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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 204
ANO DE 1957 24 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VI LEGISLATURA
SESSÃO N.º 204, EM 23 DE ABRIL.
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs. José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Alberto Pacheco Jorge
Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 184, inserindo o parecer da Comissão das Contas Públicas da Assembleia Nacional acena das Contas Gerais do Estado de 1955 (ultramar).
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 201, 202 e 203 do Diário das Sessões. Quanto ao n.º 201, com uma rectificação do Sr. Deputado Augusto Cancella de Abreu.
Leu-se o expediente.
Receberam-se na Mesa, para os efeitos do § 3.º do artigo 100.º da constituição, os n.os 81. 82, 83, 84, 85 e 87 do Diário do Governo, inserindo diversos Decretos-Leis.
Receberam-se igualmente na Mesa os elementos fornecidos pelos Ministérios do Ultramar, Interior, Economia e Finanças em satisfação de requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Águedo de Oliveira, Ricardo Durão e Pinto Barriga.
Recebeu-se ainda um oficio da Presidindo do Conselho, informando que S. Ex.mo Presidente do Conselho autorizara o Ur. Deputado Pinto Barriga a consultar a- documentação referida no requerimento que apresentou, na sessão de 9 do corrente.
Foi dado conhecimento à Câmara de um requerimento enviada n Mesa pelo Sr. Deputado Pinto Barriga.
Foi lida na Mesa a exposição enviada pelo Sr. Ministro da Justiça acerca de um aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Tito Arantes.
Usaram da palavra os Srs.. Deputados Azeredo Pereira, sobre a venda de especialidades farmacêuticas; Calheiros Lopes, acerca da projectada ligação rodoviária e ferroviária entre as duas margens do Tejo; Pereira Jardim, que se referiu a, problemas de interesse para Moçambique; Sá Linhares, para se congratular com as diversas realizações recentemente levadas a efeito nos Açores: Santos Bessa. sobre assuntos de interesse para o distrito de Coimbra, e Tito Arantes, para se referir a, problemas ligados à situação dos magistrados e funcionários judiciais.
Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na generalidade das Contas Gerais do Estado, da metrópole e do ultramar, e da Junta do Crédito Público relativas a 1955.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Araújo Correia e Vás Monteiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Proença Duarte.
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Augusto Cancella de Abreu.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Sousa Machado.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José dos Santos Bessa.
José Yenâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.os 201, 202 e 203 do Diário das Sessões.
O Sr. Augusto Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: no Diário das Sessões n.º 201, a p. 617, col. 2.ª, a minha interrupção ao «Orador» está deslocada, com prejuízo do seu significado ou alcance. De facto, ela teve lugar imediatamente após a expressão «sem qualquer sombra de má fé», que se encontra quatro linhas acima.
Trata-se duma reacção minha ou impulso espontâneo, que perderia o valor se tivesse levado tanto tempo a formulá-lo.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero os referidos números do Diário das Sessões aprovados com a rectificação apresentada.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Exposição
Da Câmara Municipal de Guimarães acerca da criação dum tribunal do trabalho naquela cidade.
Oficio
Da Câmara Municipal de Mora acerca da intervenção do Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho sobre o estado actual das estradas nacionais no distrito de Évora.
Telegramas
Vários a propósito do projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Moreira na sessão de 10 do corrente.
O Sr. Presidente: -Enviados pela Presidência do Conselho, e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.os 81, 82, 83, 84, 85 e 87 do Diário do Governo, 1.ª série, de 9, 10, 11, 12, 13 e 16 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.os 41 059, 41 060, 41 062, 41 066, 41 067, 41 069, 41 070 e 41 073.
Estão na Mesa os elementos de informação respeitantes à província de Angola fornecidos pelo Ministério do Ultramar em satisfação do requerimento apresentado na sessão da Assembleia Nacional de 6 de Abril de 1956 pelo Sr. Deputado Águedo de Oliveira; os elementos fornecidos pelo Ministério do Interior em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Ricardo Malhou Durão na sessão de 11 de Março findo; os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 22 de Fevereiro último pelo Sr. Deputado Pinto Barriga; as informações prestadas pelo Ministério das Finanças e os elementos fornecidos pelo Ministério do Ultramar em satisfação do requerimento apresentado pelo mesmo Sr. Deputado na sessão de 26 de Março findo.
Estes elementos vão ser entregues aos Srs. Deputados referidos.
Está ainda na Mesa um ofício da Presidência do Conselho informando que S. Ex.ª o Presidente do Conselho se dignou autorizar a consulta da documentação referida pelo Sr. Deputado Pinto Barriga no requerimento apresentado em sessão de 9 do corrente.
Foi dado conhecimento ò Câmara de um requerimento enviado à Mesa pelo Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Presidente:-Está na Mesa, enviada pelo Sr. Presidente do Conselho, a informação prestada pelo Sr. Ministro da Justiça sobre o assunto do aviso prévio do Sr. Deputado Tito Arantes.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Azeredo Pereira.
O Sr. Azeredo Pereira: -Sr. Presidente: sem ter a veleidade de apresentar um trabalho de fôlego, sem
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preocupações de trazer a esta Casa um estado profundo de características cientificas ou técnicas, para o qual, ai de mim, me faltam os necessários recursos e a preparação adequada, permito-me, porém, tratar, embora perfunctoriamente, de um problema de autêntico interesse público que vem sendo objecto de instantes reclamações e de reiteradas queixas e para o qual é urgente encontrar a solução conveniente.
As ligeiras considerações que vou fazer têm apenas valor e sentido representativos e coadunam-se perfeitamente com as funções essenciais de uma assembleia política, e não técnica, como é a Assembleia Nacional.
É a nós, Deputados, que falamos em nome da Nação, que compete trazer até aqui as justas reclamações dos povos, os seus legítimos anseios, o seu sentir e o seu licito desejo de bem-estar e de felicidade.
Sr. Presidente: o problema genuinamente nacional que vou abordar é de extraordinária importância e de superior interesse e situa-se entre os que mais caros são ao meu espirito e ao meu coração: diz respeito à saúde pública, a que o Governo, com a mais alta compreensão e com os mais elevados propósitos, tem dedicado um esforço notável,, traduzido em belas, úteis e frutuosas realizações.
E se é certo que neste sector muito há ainda que fazer, sobretudo nos meios rurais, é justo dar público louvor e agradecer ao Governo, e de um modo especial aos Srs. Ministro do Interior e Subsecretário da Assistência Social, tudo quanto há longo tempo já vêm fazendo em prol da saúde do povo português.
Sr. Presidente: o nosso pais continua a sofrer de uma enorme invasão de novos medicamentos especializados, uns em desfavor da economia nacional, vindos de fora, outros oriundos da produção nacional.
Assiste-se a uma verdadeira avalancha de medicamentos, grande parte dos quais deficientemente ensaiados e de hipotético interesse terapêutico.
Verifica-se uma produção desordenada e sem limites, invadindo o mercado farmacêutico com medicamentos desnecessários e dispensáveis.
Este «fenómeno» parece ser de ordem geral, pois, recentemente, num congresso de farmacêuticos alemães foi demonstrado que, entre 25 000 especialidades médicas registadas naquele país, 8000 bastavam para as necessidades da população.
A industrialização do medicamento prevalece sobre a manipulação, consequência fatal e inexorável dos novos tempos, das novas ideias, dos novos costumes, da evolução da vida, enfim.
A farmácia passou a ser apenas a intermediária entre o produtor e o consumidor e o farmacêutico deixou de ser o profissional manipulador competente e sério, baixando no conceito do público.
Sem, de nenhum modo, pretender defender a limitação à actividade dos sábios biologistas e químicos e dos técnicos fabricantes de medicamentos, pois nunca é de mais encarecer e louvar o seu meritório esforço na procura do remédio ideal para todas as doenças, afigura-se--nos vantajoso e conveniente que antes de postos à venda e receitados se averigúe do seu estado de conservação, do grau da sua eficácia e da sua composição.
Assim, parece-nos, se evitaria, em beneficio da economia nacional, a importação de medicamentos iguais ou inferiores aos já existentes e o investimento de capitais para a sua aquisição por parte dos farmacêuticos, pondo-se termo a dispêndios inúteis com produtos farmacêuticos ultrapassados e fora de moda, e poupar-se-ia ao doente um enorme dispêndio para o mesmo fim com medicamentos iguais ou semelhantes, numa profusão interminável.
É que, Sr. Presidente, o factor psicológico impera extraordinariamente.
O doente é facilmente sugestionável; confia nas virtudes que o medicamento diz possuir e para obter a cura ou ao menos alívio para os seus padecimentos adquirirá, se isso lhe for materialmente possível, todos os medicamentos que lhe apontem como conducentes à melhoria da sua saúde.
Do desenvolvimento da indústria de medicamentos e da concorrência sem limites entre os seus produtores e fabricantes deveria resultar a melhoria de qualidade, por maneira a fazer baixar a entrada de medicamentos estrangeiros e a diminuir o seu custo, de modo a poderem ser adquiridos por todos os doentes, mesmo os de mais baixos recursos.
Assiste-se, porém, no nosso pais, a esta realidade lamentável:
Procura-se provocar um maior consumo de medicamentos, tem-se como fim exclusivo o de vender mais para pagar mais salários e evitar o desemprego, e o resultado é o medicamento nacional ser batido pelo medicamento estrangeiro, que é preferido não só pela sua superior qualidade como até pelo seu preço.
O relatório da direcção da Associação Industrial Portuguesa do ano de 1954 diz-nos que «de 1945 até 1953 o número de embalagens nacionais seladas passou de 7 966 221, para ascender a 16 177 967, ou seja sensivelmente para o dobro; as estrangeiras ascenderam de 2 643 923 a 11 804 379, o que corresponde a cerca de quatro vezes e meia. Estes simples elementos, conjugados com o valor absoluto das especialidades estrangeiras vendidas -302:758.140;$ em 1953-, reflectem claramente os aspectos de gravidade que toma no mercado português a concorrência dos produtos estrangeiros, sobretudo se «e considerar quanto os nacionais entre si assumem já, por vezes, feição excessiva».
Sr. Presidente: o Decreto n.º 39 633, de 5 de Maio de 1954, para além da alta finalidade de servir e defender os interesses da saúde pública, tem como principal objectivo a repressão da produção desordenada e defeituosa dos medicamentos especializados, e por via dele só serão autorizados os medicamentos verdadeiros.
Aguarda-se, porém, a regulamentação deste diploma legal, o que vem agravando a questão em causa, não obstante a suspensão de autorização de novos medicamentos especializados ordenada pela Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos.
É de inadiável urgência, pois, impor condições à produção desta indústria, publicando um regulamento pelo qual se fixem normas destinadas a impedir que se fabriquem e ponham à venda medicamentos com denominações impróprias, produtos iguais com os mais fantasiosos nomes, artigos farmacêuticos insuficientemente observados para averiguar da sua estabilidade e conservação, etc.
O que se está passando neste sector da saúde pública com medicamentos especializados de eficácia ainda não inteiramente comprovada e outros, de composição conhecida, a que se atribuem virtudes terapêuticas que de facto não possuem -como é afirmado por técnicos abalizados e competentes -, e que conseguem impor-se por virtude de uma propaganda cara e desprovida de qualquer base cientifica, não deve continuar; as consequências que deste estado de coisas derivam para as farmácias, pletóricas de medicamentos similares para satisfazerem as exigências do receituário, o que representa um dispêndio de capitais incomportável para a maior parte dos seus proprietários, sem que dal advenha beneficio algum para o doente, devem cessar de vez; o que se está verificando com as amostras clínicas fornecidas gratuitamente à classe médica para ensaios parece não atingir qualquer finalidade e encarece o custo do medicamento, além de que se lhe atribui uma função distribuidora que lhe não pertence.
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Tudo quanto sucintamente exponho e o mais, em pormenor, que foi já representado ao Governo pelo Sindicato Nacional dos Farmacêuticos levam-me a solicitar, deste lugar, a publicação do tão desejado e há tão longo tempo esperado regulamento.
Exijam-se, como na Itália, ao pedido de autorização para produzir ou pôr à venda especialidades farmacêuticas todos os pormenores possíveis sobre a composição do produto e sua acção terapêutica, apresentando-se justificação cabal sobre o preço de venda ao público, e recuse-se autorização por razoes de natureza cientifica ou quando existam no mercado nacional medicamentos similares em número suficiente.
O produto especializado só deverá ser autorizado e posto à venda quando apresentar originalidade e aspectos novos.
Assim se obterá, parece-nos, maior confiança, um mais profundo bem-estar e uma mais perfeita justiça neste importante sector da vida nacional.
Sr. Presidente: o ponto crucial do problema, porém, o aspecto de maior acuidade que ele reveste, afigura-se-nos estar no preço de venda ao público.
A industrialização dos medicamentos e a forte concorrência entre os produtores parece que deviam levar ao seu barateamento, mas verifica-se precisamente o contrário.
Os poucos manipulados que ainda, porventura, existam são incomparavelmente de mais baixo preço.
A clássica lei da oferta e da procura parece não ter aplicação a este sector económico.
A carestia dos medicamentos, sobretudo das especialidades farmacêuticas, embora tendo sofrido já algumas pequenas baixas, mantém-se e perdura.
O custo de uma grande parte dos medicamentos torna-se incomportável não só para as classes pobres como também para as remediadas, e certas especialidades só gente muito rica as pode adquirir.
As diferenças entre o custo originário do produto e o de venda ao público são consideráveis e vultosas, mesmo tomando em linha de conta os valores atribuídos a propaganda, embalagem, selo, investigação científica e intermediários.
E nem o facto de se objectar que os medicamentos são os únicos produtos que não têm acompanhado a subida do custo dos géneros e artigos de primeira necessidade, antes pelo contrário, destrói a realidade insofismável da sua grande carestia.
Se na verdade assim é, é porque os preços dos medicamentos ainda caros foram anteriormente excessivamente altos.
Impõem-se medidas destinadas ao barateamento dos remédios, de maneira a evitar a ruína económica de um certo número de famílias que têm a infelicidade de um ou mais dos seus componentes adoecerem gravemente e a facilitar o tratamento e muitas vezes obter a cura e salvar a vida de quem não dispõe de recursos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-A fixação de preços e a sua manutenção em limites razoáveis não deverão abranger apenas os produtos agrícolas e os artigos de primeira necessidade: deverão também estender-se a todos os produtos farmacêuticos essenciais à vida e à saúde das populações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Para além da diminuição dos impostos ou taxas, existem, com certeza, outros meios, que se torna necessário pôr em prática, destinados a fazer baixar substancialmente o preço dos produtos farmacêuticos.
O que se gasta com propaganda e embalagens pode e deve ser consideravelmente reduzido. Os inconvenientes deste sistema, entre os quais figura o precioso tempo que fazem perder à classe médica, são certamente superiores às suas vantagens.
O uso da amostra gratuita para ensaio clínico para os produtos que venham a ser aprovados pela entidade competente, que contribui para onerar o seu custo, deverá ser, afigura-se-nos, abolido.
A aprovação do medicamento para a sua aplicação e venda ao público deverá constituir garantia bastante para o fazer acreditar junto da classe médica.
A venda directa, por parte dos laboratórios, de embalagens reservadas aos hospitais, casas de saúde, caixas de previdência, companhias de seguros, etc., por preços inferiores àqueles por que são vendidas às farmácias, não virá também afectar o custo de venda ao público?
Sr. Presidente: este problema, que interessa de um modo geral à totalidade do Pais, é de grande magnitude e de suma importância, sobretudo para as classes desprovidas de recursos e para as instituições de assistência, que têm como principal finalidade combater a doença e defender a saúde pública e vêem a sua benemérita acção coarctada por não possuírem meios financeiros ajustados a tão largo dispêndio.
Confiemos em que o Governo, sempre atento aos interesses nacionais, conhecedor profundo do problema em causa e realizador esforçado da justiça social e do bem comum, saberá encontrar a solução justa.
Tenhamos esperança.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Calheiros Lopes: - Sr. Presidente: poucos factos terão despertado ultimamente tão unânime e confiante satisfação numa parte importante da população do País como a notícia, publicada na imprensa há poucos dias, de ter sido entregue ao Governo o relatório da comissão encarregada de proceder ao estudo das ligações rodoviárias e ferroviárias entre Lisboa e a margem sul do Tejo.
Fora essa comissão nomeada por portaria de 16 de Junho de 1953, subscrita pelos Srs. Ministros das Obras Públicas e das Comunicações - personalidades ilustres de estadistas e técnicos de engenharia e que ao País têm prestado relevantíssimos serviços. E isso, entre outros motivos de geral satisfação, dá-nos, quanto ao caso a que me estou referindo, a segurança da continuidade na realização duma obra que vive há largos anos no espírito dos povos do Sul do País como um sonho que só a Administração actual pode transformar em realidade.
Percorrida a primeira etapa, ultimados os estudos, necessariamente difíceis, morosos e de enorme responsabilidade - estudos que, evidentemente, não conhecemos, mas de que nos é garantido o valor pela competência dos categorizados técnicos que constituem a comissão -, cujo relatório se encontra em mãos do Governo, temos absoluta confiança em que este, dentro em breve, dará o segundo passo no caminho a percorrer, escolhendo, com a alta visão do interesse nacional que tem presidido à obra de fomento já realizada, de entre as soluções estudadas a que for mais adequada.
De facto, qualquer que seja a solução adoptada, o objectivo último -a ligação fácil, rápida e cómoda, sem os entraves e demoras actuais da travessia do rio, entre Lisboa e Almada ou Cacilhas - representará uma das mais importantes e úteis obras que ficaremos devendo ao Estado Novo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador:-Como Deputado, trazido a esta Assembleia pela honrosa confiança do distrito de Setúbal, sinto-me no dever de exprimir os sentimentos que animam as populações de toda essa vasta e activa região agrícola e industrial perante mais a prova que acaba de nos ser dada do espirito de realização com que o Governo encara o importante melhoramento. Mas ainda que não me sentisse por esses laços - digamos, locais- interessado por esto ingente problema das ligações da capital com a margem sul, julgo que não deixaria de lhe votar igual consideração e empenho. Na verdade, essa ligação de Lisboa com a margem fronteira ultrapassa o valor dum problema local e situa-se, sem a menor dúvida, no plano dos problemas nacionais.
Não está apenas em jogo a facilidade de deslocação quotidiana à capital -e isso seria já importantíssimo -as dezenas de milhares de pessoas que habitam já hoje os grandes centros urbanos que se estuo formando em toda a zona dos concelhos do Seixal e Almada; trata-se também de facilitar as ligações com o Sul do Pais - os distritos de Setúbal, Évora, Beja e Faro - e com o próprio Sul de Espanha, hoje utilizando o deficiente serviço fluvial Lisboa-Barreiro e Lisboa-Cacilhas.
E trata-se ainda, e talvez principalmente, de contribuir da forma mais aconselhável para a solução de um problema a que já aqui tenho feito alusão e que considero de enorme importância: o descongestionamento, a descentralização dos blocos industriais concentrados demasiadamente em redor da capital. Julgo de toda a conveniência substituir essa tendência de localização centrípeta por um movimento de relativa dispersão desses blocos fabris, desde que as comunicações rodoviárias, ferroviárias, fluviais e até de canais navegáveis se tornem mais fáceis e económicas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Militam a favor dessa descentralização razões de defesa nacional e vantagens relevantes de ordem social.
Se hoje estamos já vendo erguer-se, e em constante desenvolvimento, nas colinas da outra margem um importantíssimo aglomerado populacional, onde, apesar das dificuldades da travessia do rio, vivem cerca de 50 000 pessoas, na sua grande maioria com ocupações em Lisboa, que sucederá, que imensas proporções assumirá essa expansão urbanística, quando toda a bela região que se estende de Cacilhas e Almada ao Seixal e à Caparica estiver ligada à capital por vias rodoviárias e caminho de ferro que a distanciem do centro de Lisboa apenas uns escassos minutos?!
Realizada essa velha aspiração dos povos ao sul do Tejo, veremos frente a Lisboa os montes hoje áridos e nus da outra margem vestirem-se da magnífica decoração constituída pelas modernas avenidas, os belos bairros residenciais, rodeando o imponente monumento a Cristo-Rei que se ergue já no alto de Almada, a atestar perante os vindouros a fé eterna dos Portugueses e o espírito empreendedor da época actual.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Mas junto a esses bairros residenciais, atrevo-me a prever - e permito-me mesmo confiar - que se situarão blocos fabris e centros-comerciais que ocupem e fixem grande parte da população local, como o indica o interesse económico e social.
De facto, se continuar a verificar-se a utilização apenas com fins residenciais desse prolongamento da capital que vai ser a outra margem, e se se mantiver a deslocação diária para Lisboa de milhares e milhares de empregados comerciais e operários, não é difícil prever, dentro de dez ou vinte anos, a insuficiência das novas vias que vamos criar. E, nessa altura, chegaremos à conclusão de que se torna necessária mais uma ponte ou mais um túnel...
Para evitar esse presumível congestionamento do tráfego, além de outras não menos importantes razões, parece absolutamente essencial imprimir ao natural desenvolvimento das indústrias que tendem a instalar-se nas vizinhanças da capital a evolução centrífuga a que me refiro. Assim, a nova Lisboa que virá a erguer-se na outra margem contribuirá para aliviar a velha urbe da aglomeração de gente e do tráfego que já hoje a oprime, susceptível de aumentar seriamente com o progresso económico que o futuro próximo nos trará.
Dentro do mesmo pensamento, visiono semelhante instalação de serviços e de tráfego do porto de Lisboa na margem sul. Ligadas por estrada e caminho de ferro, através da ponte ou túnel, as duas margens, é de admitir que parte do movimento portuário poderá ser efectuado na margem sul, ainda que tenhamos de alargar, perfurando os morros estendidos de Cacilhas à Trafaria, o espaço hoje disponível na beira-rio.
Nesta época, caracterizada pelo grande impulso dado à economia nacional, não podemos ficar indiferentes à ideia, que toma forma, da abertura do canal Tejo-Sado, cujo anteprojecto já está em poder da Comissão Técnica das Zonas Francas e prevê a ligação da região do Montijo com a da Mitrena, no belo porto de Setúbal. Essa realização poderá ter uma grande influência na valorização da região entre os dois rios, para a qual pode prever-se um largo futuro económico. A zona franca comercial do porto de Lisboa, cujo estabelecimento está previsto na margem esquerda do Tejo, e a zona franca industrial do porto de Setúbal, para a qual tem excepcionais condições a margem esquerda do Sado, constituirão um conjunto económico viável se forem interligadas por uma via navegável segura, de circulação fácil e de tráfego barato.
Estamos, aliás, em face duma obra prevista há quase duzentos anos, datando, ao que parece, de 1782 a primeira sugestão para a abertura deste canal, sugestão que deve ter sido influenciada pelo início, em Espanha, em 1753, do canal de Castela, que veio a ligar Alar-del-Rey com Valhadolid, por Falência.
Em 1918 foi novamente sugerida a conveniência da construção desta via de comunicação entre o Tejo e o Sado, tendo procedido ao seu estudo o distinto Eng. Ramos da Costa.
Os terrenos que o canal Tejo-Sado atravessaria, nos aproximadamente 28 km da sua extensão, são pobres e neles predomina o regime da grande propriedade, pelo que a expropriação duma faixa de 500 m ao longo dessa via navegável não traria quaisquer dificuldades de ordem social. A valorização destes terrenos, especialmente os chamados terrenos baixos, seria suficiente para amortizar metade do custo do canal. E os terrenos limítrofes a esta via navegável seriam óptimos para o estabelecimento de indústrias.
A estimativa desta obra, que será do maior interesse considerar no novo Plano de Fomento, é da ordem dos 200000 contos, importância modesta se tivermos em conta a projecção que ela teria na economia nacional. O rendimento do tráfego do canal, de um volume avaliado em 660000 t anuais -volume excepcional, logo de começo, para a primeira via navegável interior portuguesa-, permitiria fazer face à sua conservação e reintegrar em sessenta anos o capital despendido com a sua execução, sem contarmos com a valorização dos terrenos marginais, que tornaria possível diminuir para trinta anos o prazo da mesma reintegração.
Por tudo isto, Sr. Presidente, me permiti afirmar o alcance supra-regional e verdadeiramente nacional das
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obras que os nossos pais sonharam e que, devemos confiar, a nossa geração verá ainda realizadas.
São garantia segura disso o interesse que dedicam a estes importantes melhoramentos os Srs. Ministros das Obras Públicas e das Comunicações, que à grandiosa obra de fomento levada a cabo nos últimos anos por todo o País tão valiosa contribuição têm dado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-E constituí, acima de tudo, penhor da nossa inteira confiança, nesse como em todos os sectores governativos, a superior orientação, o espirito de continuidade, a visão profunda do interesse nacional que caracterizam a acção do Governo do Sr. Presidente do Conselho.
Com estas magnificas certezas, aguardemos, pois, que num futuro próximo seja efectivada - por meio da ponte ou túnel, ou ainda por solução mista; ponte para o movimento rodoviário e túnel para o movimento ferroviário- a ligação de Lisboa à outra margem, bem como a construção do canal Tejo-Sado, aspirações dos Portugueses de há tantos anos que só a providencial ascensão e permanência de Salazar à frente dos destinos da Nação pode converter em realidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pereira Jardim: - Sr. Presidente: pedi a palavra a fim de solicitar a atenção da Camará e do Governo para as dificuldades quase insuperáveis com que, à mingua de recursos e de auxílio financeiro, se debatem os corpos administrativos em Moçambique e para apontar a urgente necessidade de se estudar e dar remédio a tal situação.
Na verdade, no nosso esforço para a fixação urgente de mais população branca nessas terras portuguesas do Indico - problema básico da nossa política ultramarina em África-, a meritória acção que pertence aos corpos administrativos (câmaras municipais, juntas municipais e juntas locais) assume características de interesse nacional que em muito ultrapassam o âmbito da administração local e impõem consideração atenta por parte do Governo, com o objectivo de se criarem condições que permitam ampliar e dinamizar o seu útil labor.
Vencida a fase de penetração e estruturados esses agregados populacionais, que, felizmente, se vão multiplicando pelo território de Moçambique, é dos corpos administrativos que se fia, em boa parte, a resolução dos problemas que resultam do desenvolvimento verificado e é ainda a eles que se confia, em larga medida, a criação de condições que consintam o progresso das cidades e vilas entregues à sua administração, por forma a tornar viável o seu crescimento.
Verdadeira missão de ocupação é esta, que visa não somente o progresso em si mesmo dos núcleos populacionais administrados pelos municípios, como ainda esse outro objectivo, de primordial interesse, de os levar a constituir pólos de atracção para novas actividades que concedam apoio à marcha progressiva da colonização, facilitando o trabalho dos que se fixem na larga zona da sua influência e oferecendo a base de irradiação para os que queiram dirigir-se às regiões menos povoadas que pelo território se alargam.
Para que a colonização se espraie e aperte as suas malhas, como tanto se faz mister, é indispensável a existência de centros populacionais importantes, onde o colono do mato possa encontrar, com relativa facilidade, os elementos de que careça para a realização do seu trabalho de desbravador de terras e onde tenha a garantia de deparar com os recursos da civilização (traduzidos em assistência sanitária, técnica e educacional), que não podem disseminar-se, para cima de certo grau, por um interior escassamente povoado.
E isto arrasta problemas de desenvolvimento urbano que se projectam para além da própria vida interna das povoações mais importantes, mas que pesam sempre sobro a administração dos municípios.
A ocupação dos machongos de Gaza apoia-se na existência da vila do Xai-Xai; a penetração no Niassa carece do desenvolvimento da cidade de Nampula; afixação nas regiões ubérrimas do lago Niassa exige o progresso de Vila Cabral; o crescimento da produção algodoeira no Cabo Delgado recai sobre Porto Amélia; o surto industrial e agrícola da região arrasta novas exigências ao Dondo. E só não cito mais exemplos para não fatigar a atenção da Camará, porque não teria dificuldade em mencionar muito mais.
Mas não resisto ainda a apontar os casos de Lourenço Marques e da Beira, cujo desenvolvimento portuário acarreta problemas de crescimento e cuja posição de verdadeiras chaves da actividade administrativa e económica da província traz para esse crescimento aspectos verdadeiramente dramáticos quando há que atender às necessidades das populações ali fixadas e dos que ali ocorrem chamados pelas exigências da sua vida de trabalho.
Os municípios vêem-se, assim, perante fenómenos de progresso que exigem a planificação com os olhos postos no futuro e a adopção de soluções que não se podem limitar a atender problemas do momento, mas forçam a considerá-los procurando antever uma evolução que normalmente ultrapassa as previsões mais ousadas.
Quando assim não procedem, por escassez de meios financeiros, acontece que as improvisações se tornam dispendiosas pela necessidade de as vir a pôr de parte em curto espaço ou, ainda, pela atrofia que resulta paru o crescimento desses centros populacionais, que deixam de desempenhar no nível desejado a sua útil função de impulsionadores da ocupação do território. Em qualquer hipótese, vêm multiplicar seriamente os dispêndios ou os prejuízos, por motivo da deficiente actuação dos municípios.
É assim que vemos uma cidade, como Lourenço Marques, a braços com os problemas de falta de água e carência de energia eléctrica; outra, como Nampula, a olhar com preocupação para o seu espectacular crescimento nesse interior que tanto carecemos de ocupar; Quelimane a enfrentar apreensivamente a solução para o abastecimento de água; a Beira a assistir aos ataques do oceano ou a encarar a acuidade que apresenta o esquema de saneamento; o Ibo a presenciar com mágoa o desmoronar de um património histórico que 'urge preservar; a ilha de Moçambique a procurar esforçadamente a sua valorização turística. Isto para citar alguns exemplos que cobrem os mais diversos aspectos.
Tudo pesa sobre os municípios, que realizam prodígios de administração para tirarem o melhor rendimento dos seus exíguos recursos, com o apoio do Governo, que, dentro da estrutura actual, procura, em verdade, auxiliar até ao limite máximo das suas possibilidades a dura missão dos corpos administrativos.
O recurso aos empréstimos, nem sempre fáceis de obter e sempre onerosos para os municípios, asfixiando a sua capacidade de actuação, não se mostra como remédio suficiente, até porque conduz apenas a diluir no tempo um encargo que não seria suportável pelos meios disponíveis no momento.
E, ao fim e ao cabo, os municípios estão, com os recursos próprios, a fazer face à resolução de problemas que se situam, no plano dos interesses a servir, muito para além do âmbito da administração local.
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Parece, assim, legitima a comparticipação financeira do Estado, que se apresenta como indispensável para se poder encarar em termos eficientes a solução de alguns problemas perante os quais os municípios se encontram.
Na metrópole existe já estabelecido esse salutar princípio e pudemos, graças a ele, assistir a uma multiplicação de empreendimentos municipais de que as populações tom recolhido os mais largos benefícios. Ao Fundo de Desemprego se têm ido buscar tais recursos, mas, seja essa ou outra a solução a adoptar, o certo é que o problema, pelas características enunciadas, apresenta em Moçambique uma premência e uma relevância que impõem estudo atento e urgente por parte do Governo.
É indispensável criar um «Fundo de Melhoramentos Locais» que auxilie a missão dos municípios.
Através desse «Fundo», e sem necessidade de transcendentes dotações anuais, poderá esquematizar-se ordenadamente, em períodos de cinco anos, um programa de comparticipações financeiras do Estado nos empreendimentos que aos corpos administrativos pertença realizar para enfrentarem e promoverem o progresso das povoações que administrem. Por este caminho se poderiam resolver alguns sérios problemas que os municípios não podem vencer com único recurso aos meios próprios.
É-me grato trazer à Gamara, e por seu intermédio fazer chegar ao Governo, problemas que resultam, afinal, do próprio desenvolvimento de Moçambique e das perspectivas de continuidade que para esse desenvolvimento sé oferecem.
Isso é, já de si, uma homenagem ao esforço realizado nos últimos decénios e sem o qual não haveria lugar à formulação destes anseios.
O progresso arrasta consigo problemas a que havemos de estar atentos e este, do auxílio financeiro do Estado aos municípios, não poderia deixar de ser mencionado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sá Linhares: - Sr. Presidente: na sessão de 13 de Março de 1954, mima longa intervenção, procurei apresentar a situação económica e social das quatro ilhas do distrito que tenho a honra de representar nesta Assembleia Nacional.
Depois de recordar a vida quase faustosa que os habitantes dessas ilhas, nomeadamente da do Faial, tiveram no decurso do segundo e terceiro quartéis do século passado, comparei-a com a que desfrutavam na data em que fiz aquela intervenção e não pude deixar de concluir que esta última era bem diferente da primeira.
Afirmei então que a população daquelas isoladas ilhas do Atlântico vivia resignada e confiante porque esperava que a grandiosa obra de ressurgimento nacional levada a efeito no continente e no ultramar viesse num futuro próximo bater à sua porta e tornasse em realidades as suas aspirações.
Sr. Presidente: se a esta Assembleia Nacional compete criticar, numa forma construtiva, a acção do Governo, também lhe compete louvá-lo perante a Nação quando as suas medidas correspondam aos anseios do nosso povo.
Vão decorridos apenas três anos e verifico, com inteira satisfação, que aquelas esperanças eram bem fundamentadas, pois grande parte das aspirações do distrito da Horta já se encontra em franca realização.
Dentro destas, não posso deixar de destacar a muralha da cidade da Horta nem a Adega Regional do Pico.
A primeira, além de ir embelezar aquela encantadora cidade, proporcionará nos seus habitantes unia vida mais tranquila, pois vai defendê-los do mar tempestuoso que por vezes invade parte da cidade; a segunda irá contribuir para a extinção dos extensos matagais que cobrem o litoral da ilha do Pico, onde outrora se criavam entre as fendas das lavas do seu vulcão as cepas que davam as uvas para a fabricarão do famoso vinho do Pico, cuja produção chegou a atingir 25 000 pipas e que hoje se encontra reduzida a pouco mais de 100.
Aos ilustres Ministros das Obras Públicas G da Economia endereço, em nome da população daquelas ilhas, os mais sinceros e reconhecidos agradecimentos pelas providências que tomaram para a realização daquelas duas grandes aspirações.
Sr. Presidente: cumprida esta grata missão, não ficaria bem com a minha consciência se não aproveitasse os últimos minutos desta legislatura para lembrar, mais uma vez neste lugar, o importante papel que os Açores podem representar na economia nacional.
Não vou de novo examiná-lo, dado que já o fiz rum todas as minhas possibilidades quando intervim no debate do aviso prévio do nosso ilustre colega Sr. Deputado Nunes Mexia sobre o problema das carnes e seus derivados. No entanto, Sr. Presidente, nunca será de mais lembrar que os Açores, graças ao seu privilegiado clima, às suas chuvas abundantes e regulares e ao seu fértil solo, representa, sem qualquer contestação, a melhor parcela da terra portuguesa para o desenvolvimento da agricultura e da pecuária.
Os esforçou já feitos naquelas ilhas para que ;is mesmas possam cumprir a sua missão neste sector da vida económica portuguesa são dignos de todos os louvores, e neste momento não posso deixar de evidenciar a inteligente acção do Sr. Governador Civil do distrito da Horta.
No entanto, há outras providências que, ultrapassando as possibilidades das autoridades locais, rio o Governo as pode tomar, e ê justo confessá-lo que já o fez, em parte, também de uma forma notável.
Novas estradas já se abriram e outras encontram-se em execução; baldios e campos até hoje incultos já foram transformados em excelentes pastagens e outros em breve acolherão novo gado bovino, que proporcionará carne e lacticínios para a população do continente e trabalho e rendimentos para o povo açoriano.
Assim, num futuro próximo, poderão os Açores representar na economia nacional o papel que a Providência lhes destinou, mas para isso é indispensável que os produtos das suas terras tenham o conveniente escoamento, sem o que se correrá o risco de serem completamente inúteis todos os esforços já despendidos pelo Governo, pelas autoridades locais e pela laboriosa gente daquelas ilhas.
Assim, para que a obra, a todos os títulos notável, já levada a efeito nos Açores tenha a eficiência que o Governo e todos nós desejamos, é indispensável completá-la com meios que evitem a estagnação dos produtos daquelas ilhas nos seus limitados mercados de consumo.
Essa estagnação, como eu já o afirmei nesta Assembleia Nacional, provocava ainda recentemente aquela carnificina de milhares de crias, com o único objectivo de &e aproveitar a sua pele.
Só com portos e com navios é que se poderá conseguir aquele escoamento.
A visita que o ilustre Ministro das Obras Públicas fez no Verão passado àquelas ilhas dá a todos a certeza de que a construção dos seus pequenos portos será incluída no próximo Plano de Fomento e de que não
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serão esquecidos o porto da ilha do Pico nem o pequenino porto da ilha do Corvo. O primeiro pelo importante papel que aquela ilha já representa e virá a representar na economia do distrito e o segundo por constituir um direito da sua boa gente, que, vivendo isolada na mais pequena ilha de todas onde flutua a bandeira de Portugal, quer, com a terra dos seus 17,45 km3 de superfície e com o seu labor, contribuir para o abastecimento do povo português.
Quanto ao problema de transportes no arquipélago dos Açores, foi o mesmo há dias tão claramente exposto e pormenorizado nesta Assembleia pelo nosso ilustre colega Sr. Comodoro Pereira Viana que me dispenso de o examinar de novo e de chamar para ele a atenção do Governo, pois o Sr. Ministro da Marinha, conhecendo-o como ninguém, será o melhor defensor dos interesses açorianos em relação às suas comunicações marítimas.
No entanto, desejo formular um voto, e esse voto s para que o novo navio já previsto para substituir o velho e cansado paquete Lima demande o mais breve possível os portos daquelas ilhas.
Sr. Presidente: o pouco tempo que resta para os trabalhos desta Assembleia Nacional, não me permitindo, como era meu desejo, transmitir ao Governo as restantes aspirações da população daquelas isoladas ilhas do Atlântico, que os ciclones não poupam nem os sismos deixam tranquilas, obriga-me a terminar as minhas ligeiras considerações com palavras que há dias ouvi de um homem bom da minha terra.
Essas palavras, que traduzem o muito que se tem feito e o pouco que resta fazer, são as seguintes:
Estamos muito agradecidos ao Governo pelo muito que tem feito pelas nossas ilhas e pela nossa gente. Só nos resta agora que o Sr. Presidente do Conselho não se esqueça do nosso aeródromo nem do nosso secular liceu, que ele há uns anos atrás salvou de morte injusta com uma abençoada providência, que ficou para sempre cravada na memória e no coração de todos os faialenses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Santos Bessa:- Sr. Presidente: em Dezembro de 1954 enumerei aqui alguns dos problemas importantes que respeitam à cidade de - Coimbra e chamei para eles a atenção do Governo. Alguns deles estão em estudo, outros em via de solução e outros aguardam, provavelmente, oportunidade de solução conveniente.
Mais tarde ocupei-me das ligações rodoviárias entre as cidades de Coimbra e da Figueira da Foz, das suas deficiências e da necessidade de as melhorar rapidamente.
Não quero abandonar esta Câmara sem voltar a apontar alguns dos problemas que respeitam ao círculo de Coimbra e que interessam particularmente às cidades de Coimbra e da Figueira da Foz - os dois grandes centros urbanos do meu distrito.
Um deles respeita à margem direita do Mondego, a jusante da nova ponte de Santa Clara, tolhida no seu desenvolvimento urbanístico por uma estação de caminho de ferro inestética, inútil e prejudicial. A sua existência impede o prolongamento da Avenida Navarro até ao Choupal, opõe-se à necessidade urgente da urbanização daquela margem, tolhe o desenvolvimento e o embelezamento da cidade e não tem, em contrapartida, benefício que a imponha. Ninguém compreende, nas actuais condições da vida e do desenvolvimento da cidade de Coimbra, que se mantenha
ali, a umas centenas de metros da estação de Coimbra B, uma outra estação que, longe de servir a cidade, constitui um sério obstáculo à sua expansão e ao seu embelezamento.
E também ninguém pode aceitar que os anos rolem sem que se encare, com a largueza de vistas que se impõe, o estudo e a construção da estação de caminho de ferro de Coimbra, que venha substituir as duas que actualmente servem esta cidade.
Coimbra anseia por esta transformação.
Coimbra tem direito a que uma larga e ampla avenida, seguindo a margem direita do Mondego, ligue esse admirável Parque da Cidade com essa maravilhosa mata do Choupal, que, desde há muitos anos, infelizmente, deixou de ser recreio aprazível e retiro apetecido por conimbricences e turistas.
A excelente obra realizada em Coimbra há poucos anos com a nova Avenida de João das regras, a nova ponte de Santa Clara e o arranjo do Largo de Miguel Bombarda e da Avenida Navarro; por outro lado, as obras já previstas para o arranjo da margem esquerda, destinada às residências dos estudantes e aos campos desportivos dos académicos, e, além disto, as obras já estudadas para a transformação do leito do rio em frente da cidade não se compadecem com a manutenção da estação de Coimbra e com os cais, os barracões e tudo o que lhe anda ligado.
Coimbra aguarda, com justificado desejo, que SS. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas e o das Comunicações encarem este problema com o carinho e o interesse com que têm estudado e resolvido tantos outros.
Com o estudo da localização da nova estação de Coimbra prende-se o da urbanização de todo o bairro da Estação Velha e do Loreto e o da nova ligação rodoviária com a estrada Coimbra-Figueira.
E não só a entrada em Coimbra desta estrada, mas toda ela e a entrada na Figueira da Foz, carecem de estudo e solução urgente. Com já aqui disse e todos sabem, aliás, estas duas cidades, importantes centros comerciais e turísticos, entre os quais se estabelece intenso tráfego rodoviário, estão ligadas por uma estrada estreitíssima, submergível, tortuosa, e com uma passagem de nível que não tem a menor justificação. Os problemas que cria e os perigos que acarreta têm vindo a agravar-se de ano para ano com o desenvolvimento comercial e industrial das duas cidades e com o interesse turístico da região.
A construção do porto marítimo da Figueira da Foz,, cujas obras, felizmente, já se iniciaram, virá a ser, dentro em breve, uma realização política do Estado Novo do mais alto interesse nacional e uma confirmação do valor da engenharia portuguesa. Já aqui se tratou do caso e se deu conta da alegria e do reconhecimento da cidade e da região.
Dentro em breve, pela intensificação do tráfego que vai impor, ele virá agravar os problemas e os perigos ligados à existência desta anacrónica estrada. Tal como a entrada em Coimbra, também a entrada na Figueira da Foz carece de solução urgente. As obras do porto exigem a substituição e a mudança da actual ponte da Figueira da Foz sobre o Mondego. Sei com que empenho S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas recomendou este caso e, por isso, sei também que, dentro de alguns meses, o estudo da solução a adoptar estará realizado. Confio abertamente.
Espero que o alargamento e a rectificação desta estrada se iniciem no próximo ano, no troço já estudado e orçamentado, entre as pontes de Maiorca e Santa Eufemia, e que a obra prossiga nos anos seguintes.
Mas há um problema que não me parece convenientemente encarado pelas repartições respectivas - o da passagem de nível do Carvalhal. A muito poucos me-
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tros ao sul desta passagem de nível e no prolongamento da recta do Casal do Mato, a linha da Beira Alta passa em trincheira e por isso nos parece fácil a realização duma passagem superior. O argumento técnico de que a nova estrada Coimbra-Figueira pode dispensar esta passagem não é de admitir, e não o é porque o troço da actual estrada desde o Carvalhal à Figueira da Foz nunca poderá ser abandonado e será. pulo contrário, sempre de intensa circulação para servir as Alhadas, Caceira, Carritos e outras povoações e pela rápida ligação com a estrada Figueira da Foz-Aveiro, por Tavarede. Os inconvenientes que acarreta são numerosíssimos, os perigos a que expõe suo grandes e não vale a pena recordá-los. For isso mesmo ouso solicitar a S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas a substituição da actual passagem de nível do Carvalhal por uma passagem superior da linha da Beira Alta, independentemente do traçado que venha a ter o novo troço que ligará a actual estrada à nova ponte da Figueira da Foz.
O facto de estar a tratar problemas da Figueira oferece-me a oportunidade de manifestar publicamente o meu contentamento e o meu reconhecimento por duas grandes obras que ali vão realizar-se brevemente.
Uma delas é a nova unidade assistencial da recuperação e de tratamento de doenças dos ossos, que, mercê de um memorável despacho de 8. Ex.ª o Subsecretário de Estado da Assistência Social e do interesse e carinho de S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, terá início dentro em breve. Com ela Re dará começo à construção das novas unidades de recuperação, problema tão actual e em que tão empenhado está S. Ex.ª o Subsecretário de Estado da Assistência Social. Está a Câmara recordada de como defendi a necessidade da sua construção à beira-mar, junto da Figueira da Foz, e, portanto, pode avaliar o meu contentamento e o meu reconhecimento ao Governo por mais esta grande obra, que vem enriquecer o quadro das instituições de assistência do Centro do País.
Vozes: •- Muito bem, muito bem!
O Orador: - A outra é a construção cio novo Palácio da Justiça, admirável realização que se ficará devendo ao ilustre titular da pasta da Justiça. Considerou S. Ex.ª as necessidades e a importância desta cidade da Figueira da Foz e ordenou que .na sequência do notável plano de obras que está realizando no País fosse incluída, para realização imediata, a construção do Palácio da Justiça da Figueira da Foz. Disse notável plano de obras e, de facto, assim é. Quem atentar nas obras já construídas, em curso ou adjudicadas, que tom a comparticipação do Ministério da Justiça, não deixará de assim considerar o que dum extremo ao outro do País se tem feito nos tribunais, nas casas dos magistrados, nos estabelecimentos prisionais e nos edifícios da Polícia Judiciária de Lisboa e do Porto. Não vale a pena enumerá-las. Os Srs. Deputados sabem o que nos respectivos círculos se tem feito neste sector.
O distrito de Coimbra deve no actual Ministro da Justiça não só esta obra da Figueira da Foz, mas ainda outras. Recentemente ainda, mercê do notável despacho de Outubro, n cidade de Coimbra viu solucionado um problema que se arrastava há muito - o da defesa, da protecção, do embelezamento e da garantia de possibilidades de alargamento do actual Palácio da Justiça, o primeiro construído no País e de que Coimbra tão justamente se ufana. Graças n esse despacho o prédio que o afrontava e comprometia no cauto norte vai ser finalmente adquirido e demolido.
A obra do actual Ministro, a tantos títulos notável, já aqui foi referida e exaltada por ilustres Deputados.
Não seria, aceitável que sobre a sua- obra de reformador da justiça eu dissesse aqui o quer que fosse. Mas também não seria perdoável que eu deixasse passar esta oportunidade, como Deputado pelo círculo u que pertence a Universidade onde ele é professor ilustre, sem me regozijar com a obra que está realizando e sem lhe testemunhar os meus agradecimentos pelo que tem feito pelo distrito que aqui represento.
Sr. Presidente: não quero abusar do tempo que V. Ex.ª me concedeu, porque sei bem das necessidades de ser breve. Por isso mesmo não volto agora aos problemas que já apontei em sessões anteriores, respeitantes ao meu distrito e. sobretudo, à cidade de Coimbra e que aguardam solução conveniente, alguns deles de extrema urgência.
Espero que as instâncias competentes os encarem dentro do mais breve prazo e os resolvam a bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Tito Arantes: - Sr. Presidente: na sessão de 7 de Março último pedi a V. Ex.ª a palavra para anunciar um aviso previu, no qual pretendia tratar da situação dos magistrados e funcionários judiciais, especialmente em Lisboa e Porto, por considerar o seu número insuficiente, como insuficiente é a sua remuneração, donde resultam os mais graves prejuízos, tanto para os que são forçados a trabalhar nessas condições, como para todos aqueles que têm de recorrer aos tribunais.
O problema que me propus debater ó, pois, do mais alto interesse e oportunidade.
Há tribunais em Lisboa que nesta data já são forçados a marcar julgamentos para 1958, por não terem untes dias disponíveis.
E há juizes que efectuam oito e dez julgamentos por dia e proferem mais de mil e quinhentas sentenças por ano.
E se se dissesse que ao menos esta extraordinária carga de trabalhos tinha a sua compensação em proventos também extraordinários ainda se poderia encontrar uma justificação para a manutenção deste triste estado de coisas.
Mas sabemos que acontece justamente o contrário.
Se as remunerações dos magistrados não podem talvez considerar-se demasiadamente baixas quando comparadas com as de outras classes paralelas do funcionalismo público, tem de concluir-se que elas são realmente insuficientes quando se atende à dignidade e à independência da função; ao trabalho sem horário que se exige; à total impossibilidade de o magistrado se dedicar a qualquer outra actividade secundária; à falta do certas vantagens e regalias que compensam mm pouco, nas tais classes paralelas do funcionalismo, os seus vencimentos módicos; ao curso de Direito, indispensável para o exercício da magistratura judicial ou do Ministério Público, mas que conduz qualquer advogado, normalmente dotado, a ganhar, ao cabo de meia dúzia de anos o mesmo ou mais que um juiz ao fim de vinte ou trinta anos de carreira, etc.
Não admira, por isso, que desde há alguns anos a esta parte, e lute com a maior dificuldade para encontrar candidatos à carreira do Ministério Público, a tal ponto que em Dezembro último havia cinquenta e oito comarcas do 3.ª classe vagas, das quais só quarenta e duas estavam preenchidas interinamente.
Com o funcionalismo judicial também a situação não é mais animadora.
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Ao dizer isto não esqueço toda a atenção e carinho que este problema tem merecido da parte do Governo da Nação.
Ainda a semana passada foram publicados os Decretos n.09 41 074 e 41 075, que merecem todo o meu aplauso, pois vêm aliviar de forma sensível algumas das tarefas que pesam sobre os tribunais criminais, além de que prevêem a possibilidade de serem colocados temporariamente magistrados judiciais e do Ministério Público, além do quadro, naqueles tribunais cujo serviço se encontre atrasado por motivos de carácter transitório.
Evidentemente que não é tudo. Mas é alguma coisa, o é especialmente a prova de que o Ministério da Justiça está atento a estes problemas e não descura a sua resolução.
Não esqueço, por outro lado, que há anos a esta parte se tem feito um notável esforço no aumento numérico dos quadros, como reconheço que o problema não pode ser resolvido apenas por essa via, inclusivamente porque, nas condições actuais, faltariam os candidatos para o preenchimento total das vagas.
Também não ignoro que a elevação dos vencimentos ato aos limites desejados, mesmo que fosse comportável com as possibilidades do Tesouro, iria porventura criar novos problemas de equiparações de classes e de postos que, bem ou mal, de há muito andam ligados. Mas creio que haverá algumas soluções parciais possíveis, que haverá possibilidade de remediar alguns males e injustiças mais gritantes, prosseguindo-se assim na esteira aberta pelos dois referidos decretos publicados em 17 deste mês.
A simplificação dos termos processuais pode contribuir em muito para aliviar o excessivo trabalho que actualmente pesa sobre os tribunais, assim como a atribuição aos magistrados de regalias e vantagens substanciais, de que justificadamente beneficiam também outras categorias do funcionalismo público, pode compensar de alguma maneira a insuficiência dos seus proventos.
Isto sem excluir, evidentemente, o recurso ao aumento dos quadros ou ao aumento dos vencimentos, na medida em que as circunstancias especiais os imponham e o restante condicionalismo o permita.
Sei que agitando estas ideias não darei nenhuma novidade ao Governo e em particular ao Sr. Ministro da Justiça, professor ilustre da Universidade de Coimbra, ao qual me é grato prestar neste momento o preito da minha admiração e do meu alto apreço pela forma superior como tem gerido a sua pasta.
Sabia-o já, antes de tomar conhecimento da informação, que muito agradeço, por S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho enviada a esta Assembleia, informação onde o Sr. Prof. Antunes Varela se ocupa dos problemas que suo objecto do meu aviso prévio, pela forma clara, concisa, brilhante e convincente como sempre o faz.
Não obstante, continuo a crer que há a maior vantagem em que o problema se debata com amplitude, para que todos tomem consciência dos males existentes e principalmente para que se crie no espírito de cada um a necessidade urgente de lhes dar satisfação.
É por isso que me atrevo a perguntar a V. Ex.ª se, apesar dos poucos dias em que esta Assembleia ainda está aberta e dos trabalhos inadiáveis a que ela forçosamente tem de proceder, haverá ou não ainda ensejo para que o meu aviso prévio seja efectivado.
Não queria que alguém pudesse supor que eu me tivesse entibiado pura prosseguir no caminho proposto, que tivesse anunciado o aviso som propósito de efectivá-lo- como às vezes acontece.
Não é assim.
Por num, encontro-me habilitado a tratar desde já da questão, como o Governo, por seu lado, se apressou a contribuir para que tal acontecesse, enviando com toda a solicitude a esta Assembleia a sua contribuição para o esclarecimento do problema.
Dá-se, finalmente, a circunstância de não estarmos no fim duma simples sessão legislativa, mas no fim duma legislatura.
Por tal motivo, não me sendo concedida a palavra num dos próximos dias, nem sequer poderia dar a garantia de tratar para o ano do problema.
Eis mais uma razão, Sr. Presidente, pela qual ouso instar junto de V. Ex.ª pela efectivação do meu anunciado aviso.
enho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Ouvi com a maior atenção as considerações feitas pelo Sr. Deputado Tito Arantes.
Reconheço o alto interesse do assunto do aviso prévio que V. Ex.ª anunciou, mas lamento ter de informar u digno Deputado e a Assembleia de que a escassez de tempo de que dispomos e os assuntos que estão designados para ordem do dia -e que certamente ocuparão os restantes dias desta legislatura - não permitirão que se efective o seu aviso prévio. Aliás o assunto versado por V. Ex.ª mereceu já do Sr. Ministro da Justiça o maior interesse, como o demonstra a documentada exposição enviada à Câmara e que vai ser publicada.
O Sr. Tito Arantes: - Agradeço muito as explicações de V. Ex.ª
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em discussão as Contas Gerais do Estado da metrópole e do ultramar e da Junta do Crédito Público relativas a 1955.
Tem a palavra o Sr. Deputado Araújo Correia.
O Sr. Araújo Correia: - Sr. Presidente: desejo iniciar as considerações que me permito fazer hoje pedindo desculpa a V. Ex.ª de tomar algum tempo a Câmara.
Depois de ter coligido nos últimos vinte anos, para informação desta Assembleia, elementos que se contêm no estudo de problemas relativos aos aspectos financeiros, económicos e sociais de maior relevo na política de bem-estar do País, pareceria redundante retomar na tribuna a análise de considerações já anteriormente expostas com certa latitude.
Mas o estarmos em fins de legislatura, o interesse que o País está a tomar por problemas económicos e sociais, vincado no decorrer da apreciação dos pareceres dos últimos anos e bem vivamente no debate sobre a matéria do aviso prévio do nosso distinto colega Daniel Barbosa, a própria essência da tremenda revolução que neste momento se está a operar no Mundo, são razões suficientes para eu dizer também algumas palavras como fecho da série de trabalhos por mim apresentados a esta Assembleia.
Pouca gente nas novas gerações poderá avaliar do estado caótico da situação financeira portuguesa em 1928, que não vale a pena relembrar agora, decorridos trinta anos, o esforço que foi preciso fazer então para reconstruir as finanças de um edifício que, assente em sólidos alicerces durante tantos séculos, se deixara atrasar consideràvelmente na evolução económica e social europeia.
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Tive a honra de subscrever o primeiro da já agora longa série de orçamentos equilibrados e posso testemunhar o esforço contínuo e constante exercida durante os anos que se seguiram para conseguir manter de pé princípios que as tendências do passado procuravam, desvirtuar.
Um dos grandes serviços prestados pelo Estado Nova ao Pois consistiu na tenacidade e energia com que foi executada nos primeiros tempos uma obra penosamente arquitectada, numa época trágica da vida da Nação: a de manter íntegro na sua pureza inicial o princípio do equilíbrio das contas públicas.
Mas já era patente nessa época o que alguém dissera: «Finanças não são outra coisa que a roupa que sobre os membros fortes ria realidade económica». Traduzidas por outras, estas palavras, no parecer de 1937, a p. 8, significam: «E vã a tentativa de renovamento político e social que se inspirar simplesmente no facto financeiro. Se não houver actividades económicas suficientemente prósperas que consintam tributação, moderada embora, e se, por outro lado, o Estado não distribuir pelas suas despesas ordinárias e extraordinárias a quase totalidade das somas que por via dessa tributação arrecada, é evidente que não pode haver finanças prósperas, ou, se as houver, elas existem em detrimento do corpo social».
Ora um exame sumário das actividades económicas um que vivia, o País mostrava logo fraquezas de estrutura e de orientarão a que urgia pôr cobro. Essas fraquezas foram postas n nu nos dezasseis volumes das actas do I Congresso da União Nacional, que tive a honra de prefaciar, e nos discursos proferidos pelo Presidente do Conselho e por mini próprio nas sessões plenárias desse Congresso.
O século passado e o período anterior à Revolução Nacional legaram à minha geração e às que se lhe seguiram uma das mais terríveis doenças que podem afligir uni povo: a crença na impossibilidade de alterar ou modificar as circunstâncias em que se debatia a economia nacional por falta de recursos naturais susceptíveis de serem aproveitados economicamente.
O País era pobre, no dizer de muitos. Não possuía as vantagens de outros mais afortunados: não tinha fontes de energia, não possuía matérias-primas, as suas terras eram fracas, o seu clima errático. Era em grande parte formado por solos que não consentiam rendimentos adequados e continha serras inóspitas, insusceptíveis de aproveitamento, que favoreciam escoamentos rápidos de chuvas torrenciais.
Seriam verdadeiras estas afirmações? Acaso a natureza fora tão ingrata que reservara para esta faixa ocidental da Europa as incongruências de potencialidades económicas reduzidas? Não seria possível no meio ambiente, utilizando o que existia, produzir maiores rendimentos?
Estas eram as primeiras interrogações que pairavam no espírito de muitos. Uma resposta afirmativa poderia amarrar para todo o sempre a sorte, do País à grilheta da pobreza.
É bem verdade que outras nações europeias também consideradas pobres de recursos naturais, na acepção dada à terminologia aplicada ao nosso país haviam sabido transformar o que se imaginava ser pobreza em fontes ubérrimas de rendimentos - as montanhas e os rios, as encostas e os vales estreitos.
Mas o fatalismo de uma ideia que nos impelira durante tantos anos para o desânimo minava os esforços colectivos e individuais que pudessem ser exercidos no sentido de atacar de frente o problema, urgente e inadiável, do aumento dos rendimentos nacionais. Era um sintoma patológico, firmado em baixas produções, em atrasos de nível de vida, insinuado insistentemente no ânimo de muitos, a indicar u nossa incapacidade para, com o próprio esforço, atingir nível semelhante aos de outros povos.
A ideia desalentadora tinha de ser destruída. Tudo indicava ser indispensável provar a inexactidão, tantas vezes expressa, da baixa potencialidade económica de Portugal, no continente europeu, nas ilhas u no ultramar.
Ora essa ideia só podia ser definitivamente extinta pela demonstração concreta da existência de possibilidades latentes nos diversos campos das actividades económicas, e essencialmente no domínio de reservas de energia e do matérias-primas.
Todo o trabalho de prova e de futuro aproveitamento requeria, porém, coordenação eficaz. Sem ela não seria possível, com o mínimo dispêndio, trazer à tona de água a potencialidade económica que porventura existisse.
Esta coordenação impunha-se já nesse tempo um todos os domínios relacionados com a economia nacional e teria de ser ainda maior, como em todos os países se provou depois da tremenda e intrincada evolução dos processos de produção económica, ainda em pleno desenvolvimento.
Tive a honra de apresentar nesta Assembleia, em 1Ü05, um projecto de lei sobre a reorganização económica do País. onde se expunham e articulavam os fundamentos do que julgava poderem ser princípios orientadores da economia nacional. Previa-se, como órgão de grande relevo, a criação de unia Junta Central de Economia.
O preâmbulo do projecto de lei justificava a inovação, que mais tarde, sob outra forma, se adoptou em quase todos os países europeus e doutros continentes. Escrevia-se nele:
Um dos grandes males da administração pública portuguesa reside na dispersão de funções por diversos serviços do Estado. A sobreposição de competências, aliada à defesa de cada serviço pelos componentes, a falta de colaboração e ligação que se nota nas soluções de muitas coisas que dizem respeito a dois ou três departamentos públicos ... concorrem para a confusão que se nota no bom andamento da coisa pública ...
E mais adiante:
Um plano de soluções é um todo que engloba aspectos financeiros, económicos, técnicos, de natureza industrial, agrícola e comercial, incluindo o progresso das ciências aplicadas.
Não tinha a administração pública, nesse tempo, como o não tem ainda hoje, meios de fazer estudar convenientemente planos de conjunto, necessariamente complexos, que envolvem aspectos inteiramente diferentes.
Um organismo deste tipo, com o objectivo do coordenação, era indispensável, no meu entender, para se intensificar a obra de reorganização económica com maior proveito. A criação de um Ministério da Economia Nacional, sugerida também, de modo algum poderia dispensar o instrumento de coordenação proposto.
A descrença nas possibilidades económicas do País, a ideia de que não possuíamos recursos naturais que pudessem servir de base a obra de recuperação económica enérgica, que apagasse de vez as manchas escuras do passado, parecia-me ser a tarefa mais urgente a executar logo que definitivamente se verificasse poder ser estável o equilíbrio orçamental - logo que se provasse ao País, sem ambiguidades ou sofismas.
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que os tempos de misérias financeiras constituíam apenas dolorosa reminiscência do passado.
Provar a existência de recursos naturais susceptíveis de economicamente poderem sor utilizados parecia ser nessa época uma das primeiras condições de progresso nacional.
Se examinarmos as circunstâncias em que vive o Mundo desde o fim da primeira grande guerra, verificamos logo que os últimos quarenta anos são caracterizados por intensivo trabalho de investigação económica. As quantias gastas em quase todos os países atingem somas enormes e os resultados da investigação transformaram o sentido da própria economia neste curto espaço de tempo.
Já no século passado se acentuara a importância da potencialidade económica na vida política do concerto das nações. A sua influência na medida em que se iam desbravando novos países, desenvolvendo novos recursos, adoptando novos processos de trabalho, aplicando novas descobertas do ciência pura e aplicada, tornava-se cada vez maior e trazia à superfície riquezas colectivas que eram imediatamente postas ao serviço d u ideia política. A potência económica, pouco a pouco, fortaleceu o poder político, a ponto de o último conflito ter sido resolvido mais pela força dos instrumentos de produção e aproveitamento de recursos naturais, em escala que ultrapassou todas as expectativas, do que pela própria habilidade dos exércitos em campanha ou até do seu poder em forças humanas.
O aspecto político da vida duma nação apontava a necessidade de aproveitamento dos recursos materiais.
Mas um outro aspecto grave e sério emergia, da primeira grande guerra e tomara corpo no período que decorreu desde então até hoje. Quero referir-me às exigências alimentares e de melhor nível de vida He. vastas populações em quase todos os recantos do Globo e aos anseios cada vez mais intensos das populações de países de alto nível de vida, que desejavam usufruir em escala cada vez maior dos produtos que o progresso térmico podia pôr ã sua disposição.
Eram forças humanas irresistíveis, que exigiam compartilhar dos desenvolvimentos materiais - umas gozar o bem-estar oferecido pelo uso de coisas supérfluas. do que não constituía necessidade imediata; outras desabrochavam para a exigência do essencial à vida em condições normais.
Estas duas forças tendiam para, maiores produções - exigiam maiores e mais variados consumos. Os processos usados para criar um meio social propício a osso fim levaram, como é do conhecimento de todos, a grandes modificações na estrutura política do vasto Mundo, ato na estrutura política que presidira durante os anos pacíficos dos meados do século XIX até 1914 no desenvolvimento gradual da civilização humana.
A tendência para melhores níveis de vida nos países que já haviam atingido um grau do progresso elevado o nos ainda subdesenvolvidos e subalimentados foi a característica mais notável do último meio século.
Todas estas razões levaram o parecer das contas desde o seu inicio a indagar das possibilidades económicas do País, de modo a procurar destruir, se possível, a ideia fatalista e desorientadora da sua pobreza em recursos materiais.
O problema tal como se aposentava nesse momento era diferente do problema, no aspecto económico, de cem anos atrás.
Durante o século XIX os combustíveis sólidos formavam. uma das bases mais firmes ida estrutura económica do Munido.
Na terceira década do século actual o progresso no domínio das forças hidráulicas e dos combustíveis líquidos atingira, tanto em teoria como em aplicação directa, um grande aperfeiçoamento, que começava, a produzir frutos ubérrimos em cento animem de países.
Ora a energia é a base em que se movimenta o mundo moderno. Seja qual for o aspecto em que se apresente, é sempre possível transformá-la- em forma eléctrica e transmiti-la a grandes distâncias. Hoje, como há vinte anos, a energia eléctrica é a forma mais acessível, mais conveniente para uso em quase todos os processos que convergem para a produção do bens de consumo e de bens duráveis.
Era mister, pois, saber se as forças hidráulicas que se perdiam nos rios nacionais poderiam ser dominadas; e convertidas economicamente no fluxo eléctrico a utilizar nos centros de consumo.
Um exame superficial do sistema hidrográfico português mostrou logo as possibilidades de grande produção de energia eléctrica. Por isso, desde o início da publicação dos pareceres das contas se insistiu por um inventário das disponibilidades energéticas nacionais que compreendesse o seu quantitativo potencial e a parcela desse quantitativo susceptível de ser aproveitada economicamente; e desta parcela se poderia deduzir uma escala de prioridade por forma a permitir que se iniciassem os aproveitamentos por aqueles que assegurassem menores preços compatíveis com a continuidade de produção, isto é, com a garantia de abastecimento em todas as horas do dia e de noite, de Verão e de Inverno. E. seguindo os princípios mais progressivos, era indispensável aproveitar no rio todas as suas potencialidades - as relativas à rega, ao domínio das cheias, à energia, n navegação, de modo a reduzir o custo de cada uma.
Num pais como o nosso, formado por estreita faixa no sentido leste-oeste, que drena para o Atlântico, no dizer de alguns, mais de metade das águas que caem na Península Ibérica, com a configuração orográfica conhecida, era quase certa a probabilidade de relativamente grande potencialidade energética.
Apesar da desoladora falta de elementos e de estudos, os pareceres de 1942 e 1943 concluíram por uma existência mínima de energia potencial, nos anos muito secos, nos rios nacionais da ordem dos 9 biliões de kilowatts-hora. Para a população dessa data a capitação das possibilidades energéticas nacionais era superior u dos consumos de grande maioria dos países mais progressivos do Mundo, até considerando a energia disponível nesses países sob outras formas.
Portugal não era assim um país pobre em disponibilidades energéticas: era um país que não soubera aproveitar os dons nesta matéria com que a natureza prodigamente o dotara.
A cifra foi discutida, impugnada, considerada utópica por muitos. Uma pequena minoria, infelizmente reduzida, aceitou-a como base de estudo e pouco a pouco vieram à superfície elementos mais pormenorizados. Embora ainda hoje se não tenha realizado oficialmente o inventário, muitas vezes sugerido nos pareceres, a cifra de 9 biliões está apreciavelmente ultrapassada, e não será exagero dizer que a capitação energética dos recursos nacionais neste momento ultrapassa bastante os 1000 kilowatts-hora a que se aludia em 1943. 15 o suficiente para servir de base a consumos essenciais em qualquer programa que tenha o objectivo de elevar o nível de vida do País.
Mencionou-se este exemplo, como poderiam citar-se outros, para mostrar que, pelo menos num aspecto, a ideia de pobreza é mais uma imagem corrosiva da vitalidade nacional do que um facto real. O País não é pobre em recursos energéticos - a imaginação firmada em ociosidade descrente induzira a crer que o era.
Outros recursos apareceram depois nos aspectos agrícolas e industriais da economia. A existência de vastas
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zonas de terrenos pliocénicos susceptíveis de aproveitamento, as reservas de minérios de ferro, que hoje se prevê atingirem centenas de milhões de toneladas, as possibilidades de repovoamento florestal de largas áreas montanhosas e melhor conhecimento de terras agrícolas susceptíveis de bem maiores produções, com o melhor uso da técnica agrícola, o turismo, enfim, um sem-número de pequenas possibilidades que convenientemente aproveitadas podem trazer consideráveis benefícios ao bem-estar nacional são hoje realidades que devem servir de base a mais intensivo desenvolvimento económico.
O exemplo da potencialidade energética existente nos rios e do seu aproveitamento coordenado com outras das suas possibilidades é, Aos recursos nacionais já hoje conheci rios e aceites pior todos, o que ilumina com mais clareza o panorama da economia nacional, até ao ponto de ofuscar definitivamente, assim o julgo, a crença desalentadora da pobreza do País em recursos materiais.
Eis o motivo por que, acarretando com a possibilidade de me tornar enfadonho e redundante, o trouxe agora, uma vez mais. a esta tribuna.
Poder-se-iam ainda acrescentar, neste aspecto, recursos semelhantes, embora em maior escala, nas duas grandes .províncias de Angola e Moçambique, jóias brilhantes engastadas na constelação da comunidade portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O caso do Cuanza, descrito no parecer de 1954, que, só no seu curso médio, as mais recentes investigações mostraram ter potencialidade energética de muitos biliões de kilowatts-hora, com um largo e rico vale de terrenos aluvionares de alto valor não longe do mar, onde num próximo futuro se aplicarão, estou certo, os princípios de aproveitamento na rega, na energia, na navegação e no domínio das cheias, ilustra a importância que neste aspecto, aquela província tão portuguesa pode ter na vida nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-E o caso do Zambeze, sucintamente descrito no parecer deste ano, é, sem dúvida, o mais clamoroso desmentido da ideia da falia de recursos nacionais. Quem. como eu, teve o grande prazer de visitar a província de Moçambique e ocasião de voar sobre quase todo o percurso do rio tormentoso, que arrasta do Centro de África volumes de água que ficam nos anais da tradição gentílica, sente a grandeza da tarefa que está diante de nós.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As gargantas de Cahora Bassa, com margens quase a pique, de alturas que atingem quase 800 m, com o rio ao fundo a borbulhar em cachões, é dos espectáculos que perduram na memória dos homens.
Escoam-se ali dezenas de biliões de kilowatts-hora e estão em baixo, perto do mar. nas vastas planícies do Chinde. talvez milhões de hectares de terrenos aluvionares formados pelos detritos carreados do Centro de África.
Tarefa gigantesca, sem dúvida, a do aproveitamento deste sistema económico, a combinar com as possibilidades mineiras vizinhas. Há-de requerer o esforço coordenado de várias gerações. Quase que por si próprio pode assegurar, para todo o sempre, a ocupação pela raça portuguesa de parcela importante de uma
província, já hoje habitada por tantos homens que trabalham com os olhos postos na mãe-pátria, de uma província que é, sem dúvida, uma das parcelas da comunidade onde o génio português pode exercer a sua influência com maior proveito.
Mas a existência de recursos potenciais na metrópole e no ultramar não basta para assegurar o progresso gradual e contínuo que todos nós ambicionamos.
Os obstáculos que a actual situação política encontrou para seu completo desenvolvimento foram grandes. Já anteriormente esses obstáculos se haviam anteposto a esforços dispersos feitos no sentido de arrancar o País da abstracta concepção da sua pobreza material. A obra realizada pelo listado Novo, com seus defeitos e suas incongruências em alguns aspectos, teve, além do mais, o mérito de atrair muitos espíritos inteligentes para o estudo das possibilidades materiais da Nação. Mostrou primeiro, quase num gesto sobre-humano, que era falsa, deprimente e depressiva a. ideia de anarquia financeira permanente. Os orçamentos equilibraram-se, o Estado deixou de ser devedor incorrigível, a Nação readquiriu o crédito internacional, que desventuras passadas haviam arruinado. A Nação reformou uma personalidade nova, a sua verdadeira personalidade, e começou a ter confiança em si mesma, nos seus próprias recursos, nas forças subtis que a defenderam e a impuseram independente durante tantos séculos.
O primeiro dever de quem governa, é manter esta confiança penosamente adquirida nos últimos trinta anos. É orientar as forças humanas que crêem nos recursos limitaram, morais e materiais para o seu melhor aproveitamento e aplicarão.
Perderam-se anos preciosos, mas nunca é tarde para recuperar o tempo perdido.
Diversos aspectos têm de ser considerados mo balanço geral das possibilidades nacionais. A par de um inventário sério e pormenorizado dos recursos económicos, que em muitos caso apenas consiste na concatenação de elementos dispersos, há o lado humano, o aspecto do aproveitamento racional e proveitoso do esforço disponível.
Sem o homem, nada na vida tem sentido. Sem a disciplina, a orientação para fins claramente definidas, sem a coordenação de esforços dispersos, não é possível extrair no conjunto o máximo de proveito.
Parece assim que qualquer plano de reforma terá de começar pela reorganização do serviços e adaptação de ideias correntes a nova mentalidade económica e social, que tomou corpo nas últimas décadas e, essencialmente, depois da guerra. Reforma lenta, gradual, mais segura, tendente à compreensão mais realista dos problemas e a resolvé-los num sentido prático e utilitário. O amor-próprio, esta triste preocupação que há em muitos de nós de julgar serem as nossas opiniões as melhores, tem de dar lugar à compreensão nítida da transigência com as dos outros, de modo que do conjunto de pensamentos, meditações, e estudos possam sobressair os mais eficazes métodos de administração dentro do respeito mútuo.
Atingimos, na penosa ascensão do Mundo, um momento em que os valores morais, que nos acostumámos a respeitar como definitivos são assaltados por forças corrosivas e poderosas.
O equilíbrio político e social do continente europeu e de outros continentes está em perigo de sofrer graves danos nos tempos mais próximos. A Europa já não desempenha hoje o papel condutor do novas ideias P daqueles princípios da civilização milenária que fizeram n sua grandeza. E -suprema ingratidão dos povos! - é acusada de opressão pelos que tudo lhe devem, ainda quando as economias europeias penosamente arreca-
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dadas se perdem em tentativas para insuflar vida a vastas populações subdesenvolvidas.
Chegou o momento de a Europa se defender. E a única forma de defesa num inundo em que o poder político assenta na potencialidade económica reside na íntima colaborarão dos diversos estados europeus e na coordenação estreita das suas possibilidades em valores morais e materiais, em conjunção com as dos territórios do ultramar em África.
De contrário, está condenada a descer ainda mais na escala de valores políticos com influência mundial e ao desaparecimento da sua esfera de acção nos territórios que penosamente desbravou em tantos anos de sacrifícios.
E nesta grave conjuntura da vida mundial, no momento em que um gesto de defesa de duas nações que desempenharam papel de primeira grandeza na civilização ocidental foi neutralizado com humilhação, no momento em que se desenham no ar a traços bem vincados tentativas de esbulho de territórios onde nações europeias durante séculos imolaram vidas de milhares de seus filhos e economias arrancadas ao seu próprio bem-estar, é neste momento, repito, que se torna necessário rever posições de modo a assegurar, no mais curto espaço de tempo, resultados económicos de grande projecção.
Portugal precisa de avigorar a sua posição económica. Precisa de refazer muitos instrumentos amorfos ou desconjuntados da sua vida agrícola e industrial. Necessita de ser, ao mesmo tempo, prudente e ousado nas concepções, consciencioso e sério no estudo dos problemas fundamentais e de ter continuidade e devoção na obra económica que lhe cabe realizar para defesa do seu povo e dos seus direitos e ainda para defesa da civilização que ajudou a formar.
Os recursos potenciais à vista, na metrópole e no ultramar, até no aqueles que nos últimos vinte anos foram apontados nos pareceres das contas, são mais do que suficientes para lhe dar lugar de relevo na economia europeia e até mundial.
As suas relações, derivadas de uma política externa sabiamente conduzida, asseguram-lhe, ou podem assegurar-lhe, auxílios preciosos na obra económica que pretenda realizar. A sua posição de mãe-pátria de uma das mais ricas e prometedoras nações americanas, onde senti, vai fazer em breve vinte anos, o acolhedor entusiasmo pelos que deste lado do Atlântico também tom a peito não desmerecer de seus filhos, pode aluir caminho, em futuro mais ou menos longínquo, para uma comunidade luso-brasileira desempenhar acção político-económica de primeira grandeza.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todos estes factos apontam um sentido - sentido de esquecer paixões políticas, sentido de coordenação de esforços, sentido de obstar o eclodir de vaidades ou ambições, sentido de cooperação sincera, sentido das realidades práticas.
A vida de uma nação não é um dia. nem um ano, nem um século. Projecta-se na imensidade dos tempos. A obra de hoje modela a vida do futuro. Será julgada por seus efeitos no futuro.
Todos os que assumirem responsabilidades de comando, todos os que nos mais elevados ou nos mais humildes graus de governação pública, e até na actividade particular, desempenham funções, têm de compreender e sentir que a sua actuação não é unilateral, isolada. - é na engrenagem dum conjunto, uma peça. Sem a harmoniosa adaptação dessa peça às outras peças de igual objectivo nau pode essa engrenagem funcionar com o rendimento necessário.
Quis, no fim desta legislatura e no limiar de uma era nova nas relações europeias, dizer estas palavras.
Os pareceres das contas mostraram as ansiedades que o desenrolar inexorável dos acontecimentos do dia a dia punham em evidência. Insistiram sempre por mais rápido e mais produtivo aproveitamento dos recursos nacionais. Tentaram definir e explicar as normas e os princípios em que devia assentar a obra económica. Talvez tivessem sido ousados nas concepções, tendo em conta o meio; talvez pecassem por impaciência ou desalento, mas foram sempre sinceros e construtivos. Conseguiram despertar o gosto pelo estudo dos problemas económicos u isso é meio caminho andado na boa direcção, num país em que a maioria repousava sonolenta nas glórias do passado.
Reconheceram que os erros cometidos nesta matéria e não devem atribuir apenas ao Governo, como muitos querem. Os erros também provêm de defeitos inerentes à descrença, ao cepticismo, à educação, a este jeito que nos empurra para um idealismo improdutivo.
O Estado Novo teve de lutar contra esta mentalidade.
O caminho que agora se abre diante de nós não é fácil. Ë cheio de curvas e obstáculos. Não é um caminho que possa ser percorrido em poucos anos. A obra. que é preciso executar vai colidir com interesses de ordem material e talvez com outros mais difíceis inerentes à própria natureza, humana. Mas já se formou nestes trinta anos de lutas, vitórias e desenganos uma opinião colectiva que deseja acelerar o movimento de renovação económica de uni país com recursos materiais para o permitir.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Vaz Monteiro: - Sr. Presidente: subo a esta tribuna satisfeito e até envaidecido por reconhecer que o orçamento, as contas e a sua discussão na Assembleia Nacional, tudo isto já hoje é lugar-comum alcançado e. firmemente mantido pela Revolução Nacional.
Um dos mais importantes objectivos cuja conquista se pretendia alcançar quando do movimento militar de 28 de Maio de 1936 era a ordem na administração.
Este objectivo, Sr. Presidente, foi plenamente atingido.
O Governo da Nação -da metrópole e do ultramar - apresenta, uma vez mais, pontualmente., as contas da sua administração.
A Comissão das Contas Públicas da Assembleia Nacional elaborou já, ininterruptamente, o vigésimo terceiro parecer sobre as Contas Gerais do Estudo, a partir de 1928-1929, e o segundo .sobre as coutas das províncias ultramarinas, com inicio no ano passado.
Na conquista dos objectivos do orçamento, das coutas e da sua discussão na Assembleia Nacional é grande s completo o triunfo do Estado Novo; mas temos de lembrar que foi forte e tenaz a luta para os atingir.
Nesse triunfo, Sr. Presidente, compartilha a Nação inteira, de aquém e de além-mar.
Este é o motivo da minha satisfação ao subir a esta tribuna para apreciar as contas públicas das províncias ultramarinas.
E ao apreciá-las desejo primeiramente esclarecer que me faltam méritos para bem as apreciar e discutir, mas não me faltará o mais sincero desejo de colaborar na ordem administrativa, no progresso e unidade de todas as parcelas nacionais dispersos pelo Mundo.
Sr. Presidente: a maneira de tomar as contas das províncias ultramarinas dependerá do critério que previamente for adoptado por quem as quiser apreciar.
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São numerosos os aspectos que as contas nos apresentam e nem todos podem ser considerados, e muito menos aprofundados, numa intervenção limitada pelo tempo regulamentar.
Bastará reparar no número do páginas - superior a quinhentas - do parecer da nossa Comissão das Contas Públicas dedicado às províncias ultramarinas para uns apercebermos do elevado número de assuntos e da variedade dos problemas contidos nas contas daquelas nossas províncias.
Por serem, pois, inúmeros os problemas e diversas as facetas por que as contas podem ser tomadas, entendi que, primeiramente, antes de entrar na sua apreciação, deveria assentar nos aspectos que vou considerar, definindo assim a orientação que tenciono seguir na análise das contas.
Pelo que acabo de expor se deduz que é muito vasta a matéria submetida à nossa apreciação.
Há, no entanto, pontos essenciais que sobremaneira interessam e merecem ser apreciados na Assembleia Nacional.
Quanto a mim, a análise às contas deverá abranger os seguintes aspectos, que considero mais essenciais: se foi cumprido o preceito constitucional do seu equilíbrio; indagar, até onde for possível, como foi executado o orçamento geral de cada província, tanto na administração das finanças como na execução do plano de administração incluído no orçamento, e, por último, perscrutar, em presença dos elementos fornecidos pelas contas, qual será a situação financeira de cada província ultramarina no final da gerência.
São estes os pontos que irei versar nesta intervenção relativamente às coutas de cada província.
Ficará, deste modo, definida a minha, orientação.
Acontece, porém, Sr. Presidente, que para se indagar das causas que motivaram o equilíbrio ou desequilíbrio da couta indispensável se torna conhecer o esquema do orçamento que foi executado durante o exercício. E do mesmo modo é indispensável ter premente aquele esquema para se apreciar como foram administradas as finanças e sobretudo como foi executado o plano de administração contido em cada orçamento geral.
Portanto, antes de me lançar na análise daqueles pontos que deixo apontados, terei de fazer o esboço do orçamento.
Quanto à situação financeira tias províncias, ,não me será possível fazer uma aproximação absolutamente rigorosa, mas tentarei aproximar-me dela o bastante para se formar algum juízo nesta matéria, de grande importância.
Sr. Presidente: antes de entrar na apreciação das contas das nossas províncias ultramarinas, sinto o dever de me dirigir aos nossos ilustres colegas que fazem parte da nossa ('omissão das Contas Públicas para os cumprimentar e felicitar pelos valiosos trabalhos que nos apresentaram, lauto no parecer referente às contas da metrópole como no do ultramar. E ao sen ilustre relator, Sr. Engenheiro Araújo Correria, desejo deste lugar tributar-lhe as minhas homenagens, especialmente pelo trabalho que este a, no realizou referente àquelas províncias, que se encontra repleto de elementos muito elucidativos e enriquecido de considerações oportunas e sugestões valiosas, de quem estudou e conhece os variados problemas do nosso ultramar.
No decorrer das minhas apreciações vou ter oportunidade de me referir a vários pontos focados pelo relator do parecer relativamente a cada província ultramarina .
Não admira que assim aconteça, pois o parecer, pela sua extensão e muita competência do seu relator, envolve numerosos ou a grande maioria dos assuntos do ultramar; ao passo que apenas me limito àqueles assuntos que acabei de indicar, e, portanto, é de presumir que ficarão abrangidos nas malhas do douto, extenso e importante parecer.
PROVÍNCIA DE CABO VERDE. - No orçamento desta província para o ano económico de 1955 a receita total foi prevista e fixada na quantia de 62:292.290$50 sendo a receita ordinária prevista na importância do 40:602.290$50 e a receita extraordinária fixada na quantia de 21:600.000$.
É conveniente indicar as proveniências desta receita extraordinária: 20:000.0011$ de empréstimos da metrópole e l:600.000$ de parte dos saldos das contas de exercícios findos.
Tanto as despesas ordinárias como as extraordinárias foram fixadas em quantias iguais às receitas da mesma natureza.
Deste modo se cumpriu o princípio que é fundamental n a administração das nossas finanças públicas - o equilíbrio do orçamento.
Desejando apresentar o esquema geral do orçamento para o ano de 1055, falta-me mencionar o programa de administração que nele ficou estabelecido para ser executado durante o exercício.
Neste programa havia duas partes distintas, correspondentes aos artigos 231.º e 232.º do capítulo 12.º, da tabela das despesas extraordinárias: uma destinada à execução do Plano de Fomento Nacional, mas ú evidente que na parte respeitante à província de Cabo Verde; u outra destinada a empreendimentos não incluídos naquele Plano.
Para execução da 1.ª fase do Plano de Fomento, determinado pela Lei n.º 2058, de 29 de Dezembro de 1952, foi naquele orçamento fixada a despesa extraordinária de 20:000.000$, e mais tarde acrescida do 9:000.000$ com melhoramentos hidroagrícolas, florestais e pecuários, sondagens hidrogeológicas, porto de S. Vicente, porto Novo (Carvoeiros) e na ligação com o Norte da ilha e aeródromos.
Para outras despesas extraordinárias, além do Plano de Fomento, foi fixada a quantia de 1:600.000$. depois acrescida da importância de 1:250.000$, para construções e obras novas, construções militares o apetrechamento de aquartelamentos, estudos e projectos relativos à preparação de aeródromos nas ilhas de Santiago e S. Vicente e ao estabelecimento de ligações aéreas entre estas ilhas e a do Sal.
Desejo, em primeiro lugar, apreciar, embora rapidamente, se este programa de administração conviria à economia da província de Cabo Verde.
Conhecidas as necessidades do arquipélago nas suas comunicações dentro das ilhas e entre elas; no povoamento florestal, devastado pelo ciente das cabras e pelo enorme consumo de lenha na preparação da cachupa : nos melhoramentos hidroagrícolas nas áreas cultiváveis onde a falta de água ocasiona as crises tremendas à população; no porto Grande, ou porto de S. Vicente, que o ilustre relator do parecer das contas ultramarinas classificou de «instrumento activo na economia da província», teremos de concluir, Sr. Presidente, que o programa de administração incluído no orçamento geral da província de 1955 se adaptava perfeitamente à estrutura económica de Cabo Verde.
Expostas assim sumariamente as linhas gerais do orçamento com inclusão do respectivo plano de administração, podemos passar à análise da conta do exercício cujos resultados se podem exprimir do seguinte modo:
Receitas ordinárias cobradas e dos créditos
Abertos ...........................43:663.002$50
Despesas ordinárias pagas..........38:427.062$51
Saldo disponível do exercício ..... 5:235.940$09
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Vemos, pois, que foi atingido o equilíbrio da conta na data do seu encerramento, com o saldo positivo de 5:235.940$96, de conformidade com o preceituado na Constituição Política e na Lei Orgânica do Ultramar.
Verificamos também que a cobrança das receitas excedeu a previsão orçamental e que o montante das despesas pagas foi inferior ao das autorizadas.
Outra conclusão a tirar, e de grande importância na vida da administração financeira da província, é que a receita ordinária satisfez os encargos da mesma natureza.
Devo esclarecer a Assembleia Nacional, para se evitarem dúvidas quanto à obtenção do saldo, de que na receita foi incluída a parte utilizada da receita inscrita no orçamento, na quantia de 167.709$43, proveniente dos saldos de exercícios findos, e também a parte utilizada, na quantia de l :842.730$99, dos créditos especiais abertos com recurso nos saldos de exercícios findos. Mas note-se bem que na receita ordinária, além da receita cobrada, foi incluída a parte utilizada, mas somente esta parte, e não a totalidade autorizada dos saldos de exercícios anteriores; e isto com o fim de não falsear o resultado da conta. Entrando na receita e na despesa quantias iguais de saldos anteriores, o equilíbrio da conta não é alterado. E é assim que está obtido o saldo disponível da conta de exercício de 1955 da província de Cabo Verde.
Sr. Presidente: seguidamente vou apresentar, em couta de resultados, todo o movimento das receitas e despesas, tanto ordinárias como extraordinárias:
Receitas contabilizados .......... 93:737.498$50
Despesas contabilizadas .......... 48:405.761909
Saldo disponível.................. 5:235.940$96
Saldo não disponível..............40:095.795$55
Saldo positivo do exercício...............45:331.736$51
Verifica-se que transitou para o orçamento geral da província do ano de 1956 o saldo já comprometido de 40:095.795 $55 destinado aos empreendimentos de natureza extraordinária, cuja execução se previra em 1955.
Podendo ter sido despendida a importância de 31:850.000$ na execução do plano de administração que fora previsto no orçamento de 1950, apenas foi utilizada a quantia de 8:114.482f98, como se pode observar nos dois quadros seguintes, cujos elementos extraí da relação da despesa orçamentada, liquidada e paga no exercício de 1955 que se encontra anexa à conta de exercício elaborada pela Repartição Provincial dos Serviços de Fazenda e Contabilidade.
Plano de Fomento
(ver tabela na imagem)
(a) Créditos concedido!! depois da publicação do orçamento geral da província.
Pelo que estes quadros traduzem se observa a maneira como foi executado o plano de administração durante o exercício de 1955. Na parte relativa ao plano de Fomento verifica-se ter havido três dotações destinadas às sondagens hidrogeológicas, ao porto de S. Vicente e aos aeródromos, que transitaram intactas para o ano de 195G.
As razões deste insucesso, motivadas por falta de estudos, por falta de capacidade realizadora ou por outras dificuldades encontradas na execução do Plano, não as traduzem os números apresentados na conta.
Sabe-se, no entanto, que as obras a realizar no porto de S. Vicente são constituídas por um prolongamento pelo mar no comprimento de 439 m, donde partirão dois cais acostáveis, no mesmo sentido, sendo um de 291 m, o mais avançado, e outro de 167 m, para petroleiros de 40 000 t e de outras tonelagens inferiores. A realização destas obras foi concedida de- empreitada, pela importância de cerca de 62 000 contos, a uma empresa portuguesa construtora de reconhecida competência e bastante experiência.
As obras, por enquanto, ainda se encontram atrasadas, devido a exigências da fiscalização quanto à qualidade da pedra e outros e devido ainda à falta de estudo e decisão sobre a localização do aterro para instalações portuárias, e donde .partirá o referido prolongamento pelo mar, na extensão de 439 m.
Para abreviar a construção destas obras foi propositadamente a S. Vicente um engenheiro inspector superior da Direcção-Geral do Fomento do Ultramar,
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pelo que tudo nos indica que as obras prosseguirão com o ritmo conveniente aos interesses da economia da província.
O nosso ilustre colega ST. Engenheiro Araújo Correia, ao relatar o parecer sobre as coutas gerais das províncias ultramarinas, considera as obras do porto de S. Vicente como as mais volumosas e possivelmente de maior projecção no futuro da província e espera que nos anos próximos haja maior actividade na sua reconstrução.
Com as explicações que acabo de dar acerca do estado daquelas obras e do interesse do Governo pela sua execução creio ter ciado satisfação aos desejos manifestados pelo relator do parecer, que são afinal os desejos de todos nó».
Quanto às sondagens hidrogeológicas incluídas no Plano de Fomento e cuja dotação transitou intacta para 1956, devo prestar alguns esclarecimentos, para se não julgar que esta inscrição no Plano de Fomento foi letra morta.
Está presentemente em Cabo Verde um engenheiro professor, contratado em 1955, que tem feito reconhecimentos em todas as ilhas, excepto na de Santo An tão, para depois se proceder às sondagens hidrogeológicas.
E de notar que nos seus reconhecimento este engenheiro tem chegado à conclusão seguinte: nas ilhas onde se não vê água à superfície é onde mais lhe parece haver recursos subterrâneos para se fazerem barragens dignas desse nome, da ordem de milhões de metros cúbicos de água armazenada.
Quanto aos melhoramentos hidroagrícolas, florestais e pecuários constantes do Plano de Fomento, é realmente a única dotação que não transitou intacta para 1956.
Julgo ser por esta dotação, pois outra não há, que estão a correr as despesas da brigada que presentemente se encontra a trabalhar na ilha de Santiago.
Há cerca de nove anos que esta brigada se encontra em Cabo Verde, tendo primeiramente realizado os seus trabalhos na ilha de Santo Antão.
O público de Cabo Verde não faz correr ventos favoráveis a esses trabalhos, relacionando o grande volume das despesas com a sua pouca eficácia.
Entendo que as levadas são úteis e desejadas pelos proprietários agrícolas e rendeiros das ilhas de Cabo Verde; mas como são também muito dispendiosas, de demorada construção e não podem atingir todas as propriedades agrícolas para deixar satisfeitos todos os interessados no regadio, daqui deverão talvez resultar, pelo menos em certa medida, os queixumes que se levantam na terra cabo-verdiana.
Sei que o Governo se tem interessado por este assunto e tem havido inspecções aos serviços respectivos e às obras realizadas.
O fomento pecuário intensificou-se em S. Jorge dos Órgãos, e no triénio de 1953-1955 satisfizeram-se encargos no total de 4:216.651$20.
O fomento florestal despendeu 1:670.432$55 no mesmo triénio.
Devo, porém, esclarecer que foi anteriormente, nos anos de 1947 e 1948. que muito se intensificou o povoamento florestal de Gabo Verde, plantando-se mais de dois milhões e quinhentas mil árvores.
Vão principiar os trabalhos de captação de água em S. Vicente, especialmente para abstecimento do porto Grande.
Concluir-se-á brevemente o projecto da estrada que há-de ligar o porto Novo (Carvoeiros) com o Norte da ilha de Santo Antão.
Irá ser posta a concurso a adjudicação da obra do aeródromo próximo da cidade da Praia.
Para me não alongar, não farei mais considerações sobre a execução do Plano de Fomento nem das outras despesas extraordinárias, isto é, da execução do plano administrativo que fez parte integrante do orçamento geral da província no ano económico de 1905; mas o que disse bastará para a Assembleia Nacional formar o seu juízo.
Sr. Presidente: vou passar à apresentação de elementos que nos possam traduzir a situação financeira da província de Cabo Verde.
Começarei por apresentar a posição da dívida pública da província em 31 de Dezembro de cada ano do triénio 1953-1955: 70:144.õ92$51 em 1953, 83:571.565$90 em 1954 e 112:885.721$27 em 1955.
Como vemos, a dívida pública de Cabo Verde vai crescendo de ano para ano. Os motivos deste crescimento residem em. dois factos: o primeiro é devido a que a província teve de contrair no Ministério das Finanças o empréstimo de 137 000 contos para a execução do Plano de Fomento, tendo levantado 13 000 contos em 1953, 26 000 contos em 1954 e 55 000 contos em 1955; e o segundo facto é devido à falta de recursos financeiros da província, que não lhe permitem satisfazer este e outros encargos da dívida pública.
Para pagamento das anuidades do empréstimo contraído na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, de que o Ministério das Finanças é avalista e a província ainda era devedora à Caixa de 38:832.548$5O em 31 de Dezembro de 1955, o Ministério das Finanças já pagou 6788 contos em 1953, 10 985 contos em 1954 e 15 182 contos em 1955.
Daqui resulta o crescimento anual da dívida pública desta província ultramarina, e não se descortina maneira de a província poder pagar por si.
Ou me engano, ou o Governo ver-se-á obrigado, mais cedo ou mais tarde, a converter tão elevada importância em dívida consolidada, a taxa de juro muito reduzida, semelhantemente à medida que tomou, dentro da vigência do Estado Novo, em relação à província de Angola, na importância de 836 000 contos.
A província de Cabo Verde não só não pode pagar os juros, e muito menos a amortização da sua dívida pública, como não está em condições financeiras de satisfazer o encargo anual de cerca de 3000 contos resultante do vencimento complementar dos seus funcionários.
O orçamento geral da província não comporta o encargo do vencimento complementar dos funcionários estabelecido pelo Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, aprovado pelo Decreto n.º 40 709, de 31 de Julho de 1956. O direito ao abono de vencimento fixado neste decreto somente se verificará a partir da data em que os recursos financeiros permitirem a inscrição no orçamento da verba necessária ao seu pagamento.
Tem havido, realmente, excesso de cobrança no porto de S. Vicente, em relação à prevista no orçamento, por motivo do encerramento do canal de Suez, mas nem o aumento de receitas do porto Grande é bastante para cobrir o encargo do vencimento complementar, nem este aumento tem carácter de permanência.
O aumento verificou-se nos últimos três meses do ano de 1956, como se poderá observar pela totalidade das receitas arrecadadas nos seguintes meses: 1:205.385$13 em Setembro, 1:395.599$06 em Outubro, 1:507.866§96 em Novembro e 2:024.119$40 em Dezembro.
Não é cobrança que possa satisfazer o encargo.
Sr. Presidente: indiquei anteriormente que o encargo da dívida em 1955 foi de 15 182 contos. Para apreciarmos a situação financeira é indispensável conhecer também o balancete das operações de tesouraria refe-
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rente ao dia 31 de Dezembro do ano de 1955, isto é, ao último dia da gerência deste ano.
Na respectiva relação anexa à conta de gerência de 1955 consta o balancete com os saldos credores na importância de 44:075.838$37 e os saldos devedores na quantia de 11:943.180$04, resultando, portanto, o saldo a favor da Fazenda na quantia de 32:132.658$33.
Se estes saldos se liquidassem, a província de Cabo Verde ficaria habilitada a pagar o encargo da dívida pública no ano de 1955.
O saldo das operações de tesouraria deve merecer confiança, visto que as contas interprovinciais se encontram ajustadas, conferidas e liquidadas, o que é deveras louvável.
Digo mais: na história das operações de tesouraria torna-se notável este acontecimento em Cabo Verde; porque, além de dignificar os serviços de Fazenda e contabilidade da província que lhe deram execução, merece ser destacado pela sua importância e para exemplo a seguir noutras províncias.
Há contas interprovinciais de dezenas de milhares de contos que há dezenas de anos estão por liquidar, apesar de muitos esforços se terem feito no sentido de as ajustar. Moçambique, por exemplo, considera que a índia lhe deve 21:773.907$26 e que S. Tomé e Príncipe lhe devo também 1:136.033$53; e estas províncias contestam parte destes débitos.
A província de Cabo Verde marcou uma posição de destaque no ajustamento e liquidação das coutas interprovinciais.
Para nos aproximarmos da verdadeira situação financeira desta província teremos ainda de considerar o saldo da conta de gerência.
Como sabemos, no ultramar ainda existe a conta de gerência, que traduz o movimento geral de fundos e outros valores -jóias, valores selados, papéis de crédito-, tanto de couta própria como de couta alheia, que entraram e saíram nos cofres da Fazenda. E, pois, diferente da conta de exercício.
Observada a conta de gerência, verifica-se que fechou com o saldo positivo de 34:079.204$93.
Resta saber a quem pertence este saldo: à Fazenda ou às operações de tesouraria?
Como o balancete das operações de tesouraria, a que já me referi, dava posição credora à Fazenda, teremos de concluir que aquele saldo era pertença exclusiva da Fazenda.
E, sendo assim, era desafogada a situação da tesouraria no final da gerência de 1955.
Porém, para indagar da situação financeira da província é indispensável atender a que na conta de gerência foi incluída a quantia de 39:605.795$55, produto do empréstimo para a execução do Plano de Fomento. E assim se vê que o dinheiro em cofre é proveniente do empréstimo sobre o qual recai o encargo de juros.
Não é, portanto, favorável a situação financeira da província de Cabo Verde, conforme aquilo que os números traduzem. E esta situação é devida aos avultados empréstimos que todos nós sabemos terem eido contraídos para fazer face aos períodos de tremendas crises por que a província tem passado e ainda para dar execução aos empreendimentos do Plano de Fomento e outras obras necessárias e indispensáveis ao desenvolvimento económico do arquipélago.,
São estas as minhas considerações à administração e situação das finanças da província de Cabo Verde, feitas através dos resultados das suas contas de gerência, de exercício e de operações de tesouraria no ano de 1955, segundo a orientação que inicialmente tomei.
PROVÍNCIA DA GUINÉ. - No orçamento desta província que vigorou durante o ano económico de 1955, as receitas ordinárias foram avaliadas na quantia de 97:004.310$86 e as receitas extraordinárias foram fixadas em 37:350.000$.
A proveniência das receitas extraordinárias e os seus montantes foram os seguintes: empréstimo da metrópole, 9000 coutos; lucros de amoedação, 17 000 contos; parte dos saldos de exercícios findos, 11 350 contos.
As despesas ordinárias e extraordinárias foram fixadas em quantias iguais às respectivas receitas.
Foi, deste modo, cumprido o preceito que impõe o equilíbrio orçamental.
O programa de administração incluído no orçamento geral da província compreendia empreendimentos do Plano de Fomento na importância global de 9000 contos e outras despesas extraordinárias na quantia de 28 350 contos.
Em traços gerais ficou assim delineado o orçamento da província da Guiné para o ano económico de 1955.
Vejamos seguidamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, através da conta de exercício, quais foram os resultados que se obtiveram na execução geral do orçamento, e particularmente do plano de administração.
A conta acusa os seguintes resultados quanto a receitas e despesas ordinárias:
Receitas ordinárias cobradas ....... 102:418.900$80
Despesas ordinárias pagas .......... 95:098.212862
Saldo disponível do exercício 7:320.688$18
Com a obtenção deste saldo disponível do exercício de 1955 foi respeitado o preceito constitucional do equilíbrio da conta.
O saldo foi devido ao excesso da cobrança sobre a previsão e à economia efectuada nas despesas. É verdadeiro, não estando falseado por enganos ou contabilidade defeituosa.
Sr. Presidente: irei agora apresentar o movimento total das receitas e despesas do exercício de 1955, incluindo os serviços autónomos - Correios, Telégrafos e Telefones, Administração do Porto de Bissau, Comissão de Caça e Fundo de Fomento e Assistência -, cujos resultados foram os seguintes:
Receitas contabilizadas ......... 172:682.144$35
Despesas contabilizadas ......... 127:389.644$89
Saldo disponível.................. 7:320.688118
Saldo não disponível.............. 37:971.811$28
Saldo positivo do exercício....... 45:292.490$46
O saldo não disponível ou comprometido que transitou revalidado para o ano de 1956 dá-nos e ideia geral do modo como foi executado o plano de administração que fora concebido para ser posto em prática no ano de 1955.
Sr. Presidente: para melhor se concretizar, através dos números da conta de exercício, qual a execução que foi dada ao plano de administração, compreendendo os empreendimentos do Plano de Fomento e outras despesas extraordinárias, vou apresentar os respectivos mapas, com a indicação dos créditos autorizados, da despesa paga e dos saldos que transitaram para o exercício de 1956.
Correspondem estes mapas aos artigos 282.º e 283.º, do capítulo 12.º, da tabela de despesa extraordinária de 1955 e cujos resultados se encontram discriminados em documento anexo à conta de exercício da província da Guiné.
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Plano de Fomento
(ver tabela na imagem)
(a) A dotação primitiva que foi fixada no orçamento geral da província ora de 5:000.000$; desta dotação foi desvinda a quantia de 2:500.000$ por transferência para constituir dotação do outro crédito.
(b) Este crédito foi aberto durante o exercício.
Outras despesas extraordinárias
(ver tabela)
(a) Crédito posterior à publicação do orçamento geral.
(b) O primeiro Crédito ordinário era de 300.000$ donde foi retirada a quantia de 50.0000 para reforço de outro crédito.
Nestes dois mapas se observa qual foi o plano de administração da Guiné 110 ano de 1955, na sua parte mais importante, pois ainda resta dar conta de outra parte de que mais adiante trataremos, e como foram distribuídas as dotações extraordinárias, isto é, como se distribuiu a importância de 9000 contos, proveniente de empréstimos da metrópole e destinada às obras do Plano de Fomento; e a importância de 28 350 contos, proveniente de lucros de amoedação e de parte dos saldos de exercícios findos, destinada a outras despesas extraordinárias.
Seriam longas e demoradas as considerações que se poderiam fazer acerca dos números representativos das importâncias dos créditos, das despesas e dos saldos e daquilo que eles traduzem quanto n execução do plano de administração no exercício de 1955.
Poderíamos ainda considerar como este plano de administração se ajusta à estrutura económica da província.
Para abreviar as minhas considerações farei apenas notar que de 9000 contos destinados ao Plano de Fomento se gastaram somente 976 contos, isto é. pouco mais da décima parte dos créditos autorizados. E daqui podemos ser levados a concluir que a província da Guiné ainda não tem capacidade realizadora para as
nossas ambições, que procuram aumentar cada vez mais o seu crescente progresso.
Devo, no entanto, esclarecer que têm caminhado as obras do Plano de Fomento.
Já se encontra concluída a ponte em Bafatá. Está a construir-se a ponte do Corubal, junto ao Saltinho, por administração directa dos serviços de obras públicas da província. E esta ponte encontra-se em estado adiantado de construção, pois já estão concluídos: o encontro da margem direita, os três pilares da ponte e os dois primeiros tramos do tabuleiro.
A ponte de cacheu ficou para a 2.ª fase do Plano de Fomento. A ponte-cais de Binta está a ser estudada e o seu projecto foi entregue a um engenheiro professor. O equipamento de material móvel para a ponte-cais de Bissau já foi encomendado. Está a construir-se o edifício destinado à Administração do Porto de Bissau.
Foi construído o aeroporto em Bissalanca, junto à cidade de Bissau.
Em estradas, por administração directa das obras públicas da província, fez-se a pavimentação entre Bissalanca e Safim e foi adjudicada a uma empresa construtora o troço de Safim a Mansoa. Ainda por administração directa das obras públicas ficou o troço entre Bafatá s Nova Lamego; e os mesmos serviços
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estão a abrir a estrada entre Bula e Ingorei também por dotações do Plano de Fomento. E quanto ao capítulo da defesa, enxugo e recuperação de terrenos para a agricultura, já se recuperaram, pelos serviços de agricultura da província, os «ouriques» de Picle, na região do Biombo, de Dorse, na mesma zona, e em Fulacunda.
Para estudos relativos ao mesmo capítulo da defesa, enxugo e recuperação de terrenos para a agricultura encontra-se na Guiné a brigada de estudos hidráulicos, que foi criada pela Portaria Ministerial n.º 15 696, de 7 de Janeiro de 1956. Esta brigada tem por missão colher elementos de campo e proceder ao estudo dos trabalhos a realizar com vista ao melhoramento das actuais condições hidráulicas do rio Geba, no que respeita fundamentalmente à navegação, defesa contra cheias, drenagem e, eventualmente, rega dos campos marginais.
Esclarece-nos o nosso ilustre colega Eng. Araújo Correia, relator do parecer das contas das províncias ultramarinas, a p. 119, que a obra de defesa, enxugo e recuperação de terrenos da Guiné tem larga projecção na economia da província.
Concordo inteiramente. E vou mais além, indicando a recuperação de terrenos na região do Quínera, nas povoações de Jabadá, Louvado e outras, onde os Balantas se dedicam à cultura do arroz.
Depois dos trabalhos hidráulicos nos campos marginais do rio Geba será indispensável atrair os Balantas, pois, como é do conhecimento geral, os Mandingas e os Fulas não sabem cultivar «bolanhas» ou «lalas» de arroz. Dedicam-se à cultura do milho e da mancarra. Têm, como é natural, a sua cultura própria.
O ilustre relator do parecer das contas, Sr. Eng. Araújo Correia, diz-nos das vantagens que há na dragagem dos rios da Guiné, que constituem a base dos transportes. E entende ser conveniente estabelecer um plano devidamente coordenado do sistema de comunicações fluviais e terrestres, dos rios e estradas, que se crê estar em andamento.
Estou inteiramente de acordo em que se estabeleça tal plano, e oxalá que ele já esteja em estudo.
Julgo de tal importância a existência dum plano que coordene o sistema de comunicações fluviais e terrestres da Guiné que me atrevo a emitir a seguinte opinião, que, aliás, é corrente ouvir-se naquela província àqueles que há muitos anos lá vivem e trabalham: quando houver boa estrada entre Bafatá e Farim, a drenagem do amendoim para o porto fluvial de Binta far-se-á por via rodoviária.
Oxalá que esta opinião, baseada na economia de reduzir despesas e no conhecimento dos transportes da Guiné, possa servir a quem tiver de estudar o sistema de comunicações dos rios e estradas desta província ultramarina.
Quando defini a orientação a seguir na minha apreciação às contas das províncias ultramarinas não incluí os serviços autónomos para me não tornar demasiadamente extenso.
Acontece, porém, que o Fundo de Fomento e Assistência desta província tem certa relevância na vida administrativa da Guiné. E gerido por um conselho administrativo, a que preside o governador, e as contas da sua administração são prestadas ao tribunal administrativo local.
Esta circunstância e o facto de o Fundo referido ser de fomento e assistência, e, portanto, envolver parte do plano de administração a executar durante o exercício, a que já anteriormente fiz referência, leva-me a considerá-lo incluído neste plano; por isso, vou apresentar as suas dotações para fazer os comentários e as sugestões que julgo merecer esta parte da administração pública da Guine.
Fundo de Fomento e assistência
Para funcionamento dos serviços
do Fundo de Fomento..........................146.500$00
Para serviços de saúde, administração civil,
assistência e beneficência.................1.924.000$00
Para serviços de obras públicas,
comunicações, marinha e aeronáutica civil..1.650.400$00
Para fomento agrícola, florestal e pecuário,
Inspecção do Comércio Geral,
serviços de agricultura e veterinária......1.429.600$00
Para subsídios a conceder pelo governador..4.400.000$00
Despesas diversas................... 1.370.000$00
Soma.................................. 10.920.500$00
Não há dúvida, Sr. Presidente, de que este Fundo tem semelhança com o Fundo de Fomento de Angola, e se a comissão administrativa deixasse de ser presidida pelo governador da província a semelhança seria mais completa.
Não parece aceitável que se sujeite o governador ao julgamento do tribunal administrativo local como presidente da comissão administrativa do Fundo.
Além disso, há quem entenda que parte das dotações se encontram deslocadas neste Fundo e antes deveriam ir aumentar as respectivas verbas do orçamento geral da província, onde têm o seu lugar próprio.
Nota-se também que, a não ser as importâncias destinadas a subsídios e pensões, construção de silos para recolha de sementes, combustíveis, lubrificantes e sobresselentes e outras despesas relativamente pouco vultosas, as outras dotações dizem respeito, na sua quase totalidade, ao pessoal. E é por esta razão que se ouve na província dizer que tais dotações do Fundo de Fomento e Assistência servem para ocultar o alargamento de quadros.
Há ainda a notar que a dotação de 4400 contos destinada aos subsídios que o governador por si só entenda que deve conceder parece não ser talvez de aceitar dentro dos princípios da nossa administração financeira.
Tenho pena, Sr. Presidente, de não me ser possível trazer à Assembleia Nacional os resultados do exercício sobre a administração deste Fundo quanto a despesas pagas. Sei apenas, pelos comentários feitos pelo chefe dos serviços de Fazenda da Guiné, que as contas do Fundo de Fomento e Assistência não foram acompanhadas de qualquer relatório elucidativo para melhor serem apreciadas.
Este assunto que acabo de expor e comentar é facilmente remediável nos seus pequenos senões. Creio até que já hoje eles se não revelam.
O que se torna necessário é dá7los a conhecer para os remediar, atendendo aos ensinamentos que nos trouxer a prática da sua execução.
Sr. Presidente: seguidamente desejo mostrar, através de elementos colhidos nas contas de gerência e exercício de 1955, qual seria a situação financeira da província da Guiné no último dia de Dezembro daquele ano.
Principiarei pela indicação da dívida pública da província naquela data, que era de 88:806.006$ 10. A origem desta dívida era de 37:675.070$ ao Banco Nacional Ultramarino e de 5l:130.936$10 ao Fundo de Fomento Nacional.
Os encargos da dívida pública em 1955 foram de 5:780.954$lO e em 1956 atingiram a quantia de 4:124.187$.
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Quanto ao empréstimo de 78 000 contos, feito pelo Fundo de Fomento Nacional, apenas se tem orçamentado a verba destinada ao pagamento de juros correspondentes aos levantamentos realizados, visto que só em 1958 estará totalmente levantado. A amortização deste empréstimo terá começo a partir do ano de 1959.
No balancete das contas de operações de tesouraria junto à conta de gerência existem saldos credores na quantia de 22:470.069$31 e saldos devedores na importância de 9:590.564$14, donde resultou o saldo a favor da Fazenda na quantia de 12:879.505$l7.
Há ainda avultadas despesas próprias pagas na metrópole e não contabilizadas na província; e pequenas despesas liquidadas que não foram pagas no exercício de 1955, o que não afecta grandemente o saldo credor da Fazenda em operações de tesouraria.
Outro elemento, e de grande importância, a que deveremos recorrer para se avaliar da situação financeira da província é a existência de numerário nos cofres do Estado.
A conta de gerência de 1955 acusa o saldo, em dinheiro, jóias e papéis de crédito, de 65:494.097$34, sem incluir os valores selados, na quantia de
18 :688.517 $55
Naquele saldo avultado de 65 494 contos estão incluídos 100.000$ em papéis de crédito e 12.886$48 em jóias. A parte restante é constituída por numerário existente na tesouraria da província e nas recebedorias de Bissau, Bolama, Bafatá e Bissorã.
É evidente que, segundo as indicações numéricas que acabo de apresentar, a situação financeira da província da Guiné se encontrava no final da gerência de 1955 inteiramente desafogada, em condições de satisfazer todos os seus encargos.
Não posso, no entanto, deixar de repetir que a dívida publica da Guiné era de 88 806 contos, a existência em numerário era de 65 494 contos, e ainda havia o saldo a favor da Fazenda de 12 879 contos das operações de tesouraria, para me habilitar a fazer este comentário: ou o dinheiro em cofre era proveniente dos empréstimos contraídos, ou então não se vê claramente a razão do empréstimo de 51 130 contos ao Fundo de Fomento Nacional.
Esta minha observação tem em vista prever este acto de administração financeira em que inadvertidamente se poderá cair: pagar juros de importâncias levantadas e provenientes de empréstimos, as quais se encontrem depositadas em cofre, sem lhes ser dada aplicação.
E aqui dou por findas as minhas considerações às contas da Guine.
PROVÍNCIA DE S. TOME e PRÍNCIPE. - Continuando a seguir a mesma orientação, começarei por apresentar o esquema do orçamento geral da província, com inclusão do respectivo plano de administração, para depois analisar a conta de exercício.
No orçamento de 1955 as receitas ordinárias de S. Tomé e Príncipe foram avaliadas na quantia de 50:308.671$ e as receitas extraordinárias - destinadas à execução do Plano de Fomento e a outras despesas da província consideradas de natureza extraordinária foram fixadas na quantia de 35:500.000$.
Estas receitas extraordinárias tiveram as seguintes origens: empréstimo da metrópole, 14:500.000$; parte dos saldos de contas de exercícios findos, 16:000.000$; imposto de sobrevalorização, 5 :000.000$.
As despesas ordinárias e extraordinárias foram fixadas na respectiva tabela do orçamento geral da província em quantias iguais às receitas do mesmo nome, dando-se assim cumprimento ao preceito constitucional do equilíbrio do orçamento.
Para completar o esboço do orçamento geral resta-me indicar o programa de administração nele contido, compreendendo empreendimentos do Plano de Fomento e outras despesas extraordinárias. Como obras do Plano de Fomento estavam incluídas as seguintes: aquisição de terras, aldeamentos para famílias de trabalhadores e assistência agro-pecuária; saneamento de pântanos e esgotos; cais no porto de Ana Chaves e outros trabalhos portuários, e, por último, construção de parte da estrada de cintura da ilha de S. Tomé.
Nas outras despesas extraordinárias estavam incluídas as seguintes obras: construção de edifícios públicos; construção e grandes reparações nos aquartelamentos e edifícios militares; aquisição de material tipográfico para a Imprensa Nacional; estudos e projectos, e estudo dos aproveitamentos hidroeléctricos do rio Contador.
Ficou deste modo esquematizado o orçamento geral de S. Tomé e Príncipe e o seu plano de administração para 1955.
No nosso modesto entender, este plano de administração está bem concebido e adapta-se perfeitamente à economia da província, na parte que diz respeito ao Plano de Fomento.
S. Tomé e Príncipe é essencialmente agrícola e todas as actividades nela existentes têm a sua vida ligada ou dependente da única base em que assenta a estrutura económica da província, que é a sua agricultura.
Ora, Sr. Presidente, as obras incluídas no Plano de Fomento têm por objectivo apoiar e auxiliar a actividade agrícola.
Preparar aldeamentos para famílias de trabalhadores agrícolas denuncia manifesta intenção de querer servir a agricultura; prestar assistência agro-pecuária às roças da província é aspiração há muito tempo mantida; construir o cais acostável para lanchas e batelões no porto de Ana Chaves é facilitar à agricultura a carga e descarga, e pavimentar e construir aquelas estradas de S. Tomé que dão saída para o porto de Ana Chaves aos produtos agrícolas de exportação é evidentemente facilitar os transportes à agricultura.
Não há, pois, dúvida alguma de que o plano de administração contido no orçamento de 1955 da província de S. Tomé e Príncipe, e na parte relativa ao Plano de Fomento, foi bem concebido, adaptando-se inteiramente à estrutura económica da província.
Delineado a traços largos o esboço do orçamento, vejamos agora como se desenvolveu- o exercício na administração das finanças e a que resultados se chegou no final do seu período complementar.
Analisando a conta de exercício, verificámos que se obtiveram estes resultados:
Receita ordinária cobrada e de créditos
Abertos............................. 54:042.488 $62
Despesa ordinária paga 40 :796.718$80
__________________
Saldo disponível do exercício 18 :245.764$82
Este saldo positivo e disponível está certo. Foi bem obtido, de harmonia com a técnica da nossa contabilidade, pois não foi influenciado pelos créditos abertos com recurso no saldo de exercícios findos, visto que a importância não utilizada reverteu à origem da sua contrapartida.
Houve excesso de cobrança relativamente à previsão orçamental e o montante das despesas pagas foi inferior ao autorizado, donde resultou o saldo acusado pela conta.
Importa destacar, Sr. Presidente, que se verifica o equilíbrio da conta na data do seu encerramento, dan-
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do-se, assim, cumprimento ao preceituado na lei fundamental do País.
Tendo observado o resultado da conta relativamente às receitas e despesas ordinárias, devo passar a examinar o resultado do conjunto de todo o movimento das receitas e despesas, tanto de natureza ordinária como extraordinária, durante o mesmo exercício:
Receitas contabilizadas ...................... 121:664.595$42
Despesas contabilizadas ...................... 49:226.812680
Saldo disponível ..........13:245.764$82
Saldo não disponível.......59:192.517$80
Saldo positivo do exercício ................... 72:488.282$62
Estes resultados traduzem, de um modo geral, como foi executado o orçamento.
No entanto, afigura-se-me conveniente prestar alguns esclarecimentos.
Não há dúvida de que no cômputo geral a importância que totalizou as despesas pagas foi inferior à orçamentada, e, portanto, sob este aspecto contribuiu-se para o equilíbrio da conta.
[ver tabela na imagem]
Através destes elementos, colhidos na couta de exercício da província, se reflecte como foi executado o plano de administração em S. Tomé e Príncipe no ano de 1955.
Algumas considerações serão necessárias para a boa compreendo destes dois mapas.
Os saldos do Plano de Fomento foram transferidos para 1956, nos termos da Portaria Ministerial n.º 15 147, de 7 de Dezembro de 1954.
Os saldos das outras despesas extraordinárias não se encontram revalidados no mapa dos créditos ordinários e especiais que se encontra anexo à conta de exercício.
Já anteriormente expus a origem das importâncias destinadas às obras extraordinárias: empréstimo concedido pela metrópole, aproveitamento de parte dos saldos das contas de exercícios findos e parte do imposto de sobrevalorizações.
Devo nesta altura esclarecer que inicialmente, para a execução da 1.ª fase do Plano de Fomento, o imposto de sobrevalorização deveria concorrer com 30 000 contos e o excedente desta quantia seria destinado a outras obras extraordinárias de fomento.
Observa-se, no entanto, que nalguns capítulos os pagamentos excederam as dotações inicialmente inscritas na tabela de despesa ordinária.
No capítulo 6.º «Serviços de justiça» houve o excesso de 91.247$20, que foi coberto com reforços tirados das disponibilidades dos capítulos -4.º e 10.º
No capítulo 8.º «Serviços militares» verifica-se ter havido o excesso de 1:363.095$60, que foi coberto por crédito especial aberto com recurso na cobrança das receitas consignadas ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar.
Como a cobrança do imposto de defesa militar excedeu a prevista -l:157.000$- na quantia que indiquei -1:363.095$60-, houve que ser feito o respectivo reforço para ser entregue ao Sr. Ministro do Exército, que é o administrador desse Fundo.
Quanto às obras extraordinárias, quer as relativas aos empreendimentos do Plano de Fomento, quer outras não abrangidas naquele Plano, mais fácil será apreciar a execução que lhes foi dada durante o exercício, em face dos mapas, que vou apresentar, representativos do valor das autorizações concedidas, das despesas realizadas e dos saldos que transitaram para o ano de 1956.
PLANO DE FOMENTO
[VER TABELA NA IMAGEM]
Ora, acontece que de Maio de 1952 até 30 de Setembro de 1956 aquele imposto rendeu em S. Tomé e Príncipe a quantia de 30:747.423$40, havendo, portanto, o excesso de 747 contos, que deverá ter aplicação noutras obras extraordinárias.
Convém esclarecer a Assembleia Nacional de que a partir daquela data que indiquei -30 de Setembro de 1956 - o rendimento das sobrevalorizações tem sido muito baixo, quase insignificante, pelas razões que vou expor: a cotação internacional do cacau desceu tanto que já não atinge o valor mínimo para ficar sujeito ao imposto de sobrevalorização; a copra foi isenta deste imposto por determinação ministerial.
Em presença dos números expostos parece, Sr. Presidente, que se poderá tirar a conclusão de não ter sido, absolutamente necessário recorrer ao empréstimo para realizar em S. Tomé a l.ª fase do Plano de Fomento.
Esta conclusão está afinal confirmada na própria conta que estou a analisar. Esta diz-nos que nos empreendimentos do Plano de Fomento até 1955 apenas se gastaram 12:807.482^20, sendo pagos 9:006.637$90 em 1953, 3:768.376$50 em 1954 e 32.467$80 em 1955.
Ora, Sr. Presidente, se o rendimento do imposto de
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sobrevalorização atingiu 30 000 contos e as despesas pagas durante três anos foram apenas de 12:807.482$20, e evidente que o empréstimo de 68 000 contos que se contraiu para as obras do Plano de Fomento não era absolutamente necessário para realizar a 1.ª fase daquele Plano.
Talvez por esta e outras razões o nosso ilustre colega Sr. Eng. Araújo Correia, ao relatar o parecer sobre as contas do ultramar e referindo-se à província de S. Tomé e Príncipe, a p. 160, aponta a vantagem que haveria de indicar e individualizar nas contas o que se pagou por conta de empréstimos, de saldos de exercícios lindos e por força de outras receitas.
Em plena concordância, permito-me corroborar tão salutar sugestão e para tanto chamei a atenção da Assembleia Nacional para o facto de as sobrevalorizações cobrirem as despesas da 1.ª fase com as obras do Plano de Fomento nesta província ultramarina.
Sr. Presidente: se nos detivermos no exame do mapa que apresento à consideração de Y. Ex.ª e dos Exmos. Srs. Deputados, e diz respeito às obras do Plano de Fomento, observamos que, tendo sido inscrita a quantia total de 29 500 contos na tabela das despesas para 1955, apenas foi despendida a insignificante quantia de 32.467$.
Por aqui se vê o atraso em que se encontrava, naquele ano, a execução das obras do Plano de Fomento na província de S. Tomé e Príncipe.
Em todo o caso, sabe-se que estão em plena execução as obras do cais acostável para lanchas e batelões na baía de Ana Chaves, que foram adjudicadas a uma empresa construtora.
Estas obras deverão importar em cerca de 13 000 contos e está previsto que o cais estará em condições de servir ainda no decorrer deste ano.
As obras com as estradas de S. Tomé, devido ao seu volume, foram divididas em duas fases. Na 1•a fase foram considerados os seguintes troços de estradas: da cidade de S. Tomé à roça das Plancas; da cidade à Casa de Repouso Salazar e de Bobô Fôrro à vila da Madalena; da cidade à roça Água-Izé.
Encontram-se em plena execução os trabalhos desta 1•a fase, que foram dados de empreitada. E sabe-se que se estão a activar os trabalhos com obras de arte e à macadamização destas estradas para na próxima época seca ou da « gravana », que decorre geralmente de Maio a Setembro, se possa já proceder à sua asfaltagem.
Na 2.ª fase considerou-se o prolongamento da estrada de Água-Izé, num percurso de 22 km, até S. João dos Angolares.
Será brevemente aberto concurso para a execução desta obra o a importância deverá ser da ordem dos 15 000 contos.
Porém, quanto a aldeamentos para trabalhadores agrícolas, assistência agro-pecuária e saneamento de pântanos nada há que denuncie ao público a execução de tais trabalhos.
Creio que se abandonou a ideia dos aldeamentos e se substituiu pela urbanização das vilas da Trindade, Neves, Angolares, Guadalupe e Madalena.
No Gabinete de urbanização, em Lisboa, já se realizaram trabalhos ou projectos de arruamentos, esgotos, abastecimento de água, iluminação, e dos chamados centros cívicos, como postos sanitários, mercados, escolas, etc. E daqui depreendo eu que se tenha posto de parte a ideia dos aldeamentos, cuja iniciativa se deve ao nosso ilustre colega Sr. Capitão Teófilo Duarte quando Ministro das Colónias.
Não é ideia para desprezar a da urbanização das vilas; mas não satisfaz o fim para que foram criados os aldeamentos.
Quanto ao capítulo de saneamento de pântanos e esgotos, também nada se gastou no ano de 1955, como se indica no quadro respectivo.
Devo, porém, esclarecer que por administração directa dos serviços das obras públicas e por empreitada se executaram trabalhos nos pântanos da Conceição, Bairro Marcelo Caetano e junto ao Cinema Império; mas muito há ainda a fazer no saneamento de pântanos.
Sr. Presidente: lido atentamente o parecer sobre as contas do ultramar na parte relativa à província de S. Tomé e Príncipe verificamos que o seu relator, a pp. 131 e seguinte do parecer, aponta um erro que temos cometido e, ao mesmo tempo, aconselha como se deverá resgatar.
Filia as crises da província na pequena produtividade da sua principal exploração agrícola - o cacau-, visto que a produção unitária dos cacaueiros não atinge presentemente a média de 300 kg por hectare, sendo considerada a mais baixa dos territórios produtores.
E diz-nos mais que o facto de se ter deixado cair tão fortemente a produtividade constitui um erro que a província e, indirectamente, a economia nacional estão a pagar caro no presente momento.
Mas o Sr. Eng. Araújo Correia não se limita a indicar o erro e a dizer que a exportação do cacau desceu para menos de um quarto. Indica como solução para resolver este problema criação na província de um organismo técnico que estude todas as questões relacionadas com a produção do cacau e outros produtos agrícolas.
Manifesto, Sr. Presidente, a minha inteira concordância com a nossa Comissão das Contas Públicas e com o relator do parecer acerca do problema enunciado.
Há ainda outra observação importante feita pelo ilustre relator, a p. 145 do parecer, relativamente às despesas ordinárias com a engrenagem burocrática, que ao Sr. Eng. Araújo Correia se afigura demasiadamente numerosa para as necessidades da província, propondo que se reduza o número de unidades ao estritamente necessário.
Já não é a primeira vez, Sr. Presidente, que o Estado Novo lançou mão deste meio para aliviar a província de S. Tomé e Príncipe quando diminuíram os seus réditos numa emergência semelhante à presente.
E não vai longe a época - foi em 1933 - que a Fazenda se viu em sérios embaraços para satisfazer o encargo com os vencimentos dos funcionários e com as despesas correntes, vendo-se o Governo da Nação obrigado a retirar à província a sua autonomia administrativa por correr grave risco a sua situação financeira.
Concordando pois com o ilustre relator do parecer, aqui deixo a minha humilde opinião para se recorrer às economias que o Estado possa fazer na administração das suas receitas ordinárias, a fim de não se correr o risco de surpresas e de não se voltar a cair nos erros do passado, que nós tanto temos verberado.
Sr. Presidente: continuando na mesma orientação que tracei ao iniciar as minhas apreciações às contas do ultramar, vou passar a referir-me à situação financeira da província de S. Tomé e Príncipe, utilizando elementos colhidos nas suas contas de gerência e exercício de 1955.
A dívida pública da província em 31 de Dezembro de 1955, além do empréstimo da metrópole, era de 48.342$90, correspondente às 6.ª e 7.ª semestralidades do reembolso do capital e juros dos créditos resultantes do fornecimento de material para os serviços meteorológicos da província, imposto pelo Decreto n.º 38 257, de 18 de Maio de 1951.
Nos termos do decreto-lei n.º 39 648, de 12 do Maio de 1954, a província contraiu um empréstimo de 68 000 contos destinados aos empreendimentos do Plano de Fo
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mente. Deste empréstimo recebeu, à data do encerramento da conta, a importância de 26 500 contos, que lhe causou os seguintes encargos somente com o pagamento de juros: 40.817$90 em 1954; 540.000$ em 1955, e 1:687.500$ em 1956.
Apesar de ser já grande o encargo da dívida, pagando apenas os juros do capital levantado, muito maior será a partir de 15 de Julho de 1959, quando principiar o pagamento das amortizações do capital.
O balancete de operações de tesouraria, que é documento junto à conta de gerência, mostra que a província era devedora, em 31 de Dezembro de 1955, de 23:141.825$28 e credora de 27:056.823$17; mas adida um saldo credor, na importância de 5:689.510$46, sujeito à regularização de contas. E no relatório do chefe dos serviços de Fazenda e contabilidade nota-se este facto, informando que se trabalha com interesse no sentido de harmonizar essas contas, que há longos anos se encontram sem regularização.
Para apreciar a situação financeira da província terei ainda de me servir de elementos fornecidos pela conta de gerência de 1955, relativamente ao saldo que transitou para a gerência seguinte, e da situação da tesouraria naquela data.
Esta conta acusa o saldo de 106:513.093$34 em dinheiro e 18:623.627$10 em valores selados. O numerário existente na província no fim da gerência era de 106:512.980$64, e a Fazenda ainda dispunha, em Lisboa, de 17:109.967$46.
A totalidade do numerário atingia, portanto, a elevada quantia de 123:622.948$10.
Em presença destes números, teremos de concluir que era desafogada a situação financeira da província de S. Tomé e Príncipe no final da gerência de 1955.
No entanto, os mesmos números despertam-me estas observações: julgo ser demasiadamente exagerada a existência em numerário de 123 000 contos, sem ter aplicação útil em obras de fomento e povoamento ou no pagamento antecipado das amortizações do empréstimo.
Faço este comentário, assim como outros que já fiz, como expressão do que entendo que deva ser a administração financeira do Estado Novo.
PROVINCIA DE ANGOLA. - Antes de entrar na apreciação dos resultados das contas da província de Angola, começarei por indicar, seguindo a orientação que inicialmente tracei, as características gerais dominantes do orçamento geral da província que vigorou no ano económico de 1955.
Neste orçamento as receitas ordinárias foram avaliadas na quantia de 1.324:630.626$97 e as receitas extraordinárias foram fixadas na importância de 489:500.000 $, atingindo portanto 1.814:130.626 $97 a totalidade das receitas.
As receitas de natureza extraordinária tiveram as seguintes origens: receitas próprias consignadas ao Plano de Fomento, 70 000 contos; parte dos saldos das contas de exercícios findos para utilização nos empreendimentos do Plano de Fomento, 144 500 contos; Fundo de Fomento de Angola, 6000 contos, e despesas para execução da Lei n.º 2058, de 29 de Dezembro de 1952
- Plano de Fomento -, 269 000 contos.
As despesas ordinárias foram fixadas em 1.125:750.626$97, isto é, em quantia inferior às receitas do mesmo nome, e as despesas extraordinárias foram fixadas em 688:380.000$, isto é, em quantia superior às receitas da mesma natureza.
A quantia de 198:880.000$ de receitas ordinárias previstas, que excedeu o montante das despesas ordinárias fixadas, passou a cobrir a parte da despesa extraordinária que se encontrava sem cobertura, de forma que
se inscreveu a mesma quantia de 1.814:130.626$97 tanto nas receitas como nas despesas do orçamento geral da província.
Deste modo se deu cumprimento ao preceito constitucional que impõe a obrigatoriedade do equilíbrio na organização dos orçamentes gerais das províncias ultramarinas.
Terei ainda de dizer que o orçamento de 1955 foi incluído um vasto plano administrativo de obras extraordinárias destinadas ao aproveitamento hidroeléctrico, à instalação de colonos, à prospecção geológico-
- mineira, aos caminhos de ferro, aeródromos, estradas, habitações para indígenas, prospecção da lepra, investigação de endemias, pantamidização, padrões e monumentos, estudos e projectos, etc., no total de 688 380 contos.
Nesse orçamento geral foram previstas receitas e fixadas despesas para os serviços autónomos do Estado nas seguintes quantias: caminhos de ferro e transportes, 141 :000.000$; correios, telégrafos e telefones, 65:887.920$; luz e água à cidade de Luanda, 30:000.000$; Imprensa Nacional, 9:350.000$, e vapor 28 de Maio, 4:370.000$.
Eis, Sr. Presidente, em breve resumo, o esquema do orçamento geral de Angola que vigorou no ano de 1955.
Vejamos como se deu execução a este orçamento, tomando como bases de apreciação os resultados que nos acusa a respectiva conta de exercício.
Os resultados finais desta conta, em relação às despesas e receitas ordinárias, foram os seguintes:
Receitas ordinárias cobradas........ 1.587 :569.439 $33
Despesas ordinárias pagas........... 1.049 964.811$17
Para cobrir despesas extraordinárias . . 174 672.359$18...... 1.224 :637.170$35
Saldo disponível do exercício .............................362 :932.268$98
Verifica-se que a receita ordinária cobrada foi superior à receita orçamental do mesmo nome na importância de 262:938.812$36. A despesa ordinária paga foi inferior à orçamentada na importância de 75:785.815$80.
Concorreu ainda para se obter o saldo disponível do exercício a importância de 24:207.640$82 de receita ordinária que não foi utilizada no pagamento de despesas extraordinárias.
O saldo foi, pois, obtido à custa do excesso da cobrança e da diminuição das despesas.
Assim se deu cumprimento ao preceito legal que impõe o equilíbrio da conta.
Continuando, Sr. Presidente, na análise da conta, vou apresentar um esquema de resultados onde se encontram incluídas. todas. as receitas e despesas, tanto ordinárias como extraordinárias, do exercício de 1955, incluindo as importâncias dos créditos especiais abertos no decurso do exercício, com disponibilidades nos excedentes das receitas e nos saldos das contas de exercícios findos, o que fez aumentar as despesas ordinárias e extraordinárias em 484:090.417$53.
Receitas contabilizadas....... 2.479:126.196$25
Despesas contabilizadas...... 1.609: 488.690$70
Saldo disponível....... 362:932.268$98
Saldo não disponível..... 506:855.236$57
Saldo positivo do exercício...... 869 787.505$55
O saldo não disponível resultante de créditos revalidados para o exercício de 1956, assim como os outros resultados, oferecem aspectos a considerar sobre a ma
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neira como foi executado o orçamento geral da província.
Dei esta disposição a esses resultados da conta, como já procedi anteriormente ao referir-me às contas de outras províncias, com o fim de os evidenciar, pois sobre eles se deve fixar a nossa cuidadosa atenção.
Por eles se aprecia, em conjunto, envolvendo a totalidade do orçamento geral, como foi exercida a acção administrativa durante o exercício e o seu período complementar.
Porém, como tenho em vista evidenciar particularmente, através dos números da conta, como se executou o grandioso plano de administração que fora incluído no orçamento geral de Angola no ano económico de 1935, vou submeter à apreciação da Assembleia Nacional três mapas elucidativos, sendo um relativo ao Plano de Fomento Nacional, outro referente ao Fundo de Fomento de Angola e o terceiro abrangendo as outras obras extraordinárias, isto é, vou destacar os artigos 1092.º, 1093.º e 1094.º, do capítulo 12.º, da tabela das despesas do orçamento geral de Angola, indicando as quantias que a conta de exercício nos apresenta na sua relação da despesa orçamentada autorizada por créditos posteriores à elaboração do orçamento e que foi liquidada e paga no exercício de 1955.
Plano de Fomento
(Ver tabela na imagem)
(a) Crédito aberto pelo Diploma Legislativo n.º 2718, de 23 de Dezembro de 1955.
Fundo de Fomento de Angola
(Ver tabela na imagem)
(a) Crédito aberto posteriormente à publicação do orçamento geral.
Outras despesas extraordinárias
(Ver tabela na imagem)
(a) Foi ordenada a reposição do excesso verificado.
(b) Crédito aberto no decorrer do exercício.
(c) Foi reposta a importância do 208.414$43 pelo director dos serviços de obras públicas.
(d) Restituição das importâncias do Imposto de sobrevalorização que nos anos de 1953 e 1954 foram a mais escrituradas como receita orçamental.
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Sr. Presidente: nestes três mapas que acabo de apresentar, correspondentes aos artigos 1092.º, 1093.º e 1094.º, do capítulo 12.º, da tabela das despesas, desenha-se o plano de administração de Angola no ano de 1955 e a maneira como foi executado durante o respectivo exercício.
Acontece, porém, que o relator do parecer sobre as contas do ultramar, Sr. Eng. Araújo Correia, nota, a p. 243 daquele parecer, que algumas despesas não são suficientemente explícitas, como a de 60 925 contos realizada por intermédio do Fundo de Fomento de Angola, e por esta razão entende o nosso ilustre colega que acerca dessas despesas deveriam ser prestados mais esclarecimentos.
Na verdade assim é, Sr. Presidente.
No artigo 1093.º, do capítulo 12.º, da tabela - relação da despesa orçamentada, liquidada e paga no exercício de 1955 - apenas se indicam as dotações de 100 000 contos para estradas, 50 000 contos e mais 15 925 para outros objectivos, com a despesa paga de 65 925 contos, sem qualquer discriminação desta despesa; portanto, a conta de exercício, nesta parte da relação das despesas, não está suficientemente explícita.
E mesmo que se recorra à conta de gerência da C. A. F. F. A. no ano de 1955, que se encontra anexa à conta de exercício da província, continuamos a ficar sem saber qual tenha sido a aplicação daquela despesa de 65 925 contos.
No espelho da conta de gerência do Fundo de Fomento de Angola, na parte do débito, verifica-se que a dotação de 150 000 coutos relativa ao referido artigo 1093.º provém da receita ordinária do orçamento geral que foi consignada àquele Fundo e que, conjuntamente com as restantes receitas da C. A. F. F. A., se perfez a totalidade de 278:823.807$10.
No respectivo mapa discriminativo da conta de gerência do Fundo não se estabelece a necessária destrinça na origem destas receitas, tanto mais que, havendo receitas consignadas, há que haver certamente aplicação especial para elas.
Por este mapa se vê que do montante das receitas consignadas com as do orçamento privativo a G. A. F. F. A. realizou as suas obras de construção de hospitais, estradas e pontes, centrais telefónicas, pontes-cais de Lândana, de Nóqui e de Cabinda, limpeza de rios e canais, povoamento florestal, fomento pecuário e mineiro, melhoramentos locais, levantamento cartográfico e cadastral, investigação científica, etc., mas sem nos deixar esclarecidos quanto à aplicação da referida despesa de 65 925 contos.
Torna-se, portanto, necessário que de futuro se prestem mais esclarecimentos sobre determinadas despesas, particularmente quando atingem vultosos quantitativos.
Sr. Presidente: seguindo a minha orientação, vou passar a expor a situação em que presentemente se encontram os empreendimentos do Plano de Fomento.
No quadro que expus verifica-se que em 1955 a importância dos créditos atingiu 486 500 contos, as despesos pagas somaram 76:765.433$27 e, por consequência, os saldos totalizaram 409:734.566$ 73.
Desejo agora prestar esclarecimentos de ordem geral que traduzam o estado actual de adiantamento daquelas obras.
Começarei pelas duas primeiras alíneas, destinadas à rega e enxugo do vale do Cunene e à preparação de terrenos, instalação e transporte de colonos e assistência técnica e financeira.
Entendo dever referir-me ao mesmo tempo às duas alíneas por que na execução da obra se têm realizado simultaneamente o plano de rega e o plano de colonização.
Como predissera no ano passado, na sessão de 17 de Abril, quando da apreciação das contas públicas, que esta obra grandiosa e extraordinária do Sul de Angola se realizaria, depositando todas as minhas esperanças na competência, fé e tenacidade do inspector-geral, Sr. Eng. Trigo de Morais, hoje mantenho a mesma esperança e, se não surgirem imprevistos, posso até dizer que o conjunto da obra se concluirá no próximo ano, dentro do prazo que fora estabelecido.
Quem delineou a obra está em melhores condições de a executar.
Não faltando fé, a obra vai ao seu termo. Nestas condições tudo se vence. Tem-se afirmado, e naturalmente com fundadas razões, que das tentativas de colonização agrícola dirigida em África não têm surtido completam ente os efeitos desejados.
Assim tem sucedido, Sr. Presidente, e entre outras razões devem-se os insucessos à falta de continuidade e ao facto de se não acompanharem tais empreendimentos com obras de rega.
Há, portanto, que terem consideração a continuidade da obra e a existência de terrenos de regadio à disposição cios colonos para se alcançar êxito em qualquer empreendimento de colonização agrícola.
Estes dois factores verificam-se na grandiosa obra que se está a realizar no vale do rio Cunene. E como é grande a actividade dos trabalhos, podemos contar com a sua conclusão no próximo ano de 1958.
For se ter trabalhado com cautela e economia nesta obra de colonização, entendo dever prestar à Assembleia Nacional 05 seguintes esclarecimentos: inicialmente foi atribuída a importância de 461 000 contos à colonização no Cunene, mas afinal vieram apenas a ser-lhe fixados 15 000 contos.
Quanto a mim, creio que foram retirados 446 000 contos à colonização do vale do Cunene, como medida de cautela, antes de se receberem ensinamentos colhidos na experiência.
É sabido que a colonização dirigida sempre ficou por preços altos em toda a parte do Mundo onde tem sido praticada.
Seria, portanto, usar de pouca prudência se o Governo fosse expor 461 000 contos destinados à colonização do Cunene sem primeiramente se inteirar, na verdade, por quanto ficaria a preparação daquelas terras por cada família agrícola, com água de rega, destinando-lhe casa, mobiliário, transporte, anexos, estábulo, alfaias agrícolas, sementes, insecticidas, ajuda financeira e gados.
Vemos, pois, que bem ajuizado andou o Governo retirando dos gastos da colonização do Cunene a elevada quantia de 446 000 contos, inscrevendo apenas 15 000 contos.
Porém, Sr. Presidente, a Inspecção-Geral do Fomento do Ultramar houve-se de tal modo na economia dos gastos que muito se afastou das centenas de milhares de contos que deveriam naturalmente ter atemorizado o Governo e o levaram a reduzir a dotação.
A Inspecção-Geral conseguiu limitar os gastos a 130 contos por família composta pelo casal com mais cinco a seis filhos ou pessoas de família.
Mercê destes resultados obtidos foi então aumentada a dotação de 15 000 contos para 44 000 contos.
Para me não alongar mais, posso esclarecer que na colonização do Cunene se observam os seguintes resultados práticos:
Encontram-se instaladas 75 famílias em duas lindas povoações: Vila Folgares e Algés-a-Nova.
Funciona uma escola primária com oitenta e cinco alunos, filhos dos colonos.
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Pela diocese de Sá da Bandeira foram criadas duas paróquias, para os colonos não ficarem impedidos de cumprir as suas obrigações religiosas.
Sr. Presidente: pelo que acabo de expor temos de reconhecer que a moção da Assembleia Nacional de 14 de Março de 1952, motivada pelo aviso prévio do que foi nosso ilustre colega Sr. Dr. Juiz Armando Cândido no sentido de se intensificar o mais possível a valorização e o consequente povoamento da metrópole e do ultramar, tem sido atendida pelo Governo de Salazar.
Seja-me permitido, Sr. Presidente, fazer referência ao futuro aproveitamento das águas do rio Cuanza na produção de energia e na irrigação de terrenos.
Devo esclarecer que há estudos no vale do Cuanza feitos por engenheiros americanos e presentemente uma brigada portuguesa está em Angola a proceder ao acabamento desses estudos, que dizem respeito ao aproveitamento integral de parte da bacia do Cuanza. A nossa brigada estuda não só a parte agrícola como a produção de energia das quedas de Cambambe.
Não tenho conhecimento do resultado destes estudos, mas é sabido que desde há bastantes anos muito se tem dito que o estrangulamento rochoso situado entre a vila do Dondo e a Ponte Filomeno da Câmara pode ser aproveitado para produzir muitos milhares de quilovátios e para regar extensa zona de terrenos.
Estas quedas ficam situadas perto da fortaleza histórica de Cambambe, por nós erguida e para onde nos retirámos no tempo da invasão holandesa.
Com energia abundante- e barata e com a regularidade das regas podemos ter confiança na iniciativa e trabalho do colono europeu e do próprio nativo.
A obra que se poderá realizar no Cuanza deverá - em tudo assemelhar-se à que se está a realizar no Sul de Angola, no rio Cunene, entregue à Inspecção - Geral do Fomento do Ultramar.
Na 3.ª alínea trata-se do aproveitamento hidroeléctrico das Mabubas no Dande.
A 1.ª fase está concluída e por meio de uma empreitada. A 2.ª fase está a realizar-se por administração directa. Calcula-se que do aproveitamento dos rápidos do rio Dande nas Mabubas resultará a produção anual de 40 000 000 de kilowatts-hora.
Esclarece o nosso colega Sr. Eng. Araújo Correia que a central das Mabubas, incluindo a 2.ª fase, estará saturada em 1960 ou 1961, dado o grande desenvolvimento dos consumos da cidade de Luanda, e, por consequência, aponta a urgência que há no estudo do aproveitamento Cuanza-Bengo, a que já se referia no parecer do ano passado.
Segue-se a 4.ª alínea, referente ao aproveitamento hidroeléctrico do Biópio, no Catumbela. A barragem está concluída.
A sua inauguração fez-se em 6 de Setembro de 1956, com a presença de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República. Foi-lhe dado o nome de Barragem Presidente Craveiro Lopes.
A energia produtível é de 35 000 000 de kilowatts-hora.
Em regime experimental o Biópio está a fornecer energia aos consumidores do Lobito, de Benguela e da Catumbela.
Na 5.ª alínea está inscrito o aproveitamento hidroeléctrico da Matala, no Cunene.
Já esclareci que o conjunto estará concluído no próximo ano.
De início foi considerado o fornecimento de energia eléctrica a Sá da Bandeira e Moçâmedes.
hoje pensa-se em fornecer também energia a Nova Lisboa.
Na alínea 6.ª do Plano de Fomento consta a prospecção geológico-mineira. Este empreendimento já foi realizado, e de colaboração com os Americanos, em três zonas - Pungandongo, Alto Zambeze e Curoca. Está entregue o respectivo relatório.
Seguem-se três alíneas - 7.ª, 5.ª e 9.ª- relativas aos caminhos de ferro do Congo, de Luanda e de Moçâmedes.
As maiores dotações do Plano de Fomento foram destinadas aos caminhos de ferro, como se poderá verificar no quadro respectivo, pois atingiram 264 500 contos, dos quais se gastaram 55:540.742$66 em 1955.
As aquisições de material circulante para os caminhos de ferro de Angola no período de 1951 a 1955 totalizaram 39 947 contos.
Ë opinião do ilustre relator do parecer que se devem reduzir ao mínimo os dispêndios em caminhos de ferro e só os autorizar quando circunstâncias de natureza política ou económica o exigirem.
Certamente que todos nós compartilharemos esta opinião e reconheceremos a utilidade das linhas férreas indicadas.
Continuando, indicarei o que se tem realizado em caminhos de ferro pelas dotações do Plano de Fomento.
O caminho de ferro do Congo está em plena construção. Já se construiu o primeiro troço, que vai de Luanda até Panguila, e o segundo troço, entre Panguila e Lifune, está adjudicado.
O prolongamento do caminho de ferro de Luanda está em construção, além de Malanje, até à baixa em Xandel.
Está-se em preparativos para alargar a bitola da linha de 1 m para 1,067 m e estão a construir-se as novas oficinas.
No caminho de ferro de Moçâmedes fez-se o alargamento da bitola de 0,60 m para 1,067 m desde Moçâmecles até Sá da Bandeira; continuou-se a linha até Matala; estão a realizar-se trabalhos de construção entre Matala e Vila Serpa Pinto.
Nos trabalhos de alargamento da bitola, na variante que se fez na serra da Chela, nas obras de arte, no prolongamento da linha, no material circulante, é certo que se têm despendido elevadas quantias; mas haverá compensação nas condições criadas pelo caminho de ferro no desenvolvimento das terras da Huíla, na colonização europeia e no importante papel, que lhe está reservado, de se ligar à rede ferroviária da África Central Serviremos as terras do Sul de Angola - Cuando, Bundas, Lucliazes - que hoje não têm valor económico, por falta de comunicações.
Calcula-se, Sr. Presidente, que no próximo ano, de 1958, o prolongamento de mais 320 km deste caminho de ferro atingirá a Vila Serpa Pinto, a cerca de 560 km da fronteira da Rodésia do Norte.
O último troço de via férrea até à fronteira é provável que venha ser construído ao abrigo da nova fase do Plano de Fomento que começará em 1959, tendo então de haver negociações prévias com os caminhos de ferro da Rodésia quanto á provável ligação em Livingstone.
E logo que esta aspiração seja realidade o caminho de ferro de Moçâmedes alcançará lugar proeminente no conjunto das comunicações ferroviárias do continente africano e na economia do Sul de Angola.
A província, além de estar ligada com os caminhos de ferro da África Central pelo caminho de ferro de Benguela, passará a ficar ligada também pelo caminho de ferro de Moçâmedes.
Neste momento, Sr. Presidente, lembrarei o lugar de destaque que representa na economia de Angola o caminho de ferro de Benguela, com a extensão de 1348 km, que, para atender as necessidades do aumento
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constante do seu tráfego, teve de adquirir varias locomotivas e centenas de vagões.
E o que aconteceu ao longo da sua linha de exploração E do conhecimento de todos nós que se criaram núcleos populacionais dos mais importantes da província. Ao caminho de ferro de Moçâmedes, se for construído até à fronteira, certamente estará reservado lugar de destaque na economia da África Central, na economia e povoamento da província de Angola.
Creio que este será o pensamento do Governo, atendendo a que foi nomeada a brigada agrológica do caminho de ferro de Moçâmedes, que tem estado a fazer estudos agrológicos na zona de influência deste caminho de ferro.
A brigada, composta de engenheiros agrónomos e médicos veterinários, já apresentou dois relatórios referentes aos seus reconhecimentos agrícolas, florestais e pecuários.
Para a 2a fase do Plano de Fomento está naturalmente indicado que os seus reconhecimentos se tornem extensivos à bacia hidrográfica do Cubango, para o seu aproveitamento integral.
Seguem-se agora, pela sua ordem, as alíneas 10.ª e 11.ª do Plano de Fomento, que tratam dos portos do Lobito e de Moçâmedes.
Construiu-se o prolongamento do cais sul do porto do Lobito, na extensão de 270 m, que importou em 35 000 contos. Foi inaugurado recentemente, no dia 7 do corrente mês.
Depois da realização deste importante melhoramento, o porto do Lobito fica com 558 m de cais sul e com 570 m de cais norte.
Além da obra do prolongamento do cais sul, está a ser montada a instalação mecânica para carregamento de minério e também para carregamento de cereais depositados no silo, que já está a ser utilizado. A instalação compreende guindastes, locomotivas e vagões.
O silo foi mandado construir pela Junta de Exportação de Cereais, e, portanto, não se encontrava incluído nos empreendimentos do Plano de Fomento. E obra que merece encómios pela sua grandeza, pela perfeita construção, pelos, aperfeiçoamentos mais modernos de que está dotado e pela sua utilidade.
Se anteriormente o porto do Lobito, com 858 m de cais norte e sul, movimentava já mais de 100 000 t por ano, dizem os entendidos que, ao passar a dispor de 1128 m de cais, deve ficar em condições para elevar ao dobro a sua capacidade.
Oxalá que estas previsões venham a realizar-se.
Quanto ao porto de Moçâmedes, posso prestar os seguintes esclarecimentos: julga-se que neste ano, e muito brevemente, será aberto ao movimento do porto o cais acostável, com o comprimento de algumas centenas de metros e com água a várias profundidades, que regulam por cerca de 10 m. Os trabalhos estão a ser realizados por empreitada.
A energia eléctrica para este porto será, evidentemente, fornecida pela grandiosa obra do aproveitamento hidroeléctrico da Matala, no rio Cunene, que também está prestes a ser concluída, como já informei.
E para terminar o meu esclarecimento acerca do estado actual de adiantamento das obras do Plano de Fomento na grande província de Angola referir-me-ei aos aeroportos.
No Aeroporto de Luanda concluíram-se pequenos trabalhos; e onde mais trabalhos se realizaram foi nos Aeroportos de Vila Luso e de Sá da Bandeira.
Sr. Presidente: para terminar as minhas considerações acerca da vida administrativa da província de Angola, observada através dos numeres que as suas contas de 1955 nos apresentam, e no seguimento da orientação que tracei e venho seguindo para cada província ultramarina, vou passar a expor a sua situação financeira.
Começarei então por esclarecer a posição da dívida pública nos seus encargos anuais e no seu montante.
Em 31 de Dezembro de 1955 a dívida pública de Angola atingiu a importância total de 1 181 923 contos, proveniente. dos seguintes empréstimos: do Tesouro dai metrópole, 839:228.872 $61; da Caixa Geral de Depósitos, 163:370.302$90; da Companhia das Águas de Luanda, l:320.000$; do Fundo de Fomento Nacional, 55:707.964$50; do Banco de Angola,. 22:255.7l2$l3; da província de Timor, 40.343$50; da Companhia de Diamantes de Angola, l00:000.000$; o .que na total1-dade perfazia, na data indicada, a quantia de i.181:923.19.5$64.
A parte do empréstimo concedido pelo Tesouro da metrópole, na importância de 839 :228.872$61, constitui dívida consolidada, nos termos do artigo 2.º do decreto-lei n.0 28 199, de 20 de Novembro de 1937, vencendo juro de 1 por cento ao ano até 1960, inclusive, passando depois a vencer 2 por cento, com o encargo anual de 16.724 contos.
Está prevista a possibilidade do resgate por meio de anuidades a fixar.
Este empréstimo consolidado representa uma situação de grande favor.
A província de Angola deverá ficar para sempre agradecida ao Governo do Estado Novo que Lhe consolidou tão avultada dívida.
A S. Ex.ª o Presidente do Conselho, Sr. Prof. Doutor Oliveira Salazar, e ao Ministro das colónias, Sr. Dr. Francisco Machado, deve a província ultramarina de Angola este mesmo benefício da consolidação da sua dívida, na quantia de 8.36 000 contos.
Os empréstimos foram contraídos em épocas recuadas, quando pairava a incerteza no futuro de Angola, e destinaram-se, ao pagamento de despesas inadiáveis, sem contrapartida nas receitas próprias.
O Governo do Estado Novo estudou e compreendeu esta situação angustiosa das finanças de Angola, resolvendo então consolidar a dívida no ano de 1937.
Os empréstimos mais recentes tiveram fim diferente. Destinaram-se a atenuar os efeitos da devastação causada pelos acrídios, ao aproveitamento hidroeléctrico das Mabubas e subestação de Luanda, ao material para o serviço meteorológico da província, à continuação do caminho de ferro de Moçâmedes, do caminho de ferro de Luanda até ao Lui e seu apetrechamento, aos portos do Lobito e de Moçâmedes; enfim, ao fomento e à colonização, que são os factores principais do progresso e desenvolvimento de Angola.
Os encargos da dívida pública da província são bastante avultados. A conta de exercício de 1955, que estou a apreciar, acusa o pagamento de 24:247.238 $50 no capítulo 1.º da tabela das despesas, destinado aos juros e amortizações da dívida pública.
Quanto aos encargos da dívida para 1956, foram previstos na quantia de 31 449 contos.
Conhecidos, assim, os encargos e o montante da dívida de Angola, vou seguidamente considerar o balancete das operações de tesouraria, com o fim de alcançar a situação financeira da província.
Este balancete diz-nos que Angola era devedora em 31 de Dezembro de 1955 da quantia de 312:552.567$58 e credora d~ 237:767.870$29, resultando, portanto, a diferença de 74:784.697$29 contra a província.
Nas numerosas operações de tesouraria donde foi extraído o balancete há algumas operações com importâncias avultadas que interessa dar a conhecer. Assim, a província era devedora de 70 780 contos por cunhagem de moeda divisionária, de 46 000 contos por em-
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préstimo da Companhia de Diamantes de Angola, de 54 523 contos ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar e de 39 730 contos de vales ultramarinos. E ao mesmo tempo era credora de 43 430 contos de saldos dos orçamentos da Comissão Administrativa do Fundo de Fomento de Angola, de 116 678 contos de regularização de contas ainda por ajustar, de 311.640$86 da província de Cabo Verde, de 112.867$54 da província da Guiné, de 183.362$82 da província de Timor e de 3:118.942$92 da província de S. Tomé e Príncipe, sendo, respectivamente, 2:713.559 $08 correspondentes ao ano de 1947, 87.367$37 ao de 1954 e 318.016$47 ao de 1955.
Embora me torne maçador a indicar estas importâncias, proeuro assim evidenciar à Assembleia Nacional a conveniência que haveria em acertar o liquidar estas contas antigas, principalmente as interprovinciais.
Neste sentido, Sr. Presidente, a província de Cabo Verde deu um notável exemplo, que por mim foi destacado quando apreciei as operações de tesouraria a ela referentes.
Pelo que acabo de expor, tendo em consideração a dívida pública e o balancete das operações de tesouraria, surge-nos uma importância tão elevada, contra a Fazenda da província, como posição líquida das finanças de Angola, que logo se compreende não traduzir a realidade.
E, na verdade, assim acontece. Estão à nossa vista os empréstimos recebidos, com os seus encargos anuais, mas não são postos em evidência os empréstimos cedidos e indicado o seu reembolso.
A província de Angola contraiu os empréstimos que anteriormente indiquei e, naturalmente, por sua vez, emprestou parte deles a vários organismos administra - angolanos.
Para nos aproximarmos, tanto quanto for possível, da mais exacta situação financeira da província, é evidente que seria indispensável considerar os empréstimos recebidos e os empréstimos concedidos.
Esta política de contabilização dos empréstimos é diferente da seguida na província de Moçambique. Nesta província os empréstimos e os respectivos encargos figuram à conta dos organismos que os recebem, como terei ocasião de indicar quando tomar as contas de Moçambique.
Parece-me estar naturalmente indicado que a Fazenda da província de Angola deverá adoptar a orientação seguida em Moçambique.
Aqui deixo a sugestão, que julgo não ser descabida;
tanto mais que só haverá vantagem em que as comissões administrativas dos organismos que recebem parte dos empréstimos fiquem na posição de devedores à Fazenda da província. A sua acção administrativa terá, não só de se orientar no sentido de receber e gastar, mas também de pensar nos encargos resultantes dos empréstimos recebidos.
Sr. Presidente: como elemento de grande importância para apreciar a situação financeira da província, terei também de me reportar à situação da tesouraria e à existência em cofre.
A conta de gerência de 1955 acusava a seguinte existência em cofre: em dinheiro, jóias, letras e papéis de crédito 1.296:00õ.901$58; em valores selados 423 :803.144$99.
A situação da tesouraria da província no termo da gerência de 1955 dava a existência de numerário na quantia de 1.389:754.344$77, nas tesourarias, nas recebedorias e na caixa do Tesouro, em Lisboa. E além desta quantia em numerário havia ainda em depósito no Banco de Angola, como produto da cobrança do imposto de sobrevalorização a importância de 85:992.408$93. A totalidade em dinheiro era, portanto, de 1.475:746.753$70.
O desafogo da tesouraria era, pois, evidente. A situação financeira da província de Angola no fim da gerência de 1955 não causava quaisquer apreensões. O numerário existente em cofre era bastante para pagar a importância total da dívida pública e liquidar o saldo negativo acusado no balancete das operações de tesouraria.
Entendo, porém, Sr. Presidente, que deverei acrescentar mais uma palavra como comentário devido a este importante capítulo da vida administrativa da província de Angola.
E certo que, quanto à existência . de numerário em cofre, será indubitavelmente preferível a abundância a falta.
Mas, em presença de somatório tão elevado nos cofres do Estado, atrevo-me a fazer esta pergunta: será aconselhável como medida de administração financeira manter em cofre tão excessiva importância?
Por mim, Sr. Presidente, responderei desta maneira:
se tal importância é demasiadamente excessiva para o pagamento dos encargos, não será de aconselhar tão elevada existência em cofre.
E creio que este simples comentário será bastante.
Sr. Presidente: há vinte e cinco anos, quando em Angola se registou o saldo positivo do ano económico de 1931-1932, a situação financeira da província era bem diferente!
E nessa ocasião muitos não acreditavam que o equilíbrio dos orçamentos e das contas fosse capaz de dar qualquer contributo ao progresso da província e ao seu ressurgimento financeiro.
Hoje já não há motivo para duvidar.
O saldo da conta de 1955 é o 24.º saldo positivo da província de Angola a partir do ano económico de 1931-1932.
E obra redentora do Estado Novo.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª fica com a palavra reservada para quando se retomar a apreciação das Contas Gerais do Estado.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Carlos Mantero Belard.
Ricardo Malhou Durão.
Venâncio Augusto Deslandes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Alberto Cruz.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Antão Santos da Cunha.
António de Almeida Garrett.
António Carlos Borges.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Russell de Sousa.
António dos Santos Carreto.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Eduardo Pereira Viana.
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Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Braudão.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixetra.
Miguel Rodrigues Bastes.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Requerimento enviado para a Mesa pelo Sr. Deputado Pinto Barriga:
Verificando que há cerca de vinte anos o Governo mandou construir uma estrada desde Carregai do Sal, através de Currelos, ao rio Mondego, e continuada do outro lado deste rio, pela Póvoa de Midões, até Midões, tendo sido feita por vários lanços, mas continuando ainda sem ligação, por falta duma ponte, embora lhe tenha sido concedida no Plano de Melhoramentos rurais uma verba destinada a auxiliar a construção dessa ponte sobre o rio Mondego, tenho a honra de requerer, nos termos do artigo 96.º da Constituição, pelo Ministério das Obras Públicas, notícia das diligências encetadas para a realização desse necessário melhoramento local.
Documento a que se referiu o Sr. Presidente no decurso da sessão de hoje:
1. O serviço duma grande parte dos tribunais comuns tem registado nos últimos- anos um aumento considerável (cf. os mapas n.ºs 1 a 6).
Na base do fenómeno estão em primeiro lugar diversas razões de carácter geral, que, por isso, explicam também o acréscimo paralelo de serviço que se tem observado noutros sectores da administração pública, designadamente na frequência dos vários estabelecimentos oficiais do ensino, quer primário, quer médio ou secundário, quer superior. No número dessas razões estão o aumento constante da população, o êxodo permanente das populações rurais para os grandes centros urbanos (nos quais a vida adquiriu assim as características das grandes metrópoles), o surto de progresso material que se tem verificado em muitas zonas do País, principalmente nas regiões mais beneficiadas com o movimento da industrialização, e ainda o maior nivelamento de riqueza que, de um modo geral, se tem produzido entre os diversos sectores do agregado populacional.
Ao lado destas outras razões poderiam ainda ser enumeradas, as quais, sendo de algum modo privativas da actividade jurisdicional, não deixam, todavia, de ser comuns à generalidade dos tribunais. Está nesse caso, por exemplo, o aperfeiçoamento dos vários serviços de prevenção e repressão do crime, que se traduz, naturalmente, num acréscimo de participações ou denúncias entradas em juízo, e também num aumento das acusações deduzidas pelo Ministério Público.
E cumpre ainda destacar no mesmo plano a maior eficiência das nossas instituições judiciárias. A despeito de todas as críticas que lhe possam ser movidas - pois o ideal da perfeição também neste, como nos restantes domínios, aliás, jamais poderá ser atingido não há, na verdade, ponto de confronto entre a eficácia da justiça, com a liberdade de acção que no campo do processo civil lhe garante o princípio inquisitório, e a inércia dos juizes exigida pelo princípio dispositivo que entre nós amplamente vigorou até 1926. Tal como não sofre comparação séria a justiça penal exercida através do colectivo e aquela que anteriormente funcionava com a intervenção do júri. E quanto mais perfeito e expedito for o funcionamento dos órgãos de administração da justiça mais frequente há-de ser o recurso dos particulares à actividade dos tribunais.
2. Nem todo o aumento de serviço nos tribunais procede, no entanto, das causas de ordem geral que acabam de ser enunciadas. Além dessas, há outras circunstâncias puramente acidentais, de natureza transitória, que, no todo ou em parte, explicam alguns casos de excepcional e súbita acumulação de serviço verificados nas nossas comarcas.
E o que por vezes sucede quando, em virtude de doença ou ocorrência análoga, o magistrado titular do tribunal se afasta da comarca ou diminui involuntariamente o rendimento normal do seu trabalho ou quando, como inevitavelmente acontece nalguns casos, um juiz menos expedito é colocado num tribunal de maior movimento.
Entre os factores desta ordem que concretamente têm influído na acumulação de processos existente nalguns tribunais há um que merece ser especialmente destacado, pelas proporções invulgares que atingiu e pela especial consideração que merece no plano das providências a adoptar para a resolução do problema posto. Trata-se da extraordinária acumulação de serviço que não há muito, mercê de circunstâncias de vária ordem, se verificou nas Subdirectorias da Polícia Judiciária, tanto de Lisboa como do Porto, e do reflexo que as medidas adoptadas para descongestionar essa acumulação anormal de processos crime tem tido durante os últimos anos sobre o movimento da distribuição, principalmente junto dos tribunais correccionais das duas cidades.
Para se ter uma noção aproximada da ordem da grandeza que chegou a atingir o atraso da Polícia Judiciária e da extraordinária perturbação que a regularização desse serviço tem provocado nos tribunais de Lisboa e Porto, bastará referir os seguintes elementos estatísticos, relativos à primeira dessas cidades: nos anos de 1949, 1950, 1951, 1952, 1953, 1954, 1955 e 1956 o numero de processos distribuídos na Subdirectorias de Lisboa foi, respectivamente, de 19 080, 19 979, 19 409, 21 923, 22 325, 17 353, 18 576 e 19 840 processos, enquanto o volume dos processos pendentes no final dos mesmos anos foi, respectivamente, de 60 831, 61 634, 61959, 66962, 66469, 43670, 33700 e 141701.
Foram estes os números fornecidos pela secretaria da Policia Judiciária até há pouco tempo. Contagem mais rigorosa, recentemente efectuada, veio revelar que esses números pecaram por um excesso da ordem dos 6000. E assim o que no fim do mês de Fevereiro do ano corrente o número de processos pendentes era aproximadamente de 6886.
Mesmo com esta correcção ó apreciável o volume de serviço que se acumulou na Subdirectorias de Lisboa. Nos anos de 1952 e 1953 o número de processos pendentes equivalia ainda a cerca de três anos de entradas ou distribuições.
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3. O Governo, ciente da importância. que a boa administração da justiça reveste para a vida da colectividade, não desconhece evidentemente o fenómeno do aumento constante de serviço nos tribunais nem ignora o problema que ele vai criando para os quadros do pessoal existentes. Já no relatório do decreto-lei n.º 37 047, de 7 de Setembro de 1948, se escreveu:
Uma outra necessidade, de carácter puramente quantitativo, importava ainda considerar: a deficiência do actual número de magistrados.
Portugal renovou-se nos últimos vinte anos. A população aumentou largamente e à crónica crise financeira e económica do País sucedeu uma relativa prosperidade. A actividade do Estado no fomento da riqueza nacional produziu os seus primeiros frutos. Estes sintomas, reveladores de profundas mudanças na vida nacional, determinaram a expansão dos serviços públicos essenciais.
E axiomático que uma maior população em condições de vida económica mais elevada acarreta, com a maior complexidade da vida social e o desenvolvimento dos meios de produção e distribuição da riqueza, um necessário aumento da jurisdição contenciosa. No entanto, os serviços de justiça mantêm os quadros de há vinte anos. Também a este aspecto do problema houve que dar a solução mais conveniente.
O quadro dos magistrados é, acrescido de algumas dezenas. A dificuldade do seu preenchimento imediato, sem prejuízo da administração da justiça, torna necessária a aplicação gradual da reforma, de maneira que o provimento dos novos lugares se faça com o mínimo possível de perturbações na marcha normal dos serviços judiciais.
O preâmbulo do decreto-lei n.º 39 758, de 13 de Agosto de 1954, volta a insistir na mesma consideração:
O movimento processual, acompanhando o desenvolvimento do País, duplicou nestas últimas décadas. Este aumento é sobretudo sensível nas grandes cidades. Paulatinamente se tem procurado acudir, dentro dos limites consentidos pelo ingresso na carreira judicial de novos magistrados, aos casos mais urgentes, desdobrando em dois juízos alguns tribunais de comarca ou alargando o quadro dos juizes nas comarcas de Lisboa e Porto.
Idêntica providência, tendo em atenção o estudo do aumento crescente da distribuição de processos e o parecer do Conselho Superior Judiciário, se toma agora, criando em Lisboa uma vara cível e um juízo criminal e dois cíveis e dois correccionais e criando no Porto uma vara cível e um novo juízo correccional.
Quando mais tarde o decreto-lei n.º 40 613, de 28 de Maio de 1956, desdobra o tribunal de Almada em dois juízos e cria, na comarca de Lisboa, dois novos tribunais correccionais, de novo se põe em evidência a mesma situação:
O crescimento da população do País, diz-se aí, bem como o desenvolvimento progressivo da sua indústria, a intensificação das relações comerciais, a maior repartição da riqueza entre os indivíduos, com o consequente acréscimo da prosperidade geral, aliados ao aperfeiçoamento sucessivo dos serviços públicos incumbidos de prevenir e reprimir o crime, trouxeram um aumento apreciável de serviço para a generalidade dos tribunais.
E mais adiante:
A despeito da recente criação de novos tribunais, operada pelo decreto-lei n.0 39 758, de 13 de Agosto de 1954, o número dos juízos correccionais existentes continua a revelar-se insuficiente para acudir ao crescente movimento da comarca de Lisboa. A insuficiência dos juízos correccionais, além de exigir dos magistrados e do pessoal das secretarias um esforço excessivo, reverte, evidentemente, em prejuízo da necessária brevidade dos julgamentos e da ponderação indispensável, à apreciação dos processos submetidos a tribunais dessa natureza e afecta, consequentemente, a eficiência e o prestígio da administração da justiça.
4. O Governo não se limitou, porém, a equacionar os dados fundamentais da questão e a pôr em evidência, sem quaisquer subterfúgios, os graves inconvenientes da acumulação de serviço verificada em muitos tribunais. Proeurou também, logo que as circunstâncias do pós-guerra o permitiram, adoptar as providências administrativas necessárias a uma gradual resolução
do problema.
Como a desproporção entre os quadros, quer da magistratura, quer do funcionalismo das secretarias, e as necessidades do serviço eram bastante acentuadas, o primeiro caminho que o Governo se decidiu a percorrer foi o do aumento desses quadros.
De facto, o decreto-lei n.º 37 047, de 7 de Setembro de 1948, criou desde logo, fora das comarcas de Lisboa e Porto, vinte lugares de corregedor, dezoito lugares de ajudante do procurador da República e três novos lugares de juiz nas comarcas de Leiria, Santarém e Viseu.
Na comarca de Lisboa, aos nove tribunais (varas) cíveis existentes à data da publicação do Estatuto Judiciário de 1944 correspondem os doze tribunais (quatro varas e oito juízos) cíveis que esse diploma refere no artigo 7.º. E é ainda esse decreto que eleva para três o número de juizes e para dois o de delegados do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa, aumenta para três o número de juizes do Tribunal de Polícia da mesma cidade, cria o 4.º juízo correccional do Porto e, nesta mesma comarca, aos seis tribunais (varas) cíveis existentes à data do estatuto substitui as duas varas e cinco juízos a que igualmente se refere o artigo 7.º
E já antes deste aumento substancial dos quadros introduzido pelo decreto-lei n.º 37 047 um outro diploma (o decreto-lei n.º 35 044, de 20 de Outubro de 1945) aumentara os quadros da magistratura, tanto judicial como do Ministério Público, que nas duas comarcas mais importantes do País exerce a jurisdição criminal.
Na comarca de Lisboa, em lugar dos nove tribunais (juízos) criminais e do Tribunal de Pequenos Delitos que existiam em 1944, passaram a existir um tribunal (plenário) criminal, três juízos criminais, seis juízos correccionais e dois tribunais de polícia, num total de doze tribunais, portanto.
Na comarca do Porto, em vez dos cinco tribunais (juízos) criminais e do Tribunal de Pequenos Delitos que existiam na data primeiramente indicada, passou a jurisdição criminal a compreender um tribunal (plenário) criminal, dois juízos criminais, três juízos correccionais e um tribunal de polícia, por conseguinte um total de sete tribunais.
Posteriormente ao decreto-lei n.º 37 047, de 7 de Setembro de 1948, cumpre ainda destacar os seguintes aumentos dos quadros da magistratura:
a) Criação de um juízo (6.º) cível na comarca do Porto (decreto-lei n.º 38 387, de 8 de Agosto de 1951);
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b)Constituição do 2.º juízo de Guimarães (decreto-lei 39 238, de 8 de Julho de 1953);
c)Criação de uma vara cível um juízo criminal dois juizes cíveis e 10.º) e dois juízos correccionais e 8.º) na cidade de Lisboa e de uma vaia cível e um juízo correccional) na comarca do Porto (decreto-lei n.º 39 758, de 13 de Agosto de 1954);
d)Desdobramento do tribunal de Almada (decreto-lei n.0 40 613, de 28 de Maio de 1956);
e)Criação de dois juízos correccionais e 10.º) na comarca de Lisboa (decreto-lei n.º 40 613, de 28 de Maio de 1956, que, entretanto, suprimiu um dos três lugares de juiz do Tribunal de Polícia da mesma cidade).
5. Se dos quadros da magistratura transitarmos para os do funcionalismo das secretarias judiciais, é fácil verificar que o mesmo esforço, lento mas persistente, de actualização do número as unidades de trabalho em face das crescentes exigências dos serviços tem animado a actuação administrativa do Governo neste sector.
Os dois mapas (n.ºs 7 e 8) elaborados pela Repartição Administrativa dos Cofres com os dados estatísticos relativos ao período que decorre desde a data da criação desse organismo até hoje revelam, de facto, um aumento constante e muito apreciável do funcionalismo das diversas secretarias judiciais do País.
Verifica-se, assim, que esse aumento se traduziu no ano de 1948 por 23 novas unidades; em 1949 o aumento foi de 47 novos funcionários; em 1950 foi de 35; em 1951 de 25; em 195Z de 99; em 1953 de 26; em 1954 de 13; em 1955 de 49; em 1956 de 49, e em 1957' já vai em 40 unidades.
Quer dizer: no lapso de tempo que modeia entre 1948 e 1957 os quadros do funcionalismo das secretarias judiciais foram aumentados com 406 novas unidades de trabalho.
6. E, todavia, chegado o momento oportuno de acentuar que o problema do aumento dos quadros se não põe, quanto aos magistrados, nos mesmos termos em que se apresenta relativamente ao funcionalismo das secretarias judiciais. Tanto num caso como no outro Os quadros são, em princípio, constituídos por lugares de acesso. Mas, enquanto o lugar-base do funcionalismo das secretariais (copista) não tem grandes exigências quanto às habilitações dos concorrentes, o mesmo se não pode evidentemente asseverar quanto aos magistrados.
Por essa razão, o recrutamento dos primeiros não levanta dificuldades especiais e o provimento dos novos lugares tem sido feito com relativa facilidade.
Logo que o volume do serviço justifica o alargamento dos quadros, a satisfação da necessidade converte-se, assim, praticamente num simples problema de carácter financeiro e numa questão de capacidade das instalaç5es para alojar as unidades requeridas.
No caso da magistratura o problema reveste aspectos diferentes e dignos da maior ponderação.
O recrutamento dos magistrados faz-se apenas entre os diplomados em Direito. E nem todos os diplomados servem naturalmente para o exercício da função, visto ser na magistratura do Ministério Público que se faz o recrutamento normal da magistratura judicial e ser ao Ministério Público que a lei confia a representação em juízo de importantes interesses da colectividade. Daí a necessidade dos concursos especiais de habilitação para o cargo de delegado do procurador da República e a conveniência de adaptar rigorosamente os critérios de selecção no concurso às especiais exigências do cargo.
Ora, se há boas duas ou três dezenas de anos os concorrentes aos lugares da magistratura excediam largamente o número de vagas existentes na carreira, outro tanto se não verifica de há uma dezena de anos a esta parte.
A frequência das Faculdades de Direito tem registado, sem dúvida, um aumento constante. Mas o País desenvolveu-se extraordinariamente nestes últimos trinta anos. O surto de progresso material que se seguiu ao termo da última conflagração tem absorvido um número considerável de técnicos.
Dos melhores alunos das Faculdades de Direito que não ingressam no professorado são muitos os que procuram actividades mais rendosas do que a magistratura. Outros, muitos também, têm, feito carreira no ultramar e outros ainda procuram lugares mais compensadores nos organismos, particulares ou estaduais, de direcção ou coordenação da vida económica da colectividade.
Já em 1948, quando se deu o aumento mais substancial dos quadros da magistratura, o Governo parece ter previsto as dificuldades que a concorrência destes factores haveria de trazer para o conveniente provimento dos lugares entretanto criados. Diz-se, efectivamente, na parte final do relatório do decreto-lei n.º 37 047 o seguinte:
O quadro dos magistrados é acrescido de algumas dezenas. A dificuldade do seu preenchimento imediato, sem prejuízo da administração da justiça, torna necessária a aplicação gradual da reforma, de maneira que o provimento dos novos lugares se faça com o mínimo possível de perturbações na marcha normal dos serviços judiciais.
E no pequeno preâmbulo do decreto-lei n.º 39 758, de 13 de Agosto de 1954, faz-se já alusão directa à dificuldade acima referida quando se escreve:
Paulatinamente se tem procurado acudir, dentro dos limites consentidos pelo ingresso na carreira judicial de novos magistrados, aos casos mais urgentes.
7. E os números confirmam realmente as conclusões que seria lícito extrair do quadro das considerações expostas. O ingresso dos novos magistrados não pôde acompanhar o alargamento dos quadros que se deu a partir do decreto-lei n.º 37 047.
Como a maior parte dos novos lugares se destina a ser preenchida por magistrados da classe superior, na 1.ª instância, houve em primeiro lugar um número anormal de promoções dos juizes das classes inferiores e dos próprios magistrados do Ministério Público. Em consequência disso, e não obstante os cuidados postos na execução gradual da reforma dos quadros, houve inevitavelmente promoções prematuras, a par de ascensões demasiado rápidas à judicatura.
Mas não é esse ainda o aspecto mais delicado da crise inevitavelmente provocada por este fenómeno de crescimento. O pior é que as promoções devidas à necessidade de preenchimento dos novos lugares, conjugadas com a insuficiência das candidaturas à carreira do Ministério Público, em face da capacidade do quadro, provocaram, a partir de certo momento, a existência dum número impressionante de comarcas sem delegado ou com delegado interino.
Em Dezembro de 1950 havia quarenta e três comarcas de 3.ª classe vagas, das quais quinze foram preenchidas interinamente. No fim de 1954 o número de comarcas
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vagas subira para quarenta e nove, das quais vinte e três foram providas por delegados interinos. NO fim de 1955 eram ainda quarenta e sete as comarcas vagas { dezassete das quais providas interinamente) e em Dezembro de 1956 esse número elevou-se a cinquenta e oito.
8. Torna-se ocioso desenvolver os ponderosos inconvenientes deste aspecto da actual situação. A intervenção (em tão larga escala e, nalgumas comarcas, com tão longa duração) na actividade do tribunal de pessoas que não estão nem técnica nem psicologicamente preparadas para o exercício da profissão que acidentalmente são chamadas a desempenhar começa por lesar, muitas vezes gravemente, os interesses do próprio chamado, que, sem nenhuma compensação especial, vê acrescido o seu trabalho e legalmente coarctado o exercício da advocacia, que não raro exerce.
Do desinteresse ou da contrariedade com que o substituto serve a função sai diminuído o papel do Ministério Público junto do tribunal e fora dele e acaba por ser reflexivamente atingido, até pela atmosfera de relativa suspeição que a cada passo envolve a actuação desse substituto, o prestígio da própria justiça.
Persistir assim na solução do aumento constante, indefinido, dos quadros da magistratura, sem criar a margem de tempo necessária para um gradual preenchimento das vagas existentes na carreira do Ministério Público equivale indirectamente a alongar a mancha territorial onde os inconvenientes da substituição legal se verificam e a intensificar os prejuízos que tal situação tem provocado nalgumas comarcas do continente e principalmente nas das ilhas.
9. A solução que mais facilmente acode entretanto ao pensamento de quem procura debelar esta dificuldade consistirá decerto na elevação dos vencimentos dos delegados do procurador da República. O aumento da remuneração atribuída aos delegados de 3~a classe - e, por conseguinte, também dos delegados das classes superiores - seria a forma aparentemente mais segura de atrair para a órbita do Ministério Público - ela, genericamente, da magistratura - um número mais elevado de licenciados em Direito.
E foi essa, de facto, a principal razão pela qual o decreto-lei n.º 37 047, de 7 de Setembro de 1948, elevou os vencimentos tanto dos delegados de 3•a classe como dos da classe imediata.
Porém, sem aludir já às dificuldades inerentes à solução dum novo aumento de vencimentos, tem-se as maiores dúvidas sobre a possibilidade de encontrar por essa via uma completa resolução do problema.
Os delegados de 3.ª, 2.ª e 1.ª classes ganham, respectivamente, 3.000$, 3.600$ e 4.000$ mensais. Se se atender ao limite fixado no Estatuto Judiciário para a generalidade das rendas das casas dos magistrados e se considerar ainda a relativa rapidez com que os delegados ascendem hoje à judicatura (cujos vencimentos são, na 1.ª instância, de 5.000$, 6.000$ e 7.000$, consoante a classe do magistrado), não se descobre entre os vencimentos da magistratura e os doutras classes paralelas do funcionalismo público a existência duma diferença susceptível de explicar qualquer fenómeno de deserção do Ministério Público para alguma das outras carreiras. :E certo que na opção pela carreira do Ministério Público pesará bastante, como factor negativo, a rigorosa incompatibilidade que a lei fundamente estabelece entre a magistratura e o exercício doutras actividades. Mas também é certo que a principal concorrência feita ao Ministério Público, no aspecto em exame, irão vem da generalidade das restantes carreias do funcionalismo, mas das actividades particulares ou dos poucos lugares do Estado que são compatíveis com tais actividades.
E para afastar essa competição não basta, evidentemente, um aumento dos ordenados dos delegados dentro dos limites consentidos pelas forças do Tesouro e com as restrições impostas, no plano da justiça relativa, pelo confronto com outras classes do funcionalismo.
10. Menos defensável ainda d0 que a solução exposta é a orientação que tenda a resolver o problema mediante um afrouxamento dos critérios de selecção dos pretendentes aos lugares da magistratura.
Por um lado, o número de excluídos nos concursos (note-se que estão hoje isentos da prestação de provas os licenciados que possuam o 6.º ano do curso de ciências histórico-jurídicas) é relativamente pequeno e não chegaria para eliminar completamente a dificuldade.
Por outro lado, as especiais responsabilidades da função, tendo sobretudo em conta que é no Ministério Público que quase exclusivamente se prepara a magistratura judicial, não consentem de qualquer modo um afrouxamento nos critérios de selecção. A preconizar-se nesse aspecto qualquer modificação dos critérios seguidos a mudança só poderia orientar-se no sentido de restringir ainda mais o acesso dos candidatos ao Ministério Público, em termos de o ingresso na carreira apenas ser garantido a quem obtivesse um mínimo de classificação, que não seria a simples aprovação 110 concurso.
11. As razões anteriormente expostas explicam de algum modo a orientação que o Governo tem seguido na resolução do problema.
Enquanto as circunstâncias se não modificarem há que recorrer com o maior critério e ponderação à solução do aumento dos quadros, reservando-a apenas para os casos mais agudos e urgentes. Por outro lado, importa adoptar providências especiais para os casos da acumulação do serviço motivados por circunstâncias puramente transitórias ou acidentais, mas em que o atraso verificado não seja recuperável através dos quadros normais do tribunal.
Por último, há que procurar diligentemente outros processos, além do aumento dos quadros de pessoal, para combater a excessiva aglomeração de serviço que, de facto, se regista ainda nalguns dos nossos tribunais. Só assim será possível ganhar o tempo necessário não apenas para a completa normalização de certos factores (como seja a regularização do serviço da Polícia Judiciária, nas. Subdirectorias de Lisboa e do Porto, prestes a atingir o seu objectivo) como principalmente para atenuar o nítido desencontro que nesta altura ainda se verifica entre a «produção» das Universidades (mais concretamente das Faculdades de Direito) e o «consumo» de técnicos do direito, em constante progresso, tanto dos serviços públicos. como das actividades particulares.
Entre os meios de aumentar a eficiência dos tribunais cumpre destacar a simplificação das formas de processo (à semelhança do que noutras legislações se tem feito), contanto que os novos termos salvaguardem as garantias fundamentais de uma equilibrada administração da justiça. E poderia ainda ser referida no mesmo plano a conveniência de eliminar certos abusos (como os adiamentos consecutivos da audiência final, as tentativas insistentes de conciliação, etc.), que apenas servem para retardar e embaraçar a actividade dos tribunais e, sobretudo, para afastar da justiça o concurso daquelas pessoas cuja vida lhes
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não permite andar constantemente a caminho da sala de julgamentos.
12. E este, em resumo, o plano geral de medidas que o Governo tem criteriosamente procurado pôr em prática para acudir às dificuldades do problema.
a)Em primeiro lugar já se mostrou (cf. n.º 4) que, além do aumento substancial de tribunais registado a partir de 1948 nas comarcas de Lisboa e do Porto, o Governo não deixou de acudir às necessidades mais prementes. de algumas comarcas da província, cujo tribunal desdobrou (Santarém, Viseu e Leiria em 1948; Guimarães em 1953, e Almada em 1956). E idêntica providência virá naturalmente a ser adoptada logo que as circunstâncias o exijam nas comarcas de Anadia, da Feira e das Caldas da Rainha.
b)Em segundo lugar está já projectada em diploma legislativo, cuja publicação não deve tardar, a medida destinada a solucionar o problema da acumulação de serviço determinada por circunstâncias acidentais ou transitarias, mas que o quadro normal dos magistrados ou do funcionalismo do tribunal não chega para eliminar.
c)Além disso, enquanto por via administrativa procura completar com a maior brevidade possível a tarefa de recuperação do serviço atrasado em que a Polícia Judiciária anda empenhada, o Governo proeurou já, através do decreto-lei n.º 40 033, de 15 de Janeiro de 1955 (que alterou o domínio de aplicação do processo correccional), simplificar o formalismo processual aplicável a certas infracções criminais de menor relevância social. E novas simplificações, bem como a conversão em particulares de alguns crimes que o Código Penal vigente injustificadamente considera ainda como públicos, tem o Governo projectadas em diploma cuja preparação foi há meses iniciada e cuja publicação não deve tardar.
d)E também no domínio do processo civil a revisão do código vigente não deixará certamente de atender à necessidade, já apontada, de eliminar alguns dos factores que nesse campo ainda hoje embaraçam largamente os movimentos da administração da justiça.
Lisboa, 10 de Abril de 1957. - O Ministro da Justiça, João de Matos Antunes Varela.
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MAPA N.º 1
Conselho Superior Judiciário
Mapa da distribuição crime na comarca de Lisboa
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MAPA N.º 2
Concelho Superior Judiciário
Mapa da distribuição crime na comarca do Porto
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MAPA N.º 3
Concelho Superior Judiciário
Mapa da distribuição nos tribunais de 1.ª classe (um juízo)
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MAPA N.º 4
Conselho Superior Judiciário
Mapa da distribuição nos tribunais de 1.ª classe (dois juízos)
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MAPA N.º 5
Concelho Superior Judiciário
Mapa da distribuição alval na comarca de Lisboa
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MAPA N.º 6
Conselho Superior Judiciário
Mapa da distribuição civil na comarca do Porto
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MAPA N.º 7
Cofre Geral dos Tribunais
Nota dos aumentos e diminuições operados nos quadros das secretarias judiciais desde 1948 a 1957
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Não houve quaisquer diminuições nos quadros no período a que se refere esta nota.
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MAPA N.º 8
Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça
Nota dos aumentos e diminuições operados nos quadros das secretarias judiciais desde 1948 a 1957
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IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA