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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 203
ANO DE 1957 13 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 203, EM 12 DE ABRIL
Presidente: EX. os Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Sr.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Alberto Pacheco Jorge
Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 202, inserindo o parecer da Comissão das Contas Públicas da Assembleia Nacional acerca das contas da Junta do. Crédito Público referentes ao ano de 1955.
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia. -
O Sr. Deputado Urgel Horta pediu informações ao Ministério do Interior.
O Sr. Deputado Sarmento Rodrigues ocupou-se dos aproveitamentos hidroeléctricos de Moçambique.
O Sr. Deputado Galiano Tavares requereu informações ao Ministério da Economia.
O Sr. Deputado Trigueiros Sampaio agradeceu o voto de pesar da Assembleia pela morte de seu filho.
O Sr. Deputado António de Almeida falou sobre a insuficiência da assistência espiritual aos portugueses que vivem na América do Norte.
Ordem do dia - Prosseguiu o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa acerca do problema económico português.
Falaram os. Srs. Deputados Camilo Mendonça, Carlos Manterá, Jorge Jardim, Mário de Figueiredo e Daniel Barbosa, que encerrou o debate.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 21 horas.
CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 50/VI, acerca da proposta de lei n.º 45 (federações de Casas do Povo).
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Gaiteiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
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Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Selvas.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venáncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Urgel Abílio Horta.
Venáncio Augusto Deslandes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 75 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários a propósito do projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Moreira na sessão de 10 do corrente.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Urgel Horta.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Para o efeito de me habilitai- para a apreciação, na devida altura, do projecto de lei sobre desanexação de freguesias no concelho de Baião:
Roqueiro que pelo Ministério do Interior, pela Direcção-Geral de Administração Política e Civil, me seja fornecida cópia do processo instruído por despacho do respectivo Ministro, com data de õ de Fevereiro de 1951, a que deu causa a exposição feita pela Câmara Municipal de Mesão Frio, em 2 de Janeiro do mesmo ano, pedindo a incorporação no seu concelho das freguesias de Teixeira, Teixeiró, Loivos da Ribeira, Frende e Tresouras, pertencentes ao concelho de Baião, do distrito do Porto.
Mais roqueiro que me seja fornecida cópia das conclusões do inquérito realizado, que fazem parte integrante do referido processo, e ainda dos telegramas chegados à Mesa referentes à transferência das ditas freguesias».
O Sr. Sarmento Rodrigues: - Sr. Presidente: ao fazer agora algumas ligeiras considerações sobre um diploma emanado do Ministério do Ultramar, não tenho na mente registar simplesmente uma efeméride, embora o facto o mereça. O meu desejo é expor à Câmara um ponto de vista, que consiste, no meu entender, em que se deveria, não só apoiar o Governo, como significar-lhe quanto esta Assembleia aprecia uma política de grandes empreendimentos no ultramar.
Trata-se da criação, ultimamente feita, da missão de fomento e povoamento do Zambeze, à qual foram cometidas tarefas da maior projecção nacional e porventura internacional. O aproveitamento daquele grande rio -o maior da nossa África Oriental e um dos maiores de toda a África- tem tal importância para toda a parte central de Moçambique que essa obra bastaria, só por si, para celebrar, não apenas um homem, mas uma geração, uma política. E, se estamos longe, muitíssimo longe, de chegar ao fim dos trabalhos -até mesmo do seu começo-, do que também estamos convencidos é de que, pelo diploma em causa, foi dado o primeiro passo para se entrar no caminho da sua realização.
Sr. Presidente: vivi quatro anos, dos melhores da minha vida, nessa grande Zambézia, nessa aliciante região, que o grande rio abrange na sua gigantesca bacia. Tive ocasião de o percorrer várias vezes, desde a sua foz até ao Zumbo - pouco monos de 1000 km. Mas percorri-o de barco-de rodas ou de remo; caminhando ao longo das margens, a pé, sob o sol escaldante, de mochila ou de automóvel. Atravessei a caudalosa garganta da Lupata e desci, pelos meus pés, aos sombrios rápidos de Cabora Bassa.
Naveguei por vezes sob as copas de árvores frondosas, que as cheias submergiam, e arrastei-me pelos areais, que delgados lençóis de água mal cobriam no tempo das secas. Admirei e senti, como todos os zambezianos, o encanto das planícies de horizontes sem fim, das florestas majestosas, das plantações, da natureza e dos homens, nos grandes e pequenos povoados. Posso, assim, falar com algum conhecimento e, sobretudo, com profundo interesse de alguns problemas daquela vasta região.
Desta maneira, bem se compreenderia quanto me havia de ser grato ter eu próprio levantado o véu deste grande empreendimento e até quanta pena me estará cansando não ter sabido ou podido fazê-lo. Mas não. O maior desejo de ver Moçambique lançar-se a fundo no caminho dos grandes empreendimentos e também a satisfação de ver que à frente do Ministério do Ultramar
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está alguém de serena inteligência, corajosa vontade e dedicação total, realizando em silêncio uma obra maior ainda do que a sua extraordinária discrição - tudo isso me leva a sentir uma grande satisfação e a prestar ao distinto membro do Governo a quem se deve a iniciativa esta homenagem e esta justiça.
Já em Março do ano findo o ilustre Ministro determinara um primeiro estudo dos rápidos de Cabora Bassa. E, como se verifica do preambulo da Portaria n.º 16 214, depois de mandar proceder a exume local do problema, propôs ao Conselho Económico, em 7 de Novembro, a atribuição imediata de uma dotação, pelo Plano do Fomento, para os estudos preliminares. Por portaria de 8 de Fevereiro deste ano era aquela dotação autorizada, no montante de 11 120 contos, ao mesmo tempo que do orçamento de Moçambique se dispunham 30 000 contos para o mesmo fim durante o biénio de 1957-1908. A criação da missão, em 16 de Março último, é o seguimento metódico e seguro deste processo.
Vai-se, por conseguinte, fazer o reconhecimento sistemático dos recursos da bacia hidrográfica daquele rio em território de Moçambique, organizar os planos de aproveitamento e desenvolvimento dos mesmos recursos e elaborar os projectos. Estamos muito longe, repito, de chegar ao fim ou mesmo ao começo do aproveitamento. Mas estamos no caminho. E isso se deve à larga visão do ilustre Ministro do Ultramar.
Na verdade, o Zambeze só por si é um manancial de energia capaz de bastar a todas as necessidades presentes da parte central de Moçambique - mesmo que se incluísse a electrificação dos caminhos de ferro- e ainda oferece possibilidades para o estabelecimento de indústrias novas e abre novos campos de acção para a actividade humana. De facto, segundo os cálculos do último reconhecimento efectuado pelo ilustre técnico Eng. Abecasis Manzanares, dos 50 biliões de kilo-watts-hora potenciais do Zambeze português, só a barragem que se prevê na Cabora Bassa, perto da cidade de Tete, produziria 22 biliões de kilowatts-hora a baixo custo, isto é, quinze vezes o consumo total de energia de Portugal continental no ano de 1955. A represa formada estender-se-ia até à, fronteira, numa extensão de 200 km, contendo cerca de 110 biliões de metros cúbicos de água, o que garante um caudal mínimo regular de cerca de 2500 m3/s. E ainda haverá a viabilidade económica de aproveitar mais 10 biliões de kilowatts--hora, principalmente nos rápidos da Lupata.
Não me vou alongar, Sr. Presidente, a expor números e informações técnicas, que facilmente recolheria no relatório do Eng. Manzanares ou mesmo no douto parecer da Comissão das Contas Públicas. Para o intento que me proponho não ó preciso fazer exposições de natureza técnica minuciosa. Entendo que para os fins desta Câmara basta, no geral, a apreciação de grandes números e de linhas de orientação. O resto ó reserva e privilégio dos técnicos.
Direi apenas que se prevê que as obras do Zambeze abrangidas pela portaria poderão dar à parte central de Moçambique energia para todos os fins presentes e previstos no futuro, permitindo assim e também: a rega das regiões mais elevadas e saudáveis, mais próprias para o povoamento europeu, como sejam as três circunscrições ao norte do rio, pelo menos da Maravia e da Macanga; o enxugo das terras baixas, milenàriamente alagadas, que hoje servem de pasto nos búfalos e que poderão desentranhar-se em culturas, tal como sucede em parte com o açúcar; a criação de indústrias, mesmo a siderúrgica, visto que o forro existe em abundância e carvão não falta na vizinhança, nas famosas minas de Moatize, em boa exploração - isto além dos minérios de urânio, já há alguns anos objecto de várias explorações, que só foram sustadas por se ter reconhecido a
necessidade de as ordenar em novas bases; e até mesmo o aproveitamento do rio, em todo ou em grande parte do seu leito, para a navegação - o que foi uma velha ilusão do fim do século passado e que poderá vir a ser uma realidade com as novas barragens e graças à retenção dos materiais de assoreamento.
O que sabemos é que tudo isto não é uma utopia. Os nossos vizinhos da Rodésia estão já a construir uma barragem semelhante à de Cabora Bassa, no mesmo Zambeze -a de Kariba-,e contam tê-la saturada em 1970. O mesmo, estou certo, há-de vir um dia a suceder às nossas.
Ha imensas necessidades à vista que não precisam de ser contidas, visto termos possibilidades de as satisfazer. Todos sabemos, por exemplo, o trabalho ingente que tem sido levado a cabo no conjunto caminho de ferro-porto da Beira. Entregues à administração portuguesa em 1948, apenas movimentavam cerca de milhão e meio de toneladas. Pouco tempo depois, nas nossas mãos, passaram a circular 2 milhões, 2 milhões e meio, 3 milhões, isto é, o dobro, que chegou a ser ultrapassado. Aumentaram-se os cais, renovou-se a linha e construíram-se numerosos desvios. E sobretudo trabalhou-se bem e duro, dando-se um exemplo da nossa competência e tenacidade. O que se fez e se está fazendo naquele porto sai fora de todos os limites e de todas as regras. Em cada metro linear de cais movimentam-se 3000 t de carga geral, quando todos os tratados admitem à roda de 1000! É claro que só á custa de muito brio e muito sacrifício. Mas tudo isto é bem próprio da Beira, essa cidado briosa que conheço muito bem, e dos serviços dos Caminhos de Ferro de Moçambique, que administram o caminho de ferro e porto da Beira e cuja competência invulgar nunca será demasiado pôr em relevo.
Houve um momento, com a entrada ao serviço do Caminho de Ferro do Limpopo, em que o movimento da Beira afrouxou. Mas em breve retomou os números antigos, porque o tráfego aumenta sempre.
É pois evidente que a situação não se altera, senão para pior. Se os cais e a linha férrea não permitem mais, a única solução, e urgente, é construir mais cais e electrificar e depois duplicar a linha. Aqui temos nos um emprego de energia, útil, rendoso, necessário.
Mas isto era apenas um exemplo. O emprego para a energia não haverá de faltar. Não paremos com receio de que seja cedo ainda. Estou inteiramente com o nosso ilustre colega Araújo Correia quando diz que «o futuro é largo». Haja energia que as empresas e respectivos investimentos não hão-de faltar. Dentro e fora das fronteiras.
Na verdade, Sr. Presidente, esta parte central de Moçambique é, sob este aspecto, privilegiada. Não contando com o Zambeze, existe já em funcionamento, numa l.1 fase, o aproveitamento hidroeléctrico do Revué, com a sua central de Mavusi, que vai ser reforçada dentro de breve tempo com uma nova central, utilizando o mesmo açude, para produzir cerca de 220 milhões de kilowatts-hora por ano. E essa empresa tem ainda em construção no mesmo rio, mais a montante, a barragem da Chicamba, para regularização do rio, visto que permite um formidável armazenamento -cerca de 2 biliões de metros cúbicos- e que com uma nova central ao pé da barragem poderá fornecer mais cerca de 130 milhões de kilowatts-hora por ano. li os aproveitamentos do Revué podem ser levados muito mais além.
Isto são já realidades que se traduzem no fornecimento de energia eléctrica à cidade da Beira, à região industrial do Dondo, a Vila Pery e a outras povoações e também na venda de energia para a Rodésia, segundo
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acordo já firmado, possivelmente para electrificação de parte do seu caminho de ferro para a fronteira.
Não há dúvida de que se caminha e não se há-de parar.
E isto sem falar nas possibilidades da utilização do lago Niassa como reservatório de energia, em ligação com o rio Chire, afluente do Zambeze. Este projecto já foi objecto dum acordo entre os Governos Português, Britânico e da Federação. Os primeiros estados estão feitos com a nossa participação, prevendo-se o aproveitamento e repartição proporcional da energia e dos encargos. Dizer que não se pensa. agora nessa obra, quando há outras mais ao alcance para fazer, parece bem. Mas que ninguém se convença de que podem ficar abandonados valores energéticos que o progresso, o bem-estar, o conforto, a vida dos povos, exigem. A vez do Niassa - de resto já começado a estudar - também há-de chegar. E quanto mais cedo melhor.
Sr. Presidente: que tudo isto, os vários aproveitamentos dos rios e lagos, na sua energia, na sua rega, sirva principalmente para povoar essas regiões portuguesas com portugueses, missão que neste século ainda tem o mesmo imperativo do passado longínquo. E estou certo de que de todas as maneiras, criando indústrias, regando as terras, desenvolvendo as culturas, se hão-de encher essas terras de mais gente portuguesa que as fecunde e as defenda contra todos os perigos que ameaçam a existência da Nação.
Torno ao tema de sempre. Portugal inteiro tem de voltar os seus olhos e dedicar a(sua maior atenção aos problemas de África, da nossa África. Temos de cumprir as directrizes do grande Chefe do Governo, realizando no ultramar, com intensidade e entusiasmo, essa «tarefa colectiva, de Índole e interesse nacional». Não há outra maior. É a última. Ia a dizer que era a única.
Uma tarefa nacional, sim, mas da grande nação que nós somos, nas tradições e nas aspirações. Uma tarefa africana, continental.
Por isso eu desejaria que pudéssemos dizer ao Governo que não há empreendimentos no ultramar, por maiores que pareçam, que esta Assembleia não aplauda, por mais sacrifícios que envolvam para a nossa geração. Porque para além de nós, aquém e além-mar, está o futuro, a própria existência da Nação Portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Galiano Tavares: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte:
Requerimento
«Roqueiro, ao abrigo do Regimento, que pelo Ministério da Economia, Direcção-Geral dos Serviços Florestais, se me concedam informações quanto às campanhas que se estejam desenvolvendo contra a lymantria e o burgo, com indicação das áreas desinfestadas e relativamente ao distrito de Portalegre».
O Sr. Trigueiros Sampaio: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar a V. Ex.ª os meus agradecimentos pelas palavras amáveis proferidas a propósito do falecimento de meu filho.
O Sr. Presidente:-Estão inscritos para usar da palavra antes da ordem do dia os Srs. Deputados António de Almeida e Azeredo Pereira.
Lamento, porém, não poder dar-lhes a palavra, dada a necessidade de se aproveitar todo o tempo disponível para se discutir o aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa sobre o problema económico português, inscrito na ordem do dia.
Enviado pela Presidência do Conselho, e para cumprimento do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontra--se na Mesa o Diário do Governo n.º 80, l.ª série, de 8 do corrente, que insere os Decretos-Leis n. os 41 057 e 41058, para efeitos do disposto no § 1.º do artigo 109.º da Constituição.
Está também na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei relativa à criação das federações de Casas do Povo. Este parecer vai ser publicado no Diário das Sessões e baixar á Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social.
Estão ainda na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado José Sarmento de Vasconcelos e Castro na sessão de 28 de Março findo e os elementos fornecidos pelo Ministério da Justiça a requerimento do Sr. Deputado Tito Arantes em 7 do mesmo mês. Vão ser entregues aos referidos Srs. Deputados.
Pausa.
O Sr. Presidente:-O Sr. Deputado António de Almeida, que estava inscrito para falar antes da ordem do dia, veio salientar-me o grave inconveniente que haveria para a sua intervenção se não fosse feita hoje. Obtemperando às considerações que este Sr. Deputado acaba de fazer-me, vou dar-lhe a palavra antes da ordem do dia, pedindo-lhe, no entanto, com todo o empenho, que seja o mais breve possível.
O Sr. António de Almeida: - Agradeço a V. Ex.a, Sr. Presidente, o deferimento do meu pedido.
Sr. Presidente: em Setembro do ano passado tive a oportunidade de visitar os Estados Unidos da América, aonde fui, como delegado do Ministério do Ultramar, assistir ao V Congresso Internacional das Ciências Antropológicas e Etnológicas, realizado em Filadélfia, e no qual comparticiparam algumas centenas de investigadores, oriundos de sessenta e uma nações.
Findos os trabalhos do Congresso, solicitações amáveis e insistentes dos jornais e colectividades lusitanos existentes naquele grande e progressivo pais permitiram-me entrar em convívio com os principais núcleos de portugueses emigrados ou nascidos na Nova Inglaterra e na Califórnia, cujo montante, em intenso crescimento, sobe já a cerca de meio milhão.
Conversei com os nossos representantes consulares, ouvi sacerdotes, directores de jornais, presidentes de instituições culturais e de beneficência, comerciantes, industriais, agricultores e operários portugueses, e na obsequiosa companhia do prestigioso pároco de ,Ludlow Sr. Padre Dr. Manuel Rocha, encontrei-me com o nosso ilustre embaixador em Washington, Sr. Dr. Esteves Fernandes, e com o director da Casa de Portugal em Nova Iorque, Sr. Eng. Freire de Andrade, e respectivos funcionários ; a todos e ao Secretariado Nacional da Informação devo inesquecíveis atenções e a possibilidade de, nas poucas semanas de que dispunha, apreciar devidamente alguns dos mais importantes problemas que interessam tanto aos nossos emigrados e seus descendentes como a Portugal inteiro.
Por este motivo desejo fazer algumas considerações nesta Assembleia sobre um aspecto espiritual que tão dolorosamente me impressionou. Refiro-me à insuficiência na Nova Inglaterra e à quase ausência na Califórnia de assistência religiosa aos milhares de luso-americanos dessas regiões.
Ao abordar tão séria questão escudo-me no artigo 45.º da Constituição Política.
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Sr. Presidente: a corrente emigratória portuguesa para os Estados Unidos da América foi iniciada por ousados e valentes pescadores de baleias, oriundos do arquipélago dos Açores, posteriormente prosseguida e ampliada com a partida do novos contingentes açorianos, madeirenses, metropolitanos e cabo-verdianos, atraídos pelas riquezas dessa portentosa nação, indo uns empregar-se na construção civil e outros na indústria têxtil da Nova Inglaterra ou na agricultura da Califórnia.
Está por escrever, com o devido realce, a epopeia de esforços, sofrimentos, desânimos, tenacidade, esperanças e triunfos dos emigrantes portugueses chegados à América do Norte em condições muito precárias, por desconhecimento da língua inglesa e sem a necessária bagagem intelectual e técnica que o novo meio exigia para melhor adaptação e mais fácil consecução dos objectivos impulsionadores da saída da terra natal. Nessa pequena história há-de indubitavelmente render-se justa homenagem ao brilhante contributo dos Portugueses para o engrandecimento dos Estados Unidos da América.
Sr. Presidente: cada bom português, ao deixar a sua pátria, com o entranhado amor a esta, leva no coração e na alma fervoroso amor a Deus - a insubstituível armadura para enfrentar e resistir corajosamente às adversidades que o aguardam no território estrangeiro.
Arribado à América do Norte, o nosso emigrante sente-se só e abandonado, roído de saudades; mais tarde, conformado com a sua situação, porque vai compreendendo a língua, se adestrou no ofício e se familiarizou com a gente patrícia ou estranha, o emigrante vê crescer os meios pecuniários, graças às suas qualidades de trabalho e ilimitado espírito de sacrifício e à preocupação dominante de amealhar economias para regressar à pátria.
Mas o tempo passa, o colono constitui família ou chama a que ficou em Portugal, desfruta de bem-estar e conforto modernos, adquire novos hábitos sociais, acabando por imiscuir-se na política local; fixa-se e naturaliza-se - não por atenuação das virtudes patrióticas, mas por tal acto ser condição indispensável à sua ascensão profissional, económica e social.
Sem a naturalização, o emigrado nunca terá profissão ou exercerá cargo de certo relevo na vida privada, nem tão-pouco seus filhos usufruirão os direitos constitucionais americanos, incluindo o de candidatar-se ao desempenho de funções político-administrativas, que podem ir da chefia de humilde aldeia até às de senador e deputado estadual e federal, para prestígio próprio e proveito moral e material de toda a colónia portuguesa.
Não se tome a naturalização como atitude censurável ; todos os emigrados estrangeiros procedem de igual modo nos Estados Unidos da América. Mussolini aconselhava com insistência aos seus compatriotas naturalizarem-se americanos; é que ele sabia muito bem que, desta sorte, a influência dos milhões de seus irmãos de sangue ali residentes far-se-ia sentir mais eficientemente, com a consequente e fecunda repercussão nos interesses políticos e económicos da Itália.
Semelhante actuação tinha, aliás, feliz tradição, vinda do século passado; grandes nomes da política, das actividades económicas e financeiras e da igreja católica norte-americanas eram e são italianos naturalizados ou destes descendentes.
Demais, a lei americana que autoriza a naturalização não cuida de saber se os estrangeiros naturalizados continuam ou não a gozar as regalias dos cidadãos do país de que provêm. Devo acentuar que, para os americanos de origem, quanto maior dedicação manifestem os naturalizados à pátria-mãe, mais segura garantia estes dão de servir lealmente a pátria adoptiva.
Do portuguesismo dos milhares de luso-americanos com quem tive a satisfação de contactar na Nova Inglaterra e na Califórnia sou testemunha; ao ouvi-los falar, saudosa e enternecidamente, do torrão natal e da passagem de S. E. o Cardeal Patriarca e dos Ministros Paulo Cunha e Sarmento Rodrigues, ao referirem-se orgulhosamente ao progresso de Portugal de hoje e ao seu genial obreiro, Salazar, ao dar-se conta do carinho o emoção com que entoam A Portuguesa e as nossas velhas cauções e da veneração que votam à bandeira nacional, fica-se com a plena convicção de que os luso-americanos são portugueses dos melhores.
Tem-se declarado, e com verdade, que milhares de luso-americanos falam mal ou não entendem a língua portuguesa e muitos se bateram e morreram pela América nas duas grandes guerras. Das causas do primeiro facto, bem desconsolador, e do exame dos meios de inutilizá-lo me ocuparei nesta Casa qualquer dia; a segunda verificação não pode surpreender ninguém - a nossa história regista múltiplos exemplos desta índole, sem que os seus protagonistas deixassem de amar Portugal.
A gratidão dos Estados Unidos da América aos luso-americanos mortos heroicamente em sua defesa está patente nos vários monumentos erigidos em honra deles ou nos nomes das praças e ruas de diversas localidades norte-americanas.
Desde a Guerra da Independência muitos portugueses têm pelejado pela segunda pátria; Pedro Francisco é considerado pelos americanos como «o mais famoso soldado raso da Guerra da Revolução», a quem o estado de Massachusetts dedicou o dia 15 de Março para rememoração das suas heróicas acções.
Sr. Presidente: para que o amor a Portugal não possa vir a esmorecer, mas antes a engrandecer-se e a consolidar-se no peito dos luso-americanos, é condição fundamental que estes saibam falar e escrever correntemente o nosso idioma e pratiquem a fé de seus antepassados; a religião dos nossos compatriotas em terra estrangeira constitui «a guarda avançada da língua portuguesa e dos nossos costumes e cultura tradicionais» e, por conseguinte, o magnífico arauto e impulsionador dos mais nobres sentimentos nacionalistas.
Um dia o Sr. Cardeal Patriarca, com a autoridade de eminente príncipe da Igreja e de grande filho de Portugal, disse: «Os portugueses são na América do Norte uma pujante presença de Portugal. Salvaram-nos de se afogarem nesse mar imenso de raças, línguas e costumes diferentes principalmente as igrejas portuguesas, verdadeiros larários da Fé e da tradição nacional».
Sr. Presidente: vem a propósito salientar o cuidado espiritual que os emigrantes tom merecido a Pio XII.
Na Constituição Apostólica Exsul Família, promulgada por Sua Santidade, está clara e magistralmente definida a posição da Igreja a este respeito. Permito-me transcrever, quase na íntegra, o resumo, inserto no Ossercatore Romano de 7 de Agosto de 1952, como preito de humilde devoção filial ao grande papa, felizmente reinante, e para ser melhor conhecido da Nação Portuguesa. Este notável documento pontifício compõe-se dos dois títulos seguintes: «Solicitude materna para com os emigrantes» e «Normas para a cura espiritual dos emigrados».
O primeiro título abrange dois capítulos, o primeiro dos quais começa com algumas evocações históricas sobre o amparo religioso - desde Santo Ambrósio à sobra de conversão e inserção na comunidade cristã das populações bárbaras» e ao «zelo das ordens religiosas na libertação dos crentes deportados e tornados escravos», e à «assistência espiritual dada aos primeiros colonizadores do Novo Mundo e aos escravos negros», trazidos da África; salienta-se a preocupação constante da Igreja, consignada na Scholar Peregrínorum, de dar aos peregrinos, exilados e desterrados (saxões, lombardos, fran-
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cos, frísios, abexins, húngaros e arménios), o auxilio religioso, «prestado quanto possível por sacerdotes das respectivas nacionalidades e línguas»; recorda-se o IV Concilio lateranense, do 1215, no qual se «impôs aos bispos das dioceses onde existissem grupos de fiéis de diverso rito ou língua a obrigação de estes serem assistidos por padres da mesma origem, prescrição que havia de levar posteriormente à criação de paróquias nacionais, consideradas também no Código de Direito Canónico»; e, finalmente, «citaram-se as principais obras desenvolvidas neste campo de apostolado pelos pontífices Leão XIII, Pio X, Bento XV, Pio XI e Pio XII. iniciado no fim do século XIX com o aumento extraordinário da emigração para a América do Norte de povos da Europa, sobretudo italianos o.
«Leão XIII, o grande defensor da dignidade do trabalho humano e dos seus direitos, interessou-se muito especialmente pela assistência religiosa aos operários que se dirigiam para os países estrangeiros e para regiões longínquas em busca de trabalho e de sustento para si e suas famílias, para o que aprovou a Sociedade de S. Rafael, instituída pelos bispos da Alemanha para dar assistência aos emigrantes alemães B, alargada depois aos emigrantes de outras origens: belgas, austríacos e italianos.
Este Santo Padre patrocinou a fundação de um colégio sacerdotal destinado a dar amparo espiritual aos inúmeros emigrantes italianos para a América, mais tarde chamado Instituto Religioso dos Missionários de S. Carlos; à criação deste excelente viveiro do padres missionários sucederam-se outras frutuosas iniciativas, erigidas pela carta Quam Aerumnosa dedicadas aos emigrantes e servidas por sacerdotes, tanto do clero diocesano, como do regular, como «associações, patronatos para acudir aos desterrados provenientes da Irlanda, Áustria, França, Suíça, Holanda, Espanha e Portugal, criando-se também nesta época muitas paróquias nacionais ».
Sob os auspícios de Leão XIII, instituiu-se, em 1900, a Obra de assistência nos emigrados italianos da Europa, cuja influência suscitaria a fundação das missões católicas, para emigrantes na Suíça, Alemanha e França, e noutros países; as múltiplas instituições americanas para manutenção e educação dos filhos dos italianos, hospitais, asilos, etc., fundados pela màe dos emigrados italianos (madre Francisca Xavier Cabrini, beatificada por Pio XI). devem-se às sugestões de Leão XIU.
Pio X n organizou numerosas obras em favor dos emigrantes de todas as nações para a América, Oriente e vários países europeus», facilitou, em 1904, a instituição de um seminário para os filhos de italianos da América do Norte, «aprovou a Sociedade dos Missionários de Emigrantes de Santo António, promoveu a fundação de comissões de beneficência dos emigrados, favoreceu os sacerdotes e fiéis do rito oriental e estabeleceu as normas para regularizar, no Canadá, as relações entre os bispos e padres de rito latino e ruteno»; criando, em 1914, uma secção especial na Sagrada Congregação Consistorial para cuidar dos emigrados de rito latino, possibilitou o estudo de leis oportunas para regulamentar a partida dos sacerdotes que, de certas regiões da Europa, desejem emigrar para a América e ilhas Filipinas ou tencionam dedicar-se à preparação espiritual dos emigrantes italianos - para o que instituiu em Roma um colégio de formação de padres.
Bento XV, embora absorvido pelas questões relacionadas com a primeira grande guerra, não deixou de olhar carinhosamente pela assistência religiosa e material aos emigrados prisioneiros e peregrinos, como bem o demonstram, entre outras obras: a instituição do dia anual da emigração, a recomendação da fundação de patronatos eclesiásticos, a nomeação de um prelado para a emigração italiana e de um ordinário comum para os desterrados na Itália, o estímulo para a criação, em Baltimore, de um seminário para mexicanos aspirantes ao sacerdócio, a promoção, na América do Sul, da assistência aos católicos de rito oriental grego-ruteno, a criação de um seminário na Itália para ítalo-gregos e de uma diocese para os fiéis de rito grego fugidos do Épiro e da Albânia.
Pio XI cuidou principalmente dos crentes orientais - arménios e russos. Instituiu um ordinariato na China, deu uma igreja aos fiéis de rito eslavo, fundou o Seminário Russicum, recomendou aos bispos da Polónia interesse pelos desterrados das regiões orientais, erigiu, na Sicília, a Eparquia de Piana dos Gregos, para os católicos de rito bizantino, e aperfeiçoou os ordinariatos dos rutenos da América do Norte.
Quanto aos emigrantes de rito latino, Pio XI «elevou a Basílica a Igreja Nacional da Polónia nos Estados Unidos da América, nomeou um protector de todos os emigrados polacos, aprovou a criação da Sociedade dos Santos Anjos, para a assistência espiritual aos emigrantes alemães, promoveu o entendimento entre os bispos norte-americanos e mexicanos no sentido de favorecerem os emigrantes mexicanos nos Estados Unidos, manifestando paternal solicitude pelos bispos, sacerdotes, religiosos e fiéis espanhóis perseguidos e desterrados da pátria em 1936».
A par destes notáveis empreendimentos, Pio XI estabeleceu as normas das obras dos missionários de bordo e dos missionários de emigração, deu aos emigrantes italianos a «cédula eclesiástica», recebida do seu pároco, restituiu à Pia Sociedade dos Missionários de S. Carlos as características de instituto religioso, entregando a direcção à Sagrada Congregação Consistorial, e reconheceu a Obra do Apostolado do Mar, posteriormente submetida à Sagrada Congregação Consistorial pelo actual e glorioso Pontífice Pio XII.
Com este Santo Padre a Igreja multiplicou suas ingentes tarefas em prol da assistência espiritual e material aos judeus e a outras gentes deportadas, perseguidas ou obrigadas a transmigrações em massa, causadas pela segunda grande guerra, que o Sumo Pontífice tanto se esforçou por evitar.
Os organismos assistenciais - Secção de Informação, Comissão de Socorros, Comissão Pontifícia de Assistência aos Refugiados e Comissão Pontifícia de Assistência - ainda em operosa actividade e a cedência dos palácios apostólicos aos numerosos e míseros desterrados (exemplo admirável logo imitado pelos seminários e colégios eclesiásticos de Roma e pelas casas de religiosos) constituem provas brilhantes da extrema generosidade de Sua Santidade.
Findas as hostilidades. Pio XII instituiu uma secção especial para a, emigração, tendo enviado missões à Alemanha e à Áustria, com o fim de proteger os desterrados; sob sua sugestão, e mercê da acção dos núncios e delegados apostólicos e da pronta colaboração dos bispos, sacerdotes, Acção Católica e outras associações de boa vontade dos fiéis, foi possível organizar comissões de beneficência em todo o Mundo, cujo labor tão fecunda e beníficamente se reflectiu sobre os perseguidos e exilados.
Ao deflagrar, em 1948, a guerra no Próximo Oriente, o Papa criou a Comissão Pontifícia para a Palestina, com o objectivo de socorrer as centenas de milhares de pessoas impelidas a refugiar-se na Jordânia, Síria, Líbano, Egipto e região de Gaza.
Em suas mensagens e alocuções Pio XII não tem deixado de chamar a atenção dos «bispos, instituições nacionais e internacionais e dos próprios governos para o gravíssimo problema dos emigrados e desterrados; a carta aos bispos da Alemanha, em 1948, a encíclica Redemptoris Nostri, endereçada aos bispos da Áustria,
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as exortações «dirigidas aos bispos, sacerdotes, religiosos e lieis que em certos países sofrem, pela fé, nas prisões, em trabalhos forçados, e outros documentos papais revelam bem o bondosíssimo coração de Sua Santidade».
o interesse de Pio XII pelos emigrantes falam vários empreendimentos promovidos para lhes dar assistência: «Obra dos visitadores para vários grupos étnicos; envio de numerosos missionários de emigração, com o propósito de assistirem aos emigrantes italianos na Bélgica, França, Alemanha, Inglaterra, Suíça, Holanda e América Latina; a Obra da Cooperação Sacerdotal Hispano-Americana de Madrid em 1948 e a sua similar instituída pelo Episcopado na Holanda; aprovação, em 1950, da Societas Christi pro Emigrantibus para os polacos».
O carinho paternal do Santo Padre pelos católicos orientais levou-o a fundar a Diocese do Cairo para os maronitas refugiados do Líbano, quatro exarcados rutenos no Canadá e um ordinariato oriental no Brasil; a instituição do Colégio Lituano de S. Casimiro, em Roma, destinado aos clérigos e sacerdotes desterrados da Lituânia, e as proclamações de S. Vicente de Paulo e de Santa Francisca Xavier Cabrini, respectivamente, padroeiros das sociedades italianas de navegação e de todos os emigrantes são outras manifestações do bondoso cuidado de Sua Santidade pela assistência, espiritual e material dada a todos os católicos que, voluntária ou forçadamente, abandonaram a terra de nascimento.
O segundo capítulo do primeiro titulo de Exsul família aponta os seguintes motivos determinantes da promulgação das novas e claras normas, solicitadas por alguns bispos: «urgência de providenciar, o mais adequadamente possível, à assistência espiritual da multidão sempre crescente de desterrados e emigrantes, não já apenas em algumas regiões da Europa o das Américas, mas igualmente da Austrália e das ilhas Filipinas».
O título segundo da Exsul Família compreende seis capítulos.
No primeiro - «Da competência, da Sagrada Congregação Consistorial sobre os emigrantes» - perfilham--se as doutrinas de Pio X, «regulando-se as relações entre a Sagrada Congregação da Igreja Oriental e a Propagação da Fé, estendeu-se a todos os sacerdotes da Europa que desejem emigrar para o ultramar as regras até agora vigentes apenas em alguns países, como sejam: a licença necessária para emigrar poderá ser pasmada pela Sagrada Congregação Consistorial ou pelos representantes pontifícios com semelhante faculdade, sob a condição de que a autorização dependerá sempre do consentimento do bispo da região para onde queira partir: só a Sagrada Congregação Consistorial -junto da qual existe o Conselho Supremo da Emigração e o Secretariado-Geral Internacional do Apostolado do Mar - concederá o indulto apostólico para erecção de paróquias nacionais em favor dos emigrados, bom como a aprovação e nomeação de missionários dos emigrantes, capelães de bordo o respectivos directores.
O segundo capitulo -«Do delegado para a emigração»- fixa as atribuições deste: «promoção do conjunto das actividades pastorais a favor dos emigrantes de qualquer nacionalidade e categoria por meio de contacto com os centros e organizações próprios, recrutamento, assistência e vigilância sobro os missionários, propaganda e iniciativa de que possam resultar benefício espiritual e material para os emigrantes - funções antes atribuídas ao prelado para a emigração italiana e aos visitadores ou delegados das diversas nações na Europa e na América».
O terceiro capítulo - «Dos directores dos missionários dos emigrantes e dos capelães de bordo» - indica as obrigações destes, «os quais se conservam sempre sob a autoridade dos ordinários locais, de acordo com a Sagrada Congregação Consistorial, e do respectivo delegado», preconizando ainda que «os capelães de bordo, no exercício do seu ministério, são equiparados aos párocos (excepto no que respeita ao sacramento de matrimónio) e aos reitores das igrejas, se o navio dispuser de capela».
O capítulo quarto - «Da cura das almas que os ordinários locais devem exercitar sobre os estrangeiros» - «contém a inovação mais importante; nele dão-se normas e recomendações àqueles para confiarem a cura das almas dos vários grupos de estrangeiros das respectivas dioceses aos capelães dos emigrantes, e que concedam a estes as faculdades especiais: o poder pessoal de que virão a fazer uso os capelães é cumulativo com o poder local dos párocos e os emigrantes recorrerão livremente a uns ou a outros».
O capitulo quinto consigna recomendações aos bispos italianos no sentido de votarem particulares cuidados espirituais aos emigrantes, de modo a prepará-los para os territórios estrangeiros em que vão viver, e bem assim de fundarem patronatos destinados ao emigrante e outras obras assistenciais; com a celebração do «Dia da emigração» na terra de origem dos emigrantes, aconselha-se aos ordinários das localidades em que vivem os emigrados a comemoração do «Dia dos emigrantes».
O sexto e último capitulo do segundo titulo da [...] Família, além de se ocupar «dos fins e regulamentação do Colégio Pontifício de Emigração de Roma, determina
que a sua direcção continua entregue à Pia Sociedade os Missionários de S. Carlos para os emigrantes italianos, sob dependência da Sagrada Congregação Consistorial».
Sr. Presidente: não quero deixar de relembrar as palavras entusiásticas do Embaixador do Portugal na América do Norte, escritas em 1905:
Quando se fizer a história da emigração portuguesa para os Estados Unidos e da evolução da comunidade luso-americana neste pais ter-se-á de render ao clero português que acompanhou esse movimento o mais destacado lugar de honra na defesa zelosa e amor constante que os padres de sangue lusitano dedicaram às tradições e virtudes ancestrais que foram herança dos emigrantes e seus descendentes americanos. Para além do dever religioso de acompanhar e acalentar as almas dos portugueses transplantados, foram os padres a força mais construtiva e incansável em manter a coesão social das comunidades portuguesas e em renovar nos velhos e incitar nos jovens o interesse e o orgulho pela linguagem e cultura dos seus avoengos.
Ergueram-se igrejas e escolas paroquiais de carácter português, tantas vezes pela iniciativa individual de padres labutando num meio nem sempre favorável - algumas delas, como a Igreja das Cinco Chagas, em S. José da Califórnia, podem ser consideradas relíquias desse moderno esforço português no Mundo.
Para milhares de emigrantes que, geração após geração, chegam ao solo americano falando e entendendo apenas a língua pátria, foram e são os padres portugueses, com a sua obra social, que lhes emprestam não só o conforto e assistência moral, como também o símbolo da dignidade da Raça e a consciência do lar ancestral, sem os quais se diluiriam obscuramente, num absorvente oceano, estranho aos seus costumes e sensibilidades, onde perderiam a personalidade e a noção relativa dos valores das duas sociedades em questão - a sociedade mais plácida donde originaram e a sociedade dinâmica
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onde a maioria deles iria constituir família e viver o resto de seus dias.
Continua hoje, com o fervor de sempre, a obra dos padres portugueses na América a manter, entre os seus paroquianos de origem portuguesa, a noção dos valores espirituais herdados e o carinho pelas tradições culturais que por destino lhes pertencem.
Sr. Presidente: A messe é enorme e os trabalhadores são muito poucos. Em 1950 havia nos Estados Unidos da América apenas 62 sacerdotes portugueses, 24 dos quais chefiavam paróquias separadas, quantas vezes, de grandes distancias e incapazes, portanto, de satisfazer as necessidades de assistência religiosa aos 500000 luso-americanos. Mesmo que os agrupamentos de população luso-descendente se concentrassem em regiões pouco extensas, ainda caberia a cada sacerdote a protecção espiritual de 80645 almas !
Foi a partir de 1911 que começaram a fixar-se na América do Norte mais padres portugueses, idos dos Açores - o primeiro a entrar ali (em 1869) foi João Inácio de Azevedo, natural da ilha do Pico; actualmente, o número de sacerdotes e de paróquias nacionais está cada vez mais em desproporção com as exigências espirituais dos Luso-Americanos, não só porque a nossa população não cessa de crescer e as dioceses da metrópole não dispõem de muitos sacerdotes -tão desfalcadas elas continuam após as perseguições religiosas da segunda década do corrente século-, mas também porque, e contrariamente às determinações papais, autoridades eclesiásticas e até simples párocos americanos se têm oposto à presença dos nossos padres nos Estados Unidos da América.
E tal resistência vai ao ponto de em igrejas edificadas por portugueses e situadas em centros urbanos - onde os nossos colonos perfazem 80 a 90 por cento dos católicos- serem empossados padres estrangeiros, regra geral irlandeses.
E natural que, tanto pelos motivos apontados como pela circunstância de falarem deficientemente o inglês - estando por isso impossibilitados de seguir os actos litúrgicos e outras práticas religiosas celebradas por sacerdotes estrangeiros-, muitos colonos portugueses vivam arredados da fé dos seus maiores, se descristianizem ou caiam no indiferentismo, se é que não se convertem ao protestantismo, a religião da grande maioria dos americanos de origem.
Porque o amor de Deus se confunde com o amor da Pátria, os luso-americanos não assistidos por padres nacionais perder-se-ão irremediavelmente para Portugal.
Sr. Presidente: precisamos de salvar para a Nação os 500 000 luso-americanos, e só o faremos com mais paróquias e escolas nacionais, mais padres e professores de origem portuguesa. Problema de tamanha transcendência espiritual e política, e também de importância económica, carece de ser encarado de frente; a tarefa é difícil e morosa, mas susceptível de conduzir-se a bom êxito.
Do equacionamento de tão grave questão e dos meios que julgo capazes de solucioná-la cuidarei brevemente nesta Casa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente:-Estão nesta altura presentes 74 Srs. Deputados.
Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa acerca do problema económico português.
Tem a palavra o Sr. Deputado Camilo Mendonça, para concluir as suas considerações, ontem iniciadas.
O Sr. Camilo Mendonça: - Sr. Presidente: depois de ter tentado fazer uma síntese das considerações do Sr. Deputado Daniel Barbosa, procurarei ver, seguidamente, dentro de que limites toda esta formulação é compatível entre si e adequada ao fim em vista, em que medida se diferencia ou se distingue dos rumos que v6m sendo seguidos, qual ou quais os contributos novos trazidos à solução do nosso problema do desenvolvimento económico.
Antes, parece-me necessário referir um ponto que me permito julgar fulcral nesta matéria do crescimento económico - a distribuição do produto nacional entre o consumo e o aforro. É que as verificações da história, mesmo próxima, confirmam quanto a teoria claramente postula a este respeito.
Não é possível, simultaneamente, aumentar o investimento e o consumo. O sacrifício do consumo provocado por aumento de investimento será normalmente maior do que parece à primeira vista dentro do quadro institucional em que os processos se desenvolvem e a repartição se opera.
Mas aludi a experiência histórica. Que nos diz ela, tanto pelo que respeita à revolução industrial inglesa como à recente industrialização russa ou à que está em curso nos países do Leste europeu ?
Diz-se essencialmente que, independentemente das circunstâncias de tempo e de lugar, a industrialização - que constitui o elemento preponderante do desenvolvimento- se fez sempre a expensas de um sacrifício de consumo, de um subconsumo da população, em grau tanto mais acentuado quanto mais célere foi o processo.
Estas consequências verificaram-se por igual, tanto no sistema capitalista como no colectivista, e não atingiram em menor grau os Russos do que haviam sido sentidas pelos Ingleses. Deve, aliás, acrescentar-se que os progressos do conhecimento cientifico e, particularmente, económico, tanto como da técnica, não bastaram para alterar os resultados, uma vez que os benefícios advenientes foram inteiramente absorvidos pelas novas dificuldades resultantes de modificações psicológicas e dos níveis de exigências das populações. Se fosse preciso dar exemplo mais claro ou manifestação mais evidente deste asserto, não seria necessário mais do que recordar os factos recentes recentissimos- das ocorrências registadas nos países satélites do Leste europeu, onde, se é indiscutível haverem pesado principalmente factores extra-económicos ligados às exigências mais elementares da dignidade e liberdade humanas, a verdade é que não parece haverem sido despicientes todos os factos e circunstancias decorrentes da pressa que a U. R. S. S., por motivos óbvios, vem evidenciando em transformar aqueles países mártires também no domínio industrial.
Se é esta a verificação da história, outra não é a formulação da doutrina económica - todo o esforço de investimento para além dos níveis de poupança normais processar-se-á, inevitavelmente, a expensas de um sacrifício de consumo, ou, por outros termos, o aumento do consumo e o do investimento são, a curto prazo, objectivos incontroversamente incompatíveis.
Mas a longo prazo? Sim, a longo prazo as coisas são diferentes: a par e passo que a melhoria das condições vai permitindo graus de satisfação maiores, a produtividade do trabalho se acresce em todos os sectores da produção e os hábitos se modificam de sorte que o volume de aforros se eleve, então cada vez poderão
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ser maiores os investimentos sem sacrifícios proporcionais do consumo. Sim, mas a prazos largos, de muitos anos e não de poucos, e vistas as coisas para os níveis actuais, porquanto é sabido não serem, para o «seu nível», diferentes das nossas, nesta matéria, as preocupações de muitos povos europeus.
Quer isto dizer que, em cada momento, o investimento é sempre efectuado a expensas tio consumo e que qualquer aumento -independentemente do volume em que está a efectuar-se- obrigará a uma renúncia maior do consumo. Se este asserto é exacto para os países economicamente evoluídos, é igualmente verdadeiro para os insuficientemente desenvolvidos.
Tendo em conta, todavia, os níveis de consumo e poupança, nuns e noutros, claramente se entenderá que o incremento do investimento nos países de estrutura subdesenvolvida representará sempre um sacrifício relativamente maior do consumo, dado situar-se este a níveis muito baixos. Daqui a carestia da vida ou a inflação serem, muitas vezes, o resultado imediato de excessivas ou imprudentes forçagens do investimento, com inevitáveis reflexos noutros campos e domínios.
A este respeito escreveu Manuel Torres, ilustro economista do pais vizinho, ao prefaciar a edição espanhola da obra já clássica de Mandelbaun, o seguinte:
Quando falta a ajuda de capital estrangeiro -quer dizer, os recursos ou bens materiais importados-, a industrialização não pode realizar-se senão à custa do aforro produzido no interior do País. Esta é, porém, uma frase técnica que requer uma explanação, a fim de que se entenda completamente o seu alcance.
O aforro não é mais do que abstenção do consumo, de modo que, quando todos os recursos se encontram empregados, o aumento do aforro significa o desvio de uma parte dos recursos quo se destinam a satisfazer as necessidades imediatas para os empregar nu processo de industrialização.
Dai surge o primeiro problema importante, porque há que conjugar o nível do abastecimento com o afã de industrialização; apresenta-se, assim, um contraste irredutível entre o nível de vida, que ó naturalmente o nível de vida de quantos tom menos, e o avanço industrial.
Deste modo, um país com um deficiente nível alimentar não pode industrializar-se senão à custa da fome das massas, ou, o que é o mesmo, da carestia e da inflação, porque a industrialização limita a produção para o consumo.
O pior de tudo isto é que estas consequências evidentes encontram-se notavelmente mascaradas pelas manipulações monetárias e, por isso, é saudável olhar só o lado «real» do económico para evitar o erro que consiste em confundir a multiplicação do dinheiro com a multiplicação dos bens.
O nível de vida dos cidadãos não depende da renda monetária que possuem, mas das coisas que podem comprar com ela, e não podem comprar-se mais coisas do que as que se produzem ou se importam; quer dizer, as que existem no mercado.
A citação terá sido porventura longa, mas não parece de todo despropositada ...
Sei que se me pode objectar haverem sido propostos modelos, comprovados com exemplos de situações acontecidas, que consentem em fazer propender o investimento para o nível do aforro voluntário e por via de imposto e, ao mesmo tempo, em aumentar o consumo. Não ignoro o ponto de vista de Nurkse, nem desconheço as possibilidades que pode também oferecer uma redistribuição do rendimento. Mas isso nada tem que ver com a questão posta - aumentar simultaneamente o consumo e o investimento, que é como quem diz: o consumo e o aforro.
Da não resolução electiva desta questão redunda afinal a relativa ineficiência, para não dizer a improcedência, das soluções propostas para a real e positiva resolução dos objectivos fixados em curto período de tempo - durante a vigência dum plano de fomento!
E posto isto. analisemos as diferentes medidas preconizadas.
Merecem em principio concordância todas as medidas que visem a tornar menos rígida a nossa economia, em todos os campos e aspectos, e na o só no monetário. Sabido que o crescimento implica transformação de estruturas, compreende-se que a rigidez só poderá contribuir para dificultar a já do si nada fácil tarefa de desenvolvimento económico.
Por isso, a reforma do crédito preconizada pelo Sr. Deputado, que nesse particular acompanhou quanto se tem reclamado de há tempos a esta parte, com a finalidade de o tornar mais flexível, sem prejuízo da segurança e de o orientar para as actividades produtoras do bens, pareço não só conveniente, mas indispensável. Aliás, neste caso, já o Sr. Ministro das Finanças nos deu conta de que o problema se situa na primeira linha das preocupações do seu Ministério, tudo levando a crer que a reforma se não faça esperar.
No relatório da Lei de Meios para o exercício em curso deixaram-se algumas notas que esclarecem perfeitamente os objectivos que têm presidido ao estudo da reforma e ferem precisamente o âmago das questões.
Também uma reforma fiscal se impõe e suponho que a esse respeito não haverá divergências. Onde elas podem surgir é nos aspectos secundários a visar, pois quanto ao primário não me pároco que soja controverso dever ser o do desenvolvimento económico. Há neste capitulo algo a dizer, tanto mais que uma redistribuição dos rendimentos seria um método de aumentar, com efeito imediato, o consumo.
Mas há também outros objectivos a perseguir em matéria desta natureza, como sejam fins sociais, propiciar o investimento e combater as distorções na distribuição do rendimento nacional.
Dado que um dos propósitos centrais de uma reforma fiscal deverá ser o de contribuir para aumentar a propensão para investir, parece que todo e qualquer critério redistributivo estaria prejudicado. Só em certa medida assim acontece, porque, em grande parte, parece ser anacrónico o modelo histórico de formação do capital através da desigualdade acentuada da distribuição dos rendimentos, como observa Federico Caffe. Não se argumente com o facto de uma orientação deste tipo reduzir a propensão para investir, que, como se sabe, é fundão de muitas variáveis, entre as quais se conta o lucro, mas em que há muitas outras. Por outro lado, é conhecido ser a distribuição do rendimento muito menos igualitária nos países de economia subdesenvolvida do que nos de economia industrial madura.
Acresço a isto dever contar-se com um agravamento desta repartição, uma vez quo o crescimento económico, incidindo sobre bens-capital, deforma ainda mais a distribuição funcional da riqueza, tendendo a concentrá-la. Destes dois factos decorre a necessidade de a reforma fiscal procurar combater estas duas situações tão inconvenientes como anómalas.
Resta ainda considerar a vantagem, e mesmo a possibilidade, de operar uma intensa redistribuição, objectivo quo foi sedutor durante algum tempo, mas quo não ó tão fácil de alcançar como pode parecer e o comprova M relativo fracasso das experiências recentes nesta matéria.
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Em face disto e de não ser também conveniente eliminar de forma radical a influência do lucro na propensão para investir, parece-me que uma orientação moderada quanto ao efeito distributivo deverá ser a aconselhada no condicionalismo presente da nossa vida económica.
Outro objectivo a alcançar na medida do possível deverá ser o de combater tanto o entesouramento como a tendência para consumos supérfluos, já que um e outra são igualmente inconvenientes quando se procura aumentar o investimento.
Nestas condições afigura-se que a reforma fiscal, para além de assegurar os indispensáveis réditos ao Estado, deverá fundamentalmente promover uma distribuição do rendimento mais equitativa, combatendo as distorções verificadas na sua repartição e contrariando a tendência para a concentração da riqueza.
O Sr. Daniel Barbosa:-V. Ex.ª pode dar-me um esclarecimento?
Já se procurou realmente satisfazer esse objectivo alguma vez?
O Orador:-Em que sentido? Como objectivo ou como tentativa de execução?
O Sr. Daniel Barbosa: - No sentido do se retirar realmente do capital das empresas a participação do Estado.
O Orador:- No plano da realização concreta, não..
O Sr. Daniel Barbosa: -Muito bem!
O Orador:-Desta sorte se melhorará o consumo, como é mister, sem prejudicar a propensão a investir, para a qual mais contribuirá, certamente, a maior procura de capital.
Embora o Sr. Deputado Daniel Barbosa tenha defendido, em parte, princípios idênticos àqueles que sustentei, se bem entendi o seu pensamento há talvez uma certa falta de compatibilidade entre algumas das medidas preconizadas, pois, se a tributação viesse a recair sobre o aforro, tal viria reforçar a preferencia pela liquidez e, através dessa atitude, agravar o mercado dos capitais, dificultando a oferta, a nível conveniente, de fundos para investir.
Por fim, deve lembrar-se que a reforma fiscal constitui, de há muito, motivo de preocupação do Ministério das Finanças, que activamente se ocupa dela, tudo levando a crer -como já foi anunciado- que dentro em breve possa ser apresentada à consideração desta Assembleia.
Preconizou também o Sr. Deputado Daniel Barbosa a transferencia para os particulares das posições do Estado em certas empresas mistas, objectivo, aliás, previsto no próprio instrumento que criou este tipo de empresas e que me parece profundamente adequado, uma vez que já não seja necessária a sua presença e novas necessidades a satisfazer aconselhem a utilização desses capitais.
Julgo mesmo que esse objectivo tem estado constantemente dentro das preocupações do Governo. Todavia, como o Sr. Deputado reconhece, a concretização não é fácil, além de haver cautelas a guardar.
E de tal sorte são as dificuldades que ainda não foi possível materializar esse objectivo. O contributo agora trazido não me parece feliz nem adequado ao fim em vista.
De facto, fazendo intervir para o efeito uma determinada política monetária, alarga o âmbito do problema, dado a sua utilização poder ser independente da posição que porventura o Estado tenha em quaisquer empresas. Esta técnica faz lembrar, aliás, a utilizada em dado momento pela Alemanha em condições muito diferentes das nossas - economia evoluída em momento de crise e com um desemprego maciço. Constitui fundamentalmente uma terapêutica de ocasião, cuja generalização não é admissível sem fazer correr sérios riscos.
O Sr. Daniel Barbosa: - Eu citei o facto unicamente no sentido especifico, para mostrar que, reconhecendo, como se têm de reconhecer, os inconvenientes que adviriam de o Estado por no mercado livremente, e de repente, as suas comparticipações de capitais nas empresas, haveria que pensar nas condições que permitam obviar a esse mal.
O Orador:-Até ai estou de acordo.
O Sr. Daniel Barbosa: - Simplesmente, há uma coisa que não percebo nas palavras de V. Ex.ª É que V. Ex.ª não demonstra por a + b os inconvenientes do processo.
O Orador:-Eu não demonstro, mas V. Ex.ª também não.
O Sr. Daniel Barbosa: - Perdão. Vamos por partes.
V. Ex.ª não demonstrou a inconveniência dum processo que apontei a titulo de
mera exemplificação. Compreendo que V. Ex.ª possa dizer que não está de acordo com esse processo, e V. Ex.ª tem competência económica para poder afirmar, mesmo aqui na Assembleia, que não está de acordo com uma coisa, sem demonstrar. O que registo é que não demonstrou!
O Orador:-Se eu fosse a demonstrar tudo ...
O Sr. Daniel Barbosa: - Eu estou na mesma posição. V. Ex.ª fez uma coisa com a qual não estou de acordo. Dum exemplo específico que dei para certos casos V. Ex.ª foi tirar, uma ilação para o aumento da circulação fiduciária. E exactamente isso que não percebo. Que V. Ex.ª não demonstre, estou de acordo, mas não me responsabilize por coisas que eu não disse.
O Orador:-Talvez me não tenha feito entender. Eu disse que a solução preconizada por V. Ex.ª constitui uma técnica que se pode considerar independente do próprio exemplo a que se dirige. A única interferência em que a ligação pretendida por V. Ex.ª com o caso concreto interessa poderá ser a de limitar quantitativamente, pelo volume dos capitais que o Estado possui em dado momento nas empresas, a emissão de notas pelo Banco de Portugal. Fora deste aspecto o problema é perfeitamente independente e pode ser apreciado nessas condições.
Trata-se de uma técnica conhecida. Só a limitação do volume de emissão de moeda à massa dos capitais que o Estado eventualmente possua, em dado momento, em quaisquer empresas, é que aparece a interferir na técnica, que, repito, é independente do caso.
O Sr. Daniel Barbosa: - Aqui há uma confusão enorme. Repito: eu procurei mostrar um exemplo para evidenciar que se poderia, possivelmente, encontrar processo para resolver certos problemas. Mas, se a referência a um processo é encarada como hipótese para solução de determinados casos, nós só podemos criticar o aviso prévio dentro do campo a que esse exemplo foi aplicado. Agora se V. Ex.ª começa a alongar esse exemplo sobre a possibilidade de o Banco de Portugal emitir mais moeda ...
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O Orador:-A única coisa que V. Ex.ª pode pretender é que deseja fixar um limite...
O Sr. Daniel Barbosa: - A crítica de V. Ex.ª deve incidir sobre o campo de aplicação do meu exemplo. Se V. Ex.ª o leva para a China ...
O Orador:-A China não, que fica muito longe; outro que esteja mais perto ...
Ora é sabido que a inflação ú um dos problemas mais graves das estruturas subdesenvolvidas, onde a ameaça inflacionista, pelo menos sob a forma de «pressão inflacionista», é um estado latente.
Creio, de resto, ser ponto assente entre os técnicos e especialistas do crescimento económico das estruturas subdesenvolvidas que entre o risco, menor que seja, da inflação sob qualquer forma e a própria estagnação se deve optar por esta como mal menor. De facto, não sendo aplicáveis aqui as terapêuticas keynesianas para combater a inflação, e conhecidos os efeitos desta, parece que tudo leva à conclusão de que a prudência deve constituir regra a ter sempre bem presente. Que o digam os povos em circunstâncias semelhantes às nossas e que passaram ou vivem ainda uma tal conjuntura.
Valeria a pena a este respeito pesar as considerações do Prof. Hélio Silva na sua comunicação à VII Reunião Plenária do Conselho Interamericano de Comércio e Produção, realizada em Outubro de 1954.
A técnica preconizada, não tendo em conta a pressão inflacionária latente em todos os processos do crescimento das estruturas subdesenvolvidas, poderia, ao fim e ao cabo, mesmo com todas as cautelas, agravar a situação, em vez de contribuir para acelerar o desenvolvimento económico.
O Sr. Daniel Barbosa: - Suponha V. Ex.ª que o Estado tem num determinado momento uma comparticipação de 5OO 000 contos numa determinada empresa. Neste caso concreto do exemplo não nos podemos afastar daqui.
Evidentemente, dizemos que o Estado comparticipou no capital dessa empresa porque sentiu a necessidade de disciplinar a maneira como a empresa se desenvolveu, a maneira como cresceu; mas, num determinado momento, as coisas vão decorrendo de tal forma que o Estado começa a pensar que a sua presença dentro do capital da empresa pode não ser necessária e então haver vantagem em querer retirar o seu dinheiro de lá para fora.
Mas o Estado, digo eu, não pode retirar o dinheiro como qualquer particular, visto que o Estado pode realmente provocar uma baixa de cotações que não interessa à economia nacional. Por outro lado, tem de actuar de modo a evitar que esta ou aquela entidade pudesse adquirir essa posição paru fins majoritários sem interesse.
Suponha V. Ex.ª que com a alteração do Estatuto do Banco de Portugal - se tanto fosse preciso - se alteravam as coisas de tal maneira que o Banco emitia dinheiro para adquirir as acções do Estado na empresa em questão e que o Estado depois só podia aplicar esse dinheiro em investimentos altamente reprodutivos. Eu pergunto: qual era o inconveniente do processo?
O Orador:-O que era preciso era provar que os investimentos altamente reprodutivos eram exactamente aqueles que mais influencia iam ter no consumo que uma maior quantidade de capitais a utilizar pelos empresários seria sempre em investimentos adequados e não iria frequentemente estimular investimentos especulativos e que todo o processo se desenvolvesse em expansão de toda a produção e não dos preços ...
O Sr. Daniel Barbosa: - Era só uma questão de cautela, que nunca esteve fora da tese que defendi.
O Orador:-Temos estado a discutir problemas de formação de capital, ou, melhor, formas de incentivar o investimento, quando afinal o ilustre Deputado avisante já havia concluído anteriormente pela impossibilidade de, através do investimento, encontrar solução para o problema posto dentro de curto prazo:
Apesar disso, é fácil de concluir também, e até para fugir a posições extremas -onde a virtude, neste caso, não reside -, que, se quisermos andar depressa e tudo procurar resolver para além do pouco em que se traduz o desejo, muito louvável embora, de substituir as carências orçamentais familiares correntes por situações de apagada modéstia, indo, pelo contrário, e portanto, abertamente a caminho das soluções que conduzem às situações desafogadas e prósperas que o Pais hoje contém na sua potencialidade, não poderemos esperar consegui-lo unicamente através duma política de investimentos, mesmo considerada na máxima intensidade que as nossas possibilidades consintam.
A razão está em que não temos viabilidades efectivas, nem prováveis, de investir nos montantes que as circunstâncias tornariam então aconselhável; é limitado o mercado interno de capitais, limitadas as possibilidades reais de cada um, e até o recurso ao mercado externo, para efeito de financiamento, é frequentemente mais oneroso e complicado do que a muitos parece ser.
Dentro desta conclusão, estou plenamente convencido de que, por maior que fosse o esforço realizado, por maiores sacrifícios que estivéssemos dispostos a fazer com vista a incrementar ao máximo os investimentos considerados possíveis, nunca poderíamos esperar que unicamente através deles e dentro dos anos mais próximos pudéssemos levar a produção e o consumo àquela posição recíproca de equilíbrio desafogado e próspero que pode verdadeiramente interessar ao bem-estar e à prosperidade nacionais.
Quer dizer, não sendo bastante uma política de investimentos - que constitui, aliás, o único caminho para quebrar os círculos viciosos em que se debatem as estruturas do tipo da nossa, quando utilizado nas condições devidas - quase não valia a pena estudar-se a forma de mobilizar capitais para o investimento e incentivar a sua aplicação.
De facto, todas as medidas preconizadas neste campo outra coisa não visam senão propiciar o investimento, que já se concluíra não bastar para assegurar, a curto prazo, a efectivação dos objectivos assinalados.
E não basta porquê ? Porque se pretende um aumento da taxa de acréscimo anual do produto nacional para além dos limites tecnicamente previsíveis, tendo em conta a percentagem da poupança para investimento e a relação capital-produto. E será esse acréscimo possível nos limites e no tempo pretendidos?
Entram aqui em equação as duas restantes séries de medidas - de coordenação económica e de reorganização industrial. Vejamos o seu alcance.
Pelo que respeita à política de reorganização industrial preconizou-se o aumento da produtividade e da dimensão das empresas e o alargamento do mercado.
Julgo constituir uma afirmação pacifica preconizar-se o aumento da produtividade. Com efeito, no aumento da produtividade, ou seja da produção por homem/hora, reside efectivamente a possibilidade de aumentar o rendimento real e, consequentemente, de forçar o desen-
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volvimento, quebrando o círculo vicioso da pobreza através de um verdadeiro impulso ao consumo. Mas para tanto é mister que esse aumento seja geral e que esse impulso atinja a generalidade dos sectores da economia. Decerto há que considerar as diferenças de produtividade no sector agrícola e industrial e atender a que, por bem fraca quo seja na indústria, será normalmente sempre maior do que na agricultura.
Por outro lado é necessário observar também a produtividade marginal dos factores, não vá acontecer que um critério técnico contrarie a realidade económica existente.
Com efeito, escreveu Papi:
O desenvolvimento da actividade produtora e do rendimento real dum país depende da combinação mais adequada dos factores de produção num tempo e num lugar determinados.
Esta consideração leva-nos a encontrar o maior aumento de produtividade num país com uma grande dose de subemprego na absorção deste. Ora essa absorção só pode efectuar-se por ocupação em novas unidades industriais, facto que contraria a solução preconizada de procurar a maior produtividade técnica no sector industrial.
O problema central neste aspecto afigura-se ser, como diz Papi, o da melhor combinação dos factores existentes, repartindo-os em função do seu volume. Ora, a ser assim, estaria contra-indicada uma política estreme de produtividade, mesmo que não existisse o risco de desemprego, porquanto, sendo o factor raro o capital e constituindo o trabalho o factor de produtividade marginal praticamente nula, parece deverem as combinações adequadas ser de tipo bem diferente daquelas que a técnica mais moderna postulasse, pelo menos como objectivo imediato e a curto prazo.
O problema da produtividade deve pôr-se, de facto, em termos gerais, para que, para além da eficiência desta ou daquela empresa - que podo bem traduzir-se apenas num aumento de lucros -, venha a traduzir-se num aumento do rendimento real. Nestas condições, considerada a posição da agricultura e a impossibilidade de transferir rapidamente uma parte da sua população activa para outras actividades, a política de produtividade não pode deixar de constituir um objectivo a perseguir sucessivamente, mas a atingir a longo prazo, uma vez que as alterações estruturais só num período longo se podem processar.
Mas o Sr. Deputado Daniel Barbosa faz intervir aqui o problema das dimensões do mercado e das empresas. É indiscutido ser a dimensão do nosso mercado pequena e aí estará uma das dificuldades para o desenvolvimento, circunstancia que é tão característica da situação das economias subdesenvolvidas como é o do sobreequipamento constituído por maquinaria nem sempre moderna (!) concretizando-se na existência de unidades de muito reduzida eficiência que o Sr. Deputado descreve.
Mais uma e outra verificação aparecem normalmente ligadas, como que amarradas ao mesmo peso do circulo vicioso da pobreza.
Perante essa situação preconiza-se então uma reorganização industrial escalonada no tempo, para não converter o subemprego era desemprego, orientada por uma política de produtividade no sentido técnico e tendo em vista os possíveis benefícios da concentração no sentido de aumento com ou sem agregação- das empresas a par e passo que o mercado se acresça pela elevação do preço de compra.
Ora, neste capítulo do dimensões há algo a dizer, tanto pelo que se refere à do mercado como à das empresas. Efectivamente, a dimensão do mercado é uma
limitação séria ao desenvolvimento rápido, mas não constitui o fundo da questão. E tanto é assim que, quanto à agricultura, não poderá pôr-se o problema da dimensão do mercado como factor limitativo da produtividade, que todavia se não acresce significativamente nesta actividade.
Por outro lado, deve recordar-se a aplicabilidade a estruturas deste grupo da lei de Say, que nos afirma criar a produção o seu próprio mercado, princípio verificável desde que aconteça com generalidade e abranja todos os sectores da actividade económica.
Não deve também esquecer-se que as unidades industriais numa economia em crescimento devem possuir uma capacidade de produção superior às necessidades imediatas a satisfazer, pois têm de contar com a futura expansão do mercado.
Que isso se traduza num custo adicional -o custo da própria expansão- é perfeitamente natural.
É certo que uma reorganização industrial mais ou menos generalizada pode, mercê de uma renovação de equipamento e também de um aumento de dimensão dos estabelecimentos, melhorar a produtividade e reduzir os custos de produção desde que a grandeza do mercado permita a utilização conveniente da capacidade de produção. Mas resta averiguar se essa orientação estrememente perseguida seria a mais conveniente para o País e para a causa do crescimento económico.
Que tenderia a ser apropriada do ponto de vista empresarial não tenho dúvidas, pois seria uma forma efectiva de possibilitar maiores lucros, visto que estes não teriam necessariamente de ser preteridos pela redução de custos e aumento de salários. A comprová-lo exuberantemente está quanto pode observar-se no momento presente neste sector em relação com as empresas mais eficientes.
Agora que significasse um grande, efectivo e imediato beneficio real para o Pais é que é matéria controversa. De facto, só tenderia a sô-lo na medida em que igualmente se operasse nos outros sectores da economia, fosse acompanhada de uma expansão do sector industrial, com a criação de novas indústrias susceptíveis de absorver o volume de emprego deixado livre pela redução do subemprego, se pudesse assegurar que o aumento da eficiência fosse fundamentalmente distribuído pelos salários e pela baixa de preços. Quer dizer, desde que fosse um fenómeno generalizado e atendesse à produtividade marginal do factor trabalho.
Daqui a conclusão de tal orientação só ser aconselhável quando integrada num processo geral e sucessivo de aumento de produtividade, que implica, como vimos, modificações estruturais de fundo e demoradas no tempo.
O Sr. Daniel Barbosa: - V. Ex.ª dá-me licença?
A única coisa que as alegações de V. Ex." fazem destacar é que intervém nessas soluções a variável tempo, quando tudo isto está condicionado por aquelas razões que V. Ex.ª invoca. Quer dizer: da conjugação da organização da produção sem os investimentos resultará a medida do tempo em que os benefícios se colham no geral sem prejuízos no particular.
O Orador:-Não afirmei que V. Ex.ª tivesse no seu pensamento outra ideia, mas a esclarecer os limites e condições em que a política pode e deve ser utilizada ...
O Sr. Daniel Barbosa: - O Estado tem de coordenar, não podendo raciocinar-se apenas em sector por sector.
O Orador:-Repito, não pretendo nas minhas considerações afirmar que V. Ex.ª defenda uma política de produtividade apenas para um sector ... Todavia, como
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pelo que V. Ex.ª afirmou se não esclarecia definitivamente a questão, limitei-me a chamar a atenção para o condicionalismo em que deve utilizar-se essa política, que admito perfeitamente estivesse no pensamento e espirito de V. Ex.1
O Sr. Daniel Barbosa: -Nunca podia defender que o problema fosse considerado separadamente. Deus mo livre.
O Orador:-De resto, este caso da dimensão dos estabelecimentos - das empresas é outra coisa!- pode ainda ser visto segundo diversos ângulos e critérios. Se observarmos os nossos diferentes ramos industriais verificaremos não serem poucos aqueles onde o maior volume da produção provém precisamente de empresas de dimensão adequada, em sentido técnico, embora nalguns outros tal não aconteça.
Parece, pois, que, sendo o problema da dimensão de indiscutível importância, não deve constituir a questão fulcral da nossa indústria, que talvez seja diversa quanto ao resultado e condicionalismo.
Em meu modesto entender, o aspecto mais grave e saliente é o da existência de uma série de empresas mantidas artificialmente como marginais - por meio de uma forte protecção pautai e de medidas complementares de vária natureza-, quando por motivos puramente económicos de há muito deviam ter passado a submarginais e consequentemente abandonado o mercado.
Porque se terá procedido assim?
Acredito que tenha havido hesitação ou até tardança no prosseguimento firme de uma política desta natureza, mas julgo tal procedimento perfeitamente justificável em face de outro problema, não direi igualmente grave porque é de maior gravidade - o do emprego.
De facto, o emprego pode bem ter levado a hesitar neste particular, circunstância que não pode ser posta de parte quando, inclusive, se tem chegado à necessidade de impor um número mínimo de operários a diversas indústrias relativamente modernizadas que, na realidade, careceriam de bem menor quantidade de trabalhadores. Pode até legitimamente perguntar-se em termos puramente económicos - conveniências da produção e do consumo - se não seria mais conveniente pagar a esses operários para não trabalharem. Assim seria talvez em termos puramente económicos, mas não aconteceria o mesmo sob o ponto de vista social. E é bom não esquecer que a economia existe para o homem, e não o inverso.
Por aqui se dá uma ideia da grandeza do problema, da sua dificuldade e morosidade no tempo. Mais: por aqui se vê que talvez não deva ser considerada essa política como a primordial nas condições presentes, mas outrossim, a do emprego.
O domínio da dimensão dos estabelecimentos industriais pode ser visto também pela óptica da rentabilidade. Há, com efeito, uma dimensão conveniente, ou seja uma combinação óptima no sentido técnico, para cada quantidade a produzir. Existe uma dimensão produtiva óptima para cada mercado, isto é, uma noção relativa de dimensão óptima, que para dado mercado é a expressão da melhor combinação de factores.
Olhando as coisas pelo lado absolutista da técnica, independente do tempo e lugar, teremos, necessariamente, para cada mercado, com determinada capacidade de compra, a coexistência provável de várias situações, que irão desde a indústria cuja dimensão óptima exceda toda e qualquer possibilidade do mercado, aquela em que o ajuste se processe em escasso número de unidades, até outras em que seja muito inferior.
A possibilidade de uma racionalização técnica inteira poderá assim ser maior ou menor, mas nunca será completa, a menos que subordinemos a economia interna às indicações da técnica com sacrifício de razões de defesa nacional ou cie independência económica. Mas dir-se-á: quanto maior for o grau de afastamento das soluções técnicas tanto maior o ónus sobre o consumo.
O argumento é válido para os países de economia industrial madura, mas pode não ser exacto para aqueles que detêm um enorme potencial de trabalho em desocupação sazonaria ou parcial.
Creio, todavia - perdoem-me meter a foice em seara alheia-, estarem as dimensões óptimas a considerar-se a nível cada vez mais pequeno. Pelo menos não são poucas as referências autorizadas que encontro a este respeito.
Para o comprovar socorro-me de Colin Clark, lembrando as suas afirmações na revista Diogène, e permito-me ler um passo do relatório das Nações Unidas de 1955, devido a Charles Wolf e Sidney Sufrin, onde se diz o seguinte:
A tecnologia ocidental implicou a organização de unidades de produção em grande escala, com grandes concentrações de capital localizado nas áreas urbanas próximas do mercado. Nos países insuficientemente desenvolvidos há muitas razões para duvidar da eficácia desta tecnologia.
Em abono destes pontos de vista vem a persistência nos países de economia evoluída de unidades de reduzida dimensão, de dimensão bem inferior à dimensão económica em sentido técnico, que, mercê de circunstâncias várias, quantas vezes o próprio facto da existência dessas grandes unidades, estão em condições de sobreviver e de concorrer ...
É sabido também que certas unidades de grande dimensão provocam o aparecimento de outras fora dos cânones técnicos, quer sejam complementares, quer concorrentes. E quem desconhece não serem, entre nós, raros os casos em que ouvimos os queixumes de proprietários de grandes unidades perante a concorrência que lhes fazem pequenas unidades teoricamente condenadas ao fracasso!
O Sr. Daniel Barbosa: - Todas as alegações que V. Ex.ª proferiu aceito-as completamente, com uma pequena restrição. Ë que ontem ouvi V. Ex.ª aqui afirmar peremptoriamente que era preciso ter a maior cautela com as comparações no campo internacional e agora pergunto a V. Ex.ª se não traz o mesmo espírito para fazer a referência que acaba de fazer.
V. Ex.ª é capaz de explicar se essa baixa de dimensão que se nota no Mundo inteiro vem trazer um número óptimo para quaisquer valores que se aproximem das máximas que podemos ter?
O Orador: - Tenho de esclarecer que o relatório citado é um estudo sobre determinados aspectos dos países insuficientemente desenvolvidos. Além de que se não traia de comparações ...
O Sr. Daniel Barbosa: - A pergunta concreta que faço é esta: se apesar de tudo podemos concluir da diminuição das dimensões dessas unidades que as dimensões máximas que podemos ter em determinado momento se aproximam daquelas médias que, segundo V. Ex.ª, agora se consideram óptimas.
O Orador: - Isso depende em primeiro lugar do sector industrial. Depois é preciso saber se V. Ex.ª pretende que lhe responda sob o ponto de visita técnico ou da rentabilidade, que são coisas diversas. No sentido técnico é (provável que pana uma grande parte dos ramos tal não aconteça.
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O Sr. Daniel Barbosa: - Numa discussão deste género o sentido técnico não teve o menor interesse. Estamos num campo estritamente económico e só nele podemos raciocinar, portanto.
O Orador: - Perdão: o problema pode sempre ser visto sob os dois ângulos considerados ...
O Sr. Daniel Barbosa: - As dimensões mínimas, máximas ou óptimas de uma empresa suo mínimas, máximas ou óptimas sob o aspecto económico da rentabilidade e do preço do custo. É evidente que pode haver determinada- altura em que um engenheiro duma fábrica, por exemplo, possa ter o desejo de querer produzir numa escala maior, mas é evidente que sob o ponto de vista económico pode não interessar produzir mais do que o suficiente para garantir o custo mínimo. As empresas trabalham criteriosamente, em atenção à sua rentabilidade, não desprezando a morfologia do mercado.
O Orador:-Repito, o problema não pode ser desligado do caso concreto que se considere. Haverá sempre situações diferentes, tanto pela indústria considerada, como pelo mercado de que se trate. Aliás em sentido relativo há uma dimensão óptima para cada mercado ...
Mas continuando:
Esses queixumes, serão às vezes justificados, serão às vezes originados em concorrência desleal, que inclui a baixa qualidade, outras em sub-remuneração de trabalho? Admito-o, mas creio que também não serão sempre essas as condições reais.
Quer isto dizer que considero inconveniente ou repudio uma política de reorganização industrial sob essa inspiração e seguindo esse objectivo? De forma alguma. Est modus in rebus.
Há certamente muito a fazer neste sentido, mas talvez não deva constituir um objectivo mediato de tão grande amplitude como possa supor-se.
Dentro de um conceito de crescimento equilibrado, dado dever ser a produtividade um desiderato a perseguir com generalidade, simultaneamente causa e efeito da transformação estrutural da nossa economia, considerando a produtividade marginal do trabalho e a massa relativa de capital, a reorganização industrial deverá processar-se sucessivamente dentro de um plano geral de expansão conjunta de todos os sectores económicos, sem esquecer ais prioridades de ordem social e de justiça distributiva entre as diferentes actividades.
Por outro lado, nem deve ser processada com extremismo nem definida sem ter em conta a utilidade social da concorrência e a inconveniência de toda e qualquer forma de esclerose ou rigidez para o processamento das alterações estruturais. Nestas condições, sempre que a concentração possa reduzir a muito poucas as unidades existentes no mercado devem ter-se em conta não só as consequências de tal situação, pelo que se refere à rigidez, como o risco de vir a possibilitar-se o benefício de alguns em prejuízo da generalidade, uma vez que a concentração constitui um processo de aumento da dimensão do mercado pela sua partilha por menor número de empresas.
A tendência para o monopólio, de direito ou de facto, será, de resto, sempre intensa quando o mercado não é grande e são elevados os capitais investidos, o que bem pode constituir o nosso caso. E o monopólio, que pode ser, por vezes, criado por uma necessidade de defesa ou sobrevivência, nem sempre é generoso nos seus propósitos.
Poderá o monopólio ser um mal necessário? Talvez haja casos em que assim aconteça, mas do mal o menos ...
E não se diga que não há monopólio ou que os seus efeitos estão atenuados ou anulados mesmo pelo facto de poderem ser autorizadas importações do estrangeiro. Não me parece exacta tal opinião, que implicaria fazer tábua rasa da conhecida viscosidade da importação, da estrutura das correntes comerciais, do encargo de transporte, ida diversa incidência de impostos, da diferente remuneração do trabalho, etc.
Em resumo: a reorganização da produção, tanto industrial como agrícola, é um problema sério, concreto, que tem de ser considerado com os devidos cuidado e preocupação.
Mas trata-se de um problema a ser perseguido com generalidade e simultaneidade em todos os ramos da actividade económica, dentro de um critério de desenvolvimento equilibrado e tendo em atenção a melhor combinação dos factores de produção, no volume e proporções em que existem, que é como quem diz a produtividade em termos de rentabilidade. É, pois, um problema parcial, a longo prazo, como são todos os de alteração estrutural exigidos pelo crescimento económico, um problema que tem de ser processado com a preocupação primeira do emprego, da baixa de custo e do aumento de salários, que constituem um objectivo que não é necessariamente assegurado pelo automatismo do processo ...
A terceira série de medidas propostas refere-se a coordenação económica com o fim de atingir maior eficiência da Administração, maior homogeneidade na acção das diferentes Secretarias de Estado, reduzir os desperdícios e, em especial, assegurar uma escolha adequada dos investimentos que conduzam a maior e mais rápida produtividade, bem como a maior e mais rápida repercussão no poder de compra e a um controle da política de reorganização industrial pelo aumento da produtividade que evite que o subemprego se transforme em desemprego.
Que a coordenação económica é indispensável parece-me constituir uma afirmação pacífica. O processo e a técnica por que deve estabelecer-se é que podem variar.
A solução proposta conduziria, pela inclusão dos Secretarias de Estado da Agricultura, Comércio, Industriei, Obras Públicas, Comunicações e ... Ultramar, além de uma certa dependência em relação às corporações, a uma estrutura macrocéfala de duvidosa eficiência. Que o digam certos países onde a planificação atingiu elevado grau e se fez acompanhar de forte centralização. De duvidosa eficiência e elevado custo!
A simples enumeração feita parece-me bastar para dar a medida da complexidade e centralização que viria a operar-se por este processo. Se, porém, esse problema fosse posto a unia escala de objectivos mais modestos, mas, no entanto, mais eficazes nos resultados, talvez viesse incluir-se dentro da orientação preconizada há já anos pelo Sr. Presidente do Conselho, situando-se então dentro do domínio idas possibilidades efectivas e das realidades da nossa vida.
Mas analisemos alguns dos objectivos que especialmente deveria visar: a escolha dos investimentos, o manejo da balança de pagamentos, a ordenação da política de produtividade.
Em que limites, dentro da nossa posição doutrinária, deve ou pode caber à Administração intervir em matéria de escolha de investimentos? Em meu entender, não poderá ir além de planear os investimentos públicos e mistos, devendo, no que respeita aos dos particulares, limitar-se a intervir através da concessão de crédito a longo prazo pelos seus institutos de crédito, de isenções, auxílios e protecções de diversa natureza, do controle das emissões de capital, etc., e fazer sentir a sua
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acção orientadora e estimulante dentro das directrizes traçadas nos planos de fomento.
É certo que os planos de fomento deverão visar objectivos económico-sociais e que, por isso não é indiferente o procedimento que os particulares adoptem em matéria de investimentos, mas a intervenção directa não parece caber precisamente nos princípios de respeito pela iniciativa privada e de reconhecimento da fecundidade do seu labor. Compreendo que em reforço dos objectivos visados pelos planos de fomento, e como processo de lhes assegurar objectivo mais vasto e maior eficiência do sector privado, a intervenção do Estado no domínio da escolha dos investimentos do sector privado teria o maior alcance. Mas para lá dos obstáculos doutrinários talvez haja também vantagens reais em não ir mais além do que o consentem os instrumentos de que a Administração dispõe. De facto, cabendo ao investimento público e misto satisfazer em especial as exigências de base, particularmente na esfera dos bens de capital e daqueles sectores em que a iniciativa privada normalmente não é tentada a investir, a relativa liberdade que se concede a esta constituirá um correctivo apropriado a qualquer fricção que o plano provoque, bem como à possibilidade de uma escolha orientada pelos critérios da rentabilidade.
Pode, é certo, desviar-se desse caminho, dirigindo-se para investimentos especulativos que se traduzem num desperdício de capital e nem sequer contribuem para a sua formação. Mas para essa possível atitude -que não é tão rara nem tão impraticável como pode julgar--se- só será possível o recurso a medidas directas ou indirectas é o preço da liberdade de escolha.
Intervir até ao limite de condicionar ou planificar inteiramente os investimentos privados poderia eliminar desperdícios -todos? alguns?- no sentido de maior e mais rápida reprodutividade, mas não me parece que os resultados justificassem os sacrifícios humanos a impor.
E quais deverão ser os critérios paru a escolha tios investimentos públicos e mistos? Esclareceu o Sr. Deputado Daniel Barbosa entender que deve ser o de «garantir a máxima e mais rápida rentabilidade do capital formado e a maior e mais rápida repercussão no poder de compra». E ainda, ou também: «temos de procurar exercer, mas noutro sentido agora, uma política de severa disciplina, de tenaz austeridade, que evite, sem uma razão muito séria, desvios para a aplicação em investimentos de menor reprodutividade, a não ser naqueles que o próprio interesse nacional impõe; temos, portanto, de atender rigorosamente, ao seleccioná-los, ao efeito do multiplicador, dando, sempre que possível, uma destacada primazia aos meios de produção com a maior percentagem possível de equipamento nacional, àqueles que se apontem com maior valor de salários a distribuir por pessoas com grande propensão ao consumo para bens de origem portuguesa e igualmente àquelas que vão incrementar, por seu lado, actividades novas ou já existentes, etc. Aquelas, enfim, que possam mais e melhor contribuir para a velocidade e incremento do aumento do nosso produto bruto e do consumo em geral».
Problema delicado que não me parece possa ser resolvido só em atenção ao objectivo central fixado: aumento do rendimento e, através dele, do poder de- compra.
Mas analisemos primeiro os critérios propostos - maior e mais rápida rentabilidade do capital e maior e mais rápida repercussão no poder de compra.
Ora, segundo me parece, há uma certa incompatibilidade entre estes dois objectivos. De facto, maior rentabilidade dos investimentos significa maior produtividade dos capitais a igual preço, ou igual produtividade a maiores preço», em qualquer dos casos menor distribuição de rendimentos ao trabalho e menor efeito relativo sobre o consumo, uma vez que os empresários não tenderão a consumir inteiramente os rendimentos adicionais.
Por outro lado, os investimentos de base têm uma grande repercussão imediata sobre o poder de compra e menor e mais demorada influência no rendimento nacional. Que caminho seguir?
O problema da compatibilidade do aumento simultâneo do consumo e do aforro, ou seja do consumo e do investimento, continua, pois, a subsistir. Mais do que isso: a homogeneidade dos objectivos -aumento do poder de compra e do rendimento nacional- não se verifica sempre, acontecendo até que para além de certos limites, são incompatíveis.
Que fazer? Que fazer, se para mais abdicamos (como me parece implícito nas afirmações do Sr. Deputado Daniel Barbosa e deve constituir exigência doutrinária) da fixação estreita das aplicações do investimento privado? Que fazer?
Parece-me que chegados aqui temos de reconhecer que, não sendo redutíveis todos os objectivos do crescimento económico apenas ao aumento do produto -e aqui entram em conflito algumas das soluções preconizadas pelo ilustre Deputado -, haverá que estabelecer diferentes objectivos de política económica para à luz deles resolver a questão. Neste particular creio que eles foram clara e lucidamente fixados na já referida exposição do Sr. Ministro da Presidência. São eles:
a) Aceleração do ritmo de incremento do produto nacional;
b) Melhoria do nível de vida;
c) Ajuda u resolução dos problemas do emprego;
d) Melhoria da balança de pagamentos.
A escolha dos investimentos públicos terá, pois, de orientar-se pela concretização destes objectivos na medida em que possam atingir-se simultaneamente. Quando tal não acontece deverão ter-se presentes as prioridades relativas dos diferentes objectivos estabelecidos. Mas terá de ser tido em conta que os investimentos privados se dirigem especialmente para empreendimentos de maior rentabilidade e, ainda, que a construção de uma infra-estrutura económica sólida é indispensável à expansão económica.
O investimento público deverá dirigir-se assim, preferentemente, para os sectores-base, quer sejam económicos, de preparação técnica, sociais, etc.
Não pode também perder-se de vista que o crescimento depende da acção simultânea em todos os sectores e tem de fazer-se acompanhar de aumento de produção, sem o que em grande parte se sacrificaria o bem-estar da maioria.
Por tudo isto se vê claramente estar a coordenação em grande parte dependente de um plano que não seja mera ordenação de investimentos, mas outrossim a tradução de uma política económica definida. Através desse plano se simplificará muito de quanto se sugeriu fosse atirado para um grandioso ministério da coordenação económica, que, reduzido às devidas proporções, poderá vir a tornar-se numa solução conveniente e eficaz.
Não quer isto dizer que negue a conveniência de maior e mais eficiente coordenação, que me parece constituir uma necessidade constante a aperfeiçoar sucessivamente a par e passo que se operam alterações profundas na nossa economia, mas tão-só que, mesmo quando for indispensável reforçá-la, não poderá por esse facto passar a constituir um elemento dinâmico do
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desenvolvimento económico. A coordenação por si nunca será f autora de riqueza I
Falta-me ainda lazer uma, referência à consideração do problema à escala de todo o território nacional.
Razões políticas, motivos de ordem económica, problemas mesmo de natureza psicológica postulam imperiosamente que façamos um esforço crescente no sentido do desenvolvimento ultramarino. E indispensável que tal aconteça. Temos de proporcionar trabalho e pão a muitos portugueses no ultramar. Creio mesmo que o desenvolvimento ultramarino pode bem constituir um processo de igual valia ao da industrialização das economias subdesenvolvidas. Vai daí que em vez de um processo teremos dois, que em vez de um único medo taremos dois, devendo, porventura, o ultramarino ter n té maiores efeitos induzidos em todos os sectores - se me permitem, ser mais reprodutivo do que o da industrialização. Todavia, não podemos perder o sentido dos proporções e deixarmo-nos embalar pelo feitiço do ultramar, perdendo a noção da grandeza, da tarefa e do tempo que é mister gastar a executa-la. As transferências populacionais exigem tantos cuidados, levantam tais problemas, carecem de tão elevados investimentos prévios que têm de ser relativamente lentas para aquilo de que carecemos, para aquilo de que o ultramar precisa!
Por outro lado, a grandeza do empreendimento a efectuar, talvez função ida própria, grandeza do ultramar, a necessidade de simultaneamente criar as condições da sua rentabilidade, fazem que o volume dos investimentos tenha por vezes de elevar-se a cifras astronómicas, de tal sorte que aquilo que tecnicamente seja barato possa vir a ser economicamente caro. E concretamente o caso da energia, que, podendo obter-se a preços aliciantes, merca da necessidade de complementarmente ser necessário criar-lhe o próprio consumo, e da pesada influência dos transportes, pode acabar por concretizar-se em produtos mais caros durante alguns anos ...
Se as soluções preconizadas para a maioria dos casos, se não para todos, só são efectivas para longos prazos, as referentes ao ultramar só são atingíveis em prazos ainda muito maiores.
De resto, se é indispensável que caminhemos para uma integração das economias de todos os territórios portugueses, a verdade é que a fase presente, no interesse recíproco de cada uma das parcelas, é ainda a da complementaridade.
O ultramar, o desenvolvimento do ultramar, merece todos os nossos sacrifícios, constitui uma missão de tão grande alcance e tanta monta que bem poderá constituir uma tarefa colectiva que congregue todas as energias e audácias, que polarize todos quantos acima de tudo colocam a grandeza da Pátria e o bem-estar de todos os portugueses!
Sr. Presidente: é tempo de resumir e concluir.
O problema do crescimento económico das estruturas subdesenvolvidas é um problema complexo e vasto, eriçado de dificuldades e contratempos, e que se dilata no tempo muito para além dos nossos desejos e das aspirações dos povos. Gastaram-se anos a viver de glórias passadas; não pode esperar-se agora que de um dia para o outro alcancemos quanto a outros povos demorou dezenas e dezenas de anos, que recuperemos, como por encanto, tudo quanto desperdiçámos em lutas estéreis, em intrigas, em palavras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: É mister que prossigamos sem hesitações inconvenientes, sem indiferenças, comprometedoras, mas também sem precipitações perigosas, que podem comprometer o futuro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -A prudência tem aqui de ser a regra. O anseio dos homens manifesta-se, porém, a cada momento mais impaciente, como que a dar a medida da grandeza da tarefa a executar. E indispensável extrair desse anseio o estímulo necessário para não nos deixarmos vencer pelo peso da tarefa, nem comprometer a sua ordenada realização.
O Sr. Deputado Daniel Barbosa exprimiu aqui esse anseio e, vivendo-o com intensidade, procurou definir rumos e soluções, com o fim de apressar o nosso desenvolvimento económico. Aí estará um objectivo que todos temos de louvar, na medida em que partilhamos do mesmo anseio e sentimos a premência de melhorar as nossas modestas condições.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Em que medida as soluções preconizadas são adequadas ao fim em vista e representam um contributo novo diferente, para a sua resolução constitui outro problema.
Creio ter demonstrado não exprimirem soluções a curto prazo, mas apenas a longo período, e que neste sentido poderão perfeitamente alcançar-se os objectivos fixados.
Parece-me, aliás, que neste capítulo a questão está apenas em averiguar neste momento quanto poderá vir a obter-se no futuro, dentro do condicionalismo presente, tanto da técnica como do próprio Mundo.
No capítulo das técnicas a utilizar e dos meios a pôr em acção surgem naturalmente as divergências de fundo ou de pormenor, o que é perfeitamente natural em matéria que, não obstante todo o vasto trabalho de análise e formulação dos economistas, deixa ainda campo a controvérsias, particularmente no domínio da política económica e no da política, uma vez que a esta incumbe escolher os objectivos.
Neste aspecto julgo ter apresentado algumas discordâncias pertinentes, tanto pelo que diz respeito à escolha dos objectivos, como à eleição dos meios para os alcançar.
Por sobre tudo parece-nos pairar uma questão perturbadora - a particularização das soluções pode ter confundido possibilidades de alcançar, neste ou naquele campo, determinados objectivos com o problema geral do crescimento económico em que tais soluções têm necessariamente de se enquadrar.
Aí estarão os casos da política da produtividade, da reorganização industrial, dos critérios da escolha dos investimentos.
Para lá disto, afigura-se-me nem sempre serem os objectivos compatíveis entre si, antes se opondo com maior ou menor vigor.
O Sr. Daniel Barbosa: - V. Ex.ª dá-me licença?
E que eu posso ainda apresentar mais uma incompatibilidade. E que vejo que as coisas se apresentam tão incompatíveis que me lembro do caso da reorganização industrial, em que, de facto, temos uma legislação promulgada há dez anos e que, apesar disso, nada se fez. E, desta maneira, como qualquer coisa multiplicada por zero é sempre zero, a continuarmos como até aqui passados outros dez anos continuaremos sem nada fazer ...
O Orador: - Perdão, mas nesse caso expliquei que, embora possa ter havido tardança no prosseguimento
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firme duma política nesse particular, esse facto não podia ser visto separadamente de outro mais grave - o do emprego.
O Sr. Daniel Barbosa: - Eu apenas citei um caso que me lembrei e sei bem que V. Ex.ª não está contra o que eu disse, embora o tivesse acentuado com uma certa ironia.
O Orador: - Seria p caso do aumento simultâneo do consumo e do investimento, bem como da melhoria solidária do produto e o poder de compra pelo critério da rentabilidade dos investimentos - se bem entendi os raciocínios feitos.
Mas a questão deve ainda ser vista por outro ângulo.
Em que medida as soluções diferem dos caminhos que vêm sendo seguidos ou trazem novos contributos para o problema do nosso crescimento a curto e a longo prazo?
Aqui temos de concluir que, para lá de tudo quanto se refere a afeiçoar métodos, melhorar a sua eficiência e definir prioridade» para determinados problemas, requer um esforço no tempo para a solução de questões já em estudo ou mesmo legisladas não poderem encontrar-se rumos diferentes nem contributos novos. Havemos de convir que seria, aliás, muito difícil nesta matéria inovar, além de que não pode ter sido esse o objectivo do Sr. Deputado ao apresentar o problema numa assembleia política. Outro procedimento seria natural apenas em instituições apropriadas - de economistas ou de técnicos.
Seja como for, a verdade é que, verificada a impossibilidade de por via do investimento encontrar solução pronta para o nosso problema, a questão estava praticamente resolvida. Não seria certamente de esperar dos meios de aumentar a eficiência dos investimentos um contributo decisivo, como não seria legítimo admitir que tudo resolveria magicamente a coordenação.
Sr. Presidente: estuda-se presentemente um novo Plano de Fomento, que virá continuar o que se encontra em curso. Esse plano não deixará de alargar os seus objectivos nem de aproveitar a experiência do anterior.
Pela exposição que o Sr. Ministro da Presidência fez ao Conselho Económico tomámos consciência de que uma e outra coisa não foram esquecidas, que o problema do nosso desenvolvimento será procurado dentro de uma definição precisa doa objectivos primordiais da nossa gente.
Não me parece da exposição feita que os problemas postos não tenham sido considerados, articulados no seu quadro próprio, resolvidos na medida em que outros objectivos não tenham aparecido como prevalentes. Nada de novo neste particular. Mas nada de novo?
Não! Seria cometer uma injustiça concluir pela negativa.
O Sr. Deputado Daniel Barbosa, para lá do valor das soluções -que, aliás, desmerecem na medida em que se dilatam no tempo e os problemas se põem com acuidade- traduziu nesta Gamara o anseio do País. Seria imperdoável que o não entendêssemos. Seria imperdoável que desconhecêssemos esse anseio. Seria imperdoável que não compartilhássemos desse anseio-anseio de melhoria das nossas condições, de maior e mais rápido progresso e bem-estar a que os Portugueses têm legítimo direito.
Na medida em que tenha contribuído para abrir perspectivas para o futuro, para esclarecer o País sobre o caminho que importa trilhar, as dificuldades e o tempo que é preciso vencer e também sobre a proporção da ansiedade que pode ser satisfeita, terá o Sr. Deputado Daniel Barbosa prestado relevante serviço.
Para lá deste aspecto e correlacionada com ele outra grande conclusão me parece forçoso tirar do seu discurso.
O problema do nosso desenvolvimento económico não é apenas uma tarefa do Governo, mas do próprio País. É indispensável a colaboração consciente de todos, a mobilização das vontades e inteligências de todos os portugueses -técnicos, operários, empresários, consumidores-, para que a obra ingente da modificação das nossas condições de vida se execute no melhor ritmo e com mais proveito.
Se em todos os portugueses que nos escutam ou acompanham tiver ficado uma ideia clara a este respeito, não terá sido perdido o tempo nem importarão as más interpretações.
Sr. Presidente: não tenho o direito de abusar mais da paciência benevolente de V. Ex.ª e da Câmara. Vou terminar. Faço-o agradecendo a atenção que VV. Ex.as se dignaram dispensar-me e renovando os meus cumprimentos sinceros ao Sr. Deputado Daniel Barbosa. Faço-o relembrando ser árduo o caminho do crescimento das estruturas subdesenvolvidas, árduo e longo, dado implicar modificações estruturais que constituem a sua própria essência.
Nestas condições, todas as esperanças de rápida e pronta modificação são tão inconvenientes como o conformismo fatalista perante as dificuldades da natureza e a pobreza do nosso solo.
Teremos de caminhar com segurança e acreditar na nossa capacidade, confiar nas virtualidades de uma política que provou bem quanto pode contar-se com a disciplina e o apoio dos Portugueses.
Terei sido, porventura, friamente realista nas minhas palavras, terei parecido até apostado em desfazer ilusões, em arrefecer entusiasmos indispensáveis, em pintar tão negro o quadro das dificuldades a vencer como pode ter sido interpretado o das necessidades a satisfazer como foi traçado pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa. Puro engano, num como noutro caso. Pertenço ao número dos que têm fé. Dos que têm fé e acreditam nas virtudes do povo português, na nossa capacidade de realização, no regime político em que vivemos, no nosso desenvolvimento económico.
Mas, então, porque terei procedido deste modo? É simples.
Disse o Sr. Deputado Daniel Barbosa que sob o ponto de vista político um Governo se afirma junto das grandes massas populacionais muito mais pelas realizações do que pela sua doutrina. Em parte, assim será.
Mas para mim acredita-se bem mais pela realização do que pelo que promete. E não pode prometer-se mais do que aquilo que pode realizar-se!
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Mantero: - Sr. Presidente: o aviso prévio do Sr. Deputado Daniel Barbosa, como o compreendi, é essencialmente um brado de alarme sobre a lentidão do nosso crescimento económico e um apelo à coordenação.
O autor, depois de largamente se referir à base social e ao estado de atraso da economia portuguesa, mostra-nos o que pode vir a ser o Portugal de amanhã no aproveitamento racional do enorme potencial de riqueza ao nosso dispor na metrópole e no ultramar, mas torna o sucesso em tudo dependente da coordenação e do coordenador.
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Ouso pensar que assim se pode resumir o objecto do aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa.
Se não tivesse tido outros méritos (e teve-os e muitos), o aviso prévio serviria, pelo menos, paira demonstrar à saciedade o baixo nível de vida em que nos acotovelamos em Portugal, e que, por isso mesmo, todos podem verificar.
Sem contestar, portanto, a verdade deste postulado, parece-me legítimo sujeitar a avaliação estatística a certas correcções inspiradas nas realidades da vida, que mais exacta ideia dão das verdadeiras dimensões do nosso bem-estar, de resto já por outros Srs. Deputados largamente apontadas.
As diferenças de clima e de cultura e o alto grau do auto-abastecimento que caracteriza o povo português podem em certa medida atenuar as diferenças que os índices estatísticos apontam, aproximando o nível médio de satisfações humanas do Português do nível médio de satisfações humanas daqueles estrangeiros que invejamos, ao que parece, podendo, porventura, afirmar-se que o povo português não é muito menos feliz ou muito mais infeliz do que essa gente lá de fora ..., e é, afinal, da felicidade humana que se trata em tudo isto.
Quando entramos no mundo impalpável da felicidade não temos maneira de fixar matematicamente dimensões, temos de contentar-nos, ao aquilatar o grau de felicidade, de felicidade relativa, com a nossa própria sensibilidade na observação directa do fenómeno.
Medir a felicidade pelo número de unidades de bens destruídos pelo indivíduo nos seus consumos é restringir a análise a uma das partes do complexo todo que constitui a felicidade humana.
Não devemos esquecer-nos de que estamos muito longe daquele grau de integração perfeita que, nivelando os povos e os indivíduos, torna legítimos os confrontos, e, mesmo assim, ficariam por ponderar as desigualdades que a diferença dos climas e a diversidade das vontades determinam.
Feitas estas reservas, acompanho o Deputado Daniel Barbosa na generalidade das suas conclusões quanto à imperiosa necessidade de melhorar o nível de vida material da população portuguesa.
O aviso prévio, pela vastidão dos problemas que agita e das soluções que sugere, constitui um verdadeiro programa de política económica.
Difícil se torna discuti-lo em consideração da simples experiência passada e do condicionalismo em que se desenvolveu a política e a planificação económica portuguesa nos últimos tempos.
Forçoso é considerar agora o novo condicionalismo criado pelos grandes espaços, onde ou com quem teremos de viver no futuro em apertado contacto.
Até certa altura planeou-se em função do limitado espaço metropolitano; depois, do mais vasto espaço luso-ultramarino. Agora que o aceleramento da integração e do crescimento económico do espaço nacional se impõe como um imperativo a que não poderemos já fugir, a política e o planeamento terão que formular-se em consideração do novo condicionalismo criado pela nossa posição dentro da comunidade luso-brasileira e o grau do nosso parentesco com o grande espaço europeu.
Por isso, as considerações que vou fazer sobre os problemas políticos quê o aviso prévio veio agitar e suo preocupação de todos terão em conta aquelas dominadoras realidades.
Os baixos consumos parecem ser a grande preocupação do autor do aviso prévio, pelo significado que têm na política do bem-estar e pelas suas funestas repercussões sobre o nosso crescimento económico.
Não creio, como ele, que o problema dos baixos consumos possa resolver-se com medidas isoladas ou unilaterais. O que está mal não é isto ou aquilo, o que está em causa é toda a estrutura económica.
Reconhecemos agora que o grau de artificialismo a que conduziu a economia portuguesa um século de desvios da ordem natural em obediência a políticas eivadas de romantismo nacionalista, quantas vezes instigadas por interesses ocultos, nos colocou perante uma situação insustentável ao transpormos o limiar da grande Europa.
Ignorámos sistematicamente o fenómeno da formação dos grandes espaços, ida formação continental, e agimos como se tivéssemos a soberania incontestada do nosso pequenino espaço económico.
Como os outros, percorremos toda a escala dos nacionalismos de um século que foi fecundo em variedades desta espécie.
E agora que a Europa tem de escolher entre o ser e o não ser, entre o princípio de uma economia sã s dinâmica ou a perdição, nós vemo-nos colocados diante de um dilema cruciante: transformar a fundo a nossa política económica ou elevarmos mais ainda as muralhas em que nos sepultamos.
Num século de lirismo económico fizemos da economia patriotismo e o celeiro de Portugal transformou-se numa figura de retórica.
E, no entanto, parece bem claro o caminho a seguir.
A população, a sua excessiva acumulação na metrópole, é, agora e sempre, o nosso grande problema.
Os excedentes populacionais têm pesado sobre a economia portuguesa desde tempos remotos da nossa história e estão à base da nossa expansão no Mundo. Determinaram-na e condicionam-na.
Sem um reajustamento quantitativo e qualitativo da população às necessidades da transformação racional da nossa economia, tudo o que fizermos será letra morta.
Se nos racionalizarmos ao nível do progresso tecnológico pouparemos mais mão-de-obra do que aquela que poderá ser reabsorvida na metrópole em novas actividades.
Será sobretudo na agricultura e no comércio que a racionalização e a mecanização maiores excedentes produzirão, precisamente os dois sectores da actividade nacional em que as possibilidades de reabsorção são mais limitadas. Com efeito, a agricultura e o comércio, no invés da indústria, não podem desdobrar-se indefinidamente em .novos produtos e serviços.
Que rumo dar, pois, aos excedentes populacionais? Como as coisas estão, a nossa política económica, dominada pela ideia de encontrar ocupação na metrópole para toda a nossa gente, tem tido que lançar mão de soluções que nem sempre são economicamente defensáveis e acabam por criar mais problemas do que os que foram chamadas a resolver. Nem conseguimos dar emprego permanente a todos os portugueses, nem elevar sensivelmente o nível de vida da generalidade da população. Realizámos, sim, certa redistribuição do rendimento nacional. Resta saber se não terá sido em grande parte à custa de determinados sectores populacionais, que nem sempre são os que têm mais para dar.
No reajustamento da população às necessidades de uma economia racionalizada em função do progresso técnico e do condicionalismo criado pelo aceleramento da integração europeia reside a condição basilar dessa mesma racionalização económica e do avanço tecnológico, sem os quais se não alcança o objectivo que parece dominar a generalidade dos propósitos: «melhor viver e maior solidez e estabilidade na estrutura
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económica»; portanto, mais fartura e segurança para todos.
E este um dos capítulos mais transcendentes da política nacional, porque o reajustamento da nossa população não só envolve o problema económico e social no seu conjunto como também a nossa grande função histórica, a função povoadora.
Assegurando a preponderância do sangue português no Brasil e o povoamento intensivo dos nossos vastos territórios africanos, revigoraremos a comunidade, tornando mais homogéneo o seu corpo e maior o seu poderio exterior: a força em que nos apoiamos nos conselhos das nações.
O reajustamento da população implica a Deforma da política agrária no sentido do aproveitamento mais racional das terras: mais florestas, mais pastagens, mais pomares, mais culturas irrigadas, mais indústrias de produtos alimentares; melhoras técnicas e ia mecanização intensiva, libertando a agricultura do excesso fie mão-de-obra, que é causa, da sua baixa produtividade.
Na industria a situação e diversa. O problema, que ai se nos depara é, sobretudo, o da reconversão, o problema da adaptação e orientação da nossa indústria, em vista ao novo condicionalismo mundial que o euromercado veio criar, essencialmente comandado, já não pelas fronteiras políticas, mais pelas fronteiras geográficas de concorrência efectiva entre produtores da mesma espécie ou espécies concorrentes.
O problema, consiste em determinar quais são as novas fronteiras de concorrência para as nossas indústrias, depois de reapetrechadas por forma a atingirem o grau de «automação» necessário ao máximo alargamento economicamente útil do seu território concorrencial, sabendo-se, como se sabe, que as fronteiras de concorrência são largamente condicionadas pela localização dos centros produtores com relação uns aos outros e aos centros de consumo. São as facilidades e o custo dos transportes e o elemento tempo, que a distância envolve, a comandarem em larga medida, o fenómeno.
Quando a integração tenha avançado ao ponto de equilíbrio da produtividade entre ias diversas unidades produtoras da mesma espécie, serão sempre e afinal os factores naturais, a realidade da localização dos centros consumidores com relação aos centros de produção e a destes entre si, que hão-de decidir da sua distribuição geográfica.
Não vale já hoje a pena construir planos de industrialização em consideração apenas do restrito mercado nacional.
Numa economia em que a concorrência se estabelece entre poderosas unidades fortemente dinâmicas na sua estrutura tecnológica, o papel do comércio adquire primacial importância.
O problema da reestruturação do comércio português ao nível do euromercado põe-se, assim, com premente acuidade. Pulverizado ou descapitalizado, em todo o caso com débil base financeira e insuficientemente dotado de quadros técnicos, o comércio português, no estado actual, dificilmente poderá cumprir a sua missão num mercado em que tem de defrontar-se com vastas cadeias, concorrer com especialistas de óptima formação e larga experiência e medir-se com organizações dotadas de magníficos quadros técnicos e ampla base financeira.
O comércio moderno tende para dois pólos de organização: ao plano do retalho, a grande loja em cadeias, que abarca vasta gama. se não a generalidade, dos produtos de consumo, e, no plano de comércio por atacado, a empresa especializada. E fácil verificar que entre nós o fenómeno se não tem desenvolvido senão imperfeita e lentamente.
Pela posição intermédia das várias camadas do consumo e da produção no seu complexo escalonamento, o comércio constitui a estrutura do mercado. Comércio e mercado em certo modo confundem-se.
O custo da comercialização pode ser um elemento importante dos preços s, portanto, do nível do vida. o que dá particular relevância ao problema da produtividade na distribuição.
Este problema tem preocupado os meios comerciais, os sectores da produção, os governos e os parlamentos nos principais países. Várias formas de reestruturação tom sido preconizadas, com a supressão de certas camadas, a concentração noutras, a expansão de determinadas formas, a criação de novos tipos de organização e ainda, a instauração de serviços novos, como o das relações com o público o, finalmente, «automação».
Em todo o caso, tenhamos cuidado! Na ânsia de tudo submetermos ao factor custo, não vá afectar-se a vitalidade do comercio na espontânea formação das suas unidades, na sua natural orientação.
Entre nós a restruturação do comércio implica uma considerável redução no número total dos que nele trabalham, com apreciável aumento dos quadros técnicos e dos especialistas.
Não poderá o comercio reabsorver de pronto em novas especialidades senão parte mínima do pessoal que libertar, porque, como autos disse, o comércio se não desdobra iudefinidamenU1 em novas espécies, ao contrário do que sucede na indústria.
Assim, o acréscimo da produtividade no comercio implica a reabsorção dos seus excedentes por outras actividades ou a sua deslocação geográfica, o que nau constituirá, porventura, um problema insolúvel no mundo que estamos preparando.
Mas não são só os problemas do custo da distribuição que há a considerar na reestruturação do comércio como factor da expansão do mercado. São muitos e variados os que ficam de fora. Destaco um só: o da venda a prestações, pela sua importância como factor de alargamento do mercado. Até onde é conveniente a venda a prestações? Quando passa ela a ser pesada hipoteca sobre os consumos futuros ou causa de congelamento do crédito na sua pior forma, na que tem por contrapartida bens destruídos ou em processo do rápida destruição? Como estruturá-la em benefício permanente da expansão?
Também a política das infra-estruturas carece de ser revista, no sentido de se eliminar ou ajustar o que nela possa encontrar-se em desacordo com o novo condicionalismo e ampliá-la naquilo que as possibilidades de um mais amplo mercado aconselharem, estabelecendo as prioridades mais convenientes e acelerando a execução das obras, porque o nosso ajustamento terá de ser rápido para ser operante, tão distanciados estamos do nível tecnológico dos grandes centros europeus do produção.
Os problemas da reconstrução adquirem assim uma. grandeza tal que excede a nossa capacidade de os resolvermos ou de lhes acudirmos a curto prazo. Por isso, ao entrarmos na nova era devemos ter a consciência dos grandes riscos que nos esperam e a vontade firme de lhes fazermos frente orientados por ideias claras sobre o objectivo final a alcançar. Por isso, tão importante é traçar a tempo as linhas mestras do futuro Portugal.
O ultramar é no conjunto dessas linhas mestras um factor preponderante.
A sua posição no todo econónino nacional condiciona fortemente a nossa reconstituição. O povoamento é o problema fundamental que tudo domina. Não sei
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melhor do que repetir aqui o que noutra ocasião disse à Assembleia sobre a essência da política ultramarina:
O povoamento é o factor mais eficaz de integração ultramarina. O povoamento apoia-se essencialmente no desenvolvimento dos serviços e das indústrias, na multiplicação das explorações agrícolas industrializadas, que requerem elevada técnica e amplos quadros, e na mineração.
São condições gerais do povoamento uma fiscalidade mais baixa no ultramar do que na metrópole, que atraia e fixe ali os nossos excedentes de capitais, boas e extensas vias de comunicação, que tornem economicamente acessíveis as zonas produtivas do interior, apoio técnico efectivo, em vasta escala, e um meio económico em que o intervencionismo seja reduzido ao mínimo indispensável, um meio económico mais livre do que o da metrópole, que seduza os homens dispostos ao sacrifício desde que os acalente a esperança de uma vida melhor.
A integração será também obra espiritual na propagação da nossa cultura, que o próprio povoamento assegura. A convivência é uma força de atracção mais poderosa do que a escola. O nativo deve encontrar-nos em toda a parte e em todo o tempo.
Oferecendo-nos uma dupla vantagem, de ordem política e de ordem económica, o ultramar é a nossa terra eleita de expansão no século XX.
Permite-nos, na racional arrumação e aproveitamento do capital humano, consolidar a unidade e fortalecer o domínio dos nossos territórios e dá-nos simultaneamente a possibilidade de alargarmos o mercado, começando a colher os primeiros frutos da nossa reconstituição económica ainda no período de transição entre o nacionalismo e o continentalismo, e reforça singularmente a nossa posição no futuro mercado europeu.
For isso, tão urgente se torna articular o mercado único nacional, a que me referi o ano passado com alguma largueza perante a Câmara.
A sua efectivação não se compadece com delongas. Pela pasta do Ultramar já este ano foram dados os primeiros passos. Tímidos passos ainda, mas honra seja ao Ministro que os deu.
Bem sei que os problemas que envolve são muitos e complexos: problemas de ordem fiscal, problemas de ordem monetária, problemas de crédito, os problemas comerciais e os problemas migratórios, mas não podem deixar de estar associadas no mercado único as três liberdades: liberdade de circulação de mercadorias, capitais e pessoas.
Estamos diante de uma verdadeira revolução económica. Os problemas da reestruturação frente ao mercado único nacional e ao mercado europeu atingem proporções tais que põem à prova a capacidade do nosso restrito mercado de capitais para lhes fazer frente.
Põe-se, assim, o problema do abastecimento do mercado dos capitais e do seu funcionamento, o problema da criação, revigoramento e preservação dos incentivos à produção de riqueza, à formação de novos capitais, e o problema da utilização desses capitais.
No clima próprio ao desenvolvimento dos capitais a fiscalidade não pode parecer ou ser espoliação. O espírito de iniciativa não pode sofrer desânimo.
Este problema do mercado nacional dos capitais merece que me atarde uns momentos a considerá-lo. Ë sabido que o problema da dimensão das unidades produtoras, e, já agora, também das unidades distribuidoras ou comerciais, se põe como uma questão prévia da nossa reconstituição económica. Ë o problema das grandes e médias unidades num sistema económico em concorrência. Como financiar a sua constituição e assegurar o seu normal funcionamento?
Não posso aceitar que a indústria em Portugal só seja viável à escala nacional, portanto, u escala do Estado, o que significaria que, mais cedo ou mais tarde, cairíamos numa economia totalitária, realizando, afinal, o Estado socialista numa das suas multíplices formas.
Ë evidente que não podemos nem devemos esperar do Estado, num apertado intervencionismo, a solução de cada caso. Compete ao mercado assegurá-la.
Sem um amplo mercado de capitais fortemente abastecido e contínuo no seu funcionamento, que crie e preserve as condições de uma concorrência sadia das iniciativas a conter as forças centrípetas da concentração, cairemos inexoravelmente nas mãos do Estado socialista ou nas do Estado plutocrata.
O abastecimento do mercado interno dos capitais constitui assim um problema chave em cuja solução o Estado está directamente envolvido.
Se quisermos multiplicar e diversificar as unidades produtoras e distribuidoras ao grau de grandeza economicamente mais útil, evitando, por um lado, a pulverização e, por outro, a excessiva concentração, o monopólio, teremos de criar as condições de uma fácil e vantajosa associação dos pequenos capitais, interessando na vida e prosperidade das actividades produtoras a classe média e até mesmo certas camadas das classes trabalhadoras.
Não deve escapar-nos a formação incipiente de uma prolífera espécie social, a neoburguesia proletária, dispondo de grandes massas de capitais flutuantes.
Como intensificar a criação desses capitais e articulá-los depois, chamando-os a participar activamente na produção? Não basta depositá-los nas caixas económicas ou nos bancos, donde seriam facilmente canalizados para as actividades ligadas às grandes concentrações ou atrelados ao carro do dirigismo na distribuição do crédito. Outros métodos terão de ser utilizados.
A sociedade anónima apresenta-se-nos como uma força fomentadora da criação de novos capitais e agente activo da sua participação no processo produtivo. Nela se podem associar a pequena e a grande poupança.
Na Áustria e na Alemanha criaram-se novos tipos de acções, que pelo seu valor unitário muito baixo se designam «acções populares», disseminadas entre uma grande massa de portadores. Nos Estados Unidos os desdobramentos sucessivos em vista à redução do preço unitário das acções, ampliando o mercado e solidarizando extensas camadas sociais, sucessivamente mais baixas, na vida das empresas, imprimiram às sociedades por acções um forte cunho social. São frequentes as sociedades com mais de 100 000 ou mesmo de l milhão de accionistas. A American Telephone & Telegraph tem l 500 000 accionistas.
Fazendo correr para o grande reservatório comum, para o mercado dos capitais, novo e rico caudal, solidarizam extensas camadas sociais à vida e prosperidade das actividades produtoras.
Não devem escapar à Assembleia as implicações políticas e sociais desta nova solidariedade. A posse e fruição das empresas deixa de ser o privilégio de alguns para passar a ser a oportunidade de muitos.
Mas não basta criar o mecanismo do mercado, é necessário conservar e avolumar os caudais que o alimentam. Ë necessário, não apenas preservar, mas criar novos incentivos à produção de capitais. O quantum que os expressa varia com a intensidade dos incentivos humanos que comandam a sua formação.
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Quanto mais intenso for o incenlivo-lucro tanto mais activa será a formação de novos capitais, não só porque incita ao sacrifício dos consumos, mas também porque engrossa o seu mais poderoso caudal, que é o que do próprio lucro se alimenta. For isso, a política de dividendos tão grande importância tem na expansão ou retraimento do mercado de capitais.
Quer-me parecer que poderia definir-se assim o incentivo que estimula o homem à produção de novos capitais e ao seu investimento em sociedades anónimas: «curva de dividendos em ascensão suave, que conduza a maiores consumos futuros do que os consumos presentes que lhes são sacrificados», satisfazendo assim a aspiração de maior bem-estar material no futuro e o pedido generalizado de segurança, que define a mentalidade do nosso tempo.
A estabilização dos dividendos, que traz consigo um rendimento real decrescente, não conduz ao sacrifício do bem-estar imediato e constitui, portanto, um incentivo ao consumo em prejuízo da formação de novos capitais. Por isso, a política da estabilização do lucro é contrária à política da poupança.
Mas não é só com o aumento de consumos futuros que a poupança conta. Espera também certa medida de enriquecimento na participação à mais-valia, que a valorização dos títulos traduz.
A política de dividendos crescentes, ao mesmo tempo que expande o mercado, constitui um poderoso factor funcional de desconcentração de riqueza.
Mas não bastam, nesta hora avançada, os recursos do mercado nacional de capitais para acudir às necessidades do nosso rápido apetrechamento e reconversão. Teremos de recorrer em larga escala aos capitais estrangeiros se quisermos acelerar a reconstrução. Há razões internas e externas da nossa economia que impõem esse recurso.
A produção nacional de capitais é insuficiente para as nossas necessidades, e, na medida em que aumentar a pressão sobre o mercado interno, vai-se desenvolvendo uma situação inflacionista. Criando novo poder de compra fiduciário sem simultâneos aumentos de produção, ou provoca-se a alta dos preços, portanto o rebaixamento do nível de vida, contrai-se o mercado e enfraquece-se o nosso poder de concorrência internacional no agravamento dos custos, ou acrescem-se as importações, e será, afinal, e sempre, a balança de pagamentos que há-de suportar as últimas reacções do fenómeno inflacionista.
É que existe um equilíbrio natural entre balança de pagamentos e nível de vida, cuja origem está no grau de produtividade do trabalho nacional.
Os capitais importados contribuem para aliviar a pressão sobre o mercado interno, desagravando a taxa de juro ou de capitalização, e, na medida em que são utilizados na importação de bens aliviam também a balança de pagamentos, contrariando as tendências inflacionistas que o novo poder de compra criado pelos investimentos maciços não deixaria de provocar, sobretudo na primeira fase da reconstrução.
Por contra, esses capitais poderiam vir a constituir um factor de inflação, desde que não fossem aplicados em novas importações de produtos estrangeiros e viessem, por isso, acrescer a massa monetária, criando consumos sem contrapartida de produção.
O afluxo de capitais estrangeiros destinados a financiar o novo equipamento constituirá, assim, factor importante do aprovisionamento e estabilidade do mercado de capitais e do consequente aceleramento da reconstrução, da melhoria da produtividade e da elevação do nível de vida.
A nossa actual estrutura, com largos sectores da produção fechados à concorrência e outros abertos à concorrência desregrada, caracteriza-se pela sua rigidez. De um lado grande concentração dos lucros e dos novos capitais que eles formam; do outro, a descapitalização ou a insuficiência do lucro, que tornam vastas zonas estéreis como produtoras de novos capitais.
Esta rigidez de estrutura, que nasce da natureza marginal dos consumos e é inerente ao sistema monopolista de produção, faz temor que ao novo poder de compra não corresponda em muitos casos o aumento da produção e a baixa dos preços, apesar de muitas das nossas indústrias estarem a trabalhar abaixo da capacidade de produção, mas antes determine a subida dos preços e o consequente aumento dos lucros monopolistas, portanto uma mais forte concentração do poder de compra e dos novos capitais.
No esforço de corrigir os vícios monopolistas, o Estado é tentado a intervir. Por isso, a estrutura actual conduz-nos inevitavelmente a um apertado estatismo, a formas mais nu menos socializantes, com as suas intervenções nos preços, nos salários, nos lucros, no mercado dos capitais e no mais que for.
Carecemos de imprimir mais flexibilidade à nossa estrutura económica, criando as condições e o mecanismo de uma concorrência racional.
A concorrência, em que estou pensando não tem a forma de outros tempos. Não podemos voltar si concorrência estreme até à pulverização das actividades, só possível no rebaixamento do salário e 'afinal na própria destruição do lucro.
Numa sociedade organizada, a resistência do salário à opressão impede que os preços baixem à sua custa numa espiral de produtividade decrescente - a espiral da miséria. Essa mesma resistência serve para impulsionar a produtividade crescente como factor básico da concorrência no nosso tempo. E no aguçar da técnica, que envolve custo e qualidade e imaginação criadora, que devemos procurar o factor dinâmico da concorrência.
E por isso que a política do salário adquire tão grande importância económica. O salário é um factor não só da elevação material e moral da vida, mas também da expansão económica e da crescente produtividade.
Na vastidão dos nossos territórios é tanto o que ainda não fizemos e tão profunda a transformação a que teremos de sujeitar o que existe que o nosso planeamento económico terá de- ir muito além do simples planejamento das infra-estruturas e de algumas indústrias base.
Terá de considerar a redistribuição das populações, a reforma agrária, a reconversão e crescimento industrial, e tudo assentar numa política fiscal e numa política económica tendentes à expansão dos mercados de capitais, que há-de aumentar os grandes empreendimentos, e ao alargamento dos mercados comerciais, que hão-de assegurar a produção, pondo a concorrência, que gera a produtividade, e o incentivo-lucro, que gera a iniciativa, ao serviço da expansão e do bem-estar geral.
Parece-me que é chegado o momento de dizer algumas palavras sobre a coordenação. Já falei tantas vezes deste problema na Assembleia que terão repetir-me.
A coordenação económica pode ser funcional ou autoritária, pode ser a que se opera no mercado ou a que se dita nas repartições, e pode ainda ser mista, um pouco de tudo.
A coordenação, quando exercida autoritariamente, confunde-se com o dirigismo, tudo querendo absorver, e pode não resistir às dependências que geram o nepotismo, e nisso reside um grande perigo.
A tendência é para o abuso do poder, para uma burocracia entorpecedora e mal esclarecida.
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Quanto mais não fosse, a carência de investigadores e a insuficiência de elementos de estudo tornam muito aleatória a coordenação económica autoritária ou racional. Entre nós, onde a capacidade de organização é fraca, as qualidades do chefe soo decisivas. Dele depende o sucesso. A coordenação será o que for o coordenador.
Pode ser que o termo «coordenação» seja ambicioso de mais e não defina bem o que se pretende. Talvez se tenha em mente a criação de um órgão supraministerial que discipline, na sua criação e aplicação, a legislação em matéria económica, sem intervenção directa no desenrolar dos acontecimentos.
Creio ser importante que o autor do aviso prévio esclareça este ponto quando voltar a subir à tribuna.
traiçoaria o meu (pensamento se não tivesse de movo chamado aqui a atenção para os perigos da coordenação económica autoritária quando ela ignore, se sobreponha ou se substitua ao mercado.
Mas nem por isso deixo de me aperceber do sentido revolucionário que tem de tomar o nosso planejamento: uma revolução económica planeada, uma revolução na ordem, porque outra não faz sentido nos tempos que correm, na era da técnica.
E tudo isto tem de passar-se num mundo sacudido pelas mais desencontradas tendências, totalmente desorientado na anarquia egocêntrica das lideranças.
Brilham na babel das ideias doutrinas aliciantes e utópicas, enquanto espreitam timidamente as ideias sãs, mas vislumbra-se na confusão geral o caminho que as coisas tomam.
Surge a nova Europa como um imperativo da história na inexorável evolução dos fenómenos que a comandam e surge, ainda imprecisa, a ideia da Euráfrica.
A Euráfrica implica uma formação bicontinental. Até onde se conforma ela com a realidade histórica é o que resta ver. Nesta altura da integração mundial ao nível da civilização ocidental é fora de dúvida que a Europa leva um avanço que a distancia séculos do nível da integração africana, e nada prova que a integração na África siga o mesmo curso, se um intenso povoamento europeu ali não for rapidamente criar os sólidos centros de fixação e irradiação da nossa cultura e civilização.
Sem aprofundar mais este aspecto da questão, quero, no entanto, frisar que, para nós, ficar de fora do mercado comum eurafricano significa perder os principais mercados dos nossos produtos ultramarinos e ficar dentro significa alargar à África os graves problemas da reconversão.
Seja como for, euromercado ou Euráfrica, está em movimento a mais poderosa força da integração europeia. Não mais políticas fiscais díspares, não mais políticas monetárias contraditórias, não mais políticas sociais discordantes. A demagogia perde muito do seu poder. Surge um novo factor de estabilidade, na dificuldade de pôr todos de acordo para modificar o statu quo uma vez atingido o nível de integração almejado.
Vejam como a situação é séria e cheia de perigos, como a segurança poderá trazer a ancilose das instituições.
Entretanto, enquanto nada se resolve ou concretiza, as iniciativas param. Na incerteza do que está para vir ninguém sabe o que há-de fazer. Por isso, as forças de integração estão em rápido movimento, tal o temor das incertezas que se avolumam.
Por mim, não me preocupa sobremodo o futuro da economia portuguesa se os produtos agrícolas forem incluídos na zona livre em determinadas condições. Creio que socialmente ganharemos e que acabaremos por nos ajustar economicamente, mas arreceio-me fortemente do panorama político-económico do Portugal de amanhã nas dependências externas a que estará sujeito se a tempo não consolidarmos a unidade do Portugal eurafricano de hoje.
Expostos, assim, sucintamente os factores político-económicos que comandam o novo mercado e a nossa posição dentro dele, teremos de ver como se comportará o elemento humano português nesse mercado mais vasto que o futuro nos depara.
A mentalidade, em cuja formação a tradição pesa e que a divulgação e o nível da instrução modificam, constitui o factor psicológico do mercado.
Os novos desejos que a divulgação do ensino estimula, e a adaptação que ele determina da mentalidade às circunstâncias do tempo, trazem consigo novas escravidões e novas independências, um mundo de sentimentos desencontrados e de novos valores morais.
A mentalidade -a sua transformação- constitui, assim, o factor decisivo que há-de demonstrar a nossa capacidade ou a nossa inaptidão para uma rápida integração ao nível do mercado europeu, de que depende tomarem-se efectivas as vantagens que ele nos oferece.
Por isso, a importância que adquire a propagação da instrução e o ajustamento do seu nível geral qualitativo aos problemas do nosso tempo.
Enquanto se ouvir nos caminhos de Portugal gemer o carro de bois e se vir o labrego de pés descalços aguilhoar os animais e tudo perder-se numa nuvem de pó e de fumo não posso crer que o povo português tenha atingido o nível da integração europeia.
Sr. Presidente: Não creio que, para efeitos do debate, deva reter-se do aviso prévio do ilustre Deputado Daniel Barbosa a parte em que S. Ex.ª enraíza e documenta as suas conclusões. Ë uma extensa enumeração de factos da vida real e de factos estatísticos, que por si sós não parecem dever constituir uma questão política.
São as conclusões o que importa, porque nelas reside o carácter político do aviso prévio.
Resta saber em que medida traduzem anseios gerais mal contidos ou em que medida elas se conformam com aquilo que é possível realizar, porque é perigoso jogo político levantar no povo esperanças ilusórias.
Por isso me cingi ao que de essencial ou controverso me pareceu encontrar nas ideias do brilhante autor do aviso prévio.
Ao Sr. Deputado Daniel Barbosa peço me releve se na minha intervenção atraiçoei o meu propósito de me manter, na discussão dos grandes problemas políticos que S. Ex.ª levantou, ao nível em que por ele aqui foram tratados.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pereira Jardim: - Sr. Presidente: a importância do problema versado no aviso prévio do Sr. Eng. Daniel Barbosa, a peculiar autoridade do ilustre Deputado na matéria, o interesse que despertou o debate e o valor das intervenções no seu decurso produzidas tornam impossível formular mais do que um comentário circunscrito ao que se me afigura apresentar-se como linhas fundamentais de orientação e conclusões previstas para a sua aplicação.
Por mais que sobre o assunto se haja desde sempre meditado e por mais que se procure manter alguma actualização de conhecimentos, não seria praticamente possível ultrapassar esses limites no curto espaço de tempo que para o estudo do problema nos foi dado dispor.
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Daí as características do apontamento que trago ao debate.
À atenção da Assembleia, ao que tenho ouvido, parece haver-se prendido mais vivamente com as afirmações do Sr. Eng. Daniel Barbosa que respeitaram à definição da baixa capacidade aquisitiva do mercado nacional, do que com as que se referiram às orientações preconizadas.
Prefiro, pelo meu lado, seguir rumo diverso e só me deterei numa referência ao primeiro aspecto para sublinhar, como o fez em mais de um ensejo o autor do aviso prévio, que não esteve em causa -ao que entendi- nem o esforço desenvolvido nos últimos três decénios para melhorar as condições de vida da população nem o progresso inegável que desse esforço se obteve.
É possível -será mesmo certo- que nalguns sectores se haja querido deturpar o que nesta tribuna foi afirmado pelo Sr. Eng. Daniel Barbosa, mas quem, como eu, acompanhou uma a uma as palavras que aqui foram proferidas fica sem saber que recursos de intenções reservadas foi possível mobilizar pura tal deturpação de uma linha de pensamento que se me afigurou bem clara e que estado emocional será esse outro que conduz a admitir uma especulação, que não oferece mais mérito do que outras já acostumadas, às quais dedicamos, na objectividade da nossa apreciação, o repúdio honesto de quem tem a consciência de unia obra realizada ao serviço do País.
Aos autores ou instigadores dessa possível campanha deturpadora respondem as próprias afirmações, publicamente produzidas ao longo do seu aviso prévio, do Sr. Eng. Daniel Barbosa, que, com a honestidade e independência que o caracterizam, sublinhou insistentemente o sentido da sua intervenção e se esgotou a repetir o seu apreço por quanto, nestes trinta anos, o País viu realizado.
Os índices apontados copiosamente, os elementos informativos alinhados por forma objectiva e os comentários acumulados no decurso da sua exposição afiguram-se para mim mais do que suficientes para destruir a insídia com que lá fora se tenha procurado agitar a opinião pública. E só considero que se perdeu tempo - para não dizer que se facilitou a confusão - quando se buscaram outros argumentos, no desejo, sem dúvida bem intencionado, de procurar demonstrar o que demonstrado ficara.
Se alguns, na verdade, persistem em especular politicamente, no primeiro ensejo com que deparam, com cegueira, voluntária, ou sofrem da surdez intermitente para só ouvirem como querem ouvir, não julgo que desses males congénitos ou adquiridos de uns quantos se possam atribuir culpas ao Sr. Deputado que produziu honestamente o seu aviso prévio.
E pena será se, dando atenção demasiada a esses casos patológicos, houvermos propagado a extensão do mal.
Apenas deixo um comentário para os que queiram meditar nas causas que verdadeiramente conduzem a que o nível de vida do povo português não se apresente com características mais favoráveis. Elas residem, não só nas condições de que houve de se partir há trinta anos, como ainda na agitação fomentada por aqueles que conduziram a política mundial para um terreno que veio impor aos povos livres a dura necessidade de se apetrecharem para uma defesa que, sendo indispensável, obrigou a desviar para fins diversos recursos que poderiam haver sido utilizados com o objectivo de atender ao desenvolvimento das economias e à consequente elevação do nível de vida das populações.
Não fora isso e bem diferente se apresentaria o nível de vida, de cujo baixo grau não podem acusar-nos os que dificultaram ou impediram o seu progresso.
Mas deixemos o que foi acidental aia matéria do aviso prévio - e que se quis tornar fundamental -, para entrarmos nalguns aspectos do problema económico português.
Parte o aviso prévio para a formulação dos rumos a adoptar da afirmação da existência de baixo poder aquisitivo no mercado nacional e das consequências que daí resultam para os custos de produção das mercadorias nossas a esse mercado dirigidas e para as dificuldades com que deparam as iniciativas que visem desenvolver-se à, escala nacional.
A meu ver, situa-se tanto no campo da evidência o aspecto da modéstia da capacidade aquisitiva do mercado que não seria necessário haver ocupado tão desenvolvida parte da exposição com a demonstração daquilo que de demonstrar-se não se carecia.
O critério de exposição seguido não se me afigura, por isso, o mais apropriado e conteve em si próprio o inconveniente de consentir interpretações ou divergências que acabaram por desviar as atenções do exame do problema que efectivamente se pretendia equacionar.
Foi em imagem grosseira, como dar pinceladas de negro num quadro preto. Não se altera, em verdade, a cor, mas perde-se tinta e energia, sem resultado útil ...
Nesse quadro, repintado de fresco, inseriram-se os dados do problema, alinharam-se os termos e a equação e obtiveram-se soluções imaginárias ou reais, porque esta é de grau superior.
Ocupemo-nos destas, já que a elas se prende, afinal, o verdadeiro sentido do aviso prévio sobre o problema económico português.
Interessa, sem dúvida, determinar no estudo objectivo do problema económico de um país se este se encontra catalogável na classe dos subdesenvolvidos ou em grau superior. Mas isso interessa, sobretudo, como elemento de medição do nível atingido.
No meu conceito - em que outros acompanho - interessará, por outro lado, medir não só a posição alcançada, mas aquela tendência que se revele pelos índices de progresso ou retrocesso evidenciados desde o passado recente e nas suas perspectivas de projecção para o futuro.
Quero com isto afirmar que me interessa medir a tendência de desenvolvimento, paragem ou retrocesso que determinado país em determinado momento ofereça. E, assim, prefiro buscar -por parecer de maior interesse para o estudo em musa - a. classificação em função do movimento de progresso revelado, que conduz a conhecer se o país se encontra em via de desenvolvimento, em fase de estagnação ou em caminho de retrocesso.
Deixo a classificação estática, para buscar o conhecimento da posição dinâmica.
Na verdade, por mais risonho que seja o presente, graves perspectivas se avolumam sobre aquelas países que, tendo atingido a situação de «desenvolvidos», manifestem perigosa inclinação para retrocesso atrofiante. E, inversamente, com redobrada energia suportarão os sacrifícios necessários -que podem passar a fronteira da austeridade- aqueloutros que, menos felizes na classificação actual, apresentem sintomas saudáveis de desenvolvimento progressivo.
De uns e de outros não nos faltam exemplos pelo Mundo, e julgo que nuns e noutros, os governantes e os povos sentem variar a firmeza da solidariedade nacional, a integração das vontades e a aceitação da disci-
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plina necessária, mais em função dos objectivos a alcançar do que em razão da posição adquirida.
Sobretudo para quem viva fora da Europa e acompanhe, até pelo contacto directo, a evolução de certos países atirados para a cauda das classificações estáticas, o fenómeno -que é económico, mas é também político- assume uma plenitude, que a citação dos tratadistas mais ortodoxos não altera.
E, no fundo, muitos dos choques que vão pelo Mando resultam da colisão entre os interesses dos países desenvolvidos - mas não em vias de desenvolvimento - e os daqueles que, embora subdesenvolvidos, revelam pujança que arrasta - até como ameaça - a sua tendência de desenvolvimento.
Mais do que uma questão de dialéctica quanto aos termos de classificação, está nesta divergência de apreciação muito da tragédia que o Mundo vive.
Está nisto, afinal, o eterno diálogo entre a juventude dos que querem crescer, e para tonto dispõem de potencialidade, e o equilíbrio dos que querem viver, na maturidade ou declínio da existência, agarrados às fórmulas que melhor lho consintam.
Portugal -que não é só a estreita faixa europeia - alinha, sem dúvida, entre os países em fase de desenvolvimento, embora possa, transitoriamente, arrumar-se entre os menos desenvolvidos.
Os elementos trazidos ao debate pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa provam-no sobejamente aios dados estatísticos e nas conclusões formuladas, nos quais, com tanto entusiasmo como verdade, se alinhou o panorama do nosso vasto ultramar.
E é o problema económico ide Portugal, como país em vias de desenvolvimento, que havemos de considerar, para adem de medirmos a posição da sua classificação económica em doido momento.
E o problema ide um país que, no sou todo, se desenvolve e progride com apoio numa obra de mérito inegável, que temos de considerar.
E ainda o caso de uma Nação que reúne, como poucas, uma potencialidade de progresso, a par com a maturidade de espírito. Conjugamos a força da juventude com a serenidade da experiência. E disso é que vai havendo pouco pelo (Mundo.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - No planeamento da orientação a seguir para continuar e acelerar a acção de fomento empreendida interessa medir os resultados obtidos e as perspectivas que os empreendimentos levados a cabo oferecem, quer em si mesmo, quer pelas suas repercussões no que haja de vir a realizar-se.
E nesse exame os índices de eventual baixa rentabilidade nos investimentos não traduzem conclusão probatória de desacerto de critério nem oferecem elementos para comparação válida com a rentabilidade que outros possam haver retirado dos investimentos que fizeram, com paralelismo no tempo.
Importa, como sempre, analisar a posição dinâmica dos investimentos, e esta haverá de medir-se pela rentabilidade a obter no conjunto, tendo em vista o metodizado desenvolvimento de um programa e não apenas os resultados atingidos na execução do escalão inicial desse mesmo programa. Num país em via de desenvolvimento, como é o caso de Portugal - que nesta posição é apresentado no quadro da O. E. C. E.-, não pode ser outro o critério de apreciação da rentabilidade dos investimentos feitos.
E, havendo de ser assim, o estudo comparativo da rentabilidade dos investimentos, no conjunto das nações, só é lícito, para aquele efeito, quando se alinhem países em idêntico grau de desenvolvimento.
Na verdade, os que hajam partido de posição menos evoluída terão de iniciar o seu esforço de recuperação exactamente pelos tipos de investimento que oferecem menor rentabilidade directa e imediata, enquanto que outros, dispondo já dessa estrutura básica, têm possibilidade de se dedicarem a empreendimentos de maior rentabilidade e que beneficiam, para mais, do apoio impulsionador dos investimentos básicos anteriormente realizados. Quero com isto significar que a rentabilidade de quanto se investiu até hoje no caso português não pode ser medida, estaticamente, pelo alinhar de números e capitações, mas terá de o ser pela perspectiva, dinâmica, que oferece como base de melhor rentabilidade futura para o conjunto dos empreendimentos.
Contra os riscos de uma errada interpretação formulou o Sr. Eng. Daniel Barbosa as reservas que se impunham por honestidade de raciocínio, mas importa sublinhar este aspecto fundamental, para que mão se crie a falsa ideia de responsabilizar pela baixa rentabilidade dos investimentos uma acção governativa à qual não podem ser assacadas culpas de se haver visto forçada a começar, com atraso em relação a outros, por realizar aquilo que não é de sua responsabilidade não se ter iniciado antes.
Sofremos ainda, na rentabilidade dos investimentos, as consequências de uma incúria governativa, que tem de ser referida, até para que não se arvorem em juizes alguns que esquecem com demasiada rapidez a sua condição de culpados.
O nosso problema consiste - e isso se focou no aviso prévio- em ordenar os investimentos futuros e para eles mobilizar todos os recursos por forma a que a rentabilidade se acresça e se retire o maior proveito do que até hoje já se fez. E será essa a via, em cujo rumo estamos, de elevar a capacidade aquisitiva da gente portuguesa, o que se traduzirá por melhoria do seu nível de vida e tornará viáveis novas iniciativas, que ao mesmo objectivo venham, afinal, a conduzir.
Havemos de reconhecer que o nível de vida no País se encontra aquém do que seria desejável. Mas temos, paralelamente, de afirmar não haver rumo diferente daquele que até hoje foi seguido que permita obter melhores resultados paia a sua elevação.
Onde podem surgir divergências é nos métodos a utilizar para acelerar a realização de investimentos dentro desse programa, na definição da hierarquia dos empreendimentos, nas garantias a conceder aos capitais, na reorganização dalguns sectores de actividade e na adaptação da estruturo governamental à mais eficiente condução do desenvolvimento económico do País.
O aviso prévio veio trazer ao estudo destes problemas o contributo apreciável de haver apontado caminhos, suscitando a discussão de teses, e formulado sugestões que interessa, sem dúvida, considerar.
Afigura-se-me, porém, que na presente conjuntura perdem valor -por carecerem de actualidade- todas as apreciações do problema económico português que não enquadrem os rumos e os métodos no âmbito das realidades que se nos deparam e que resultam da estruturação de blocos económicos cuja força atractiva pesa sobre nós e cuja concretização nos conduz a rever algumas directrizes.
Não podemos, em verdade, apreciar o caso português desligando-o das consequências que sobre nós haverão de recair como resultado de novos esquemas económicos que outros se aprestam para adoptar, em termos que nos forçam a tomar posição à luz de novos princípios, para a melhor defesa dos nossos interesses.
Refiro-me à possibilidade da constituição do «mercado comum europeu» ou da «zona de livre troca europeia»
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Não deixou este problema de ser considerado no aviso prévio e em mais de um ensejo foi objecto de referências desenvolvidas no decurso do debate. Postos os dados gerais do problema, referidas as (perspectivas que a constituição do bloco oferece à economia da Europa e apontados os reflexos sobre as estruturas económicas e políticas das nações, não vi, porém, examiná-lo sob o ângulo português e ainda menos sobre as linhas directoras que nas soluções possíveis haveriam de resultar para a adaptação da nossa economia a esse novo condicionalismo.
E isso afigura-se-me indispensável, uma vez que no terreno das soluções a encarar são diversos os rumos a seguir, não sendo exequível, portanto, traçar esquemas sem sobre o problema-base se assumir posição definida.
Não se trata -como algumas vezes me pareceu entender- de antecipar o conhecimento da decisão que o Governo seja chamado a adoptar e muito menos de revelar, para a hipótese de se conhecerem, os fundamentos da orientação governamental na matéria. Tratar-se-ia de medir, pelo conhecimento que é público, os reflexos desse novo condicionalismo que nos surge e de formular juízo sobre a orientação que se julgue menos prejudicial aos interesses nacionais.
Não hesito em afirmar que em poucos momentos da vida do- País algum Governo terá suportado o peso de problema de tamanha envergadura e se haverá visto em situação de assumir decisão com tão graves responsabilidades. Temos, perante isso, o sério dever de consciência de considerar este aspecto fundamental, quando analisamos o problema económico português, e de tomar posição que eventualmente ofereça o contributo de um parecer, de uma sugestão ou, ao menos, de um comentário.
Este é um caso em que o Governo carece tanto de colaboração honesta como de confiança disciplinada por parte de todos nós.
É meu propósito, nesta intervenção, formular um primeiro comentário sobre a posição portuguesa perante o bloco europeu e apreciar o conteúdo do aviso prévio, em face da posição a definir.
E - sublinho-o por uma vez - neste meu depoimento não se poderá encontrar mais do que um pensamento pessoal e independente, fruto da meditação sobre elementos de conhecimento possível a todos os que ao assunto queiram dedicar o seu interesse.
A criação do bloco económico europeu, em qualquer das formas esboçadas, visa à estruturação de uma unidade que consinta o agrupamento estável das mações participantes, com o objectivo de permitir um revigoramento do conjunto que consinta o prosseguimento de lima política autónoma, em face dos poderosos blocos já existentes ou de outros que se esboçam.
Para a maioria das nações europeias parece assente a necessidade de adoptar tal directriz, e as divergências situem-se mais no terreno dos arranjos do que no da aceitação do princípio e objectivos enunciados.
O alargamento do mercado que se oferece aos participantes, com liberdade de circulação de mercadorias, capitais e pessoas, pressupõe - mesmo quando não se afirma - um alinhamento de regimes tributários, sociais e monetários, que fará caminhar inevitavelmente para uma 'integração política, com abdicação de boa parte do que hoje constitui, nos moldes clássicos, a soberania nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Daqui a necessidade de considerar, quer no campo económico, quer no campo político, as consequências previsíveis de uma adesão ao esquema ou de uma ausência.
Admitindo a tese de vantagens económicas, teremos de analisar, mo nosso caso, o preço pelo qual elas seriam adquiridas.
Não ocultam os defensores do bloco europeu que a sua estruturação exige sacrifícios no campo da soberania de cada um para se atingir a defesa do conjunto e indicam, como força polarizadora, o risco iminente de mais graves sacrifícios virem a ser suportados nesse campo, se a Europa não se fortalecer pela via apontada e houver de sofrer a hegemonia de outro bloco, por carência de capacidade defensiva. Assim se põe o dilema de uma orgânica construída por integração voluntária, onde seja possível acautelar interesses e direitos das nações em certo grau, ou de uma absorção ou domínio em que bem mais graves tenham de ser, para os países europeus, as concessões a fazer ou as imposições a sofrer.
E a salvação da Europa que está em causa.
E formula-se teoria na qual se admite que o conceito de soberania carece de ser examinado a nova luz, enquadrando-o nas limitações impostas pela solidariedade dos interesses comum a um conjunto de nações e apresentando-o como que reforçado pela obtenção de um acréscimo de acção soberana através da intervenção sobre os outros participantes no bloco, em compensação pelo que a esses outros se vai ceder no que era foro próprio.
Contém esta posição doutrinária alguma coisa de aliciante se fosse possível admitir a hipótese de não se tender para a hegemonia das potências mais poderosas na condução da vida da comunidade.
Seja expressamente aceite ou não este caminhar para um federalismo diluidor de fronteiras, o que se me afigura como certo é que a integração económica da Europa o há-de impor pela natural evolução do esquema, com força incontrolável pela própria vontade dos homens responsáveis.
E se algum país, tendo aderido ao bloco por solidariedade europeia e vantagens económicas, viesse um dia a reunir energias para tentar opor-se ao esmagamento do que quisesse conservar da sua soberania, difícil lhe havia de ser então romper os laços criados por uma comunidade de interesses entrelaçados no conjunto da sua própria vida interna.
Ao decidir-se a participação no bloco, fazendo a adaptação económica que essa atitude impõe, tem de se ter em mente que não é mais possível reverter à posição inicial.
Não creio que no conjunto europeu a nossa posição pudesse vir a situar-se entre aqueles que hajam de ter capacidade condutora e prevejo antes- que ela não passaria de uma subalternidade em que a independência tenderia a sofrer as mais sérias restrições. A par disso, o afrouxamento dos vínculos nacionais -consequência normal das limitações resultantes para a soberania- poderia acarretar os mais graves problemas para a manutenção da unidade de um país disperso por continentes diversos e cujos territórios se encontrariam sujeitos à pressão de outros blocos, sem disporem já da coesão que hoje resulta firmemente da conservação de um sentimento nacional que não admite restrições. E este atenuamento da unidade portuguesa, fruto da participação na comunidade europeia, viria afinal a enfraquecer a nossa própria valorização como membro de tal bloco.
Afigura-se-me assim que a nossa adesão ao esquema europeu conteria o risco de se caminhar para a perda da nacionalidade.
Julgo tal preço excessivo, no quadro dos valores que prezamos, para quaisquer eventuais vantagens que de tal atitude nos pudessem resultar.
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E nem sequer me parece que fosse esse o melhor contributo a oferecer, por nosso lado, para a salvação da Europa. À comunidade europeia haverá de interessar mais que conservemos toda a nossa potencialidade de nação repartida pelo Mundo, solidária com o bloco na realização dos objectivos que nos são comuns e a ele ligada por uma fornia de associação que para todos traga benefícios.
Vejamos agora como - em rápida síntese - se nos apresenta o problema no quadro dos interesses económicos.
Dirigimos aos países da eventual comunidade europeia percentagem vultosa das exportações, e nesse bloco se situam alguns daqueles que com as nossas concorrem em tais mercados. L daqui resulta que a ausência da comunidade cria um problema sério na colocação dos nossos excedentes exportáveis, que virão a encontrar-se em posição de difícil concorrência com os que, participando no bloco, beneficiem da ausência de encargos aduaneiros que sobre nós continuarão a pesar.
Não sendo fácil a transferência das nossas exportações para outras zonas, em montante significativo, resultará desta posição que algumas das actividades fundamentais do País conheceriam o peso de uma contracção de negócios que se reflectiria na própria capacidade aquisitiva do mercado e iria afinal atingir a produção mesmo nos sectores que ao consumo interno se dirigem.
Inversamente se põe, com acuidade não inferior, a repercussão sobre a nossa economia na hipótese da adesão ao bloco europeu.
Tendo anteriormente referido as características de país em via de desenvolvimento que apresentamos e apontado a necessidade de prosseguir nos passos imediatos de um programa de investimentos para se obter, desses e dos já realizados, uma rentabilidade em nível superior ao que actualmente se verifica, fácil é concluir do embate que para este tipo de economia viria a resultar da associação com países em grau de desenvolvimento diferente e perante cuja concorrência as iniciativas - mesmo as mais viáveis- laboriosamente erguidas tenderiam a soçobrar.
Essa integração na comunidade 'europeia significaria a conservação das exportações actuais, mas viria, a impor severa redução nas actividades que ao mercado interno dirigem a sua produção e mele deparariam com n concorrência dos produtos europeus sem qualquer margem de protecção.
Não me interessa, paro os efeitos desta apreciação, cuidar ide medir se noutro sentido não nos poderíamos ter encaminhado e se não poderíamos estar neste momento em situação menos desfavorável. O reconhecimento desses eventuais erros em nada altena a gravidade do problema.
O que tenho por certo é que sofreríamos, na hipótese da participação no bloco, uma contracção de actividade que poria em causa já não o acréscimo da rentabilidade dos investimentos feitos, mas a própria conservação da rentabilidade hoje obtida. E daqui o agravamento nas condições de vida da população, que haveria de sentir dificuldades bem mais duras do que aquelas que possa atravessar.
Paralelamente, os nossos limitados recursos de investimento haveriam de sofrer quebra, dificultando até o esforço de reconversão necessário perante as novas condições. E teríamos de aceitar -se não solicitar- a vinda de capitais estranhos, que, sendo úteis como elemento complementar, revestem muito de nocivo quando assumem a posição de factor fundamental.
É grave o dilema que enfrentamos em face da criação da zona de livre troca europeia e suponho que só se lucra em ter dele inteira consciência para se medir da insensatez que em tal momento representaria uma elevação de vencimentos e salários, como nalguns sectores parece sugerir-se. Não se nega a legitimidade de muitas aspirações e só se quer significar a impossibilidade de as atender. É que muito esforço custará a defesa dos níveis actuais.
Do que rapidamente fica indicado parece legítimo concluir-se que as consequências resultantes da nova estrutura económica da Europa haverão de ser medidas atentamente por forma a tomar-se posição expressa quanto à orientação a adoptar ou, pelo menos, quanto às directrizes mais aconselháveis a seguir em qualquer das possíveis soluções. Na verdade, só dessa análise se poderia partir para o estudo do problema económico português com o objectivo de definir as fórmulas mais convenientes para a reconversão da nossa economia em face das realidades que nos rodeiam.
Não se me afigura que tenha sido esse o caminho adoptado na realização do aviso prévio, e lamento-o, quer pelo contributo que a autoridade de quem o apresentou traria ao exame do problema à luz destas coordenadas, quer pela possibilidade do enquadramento objectivo de alguns dos caminhos indicados na adaptação económica que urge fazer.
É certo que o problema não foi ignorado pelo Sr. Eng. Daniel Barbosa e que muito de útil se contém nas considerações que a tal propósito produziu. Direi mesmo que o sentido da sua intervenção parece enquadrar-se no rumo que se apresenta, em meu entender, mais conforme com as realidades nacionais em presença da corrente europeia que ficou referida. Só foi pena que no estudo do problema económico português, que se propôs como tema, não houvesse sido aprofundado um aspecto que considero dominante e cuja referência u título meramente episódico privou o trabalho apresentado do valor técnico, do nível orientador e da oportunidade que poderia haver alcançado.
Isto não impede que acompanhe, nas linhas gerais, a orientação preconizada pelo autor do aviso prévio, que abertamente se pronuncia pela necessidade de prosseguirmos uma política autónoma de desenvolvimento, buscando, a todo o custo, encurtar o período de evolução que temos a percorrer e acelerar a obtenção da melhor rentabilidade dos investimentos feitos ou a realizar, procurando enquadrar-nos em posição que nos consinta enfrentar, em futuro próximo, os reflexos de uma estrutura europeia a que não devemos aderir, mas a que não podemos ser indiferentes.
Este caminho pressupõe a decisão de não participarmos na zona de livre troca europeia, em cujo âmbito, como anteriormente referi, se tornaria impossível continuar o esquema de desenvolvimento do País e obter a rentabilidade desejada para o esforço já levado a cabo à custa de sacrifícios aceites na perspectiva de objectivos que seriam frustrados.
Acompanho, assim, a posição assumida pelo Sr. Eng. Daniel Barbosa, e com ele me pronuncio pelo prosseguimento de uma política económica fora da integração na comunidade europeia.
E para tanto não nos restará mais recurso do que adoptar o rumo de fomentar os investimentos, hierarquizados num programa de rentabilidade dinâmica e conduzidos para a escala de trocas internacionais em que havemos de vir a mover-nos, adaptar o regime fiscal em ordem a obter a melhor função social e económica para os capitais privados, definir orientação estável quanto aos regimes a aplicar às actividades produtivas, que não se pode consentir que proliferem no nível da viabilidade artificial dos proteccionismos, nem que sucumbam na fase inicial da sua estruturação bem ordenada, promover a reconversão dos sectores onde se revele indispensável trazer as empresas da fase dispersa, a que se sacrifica a produtividade, para a orgânica que
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consinta capacidade efectiva de a obter em termos de apresentarem vitalidade própria, actualizar a coordenação doa departamentos do Estado, com o objectivo de melhor promoverem e acompanharem esta evolução, que a emergência impõe se realize em ritmo sincronizado com a velocidade que outros imprimam à condução dos factores cuja insuficiência haveremos de sentir.
Não desconheço que no enunciado destes caminhos não cabe qualquer parcela de ineditismo e ao contrário, sei medir o seu alinhamento com o que se tem esforçado por ser a política do Governo. É, pois, sem a pretensão de novidade que se apontam, paru insistir pela sua crucial actualidade e pela impossibilidade de consentir demoras na sua plena realização.
Nos termos gerais que ficam rotundos, acompanho inteiramente o Sr. Eng. Daniel Barbosa. Como o acompanho também na necessidade de se promover profunda reforma no espírito industrial e nos métodos ainda vigentes na condução da maioria das iniciativas, na qual se destacam alguns poucos exemplos dignos do maior apreço e estímulo.
Efectivamente, na estruturação de que carecemos para enfrentar a pressão externa na nossa economia exige-se muito de transformação profunda no conceito que impera em elevado número de indústrias quanto aos seus deveres, direitos e processos de trabalho.
Não creio que o Governo possa arcar indefinidamente cora a responsabilidade de manter proteccionismos que pesem, pelas suas consequências directas ou pelos reflexos noutros sectores, como estorvo u evolução da nossa economia. Seria injusto no âmbito da nossa vida interna e pode tornar-se impossível em face da pressão de correntes exteriores na condução das trocas entre as nações, decisivamente impulsionadas para, uma liberdade de movimentos de intercâmbio que temos de retardar na sua aplicação ao nosso caso. mas não creio que nos seja viável impedir nesse terreno por tempo ilimitado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É esta unia previsão que julgo dever constituir aviso paira os que poderiam tender a descansar ao abrigo duma situação que só à custa de muito esforço doe governantes e sacrifícios do País será possível defender com o objectivo de acautelar interesses nacionais, mas nunca de proteger, proventos pessoais.
A posição de repudiarmos a integração na zona de livre troca europeia é resultante do imperativo de acautelai-mos a sobrevivência da nacionalidade, é indispensável para podermos prosseguir a nossa evolução de país em fase de desenvolvimento, mas, respeitados estes limites, a realidade da vida em que nos temos de mover haverá de conduzir a fórmulas de colaboração progressiva que hão-de impor a reconversão da nossa economia em termos de não se poder consentir lugar aos que não se aprestem a acompanhar o movimento que se terá de verificar.
E se para isso ao Estado pertençam função de primordial relevo -que deverá impor a própria revisão do Plano de Fomento, já anunciado, à luz de novos factores-. não noa dúvida de que larga zona pertencerá à iniciativa particular, chamada a assumir as responsabilidades inerentes à posição que não se lhe nega na estrutura da Nação.
Na orientação que preconizo não fica, portanto, lugar para os ineptos ou para os que não saibam mover-se em rumo dos nossos dias.
Analisado -no âmbito daquilo que não pretende ser mais do que um comentário- o panorama que resulta da constituição da comunidade europeia, apontado o rumo que se me afigura não consentir alternativa e referida a orientação que da escolha desse rumo terá de resultar, não seria razoável que afastasse do quadro da minha exposição as perspectivas que entenda admissíveis.
A nossa ausência da zona conduzirá a reflexos, cujo peso se não deve ocultar, sobre os sectores da nossa economia que mais dependam da colocação dos seus produtos no mercado constituído pelos países que nela participem, e essa incidência revelar-se-á mais penosa para aqueles que enfrentem a concorrência das produções situadas no âmbito do bloco europeu.
Poderemos -e deveremos- tentar negociar fórmulas de colaboração que atenuem esses efeitos, mas não podemos esperar que elas consintam a eliminação completa dos reflexos que apontei. Admito, ainda, que a nossa potencialidade perante a zona possa ser acrescida pelo apoio encontrado em fórmulas de colaboração do nosso com outros países situados fora da comunidade europeia, uma vez que. não esqueço que Portugal se alarga por diversos continentes e que num deles -a África- toma posição que empresta particular relevo a eventuais estruturas de colaboração regional e sua ligação com a Europa. Mas não julgo que tudo seja bastante para anular as repercussões que haverá de sentir a colocação do boa parte dos nossos produtos nos mercados participantes.
E da contracção nos valores da exportação advirá, inexoravelmente, reflexo pesado sobre o nosso circuito económico e, consequentemente, sobre o próprio nível de vida da população.
Julgo não nos ficar alternativa mais favorável, mas ao escolhê-la temos de advertir o Pais do que não nos esperam horas agradáveis.
Ainda que seja possível realizar plenamente toda uma acção conduzida a acelerar a nossa evolução económica no sentido que ficou apontado, ainda que dela se retire a melhor rentabilidade que esperar se possa, ainda que outros fenómenos não venham perturbar o nosso labor construtivo, muito se terá conseguido se puder evitar-se incidência gravosa sobre o nível de vida da população.
Estou convencido de que pelo caminho oposto - a integração na zona de livre troca - mais duro seria o peso das consequências, mas isso não quer dizer que na fórmula- que preconizo nos espanem dias risonhos. Só ao cabo de uma evolução, que importa acelerar, mas não se pode realizar em curtos anos, as perspectivas virão a oferecer-se mais animadoras.
E, assim, enquadrando o problema económico português no âmbito das realidades que se avizinham, embora caminhando paralelamente com o Sr. Eng. Daniel Barbosa em muitos dos aspectos fundamentais da orientação a seguir, sou Invado a encontrar perspectivas bem menos animadoras do que aquelas que ofereceu.
Afirmando concordância quase absoluta com a orientação preconizada, sou conduzido a encontrar repercussão diversa para os resultados a atingir. Será menos agradável o quadro que tracei, mas isso não impede que o considere mais real.
Prestes a concluir, poderá estranhar-se que a minha preferência, em mais de um ensejo revelada, pelos problemas ultramarinos não se traduza em referência expressa à inserção do ultramar no problema económico português.
Tive permanentemente presentes, no alinhar do meu raciocínio, as possibilidades que o ultramar oferece no conjunto do problema. Não encontrei, porém, que para o seu esclarecimento ou para as conclusões a formular apresentasse utilidade uma referência explícita à contribuição que os recursos ultramarinos possam - e
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devam - oferecer, nem, muito menos, aos métodos que para tal cuido serem mais eficazes.
Isso estaria fora dos contornos que se impõem a este comentário ou estaria, pelo menos, destinado a alongá-lo desmedidamente. Noutra oportunidade espero, muito em breve, ocupar a atenção da Assembleia com esse problema, de cuja consideração admito poder resultar que se atenuem alguns dos traços mais carregados que esbocei.
E que na África poderá estar - para Portugal como para toda a Europa - a chave de alguns dos mais cruciantes problemas dos nossos dias.
Tudo dependerá do rumo que se queira e se saiba seguir.
Mas porque isso se afasta da matéria intrínseca do aviso prévio em debate, julgo dever reservá-lo para a próxima oportunidade que referi.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou interromper a sessão por alguns minutos.
Eram 19 horas.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 19 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: como o Sr. Deputado Daniel Barbosa, também eu tenho a opinião de que se deve a verdade ao País e de que dizer-lha é preferível a ocultar-lha, dado que é muito mais conveniente que este a tenha por forma ostensiva e clara do que n capte nas insinuações do boato e continue a deformá-la ainda mais do que ela já lhe chega quando bebida nesta fonte.
Deve o Governo a verdade ao País e deve o País a verdade ao Governo. Devem-lha designadamente aqueles que, pela posição política que ocupam, têm por missão dar-lhe conta de tudo o que possa contribuir para orientar a sua acção e dirigi-la no sentido de satisfazer o bem comum que lhe cumpre realizar.
Para continuar a acompanhar o pensamento do Sr. Deputado Daniel Barbosa, entendo, no entanto, distinguir, como S. Ex.ª fez, entre a verdade que se nota e a verdade que se deve.
A simples enumeração de factos é a verdade que se nota; a selecção dos factos a apontar para a doutrina da sua valoração é a verdade que se deve.
Ainda se não descobriu processo lógico de passar da realidade do ser para a do dever ser. Do ser não podem extrair-se normas de conduta, não pode extrair-se, portanto, uma política.
Podem extrair-se leis que exprimem puras regularidade fenomenológicas; não podem extrair-se leis finais ou normas de conduta. Estas hão-de buscar-se nas concepções que se tiverem da vida, da sociedade e do homem.
O que acaba de dizer-se não significa que seja despido de interesse político o conhecimento da realidade d ser e das leis que a exprimem. Tem mesmo o maior interesse, porque, conhecidas as leis naturais, quer dizer, as relações entre os fenómenos, ficam a conhecer-se os termos dessas relações em que é preciso intervir para que a lei natural se realize conforme ao sentido que se pretende. A determinação deste sentido é que já não tem nada que ver com a realidade do ser, mas com a concepção que se tiver da vida, da sociedade e do homem, como acima dizia.
Vem isto para dizer que a simples enumeração de factos não critica nem serve de apoio a uma política. Afirmar que o nosso nível de vida é baixo, que somos um país subalimentado e que a capitação do rendimento nacional é das mais baixas da Europa pode corresponder à verdade, mas não adianta nada como processo crítico da acção governativa. Para adiantar, era preciso demonstrar que aqueles factos se verificam porque a acção governativa tem sido errada ou inepta e que, se tivesse sido outra, de entre as possíveis, aqueles factos seriam outros também. Se isto se não demonstra, não se está a dizer a verdade que se deve ao País. Estão a dizer-se coisas que podem ser verdadeiras, mas não se está a «dar» a verdade que se deve. Estão a fixar-se factos que o povo, no seu simplismo, tende a imputar aos governantes e que estes não ignoram; o seu esforço é até buscar os meios de os remover. Pode criar-se assim um estado de espírito gravemente perturbador, que compromete, em vez de ajudar, a solução dos problemas. Dizer a verdade aos bocados não é «dar» a verdade que se deve ao povo.
Deve-se a verdade ao povo e deve-se a verdade aos governantes.
Se o que a estes se diz é, porém, o que se sabe que eles já conhecem, se o que se lhes propõe como solução é o que se sabe estar já no caminho das soluções do Governo, está a querer abrir-se uma porta aberta.
O inconveniente é menor do que no primeiro caso. Pode deixar-se a impressão de que a acção do Governo foi provocada, quando estava na linha da sua política e só aguardava oportunidade. Isso, porém, não fará grande mal ao Governo.
Feitas estas notas preliminares, vou procurar ver se me é possível considerar o problema posto pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa por algum ângulo por que ainda não tenha sido olhado. Certamente não o conseguirei e isso me obriga a pedir desculpa a VV. Ex.ª por repetir, com menos brilho, o que já foi dito por outros, demorando o debate e cansando-os ao insistir sobre questões já postas e sobre as quais terão um juízo formado. Colocar-me-ei, ao fazer as minhas observações, no próprio plano em que se colocou o Sr. Deputado Daniel Barbosa. Em geral, não discutirei números; trabalharei sobre os que foram trazidos à Assembleia por aquele Sr. Deputado e cuja consistência foi já analisada no debate.
Começa o Sr. Deputado Daniel Barbosa por procurar determinar o poder de compra da população. Não se serve para isso dos elementos estatísticos de que se dispõe, porque, como eu, os considera insuficientes e, portanto, capazes de conduzir a erros graves.
Prefere, por isso, recorrer ao método do orçamento familiar-tipo - um orçamento familiar-tipo por ele imaginado, relativo a uma família composta de pai, mãe e dois ou três filhos.
Organiza para esta família uma dieta alimentar pobre, propositadamente pobre e desequilibrada no aspecto qualitativo, mas suficiente no aspecto das calorias que fornece. E chega, parece que por inquéritos directos feitos no mercado, à conclusão de que os géneros para a composição daquela dieta custam por mês 950$. Partindo da ideia de que para satisfazer as outras necessidades da família, diferentes das de alimentação, é preciso um terço do que se gasta nestas, na hipótese que estuda, chega à conclusão de que os proventos mínimos indispensáveis para ocorrer às necessidades de vida daquela família montam a 1.500$ mensais.
O Sr. Daniel Barbosa:-Nunca disse que supunha que era preciso um terço para as despesas restantes, mas,
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sim, procurei avaliar dum montante de proventos supondo que para além da quantia necessária para ocorrer às despesas de alimentação essa família dispusesse de mais um terço para as despesas restantes sem daí inferir que o quantitativo total era suficiente. E isto é muito diferente.
O Orador: - Está bem. O número das calorias de que parte é de 3000, em média, por pessoa e por dia. Não discutirei este número, apesar de saber que ele não representa uma conclusão pacífica dos dietistas e que o Rapport du Comité sur lês Besoins en Caloria, publicado pela E. A. O., em Junho de 1950, ao determinar as necessidades calories consoante a temperatura ambiente, o peso dos indivíduos e a sua repartição por idades e por sexos, em vários países do Mundo, em nenhum chega a número tão alto, e na Europa aponta 2750 para a Dinamarca, 2550 para a França, 2390 para a Grécia, 2440 para a Itália, 2850 para a Noruega e 2650 para o Reino Unido.
Não discutirei o número, apesar de o que nos é atribuído pela O. E. G. E. -2440- não se afastar substancialmente daqueles que mais podem interessar-nos.
Não discuto o número, mas entendo dever discutir o método adoptado para determinar o poder de compra da população.
Efectivamente, aquele método não nos diz qual é, na verdade, o poder de compra da população ou de certo sector da população; diz-nos apenas qual o poder de compra de que uma família do tipo da estudada precisa de dispor para viver.
Num inquérito realizado ao custo da vida na cidade de Lisboa pelo Instituto Nacional de Estatística em 1948-1949 obteve-se uma despesa total média por família de 2.697$.
Desta despesa total, a de alimentação representava 52,6 por cento.
O inquérito foi feito a famílias residentes em Lisboa com um número de pessoas não inferior a três e cujos chefes eram membros dos sindicatos nacionais ou funcionários civis de categoria igual ou inferior à de primeiro-oficial; dominou um conjunto de 56215 indivíduos das mais variadas profissões, incluindo abegões, carroceiros, boieiros e cocheiros.
Das famílias inquiridas, só 5,8 por cento apresentaram uma despesa total inferior a 1.500$.
Por inquéritos assim feitos pode, com relativa aproximação, determinar-se o poder de compra das famílias correspondentes aos sectores que dominaram; pelo método do Sr. Deputado Daniel Barbosa não se determina o poder de compra de que se dispõe, mas, como foi dito, o poder de compra de que, dados os pressupostos de que parte, se precisa para viver.
O Sr. Daniel Barbosa: - V. Ex.ª dá-me licença?
E apenas para fazer uma pequena rectificação. V. Ex.ª continua a raciocinar na confusão. O que se procurou determinar nesse inquérito do Instituto Nacional de Estatística foi quanto e o que uma determinada família pode comprar ou adquirir por 1.500$ ou pouco mais. E o que procurei foi determinar, em face do poder de compra do escudo, quanto é que um agregado familiar deve ganhar para poder viver num mímico de condições.
O Orador: - Perdão! O inquérito do Instituto Nacional de Estatística pode servir para determinar o poder de compra. Á maior parte das famílias gastava uns 2.700$ e muito poucas gastavam o equivalente a 1.400$. E posso assim concluir que se fizeram esta despesa é porque tinham disponibilidades para tanto. E isto serve para determinar o poder de compra.
O Sr. Daniel Barbosa: - Mas o que restava determinar é se as famílias que gastaram os tais 1.400$ tiveram dinheiro suficiente para viver como deviam.
O Orador: - Isso não sei. Sei que gastaram aquilo e viveram.
O Sr. Daniel Barbosa: - Mas isso é que é fundamental e é que se impunha saber.
O Orador: - Fundamental é determinar o poder de compra da população e não, como V. Ex.º fez, o poder de compra do escudo. Eu disse quais foram as categorias de famílias e quais aquelas em que o respectivo chefe de família ganhava, em 1949, menos, muito menos de 3.000$. No entretanto, as diversas famílias gastavam de 1.400$ a mais de 2.700$ já que esta última cifra representa a média.
Tinham, portanto, proventos que lhes permitiam fazer esta despesa. Donde concluo que, realmente - e o Sr. Deputado Daniel Barbosa também o disse, visto ter falado de todos os proventos que pode obter uma família e não propriamente do ordenado ou vencimento do respectivo chefe-, não deve confundir-se poder de compra com salários ou vencimentos do chefe a família. Uma coisa são os salários ou vencimentos e outra poder de compra ou proventos familiares.
Depois de fazer o cálculo acima referido e de ter fixado o mínimo de 1.500$ como indispensável para a família-tipo viver, o Sr. Deputado Daniel Barbosa afirma que aquele cálculo parte de necessidades por defeito, para concluir, com a invocação de vários elementos de análise que não refere, que e o mínimo ideal para que um agregado familiar de quatro pessoas se pudesse manter, num meio citadino como o de Lisboa ou do Porto, com higiene, dignidade e satisfação das necessidades alimentares dentro de uma dieta rigorosamente equilibrada, seria o de um provento mensal da ordem dos 3.000$».
O Sr. Daniel Barbosa: - A confusão continua à base de V. Ex.º encarar aquele exemplo de mais um terço de proventos para as despesas restantes como quantitativo suficiente para estas. Interrompi V. Ex.ª não para repetir a rectificação que já fiz, mas para lhe lembrar que, em relação aos 3.000$, estão, no texto do meu discurso, bem especificadas todas as despesas que os constituem.
O Orador: -Talvez.
O Sr. Daniel Barbosa: - Esse «talvez» é desagradabilíssimo.
O Orador: - O que eu digo é que não são elementos de análise estes de se afirmar que são tantos por cento para vestuário e calçado, tantos para renda de casa, etc. Porque são essas percentagens e não são outras? Quais foram os critérios de análise?
O Sr. Daniel Barbosa: - As percentagens correspondem modestos quantitativos que, aliás, referi especificadamente; o que há, portanto, é ver se estes são exagerados ou não. V. Ex.ª parece conhecer só uma análise e eu refiro desde já a V. Ex.ª duas: uma dedutiva e outra indutiva.
O Orador: - Não trato disso, não é problema de palavras nem de distinções de escola. O problema é de
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fundo - é de saber se realmente V. Ex.ª fez alguma análise com conteúdo útil para a hipótese; e digo que não fez porque não indicou os critérios segundo os quais chegou aos tais 8, 9 ou 10 por cento, às tais percentagens ...
O Sr. Daniel Barbosa: - Fiz simplesmente uma análise desta forma: admitamos que se gasta tanto numa casa, tanto em vestuário, etc., de maneira que sobram 14$50 por pessoa por dia. E isto é que não vejo discutir.
O Orador: - Mas esses elementos podem não conduzir a qualquer resultado útil.
O Sr. Daniel Barbosa: - Então demonstrem-no; de resto é preciso construir modelos para que se possa caminhar na economia.
O Orador: - Como se trata de um ideal - esse dos 3.000$ de proventos mínimos - a atingir, não serei eu quem o ache exagerado - mesmo como ideal mínimo. Sou muito mais ambicioso e desejaria fixar esse ideal mínimo em nível mais elevado.
O pior é que uma grande massa da população não interpretou a oifra dos 3.000$ mensais como um ideal a atingir, mas como uma solução a realizar imediatamente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E logo se concluiu que o vencimento mínimo ou o salário mínimo mão devia ser inferior àquela quantia.
Ma a o que o Sr. Deputado Daniel Barbosa prometeu foi, como se vê no decorrer do seu discurso, que, se viesse a ser adoptada a. política económica que preconiza, aquele mínimo ideal poderia ser atingido em 1970.
Prometeu 3.000$ para 1970, e não para já.
O Sr. Daniel Barbosa: - Perdão! Não prometi nada disso. Eu disse que em 1970 podíamos talvez atingir uma capitação do produto nacional bruto correspondente - repare V. Ex.ª que digo correspondente e não equivalente - a uma aproximação desse montante em face da infra-estrutura económica que se está efectivando. Mas que tal não chegava e que tudo poderíamos acelerar no tempo se fôssemos por certos caminhos por onde entendo é preciso caminhar.
O Orador: - Isso são fórmulas; V. Ex.ª relacionou os 3.000$ com a capitação do rendimento que podíamos atingir em 1970.
O Sr. Soares da Fonseca: - E evidente que não era o Sr. Eng. Daniel Barbosa quem ia dar os 3.000$.
O Orador: - E estes 3.000$ em 1970 não constituem o salário mínimo individual, mus 09 "proventos mínimos do agregado familiar. Conhecem-se as dificuldades que suscita a instituição do salário familiar, de que no nosso país é apontamento tímido, deve .reconhecer-se, o abono de família.
Para se poder atingir aquele ideal mínimo é preciso, no pensamento do Sr. Deputado Daniel Barbosa, elevar a capitação do rendimento nacional, que hoje é da ordem dos 5.750$, para um quantitativo da ordem dos 9.000$ - sirvo-me dos números apresentados por aquele Sr. Deputado, sem os fiscalizar.
Como atingir, no espaço de treze anos, aquela capitação ?
Seria necessário aumentar o produto nacional bruto de 48 500 milhares de coutos, que é hoje, para 81 000 milhares de contos, que deveria ser em 1970.
Para isso a taxa anual de crescimento do produto deveria ser da ordem dos 4,5-5 por cento, o que corresponderia a um crescimento anual da ordem dos 2200-2300 milhares de contos.
A este crescimento corresponderia, considerado o aumento provável da população, o crescimento da capitação à taxa anual de 3,8 por cento. Tudo isto em relação a 1955.
Admitindo, com declarado optimismo, que a relação capital-produto é de 5 para l, chega à conclusão, nada optimista, de que seria necessário, para se atingir o resultado desejado, investir anualmente um volume de capital da ordem dos 11 milhões de contos. E ainda um número assustador. Seria mesmo desanimador, dadas as nossas possibilidades, se devêssemos atribuir o crescimento do produto exclusivamente ao volume dos investimentos.
Mas não devemos. A política económica a adoptar terá de ser não só uma política de investimentos, mas outra além dessa.
Qual ? É o que vamos ver.
Até aqui vimos que o Sr. Deputado Daniel Barbosa relaciona a elevação do nível de vida com a elevação do produto nacional bruto e da capitação desse produto.
Os salários e os vencimentos deverão mover-se ao ritmo do movimento daqueles produto e capitação.
Seria contraproducente aumentá-los sem aumentar as quantidades produzidas.
Reproduzo as próprias palavras do Sr. Deputado Daniel Barbosa:
Toda a tentativa simplista de aumento do poder de compra por aumento de vencimentos ou de salários, sem a contrapartida do aumento das quantidades produzidas e da estabilidade -se não mesmo do embaratecimento- do custo da produção, servirá só para acarretar novos agravamentos no custo da nossa vida, ou levar, quando muito, a manter, com maiores ou menores modificações, as dificuldades actuais; até porque a reacção normal da produção perante um maior interesse da procura poderia traduzir-se numa retroacção conducente a uma elevação de preços. E iríamos então de muito mal a pior.
Volto agora a perguntar: qual é a política económica preconizada pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa?
E o que, embora esquematicamente, vou procurar referir.
Só referir, porque cada dia do debate me foi levando a suprimir um capítulo dos que tinha ideado para preencher a minha intervenção. Terão V. Ex.ª ficado assim mais bem elucidados do que se houvessem de sê-lo por mim, e por isso os felicito e me felicito.
Esquematicamente, a política preconizada pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa apresenta-se assim:
1) Investimento;
2) Alargamento do consumo;
3) Reorganização do crédito e da banca em geral, de modo a criar facilidades de fomento;
4) Reforma fiscal;
5) Um sistema de coordenação eficiente.
Este esquema e cada um dos elementos em que se analisa foi longa e brilhantemente tratado e discutido. Isso me dispensa de grandes desenvolvimentos. Limitar-me-ei a breves notas - só as que interessam ao meu propósito.
Dos elementos em que se analisa o esquema creio que só o primeiro e o último têm verdadeira autonomia.
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Os outros ou são simples processos de facilitar o investimento fé quanto ao terceiro -reorganização do crédito- não há dúvida de que o é). ou se podem desenvolver no sentido de o dificultar.
Isso depende da posição que em relação a eles se tomar.
O investimento é um factor do alargamento do consumo; mas o alargamento do consumo que não seja já uma consequência do investimento constitui um óbice a que este se faça. Neste sentido deve interpretar-se a conhecida fórmula: ou consumo ou investimento.
A reforma fiscal ou tem como objectivo uma distribuição mais justa, 110 aspecto social, do rendimento - e então favorece o consumo, mas prejudica o investimento -, ou visa a favorecer o investimento - e então protege os lucros de quem tem já satisfeita a sua capacidade de consumo e prejudica o consumo.
Este círculo lógico deve ter estado presente no pensamento do Sr. Deputado Daniel Barbosa, e daí os desenvolvimentos que faz sobre os prejuízos que podem resultar da execução de uma política inimiga do lucro.
No prolongamento destas ideias está que o lucro só se não justificará quando se destinar ao investimento. Esta conclusão não a tira o Sr. Deputado Daniel Barbosa. For sobre a lógica está a moral e esta não consente que se protejam lucros anormais, espoliando o trabalho ou a massa dos consumidores: aquele, se não se pagar com justiça aos trabalhadores quando os lucros; o consentem; esta, se lhes furem exigidos preços que ultrapassem, em medida mais do que: razoável, as despesas da empresa, incluídas as necessárias amortizações. Isto, porém, já se não conclui em nome do económico, mas em nome do moral e do social.
E o Sr. Deputado Daniel Barbosa quer, não direi o moral, mas o social subordinado ao económico.
O Sr. Daniel Barbosa: - Perdão! Não subordinei um ao outro, muito menus no sentido que V. Ex.ª lhe confere; ainda gostava de saber onde V. Ex.ª encontrou conteúdo nas minhas afirmações para tirar as ilações que tira.
O Orador: - V. Ex.ª afirma, em qualquer parte do seu discurso, que a intervenção do social pode conduzir ao agravamento dos preços e perturbar a produção.
O Sr. Daniel Barbosa: - O mesmo se pode dizer da intervenção do financeiro, que pode prejudicar o social, se não houver coordenação, que é, afinal, o que sobretudo defendo.
O Orador: - V. Ex.ª o que pretende e subordinar ao económico o fiscal.
O Sr. Daniel Barbosa: - Subordinar u fiscal ao económico estou de acordo.
O Orador: - No discurso de V. Ex.ª há uma proposição de que pode resultar que- V. Ex.ª subordina também o social ao económico.
Continuo. 15 concebível, segundo creio, alargar o consumo e remunerar melhor o trabalho, mofino sem investimento: é aumentar a produtividade, melhorando a organizarão do trabalho e aumentando o rendimento produzido pelos trabalhadores. Isto conduzirá à diminuição dos custos dos produtos e à sua oferta a melhores preços. Assim se poderão elevar os salários e, em consequência, quer disso, quer do próprio abaixamento dos preços, alargar o consumo.
O problema da melhor organização do trabalho pode pôr o da concentração. O Sr. Deputado Daniel Barbosa é partidário da concentração, sem sacrificar completamente a desconcentração. Também não deixo de reconhecer as vantagens da concentração, desde que possa determinar-se a dimensão que a empresa deve ter para corresponder ao momento óptimo da sua organização e produção.
Uma coisa é, porém, concentração de empresa, outra coisa é concentrarão capitalista.
Se um grupo financeiro toma uma posição majoritária em várias empresas com actividades económicas diferenciadas e, em consequência, as domina, não há concentração de empresa: há concentração capitalista. É lima concentração que não tem nada que ver com a ideia da melhor organização técnica do trabalho ou da produção. O que a interessa é o lucro e - para que este seja maior- o domínio do mercado. Creio que. como eu, não é esta que o Sr. Deputado Daniel Barbosa defende.
O Sr. Daniel Barbosa: - Com certeza!
O Orador: - Estas considerações levam-me a tocar um problema que também foi tratado pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa: é o da participação do listado no capital das empresas. Como S. Ex.ª, também entendo que só deve dá-la quando isso for necessário para despertar iniciativas, desenvolver o espírito de empresa, acordar os capitais receosos; e entendo ainda que devo procurar abandonar a posição tomada, para atrair novas iniciativas. Mas não deve fazê-lo senão com cautelas particulares, não vá colaborar na formarão de concentrações capitalistas. Continuo d u acordo com o Sr. Deputado Daniel Barbosa. E sabe-se que esta é também a orientação do Governo. Nem podia ser outra, a não ser que quisesse pôr-se em contradição com princípios constitucionais bem definidos.
Não é só nisto que o Governo está de acordo com a política preconizada pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa.
Está-o também na política de investimentos.
Sabe-se que estão adiantados os trabalhos para o novo Plano de Fomento. Um plano de fomento é, ao fim e ao cabo, um plano de investimento. As finalidades do Plano já foram anunciadas pela pessoa particularmente qualificada para o fazer.
Coincidem, fundamentalmente, com as preconizadas pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa para a solução do problema económico português. Nem se esqueceu, ao enunciá-las, que todas eram dominadas pela preocupação de elevar o nível de vida da gente portuguesa, que o Governo, como nós. considera baixo.
Sabe-se, por outro lado. que o Governo tem preparados os diplomas relativos à constituição do Banco de Fomento e à reorganização do crédito, no suaria do de facilitar os investimentos por meio de operações a médio e longo prazo.
Assim continuará a realizar-se a política propugnada pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa.
Quanto à coordenarão, se ela se pede sobretudo para não comprometer a hierarquia dos investimentos, podemos estar assegurados de que não será comprometida.
O próprio Plano de Fomento é, em grande parte, a garantia disso. As realizações para além do Plano hão-de naturalmente ser dominadas pelo mesmo espírito que há-de animar o Plano.
Não digo que a estruturação ministerial propugnada pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa venha a ser adoptada ou não. Por mim, não concordo com ela, e creio mesmo que conduziria a um dualismo coordenador, gravemente descoordenador. Não sei.
Sei, porém, que em matéria de investimentos não faltará coordenação, e isso é o que importa antes do que uma tentativa de estruturação ministerial que está
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fora da nossa tradição e me parece inarmónica com o espírito da nossa orgânica constitucional.
Pode então olhar-se para o futuro com boas esperanças de que o nosso crescimento económico se fará a ritmo mais acelerado do que o tem sido até aqui. Não temos estado parados, mas vamos caminhar mais depressa. E o que está admiravelmente expresso ...
O Sr. Daniel Barbosa: - Isso agora é a anestesia, tardia embora ...
O Orador: -... na passagem do discurso do Sr. Deputado Daniel Barbosa que vou reproduzir:
Se uma figuração geométrica me fosse permitida, diria que todo o trabalho de adaptação política e de preparo infra-estrutural que se impõe realizar durante um longo período de anos tinha fatalmente de amarrar essa curva (a curva de evolução do nosso progresso económico) -que precisou partir do zero ou de uma posição inferior- a cotas que fatalmente tinham de ir variando também, pouco a pouco, em relação ao eixo das abcissas em que figurasse o tempo; mas agora temos já posição suficiente para seguir por cotas sucessivas cada vez maiores, marcando-se a curva nesta nova fase por lugares geométricos de pontos cujas tangentes vão tendo cada vez maior inclinação.
Temos então caminhado, mas vamos caminhar mais depressa, graças aos caminhos que abrimos e nos permitirão outras velocidades.
Sr. Presidente: vou terminar. Não o farei sem assinalar o nível superior em que foi posto o problema e decorreu o debate.
Não seria correcto distinguir, mas é permitido dizer que se produziram aqui trabalhos que honrariam a mais prestigiosa instituição.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - É isso para mini, e tenho a certeza de que para V. Ex.ª e para todos, motivo de grande contentamento.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Daniel Barbosa: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: tenho a noção perfeita de quanto abusei da paciência de V. Ex.ª e da Câmara com a realização do meu extenso e já tão discutido aviso prévio, pelo que, ao solicitar de V. Ex.ª de novo a palavra, procurarei ser tão breve quanto possível, para não retribuir com um abuso a amabilidade da indiscutível tolerância de todos.
Subo novamente a esta tribuna com a consciência plena de me ter respeitado a mim próprio e respeitado a Assembleia Nacional com o trabalho que aqui apresentei.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - De facto, para além dos erros que porventura cometesse, da insuficiência do conteúdo e da pobreza da própria formulação, tenho a certeza de ter apresentado um trabalho sério, fruto não do labor de escassas noites perdidas no precipitado rebusco de números, de dados ou de ideias, mas sim duma análise ponderada e vivida, que decorreu, mesmo na sua parte final,por longas semanas fora, tendo tido por base indispensável para tanto a leitura, a consideração e o estudo dum número já razoável de anos.
Aceitando e respeitando, portanto, as críticas objectivas que, em qualquer campo, o meu trabalho mereça - e que todos melhor poderão fazer, aliás, quando o publicar com a documentação e as razões de interpretação que lhe serviram de apoio-, posso exigir para ele o respeito da gente de bem, dada a garantia que lhe empresta o facto de ter sido feito por uma pessoa para quem a dignidade constitui o lema principal da sua vida e que, por isso mesmo, procura em todas as circunstâncias e onde quer que se encontre ser sempre igual a si próprio.
Esta é uma afirmação axiomática, que não me interessa, portanto, discutir, mas à sombra da qual me parece lícito formular os meus agradecimentos aos que aqui, ou lá fora, souberam prestar justiça às intenções que me moveram, passando sem as olhar as eventuais insinuações ou deturpações, daqueles que, no campo das repercussões exteriores, do meu aviso prévio, procuraram somente cobrir com o triste manto da esperteza ou da insídia uma incapacidade total e manifesta para criticar ou julgar.
Segui com a possível atenção, e em certos casos com o maior interesse, os discursos que alguns Srs. Deputados proferiram sobre o meu aviso prévio e gostaria, como se torna evidente, poder referir-me um a um de per si; mas sabe V. Ex.ª, Sr. Presidente, e sabe-o a Câmara também, que o tempo que me foi dado para tal não atingiu sequer, na maioria dos casos, o mínimo indispensável para uma leitura atenta e cuidada, com vista ao que se afirmou e se disse, do Diário das Sessões; de alguns discursos proferidos ainda nem sequer a publicação se fez e outros acabam de ser proferidos nesta mesma sessão em que me cabe responder.
Recordo à Câmara que, há talvez quatro semanas, pude, perante a Comissão de Economia, expor em linhas gerais o assunto do aviso prévio que depois realizei ; e entendeu V. Ex.ª, Sr. Presidente - e muito bem -, criar ainda aos Srs. Deputados, já depois da sua realização, as condições de tempo precisas para poderem ponderar quanto aqui disse e o Diário das Sessões transcreveu ainda a tempo para que muitos o pudessem analisar e anotar.
Mesmo assim não faltaram as queixas, que fui o primeiro a compreender, de que o tempo para tal reservado fora escasso, e ao por isso a alguns Srs. Deputados não foi, decerto, possível dar a devida atenção àquilo que, na realidade, escrevi; repeti-lo agora seria de certo impróprio e de mau gosto até, pelo que me limito a pedir, a quem o caso ainda porventura interesse, que compare sempre o teor da crítica com o teor do criticado, para tirar ilações e concluir depois como convém.
Mas é exactamente em face do exposto que devo honestamente afirmar não me ser humanamente possível responder minuciosamente aos discursos que ouvi, dado que, em relação aos mais importantes, até, dispus de umas escassas horas, sem possibilidade mesmo, em certos casos -repito- de conhecer os seus textos para os ler e analisar como convinha.
Lamento sinceramente que os trabalhos que a Câmara tem de realizar ainda até ao próximo fim desta sessão legislativa não permitissem conceder-me aquele mínimo de prazo de intervalo por que tanto insisti junto do nosso Presidente, e que todos, de boa fé, teriam de aceitar como indispensável e justo; peço, portanto, aos Srs. Deputados que intervieram no debate que não encarem como um acto de menos consideração por eles englobar as minhas respostas numa síntese,
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respondendo às críticas que pude reter agrupando-as em termos de generalidade.
De rés to, creio que as discussões sobre este assunto não ficarão por aqui, e que até talvez num campo fora de ambientes políticos será possível melhor esclarecer certos pontos de doutrinação económica ou analisar certos modelos de apoio paru os raciocínios tão diferentes que nesta Câmara se chocaram no tilo de tirar conclusões que se chocaram também.
Separo, porém, da generalidade da resposta, e por razões muito particulares, o discurso do Sr. Deputado Rustorff da Silva. permitindo-me fazer sobre ele uma ligeiríssima anotação.
Quando em 1948 abandonei voluntariamente as minhas funções governativas, regressei sossegadamente à vida particular que até então tivera, reconhecendo, porém, naturalmente nos outros u direito de criticar uma acção que, por ser pública, poderia merecer em toda a altura a crítica de qualquer.
Por isso não tinha de achar estranho que, em Março ou Abril do ano seguinte, se tivesse formulado nesta Câmara uma crítica, particularmente violenta e impiedosa, em relação à minha já então passada acção ministerial, numa altura, aliás, em que me não era dada qualquer possibilidade de uma defesa justificável e pronta, dado ainda não ter a honra, que depois tive. de ser Deputado da Nação.
Pois bem; voluntariamente, com unia nobreza de gesto que profundamente me tocou, o Sr. Dr. Bustorff da Silva veio de moto próprio à estocada, procurando defender, num acto de particular simpatia, quem nunca lhe prestara o menor favor nem para com ele tivera outras atenções que não fossem as próprias de pessoas educadas que se encontram num meio social comum.
O Sr. Bustorff da Silva: - V. Ex.ª tem boa memória ; já não me lembro.
O Orador: - Guardei no melhor da minha gratidão essa atitude tão singular e tão gentil, cimentando na mais leal amizade o reconhecimento que. para sempre, por ela lhe fiquei devendo.
Relembrando hoje o facto nesta Câmara, Sr. Presidente, justifico a razão por que destaquei o discurso daquele Sr. Deputado de entre quantos mu foi dada a ocasião ou o prazer de ouvir.
Sr. Presidente: ao rever os apontamentos que consegui tomar sobre os diversos discursos proferidos, sinto que poderia agrupar as críticas formuladas em dois grupos distintos: aquelas que própria e directamente si; referem à tese que defendi e aquelas que mais ou menos se desligaram dela, em prejuízo, portanto, do seu fim ou do seu alcance, embora beneficiando, talvez, unia ou outra minúcia, uma ou outra das suas partes integrantes, que não teria, conduto, no sentido da própria tese e para o fim em vista, aquele interesse que a alguns dos Srs. Deputados afinal mereceu.
Direi mesmo que, se. em certos casos felizmente raros, o fito foi o de anular efeitos que em determinados meios exteriores n esta Assembleia se procurava tirar de uma ou de outra afirmação que, desligada do todo, se poderia interpretar de um modo diferente daquele que o próprio todo lhe impunha, o certo é também que se lhe conferiu por isso mesmo, e de certo modo, uma importância mais capaz, talvez, de valorizar esse efeito do que de propriamente destruí-lo.
Tenho até a impressão de que o excessivo cuidado em evitar consequências políticas de interpretações indevidas, tão fáceis de desfazer, aliás, por quem a elas deu azo através de afirmações que as não permitem, contribuiu para criar um problema político onde ele não existia. E, posto isto, queria ainda dizer que coloco numa situação à parte tudo quanto se liga a interpretações que não dei. a formulações que não fiz, a afirmações que pretendem convencer que «não está certo», esquecendo-se de se dizer porquê; não são críticas que considere pertinentes, pelo que não perderei com elas o menor dos meus cuidados.
Um ponto largamente debatido nesta Câmara toi o da determinação do poder de compra do escudo para a nossa população; por um lado. ouvi dizer que eram francamente discutíveis as suas bases e o seu método e. por outro, que não seria indispensável, ou necessário até. pretender demonstrar à profusão aquilo que é evidente para todos.
Se a crítica no seu primeiro aspecto traduz uma apreciação do processo, no segundo envolve uma indiscutível advertência política; e em confronto apresenta muito mais um antagonismo do que propriamente uma concordância.
Segui com o maior cuidado todas as vastas e profundas considerações aqui brilhantemente tecidas em volta das médias calóricas atribuídas às necessidades alimentares correntes dum certo agregado familiar ou dos indivíduos que o compõem, e ouvi atentamente as referências às mais modernas tendências, aos mais diversas trabalhos, que evidenciam a enorme diversidade de critérios, numa proficiência de números, de afirmações e do dados que quase me senti transportado a um congresso de nutricionistas, onde até as pessoas de cultura diferente inesperadamente fulgurassem entre os mestres e os especialistas de maior valor.
Temos, porém, de crer, calmamente, que as divergências apontadas não chegam para a consideração dos problemas económicos que procurei tratar e que constituíam o fundamental da questão, dado precisarem de ser vistas e ponderadas à base da experiência colhida por largos anos e que permite ver até que ponto as médias de que eventualmente se parte servem ou não servem para definir situações e tendências ou destacar evoluções.
Ora o certo é que essas divergências - e muitas outras que poderiam referir-se, dada a literatura sobre o assunto ser mais vasta e complexa do que a que ;aqui se citou - toram devidamente consideradas por quem de cultura própria, e não impediram que se pudessem definir, nos campos internacionais da maior responsabilidade e com satisfatório rigor, médias aceitáveis para um cálculo quantitativo, as quais, evidentemente, poderão e deverão sofrer depois correcções em casos particulares de trabalho, de idade, de hábitos e de clima.
Mas o curioso é que não me agarrei no meu discurso, para efeito da determinação do poder de compra do escudo - nem precisava de o fazer-, a qualquer média rígida e imutável; limitei-me, de facto, a considerar neste caso - nunca é de mais repeti-lo - um agregado familiar composto de pai, mãe e dois ou três filhos, com uma necessidade alimentar de cerca de 12 800 calorias; e especifiquei desde logo, aliás que a média individual andaria entre as 3200 e as 2560 calorias, conforme o agregado se compusesse por quatro ou cinco pessoas. Trabalhei entre limites onde podem caber, portanto, os mais diversos casos específicos.
Onde está a tal média rígida que tanto se criticou, quando inclusivamente procurei aqui. como nos quantitativos dos princípios alimentares imediatos, trabalhar entre limites de suficiência ou de carência capazes de permitir considerar cada caso de per si na posição que merecia?
O que afirmei -isso sim!-. e sem negar a evolução que se tem lido. foi que o poder de compra do
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escudo perante o custo corrente da nossa alimentação, particularmente nas cidades de Lisboa e Porto, justificava o subconsumo existente para grande parte da nossa gente.
Subconsumo que no geral, e com a sua incontestável competência, o próprio Sr. Ministro das Finanças reconheceu -como fiz notar- no seu magnífico relatório da proposta da Lei de Meios para 1957 e que, no particular da alimentação, o próprio Sr. Ministro da Presidência apontou claramente na sua brilhante exposição sobre o próximo Plano de Fomento. Disse S. Ex.ª, de facto, há pouco mais de três meses:
As consequências do baixo nível de vida têm directo reflexo no nível alimentar da generalidade do povo português. A análise da estrutura alimentar média, medida em termos de calorias, proteínas e gorduras consumidas em cada dia, por cabeça, revela uma alimentação pobre. Em média andamos à roda das 2500 calorias diárias, mas o teor proteico da nossa alimentação revela uma acentuada carência de proteínas de origem animal, característica de uma alimentação em que predominam os cereais.
E acrescentava S. Ex.ª. com a sua particular autoridade:
Não se torna fácil de um momento para o outro - e os momentos aqui significam anos- alterar o esquema de alimentação, até mesmo em face do conjunto de hábitos que é necessário vencer, de gostos que é preciso criar, de novos produtos que se impõe introduzir.
Mas todo este processo, que, em bom lentamente, se terá de realizar e dirigir, exige como premissa um mínimo de poder de compra, por porte da população, de modo que esta possa suportar os gastos - necessária mente maiores- que exigirá uma alimentação mais rica.
Por outro lado, a existência desse maior consumo é simultaneamente um dos pontos fundamentais para possibilitar uma maior intensificação do processo produtivo e, portanto, do rendimento nacional. Causa e efeito confundem-se aqui, mostrando como silo interdependentes os fenómeno* económicos e daí como só um ataque coordenado aos problemas que suscitam se pode revelar frutuoso.
E perguntarei agora: qual a diferença em relação às conclusões que neste campo defendi e qual a vantagem de se querer negar a realidade, irritando e magoando até aqueles que vivem na carência - triste serviço político!-, quando é o Governo quem, pelas suas vozes mais autorizadas, confere a tranquilidade aos que precisam do reconhecimento das suas próprias necessidades, garantiu política indispensável para lhes dar a certeza da sua preocupação em as poder resolver?
E poderá perguntar-se ainda agora também: mas. se o caso é de tal forma flagrante e de todos conhecido, qual a vantagem em perder tempo com ele, para demonstrar, afinal, aquilo que na realidade não carece de demonstração?
Viu-se, aliás, aqui nesta Câmara que em determinados casos a demonstração não só era precisa, mas não chegou a convencer; a razão, porém, que me levou a proceder assim recua um pouco no tempo, visto ter seu fundamento no último congresso da União Nacional. Aí, numa das sessões plenárias, fiz a afirmação da deficiência, alimentar e do fraco poder de compra com que lutava ainda muita gente em Portugal; fui severamente criticado, por ser mais fácil - dizia-se - fazer afirmações tão graves do que demonstrá-las, como se impõe ou convém.
Tirei, portanto, a lição e não quis repetir o facto sem o cercar de dados, de números, de razões que não escondo e que me disponho a discutir, aliás, em qualquer parte. De certo modo. porém, o resultado viu-se, e agora a crítica surge açodada, por ter pretendido demonstrar aquilo que, afinal, não carecia de qualquer demonstração. Preso por ter cão, diz o ditado; preso por não o ter, diz o ditado também.
Outro ponto longamente debatido foi o caso dos números e dos índices referidos pela O. E. C. E.. sendo curioso observar que nunca me servi deles para demonstrar o fraco poder de compra do povo português, mas sim para os mostrar como de certo modo razoáveis, e compreensíveis, em face das possibilidades que o poder de compra do escudo ainda oferece a certos agregados familiares correntes.
Como demonstração do nosso baixo nível apontei - isso sim!- aqueles que se referem aos consumos energéticos que não me parece admissível considerar como irreais, visto não ser fácil haver centrais eléctricas, refinarias mi minas importantes de carvão escondidas nas hortas ou nos jardins de qualquer; como não será também muito viável pretender que há erros crassos no número de veículos automóveis que circulam nu nos valores do nosso produto bruto, sobre os quais as entidades mais directamente responsáveis fazem as suas considerações no âmbito do próprio Governo.
Dos outros -daqueles que particularmente se referem aos consumos alimentares- limitei-me a procurar interpretá-los ou compreendê-los à base de outras formas de determinação que os excluíram; mas posso perguntar, apesar disso: por que razão se levantaram tantas vozes contra números cuja responsabilidade é inteiramente nossa, quando exactamente procurei cercar das maiores cautelas todas as comparações em que os utilizei?
Todos os dados estatísticos referentes a Portugal e publicados pela O. E. C. E. procedem da Comissão Técnica de Cooperação Económica Externa, com sede em Lisboa e directamente dependente da Presidência do Conselho; preside a esta Comissão Técnica o engenheiro Tovar de Lemos, director do Instituto Nacional de Estatística.
Compete a esta Comissão, segundo creio, a recolha e a centralização de todos os elementos, tais como índices de produção ou de consumo, representativos dos valores económicos e financeiros de Portugal.
Ë ainda esta Comissão quem, depois de devidamente organizados os mapas respectivos, envia todos os elementos que considera apresentáveis -e com qualquer restrição que julgue conveniente- para a nossa delegação em Paris, a qual, por sua vez, os apresenta na O. E. C. E.
Tais elementos não são, porém, publicados tout court, visto que são sujeitos à aprovação duma espécie de júri, tipo Mmitú vertical, que os discute - dentro duma orgânica que é aplicável, aliás, a qualquer dos países membros- com os nossos representantes oficiais, muitas vezes especialmente nomeados para o efeito. Acresce que qualquer país pode impedir a publicação do qualquer índice ou de qualquer elemento que porventura a O. E. C. E. pretendesse publicar sem o seu acordo prévio; e, visto que a cada país é reconhecido o direito também de não fornecer índices ou elementos estatísticos, se para tal não estiver apetrechado ou tal não entender conveniente, julgo poder afirmar-se, sob a mais rigorosa verdade - e dentro de qualquer eventual rectificação à forma do processo que acabei de expor -, que todos os números relativos a Portugal e
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publicados pela O. E. C. E. são números fornecidos pelo Estado Português, que assume, a sua inteira responsabilidade através do organismo para tal fim expressa m ente nomeado.
Que se pretenda manejar tais números com cuidado, plenamente de acordo, e foi exactamente o que fiz, não me cansando de o lembrar, visto procurar para eles outras razões de apreciação que não só as da sua proveniência; mas limitar-se a afirmar carências de rigor ou de certeza dos números apontados, confessando-se até que se desconhece a sua proveniência, e a sua responsabilidade portanto, não pode ser nunca forma de critica que destrua ou que convença.
Pelo que respeita àquele célebre número de 3.000$ de proventos mensais, de que tanto hoje se fala e tanta preocupação deu. bastaria uma leitura atenta para compreender a razão da sua indicarão e o seu alcance: era. afinal, uma minúcia no todo, que só no todo também pode ser devidamente considerada.
Respeita. como. aliás, todos os Srs. Deputado- que ao assunto se referiram reconheceram prontamente, a proventos familiares. e não a um salário ou a um vencimento do Chefe dessa família: e será curioso observar até que, para o apontar como um mínimo satisfatório, me desliguei completamente de todo o raciocínio à base das calorias que me serviu para assentar no nosso poder de compra.
O que interessa considerar são duas coisas, das quais a primeira é saber se o número é razoável ou se está exagerado; e é de certo modo fácil, visto que basta procurar saber, também, só em face da inegável modéstia atribuída às restantes despesas familiares será demasiado ou não o quantitativo que sobra por pessoa, e por dia, para que ela se possa alimentar nas cidades de Lisboa e Porto como de facto convém: isto é: não de acordo com aquela outra ementa, desequilibrada e barata, que propositadamente utilizei para determinar por defeito um índice de poder de compra e que nada tem que ver agora com este aspecto da questão. E isto ninguém o fez.
A segunda reside no facto de ser necessário lembrar numa ter afirmado que as possibilidades eram imediatas e prontas, mas sim haviam de levar seu tempo; contudo, é minha convicção arreigada que as podemos acelerar, pela certeza até, que manifestei e demonstrei, de que, em face da infra-estrutura económica que o actual Plano de Fomento nos criou e atendendo a médias já verificadas, nós podemos aproximarmo-nos, dentro de poucos anos, de capitações do produto bruto sensivelmente correspondentes àquela possibilidade de proventos. Correspondente nau quer dizer efectiva, mas mostra a evolução favorável que nesse sentido é de prever.
Frisei claramente que toda a nova acção económica que se impõe para uma solução integral se terá de desdobrar pelo tempo fora, por várias gerações talvez; por isso mesmo defendi o princípio de que é preciso conferir-lhe o sentido duma revolução, para que todos a compreendam, e manifestei o desejo de que ela se desenvolva sob a superior orientação do Sr. Presidente do Conselho. para que todos a sigam.
Mas aceito -e nisso a minha convicção é irremovível, até que o contrário me demonstrem- que. por nina pronta e ética/reorganização da produção, integrada num plano de investimentos, a solução procurada, não sendo imediatamente possível, pode correr para nós, se não teimarmos em vagares ou hesitações que comprometem, antes impondo as soluções que resolvem.
Sob determinado aspecto, um dos maiores dias -se não o maior dia- para o desenvolvimento actual da economia americana não teria sido provocado por Henry Ford. como o Sr. Deputado Águedo de Oliveira, lembrou no seu magnífico discurso, se este únicamente se tivesse limitado a considerar como salário mínimo õ dólares por operário; foi-o porque nesse dia baixou de 100 dólares -salvo erro- o preço dos seus automóveis, criando assim, através duma organização perfeita e cientifica da produção, a possibilidade da baixa do seu custo, a par de um aumento substancial do poder de compra dos seus trabalhadores. E porque os seus lucros não diminuíram, os seus investimentos aumentaram e, assim. acelerou no tempo e espalhou no espaço benefícios económico-sociais do maior alcance. que polo exemplo e pelas consequências, revolucionaram toda a economia norte-americana.
É nesta conjugação de interesses contributivos para o interesse nacional que o problema económico deverá resolver-se e se é certo que a dificuldade da dispensa da mão-de-obra pode travar o efeito benéfico geral da organização da produção, não há dúvida de que na nossa mão com a política de investimentos e de fomento do ultramar, regular a variável tempo em que a solução se deve desenvolver ou efectivar. E assim, de certo modo, respondo às críticas sobre a produtividade.
Quando conseguimos, através desse esforço que se impõe pedir a todos, atingir aqueles indispensáveis proventos mínimos, não teremos razões para parar ainda, dado que se imporá trabalhar continuadamente, afincadamente, para o que o chefe da família possa dispor deles, depois sem que a mulher precise de se desviar do seu lar ou os filhos da sua vida própria de crianças. Por isso o trabalho é longo, multo embora. para aquela primeira fase. se possa aproximar de nós se tal quisermos.
Senti, Sr. Presidente, em certos casos não terem sido sempre bem aceites também, por incompletas talvez, as referências que fiz à obra da actual situação e de tal modo que cheguei a temer que o meu aviso prévio- que teve um fim construtivo, que necessita inteiramente dela para se poder atingir- fosse subertudo encarado como um libelo acusatório ao regime vigente.
Colaborar não é concordar com tudo e respeitar devotadamente quem conduz uma política de interesse nacional não é necessária mente incompatível com discordâncias de métodos ou de processos; e o certo é que, se fugi exactamente no meu aviso prévio a referir o passado naquilo em que poderia citar críticas, ao preocupar-me com o futuro nunca deixei de o apontar onde. como ponto de partida, fosse capaz de permitir destacar a evolução inegavelmente favorável que nos conduziu ao presente; e fi-lo sempre julgando que a frieza duma afirmação consciente ainda é uma das melhores maneiras para definir posições.
Termino este curto apontamento, Sr. Presidente. repudiando ostensivamente qualquer interpretação dada as minhas palavras como capazes de fundamentar a mais ligeira hipótese do desvio dum dever que a minha consciência política e as responsabilidades dum passado - que se não me interessa não enjeito- sempre me levaram a afirmar de cara altivamente levantada, mesmo em horas difíceis do regime.
Mas, por isso mesmo, quero vê-lo renovado em tudo quanto possa estimular a obra que o País dele espera. com vista à plena, e rápida efectivação da Revolução Nacional no seu sentido mis profundo e mais vasto.
Não procurei com o meu aviso prévio um «termo de acusação» ao Governo, mas, pelo contrário e dentro daquele à-vontade de consciência que permito dizer concordo, ou não concordo, um «termo de colaboração» com ele.
Presto, por isso. a homenagem devida a quantos Srs. Deputados aqui dentro reconheceram fracamente. sem dificuldades nem esforço, a posição que tomei e só lamento que em certos casos- aliás, raros- a preo-
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cupaçào de defenderem de más interpretações o que tão claramente disse trouxesse para o plano da discussão. não aquilo que é preciso fazer para dominarmos o futuro, mas uma excessiva preocupação de referência a tudo quanto se fez. para que contemplássemos beatíficamente o passado.
Outro ponto que muito se tem focado, e que até aqui mereceu particulares reparos, foi o da não oportunidade política do aviso prévio que realizei; a esta crítica procurarei responder considerando-a dirigida no sentido da oportunidade política do assunto e da do momento em que foi tratado.
É evidente que, neste caso, as divergências podem ser totais, na impossibilidade manifesta de se chegar a um acordo, dada a diversidade que se encontra nos critérios que as fundamentam.
Por isso me limitarei, não a discutir os dos outros, mas a dizer quais são os meus.
Para mim, na política corrente, a verdade é sempre oportuna, exactamente porque é a verdade, e ainda não conheço melhor fornia de interessar um país nas razões de um determinado estado económico-social, levando-o a compreender as dificuldades de determinadas soluções, a colaborar com elas e a reagir contra aqueles que as pretendem desvirtuar ou comprometer, do que pô-lo perante a verdade nua e crua, sem desvios de qualquer espécie que a possam disfarçar.
O ideal na política é que a verdade esteja sempre viva e reconhecida do lado de quem .governa, para que quando alguém a pretenda apontar depois como novidade, ou transformá-la em bandeira capaz de arrastar multidões, não faltem a força moral e a «verdade» da verdade para desfazer o mito de que são os outros que a têm como exclusivo de programas mi sentido de revolução.
O País está num estado de 'particular receptividade para as verdades que o interessem, mas sente também que não basta só apontar a verdade para garantir quanto à cura; aqui já se impõe que a verdade se apresente formulada no apoio de obras, de realizações, de mudanças efectivadas, de programas para o futuro que acreditem o valor do sistema político em que ela abertamente se lança para indicar os caminhos que levam às soluções; qual o receio, portanto, de ter sempre a verdade como nossa e de a lançar abertamente a terreno para mostrar à consciência do País que sempre lá estiveram primeiro aqueles que, há já anos, por sempre encararem a verdade, conseguiram levantá-lo à posição que hoje tem ?
Deixar de apontar as verdades, no receio das suas deturpações, é uma fraqueza imprópria dum momento em que se vence não com os passos silenciosos, cautelosos, dos tímidos que não querem provocar agitações em sua volta, mas com a firmeza de atitudes que não desdenham a agitação, se for preciso, exactamente para esclarecer as verdades e não permitir de forma alguma aquelas deturpações.
Por isso mesmo enfileiro abertamente ao pé de quantos, no Governo ou na política, não escondem verdades para definir situações; foi. aliás, sempre com o culto claro e peregrino da verdade que nos momentos mais difíceis da vida nacional o Sr. Presidente do Conselho soube alicerçar o ambiente preciso para a obra extraordinária que depois realizou.
O que lia via e há, portanto, em relação ao meu aviso prévio, e dentro deste critério que é meu, é emendá-lo naquilo em que a verdade falhe, para pôr exactamente o País perante a verdade real; mas tire-se da discussão a oportunidade política da verdade, para não dar a impressão de que se procura avaliá-la muito mais dentro dum sentido oportunista, que teve a sua aura em tempos que já lá vão e não queremos ver voltar.
Outro ponto que julgo ter causado confusão foi aquele que respeita à agricultura, quer em face da estabilização que notei para os seus rendimentos nestes últimos anos - e que nunca negou a evolução insofismável que a vinha caracterizando-, quer no que toca à sua fraca produtividade e si defesa do princípio de que as suas soluções específicas só terão real interesse quando enquadradas num plano de soluções muito mais geral.
No dia em que o rendimento médio da nossa agricultura - cuja organização e produtividade se impõe incrementar- atinja um nível suficiente para satisfazer o capital e o trabalho que aproveita a terra compreenderei a preocupação da estabilização desses rendimentos como meio, sobretudo, de defesa contra a tendência que poderá existir então -por razões de desenvolvimento económico a um nível muito mais alto- para os fazer baixar; por enquanto, porém, o que defendo é tirar exactamente da baixa do custo da produção industrial e do aumento do poder de compra da população portuguesa uma vantagem para a vida da lavoura em Portugal, que o Governo deverá continuar a auxiliar no máximo que lhe for possível, a fim de a tirar daquilo que designei por arfagem da evolução dos índices respectivos, contrária à evolução crescente que se nota para as outras actividades.
Quanto à crítica restante, limito-me a transcrever os períodos seguintes, tirados do capítulo «Produção agrícola» da proposta da Lei de Meios para 1937:
A evolução da agricultura metropolitana continua, assim, a processar-se dentro de características que não tem sido, até hoje, possível dominar, a despeito dos esforços despendidos.
Ao olhar a marcha de certos indicadores, como a utilização de fertilizantes e a mecanização do trabalho, verifica-se notável melhoria, a revelar a acção dos serviços oficiais competentes. Mas quando se comparam os níveis nacionais d« utilização de adubos e de mecanização com os da maioria dos países europeus toma-se consciência da imperiosa necessidade de acelerar o ritmo de recuperação do atraso em que nos encontramos.
A solução do problema da nossa economia agrícola não pode, evidentemente, tentar-se à margem do esquema traçado por uma expansão equilibrada da economia geral. Tem, por isso, de aguardar a verificação de certas condições em sectores quilhe suo estranhos.
Apesar disso, a correcção de muitos dos aspectos fundamentais do problema poderá prosseguir e a ritmo mais rápido. A dimensão média da propriedade e o atraso da técnica suo dois desses aspectos. Quanto a este último, já na presente Lei de Meios se anuncia um passo decisivo para a sua solução na medida em que esta depende do Estado - a melhoria da qualidade e do volume da assistência técnica oferecida à lavoura.
Em boa e muito honrosa companhia me encontro, portanto, para afirmar que as soluções que interessam directamente a agricultura só terão o seu completo efeito guando integradas num conjunto de soluções muito mais geral.
A quentão da coordenação económica que defendi, embora aceite por muitos .Srs. Deputados, levantou, também, certas dúvidas nesta Câmara; por isso desejo esclarecer, tanto quanto possível, o seu real sentido, para tentar desfazer o fundamento que têm.
Dizer que o económico tem de dominar o financeiro - expressão talvez demasiado simplista para marcar uma indiscutível tendência actual - não quer nem
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pode significar de forma alguma que o Ministério das Finanças passe a uma posição de subalternidade em relação ao Ministério da Economia; por outro lado, defender a coordenação que apontei não implica também a materialização numa estruturação governativa de certo modo semelhante à actual.
O que pretendi defender foi a vantagem dum sistema em que, sem prejuízo dos princípios da melhor disciplina financeira, as finanças não continuem a ter um predomínio de orientação subordinativa, que, dentro do seu próprio âmbito e de acordo com a sua própria estrutura. reputo prejudicial.
Assim, e por todas as razões que expus, julgo da maior vantagem o estabelecimento duma coordenação em degraus, no primeiro dos quais se situariam as Finanças, os sectores da Economia, as Obras Públicas e os Transportes, coordenados por uma entidade, que, a par do Ultramar e das Corporações, obedecesse, por sua vez, a uma coordenação pelo Ministério da Presidência. À Presidência do Conselho caberia uma coordenarão a nível muito mais elevado, onde já se incluía a Defesa, os Estrangeiros, o Interior, numa economia de tempo e de fadiga, numa mais intensa pluralidade de contactos, de que só u País podia beneficiar.
E é dentro desta coordenação que o Estado, pelo que loca à sua acção económico- financeiro- social, deverá ter o papel muito mais de coordenador, de orientador e de impulsionador do que propriamente de detentor de imposições determinantes, que o País aceite mais por obrigação do que por um espírito de consciência cooperante.
Não se prejudicaria com isso a severidade governativa, agora, sobretudo, estendida à política de coordenação; nem tão-pouco, por essa coordenação, se comprometeria a defesa e contróle da balança de pagamentos. Mas a conjugação desta com a balança comercial e com as necessidades de investimento seria muito mais facilitada, com certeza, do que no sistema actual.
Hipertrofia-se o actual sistema governativo, é certo, mas creio que se impõe considerar o problema neste aspecto também à escala dos 2 milhões de quilómetros quadrados em que se definem as possibilidades do território português.
A citação dada, a título de mero exemplo de possibilidades -nunca será de mais repeti-lo - da intervenção do Banco de Portugal para efeito daquele reulement, que considerei aconselhável para a comparticipação do Estado no capital de diversas empresas, originou certos reparos também. Foi um simples exemplo, repito, que se procurou, aliás, estender, nas dúvidas que suscitou, a um caso mais geral.
Isso me leva a afirmar o seguinte: a circulação fiduciária, que uma melhoria do nível da nossa vida há-de obrigar a aumentar, pode ser alargada numa margem relativamente importante, sem perigo e lia medida em que a produção e as trocas subirem, sem prejuízo de uma estabilidade ou baixa de preços.
A inflação surgiria se se desligasse esse aumento da reorganização da produção que defendi, na certeza até de que só dentro duma coordenação perfeita se afastarão os perigos que há sempre que prever e se tilará todo o benefício e todo o estímulo dum meio que, sendo difícil de manejar, pode conter em si uma potencialidade inestimável para a aceleração das soluções que procuramos conseguir.
É evidente lambem que os chamados planos de enquadramento têm de contar, para o seu pleno sucesso, com a educação do consumidor e do produtor, com a educação e a canalização da poupança, etc.; mas isto está naturalmente implícito num sistema em que se defende o princípio de que ao Estado deve caber um papel de particular relevo na condução dos interessados. pelo aproveitamento e preparo das suas próprias tendências, nos caminhos que nos possam conduzir à solução do problema económico português.
Confesso que tive uma pena imensa de não poder ter, pelo menos, lido na íntegra o discurso do Sr. Deputado Camilo Mendonça antes de alinhavar, numas horas escassas da manhã de hoje, estas linhas precipitadas e incompletas com que procurei esclarecer ai dúvidas que mais notei : sejam quais forem, porém, as conclusões do seu magnífico discurso - em que, devo dizê-lo, muitas vezes não consegui perceber se a preocupação de destruir interpretações erradas que deram àquilo que aqui proferi não criou a confusão também de se julgar que, de princípio ao fim, só procurou. afinal, destruir o meu - , sejam quais forem, dizia, as suas conclusões, fica-me a certeza de que temos, pelo menos, alguns pontos onde um comum acordo surge, mesmo à base de formações tão diferentes.
O Sr. Camilo Mendonça: - Mesmo quando V. Ex.ª mu ouviu ontem já teve ocasião de verificar isso. Analisei o que V. Ex.ª disse e tive também o cuidado de atender ainda à maneira como os problemas postos podiam ter sido interpretados. Quer dizer: tive o cuidado de procurar que algumas afirmações de V. Ex.ª ficassem interpretadas claramente, para que. dentro das suas teses, não fosse possível outra interpretação. De resto, concordei aqui e discordei além. cuidando de analisar os problemas tratados por V. Ex.ª
O Orador: - Muito grato pelo cuidado. Tive igualmente o cuidado de dizer as coisas de modo que quem as pudesse ler as pudesse interpretar também claramente.
Mas prosseguindo:
Basta para tanto lembrar duas das conclusões que tirou na sua valiosa tese «Para uma política económica». apresentada ao III Congresso da União Nacional.
O Sr. Camilo Mendonça: - Em colaboração ...
O Orador: - Dá na mesma. São elas, de facto:,
1.ª Que a nossa situação económica se caracteriza pelo seu atraso em relação à generalidade dos países europeus e lento desenvolvimento;
2.ª Que só a integração das economias do continente e do ultramar pode gerar o condicionalismo indispensável ao nosso rápido desenvolvimento económico, importando. para tanto, concentrar simultaneamente as energias:
a) Na industrialização agrícola do ultramar;
b) Na intensificação da produtividade do trabalho no continente.
E se no resto pudesse lia ver desacordo, estas conclusões me bastariam para mostrar que ele não e total.
O Sr. Camilo Mendonça: - Foi realmente pena V. Ex.ª não ter podido ler ante- os meus discursos, particularmente o de hoje. Teria evitado rebuscar citações sobre os assuntos que, estando em causa, tratei. Assim aconteceu pelo que se refere à produtividade. à tarefa ultramarina e ao brusco desenvolvimento.
O Orador : - De resto, a duas das suas conclusões apresentadas noutra tese -
«Para tinia solução política» - dou o meu inteiro acordo também: a de que se impõe uma tarefa colectiva que, unindo a todos, satisfaça as reais necessidades da Nação e a de que o predomínio das soluções planeadas, como forma de atingir a
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coordenação necessária, assegure continuidade séria à obra a realizar e faculte mu melhor aproveitamento dos homens.
O Sr. Camilo Mendonça: - Muito obrigado pela concordância de V. Ex.ª Como deve ter verificado, nem na tarefa colectiva deixei de falar.
O Orador: - Discordamos, possivelmente, em algumas conclusões. nos pormenores ou nos processos, mas basta estas ideias comuns para nos unir e levar -a par de VV. Ex.ª todos, aliás- à confiada esperança nos resultados dos trabalhos que o Governo há-de realizar para levar a cabo tão transcendente tarefa.
E o problema não surgiu nesta Câmara -onde, quanto a mim, interessa que estes problemas se levantem e se discuiam rom sl maior largueza- num momento em que uma indiferença marcasse um sentido de estagnação da política económica para o futuro; basta ver. para o desmentir, a estruturação, já publicamente anunciada, do Plano de Fomento para 1959/1064, delineado de forma a satisfazer os objectivos seguintes:
«) Aceleração do ritmo de incremento do produto
nacional; fc) Melhoria do nível de vida;
c) Ajuda u resolução dos problemas do emprego;
d) Melhoria da balauç.ª metropolitana de pagamentos.
Trata-se duma contribuição uotabilíssima para a economia nacional e onde exactamente se não tugiu a apontar as realidades, nem sempre agradáveis de momento, para si; mostrar o que é preciso fazer e como se vai trabalhar.
Destrutivo serin. portanto, separar a fotografia do presente de quanto, atendendo a ela. se vai realizar para o futuro, exactamente por se reconhecer as possibilidades (jiu> temos, embora sem menosprezar as dificuldades quu nos cercam.
Há em todo esse Plano uma corajosa análise do que ainda somos e do que podemos ser. (pie o Sr. Ministro da Presidência não fugiu a fazer publicamente, rom o fim construtivo que o próprio Plano contém; pelo que me respeita, procurei unicamente trazer aqui uma achega no fito de. levar o Governo a ponderar em certo.s aspectos de falta de organização, de precária coordenação, de insistência de hesitações e de demoras, que. encaradas também com entusiasmo e com fé, desbravarão muito terreno bravio, contra o qual o Plano em causa pode embater na sua marcha, em prejuízo de todos.
Vou terminar, Sr. Presidente, perguntando a mini próprio se no fundo de toda esta discussão que- aqui.se deu não reside muito mais uma divergência quanto a formas para o futuro do que uma divergência de análise para o presente?
Observarei sòmeilie o seguinte:
Quando c.-til em plena, actualidade a constituição do Euromercado, que Miscita uma série de problemas de transcendente interesse económico e social, tudo indica que no quadro nacional e dentro do próprio regime se assinalem os conceitos que podem servir a que o nosso sistema político se defenda, sem perda dos seus mais sagrados e defensáveis direitos, no plano da integração europeia que se esboça.
Enquanto a Europa, no reconhecimento das exigências que lhe impõe a conjuntura económica mundial. só adapta íi evolução, prosseguindo um movimento de rectificação dos sous conceitos clássicos, que noutros tempos lhe deram o predomínio da economia e o primado da cultura, parece-imperioso que todos -gover-
nantes e governados- tomemos a consciência dos problemas suscitados em face d.i viragem da história europeia em que temos necessariamente de participar.
Vozes: - Muito bem}
O Orador: - Ora é necessário reconhecer também que a economia europeia se procura exactamente integrar num movimento essencialmente expansivo, sob o signo do fomento e da produtividade, em demanda dum sentido espacial, de tal forma que importa encontrar novas dimensões de mercado onde possam germinar e florescer as iniciativas e os empreendimentos dos nossos dias, que exigem, pelos avanços da ciência, da técnica e da comercialização, vultosos investimentos.
Parece assim ser indispensável agitarem-se entro nós os respectivos problemas no plano político, em ordem a significar que o regime actual carece de reajustar a sua política económica, no sentido de a integrar ua concepção que estamos a ver adoptada, pela Europa, em que nos situamos.
Convém despertar, portanto, os espíritos impregnados dum convencionalisnio perigoso, pela afirmação di> princípios que se podem plenamente integrar ua nossa concepção política, numa perfeita harmonização com as exigências económicas e sociais da nossa época; só assim contribuiremos construi i vãmente para a actualização pró-económica do regime, em face das realidades impostas pela própria vida internacional.
E só assim poderemos reconhecer demonstrativamente o seu vigor e a sua presença pelo facto de o podermos considerar, não como sistema que realizou a sua obra detriro de formas que não mudam, mas como sihtema que tem conteúdo suficiente para ir procurando, sem desvios dos seus melhores princípios doutrinários, as formas económicas mais adequadas ao momento.
Vozes: - Muito bem l
O Orador: - Não poderemos esquecer, particularmente nesta conjuntura tão grave da economia mundial, que em política não há fórmulas únicas, porquit a política é a vida e a vida é. por definição, um termo de variedade que tem ua política por natural suporte a própria personalidade humana.
Teimar na manutenção duma fórmula inadaptável à evolução da própria vida é um perigo para a própria vivência, visto não podermos esquecer que tudo o que nela pode existir de estático não consegue interessar ao que a política e a vida têm, na realidade, de dinâmico.
Sr. Presidente: aceilo tranquilamente a crítica daqueles que possam, por razões de inteligência e de saber, enconlnir no meu aviso prévio uma expressão de modificações estruturais que os perturba, seja porque as acham demasiado ousadas, seja porque, ao contrário, as encontram ainda demasiado tímidas.
Km compensação, o que sinceramente- me confrange é sentir que. neste momento, ainda há uns tantos que esquecem o choque entre as concepções passadas e aquelas que poderíamos chamar de vanguarda económica.
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A própria religião aprisionada, como tão bem observou Johannes Hessen, torna-se um perigo para a religião "viva".
O difícil para nós é encontrar, decerto, a justa medida em que o regime. se deve deixar possuir por tudo quanto sirva à sua actualização perante a evolução rapidíssima que caracteriza hoje em dia as diversas economias nacionais e continentais; negar a necessidade de fórmulas novas e da sua adaptação à vida económica portuguesa seria simplesmente utópico, se não fosse mesmo incompatível com os próprios princípios doutrinários do regime e não estivesse em flagrante desacordo com a atitude daqueles que, dentro do Governo, procuram exactamente a evolução necessária como forma indispensável de estruturar e governar.
Se tivesse de sujeitar à aprovação da Câmara uma moção, redigi-la-ia decerto deste modo:
Tenhamos a consciência da evolução que se impõe e confiemos ao Sr. Presidente do Conselho o equilíbrio da sim estruturação.
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem, muito bem ! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente : - Devo confirmar por verdadeiras as referências feitas pelo Sr. Deputado Daniel Barbosa às suas instâncias e à minha, recusa em adiar o encerramento deste debate. Fui inflexível nesse ponto por considerar que isso ameaçava o prolongamento duma discussão já adiantada, prejudicando assim outros trabalhos que a Câmara tem obrigação constitucional, quanto a alguns, de concluir antes do encerramento da legislatura. que está próxima. De resto. o Sr. Deputado Daniel Barbosa encarregou-se de demonstrar com o sou discurso de fecho do debate que não tinha necessidade de mais tempo de preparação.
Ao declarar encerrado o debate não quero deixar de me congratular com a Câmara pelo vivo interesse, dignidade e elevação com que se houve. Penso que este debate pode inscrever-se entre os momentos mais ilustres da Assembleia. Eles honrariam os fastos das mais ilustres assembleias políticas.
A próxima sessão será na terça-feira 23 do corrente, à hora regimental, com a seguinte ordem do dia: continuação da discussão da proposta se Lei de alteração à Lei n.º 2030; autorização ao Chefe do Estado para se ausentar do país em visita ao Brasil: apreciação das Contas Gerais do Estado da metrópole e ultramar e da junta de Crédito Público relativas a 1955.
Eram 21 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Pinto de Meireles Barriga.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
José Soares da Fonseca.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Ricardo Vaz Monteiro.
Teófilo Duarte.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Rodrigues.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim de Sousa Machado.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
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CAMARÁ CORPORATIVA
VI LEGISLATURA
PARECER N.º 50/VI
Proposta de lei n.º 45
Federações de Casas do Povo
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103." da Constituição, acerca da proposta de lei n.º 45, sobre a criação das federações de Casas do Povo, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e administração geral), à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Monteiro de Albuquerque, Fernando Pais de Almeida e Silva, Francisco de Barros, Joaquim Ferreira Pinto, José Gonçalves de Araújo Novo, José Hino de Avelar Fróis, Luís Manuel Fragoso Fernandes, Manuel Fernandes de Carvalho, Orlando Ferreira Gonçalves, Patrício de Sousa Cecílio e Quirino dos Santos Mealha, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
Apreciação na generalidade
1. A presente proposta de lei vem com o título de sCriação das federações de Casas do Povo».
A sua apresentação está na sequência lógica das providências legislativas publicadas ultimamente e destinadas a vitalizar e a completar o regime corporativo, mercê do labor intenso do Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social, a que esta Câmara tem sido chamada a colaborar.
O âmbito da proposta é superior nu do simples enunciado do seu título, pois não só prevê a criação das federações de Casas do Povo, como também pretende regular a sua constituição e funcionamento. Compõe-se de onze bases, as quais, tendo em atenção a matéria que regulam e toda ela respeitante às federações de Casas do Povo, se acham ordenadas do seguinte modo:
Agrupamento das Casas do Povo. Natureza.
Iniciativa da criação. Critério da organização. Competência.
Órgãos administrativos, su;i composição e atribuições. Receitas. Isenções.
Ë precedida de um relatório onde o Governo, duma forma clara e precisa, justifica pormenorizadamente e com proficiência a oportunidade e necessidade da proposta, a natureza e competência das federações, assim como a sua receita, proveniente de comparticipações do Fundo Nacional do Abono de Família, certamente por ter considerado serem estes os seus objectivos mais salientes. Da sua simples leitura ressalta que a matéria foi largamente meditada e estudada, a Ô Ministério das Corporações procede agora a um cuidadoso es-
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tudo da vida rural, que está no primeiro plano " das suas "preocupações político-sociais".
2. Nos termos da base XIV do Estatuto das Corporações (Lei n.º 2086, de 22 de Agosto de 1956), de entre as primeiras corporações a instituir, figura à cabeça a da Lavoura, donde resulta a necessidade instante de se assegurar ali a representação do trabalho agrícola. Para tanto torna-se indispensável que esteja organizado corporativamente no plano intermédio. Poder-se-á invocar o disposto no n.º 1 da base XI da mesma lei, que permite a escolha de representantes dos organismos primários quando estes não estejam constituídos em organismos corporativos intermédios. Todavia, nem por isso deixaria de ser uma solução precária, porquanto lhe faltaria a via normal da hierarquia corporativa e, consequentemente, o carácter de permanência em solução definitiva.
A título excepcional é admissível a aplicação desta disposição legal, mas como regra seria a negação do próprio sistema corporativo.
3. Segundo a Constituição, nos seus artigos 16.º e 17.º, incumbe ao Estado autorizar, promover e auxiliar a formação de todos os organismos corporativos, cuja constituição e funções serão reguladas por normas especiais. E pelo seu artigo 31.º, bem como o artigo 7.º do Estatuto do Trabalho Nacional, o Estado tem o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social.
Assim, a apresentação da proposta em exame, que se propõe regular a constituição e funcionamento das federações de Casas do Povo, está no âmbito daquela competência.
Podia o Governo tê-lo feito por meio de simples decreto-lei.
4. Pelos princípios fundamentais contidos no Estatuto do Trabalho Nacional, a organização profissional, que abrange não só o domínio económico, mas também o exercício das profissões livres e das artes, é representada por sindicatos nacionais de empregados e operários e por grémios formados pelas entidades patronais, constituindo o elemento primário da organização corporativa e podendo agrupar-se em federações e em uniões, que são os elementos intermédios da corporação.
Por sua vez, "a federação é regional ou nacional e constituída pela associação de sindicatos ou grémios idênticos. A união conjuga as actividades afins já organizadas em grémios ou sindicatos nacionais, de modo a representar em conjunto todos os interessados em grandes ramos da actividade nacional".
Com a data do Estatuto do Trabalho Nacional (23 de Setembro de 1933) foram publicados diplomas a regular a constituição e funções dos grémios obrigatórios (Decreto-Lei n.º 23 049), sindicatos nacionais (Decreto-lei n.º 23 050) e Casas do Povo (Decreto-lei n.º 23 051); mais tarde as disposições legais sobre os grémios facultativos (Decretos-Leis n.º 24715 e 29232), Casas dos Pescadores (Lei n.º 1953 e Decreto n.º 29978, substituído pelo Decreto n.º 37 751), grémios da lavoura (Lei n.º 1957, Decreto-Lei n.º 29 243 e Decreto n.º 29494), federações de grémios da lavoura (Decreto--Lei n.º 36681) e corporações (Decreto-Lei n.º 29110, revogado pela Lei n.º 2086).
Por esta enumeração se verifica não haver qualquer diploma que regule a constituição e funcionamento das federações e uniões dos sindicatos e grémios facultativos.
Não se tem imposto a sua necessidade porque as federações e uniões existentes de actividade mais intensa e complexa são as do corporativismo obrigatório do sector económico, criadas pela lei orgânica especial para cada uma delas, em que se lhes reconhece personalidade de direito público, enquanto as do corporativismo facultativo, sem personalidade jurídica reconhecida por qualquer diploma, apenas tom tomado incremento ultimamente, com base em estatutos aprovados pelo Ministro das Corporações e Previdência Social.
Actualmente existem dez federações e três uniões de sindicatos nacionais, nove federações de grémios da lavoura, de criação recente, e apenas seis uniões, abrangendo oitenta e dois grémios facultativos.
Num maior desenvolvimento a dar à organização intermédia, as federações sindicais poderão chegar na sua fase completa ao dobro.
Estão ainda por agrupar os grémios do comércio misto, em número de oitenta e cinco, espalhados por todo o País, a instarem pela actualização das suas funções, porque se sentem no vácuo perante a exclusividade da competência económica dos grémios obrigatórios.
Já é tempo de se pôr termo à desigualdade existente entre organismos obrigatórios e facultativos, no sentido de exprimirem com mais realidade os interesses a defender, havendo melhor distribuição de funções e mais intensa colaboração. Os facultativos, mais próximos da pureza dos princípios, sentem-se como se fossem uns tolerados do regime corporativo, enquanto os obrigatórios se apresentam fortes e dominantes, pelo seu maior poder de império.
Estará assim mais enriquecido o corporativismo de Estado, mas o da Nação, que aquele deveria integrar, continuará empobrecido e daí tolhidas as alavancas do progresso apoiadas na iniciativa privada.
A força centrípeta do Estado a tal obriga, parecendo oportuno tender-se para a posição de equilíbrio, reconhecendo-se mais importância aos grupos organizados segundo os princípios do corporativismo de associação.
5. Para as Casas do Povo e Casas dos Pescadores não existe qualquer norma jurídica a prever o seu agrupamento em elementos intermédios da corporação.
Na fase incipiente da organização corporativa, esta falta não só tem plena justificação como abona um procedimento assisado, porque, sendo tais organismos uma criação tipicamente portuguesa, não havia elementos que indicassem a evolução futura.
Aguardou-se o conhecimento das realidades, que só a experiência poderia oferecer.
Não se preocurou delinear geométrica e abstractamente lima organização completa de alto a baixo, como seria sedutor nos tempos que correm. "C'est dans tous les pays, quel que soit leur gouvernement, qu'on peut remarquer l'ambition du législateur de régler l'activité de choque homme dans le dessein d'ètablir une société ordonnée" 1.
Prova evidente de que o sistema corporativo é de base essencialmente realista. Sob este espírito se tem de orientar até no campo especulativo da sua doutrina.
1 Discurso do Sr. Ministro das Corporações, Dr. Henrique Veiga de Macedo, na inauguração da nova sede da Casa do Povo de Condeixa (in Mensário das Casas do Povo, ano x, Fevereiro de 1956, n.º 118, p. 18).
Artigo 41.º do Estatuto do Trabalho Nacional.
1 Georges Riper, Les Forces Créatrices du Droit, Paris, 1955, p. 418.
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Decorridos quase vinte e quatro anos de experiência de Casas do Povo e vinte de Casas dos Pescadores, já não será difícil colherem-se elementos úteis a uma evolução jurídica ajustada aos factos.
Para as Casas dos Pescadores, em número actual de vinte e sete, abrangendo já praticamente todo o território marítimo do continente e ilhas adjacentes, em que a sua Junta Central 1 «representa a federação de todas elas», não se levanta o problema como para as Casas do Povo. Não invalida, evidentemente, que se encare q agrupamento das Casas dos Pescadores em federações.
As Casas do Povo estão a ser orientadas e coordenadas pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, principalmente por intermédio dos delegados distritais do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, em estreita colaboração com a Junta Central das Casas do Povo.
Ao apostolado daqueles delegados é devida uma grande parte dessa obra imensa que é já hoje a das Casas do Povo. Foram os pioneiros da preparação do clima político-social e doutrinário, indispensável à formação do espírito, que imprimiu alma à sua criação e que ainda perdura. Os dirigentes, formados, sobretudo, pelo contacto pessoal, parece terem ficado inoculados de mística corporativa para todo o sempre, pois que ainda hoje, decorridos tantos anos, são os melhores paladinos e os mais activos obreiros do ideal corporativo nos meios rurais.
Uns e outros encarnaram o que se contém no discurso proferido pelo Sr. Presidente do Conselho aos delegados do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência no momento da partida para a arrancada corporativa no País, que lhes disse:
Têm sobre si unia tríplice função: função de propaganda, função de patronato e função de organização.
Propaganda. - Propaganda intensa, constante, dos factos e das ideias, da doutrina que está feita e da doutrina a criar.
Patronato. -... Fazer justiça a todos e proteger os mais fracos tem de ser o lema do vosso trabalho.
Organização. - Estamos em país em que é preciso organizar de alto a baixo, porque, o pouco que parece não o estar, está tão desorganizado como o resto.
Improvisar quadros, estatutos, sindicatos, corporações não nos interessa; levar os interessados a assimilar os princípios, a ver o interesse da organização, a desejar servir-se dela para elevar o nível económico, intelectual e moral dos seus pares, isso é o que para o futuro da obra. principalmente nos convém. Caminhamos com fé, melhor, caminhamos sem receio neste fortalecimento dos indivíduos pela vida intensa dos seus grupos naturais 2.
E ainda recentemente o Sr. Dr. Veiga de Macedo, antigo delegado e actual Ministro, lhes indicava:
Nesta tarefa de reconquista e de renovação cabe aos delegados do Instituto um lugar de principal relevo, como homens que são da primeira linha de combate. Cumpre-lhes reavivar o entusiasmo perdido, encorajar os mais fracos de vontade, esclarecer os que andam longe da verdade, defender o prestígio da organização corporativa e lutar contra, os inimigos do equilíbrio social e do entendimento na paz e na justiça, entre o capital e o trabalho 1.
A Junta Central, criada doze anos mais tarde (Decreto-Lei n.º 34373, de 10 de Janeiro de 1945), tem, desenvolvido acção profícua na administração do Fundo Comum e na orientação dispensada às Casais do Povo.
O movimento de subsídios concedidos por aquela Junta, por força do Fundo Comum das Casas do Povo, desde 1943 a 1955, inclusive, foi o seguinte:
A Casas do Povo para:
[Ver tabela na imagem]
A Junta, por falta de recursos e meios de acção não se tem desempenhado plenamente da sua missão. É um microrganismo central bastante desproporcionado à grandeza das funções que lhe cabem e à vasta, rede de Casas do Povo em actividade, espalhadas por todos os distritos do continente e ilhas. Poderá ajudar a encaminhar os primeiros passos das federações, e com aquelas em melhor funcionamento estarão, ma is facilitados os contactos necessários e encurtadas as distâncias grandemente.
Numa fase de emancipação corporativa, como a que estamos a viver, não se justifica que as Casas do Povo sejam coordenadas e orientadas directamente pelo Estado e muito menos é admissível que fosse este a presidir à escolha idos seus representantes à Corporação da Lavoura. Por conseguinte, impõe-se a criação dos organismos próprios que de tal se desempenhem e impulsionem as Casas do Povo.
É uma lacuna a preencher no domínio do direito e pode ser uma forte esperança propulsora de largas, perspectivas nos factos.
Pretende-se «ampliar aos trabalhadores do campo os benefícios corporativos, a que causas económicas ou psicológicas ainda não permitiram, para eles, plena triunfo».
Assim, a proposta de lei em exame não só é de flagrante oportunidade como necessária ao reacender da. cruzada corporativa nos meios rurais.
6. Preconiza a proposta de lei o agrupamento das Casas do Povo em federações.
Para melhor apreciarmos o todo - federação -, analisemos, ainda que de relance, as partes - Casas do Povo. Pelo Estatuto do Trabalho Nacional não podemos afirmar que as Casas do Povo sejam elementos, primários da organização corporativa, porque só o diz;
1 Teixeira Ribeiro, Princípios e Fins do sistema Corporativo Português, Coimbra, 1939, p. 55.
2 Oliveira Salazar, «Os delegados do I. N. T. P. e a Reforma Social», discurso proferido no gabinete do Ministro das Finanças, em 20 de Dezembro de 1933, aos delegados do I. N. T. P., que partiam a ocupar os seus postos (in Discursos, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, 1939, p. 276).
1 Discurso proferido, em 26 de Julho de 1955, no acto de posse do delegado do I. N. T. P. na Covilhã (in Boletim ao I. N. T. P., ano XXII, n.º 14, p. 312).
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expressamente para os sindicatos nacionais e grémios. Está na lógica da índole económica do Estatuto.
A designação "Casas do Povo" aparece pela primeira vez no Decreto-Lei n.º 23 050, que respeita a sindicatos nacionais, e, portanto, à organização profissional de empregados e operários. No seu artigo 6.º fixa o princípio de organização profissional não diferenciada pela constituição de Casas do Povo nas freguesias rurais, nos termos que a lei estabelecer.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 23 051 autoriza a criação em todas as freguesias rurais de organismos de cooperação social, com personalidade jurídica, denominados "Casas do Povo", com fins de previdência e assistência, instrução e educação, progressos locais, crédito e formação de sociedades cooperativas de produção ou de consumo.
Pelo Decreto-Lei n.º 23 618, de 1 de Março de 1934, é permitida a criação daqueles organismos em localidades que, não sendo freguesias rurais, reúnam, todavia, condições que tornem recomendável a existência daquelas instituições.
E pelo Decreto-Lei n.º 28 859, de 18 de Julho de 1938, as Casas do Povo passaram a exercer "funções de representação de todos os trabalhadores nelas inscritos como sócios efectivos ou em condições de em tal qualidade se inscreverem, competindo-lhes também o estudo e a defesa dos respectivos interesses nos seus aspectos moral, económico e social", defender os interesses que lhes respeitam no grémio da lavoura, assim como celebrar acordos colectivos de trabalho.
Aproxima-se, pois, a Casa do Povo do regime da organização profissional diferenciada, como se contém no artigo 42.º do Estatuto do Trabalho Nacional, segundo o qual os sindicatos nacionais e os grémios representam legalmente toda a categoria dos patrões, empregados ou assalariados do mesmo comércio, indústria ou profissão, estejam ou não neles inscritos". Esta disposição é reproduzida nos artigos 4.º do Decreto-Lei n.º 23 049, quanto a grémios "como órgãos representativos das entidades patronais e do capital", e 9.º do Decreto-Lei n.º 24 715, em que representam legalmente todos os elementos do mesmo ramo de comércio ou indústria", e, quanto a sindicatos nacionais, os artigos 1.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 23 051, segundo os quais têm por fim o estudo e a defesa dos interesses profissionais nos seus aspectos moral, económico e social e o de "representação dos interesses profissionais da respectiva categoria".
A esfera de acção das Casas do Povo circunscreve-se, em regra, à área das freguesias ou localidades onde forem criadas e excepcionalmente pode abranger freguesias limítrofes que isoladamente não reúnam condições suficientes. A dimensão da Casa do Povo aparece-nos assim com alguma complexidade. Foram os diferentes casos concretos que actuaram na evolução jurídica que se operou, ainda hoje por ajustar completamente.
O Decreto-Lei n.º 30 710, de 29 de Agosto de 1940, veio marcar um largo passo em frente na vida das Casas do Povo, com a reforma profunda que provocou no seu regime, com os recursos financeiros que lhes proporcionou pela obrigatoriedade do pagamento de quotas dos sócios contribuintes, em função dos seus rendimentos, e muito principalmente pelos horizontes que rasgou à sua finalidade de previdência.
A previdência nos meios rurais, que até à data deste diploma se realizava pelas cento e cinquenta caixas de previdência das quatrocentas Casas do Povo de então (de inscrição voluntária), passou a ser feita obrigatoriamente pela própria Casa do Povo.
Introduziu-se assim o princípio do seguro obrigatório para os trabalhadores do campo.
A Casa do Povo toma deste modo a natureza de instituição de previdência abrangida pela classificação de 1.ª categoria da Lei n.º 1884, de 16 de Março de 1935.
Em síntese das disposições legais em vigor, podemos afirmar que as Casas do Povo são organismos profissionais não diferenciados e de cooperação social, com funções de representação dos trabalhadores rurais ou outros que deles se não diferenciem nitidamente, e instituições e previdência.
7. Pela orgânica rígida e uniforme que a Casa do Povo nos oferece, em sistema decalcado nas associações de classe do Decreto de 9 de Maio de 1891, como o fora também para os sindicatos nacionais, menos evidentemente no que respeita à junção de proprietários com trabalhadores, é de concluir que o ideal da sua concepção em bases que fizessem das mesmas a expressão viva da solidariedade própria de cada meio rural se não concretizara na sua forma estatutária. Um modelo de estatutos que apenas o devia ser nas linhas gerais transformara-se em único, de aplicação genérica.
Talvez este procedimento tenha fundamento na celeridade que então se impunha na criação de organismos, na preocupação política da época em dissolver imediatamente as casas do povo socialistas (artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 23 051), que ao tempo mostravam tendência a desenvolver-se, e na necessidade urgente da transformação das associações profissionais de empregados e de operários ou trabalhadores, que eram mais focos de agitação social e política do que organizações de defesa de interesses legítimos, aliás confiadas ou manobradas, em grande parte, por elementos estranhos às classes.
Existiam então 1370 associações de classe, das quais 1076 em actividade, sendo 285 patronais, 754 operárias e 37 mistas.
E o pecado original das Casas do Povo, muito embora reconhecido oficialmente, ainda não foi eliminado. Urge remediar o inconveniente de se ter generalizado o que por sua natureza é diferente.
No relatório da proposta de lei em apreciação considera-se que as federações poderão fornecer sugestões úteis " á eventual reforma do regime legal das Casas do Povo, orientada, porventura, para uma menor rigidez de uniformidade orgânica e, consequentemente, para uma mais apropriada adaptação da instituição à fisionomia social e económica das localidades onde é chamada a actuar".
Em 1947 e 1949 chegou a ser anunciado pelos Subsecretários de Estado das Corporações de então 1 que estava em estudo uma reforma, o que contribuiu grandemente para afrouxar o movimento da criação de Casas do Povo.
O ritmo da arrancada perdeu-se, pois, enquanto nos primeiros cinco anos se criaram trezentas, nos últimos cinco instituíram-se apenas dezasseis. Vejamos como o mesmo se desenvolveu:
Casas do Povo
1938.........................300
1943.........................530
1951.........................580
1956.........................596
1 Prefácio do opúsculo da edição Biblioteca das Casas do Povo, 1047, Enfrentando o Destino das Casas do Povo, onde se reúnem duas exposições sobre o problema das Casas do FOTO feitas pelo Dr. Castro Fernandes.
Editorial do Boletim do Instituto Nacional do Trabalho 0 Previdência, ano XVI, -n.º 5, p. 117, palavras do Subsecretário do Estado das Corporações na inauguração da nova sede da Casa do Povo de Garvão, em 18 de Março de 1919.
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Pretende agora a proposta de lei retomar a marcha inicial, com vigoroso impulso na formação e fortalecimento da consciência corporativa, que será dado pelo Plano de Formação Social e Corporativa, com o aumento de recursos financeiros e estímulos directos ou indirectos a conceder às áreas ainda não abrangidas. Tudo isto sem prejudicar a ideia da reforma da estrutura das Casas do Povo, a qual, só por si, sem aqueles elementos, seria insuficiente para resolver todos os seus problemas.
Presentemente elas assentam em sócios efectivos e contribuintes.
Efectivos são «os trabalhadores rurais ou outros que deles se não diferenciem nitidamente em situação material ou modo de vida, do sexo masculino, residentes na área da Casa do Povo, desde que uns e outros sejam chefes de família ou maiores de 18 anos, e ainda os produtores agrícolas que não possam ser contribuintes por os seus bens ou rendimentos não serem suficientes para lhes assegurar situação diversa do comum daqueles trabalhadores» 1.
Por esta definição se vê quão difícil se torna destrinçar cada uma das variadíssimas categorias profissionais e situações. Não há uma fronteira ou uma medida exacta que as separe. Tanto existem os trabalhadores agrícolas assalariados possuindo ou não casa e proprietários ou não de um pequeno lameiro; como os que vivem a maior parte do ano a trabalhar com a sua família nas pequenas courelas de que são proprietários, rendeiros, meeiros ou seareiros, e a outra parte do ano por conta de outrem, ou simplesmente ocupados no que é seu; como os artesãos ou artistas, produzindo na sua pequena oficina familiar ou andando e monte em monte e deixando a sua pequena exploração agrícola entregue à mulher, aos filhos e aos estranhos; como os pequenos negociantes com terras suas, arrendadas ou de parceria; como os caseiros, ganhões, pastores, azagaia, etc.
Umas vezes patrões, outras vezes assalariados, todos são abrangidos pela Casa do Povo. Nada os distingue e quase tudo os liga.
Sócios contribuintes são os produtores agrícolas, considerando-se como tais «todas as entidades singulares ou colectivas que forem proprietários ou explorem como rendeiros, meeiros, parceiros ou, na ausência do proprietário, como administradores, sejam ou não seus parentes, quaisquer prédios rústicos e as mais entidades assim consideradas pela legislação reguladora dos organismos corporativos ou de coordenação económica» 2.
A Casa do Povo abraça, na mesma convivência, trabalhadores e proprietários. Vinculados à família, à vizinhança, à terra de que dependem, às crenças, aos costumes e às tradições, em estreita interdependência, irmanados, como que a constituírem uma verdadeira unidade social.
Num país como o nosso, de policultura em propriedade extremamente dividida e fracamente mecanizada, o «operário» agrícola quase não existe. Só excepcionalmente, nas regiões de grande propriedade, a proletarização do rural se observa, aumentada nos últimos tempos pela intensa motorização que ali se está a levar a efeito.
Da totalidade da nossa população activa, 48 por cento pertencem à agricultura.
Vão os rurais saindo para a indústria e centros urbanos, e nesse caso passam a pertencer aos respectivos sindicatos.
8. A Casa do Povo tem como órgãos administrativos a assembleia geral e a direcção.
A assembleia geral é constituída por todos os sócios efectivos que sejam chefes de família e se encontrem no pleno gozo dos seus direitos de associados, competindo-lhe, entre outras atribuições, eleger os membros da direcção e o 2.º vogal da mesa da assembleia geral.
O presidente da mesa da assembleia geral e o vogal seu substituto são eleitos em reunião dos sócios contribuintes, competindo-lhes, entre outras funções, defender os interesses da Casa do Povo no grémio da lavoura, estabelecer íntima colaboração dos dois organismos, exercer a representação da Casa do Povo no conselho municipal e cooperar com a direcção na realização dos fins da Casa do Povo, orientando e fiscalizando a sua actividade.
A Casa do Povo entroniza o antigo regime patriarcal da nossa lavoura.
A direcção era apenas recrutada entre os sócios efectivos, mas, segundo o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 40 199, de 23 de Junho de 1955, os sócios contribuintes passaram também a ser elegíveis. Reconheceu-se a enorme dificuldade em se recrutar somente dentro do âmbito restrito dos trabalhadores elementos «dotados com os indispensáveis predicados de cultura e competência e, até, com tempo disponível para se dedicarem à gestão das Casas do Povo».
9. Ao conceber-se a organização dos trabalhadores da agricultura não se estendeu esquematicamente o regime sindical dos operários, como seria tentador, visto que o sindicato é por toda a parte o grande elemento da organização profissional.
A Itália fascista admitia uma Confederação Fascista dos Agricultores e, paralelamente, a Confederação Fascista dos Trabalhadores da Agricultura.
Da primeira faziam parte as seguintes federações de categoria: Federação Nacional Fascista dos Proprietários e Rendeiros Empresários; Federação Nacional Fascista dos Proprietários Abstencionistas; Federação Nacional Fascista dos Pequenos Proprietários e Pequenos Rendeiros; Federação Nacional Fascista dos Dirigentes das Explorações Agrícolas, e Federação Nacional Fascista dos Consórcios de Melhoramento Fundiário 1.
A segunda Confederação abrangia as Federações Nacionais Fascistas: dos Empregados Técnicos e Administrativos das Empresas Agrícolas e Florestais; dos Parceiros e Meeiros; dos Trabalhadores Agrícolas, Zootécnicos e Florestais Especializados, e dos Contratados e Jornaleiros. As duas primeiras Federações compreendiam dois sindicatos cada uma e as duas últimas três cada.
Na periferia existiam: 94 uniões provinciais, 475 delegações de zona, 6831 delegações comunais e 7229 subdelegações de aldeia 3.
Em França, apesar do espírito individualista do homem do campo, a organização profissional da agricultura apresenta-se sólida. Multiplicam-se sindicatos, caixas de seguros sociais, de abono de família, cooperativas, mútuas, contratos colectivos de trabalho, salários mínimos, prud'hommes a julgar os conflitos
1 § l.0 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º SÓ 710, de 20 de Agosto de 1940.
a § 2.º do artigo 1.º do citado Decreto-Lei n.º 30 710 e artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 28 859, de 18 de Julho de 1938.
1 A Organização Sindical-Corporativa da Agricultura Italiana, 1941, relatório de uma missão de estudo, pelo engenheiro agrónomo Francisco Tavares de Almeida, opúsculo do Ministério da Economia, pp. 101 e 112.
2 António de Castro Fernandes, in O Corporativismo Fascista, Lisboa, 1938, p. 140.
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emergentes dos contratos de trabalho, comissões de qualificação profissional, etc.
Por um lado, o sindicalismo agrícola organizado, na base, em sindicato comunal ou intercomunal; no centro, em união regional (com subuniões departamentais), cujos dirigentes são escolhidos pelos delegados daqueles sindicatos, e, no vértice, a união central, sendo os dirigentes eleitos pelos delegados daquelas uniões, constituindo a União Nacional dos Sindicatos Agrícolas.
Por outro lado, o sindicalismo dos assalariados com as uniões regionais interprofissionais, ou bolsas do trabalho, que reúne todos os sindicatos duma mesma cidade ou dum mesmo departamento, as federações nacionais profissionais e as confederações nacionais 1.
A Casa do Povo aparece como fórmula polivalente integradora da comunidade rural no sistema corporativo português.
Daquela comunidade emana uma solidariedade que fundamenta a sua natureza de cooperação social.
«As Casas do Povo terão uma grande influência na formação da família. Estas instituições hão-de florescer como subsidiárias das famílias bem constituídas, e nelas todos hão-de caber» 2.
Na Casa do Povo o trabalhador rural «encontrará, não a associação rebelde que os maus orientadores lhe aconselhavam, mas o verdadeiro lar colectivo, a obra de paz e de progresso, feita para o acolher, para o ajudar e para o dignificar» 3.
«Ás Casas do Povo suo uma criação originalíssima e das mais curiosas do Estado Novo. Na Casa do Povo não há já, fundamentalmente, a distinção entre patrão, técnico e operário, mas uma grande família rural e patriarcal de concórdia, um sítio de recreio, fomento local, ensino e assistência» 4.
A sua essência mergulha nas razões históricas das freguesias, dos municípios, da emancipação das classes laboriosas da terra e das confrarias e irmandades.
Nesta base deveria proceder-se a um estudo conveniente para se chegar a uma orgânica adequada às nossas comunidades rurais, com respeito absoluto pela sua diferenciação. Para tanto considera-se indispensável a colaboração da etnologia ou antropologia cultural, o que entre nós não seria difícil, porquanto temos estudiosos de elevado mérito. Somos dos que ocupam «a vanguarda no estudo dos agregados humanos nos seus meios naturais», «focando os problemas económicos, sociais, religiosos e psíquicos, isto é, a totalidade da cultura, sem esquecer o aspecto ecológico» 5.
Haja em vista o que acontecia com os forais, que, variando muito uns dos outros, respeitavam as características de cada lugar.
10. As federações, agora propostas, têm de reflectir a complexidade e particularidade das Casas do Povo.
Se olhássemos somente para descortinar os fundamentos de cooperação social das Casas do Povo, talvez que ao seu agrupamento se não devesse chamar «Federação de Casas do Povo», e antes «Conselho (regional,
1 Firmin Bacconnier, in Le Salut par Ia Corporation, edição de Les Oeuvres Françaises, 11, Rue de Sèvres, Paris, a pp. 42 a 45.
2 Discurso pronunciado pelo Sr. Presidente do Conselho na inauguração da primeira Casa do Povo, na aldeia de Barbacena, em C de Janeiro de 1934, segundo relato da imprensa e Boletim do I. N. T. P., ano i. n.º 4.
3 Pedro Teotónio Pereira, in Á Batalha do Futuro, Lisboa, 1987, alocução pronunciada em Serpa, aquando da inauguração da Casa do Povo de Pias, em 25 de Março de 1934, p. 129.
4 Henriques Marques, in Essência do Corporativismo em Portugal, 1949. p. 98.
5 Rio de Onor, por Jorge Dias, p. 15.
distrital ou provincial) de Casas do Povo», cuja designação está consagrada na nossa administração local (conselho municipal e conselho provincial), que teve longa tradição entre nós, e em vários povos, como organização social das comunidades rurais l.
Mas, porque a Casa do Povo tem também funções de representação e é instituição de previdência, será de adoptar o termo «federação», que tem o seu lugar e significado próprios na terminologia do direito corporativo adequada às presentes circunstâncias.
A federação é a associação regional ou nacional de elementos primários idênticos, situada entre a base primária da organização corporativa e a corporação.
Entre os elementos primários e a federação não se interpõe qualquer organismo.
A federação é a reunião magna dos organismos primários, onde estes, à mesma altura, se sentam lado a lado. Na pureza dos princípios, não são admissíveis quaisquer graus dentro da federação.
O seu carácter de regional ou nacional permite a adopção de vários critérios no agrupamento dos organismos a federar.
Logo, as expressões «regional» e «nacional» supõem a ideia de exclusão de pequenas unidades geográficas.
Para os sindicatos, cuja dimensão, em regra, é o distrito, tem sido adoptado o critério nacional, o qual para as Casas do Povo seria impraticável.
Para os grémios da lavoura, que exercem normalmente a sua actividade na área do respectivo concelho, foi fixado o critério provincial, com a faculdade de anexação de concelhos de províncias vizinhas.
Se nos desviarmos do caminho corporativo e, por momentos, trilharmos o administrativo à procura de alguns ensinamentos, encontraremos federações de municípios e uniões de freguesias.
A federação de municípios é a associação de câmaras municipais, voluntária ou obrigatória, para a realização de interesses comuns dos respectivos concelhos. A união de freguesias é a associação, voluntária ou obrigatória, das juntas de freguesia, para a prossecução, em comum, dos fins de assistência e de quaisquer outros que caibam dentro das suas atribuições.
As federações obrigatórias de municípios são constituídas pelos concelhos vizinhos de Lisboa e Porto. As voluntárias existentes são apenas três: Federação dos Municípios da Região de Basto, Federação dos Municípios do Distrito da Guarda e Federação dos Municípios da Estremadura. Recentemente foi criada a Federação dos Municípios da Ilha de S. Miguel.
Como se vê. cada federação tem o seu critério.
As uniões de freguesias não existem, a não ser as obrigatórias de Lisboa e Porto.
De tão fraca experiência federativa, e com uniões inexistentes, não podemos colher quaisquer elementos.
A Casa do Povo abrange, em regra, a freguesia.
Por raciocínio menos prevenido, seríamos levados ao seu agrupamento por concelhos. Contudo, pulverizar-se-ia a organização intermédia e levaria à criação de organismos dispostos verticalmente por graus, até chegar à corporação, envolvendo alteração profunda em todo o nosso sistema. À federação seguir-se-ia a confederação, que não está, sequer, prevista na nossa organização corporativa.
Também não se justificaria agrupar as Casas do Povo por concelhos, porque implicaria uma revisão da orgânica do grémio da lavoura. Cabendo a cada concelho a representação do trabalho agrícola numa federação de Casas do Povo, a representação destas estaria
1 Reuniões do Conselho, por Jorge Dias, extracto dos fase. I e II do vol. XV dos Trabalhos de Antropologia e Etnologia.
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em organismo de nível intermédio e, consequentemente, não paralelo do grémio da lavoura, quando a este é atribuída competência para a celebração de contratos colectivos de trabalho e para desenvolver o espírito de cooperação e solidariedade de todos os elementos da produção -capital, técnica e trabalho- e do seu conselho geral fazem parte, como membros natos, os presidentes da assembleia geral das Casas do Povo da área correspondente, em número não superior a três, eleitos entre si.
A Federação acabaria por ser um organismo com tendência para se sobrepor ao grémio.
Ora, onde não existe luta de classes, seria um contra-senso que a organização corporativa a fosse criar quando se pretende cooperação e solidariedade entre todos os elementos da produção.
Um elemento primário representativo do trabalho agrícola do concelho, quer independente das Casas do Povo, depois de se retirar destas as funções de representação, quer integrador de órgãos adequados, fazendo parte da própria estrutura da Casa do Povo, simplificaria a questão. Por ora, esta solução apenas terá interesse especulativo, dada a impossibilidade de recrutamento de dirigentes que realizassem a representação autêntica.
Tem cabimento aqui uma referência especial a um trabalho do Dr. Sedas Nunes, publicado na Revista do Gabinete de Estudos Corporativos, do Centro Universitário de Lisboa da Mocidade Portuguesa, ano vi, n.01 22 a 24, sob o título e A Organização Corporativa e o Serviço Social».
Na sua conclusão, respeitante a t O Serviço Social e as Casas do Povo», desenvolve fundamentadamente a questão da inconciliabilidade das funções de cooperação local da Casa do Povo com as suas funções de representação profissional.
O mesmo problema foi aflorado no parecer desta Câmara sobre a proposta de lei n.º 37, intitulada «Corporações», de que foi relator o Digno Procurador Pires Cardoso, a p. 875 das Actas, dizendo: cãs federações que viessem a criar-se seriam apenas organismos especificamente representativos da categoria profissional dos trabalhadores rurais. E, assim, bem poderiam permanecer as actuais Casas do Povo unicamente como organismos de cooperação social, e, portanto, fiem competência representativa, restituindo-se à pureza da sua origem e retirando-lhes um carácter híbrido, que em nada ajuda o seu progresso», mas, logo em seguida, afirma: «trata-se aqui de um problema que naturalmente terá de começar por resolver-se no âmbito da organização interna dos próprios organismos, procurando regras mais adequadas do que as actuais para a escolha dos seus dirigentes, como tantas vezes tem sido preconizado». É um assunto para ser examinado à luz do futuro, e, portanto, deste dependerá. Se fôssemos já para organismos de trabalhadores agrícolas diferenciados, sob o signo sindical, poderia melhorar a autenticidade da representação, mas piorava a própria representação em si mesma considerada, visto que o recrutamento de dirigentes passaria a ser em âmbito mais restrito que o da actual Casa do Povo (sócios efectivos e contribuintes), e naturalmente aumentariam os óbices em qualidade. Além de que, em maior rigor abstracto, teriam de constituir-se tantos organismos quantas as categorias profissionais do meio rural, o que no momento presente seria absurdo, visto não ser possível rigorosamente a sua delimitação.
Os trabalhadores sentem, evidentemente, os seus interesses, as suas aspirações, melhor que os estranhos, mas, não os sabendo transmitir e defender, de nada valerá a sua simples presença, a não ser para uma representação simbólica, que é precisamente o que se pretende evitar com a organização corporativa.
Além de que é mais fácil formarem-se dirigentes pelo contacto, que a Casa do Povo permite, do que isolados na sua própria classe.
De resto, as preocupações representativas pelos próprios interessados andam um pouco abaladas. Assim, as grandes organizações sindicais dos países fortemente industrializados são dirigidas praticamente por elementos conhecedores e experimentados em assuntos económico-sociais devidamente remunerados, e enquanto estão ao serviço do sindicato não exercem qualquer outra ocupação. Vai imperando, pois, a «revolução directorial», de que fala James Burnham 1.
Perante a complexidade da vida contemporânea, um simples operário, cada vez mais especializado na engrenagem da empresa moderna, não pode abarcar como dirigente sindical todos os problemas da classe que representa, e muito menos equacioná-los diante de um patronato, cada vez mais personificado em sociedades, que pode ter ao seu serviço os conselheiros e técnicos de que necessitar. É um dos muitos problemas da estrutura económica empresarial do sistema capitalista.
No modesto viver das nossas aldeias, mais podem valer à protecção do trabalhador as autoridades sociais do meio (autênticos procuradores do povo, eleitos por este pelo sufrágio diário da admiração e respeito), embora estranhos à classe, do que os próprios sem instrução e qualquer preparação.
Sempre que aparece um daqueles elementos a dirigir ou a trabalhar, o êxito da Casa do Povo está assegurado.
Aguardemos os frutos, não longínquos, das medidas tomadas a favor da obrigatoriedade escolar e a formação de dirigentes devidamente esclarecidos, que se propõe o Plano de Formação Social e Corporativa, para se poder progredir socialmente com a espontaneidade própria de uma consciência corporativa em movimento.
11. A proposta de lei, ao estabelecer a quem compete a iniciativa da criação das federações, é portadora de um alto pensamento corporativo, como de resto toda ela.
Consigna o princípio da autonomia corporativa condicionada ao interesse geral, confiando a iniciativa aos próprios elementos primários interessados ou ao organismo superior, e fixando em seguida os critérios a que deve obedecer o enquadramento daqueles.
Criteriosamente se omite a inexacta alusão tantas vezes feita em textos legais sobre a dependência dos organismos corporativos a determinados Ministérios. O Estado, para salvaguardar o interesse geral, não necessita de ter os organismos corporativos dependentes de um Ministério, e muito menos de dois. Bem mais importante é a inspecção corporativa única, constituída em moldes modernos de acção eficiente, em que a sua função orientadora das grandes linhas gerais devesse sobrelevar a qualquer outra e, em sincronismo com aquela, actuasse numa fiscalização construtiva e moralizadora.
12. Com a lógica dos princípios, aplicada às realidades presentes das Casas do Povo, se achou para base da organização das suas federações um critério dotado de grande maleabilidade.
Determinou-se o distrito como norma, mas são permitidas federações provinciais, ou dentro de cada distrito várias, quando as circunstâncias o aconselhem.
L'Ers deS Organisateurs, por James Burnham.
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Sempre que se fixam critérios com fundamento nu distrito, há que contar com a existência da província.
O distrito proporcionou entretanto já algum conteúdo federativo às suas Casas do Povo por intermédio da orientação e coordenação in loco dos delegados do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência e do contacto permanente entre si, na disputa ansiosa do um nível cada vez mais alto, no desenvolvimento da sua missão de benefícios para os trabalhadores.
Já em 193G as Casas do Povo do distrito de Beja tinham a sua reunião plenária para orientarão, em conjunto e debate sobre trabalhos apresentados pelos seus dedicados dirigentes. Havia anualmente a publicação do relatório distrital. onde cada uma podia confrontar a sua posição com a das vizinhas, e, numa útil emulação, todas iam crescendo, com o desejo de mais e melhor.
Em 1939 os representantes do trabalho agrícola nesta Câmara provocam-se reuniões em todos os distritos.
Presentemente existem 596 Casas do Povo, abrangendo 10-Ü2 freguesias. Estão 520 em actividade, espalhadas por todos os distritos do modo seguinte:
[ver tabela na imagem]
Pêlos números apresentados se deduz facilmente que a dimensão normal para a federação e o distrito. Não só em face do presente, em que alguns distritos já esta» quase completos (caso de Beja, Évora e Portalegre), como no futuro. Até agora, só o distrito de Braga se mostra com número elevado de Casas do Povo, mas nada impede que seja dividido em duas ou mais federações, além de que é das regiões onde mais se impou a revisão da estrutura das Casas do Povo.
Ë interessante observaria que os simples números de sócios efectivos e contribuintes nos dão um índice da divisão da propriedade e da diferença de interesses a proteger.
Poderíamos ser levados à ideia da província por comparação, em abstracto, com o critério provincial seguido para as federações dos grémios da lavoura, ou, em concreto, pelas relações que tenha de haver.
No primeiro caso, diremos que as federações dos grémios da lavoura, de criação recente e sem experiência ainda, agrupam unidades concelhias mais próxima da província, portanto, e em menor número que as freguesias.
Vejamos como se encontram distribuídos os grémios da lavoura:
Funchal ................ 1
Guarda ................. 13
Horta .................. l
Leiria ..................13
Lisboa ................. 13
Ponta Delgada ......... l
Portalegre ..............15
Porto....................17
Santarém ................15
Setúbal .................11
Viana do Castelo.........9
Vila Real ...............13
Viseu ...................23
Angra do Heroísmo........1
Aveiro...................16
Beja ....................12
Braga .................. 13
Bragança ................12
Castelo Branco ..........6
Coimbra .................14
Évora .................. 12
Faro .................. 12
Pela leitura alenta das funções das federações dos grémios da lavoura e das que a proposta de lei sugere para as das Casas do Povo verifica-se não haver necessidade de intensas relações entre si, de tal sorte que não possam ter lugar com facilidade, estando umas nas sedes dos províncias e outras nas sedes dos distritos. O problema apenas, se levanta para os distritos que não sejam sede de província, mas sem importância a considerar. De resto, as relações estão sempre asseguradas no plano da Corporação da Lavoura.
Pode o critério provincial estar certo para os grémios da lavoura, por motivos de ordem económica, e não ser aplicável às Casas do Povo, por fundamentos de ordem social.
Nunca os grémios da lavoura foram coordenados distrital ou provincialmente, e sim nacionalmente, pela Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, não estranhando agora o critério provincial ou qualquer outro. As próprias regiões agrícolas, com as suas respectivas brigadas técnicas, com as quais os grémios tem necessidade de
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tratar, não coincidem com os distritos nem com na províncias.
As federações das Casas do Povo, no exercício das funções que a proposta prevê, necessitarão de contactar frequentemente com as entidades distritais, e na reforma que se avizinha da previdência mais terão de ficar ligadas ao distrito.
Á província, que é a associação de concelhos com afinidades geográficas, económicas e sociais, apenas tem como órgãos o conselho provincial e a junta de província, enquanto o distrito tem representada a bem dizer toda a administração pública.
Por todas estas considerações, é de concluir que o critério distrital adoptado pela proposta de lei é o que melhor pode servir às federações das Casas do Povo. Também não ficam vedadas as federações provinciais, visto serem consentidas quando as circunstâncias o aconselhem, assim como várias federações no mesmo distrito.
Ainda é susceptível de maior amplitude este critério, como parece desígnio da proposta, permitindo-se, a título excepcional, não sujeitar as Casas do Povo limítrofes dos distritos à imposição rígida da divisão administrativa.
13. É na competência conferida às federações que o relatório da proposta de lei em apreciação mais se detém a justificar. Compreende-se que assim se procedesse porque se lhes entrega não só pesada como melindrosa tarefa.
À simples vista parece que se pretende com as federações recuperar o tempo perdido na integração dos meios rurais na organização corporativa e facultar rapidamente a justiça social aos trabalhadores do campo, aliás dela bem sequiosos.
Atribuem-se-lhes funções normais e comuns a quaisquer organismos análogos, como implicitamente resultam da sua própria natureza de elementos intermédios da corporação, e especiais, derivados da necessidade de maior extensão das realizações sociais.
Dentre as primeiras, a da coordenação da actividade das Casas do Povo federadas é a que pode levantar alguns reparos. Sendo relativamente de fácil aplicação nos grémios da lavoura e sindicatos nacionais, é extremamente delicada para as Casas do Povo.
A coordenação, que já de si tem o significado de dispor segundo certa ordem e método as diferentes partes de um todo, pode, quase sem querer, ferir a autonomia da Casa do Povo inerente à singularidade própria da comunidade rural que integra. A coordenação, só pela simples tendência humana da uniformização, pode atingir a originalidade da essência orgânica da Casa do Povo, ou seja, afinal, a sua principal virtude.
Orientar, coordenar, dirigir e fiscalizar são expressões que à força de andarem ligadas, principalmente no dirigismo que parece caracterizar a vida de hoje, actuam como se traduzissem uma só ideia. No caso presente, mal a coordenação leve consigo a direcção n intervir no domínio da Casa do Povo, tornar-se-á perniciosa. São vícios e deformações da actuação prática. De modo nenhum devem atingir o princípio, que é fundamental, e apenas servirão para porem de sobreaviso aqueles que tiverem de lhe dar realização. Depende mais da habilidade e capacidade dos homens que o tiverem de executor do que da norma jurídica que o fixa.
A preocupação de encontrar a forma que garantisse um exercício equilibrado da coordenação é manifesta no relatório da proposta de lei. Não a tendo encontrado, limita-se a dar uma nota de esperança de que ela venha a ser «bem entendida e bem realizada, se traduza em reais vantagens para os interessados, não redundando, de qualquer forma, na absorção ou na sobreposição de competência s e, muito menos, na paralisação do espírito de iniciativa local».
As federações devem ligar as Casas do Povo, pura que estas, acompanhadas umas das outras e mantendo a sua feição inalterável, mais fortemente possam desenvolver a missão que lhes cabe em benefício dós trabalhadores.
Da pujança associativa dos organismos primários depende a força corporativa, que tem de chegar vigorosamente à corporação por via dos seus elementos intermédios.
Na competência especial concedida às federações, a proposta de lei define um grande programa de acção social. Pulo encargo, que lhes compete, de fomentar a criação de novas Casas do Povo, aperfeiçoar e desenvolver as existentes e levar os benefícios delas a todos os trabalhadores do campo, incluindo os das áreas não abrangidas por aqueles organismos; de colaborar na formação da consciência corporativa, na criação de serviços sociais corporativos e do trabalho e na construção de casas para trabalhadores.
Vão ficar assim as federações com uma competência muito vasta logo de início e toda ela indispensável, como muito bem demonstra o relatório que precede a proposta de lei acerca de cada uma das atribuições.
Para completar, falta uma referência a estudos sobre os problemas do trabalho agrícola e à colaboração a estabelecer com as federações dos grémios da lavoura.
Procedeu-se corajosamente ao invés do que é costume na criação de organismos. Em geral, começo-se por conceder um período de ensaio àqueles, ajustando-os depois à experiência e aumentando ou não as suas funções, conforme for aconselhável.
Tem razão de ser este procedimento, porque a experiência das Casas do Povo está feita. E à medida que estas se forem completando e alastrando será reduzida automaticamente a competência das federações.
Existem já algumas que são autênticos modelos, a apontar como ideal para onde todas deviam tender. Visitá-las é confortar-nos de fé para mais rasgados e profundos empreendimentos corporativos.
Além das funções normais da coordenação e representação concedidas às federações, pertencem-lhes atribuições complementares e supletivas das Casas do Povo.
As complementares estão na lógica do sistema de associação do nosso regime e enquadram-se nos propósitos de valorização das Casas do Povo. As supletivas destinam-se a suprir a falta das Casas do Povo em alguns dos seus fins para beneficiarem os trabalhadores das áreas ainda não abrangidas por aqueles organismos. Os trabalhadores destas zonas têm as mesmas necessidades e direitos que os restantes e u lavoura competem iguais encargos.
Também a proposta de lei prevê função supletiva no próprio meio onde existe a Casa do Povo e, pela forma como se exprime, de realização directa. Ora, como só terá lugar no caso de insuficiência da Casa do Povo, em que não seja possível aplicar a função complementar da federação, por se tratar de aproveitamento de meios de acção dispostos em plano federal para melhor rendimento dos seus resultados e economia no custo, não é compreensível que a actuação se não realize, pelo menos, em cooperação com a Casa do Povo.
Em qualquer caso, as federações nunca deverão ignorar a existência das Casas do Povo, que lhes servem de base, porque seria negarem-se a si próprias, transformando-se em instrumentos perturbadores e arbitrários. Além de que nenhuma das suas finalidades está fora do potencial das Casas do Povo ou que estas não devam conhecer.
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A criação das federações inspira-se no engrandecimento que se pretende imprimir às Casas do Povo, já hoje com uma actividade atrás de si que as justifica plenamente e as torna desejadas, como podemos observar nos números seguintes, referidos a 31 de Dezembro de 1955:
I) Assistência e previdência:
1) Subsídios concedidos:
a) Invalidez - 109 436 ....... 42 969
b) Doença - 322 C87 .......... 23 635
c) Morte - 28 823 ............ 4 506
d) Paru medicamentos.......... 37 118
e) Para colónias de férias....5 131
f) Outros subsídios .......... 7 157
2) Consultas médicas ......... 6 296 554
3) Acção educativa ........... 11318
4) Obras de interesse público. 14 213
Total ........................ 146 U46
14. No aspecto da coordenação há que considerar a circunstância de existir já um órgão a que, por lei, está atribuída competência para «orientar e coordenar a acção das Casas do Povo» (Decreto-Lei n.º 34 373, de 10 de Janeiro de 1945, artigo 2.º, n.º 1.º).
Esse órgão é, como se sabe, a Junta Contrai das Casas do Povo, que até agora se tem encarregado de efectuar a coordenação actual dos referidos organismos. à falta de elementos intermédios ou superiores neste sector da organização corporativa.
Tal situação vai. porém, modificar-se profundamente, desde que sejam instituídas as projectadas federações de Casas do Povo e também a Corporação da Lavoura, cuja criação foi já determinada pela Lei n.º 2086, de 22 de Agosto de 1936.
Nestas condições, e sem deixar de sublinhar-se a prestimosa acção até hoje desenvolvida pela Junta Central, tem de reconhecer-se que este órfão do Estado só deverá subsistir. no futuro, com uma competência mais mitigada do que a autuai. Mesmo assim, não lhe faltará larga margem de acção como instrumento do Ministério das Corporações e Previdência Social, especializado na sua matéria e dirigido fundamentalmente à vigilância e aperfeiçoamento das Casas do Povo ao estímulo e impulso para a sua constituição, ao estudo dos problemas da estrutura e funciona mento daqueles organismos e a tantos outros aspectos do alcance similar.
Além disso, parece que deverá continuar a caber-lhe n administração do Fundo Comum das Casa a do Povo, onde a proveniência das respectivas receitas justifica amplamente a sua integração em departamento oficial.
De tudo o exposto resulta logicamente que tem de entender-se a função coordenadora das futuras federações de Casas do Povo como substitutiva da que estava conferida à Junta Central, devendo, portanto, considerar-se revogado, nessa matéria, o Decreto-lei n.º 34373. anteriormente citado.
15. As Casas do Povo têm sido alvo de algumas criticas. Umas procedentes e outras não, mas, todas pugnando por uma melhor aplicação dos princípios que lhes deram causa e mais benefícios da sua acção. Uns dizem que funcionam mal por não haver quem as dirija capazmente; outros, porque não dispõem de recursos ou não integram a peculiaridade do meio rural onde actuam.
Desde que haja dirigentes qual inçados, mais recursos para maiores benefícios e melhor adaptação à comunidade rural, passam a carecer de fundamento aquelas críticas.
Tudo isto as federações se propõem ajudar a resolver.
Algumas dificuldades surgem sobre as Casas do Povo, num ponto ou noutro por falta de ambiente adequado, porque foram criadas sem a indispensável preparação de esclarecimento da sua doutrina, de modo a proporcionar-lhes o clima social favorável à sua compreensão e assimilação. Faltou-lhes o suplemento da alma, que para todos os empreendimentos se torna necessário, mormente em organizações sociais.
Freguesias há que estão abrangidas pela Casa do Povo da paróquia vizinha e que, ambicionando possuir uma, mio podem aceitar a continuação da sua anexação sem forte relutância.
Também as convenções colectivas de trabalho agravaram, por vezes. o mau ambiente. Foram iniciadas em 1937, pelo acordo da Casa do Povo de Mora com os proprietários da sua arca para efeitos de distribuição de trabalhadores nas épocas de crise de trabalho, tornando-se assim obrigatório para todos os proprietários o que até ali vinha sendo leito por alguns.
Em 1938 e 1939 tiveram aplicação as derramas, cuja execução não foi feliz por falta de oportunidade na aprovação das comparticipações do Estado.
Intensificaram-se, como seu sucedâneo, os acordos e contratos colectivos de trabalho, atribuindo-se, para o efeito, poderes de representação às Casas do Povo a partir de 1938.
Estas convenções colectivas, que inicialmente eram apenas aplicáveis às áreas dos organismos que as celebravam, foram generalizadas, como um mal necessário, a quase todo o Alentejo e parte do Ribatejo por imposição de despachos de alargamento do seu âmbito. A princípio constituíam medidas, a colaborar com outras providências, para a resolução do desemprego rural.
Em muitas épocas, porém, foi forçada a sua aplicação exclusiva, tendo sob protecção elevado número do trabalhadores, que eram distribuídos obrigatoriamente aos proprietários, ainda que em condições incomportáveis.
A lavoura alentejana ora assim sobrecarregada enormamente, som qualquer contrapartida do ordem .económica; o trabalhador deseducado, pela improdutividade e pela indisciplina que provocava a imposição, e as convenções colectivas do trabalho desvirtuadas, por não conterem só cláusulas que digam respeito ao contrato de trabalho e aos deveres e direitos dele emergentes, para que a lei as destinou.
As federações de Casas do Povo poderão desempenhar um papel muito importante na solução do problema da dimensão geográfica da Casa do Povo. no regresso à normalidade das convenções colectivas de trabalho, em estreita cooperação com as federações dos grémios da lavoura, e na colaboração a dar à Comissão Coordenadora das Obras Públicas no Alentejo.
Por todas as considerações que vimos produzindo, entende a Câmara Corporativa que a proposta de lei merece a sua inteira concordância na generalidade.
II Exame na especialidade
BASE I
16. É a base principal de toda a economia da proposta, porque dela derivam todas as restantes.
Concede às Casas do Povo a faculdade de se agruparem em federações.
Não impõe, como seria próprio do corporativismo de Estado, em que se resvala por vezes, mas antes confia na autonomia do corporativismo de associação.
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Não se aproximam por efeito de imposição governamental em artificialismo sem expressão, a sim pelo reconhecimento, que a lei lhes confere, de se associarem em autodirecção corporativa.
São princípios salutares, que enchem de esperança os idealistas do corporativismo.
Pela forma como está redigida a base, a que nada temos a objectar, teve a sua fonte no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 36681, de 19 de Dezembro de 1947, que permite o agrupamento de grémios da lavoura em federações.
No entanto, em homenagem ao rigor da terminologia jurídica é esta Câmara de parecer que se deverá intercalar o termo «atribuições» entre «constituição» e «funcionamento ».
BASE II
17. Por esta base são classificadas as federações em «organismos de grau secundário». Exacto. Podem mesmo chamar-se «do 2.º grau», ou «elementos secundários da corporação». Todavia, vimos na generalidade que a terminologia rigorosa dos nossos diplomas fundamentais e a de elementos ou, organismos intermédios da corporação, assim como as uniões.
Dizendo-se de «grau secundário», aliás reprodução do citado decreto-lei, das federações dos grémios da lavoura, ou do «2.º grau», pode levar a supor que existe o 3.º grau, ou mais, quando o nosso regime corporativo não admite senão o primário, o intermédio e a corporação como organismo superior.
Também se emprega «organismos corporativos de grau superior» (n.º 6.º do artigo 4.º do mesmo decreto-lei para significar organismos superiores às federações, o que leva a pensar na existência de vários, quando apenas são as corporações.
No raso de uma federação agrupada com organismos primários ou de duas ou mais federações por meio das uniões, poderia facilmente conduzir ao erro de serem classificadas estas de grau superior ao das federações, quando o grau intermédio da corporação se mantém para ambas.
Para evitar estas discrepância», sugere-se que seja substituída a expressão de grau secundário» por «intermédio da corporação».
Não terá muito interesse prático, mas numa doutrina em formação é indispensável uma certa justeza nos lermos.
BASE III
18. Nada a objectar.
Com o que dissemos na apreciação na generalidade o de breve comentário à base I, podemos anotar, em conclusão, que esta base é a sequência dos mesmos princípios do corporativismo de associação.
Não se exige qualquer número mínimo de Casas do Povo a requerer a sua federação. Deixa-se à sua compreensão e à sua espontaneidade o pretenderem ou não agrupar-se. Por outro lado, é concedida II Corporação da Lavoura a faculdade de propor a constituição de federações.
BASE IV
19. Nesta base fixe-se o critério a que deverá obedecer a dimensão geográfica das federações.
Salientámos na generalidade ser de aplaudir a regra distrital e, excepcionalmente, as federações provinciais, ou no mesmo distrito duas ou mais.
Esta base mostra o propósito de não se reduzir a organização federativa das Casas do Povo a um critério rígido, fundado na divisão administrativa. Abre-se em maleabilidade, permitindo uma certa latitude para os diferentes ajustamentos que a prática possa aconselhar, de modo a servir melhor os povos, respeitando-se as particularidades ou afinidades regionais.
Consideram-se! as duas unidades administrativas, o distrito e a província, podendo aquele ser dividido em zonas ou regiões.
Maior amplitude, sem alterar a regra, poderá conseguir-se facultando, em casos excepcionais, o agrupamento de Casas do Povo segundo as suas afinidades regionais.
Por isso se propõe uni aditamento a esta base, ao mesmo tempo que se melhoraria a sua redacção nos termos seguintes:
As federações terão, em regra, âmbito distrital. Sempre que as circunstâncias aconselhem, permitir-se-á a constituição no distrito de duas ou mais federações, bem- como a constituição de federações provinciais.
As federações poderão incluir áreas afins, estranhas ao distrito ou à província.
BASE v
20. É uma das bases mais importantes da proposta de lei, pois visa definir a competência das federações.
Nela são insertas atribuições comuns a quaisquer federações corporativas, como inerentes à sua natureza de organismos intermédios ida Corporação, e especiais derivadas da peculiaridade das Casas do Povo, conjugada com a incumbência que se pretende conferir-lhes.
Como é evidente, pertencem às primeiras as funções designadas nos n.º 8.º, 7.º e 4.º e, no limite com as segundas, as no n.º 1.º
Segundo esta classificação, afigura-se-nos que a base ficaria melhor ordenada passando o n.º 7.º para 1.º, o 8.º para 2.º, o 4.º para 3.º e o 1.º para 4.º
Parece ter faltado atribuir competência para a celebração de convenções colectivas de trabalho regionais com as federações dos grémios da lavoura, promover ou fomentar estudos acerca dos problemas do trabalho agrícola de sua iniciativa ou em colaboração com as federações dos grémios da lavoura, a fim de habilitarem as Casas do Povo a uma melhor defesa dos interesses dos trabalhadores nos seus aspectos moral, económico e social.
Numa época em que se impõe aumentar a produtividade, adaptar a mão-de-obra às modernas maquinarias, fixar salários, avaliar da posição económica do trabalhador do campo em relação ao preço dos produtos agrícolas e industriais, estender o benefício do seguro contra acidentes de trabalho, ensaiar abono de família, premiar a assiduidade e o rendimento do trabalho, projectar contratos colectivos de trabalho (normais), ensinar uma alimentação racional, e te., não faz sentido que a federação das Casas do Povo esteja alheia a problemas tão basilares no mundo do trabalho agrícola, a qual, em contacto com as realidades, poderá fornecer elementos muito úteis aos teóricos que tiverem de se ocupar destes assuntos, à Corporação n ao Governo.
Poderão também as federações ter acção muito importante em orientar e regular, por acordo das Casas do Povo interessadas, as correntes migratórias dentro do País, proporcionando-lhes ambientes morais e condições materiais que se harmonizem com a dignidade humana do trabalhador. A este respeito muito há quo fazer para se pôr termo aos mercados de mão-de-obra quo ainda hoje existem no Alentejo por altura das ceifas.
Na primeira categoria de funções merece reparo o n.º 8.º, pois, sendo uma fórmula consagrada, que se repete em todos os diplomas desta natureza, aqui necessita de se lhe dar mais significado.
Não estando previstas as federações de Casas do Povo, sempre que a lei individualiza expressamente os
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organismos ficarão excluídas. Assim, no dizer-se que exercem as funções políticas conferidas por lei, será D só aquelas que a lei reconhece de ordem geral ou em especial quando se lhes refere expressamente, o que só acontecerá, nesta parte, daqui para o futuro.
Segundo a redacção d» proposta de lei, as federações de Casas do Povo não poderão participar na composição do conselho provincial, porque o n.º 2.º do artigo 287.º do Código Administrativo refere-se expressamente à federação de grémios ou sindicatos nacionais existentes na província.
Dentre as funções especiais não focadas na generalidade merecem referência, com alguns pequenos reparos, as dos n.os 3.º e 6.º
Pela proposta de lei o n.º 3.º tem a seguinte redacção:
Estabelecer acordos com os diferentes serviços do Estado e com os organismos e instituições de previdência social e assistência particular que facilitem a plena realização dos fins das Casas fio Povo.
É sem dúvida uma das funções importantes. Será talvez aquela onde mais se fará sentir a necessidade de uma acção federativa.
Neste período de pulverização de instituições e de serviços de finalidade social a actuarem sem uma coordenação eficaz, mas todos batendo à porta do Estado a pedir subsídios, cujas avultadas importâncias têm vindo a aumentar
consideravelmente, esta competência marca um bom prenúncio d« acordo com organizações afins. E preciso que a acção dispersava em extensão, aflorando todos os problemas, ma
Associando-se as Casas do Povo nas federações, para melhor desenvolverem a sua finalidade de previdência o assistência, de cultura e recreio dos trabalhadores do campo, está indicado que, em vez de se criarem serviços novos com desperdício de recursos, se aproveitem tanto quanto possível os existentes, onde quer que se encontrem, por meio d« acordos a estabelecer.
Ainda ultimamente, por acordo estabelecido entre a Junta Central das Casas do Povo e os Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência, se fixaram as bases gerais para melhor aproveitamento de instalações e serviços, a que devem obedecer os acordos a celebrar entre aquela Federação e cada uma das Casas do Povo interessadas. Os seus benefícios de acção médico-social são já apreciáveis. Neste domínio, como em muitos outros, o regime de acordos poderá multiplicar-se por influência das federações.
Entre as várias atribuições das câmaras municipais e das juntas de província contam-se as de cultura e assistência, de salubridade pública e de fomento e coordenação económica, que poderão interessar às federações das Casas do Povo, e por isso se considera vantajoso incluir na autarquia* locais na redacção do n.º 3.º
Passemos agora ao n.º 6.º:
Este número contém uma novidade da mais palpitante oportunidade e profunda projecção social.
Pela primeira vez se atribuem ao rural algumas facilidades para construir a sua casa.
Tem a virtude de interessar o próprio trabalhador no quadro íntimo da família, para que esta, aquecida numa lareira que é propriedade sua. se fortaleça de dignidade e- amor, tomo fundamento de uma sociedade em paz social.
Enraizarem-se as famílias nus caboucos que elas próprias abrem, ainda que com sacrifício, para erguerem as paredes com o fruto do seu trabalho, é assegurar a fonte inesgotável da solidariedade humana, que a nossa verdadeira política de justiça social, que está na essência do regime corporativo, jamais deixará de proteger e alentar.
Temos de sincronizar o conteúdo deste número com o da base I do projecto de proposta de lei n.º 523, sobre «Cooperação das instituições de previdência e das Casas do Povo na construção de habitações económicas», também em estudo nesta Câmara.
Por esta base são facultados empréstimos às Casas do Povo para construção do habitações destinadas aos seus sócios efectivos. E permite às Casas do Povo e suas federações a construção do habitações em regime de propriedade resolúvel, de casas de renda económica e empréstimos aos beneficiários para estes promoverem a construção ou beneficiação das suas habitações.
Donde resulta que a iniciativa conferida às federações não visa apenas a construção de casas de renda acessível.
Esta grande iniciativa, traduzida apenas num pequeno número do uma base. pode ser o grau de mostarda ou fermento de que nos fala o Evangelho paru que se multipliquem as habitações rurais.
BASE VI
21. Esta base é a continuação da anterior no que respeita à competência das federações. Visa levar alguns dos fins das Casas do Povo às áreas ainda não abrangidas por estas, como acto de justiça para com o trabalhador e como estímulo para o objectivo máximo, que será o da criação de Casas do Povo.
Nada há a opor ao princípio estabelecido na base o até merece salientar-se que a forma encontrada pelo Governo foi a mais prudente, pois poderia ter adoptado uma outra mais radical, defendida por muitos, que era obrigar-se ao pagamento das respectivas quotizações sem haver lugar a benefícios enquanto não tivessem Casa do Povo revertendo as receitas para o Fundo Comum. Levaria à criação de Casas do Povo em molde puramente materialista, quando o essencial para a sua perpetuidade é o espírito que as deve animar, e esse só irá florescendo pela persuasão de um ambiente esclarecido em resultado de preparação adequada.
Na generalidade levantámos a objecção de não ser conveniente a intromissão das federações nas áreas onde existem Casas do Povo sem ser por intermédio ou em colaboração com estas, como se deduz das palavras «mesmo» e «realização directa» da base.
A redacção parece mostrar algumas deficiências, dizendo: «poderá ser permitido», quando «poder» encerra já a ideia de permitir, e no n.º 2 «pura efeitos do disposto no corpo desta base», quando o corpo da base é constituído por todos os números da base.
BASE VII
22. Nada a observar.
BASE VIII
23. Em face da orgânica actual da Casa do Povo, nada há a objectar. NO entanto, É de evitar que dos órgãos administrativos da federação façam parte pessoas estranhas aos organismos federados, e nesse sentido propõe-se unia alteração a esta base.
Simultaneamente é de sugerir o seguinte: quando as Casas do Povo tenham as suas direcções constituídas totalmente por sócios contribuintes, não haverá necessidade senão de um representante no conselho da federação. Se nas direcções houver algum sócio efectivo, deverá este acompanhar qualquer dos presidentes. Tudo isto para assegurar a representação dos trabalhadores por algum sócio efectivo que ocupe qualquer lugar nos corpos gerentes das Casas do Povo.
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BASE IX
24. Em complemento das ideias expostas no breve comentário à base anterior, e tendo em atenção os princípios da autenticidade da representação, considera-se indispensável que na direcção da federação haja, pelo menos, um trabalhador rural.
Nesta orientação, propõe-se que seja alterada a base IX.
BASE X
25. Nada há a objectar.
Para se avaliar da grandeza do encargo com a previdência e assistência das Casas ido Povo, bastará indicar o seu movimento em 1955, que foi o seguinte:
[ver tabela na imagem]
(a) Sócios e familiares.
Ainda recentemente, só para invalidez e outros fins de previdência e assistência, o Fundo 'Comum das Casas do Povo distribuiu para o ano corrente pequenas comparticipações, que totalizam 578C contos.
Todas as receitas são poucas para cobrir as 'despesas com a previdência de assistência do trabalhador rural.
Quando as Casas do Povo realizarem plenamente o seguro social do trabalhador do campo, maiores verbas serão necessárias.
A lavoura não pode suportar tão elevado encargo, e nem seria justo, nesta conjuntura da Nação, como unidade económica.
Os acordos celebrados ultimamente, fundados em estudos efectuados pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, vão ajustando a quotização dos contribuintes, de modo que o encargo social se reparta pela lavoura em bases equitativas.
Idêntica revisão se impõe para as taxas que incidem sobre os produtos agrícolas, que constituem a receita, do Fundo Comum das Casas do Povo, na realização dos seus fins, especialmente os de previdência..
Fixadas em reunião do Conselho Corporativo de 26 de Novembro de 1946, não mais tiveram qualquer actualização, sendo a sua receita anual cerca de 10 000 contos.
São pequeninos factores que incidem sobra o trigo, vinho, arroz, resina, lã, azeite, cortiça, frutas e batata, feijão e grão, madeiras e lenha e carvão vegetal, aplicados aios termos do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 30 710, alguns dos quais sobre as taxas cobradas para a sustentação dos organismos de coordenação económica.
Assim, como em última análise quem paga uma parte da previdência do operário e empregado, já numa fase adiantada, é o consumi dor, reata sabei qual a quota-parte que cabe à gente agrícola, que constitui a maior parte da população. E justo que a solidariedade económica, aliás inseparável, sirva também para faz-se chegar ao trabalhador do campo alguns recursos, que, no fundo, talvez sejam apenas uma modesta compensação do que lhes pertence. Não só é consumidor, como também produtor dos géneros essenciais à vida de que n colectividade usufrui, com preços que não partem do salário justo ao rural.
A inovação de comparticipações do Fundo Nacional do Abono de Família, como de quaisquer outros, para as federações de Casas do Povo, que esta base prevê, ó de inteira justiça social. A mesma doutrina foi expendida no despacho ministerial de l de Maio de 1955, revigorada agora para o concreto pelo n.º 4.º da bastem apreciação.
BASE XI
26. Nada a objectar. No entanto, sugere-se ao Governo que as Casas do Povo tenham mais isenções que as actuais, principalmente, na parte que respeita à sua actividade educativa e recreativa.
III
Conclusões
27. A Câmara Corporativa, tendo em atenção as considerações gerais e especiais produzidas no decorrer deste parecer, entende ser de aprovar a proposta de lei do Governo, com a seguinte redacção (destacando-se em itálico as alterações sugeridas):
BASE I
As Casas do Povo podem agrupar-se em federações, cuja constituição, atribuições o funcionamento se regulam pelo presente diploma.
BASE II
As federações são organismos corporativos intermediários da corporação e gozam de personalidade jurídica.
BASE III
As federações serão constituídas a requerimento das Casas do Povo interessadas ou mediante proposta da Corporação da Lavoura e reger-se-ão por estatutos aprovados pelo Ministro das Corporações e Previdência Social.
BASE IV
As federações terão, em regra, âmbito distrital. Sempre que as circunstâncias o aconselhem, permitir-se-á a constituição no distrito de duas ou mais federações, bem como a constituição de federações provinciais.
As federações poderão incluir áreas afins, estranhas no distrito ou à província.
BASE V
São atribuições das federações:
1.º Representar as Casas do Povo nos conselhos das corporações;
2.º Exercer as funções políticas conferidas por lei, incluindo os que pertencem às federações de grémios ou de sindicatos nacionais;
3.º Colaborar, nos termos da legislação vigente e dentro da esfera da sua competência, na execução das medidas tendentes à formação do espírito social e do consciência corporativa ;
4.º Coordenar a actividade das Casas do Povo federadas;
5.º Promover a constituição, o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das Casas do Povo;
6.º Estabelecer acordos com os diversos serviços do Estado, as autarquias locais, os organismos e instituições de previdência social e assis-
1 V. Boletim do Instituto Nacional ao Trabalho e Previdência, (...) XXII, n.º 10, pp. 220 a 224.
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tência particular que facilitem a plena realização dos fins das Casas do Povo;
7.º Fomentar a criação e o desenvolvimento dos serviços sociais corporativos e do trabalho, previstos na Lei n.º 2085, de 17 de Agosto de 1956;
8.º Negociar com as federações de grémios da lavoura convenções colectivas de trabalho quando se reconheça a sua manifesta conveniência;
9.º Estudar os problemas relativos ao trabalho agrícola, por si ou em colaboração com as federações dos Grémios da lavoura;
10.º Tomar a iniciativa ou colaborar na execução de providências que visem a construção de casas (...) para trabalhadores ou a beneficiação das suas habitações.
BASE VI
1. Sempre que circunstâncias especiais o aconselhem, poderão as federações ser incumbidas da realização de objectivos assinalados por lei às Casas do Povo fora das áreas abrangidas por estes organismos.
2. Aos produtores agrícolas e aos trabalhadores rurais, ou a estes equiparados, das freguesias onde não haja Casas do Povo poderá, para efeitos do disposto no número anterior, ser atribuída a qualidade de sócios contribuintes ou efectivos das Casas do Povo.
3. A equiparação a sócio contribuinte e a fixação das quotas para as diferentes classes serão feitas por acordo entre a federação e o correspondente grémio da lavoura ou, na falta de acordo, por deliberação da Corporação da Lavoura.
BASE VII
As federações têm como órgãos administrativos o conselho da federação e a direcção.
BASE VIII
O conselho da federação é formado pelos presidentes da assembleia geral e da direcção de todas as Casas do Povo federadas, competindo-lhe especialmente eleger. de entre os sócios dos organismos federados, o seu presidente e o seus secretários, bem como os membros da direcção, apreciar e votar o orçamento de cada exercício, examinar e discutir as contas e o relatório anual e emitir parecer sobre todos os assuntos que lhe sejam submetidos pela direcção.
BASE IX
1. A direcção da federação é composta por três membros - presidente, secretário e tesoureiro -, um dos quais, pelo menos, será sócio efectivo de alguma das casas do Povo federadas.
2. Compete especialmente à direcção representar n federação em juízo e fora dele, apresentar anualmente ao conselho da federação a proposta orçamental, assim como o relatório e as contas da gerência, e praticar todos os actos e tomar todas as resoluções conducentes à realização dos fins do organismo.
BASE X
1.º Constituem receitas das federações:
1.º As contribuições das Casas do Povo federadas, nos termos que vierem a ser estabelecidos;
2.º As contribuições dos produtores agrícolas e dos trabalhadores rurais de zonas ainda não abrangidas por Casas do Povo, nos termos do disposto nos n.os l e 2 da base VI;
3.º Os subsídios provenientes do Fundo Comum das Casas do Povo ou de quaisquer outros fundos com objectivos sociais;
4.º As comparticipações destinadas à protecção e defesa da família nos meios rurais que lhes sejam atribuídas pelo Fundo Nacional do Abono de Família;
5.º Os subsídios do Estado e doutras entidades públicas ou particulares;
6.º Os juros das importâncias capitalizadas;
7.º Quaisquer outros rendimentos previstos por lei.
2. Compete ao Ministro das Corporações e Previdência Social fixar, por despacho, o montante das comparticipações previstas no n.º 4.º do número anterior.
BASE XI
São garantidas às federações todas as regalias e isenções de que beneficiam as Casas do Povo (...).
Palácio de S. Bento, 28 de Março de 1957.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
Guilherme Braga da Cruz.
José Pires Cardoso.
António Monteiro de Albuquerque.
Fernando Pais de Almeida e Silva.
Francisco de Barros.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Rino de Avelar Fróis.
Luís Manuel Fragoso Fernandes.
Manuel Fernandes de Carvalho.
Orlando Ferreira Gonçalves.
Patrício de Sousa Cecília.
Quirino dos Santos Mealha, relator (vencido quanto a atribuir-se à Corporação da Lavoura a competência para deliberar no caso da falta de acordo entre a federação e o correspondente grémio da lavoura, a que se refere o n.º 3 da base VI, pelos seguintes fundamentos:
1.º Não se justifica um regime díspar do que está actualmente em vigor para as Casas do Povo (§ 4.º do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 30 710, de 29 de Agosto de 1940);
2.º Porque, sendo uma providência de excepção para efeitos de fomentar a criação de Casas do Povo com a realização de objectivos destas nas áreas ainda não abrangidas por si, não terá tanto efeito prático na fase actual do nosso corporativismo;
3.º A existirem várias corporações da agricultura, não se fica sabendo qual delas compete decidir;
4.º Não se enquadra no espírito da competência atribuída às corporações pela base v da Lei n.º 2086, de 22 de Agosto de 1956. Quando muito, dada a preocupação da tendência para a pureza dos princípios corporativos, talvez fosse prudente atribuir competência à Corporação da Lavoura apenas para ser ouvida ou propor e não para deliberar em matéria que, por ora, ainda deve estar confiada ao Governo).
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA