determinada quantia para se poder manter, mas a verdade é que hoje raríssimas são as famílias que se mantém apenas com o que ganha o respectivo chefe. Estão empregados os filhos, e muitas vezes a própria mãe.
E essa será a razão por que, apesar de todas as dificuldades, não apresentam tipo de pessoas de alimentação deficiente.

O Sr. Amaral Neto: - Tem-se dito várias vezes quanto é desagradável terem as mulheres de sair de suas casas para ganhar alguma coisa, já que os proventos do marido são insuficientes.
Parece, portanto, que, apesar da relativa, melhoria da situação, esta continua a ser má.

O Orador: - E V. Ex.a está convencido de que alguma vez deixarão de o fazer?

O Sr. Pereira de Melo: - Isso depende, estou convencido, do desenvolvimento industrial.

O Orador: - Ora observe V. Ex.a os Estados Unidos, de que, quanto ao desenvolvimento industrial, nada há a dizer; veja o que é que se lá passa.
De resto, parece que a aparência da nossa população, mesmo o citadina, não nos confirma na convicção de estar geralmente subalimentada, pois não só não tem esse aspecto, como apresenta com extrema frequência indivíduos gordos, especialmente as mulheres, que, apesar das suas preocupações estéticas, não conseguem evitar essa tendência, que manifestamente se não coaduna com a subalimentação.
Energia.-Sabe-se que não há progresso de qualquer natureza em países civilizados, e muito menos nos que pretendem desenvolver a sua indústria, sem energia, sobretudo sem electricidade. Que se tem feito pois neste importantíssimo sector? Não tem o Governo regateado o dinheiro para este objectivo primacial e os planos de fomento o revelam:

(ver tabela na imagem)

e em breve serão 3000 milhões, quando entrarem em funcionamento as barragens de Paradela e do Picote.

O Sr. Carlos Moreira: - Seria interessante que V. Ex.a nos dissesse qual a distribuição dessa energia em relação ao total do País.

O Orador: - Não chega a toda a parte, bem sei! Mas não acha V. Ex.a simplesmente admirável que de 1928 a 1956 se tenha conseguido fazer tanto?!
E não há dúvida de que apesar disso se continuam a envidar todos os esforços para conseguir ainda mais.

O Sr. Pereira de Melo: - Seria interessante, saber como e quem faz o consumo desse acréscimo de energia e qual o preço por que está a ser pago - se é superior ou inferior ao que se pagava.
Posso dizer que, com a política dos escalões na distribuição de energia em baixa tensão para usos domésticos, o resultado foi que os consumidores dos 1.º e 2.º escalões, dada a fixação destes em elevados volumes -30 kWh e 12 kWh, respectivamente, salvo erro-. passaram a pagar mais, isto é, dos 1$80 e 2$ anteriores passaram para 2$40 actuais no 1.º escalão: quer dizer: a pequena economia doméstica passou a ser sobrecarregada, quando deveria ser beneficiada.

O Orador: - Desse modo teríamos de chegar à conclusão de que estamos pior do que estávamos.
Mas continuando:
Outra fonte de energia indispensável e por que hoje se batem os povos são os combustíveis líquidos - numa palavra, o petróleo.
Através dum financiamento que se previa do 743 000 contos e que atingiu 693 000 contos em 1956, alcançaram-se os seguintes resultados:

(ver tabela na imagem)

Foi assim que nos foi possível escapar à aguda crise, determinada pela questão do canal de Suez.
Adubos azotados. - As nossas terras, pobres de azoto, consumiam-no, embora em pequena quantidade em relação às suas necessidades, com largo dispêndio de divisas. O progresso da técnica agrícola cada vez intensifica mais o emprego de azotados. O Estado resolveu, pois, incitar a sua produção e promoveu e auxiliou o estabelecimento de duas unidades, cuja produção se condensa no seguinte quadro:

(ver tabela na imagem)

Espera-se alcançar a produção de 200 000 t de sulfato de amónio e 80 000 t de nitroamoniacais em boas condições de preço.
Produção de pasta de papel, cartão e cartolina. - Num país de importante produção florestal - que, graças ainda á acção do Governo, aumenta constantemente (464 000 contos no último Plano) - era possível e conveniente introduzir a indústria de pasta do papel, que absorveria os excedentes da produção florestal.

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Com um dispêndio, por parte do Plano de Fomento, de 63 000 contos pôs-se em funcionamento esta indústria, cujos resultados se podem avaliar através dos números seguintes:

(ver tabela na imagem)

Está igualmente em curso a indústria de siderurgia. Ela tem apaixonado a opinião por causa da sua localização, o que, aliás, foi trazido vivamente a esta Assembleia. O que interessa essencialmente é que possa ser montada com eficiência e utilidade para o País, e nisso se esforça o Governo, através do Ministério da Economia.
Reparem VV. Ex.as que estas três indústrias movimentam para cima de l milhão de contos, o que tem o seu significado social e pode explicar que de 1938 a 1955 o rendimento nacional tenha subido 53 por cento, a uma média de 3 por cento por ano, o que não é nada mau.
Que diríamos do aumento da nossa marinha mercante, da nossa frota de pesca, de tantas outras coisas que se têm feito e financiado, não certamente no sentido e empobrecer o Pais, mas de o enriquecer e desenvolver?
E não tivemos para cada um destes empreendimentos atitudes críticas e derrotistas?
Mesmo na agricultura, que tem de obviar à necessidade de abastecer a população, que cresce incessantemente (50 000 indivíduos em cada ano), temos de concordar que. realizou um esforço, inglório talvez para a sua própria economia, mas notável para a economia geral.

Vozes: - Muito bem!

(ver tabela na imagem)

O Orador: - O nosso ilustre colega autor do aviso prévio traçou-nos o quadro da economia agrícola com intensa verdade.
Essa situação é verdadeiramente dramática e requer cuidados constantes e aturada atenção dos governantes, a busca ansiosa de soluções urgentes.
O desenvolvimento industrial do Pais não se confina às indústrias-bases que o Governo tem impulsionado, antes por toda u parte têm surgido iniciativas que justificam e têm tornado possíveis as exposições industriais realizadas, com notável relevo, pela Associação Industrial Portuguesa.
Este desenvolvimento industrial é já sensível na falta de braços que provoca nas regiões agrícolas circundantes dos núcleos industrialmente mais evoluídos, o que nos forçará a pensar na mecanização agrícola, se não queremos ver agravada a sua situação económica, muito particularmente grave neste momento.
Creio que o surto industrial terá de ser balizado e orientado em termos de se não despedaçarem os bens nele empregados e de permitir uma concorrência indispensável e útil, tolhendo, porém, os exageros, que tudo deitam a perder.
O condicionamento, tal como o temos praticado, nunca foi da minha inteira simpatia, mas não posso deixar de referir-me à evidente utilidade do ordenamento e condicionamento, de que é exemplo notável o que foi imposto aos industriais de camionagem de passageiros, cujos resultados estão à vista: uma série de empresas, algumas de grande vulto, todas servindo com utilidade manifesta o País e todas prósperas, progredindo no aperfeiçoamento dos veículos que empregam.
A concorrência desregrada, por vezes estúpida e invejosa, nunca teria permitido este sucesso, com que afinal todos ganharam - os interessados e o público.
A base económica do País será ainda por muito tempo agrícola, e importa, por essa razão, não a deixar cair, em termos de pôr em perigo o próprio surto industrial que tentamos.

Vozes: - Apoiado!

O Orador: - Mas o esforço que estamos realizando aqui no continente e além nas províncias ultramarinas precisa de vingar, e para vingar carece de ser ordenado e apropriadamente dimensionado, multiplicando-se esses esforços constantemente e não se adormecendo precisamente quando se toca o sucesso.
Ao olhar-se o panorama político do Mundo não pode deixar de se observar que através da rádio e do cinema se dá uma interpenetração de ideias, de hábitos e de costumes, que conduz a uma lenta mas segura internacionalização, a qual. infelizmente, se faz no menos bom sentido. Têm-se assim perdido os trajos regionais, adultera-se o gosto pela música nacional, tomam-se os hábitos e atitudes que não são os mais correctos, antes descambam, como a música, para um primitivismo lamentável, para uma cadência de batuque, que não eleva, antes humilha. Parece isto inevitável, e as suas consequências ir-se-ão agravando à medida que a expansão dos meios niveladores se tornar maior.
Estaremos, pois, a caminho dum internacionalismo capaz, ao fim e ao cabo, de derrubar fronteiras e de exterminar nacionalidades?
Creio que não. Pudemos verificar agora que uma vintena de anos de dominação soviética -a mais despótica, a mais cruel, a mais amoral- não lograram extinguir, domar ou vencer o carácter das nações, o espírito de independência dos países subjugados, tal

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como entre nós sessenta anos de cativeiro não impediram a explosão gloriosa de 1640.
A três séculos de distância, as reacções dos povos que alguma vez gozaram o dom maravilhoso da independência não deixaram extinguir a chama viva dum patriotismo heróico, que tudo desafia e a tudo se sacrifica para resistir e sobreviver.
Estas considerações de natureza política pareceram-me necessárias quando, ao volvermos o nosso olhar para a defesa económica da Europa, deparamos com as complicadas congeminências do mercado comum.
O domínio de duas grandes nações, uma com mais de 120 milhões de habitantes, outra a caminho dos 200 milhões, constituindo cada uma de per si um mercado imenso que dimensiona em grande indústria, agricultura u comércio, põe à Europa dividida, retalhada, impondo dificuldades e rivalidades, fronteiras e direitos que estiolam ou mal deixam prosperar, através de vinte e sete territórios aduaneiros diferentes, empresas cuja dimensão é já uma condenação ao insucesso, um dilema que é velho como o Mundo e que se traduz no nosso espírito pelo apólogo das varas de vime.
Ou nos juntamos puni sermos fortes, para podermos lutar vitoriosamente, ou divididos sucumbiremos um a um perante interesses colossais que souberam e puderam organizar-se em dimensões que tal como estamos, não podemos atingir.
Este é o problema que preocupa neste momento as nações europeias, os seus governos, os seus economistas. Problema dum alto interesse, sem dúvida, mas portador em si mesmo também das maiores complicações e dificuldades, dificuldades económicas, como veremos, mas também, e não menos, dificuldades políticas.
Esta aspiração dos Estados Unidos da Europa vem de muito longe e não era porventura outra ideia a que prosseguiam Carlos Magno, Napoleão e o próprio Hitler, embora por outros processos, sob aspectos diferentes e sem a acuidade e o objectivo específico que agora tem.
Mais recentemente, a ideia apareceu na Sociedade das Nações, e desde então tem corrido sobre o assunto muita tinta, têm-se agitam as ideias, chegando-se mesmo a algumas realizações: a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e a Benelux.
Antes de avançarmos no estudo deste momentoso problema seria curioso saber-se se destes ensaios, chamemos-lhe assim, saiu alguma luz, se estas experiências se mostraram prometedoras.
A este respeito pudemos colher as seguintes informações:
Nos primeiros cinco, meses de l956, nos três países que constituem a Benelux, manifestou-se uma acentuada prosperidade. Na Holanda e na Bélgica a produção melhorou 6 por cento em relação a 1955, no Luxemburgo 8 por cento, o que im pressiona, quando se sabe na Grã-Bretanha, no mesmo período, o aumento foi apenas de l por cento, e na Alemanha e na França, com níveis muito favoráveis, 9 por cento. No sector financeiro, apesar de as condições económicas serem similares entre os três países, há marcada divergência.
O mercado monetário da Bélgica apresentou-se com grande firmeza: aumento de reservas e divisas; na Holanda, diminuição notória de reservas, escassez de numerário em apreciável medida.
Esta situação parece derivar das baixas taxas de juros que durante muitos anos vigoraram neste país, o que levou os bancos a investir fundos no estrangeiro a curto prazo.
Quanto à expansão do comércio externo, tem sido firme e considerável para os três países.
Nos cinco primeiros meses de 1956 o aumento do volume de exportação foi o seguinte: 20 por cento na Bélgica, 21 por cento do Luxemburgo e 15 por cento na Holanda.
Eis alguns dados que pode recolher numa revista económica espanhola. Quanto à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, li, sob a declararão autorizada de
Jean Monnet, que não só não tinha provocado as catástrofes protetizadas pelos seus adversários, como, em face de um vasto mercado de 160 milhões de consumidores, aumentou e racionalizou as trocas entre os países participantes, permitiu a estabilidade dos preços e favoreceu a expansão e modernização da produção.
Alguns mineiros, para nos darem o panorama da situação económica da Europa e a razão da nova orientação cuja realizarão só aproxima:
Em 1913 a Europa Ocidental, a oeste do Oder, representava 45 por cento da produção industrial do Mundo; em 1937 esta percentagem caiu para 34 por cento e em 1931 para 26 por cento.
Enquanto a produção mundial triplicava de 1913 a 1951, a da Europa apenas tinha pouco mais que dobrado. Na Europa Ocidental consumimos, sob diversas formas de energia, o equivalente a 21 de carvão por habitante: a América consome 8. A razão é que enquanto os europeus trabalham para mercados fechados, os países que revelam grandes progressos, dispõem de grandes espaços e vastos mercados.
Por este raciocínio se chegou ao convencimento de que é efectivamente indispensável encontrar um processo de unificar economicamente a Europa, única forma de readquirir no Mundo, se não a hegemonia que já teve, ao menos uma paridade que lhe permita tratar de igual para igual com os que no momento são os grandes do Mundo.
Naturalmente que esta união económica não dispensa uniu orientação comum e superior, e ficam assim os estados diminuídos no seu poder político e ultrapassados, no que respeita a um sector tão importante como o económico, por um poder que, mais acima e com inteira independência, o administra e rege.
Foi assim que se verificou esse poder: a alta autoridade ou governo, uma assembleia europeia, eleita pelos parlamentos nacionais, cujos membro, votam livremente, individualmente, e não por países, mas pela comunidade.
A alta autoridade é responsável perante esta assembleia, que lhe pode tirar a confiança.
Existe ainda, e finalmente, um tribunal. Os actos da alta autoridade são susceptíveis de recurso para este tribunal. Esta a mecânica política instituída, que pode naturalmente, ser aperfeiçoada.
Temos, pois, um princípio cuja necessidade de execução dificilmente poderá ser contestada, alguns antecedentes animadores, uma organização política adequado, e experimentada para os fins que se têm em vista, e, todavia, quantos problemas a solucionar, quantas dificuldades a vencer, quanta, desigualdades a nivelar, para que, ao pôr de pé este complicado e necessário mecanismo para actuar como defesa da Europa, se não ocasionem choques, depressões, aniquilamento de. valores que venham a comprometer ou dificultar o êxito final.
Em matéria de indústria, por exemplo, vemos a França particularmente preocupada com o seu dos seus encargos sociais, maiores que os de qualquer outra nação, mas este aspecto, embora de relevo, pode, porventura, fazer esquecer os que respeitam ao equipamento mais ou menos moderno, à abundância ou à penúria da mão-de-obra, ao grau de instrução técnica desta?
A economia dos países a associar não é complementar, mas concorrente.

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Se isto se passa assim, no campo industrial, que dizer se passarmos no âmbito da agricultura?
Pois não influem espontaneamente nu rendimento a qualidade das terras, o clima e o seu regime de chuvas, o facto de abundarem as planícies ou, ao contrário, as encostais e as montanhas, o regime de propriedade, tantas coisas, afinal, que tornam diversa a economia de tantas regiões, que, aliás, e por vezes, se dedicam às mesmas culturas?
Eis outras tantas razões para que este assunto seja maduramente pensado e resolvido apenas com a plena consciência, não só de que não vamos criar condições inibitórias para a nossa economia, mas também que não ficam portas falsas, possibilidade de iludir aquilo que essencialmente se pretende.
Umas vezes diz-se que para as produções agrícolas se engendrará um regime especial, outras que este terá de entrar na combinação geral.

A produção francesa não corro perigo algum de ser esmagada. Além de se ter obtido dos aliados dos Franceses a igualdade dos salários masculinos e femininos e o alinhamento da remuneração das horas suplementares pelo sistema francês, manter-se-á a fórmula de auxílio às exportações o da sobretaxa à importação enquanto a economia francesa não puder competir.

Confesso que não entendo, porque o que S. Ex.a disse é contrário ao pensamento do mercado comum e lança a suspeita de que cada país não venha a proceder com a lisura suficiente para que os princípios sejam integralmente respeitados e funcionem com equidade e justiça para todos. S. Ex.a também deu a sua aprovação a uma moção cujo n.º 2 diz o seguinte:

Dar todo o apoio à agricultura durante os quatro primeiros anos do regime transitório, com preços garantidos e com uma organização internacional agrícola que dê nos lavradores as mesmas garantias que actualmente têm no seu país.
Verifica-se assim que a agricultura merece nesta questão uma posição especial. A questão dos territórios ultramarinos também é objecto de grandes divergências. Para a Inglaterra é motivo da sua não ingressão no mercado comum, mas a França, ao contrário, não entrará no mercado comum se nele não forem incluídos os territórios ultramarinos e, o que é mais, pretende que os seus associados comparticipem nas despesas de l.º estabelecimento nesses territórios.
Para se obviar às dificuldades postas pela Inglaterra, surgiu a ideia da zona livre. O que é a zona livre ou em que é que esta difere do mercado comum? Este tem uma pauta única na exportação ou importação em relação a terceiros, enquanto a zona livre, se se obriga a dar o mesmo tratamento para as nações se constituem o mercado comum, já se não obriga quando se trata de terceiros.
Qual dos regimes nos será mais conveniente?
De todas estas considerações resulta a convicção de que, apesar da pressa com que em Paris se procura pôr de pé o sistema, ele está longe ainda de evitar inteiramente esclarecido e é extremamente difícil sobre ele tomar posição, pelo menos para nós.
É preciso considerar que o desaparecimento dos direitos, só por si, não é suficiente para eliminar as desigualdades de tratamento que falseiam o desenvolvimento racional dos diferentes ramos de actividade, que a influência das intervenções dos estados para favorecer a produção tem grande extensão e que a disparidade de legislação afecta as relações entre indústrias.
A divergência na evolução monetária influi tanto nos preços que a existência dum mercado comum impõe regras, comum, acções comuns e instituições que as fiscalizem.
Numa palavra, a aceitação da fórmula impõe a garantia duma seriedade absoluta nos processos, duma justiça séria e segura que impeça distorções, desigualdades, subtilezas, para não dizermos habilidades.
Os governos que tiverem de tomar as decisões sobre esta matéria carregam com uma grave responsabilidade, e a meditação e decisão, o estudo e avaliação das consequências, das posições tomadas, são de tanta gravidade e alcance que facilmente se compreende toda a cautela que S. Ex.a o Sr. Ministro da Presidência pôs nas declarações que fez ao regressar de Paris.
E quanto às limitações de natureza política, à subordinação em matéria económica, a decisões supernacionais que de alguma maneira limitarão a soberania, não constitui menor motivo de apreensões.
O mais grave é que não seremos livres de tomar qualquer resolução nesta matéria, pois que, se a Europa resolver federar-se economicamente, será suicídio, julgo eu, ficarmos fora dessa resolução. De resto, em consciência, reputo que o caminho apontado é um caminho de redenção, e, como tal, não podemos pensar que seja possível trilhá-lo sem sacrifícios, cem sofrimentos, antes que se alcance um sucesso quê também se me afigura natural. O difícil será temperar os sacrifícios, e sofrimentos, garantindo, através de um mínimo possível destes, o sucesso possível e necessário.
Todos ouvimos com a melhor atenção e o melhor interesse as considerações finais do trabalho apresentado pelo ilustre Deputado Daniel Barbosa. Escuso de dizer a S. Ex.a quanto concordo com os seus desejos de coordenação, que, aliás, expressei no aviso previu sobre o comércio externo que aqui apresentei o ano passado.
Não creio que possamos sozinhos, com os nossos próprios recursos, fazer face à, obra monumental que temos na nossa frente, se queremos efectivamente melhorar o nosso nível de vida, revolucionando a nossa economia agrícola e equipando uma indústria capaz de viver e de fazer viver em melhores condições, conjuntamente com a agricultura, a Nação.
Nós temos, como nunca, possibilidades de crédito, mas, quando o Governo o não queira tomar além de certa medida que julgue conveniente não exceder, outras formas haverá de conseguir para a colaboração necessária entre o nosso capital e o estrangeiro. O pagamento de maquinismo que se difere no tempo ou a associação com firmas estrangeiras que para o nosso país tragam novos processos industriais, novas técnicas e capitais é outro processo que pode efectivamente concorrer largamente para o nosso desenvolvimento industrial, para a melhoria do nosso nível de vida.
Os incentivos dados aos empreendimentos que possam ser julgados de interesse parecem-me, aliás em concordância com o Deputado avisante, também uma forma de fomentar o nosso desenvolvimento industrial.
O grande, o considerável desenvolvimento da construção civil encontra explicação tanto na facilidade de crédito como na isenção temporária de contribuição predial, e creio que tal incentivo aplicado à indústria teria resultados idênticos, além de facilitar a orientação do desenvolvimento industrial, da sua localização, etc.
Isto me parece mais racional do que sobrecarregar logo de início, e por vezes até com grande ferocidade, aqueles que de alguma maneira arriscam capitais, iniciativa e trabalho em empreendimentos que, se vingarem, serão úteis à economia nacional.

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Dei o meu concurso, fraco sem dúvida, mas como soube e como me foi possível, ao notarei aviso prévio do nosso ilustre colega engenheiro Daniel Barbosa, a quem renovo os meus agradecimentos por ter trazido a esta Assembleia, e com tal elevação, um assunto de tanto interesse e importância.
Reconheceu S. Ex.a todo o esforço realizado pelo Governo no sentido de melhorar a nossa posição económica e que todos o acompanhamos no desejo que manifesta de que se multiplique esse esforço. Podemos, porventura, discordar de qualquer dos processos indicados; uma coisa, porém, é certa: todos Assembleia. Governo e Nação, encontrarão nesta discussão novos alentos, porventura novas ideias, em que firmar e prosseguir o propósito de desenvolver cada vez mais o País. E, se outro não foi o propósito do ilustre Deputado avisante, podemos felicitá-lo e felicitar-nos se do seu esforço notável e da nossa colaboração resultar trazermos para o problema que focou a atenção do Governo e o interesse da Nação, que se não pode abstrair dos grandes problemas que equacionam efectivamente o seu futuro.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Abrantes Tavares: - Sr. Presidente: os êxitos científicos do século XIX originaram a crença ingénua de que a ciência iria regular a vida ... cientificamente. Os mais optimistas não deixaram, até, de abalar o Mundo com as suas previsões e esperanças, que, afinal, a ciência não pôde realizar. Da ciência e com o seu descrédito caíra-se no cientismo.
O uso imoderado que hoje, e um pouco por toda a parte, se faz da estatística leva a recear se caia, paru seu descrédito também, no estatisticismo. A ciência não pode reduzir a vida aos seus esquemas frios e implacáveis; a estatística não me parece possa ter mais êxito com o hieratismo seco das séries numerais. A vida. na sua densa e total complexidade, não ó redutível à simplicidade do esquema ou do número.
Do mesmo modo que a ciência teve de regressar ao domínio que lhe é próprio, desembaraçando-se de profetas e sonhadores, a estatística há-de melhorar, decerto, os seus métodos de investigação, apuramento e interpretação de dados e factos económicos e sociais e superar esta vaga. geral de mística estatisticista.
A estatística elabora médias, e nada mais fora, da vida real do que as médias aritméticas ou ponderadas. Dificilmente o investigador deparará o salário médio, o consumo médio, a mortalidade, média na vida real sobre que se debruça e cujo sentido pretende captar.
Não ignoro que na América, o país dos- inquéritos e das estatísticas, há muito quem diga dever esta riquíssima união o seu desenvolvimento e prosperidade à estatísca. Pendo em crer, porém, sem menosprezar o que de útil pode colher-se numa estatística bem elaborada e correctamente interpretada, que a extraordinária prosperidade americana resulta da feliz complementaridade as aptidões e riquezas naturais dos vários estados e da poderosa capacidade organizadora, iniciativa e técnica dos seus habitantes. Sem as riquezas naturais que por ali abundam e a estatística não poderia propiciar nada do que é teria sido.
Avaliadas correctamente as suas possibilidades, a estatística, como as outras ciências, será um fecundo instrumento de trabalho. Por agora, a sua metodologia, quer na investigação, quer na elaboração e interpretação dos dados e factos investigados, não reuniu ainda a unanimidade dos que na matéria podem ter voto. Há, portanto, que aceitar as conclusões dos especialistas, com a prudente dúvida metódica aconselhada pelo filósofo.
Advertindo o perigo das distorções e fraudes estatísticas, escreveu o Dr. José Figuerola (Teoria Y Métodos de Estadística del Trabajo): «Não é admissível que por desejo de notoriedade umas vezes, para servir interesses particulares ou de classe outras, por mero desejo de lucro muitas, as investigações da vida económica e social e a consequente medição estatística dos factos observados se vejam deformadas». «Em estatística, continua o mesmo autor, a fraude é fácil porque frequentemente o documento original é secreto, e, mesmo que o não seja, é pouco menos do que inacessível à maioria dos profanos. Esta espécie de clandestinidade deve ser compensada com uma ética profissional a toda a prova que assegure completa escrupulosidade nas elaborações e veracidade absoluta nos resultados. Correspondendo a estas garantias, os comentadores não devem procurar golpes de efeito, interpretando tortuosamente as compilações estatísticas. O prejuízo que pode ocasionar-se com um comentário erróneo ou maldoso raras vezes poderá atenuar-se com rectificações tardias».
«Nas discussões parlamentares e académicas, na luta entre classes e partidos, nas campanhas de imprensa os números -como acertadamente disse André Liesse - são projécteis que se atiram os adversários sob o impulso dos interesses e das paixões», acrescenta judiciosamente o autor citado.
Assim advertidos, podemos agora tomar a matéria do aviso prévio, tão brilhantemente realizado, para tema de algumas considerações.
Técnico de coisa nenhuma, as opiniões pessoais que venha a emitir despretensiosamente são fruto de algumas leituras, nas quais a minha curiosidade encontrou matéria de reflexão ou informação. Recebam-mas, pois. V. Ex.a. Sr. Presidente, e a Câmara pelo que valerem. E já me dera por satisfeito se pudesse produzir-me na certeza de pelo menos, não enfadar demasiado os que me concederem a sua benévola atenção.
Suponho não interessar ao fim do aviso prévio a averiguação do custo de vida para os vários grupos em que, sob o ponto de vista da suficiência ou insuficiência económica, a população portuguesa pode dividir-se. Há variações de preço em artigos de consumo que atingem certo ou certos grupos e são indiferentes para outros. Na verdade, os preços de certo tipo de carne, pão, massas, frutas, peixes e mariscos, por exemplo, pode reflectir-se em alguns orçamentos familiares, mas ao operário e ao pequeno empregado é indiferente que a carne de primeira, o pão de primeira, o salmão e a lagosta subam ou desçam de preço, já que normalmente não pode adquiri-los.
Vem isto para dizer que o índice de custo de vida, para ter algum rigor, deve ser determinado por grupos sociais bem definidos e dentro do grupo ou grupos encolhidos, e estudar então as variações dos preços no tempo, referindo tais variações si composição quantitativa e qualitativa de dado orçamento familiar. Este orçamento terá de eleger-se entre os mais baixos do grupo ou grupos a estudar, pela sua maior sensibilidade às variações de preço dos artigos básicos que constituam o mínimo indispensável para satisfazer as necessidades a que tal orçamento familiar deva ocorrer.
Já, se terá visto, decerto, que não basta atender apenas às variações de preço dos artigos de consumo para determinar o custo da vida, pois este só é dado pela incidência dos preços no orçamento ou orçamentos familiares representativos do grupo ou grupos a estudar. Era este o método adoptado e sumàriamente referido, mas não sei se é ainda o actualmente seguido.

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Ora, a ser assim, como suponho, não sei que entre nós se tenham realizado, recentemente, inquéritos directos às famílias - tipo do grupo considerado no aviso prévio. Daqui que haja de opor-se justificada reserva à determinação do nosso custo de vida, mesmo que nos venha despachado pelos conceituados serviços especializados da O. N. U.
Ignoro quais os elementos de que na O. N. U se serviram para determinar a capitação de calorias e proteínas animais disponíveis para a população portuguesa.
E ainda que se houvesse determinado com rigor o nível de vida, havia que inquirir ainda sobre os hábitos de alimentação dos Portugueses e, complementarmente, sobre a distribuição dos produtos alimentares. Ora, repito, que eu saiba a O. N. U. nada averiguou a este respeito, pelo que os seus números carecem do rigor que deveriam ter para serem significativos.
Como só a determinação do custo de vida nos pode dar o poder de compra do salário ou ordenado, a não me iludir, no caso em discussão procedeu-se de modo inverso. Não se determinou o custo de vida relativamente ao orçamento mais baixo do grupo familiar dos operários ou empregados para estabelecer o poder de compra do salário ou ordenado, mas foram estes que vieram a determinar-se partindo de certo agrupamento de produtos a certos preços. Quer dizer: não se determinou o uivei de vida de determinado grupo ou grupos - conjunto de bens e serviços efectivamente consumidos-, mas fixou-se um Standard de vida - o consumo que se considerou necessário ou conveniente- partindo daqui para a determinação do salário ou ordenado suficiente para atingir o standard fixado.
Ao abordar o problema da alimentação há que tomar em consideração os hábitos alimentares da nossa população e o clima; a estatura e ocupação são outros tantos elementos ponderáveis. Não nos deixemos perturbar por comparações menos razoáveis com outros povos, diferentes no clima que os rodeia, na ocupação predominante, nos hábitos e grau de suficiência económica. Esta diversidade de elementos ponderáveis torna extremamente difícil e precária qualquer tentativa de comparação dos níveis alimentares dos vários povos. Vejamos dois casos típicos dos hábitos alimentares dos portugueses: sabe-se qual foi o comportamento da população abastecida em 1947 com carne importada da Argentina. Habituada ao consumo tradicional de carne magra, já se esperava que a carne argentina não conquistaria o nosso apreço. De facto, e não obstante importarem-se, de preferência, os quartos dianteiros por menos gordos, os consumidores, pelo geral, não gostaram de carne muito mais gorda do que a habitualmente consumida.
Pois era o tipo de carne preferida pelos nórdicos, mais rica e sápida do que a produzida pelo nosso gado de trabalho. Suponho que ninguém contestará a excelência da carne argentina sobre a nacional, mas a verdade é que sendo superior, não correspondia às exigências de um hábito tradicional.
Desde o reinado de D. Manuel I, pelo menos, que os nossos navios de pesca demandam os mares do noroeste para a pesca do bacalhau. Este peixe, seco e nem sempre bem cheiroso, desagrada, pelo geral, aos estrangeiros que nos visitam, mas é o favorito das consoadas do Natal, é o mais aceite e estimado pelo País.
Nem o requintado espírito de Fradique Mendes resistiu ao prato de meia-desfeita, na taberna da Mouraria: «Não de ideias! -exclamou.- Deixem-me saborear esta bacalhoada em perfeita inocência de espírito, como no tempo do Sr. D. João V» - antes da estatística e da dietética, acrescentaria hoje.
Vê-se, pois, o peso dos hábitos na organização da dieta alimentar.

(Nesta altura assumiu a presidência o Ex.mo Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu).

O clima impõe também as Mias exigências. Os nórdicos, por virtude do meio ambiente, mais frio, necessitam de maior quantidade de corpos gordos, pois são, de entre todos os alimentos, os maiores produtores de calorias. Transformados em lipidos devem manter a temperatura interna do corpo e, como esta tem de permanecer estável qualquer que seja a do meio ambiente, é evidente que são necessários em maiores quantidades nos climas frios do que nos temperados ou nos quentes.
O género de ocupação também determina o tipo conveniente de alimentação.
«Para assegurar uma ração calórica tão importante (5000 calorias para o trabalho pesado) é necessário, sobretudo, aumentar a quantidade de glucidos», escreve Boulet-Gercourt. «Libertam, com efeito -continua o mesmo autor-, facilmente a sua energia e exigem pouco oxigénio para a combustão. É necessário, pois, consentir que os trabalhadores musculares recebam uma alimentação rica em pão, feculentos, massas, batatas, arroz e alimentos açucarados. Os lipidos podem ser aumentados, mas de maneira menos considerável. Quando aos protidos, o seu papel energético é acessório. Não intervêm mais do que na substituição dos protidos dos tecidos destruídos pelo trabalho muscular, porque esta destruição é desprezável. A ração protídica mantém-se, pois, inalterada, o que sua justifica a tendência de muitos trabalhadores musculares em consumirem grande quantidade de carne ou peixe, que comem às duas refeições».
Se isto é assim, já se entende a razão de, pelo geral, os Portugueses consumirem muito pão e batatas, dado que as suas ocupações habituais são predominantemente musculares. Na verdade, só a agricultura, a silvicultura, a caça e a pesca ocuparam, em 1900, l 569 120 trabalhadores, numa população activa de 5 998 923, na qual a indústria comparticipava apenas com 732 460. Actividades predominantemente musculares exigem, por isso, forte ração alimentar de pão, batatas e equivalentes. Consumindo-os, esta larga massa de trabalhadores dá preferência, embora sem consciência disso, aos alimentos requeridos pela sua forma particular de actividade.
A sobriedade foi sempre virtude ou imposição do meio natural, característica da população portuguesa. Léon Poinsard percorreu o País e estudou directamente uma família-tipo de cada região diferenciada.
Por toda a parte deu conta do desconforto, da pouca higiene, do passadio escasso e, coisa notável, da boa ou regular saúde dos grupos familiares estudados, não obstante a vida trabalhosa que levavam. Não direi que estes bravos camponeses constituam um desmentido ao cientismo da dietética contemporânea, mas um aviso para que não recebamos como definitivas algumas conclusões apressadas.
E, pois, que somos um país de escassos recursos, importaria ver se o aumento da população agravou o problema das subsistências ou se teremos melhorado alguma coisa. Esforcei-me, no brevíssimo tempo de que pude dispor, por encontrar números que me conduzissem a resultados claros. Infelizmente não fui feliz e terei de contentar-me com certos números como indicadores de acentuado progresso.
Vejamos como progrediu o produto nacional bruto aos preços do mercado (preços de 1954) e respectivas capitações anuais.

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(ver tabela na imagem)

Um aumento de 64,7 por cento em vinte anos pode não espantar um americano, mas não deixa de revelar um progresso apreciável em país tão fracamente industrializado e onde os capitais para investir foram sempre escassos.
Ora este progresso evidencia, ou devia evidenciar, acréscimo geral de riqueza e se dela não comparticiparem alguns grupos sociais então há que averiguar as causas da sua defeituosa distribuição e corrigi-las. É este um problema que requer atenção, firmeza e coragem e espero que não faltem a quem deva intervir para travar certo capitalismo tentacular que por aí vai alastrando, impante de lucros. Não que seja contra o capital, mas apenas contra o capitalismo, sua deformação. Por mim, entendo que o capital deve suposto ao serviço do homem e dos seus fins, mas é possível que fale uma linguagem ultrapassada e de poucos entendida.
Volto ao rendimento nacional só para fazer um confronto e tirar uma conclusão:

Anselmo de Andrade escreveu, em 1902 (Portugal Económico, l.ª edição, p. 29):

Actualmente o rendimento bruto da produção agrícola não pode ser inferior a 110 000 contos.

Ora basta pensar que só a exportação de resinosos ultrapassa o dobro daquele rendimento bruto.
Fixemos, por último, que. sendo a contribuição da agricultura para o rendimento bruto nacional de cerca de 27 por cento deste, acharemos que tal contribuição atingiu, em l956, 12 402 000 contos. Daqui não ser ousado afirmar que a agricultura tem correspondido, até onde as condições naturais o têm permitido, às exigências decorrentes do crescimento demográfico.
Volvamo-nos agora para a população citadina e o seu problema alimentar.
Aceita-se geralmente que a ração alimentar para um adulto em actividade média deve fornecer 3000 calorias.
Todavia, nota Bolet-Gercout: «Na Suíça, aquando da última, guerra mundial, a ração calórica foi muitas vezes inferior a 2000 calorias por dia mas manteve-se equilibrada; a saúde dos indivíduos não foi afectada».
Este facto experimental vem corroborar o valor relativo que temos de atribuir aos números standard em matéria de dietética. O equilíbrio da dieta sobreleva à quantidade.
Na falta de inquéritos recentes adequados que nos esclareçam o problema quantitativo e qualitativo da ração alimentar da população citadina não é possível ajuizar da sua suficiência ou insuficiência em relação a certos grupos sociais de orçamento limitado. Sabemos todos que há uma zona populacional subalimentada, mas ignoramos, de todo, o valor da sua pobre dieta.
Não vale a pena fechar os olhos a essa realidade viva de que os pobres dão conta diariamente e sobre a qual se debruçam tantas vezes para honrar o nome de Deus. Digo os pobres, porque os ricos, pelo geral, não têm tempo para se ocupar destas pequenas grandes coisas ti passam demasiado absorvidos e distantes. Reconheçamos, pois, a existência do problema e confessemo-lo sem vergonha. Não é um caso português, mas tão vasto como o Mundo e que os povos ricos não eliminaram ainda totalmente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E posto isto, tentemos saber, por aproximação, o que de verdade se passa.
Recentemente o Dr. Salviano Cruz, que em Lisboa se ocupa do pesquisas económicas, realizou um inquérito aos hábitos alimentares da população citadina do País, inquirindo directamente quinhentas e sessenta e uma donas de casa de vários grupos sociais.
Quero deixar aqui uma palavra de agradecimento ao Dr. Salviano Cruz pela amabilidade de me facultar a leitura do seu trabalho, ao qual farei algumas referências.
O inquérito abrangeu as cidades de Lisboa, Porto. Aveiro. Viseu, Draga. Évora s Portimão e por ele se averiguou que 95 por cento da população come às refeições sopa ou caldo e um prato.
As sopas e caldos mais frequentemente cozinhados escalonam-se pela ordem seguinte:

1.º Sopa de carne com legumes;
2.º Sopa de feijão verde;
3.º Caldo verde;
4.º Sopa de feijão com legumes e hortaliças:
5.º Sopa de legumes e hortaliças.

Quanto ao prato complementar, apurou-se também que é cozinhado com base em peixe ou carne. Os pratos servidos com maior frequência são: peixe frito com salada e arroz, carne variada, bifes com batatas, arroz ou ovos. Foi pena que se não tivesse averiguado da quantidade do cada um dos alimentos componentes das sopas, caldos e prato. Isso permitiria determinar com bastante aproximação o valor calórico de cada refeição, mas como essa averiguação foi apenas parcial, nada de positivo consegui apurar.
Quanto ao consumo de protidos, averiguou-se, porém, que se come muito mais peixe do que carne. E antes que alguém se lembre de subestimar as proteínas fornecidas pelo peixe, apresso-me a recorrer novamente a Boulet-Gercourt. Escreveu este dieteta (Manual de Diéctétique, p. 14): «O valor nutritivo da carne não é superior ao do peixe ou dos ovos: 100 g de peixe

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(peso líquido) correspondem a 100 g de carne (peso líquido) ou a dois ovos».
Permito-me concluir daqui que, na impossibilidade de tornar rapidamente extensivo a todos o consumo habitual de carne, não é difícil alargar enormemente o consumo de peixe. Se as costas continentais não bastarem para tanto e tiverem de abandonar-se os pesqueiros habituais de Cabo Branco, onde o peixe vai rareando de forma alarmante, aí estão Cabo Verde e Angola, que podem inundar o País com pescado.
Bastará lembrar, para ilustrar a afirmação, que Angola transforma anualmente em farinha de peixe cerca de 250 000 i de pescado fresco. Cabo Verde, com a sua abundância e variedade de peixe, poderia, com navios rápidos, convenientemente equipados, substituir as pescas de Cabo Branco. É um problema que se me não afigura de difícil solução e aqui ponho por lembrança para ser considerado por quem de direito.
Insisto, porém, em que há possibilidade de abastecer, pelo menos os centros urbanos, com peixe em boas condições de preço. Isso permitirá melhorar a ração alimentar no que toca a proteínas animais, que, de resto, entram por 100 g a 150 g numa dieta alimentar equilibrada.
Volto agora ao inquérito do Dr. Salviano Cruz para dar a composição de uma sopa, da qual foram servidos quinze pratos: feijão suco, 0,51; massa, 200 g; batatas, l kg; couves, duas; cenouras, duas; chispe, chouriço e toucinho em quantidades não determinadas e de que apenas se indica o preço de custo. Esta sopa levou quatro horas a cozinhar. Pela variedade dos alimentos cozinhados suponho não poder dizer-se não ser um prato dietèticamente equilibrado.
Acrescento ainda não resultar do inquérito que a população integrada nos grupos sociais inquiridos sofra de subalimentação.
A assistência a espectáculos e diversões, não constituindo indicador suficientemente seguro, insinua, todavia, que parte considerável da população urbana e equiparada consegue satisfazer essa necessidade. Com efeito, em 1955 a frequência total aos espectáculos públicos (cinema, teatro, circo, touradas, variedades, bailados, espectáculos publicitários e pugilismo) foi de 28 335 milharei de espectadores. Acrescente-se a estes espectáculos, e diversões o futebol e teremos aquele número notavelmente acrescido. Ora, normalmente não se sacrifica a necessidade de alimentação, a primeira entre as demais, para satisfazer a última escala.
Vejamos agora, embora sumariamente, as razões do nosso atraso industrial e o que se fez já para o vencer.
Quando o carvão veio substituir-se â lenha e à força hidráulica e eólica como combustível e fonte de energia industrial, operou-se também a substituição da matéria-prima tradicional -a madeira- pelo ferro e depois pelo aço. Sem carvão e sem jazigos minerais de primeira qualidade, não tínhamos condições naturais - e não só nós - para acompanhar o surto industrial da Inglaterra, França e Alemanha, depois seguidas e ultrapassadas pelos listados Unidos. Data desta revolução técnica a estagnação económica do País.

esde D. Pedro II até D. Maria I não deixou de pensar-se no melhor aproveitamento dos recursos naturais que nos couberam. Com D. José e D. Maria tenta dar-se vigoroso impulso u indústria e ao comércio, contratam-se técnicos estrangeiros para projectarem minas, aqui e no Brasil, e dirigirem a montagem das indústrias que se reconhecesse útil instalar.
A revolução política sobrevinda interrompeu esse profícuo trabalho, aliás documentado em várias obras ainda hoje de reconhecido proveito e nas memórias económicas e científicas dessa época, parte delas publicadas pela benemérita Academia Real de Ciências.
A desordem política que se seguiu só tarde veio a permitir que os estudiosos e governantes retomassem, em novas bases, o trabalho interrompido.

plano da Regeneração, pouco amadurecido e trespassado do optimismo confiante do século, tentou de golpe, pela chamada política da circulação, a revalorização das magras riquezas do País. O plano, sem dúvida ousado, fraudou as esperanças que nele se depositaram, porque era apenas um aspecto parcial do grande problema nacional. As vias de comunicação são coisa excelente para movimentar a riqueza e valorizá-la pela circulação e distribuição e, pelo tempo adiante, acabam por exercer uma acção de fomento. Simplesmente, construíram-se as estradas e inaugurou-se o caminho de ferro, mas não se estabeleceu, paralelamente, qualquer plano de fomento agrícola ou industrial para produzir as mercadorias que por umas e por outro deviam circular. O País endividou-se, o acréscimo de riqueza que se esperava tardou em aparecer e a bancarrota surgiu.
Sem recursos naturais de fácil aproveitamento, sem capitais e depois sem crédito, não era possível quebrar de vez o marasmo económico de que padecíamos. Quem ler os escritores da época -Oliveira Martins, Basílio Teles e Anselmo de Andrade, para citar só alguns -lá encontrará indicados os males de que sofríamos e esboçados programas de acção para debelá-los, mas faltava capital para tanto.
Para consegui-lo alvitraram-se muitos meios, entre razoáveis e humilhantes, mas sempre com recurso ao estrangeiro. Não admira, por isso, que nas confabulações das chancelarias se partilhasse já o nosso domínio ultramarino.
Foi necessário reconquistar a ordem financeira e política, impor um período de austeridade e começar pacientemente a acumular reservas que permitissem iniciar a realização dos grandes aproveitamentos hidroeléctricos. A fonte de energia industrial que sempre nos faltara ia surgir agora e permitir, até onde fosse possível, o necessário movimento de industrialização.
Para se criarem as poucas indústrias que no Pais iam vivendo, foi necessário defendê-las da concorrência de indústrias alheias, mais evoluídas e melhor servidas de equipamento e técnica. Assim se foi vivendo. Quando as condições eram já outras e poderia esperar-se que os capitais repatriados e acumulados acorressem espontaneamente ao investimento, viu-se que a fraca dimensão do mercado interno os assustava. O Estado teve então de dar confiança a esses capitais pouco afoitos, decidindo-se a comparticipar em empreendimentos industriais de maior vulto.
Iniciado este movimento promissor, cujas realizações sumariamente se apontarão, veio colher-nos em plena acção a criação do euromercado. Até que ponto o Governo se verá obrigado a rever os seus planos de fomento e a acomodá-los à nova situação não sei dizê-lo, mas é certo que terá de ser prudente e submeter a novo e demorado estudo realizações porventura já projectadas.
No que toca a electricidade, o avanço exprime-se por estes dois números: em 1027 o consumo por habitante era de 26 kWh, mas em l955 passou a ser de 197,8 kWh.
Comparativamente a outros países que nos precederam, por mais bem dotados de recursos de toda a ordem, o avanço conseguido pode parecer bem mesquinha coisa, mas em valor absoluto tem ide aceitar-se pelo que realmente vale. A produção total prevista, no final do Plano de Fomento em execução, atingirá 2166 milhões de kilowatts-hora, quando em 1927 era apenas de 187 milhões.

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Pois, mão obstante o avanço verificado, a energia hidroeléctrica que se alcançar não será ainda suficiente, cuido eu, para dar ao Paia o grau de industrialização necessário ao equilíbrio da sua vida económica.
Haverá que esperar o desenvolvimento das técnicas de produção de energia atómica, pois pode ser que aí, finalmente, encontremos o meio de obter energia suficiente para alimentar uma indústria de certo nível e capaz de produzir a preços internacionais. Entretanto, com a energia de que já dispomos, aí estão em marcha algumas indústrias novas de manifesta utilidade para o País e outras em vias de montagem.
Acentua-se, porém, que o plano de industrialização dependia da força, motriz, mas agora, que já temos alguma, há que revê-lo, de harmonia com o novo condicionalismo europeu e outras limitações ide consideração. Temos de deplorar esta paragem, pais a execução completa do plano visava ao aumento do rendimento individual médio e criar possibilidades de ocupação para 50 000 portugueses que anualmente precisam trabalho. O total de investimentos a realizar até 1958, no continente e ilhas, era de 9 720 000 contos, como é sabido.
Desta verba destinaram-se a investimentos na agricultura l 323 953 contos, na indústria 5 030 300 contos, em comunicações e transportes 2 890 000 contos. Pois era 30 de Novembro de 1956 a percentagem despendida das dotações era a seguinte: na agricultura despenderam-se apenas 41,8 por cento da dotação total, na indústria 63,6 por cento, nas comunicações e transportes 42,2 por cento. Isto evidencia, para além das outras causas circunstanciais, a pouca elasticidade de quadros e mão-de-obra qualificada, o que constitui uma limitação à realização efectiva de grandes planos de investimento.
Como se trabalhou para remediar este aspecto particular?
Em 1940 funcionavam apenas 40 escolas do ensino técnico, com a frequência de 31 300 alunos. Em 1957, porém, já funcionavam 74, com a frequência de 48 000 alunos, distribuídos pelas modalidades de profissões de índole mecânica, electricidade, química industrial e afins e economia elementar. E logo que concluídos os 47 edifícios escolares do actual programa da Junta de Construções, terão de completar-se ou construir-se mais 34 edifícios e, à margem daquele programa, a escola do Funchal. Assim se trabalha no sentido de dotar o País com quadros e mão-de-obra qualificada, para acudir às necessidades do projectado desenvolvimento económico.
Até aqui fiz apenas um pouco de história. Era necessário fazê-la para moderar o fradiquismo displicente dos novos, inquietos por tomarem o seu lugar na vida que desejaram mais cómoda.
A Câmara dispensava bem esta incompleta e pouco atraente recapitulação. Disso me penitencio.

(Reassumiu a presidência o Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior).

Viu-se haver limitações quanto a capitais disponíveis, a quadros e a mão-de-obra para a realização de grandes empreendimentos, o que, de resto, foi acentuado no aviso prévio em discussão. Não vale a pena repetir, porque já foi dita também, a relação investimento/produto bruto nacional/aumento de capitação.
Para aumentar rapidamente este último até ao standard indicado como satisfatório, e suposto se dispusesse de quadros e mão-de-obra suficientes, reconheceu-se faltar capital disponível e não ser fácil, nem conveniente, acrescentarei, consegui-lo fora do País.
Que se impõe então? Continuar pacientemente a investir até onde os recursos próprios o permitam e não deixar de estar atento ao problema da distribuição do produto nacional, por modo a que a riqueza produzida sirva o homem, e não alguns homens. Isto, evidentemente, prende-se com uma reforma fiscal que distribua equitativamente a carga tributária, exigindo de cada um segundo a sua capacidade, sem prejudicar a formação de capital, mas travando a marcha ascensional do capitalismo.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.a dá-me licença? Essa é a opinião do Governo ou a de V. Ex.a?

O Orador: - É a minha.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.a acha que é inconveniente recorrer ao capital estrangeiro?

O Orador: - Para mim, é.

O Sr. Melo Machado: - Respeito a opinião de V. Ex.a

O Orador: - Nesta matéria, a agricultura, a pobre agricultura nacional, não tem sido poupada. A terra não se pode ocultar ou disfarçar e o fisco não prescinde do seu quinhão, indiferente nos bons ou aos maus anos e a valorização ou desvalorização das produções. E, já que falo da agricultura, seja-me permitido sugerir uma revisão lutai das culturas praticadas, do seu futuro e rentabilidade. Talvez haja necessidade de definir uma política agrícola regional, adaptada às condições naturais e com vista à produção dos géneros mais ricos, quer para o mercado interno, quer para o mercado externo. A fruticultura, por exemplo, parece mais indicada para certas regiões do que as culturas habitualmente praticadas. Isto supõe o estudo prévio das espécies a difundir e permanente assistência técnica para assegurar frutos de qualidade. Depois há que organizar a distribuição da produção agrícola, por modo a baratear o seu custo final e melhorar o preço ao produtor.
Um exemplo alheio para ilustrar o que acabo de dizer: se a memória me não atraiçoa, li num estudo referente à comercialização do gado bovino em França que este era pago ao produtor a cerca de 140 francos por quilograma, peso vivo, mas o consumidor pagava a carne cerca de 1000 francos ou mais. O consumidor paga caro, mas o produtor não beneficia disso. Serão as cooperativas capazes de aproximar a produção do consumo? Desse ou de outro modo, há que tentar organizar a distribuição da produção agrícola.
Pelo que respeita à criação de novas modalidades industriais, atrever-me-ia a sugerir se cingisse, por agora, apenas às que fossem consideradas indispensáveis à economia nacional, que podem não ser, em as mesmas, as mais rendáveis. Em face do euromercado, afigura-se-me urgente rever cuidadosamente as condições de sobrevivência da indústria já instalada e reorganizar e reequipar a que deva manter-se, colocando-a em condições de sustentar a concorrência. O problema é delicado e politicamente pouco atraente. Há, em todo o caso, que enfrentá-lo, preparando o País para aceitar os sacrifícios necessários.
Não deve descurar-se também a cuidadosa revisão do artesanato rural, para estimular e assistir o que deva manter-se, e, quando a electricidade puder chegar a toda a parte, facilitar a aquisição de máquinas-ferramentas e desenvolver a assistência técnica que se torne necessária para criar pequenas indústrias intermitentes, que atenuem a falta de ocupação periódica ou ocasional.

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Só duas palavras sobre concentração industrial.
Sabe-se que é possível determinar com precisão a dimensão óptima que convém a certo tipo do exploração industrial. Também se sabe que, pelo elevado casto e manutenção do equipamento industrial, certas produções só são rendáveis em regime de grande produção e, portanto, supõem a grande empresa.
Há, porém, tipos de produção ao alcance da empresa média, e esta, nos casos em que economicamente seja viuvei, deve manter-se.
A empresa média, pelo geral, é dirigida pelo proprietário, pelo que o custo de produção não terá de ser onerado com os encargos de direcção. O proprietário-industrial obtém a remuneração de director pelos lucros finais de exploração que venha a arrecadar.
A empresa média é mais maleável e pode alterar mais facilmente a sua linha e tipo de produção, por serem menores os investimentos em equipamento.
Estas e outras razões militam em favor da manutenção da empresa média, mesmo do ponto de vista económico.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Do ponto de vista social, porém, as vantagens são mais consideráveis ainda.
Com efeito, o contacto diário do industrial-proprietário com os seus operários humaniza, esbatendo-a, a linha que os separa e paternaliza o poder do direcção. Isto pode parecer romantismo suciai, mas é apenas a afirmação veemente de que os operários não têm apenas direito ao salário, mas ao calor, à simpatia de alma, que é uma forma do amor do próximo.
Na grande empresa isso não é normalmente possível. O dirigente não é o proprietário e muitas vezes nem sabe nem pode saber quem o seja. Sabe, contudo, quo só poderá manter a sua posição se tiver êxito, e este mede-se pelo montante dos lucros a distribuir.
Por outro lado, a grande empresa barra o caminho a homens de iniciativa, cerceando as oportunidades para exercê-la. Se defendemos a iniciativa privada, temos de manter-lhe amplamente abertas as possibilidades de acção, e a grande empresa industrial restringe-as.
Na América do Norte, onde o gigantismo industrial atinge proporções não superadas em qualquer outro país, não obstante a legislação anti-trust, o facto mereceu a T. K. Guinn os comentários seguintes: «Diz-se que as sociedades gigantes são mais eficientes; que se entende por eficiência? Trata-se simplesmente dos lucros um relação às vendas ou aos investimentos? Trata-se do preço de venda mais baixo passível, sem consideração pelo modo como aí se chega ou pelas suas; consequências possíveis? Sustento que não poderá medir-se nunca a eficiência social da General Motors por meio dos seus balanços ou das suas contas de ganhos e perdas. É necessário saber como foram conseguidos esses resultados. Como trata a sociedade os seus fornecedores? São suficientemente prósperos os seus negócios? Terão novas sociedades oportunidade de entrar era concorrência?». E acrescenta ainda: «Sobretudo, quais são os efeitos sociais do funcionamento desta máquina enorme? O seu poder sobre o mercado intimida outras sociedades?».
E, apreciando o poder irresistível do gigantismo, o mesmo autor escreve: «Protegendo tão diligentemente o seu direito de livre empresa restringimos os direitos de milhares de outra? empresas e indivíduos». E continua: «Se desejamos salvaguardar a independência das pequenas sociedades, mais eficientes do ponto de vista social, não poderemos chegar aí, no fim de contas, senão segurando os gigantes, limitando o seu poder excessivo e mantendo-os limitados pelas leis e regulamentos especiais».
Por certo que nem Guinn nem eu conseguiremos mudar o sinal dos tempos. O economismo está triunfante por toda a parte e o euromercado acelerou já, na Europa livre, o movimento concentracionista. Não desejara que nos alcançasse, mas talvez não possamos escapar a esta fatalidade.
Em todo o caso, há que condicionar, até onde economicamente for possível, a concentração industrial e, sobretudo, evitar o gigantismo tentacular e absorvente.
Deploremos que a modéstia dos nossos recursos não permita o surto espectacular que todos desejaríamos, mas que isso não perturbe a justa apreciação do que se fez e os ganhos positivos já conseguidos. Os meios financeiros acumulados são produto de sacrifícios de vária ordem e não podem nem devem gastar-se sem cuidadoso estudo e ponderação do investimento a que se destinem. As pressas já tivemos de pagá-las algumas vezes por preço nada barato.
Continue-se, pois, a trabalhar mais com a razão fria do que com o optimismo fácil e espectacular.
Não devemos esquecer que, simultaneamente com o desenvolvimento da metrópole, temos de atender ao dos vastos territórios ultramarinos, carecidos de capitais e de gente. É com o seu povoamento intensivo que deveremos contar para aliviar a pressão demográfica metropolitana, e isso tem razões de urgência evidentíssimas. á que acertar o relógio pela hora internacional e não perder um minuto.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador fui muito cumprimentado.

O Sr. Pereira Viana: - Sr. Presidente: quis o ilustre Deputado Daniel Barbosa tratar em aviso prévio o problema económico português.
Analisou S. Ex.a aquele importantíssimo assunto com a competência, profundidade e dinamismo que sempre costuma empregar nos seus brilhantes estudos, pelo que me permito manifestar-lhe a minha grande admiração e apresentar-lhe as mais calorosas saudações.
Por me parecer que no desenvolvimento da frota mercante poderá encontrar-se um factor valioso a enquadrar no plano de organização económica, no sentido de melhorar as condições de vida das classes trabalhadoras, conforme o objectivo do aviso prévio em debate, julgo interessante aproveitar esta oportunidade para elucidar a Câmara acerca da situação actual dos profissionais que directamente sorvem a indústria dos transportes por mar, uma das grandes actividades nacionais, em que estão investidos vultosos capitais e em cuja renovação se despenderam já perto de 4 milhões de contos.
Nesta modesta intervenção não me limitarei a salientar a importância dessas actividades na vida social do País, mas procurarei ainda mostrar o seu alto valor, tanto no aspecto económico, como no aspecto político.
Começarei por recuar uns anos e lembrar o valioso auxílio prestado pelas marinhas mercantes das nações aliadas, não só na condução da guerra à distância, como no abastecimento das populações civis, e ainda o esforço inaudito praticado pelas suas tripulações no desempenho de missões árduas o arriscadas, levadas a efeito através de perigos sem conta, mas que contribuíram de forma decisiva para a vitória final.
O conhecimento dos relevantes serviços prestados em circunstâncias tão difíceis e o constante sacrifício de vidas chamaram a atenção do mundo para aqueles corajosos e desconhecidos homens do mar, trazendo-os para um primeiro plano e envolvendo-os numa atmosfera de simpatia e de gratidão.

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Terminada que foi a guerra, houve um movimento geral de apoio e de admiração por esses bravos trabalhadores, que, apitar das perdas continuamente sofridas, nunca hesitaram perante o perigo.
Os governos das grandes nações marítimas, mais duramente castigadas pela luta, reconheceram então a justiça que assistia às tripulações nos seus pedidos para uma melhoria geral das suas condições de vida.
Também entre nós os serviços prestados durante o conflito pela marinha mercante nacional mereceram n gratidão do País.
Em viagens contínuas, quase sem descanso, os velhos navios da frota cumpriram galhardamente as exigências que lhes foram impostas e mantiveram abastecido o Paia dos produtos essenciais u sua vida.
Ë sem dúvida à frota nacional s às suas corajosas tripulações, que nunca recuaram perante perigos iminentes, que se deve a relativa euforia de que desfrutámos durante a época calamitosa da guerra.
Apesar de nos termos, felizmente, mantido à margem das hostilidades, a marinha mercante sofreu como nenhuma outra actividade os efeitos da luta: doze navios, com a perda de mais de uma centena de vidas, foram afundados por acções de guerra.
Foi este contributo generosamente oferecido pela frota mercante a favor do bem comum que preparou o ambiente para a aceitação do programa de renovação que deveria surgir pouco depois.
Em 1940 reuniram-se em Seattle os representantes de trinta e duas nações marítimas para o estudo e aprovação de algumas convenções que deveriam regular as condições de trabalho a bordo e, bem assim, estabelecer as normas em que deveriam assentar a licença sem perda de vencimentos a conceder anualmente, a assistência na doença e as pendões na invalidez ou na reforma.
O Governo Português, reconhecido pelos relevantes serviços prestados pela frota de comércio v durante o período das hostilidades e empenhado em proporcionar melhores condições de trabalho em todos os ramos de actividade nacional, fez-se também representar naquela conferência marítima internacional por uma delegação tripartida, com representantes do Governo, dos armadores e dos sindicatos marítimos.
Vinte e três instrumentos de regulamentação marítima foram votados, compreendendo nove convenções, quatro recomendações e dez resoluções.
Uma comissão nomeada posteriormente pelo almirante Américo Tomás para estudo das convenções e possibilidade da sua ratificação apresentou superiormente um estudo e algumas propostas, em presença das quais resolveu o Governo Português ratificar as convenções relativas aos alojamentos da tripulação, alimentação e serviço de mesa, certificado de capacidade profissional dos cozinheiros, certificado de capacidade profissional do marinheiro qualificado, exame médico dos marítimos e férias anuais remuneradas.
A convenção relativa a salários, horas de trabalho e efectivos não foi ratificada pelo Governo Português, como, aliás, o não foi pela grande maioria dos países participantes, por se reconhecer que algumas das suas cláusulas eram inconvenientes e careciam, por isso, de revisão.
Contudo, os seus efeitos benéficos para os trabalhadores marítimos portugueses não deixaram de se fazer sentir.
Por meio de acordo colectivo celebrado entre o Grémio dos Armadores da Marinha Mercante e os sindicatos marítimos foi instituído o princípio das oito horas de trabalho diário.
As lotações dos navios foram determinadas pelas capitanias de fornia a manter o pessoal a três quartos, sem recurso a horas extraordinárias.
Os salários fixou-os a Junta Nacional da Marinha Mercante, de acordo com o nível dos vencimentos em vigor noutras indústrias, e são já hoje superiores aos previstos pela convenção.
Posso afoitamente afirmar, nestas circunstâncias, no que respeita a instalações a burilo, sistema alimentar, regime, de trabalho, direito anual a férias sem perda de vencimentos e efectivos, que as condições oferecidas aos profissionais do mar pelos nossos navios não são inferiores, e são até em alguns pontos superiores, às oferecidas pelos navio» das marinhas estrangeiras bem organizadas.
Resta apenas encarar a possibilidade do emprego contínuo, que certamente virá a ser adoptado em futuro mais ou menos próximo.
As convenções relativas aos seguros sociais e pensões na reforma ou na invalidez também não foram ratificadas pelo Governo Português.
Cada país tem o seu método especial de assistência, e nas convenções prescreve-se um mínimo de condições que em muitos países foi já ultrapassado.
Entre nós o seguro social na doença, constituído pela assistência medicamentosa e subsídios pecuniários, foi estabelecido com carácter generalizado para todas as actividades.
Está a funcionar ainda, com algumas deficiências, principalmente no que se refere à parte da assistência, medicamentosa a conceder às famílias dos beneficiados das caixas de previdência, através da Federação dos Serviços Médico-Sociais, porém, vão alargando e aperfeiçoando os seus serviços de assistência, e de ano para ano estão a notar-se progressos, que levam a supor que os princípios lançados pela convenção sejam atingidos em breve.
Há, além disso, conhecimento de que a hospitalização e a sanatorização estão também em estudo.
Quanto a pensões na reforma e na invalidez já o caso se passa de fornia diferente.
Estabelece a convenção e é hoje admitido como princípio geral nos grandes países marítimos o limite de 55 ou GO anos de idade para a reforma.
De facto, entre a gente do mar n incapacidade para o trabalho atinge-se normalmente mais cedo.
A vida a bordo, pela inospitalidade do meio pela obrigatoriedade do serviço contínuo, dia e noite, sem regularidade nas horas de repouso, e ainda pelas condições em quo o trabalho se desenvolve, quer em compartimentos sobreaquecidos, quer em exposição directa ao tempo, causa um desgaste considerável, e só as constituições muito robustas podem ultrapassar os 60 anos com disposição física para prosseguir o duro trabalho que a profissão impõe.
As noites perdidas durante o mau tempo e em ocasiões de entradas e saídas de portos, a falta de alimentos fresco, a humidade permanente e a respiração de gases deletérios provenientes da- combustão dos motores são outros tantos factores que diminuem a resistência física.
As bronquites, as pneumonias, as afecções do coração e os reumatismos são doenças bem conhecidas dos trabalhadores do mar e que causam anualmente bastantes vítimas.
Nos países em que a indústria dos transportes marítimos atinge grande desenvolvimento verifica-se que além dos 60 anos de idade o rendimento do homem do mar baixa consideràvelmente e impede-o mesmo de executar certos trabalhos inerentes à sua profissão. Por isso na convenção relativa a pensões se adoptou o limite de 55 ou 60 anos de idade para a reforma.
Entre nós a regulamentação a tal respeito foi estudada com carácter generalizado e o limite de idade

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foi fixado aos 70 anos para qualquer classe de trabalho, embora se admitam limites mais baixos para determinadas profissões.
A Caixa de Previdência do Pessoal da Marinha Mercante, tendo em atenção as razões atrás expostas, propôs para idade - limite da reforma dos seus beneficiários os 65 anos. limite que, sendo ainda superior ao geralmente admitido constituiria para a gente do mar grande vantagem.
Aliviar-se-ia, desta forma uma situação se vem arrastando, com grande descontentamento das classes marítimas, e que pode até trazer reparos de ordem internacional. E que só na Capitania do Porto de Lisboa há hoje cerca de seiscentos homens inscritos para o serviço de bordo com mais de 65 anos de idade: tento e vinte e dois andam embarcados e os restantes aguardam oportunidade de embarque.
De entre eles cento e trinta e um ultrapassaram já os 70 anos.
Ora a marinha mercante, por virtude da missão que lhe está confiada de manter as relações comerciais entre os povos, é um instrumento de carácter internacional: um navio em porto estrangeiro reflecte a situação do país de armamento. Do s.eu aspecto e da apresentação e compostura da sua tripulação depende muitas vezes a impressão que mais objectivamente perdurará.
O aparecimento de homens encanecidos e dobrados ao peso dos anos presta-se a críticas, que não serão certamente favoráveis à organização social do país a cuja bandeira o navio pertence.
Por outro lado, o prolongamento forçado destes homens a bordo, por uma quentão de complacência das capitanias e dos armadores, agrava os padecimentos dos portadores de doença, prejudica o rendimento do armamento e dificulta o acesso aos novos.
Dizia S. Ex.ª o Ministro da Marinha no seu despacho n.º 55, de 2 de Março de 1956, a propósito de uma nova instalação das escolas profissionais da marinha mercante, que o nível atingido pela frota nacional e as perspectivas de um maior desenvolvimento aconselhavam a encarar o problema da preparação profissional do pessoal de uma forma mais completa e geral. No entender de S. Exa., deve tornar-se impossível a entrada a bordo como tripulante a quem não esteja profissional e capazmente habilitado por qualquer das escolas.
Ora o Estado mantém uma escola para oficiais. A Junta Nacional da Marinha Mercante sustenta uma escola para marinheiros, motoristas, electricistas e pessoal de câmara.
Todos os anos são preparados nestas escolas novos profissionais com as necessárias habilitações para o exercício das diferentes funções de bordo.
A falta de vagas nos quadros das tripulações, por virtude do prolongamento do serviço daqueles que vão atingindo os limites de idade, dificulta a entrada dos novos e obriga a esperas que certamente prejudica os conhecimentos adquiridos.
O objectivo do preencher os quadros com gente nova. pela sua mocidade e formação profissional de garantias de bom rendimento, só poderá ser alcançado quando aos antigos profissionais do mar, que tão relevantes serviços prestaram, mas que estão hoje cansados. for assegurada uma pensão de reforma que lhes proporcione uma velhice, já não digo confortável, mas ao menos tranquila.
A Caixa da Marinha Mercante foi fundada em 1940 sendo a inscrição obrigatória. O direito à pensão começa naturalmente a coutar desde a data do primeiro desconto.
Anteriormente ã Caixa existia uma associação de socorros mútuos, com limitado número de associados voluntários, que contribuíam com quotas variáveis de acordo com as pensões que desejavam garantir.
A associação foi extinta e integrada na Caixa, sendo, porém, garantidos a todos os associados os direitos adquiridos.
A maioria dos beneficiários da Caixa, actualmente um número de 6000, não eram sócios da antiga associação e só começaram a contar p uru a reforma a partir da fundação da Caixa.
Para a gente nova o problema não apresenta dificuldades de maior. Porém, aqueles que à data da fundação da Caixa trabalhavam já há longos anos nas profissões marítimas e não tinham assegurada qualquer previdência atingem agora idade avançada com direitos muito limitados no que respeita à pensão.
Um marinheiro qualificado, por exemplo, à roda dos 70 anos, possivelmente com uma carreira de quarenta ou mais anos de serviços nu mar. receberá como pensão de reforma cerca de 300$ mensais, que, quando muito, dá para a renda da casa.
Embora o Governo não seja responsável pela situação presente, parece, em obediência ao pensamento de Salazar, que prometeu pão a todos os trabalhadores, que durante este período transitório as pensões atribuídas aos profissionais do mar carecem de ser melhoradas por um fundo conveniente.
A criação na Caixa de um fundo constituído por parte do excesso das reservas matemáticas apuradas no balanço técnico seria uma solução que se afigura justa e poria termo à situação desagradável que se atravessa.
12 este um dos ardentes desejos dos homens do mar e o Governo, aceitando uma oportuna proposta da Caixa nesse sentido, praticaria um acto de humanidade que ajudaria a amenizar a posição precária em que se encontram estes velhos trabalhadores.
Tratando-se, como se disse, de uma profissão que tem as suas características particulares diferentes das de terra, parece que se justificaria que o organismo a quem está confiado o amparo dos beneficiários na velhice tivesse também regulamentação própria e adequada às circunstâncias.
E se, como complemento e conforme, suponho, a Caixa propôs no regulamento que submeteu à aprovação das estâncias competentes, for aceite o limite de 65 anos para a reforma, uma vez atingida esta idade, poderá a cédula marítima ser cancelada, recebendo o beneficiário, como direito próprio, uma pensão que lhe deve garantir um mínimo de existência.
De outra forma terá que continuar a trabalhar na profissão, com todos os inconvenientes sociais e prejuízos económicos que daí advêm e que atrás mencionei.
Permito-me ainda referir outro aspecto da questão que constitui também uma velha aspiração da gente do mar e que estava no espírito dos fundadores da antiga associação. Trata-se das pensões de sobrevivência a assegurar às viúvas e órfãos dos beneficiários.
Julgo que esta velha pretensão, aliás incluída na convenção dos seguros sociais, poderá também ter solução satisfatória através da Caixa, se a proposta apresentada em tempos pelo Conselho Superior da Previdência Social, e que mereceu em 1949 a homologação do então Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, Dr. Mota Veiga, for agora autorizada.
A Caixa tem possibilidades de o fazer sem aumento de contribuições, estando também este assunto incluído na regulamentação proposta.
Aprovado que seja o regulamento, dar-se-ia inteira satisfação às tripulações dos navios mercantes, não só

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no que respeita à reforma aos 65 anos com pensão actualizada, como às pensões de sobrevivência.
Estou convencido de que S. Exa. o Ministro das Corporações, que aos problemas de assistência está a dedicar o seu melhor esforço, não deixará de acolher com especial carinho as aspirações desta obscura classe de trabalhadores, que tão importantes serviços tem prestado à Nação.
Se o Governo der satisfação a tais aspirações sem agravamento de encargos, como julgo possível, merecerá a gratidão de toda esta gente e os efeitos políticos que daí podem advir são de considerar.
A marinha mercante é, como atrás disse, uma das grandes actividades industriais do País, que, além de empregar cerca de 6000 homens na vida activa do mar, sustenta mais de 30 000 famílias que vivem de outras actividades ligadas à indústria dos transportes marítimos, tais como as do pessoal dos escritórios e cais, agências, tráfego e estiva, docas, estaleiros de construção, oficinas de reparações, etc.
Só no que respeita a estaleiros de construção, é do conhecimento geral, pela frequência dos lançamentos, que a expansão das frotas do comércio e da pesca lhes deu tal impulso que os obrigou a desenvolver extraordinariamente a produção, com o correspondente emprego de mão-de-obra.
E como esta absorve cerca de 25 por cento do custo da construção, o benefício que daqui resulta para as classes trabalhadoras é manifesto.
Mas há mais: alguns estaleiros estão já a construir para o estrangeiro, e isso significa também divisas entradas.
A garantia de emprego a tantos milhares de pessoas, contribuindo para o desafogo económico das classes trabalhadoras, justificaria, só por si, a existência daquela indústria.
Mas o aspecto social assume ainda maiores proporções se considerarmos que só as principais empresas de navegação contribuem anualmente com coreu de 37 000 tontos, para a previdência social dos seus empregados.
Por outro lado, a contribuição anual das mesmas empresas para o Estado e autarquias locais, sob a fornia de contribuições e impostos, passa dos 38 000 coutos.
Infelizmente, estas vantagens oferecidas pela marinha mercante não têm sido devidamente apreciadas. Não está ainda entre nós preparada a mentalidade a favor da navegação comercial, o espírito mercante, com» lhe chamou S. Ex.ª o Ministro da Marinha.
Perderam-se as velhas tradições que herdámos dos nossos gloriosos avós.
Através de um esforço prodigioso, regressámos ao mar quando lhe estávamos quase voltando as costas, mas o merecimento dos serviços prestados pela navegação nacional continua a ser pouco compreendido em determinados sectores, que nos navios só vêem o instrumento de lucro dos armadores.
A administração interna, com o seu oportuno programa de política financeira, a protecção concedida à lavoura, o reequipamento de algumas indústrias e a criação de outras, a renovação e desenvolvimento das frotas do comércio e da pesca, tem sem dúvida criado condições propícias si expansão económica e merece, por isso, os nossos maiores aplausos.
O programa é vasto e vai certamente prosseguir, mas precisa de ambiente favorável.
Uma apreciação menos oportuna à obra do Governo pode embaraçar os seus projectos.
Fez-se há dias referência nesta Câmara às tarifas elevadas da navegação nacional para as ilhas adjacentes, possível que a economia pobre das ilhas não
comporte o actual custo das passagens, que. aliás, não é fixado pela empresa que tem a seu cargo a exploração da carreira, mas entoo o problema assume um aspecto política que só o Governo pode resolver.
A navegação nacional está sujeita a um regime de coordenação que não lhe permite agir apenas segundo os seus interesses: taxas de frete e passagens são propostas pela Junta Nacional da Marinha Mercante, aprovadas pelo Ministro da Marinha e constituem um compromisso entre as receitas e as despesas de exploração.
Evidentemente, para qualquer empresa marítima ter condições de vida é preciso que os encargos relativos à exploração da carreira que u empresa serve, e em que se incluem o custo dos navios, as amortizações, as beneficiações periódicas, as reclassificações normais, os impostos, as taxas portuárias, os seguros, os encargos sociais, os vencimentos da tripulação, o custo dos combustíveis, o aprovisionamento e o justo rendimento do capital (visto tratar-se de empresas privadas), sejam cobertos pelas receitas brutas dos fretes e passagens.
Se este facto não se verificar, o saldo das contas será negativo, a empresa não constituirá reservas, não dará remuneração ao capital accionista, baixará o nível dos seus serviços, entrará no campo dos empréstimos e a sua situação económica e financeira agravar-se-á de hora a hora.
Se as circunstâncias exigem que nina carreira nestas condições se mantenha e se há conveniência política em não agravar fretes e passagens, o problema, como disse, só em nível ministerial poderá ter solução.
O público que tem de utilizar os navios, não vendo naturalmente os serviços acompanharem a evolução e até as exigências da vida moderna, quer em rapidez, quer em comodidade, queixa-se do exagerado custo das passagens, sem se aperceber da complexidade do problema.
E no entanto, posso afirmar que o nível do custo das passagens praticado nas linhas nacionais é geralmente dos mais baixos, quando comparado com o de outras linhas.
Na carreira das ilhas, por exemplo, e tomando como base a 3.º classe, cuja tarifa é de 390$ para o Funchal, o custo por quilómetro é de $40; para Ponta Delgada pagam-se 510$, ou seja §26 por quilómetro, tarifas estas inferiores às dos carros eléctricos, e, por pouca, comodidade que ofereçam, sempre incluem cama, mesa e um lugar para se sentar, o que raras vezes acontece nos referidos carros.
Se formos à carreira de Angola, verificaremos que o custo de unia 3.ª classe, camarote, de Lisboa para Luanda, é de 3000 o que corresponde também a $40 por quilómetro, de acordo com as tarifas aprovadas pelo Governo.
Mas no trajecto Lisboa Rio de Janeiro, cujas tarifas são estabelecidas pela Conferência da América do Sul, já o custo de um bilhete de 3.ª classe é de 5.600$, o que corresponde a $71 por quilómetro.
Nas carreiras estrangeiras Autuérpia- Lobito o lugar mais barato num navio de classe única e em camarote de quatro pessoas custa 18 500 francos belgas, o que, ao câmbio actual, corresponde a 10.600$, preço este superior ao de uma passagem em l. ª classe especial de Lisboa para o Lobito nas linhas nacionais, que é de 9.200$.
Comparando ainda as tarifas marítimas com as dos caminhos de ferro, verifica-se que, por exemplo, no trajecto Lisboa - Viana do Castelo o custo por quilómetro, em 3.ª classe, anda por $30.
Mas basta que lhe adicionemos o preço de uma refeição ou a sobretaxa de velocidade para que aquele custo se torne superior ao da navegação.

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Não pode, portanto, em boa verdade, dizer-se que as tarifas de passagens estão caras nas linhas marítimas portuguesas.

Compreendo as reclamações relativas ao pouco conforto e pequena velocidade dos velhos navios da empresa que serve a carreira das ilhas, navios que, ao contrário do que se verifica em todas as outras carreiras nacionais, não foram ainda substituídos.
Estava, de facto, prevista no despacho n. 100 da actual Ministro da Marinha a construção de dois paquetes novos para a carreira da Madeira e Açores.
A empresa que mantém esta carreira não teve, porém, oportunidade de constituir reservas para a renovarão prevista.
Despendeu 98 000 contos na Construção de dois navios fruteiros, um navio para transporte de gado e cargas secas e dois navios mistos para serviço de carga, e passageiros entre as ilhas dos Açores.
Uma parte importante desta verba foi obtida por empréstimo do Fundo de Renovação da Marinha Mercante, empréstimo que deverá amortizar em vinte anos, com o juro de 2,75 por cento.
O pequeno rendimento da carreira e os encargos resultantes do empréstimo colocam a empresa em situação precária, que não lhe permite fazer face ao empreendimento de uma nova construção, aliás muito onerosa.
No ano findo, e em obediência a um despacho de S. Exa. o Ministro da Marinha, apresentou a empresa à aprovação das autoridades competentes o projecto de construção de um navio que. pelas suas características de velocidade, conforto dos passageiros e disposições para carga, deveria dar inteira satisfação às necessidades das ilhas adjacentes.
Os seus 20 nós de velocidade permitir-lhe-iam atingir o Funchal em pouco mais de vinte e quatro horas e o percurso Lisboa- Ponta Delgada poderia ser feito em quarenta horas.
Os passageiros distribuídos por lugares de 1.º classe e turística disporiam de camarotes de uma, duas ou mais pessoas, que encontrariam nas salas de estar, restaurantes, bares, etc., o conforto que as viagens, por mar exigem.
De acordo com o projecto em estudo, nos Açores, da exportação de carnes congeladas, o navio disporia de instalações frigoríficas que satisfizessem as necessidades de transporte.
Tudo isto foi previsto, estudado e apresentado em devido tempo; simplesmente, o custo da construção que quase duplicou de 1950 a esta data, está a agravar-se dia a, dia e as condições económicas da empresa não lhe permitem arcar com a responsabilidade da construção de um navio cujo custo deve aproximar-se dos 150000 contos.
Como VV. Exas. podem ver é um problema do Governo e permito-me aqui exprimir a convicção de que ele terá a seu tempo solução justa e adequada.
No que respeita a transporte de cargas, já não pode dizer-se que as taxas de navegação nacional sejam as mais baixas, mas é nelas que tem de se procurar a compensação pura manter um serviço regular, com saídas frequentes e escalas por portos cujo movimento de cargas é insignificante.

O Sr. Furtado de Mendonça:-V. Ex.ª dá-me licença? Os barcos quando vêm das nossas províncias ultramarinas, com mercadorias, vêm repletos?

O Orador: - Sim.

O Sr. Furtado de Mendonça: - E depois, quando regressam, há falta de mercadorias ou também vão repletos?

O Orador: - Actualmente os barcos transportam mais carga da metrópole para o ultramar do que do ultramar para a metrópole. Isto no 2.º semestre. Mas tem havido sempre carga ...

O Sr. Furtado de Mendonça: - É que ouvi dizer algumas vezes que se justificariam tarifas mais baixas para fomentar a carga completa de mercadorias.
Muito obrigado pela explicação de V. Exa.

O Orador: - Contudo, apesar dos agravamentos frequentes no custo da explorarão, que têm determinado aumento de taxas em quase todas as linhas estrangeiras, a marinha mercante nacional mantém, praticamente, desde 1952 os mesmos fretes e todas as alterações sofridas têm sido no .sentido da redução.
O aumento do tráfego de passageiros e cargas nas carreiras de África tem permitido manter esta situação.
O agravamento há dias verificado com uma sobretaxa provisória de 10 por cento foi julgado imprescindível para fazer face ao aumento de 30 e 40 por cento no preço dos combustíveis e será retirado logo que o seu custo regresse aos termos anteriores, o que deve verificar-se, no todo ou em parte, com a reabertura do canal de Suez.
O facto de as taxas de fretes serem controladas por um organismo de coordenação económica não permite lucros demasiados aos armadores e traz à economia do País benefícios que reputo de extraordinário alcance, sobretudo em épocas anormais, que infelizmente aparecem com frequência.
Para exemplo, posso citar as fosforites. de que se importaram no ano findo 232 000 t a fretes fixados pela Junta dentro das normas de protecção devida à lavoura e bastante inferiores aos praticados pela navegação estrangeira.
Dos Estados Unidos vieram 166 000 t. de trigo. Enquanto 86 000 t foram transportadas em navios nacionais, a fretes que variaram entre o mínimo de 10 dólares e o máximo de 13 dólares, fretes estes pagos em escudos, aos navios estrangeiros que se encarregaram do transporte do trigo restante houve que pagar os fretes sempre mais elevados do mercado internacional e que atingiram 20 dólares com os acontecimentos do Suez.
Mas as vantagens da utilização da marinha mercante nacional tornam-se ainda mais evidentes no caso do abastecimento do País de combustíveis líquidos. No ano de 1950 importaram-se l 298 000 t de combustíveis; destas. 726 000 t foram transportadas em navios portugueses e 572 000 t em navios estrangeiros.
Enquanto aos navios nacionais se pagou, em moeda do País, 19() 43!) contos, e parti este facto peço a atenção de VV. Exas., aos estrangeiros pagaram-se fretes em moeda estrangeira equivalente a 254 109 contos.
Isto simplesmente significa que aos navios estrangeiros, que transportaram uma quantidade inferior em 20 por cento à dos navios nacionais, houve que pagar fretes 34 por cento superiores, e em cambiais.
O contraste torna-se ainda mais acentuado se se disser que o frete nacional do golfo Pérsico) atingiu no ano findo o máximo de 360$ por tonelada, depois do encerramento do canal, e aos navios que tivemos necessidade de fretar pagou-se a tonelada à razão de 1.385$.
Desde a criação, em 1947, da empresa armadora .dos navios [petroleiras transportaram estes miais de 5 milhões de toneladas de combustíveis líquidos, a que corresponderam fretes da importância de 1 410 500 contos. O custo dos seus navios foi de 466 500 contos.
Além de todos os benefícios de natureza social e económica, aquela empresa contribuiu, portanto, durante

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esse período, para a balança de pagamentos, com a importância dos fretes que deixaram de ser pagos a navios estrangeiros, da ordem dos 944 000 contos.

A marinha mercante é, de facto, a arma mais eficaz para vencer a batalha económica de um país como o nosso, cujo movimento de importação e exportação 50 faz 99 por cento por mar.
Quando ocorre uma situação crítica na conjuntura mundial, a navegação estrangeira torna-se escassa e os problemas nacionais só terão solução através da navegação própria.
Foi o que se verificou agora com os acontecimento; do Suez.
A mobilização de alguns navios ingleses e franceses para as operações militares do canal e a necessidade de ter de dar a volta pelo Cabo no tráfego com o Oriente produziram uma extraordinária alta de fretes, que atraiu a navegação livre das zonas de maior remuneração.
A rarefacção dos navios estrangeiros à carga nos portos de Moçambique e Angola fez-se sentir e logo apareceram apelos à navegação nacional para o transporte de óleos., farinha de peixe, milho e outros produtos com destino ao Norte da Europa.
Desviaram-se navios de outras carreiras e alteraram--se itinerários para acudir à situação, reforçando a carreira do Norte da Europa. As mercadoria» não ficaram os armazéns e foram até os navios, que tiveram de esperar que se removessem dificuldades absolutamente estranhas à navegação.
Da exportação total do milho de Angola - para territórios nacionais e estrangeiros-, no montante de 128 883 t, apenas 25 400 t foram transportadas em navios estrangeiros. Só não foi possível evitar certas críticas de alguns jornais em que se afirmava que navios havia, o que estavam era mal distribuídos».
E justamente a principal dificuldade neste momento é a falta de navios.
A comparticipação da navegação nacional nos movimentos de importação e exportação é apenas de 38 por cento. A falta de tonelagem impede mais eficaz intervenção.
O alargamento dos serviços do ultramar exige maior capacidade de transporte. Por outro lado, a carreira do Oriente e a necessidade de manter o abastecimento da índia absorvem considerável número de navios.
Desta fornia a tonelagem livre para oferecer ao mercado internacional e cooperar no tráfego de importação ficou muito reduzida.
Mesmo assim, as receitas brutas, provenientes quer de fretes entre portos estrangeiros, quer da comparticipação no tráfego de importação, quer ainda das passagens de emigrantes para o Brasil. Argentina e Venezuela, com qui! ein 1050 a marinha Mercante contribuiu para a balança de pagamentos, totalizaram cerca de 515 000 contos.
Já tive a oportunidade de dizer nesta Câmara que a marinha mercante pode, através de exportação de invisíveis, atingir elevado índice monetário e constituir um factor importantíssimo de desafogo u até de prosperidade ira economia nacional.
O pequeno desenvolvimento da nossa frota a e a progressiva expansão das província? ultramarinas dificilmente permitem orientar as coisas naquele sentido.
É na conservação e defesa do património territorial que deve, de facto, situar-se a principal razão de existência da nossa marinha de comércio.
Os acontecimentos se têm encarregado de demonstrar que um país constituído por territórios geogràficamente afastados e separados pelo mar dificilmente poderá conservar a sua independência económica e mesmo política se não dispuser de uma frota que mantenha os serviços de ligação indispensáveis e de que possa lançar mão em momento de emergência.
Mesmo aqueles que persistem em menosprezar os serviços da navegação nacional não podem deixar de reconhecer que a marinha mercante foi o melhor colaborador do Governo na resolução do importante problema de Goa.
Não dispondo de transportes militares nem de navios de guerra, como poderíamos efectuar a deslocação de forças armadas num movimento que ascende desde 1954 a pouco menos de duas dezenas de milhares de homens?
Como seria possível vencer-se o bloqueio económico imposto pela União Indiana e levar-se a Goa os produtos essenciais à vida das suas populações?
Só no ano que terminou foram em número de vinte e cinco os navios nacionais que frequentaram o porto de Mormugão, transportando para ali mais de 100000 t de mercadorias entre as quais 15 000 t de combustíveis líquidos, e conduzindo para o estrangeiro 77 000 t de minério, cuja exportação é essencial à economia do Estado da índia.
Embora com sacrifício de outras carreiras e até com o atropelo dos itinerários, as necessidades essenciais de Goa, tanto em importação como em exportação, têm sido satisfeitas através dos navios da frota nacional.
Surgiram naturalmente de entrada algumas deficiências, mas os serviços estão progressivamente a melhorar e espera-se -com a regularização da carreira do Oriente, o estabelecimento de uma carreira regular entre a África Oriental e Mormugão e a montagem, com navio adequado, de um serviço de cabotagem, subordinado a um calendário regulado pelo Governo local- poder garantir ao Estado da índia os recursos de que necessita, em matéria de navegação, para a sua expansão económica.
Admitido, assim, sem possibilidade de contestação, que a política nacional, por imperiosas necessidades de soberania, exige que se mantenha um mínimo de tonelagem flutuante e demonstrado que através dos invisíveis e de uma maior possibilidade de emprego de mão-de-obra a marinha do comércio pode eficazmente cooperar no desafogo da situação económica, parece dever concluir-se que todas as medidas tomadas pelo Governo no sentido de promover o desenvolvimento da indústria nos transportes por mar. integrando-o no campo activo das realizações económicas, contribuirão directamente para a melhoria das condições de vida da família portuguesa, matéria esta que foi objecto do aviso prévio do ilustre Deputado Daniel Barbosa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muita cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia designada para hoje. Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
D. Maria Leonor Correia Botelho.

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Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Venâncio Augusto Deslandes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Luís de Azeredo Pereira.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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