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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 28
ANO DE 1958 14 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 28, EM 13 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues,
Manuel José Archer Homem de Melo
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 26.
Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente informou terem sido recebidos na Mesa, remetidos pela Presidência tio Conselho, para os efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.os, 21, 22 e 23 e 24, 1.ª série, do Diário do Governo, contendo vários decretos-leis.
Também se receberam os elementos fornecidos pelos Ministérios do Ultramar e das Obras Públicas em satisfação de requerimentos apresentados em sessões anteriores pelos Srs. Deputados Homem de Melo e Camilo Mendonça.
Enviada pela Presidência do Conselho, foi remetida à Mesa uma nota do Ministério do Ultramar em resposta a uma intervenção do Sr. Deputado Bagorro de Sequeira.
Essa nota, que será inserta no Diário das Sessões, foi lida.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alberto Crus, sobre problemas de interesse para o distrito de Braga; Santos da Cunha, que insistiu pela remessa de elementos há tempo requeridos aos Ministérios da Economia e Interior; Morais Sarmento, que apelou para o Governo no sentido de se resolver o problema da batata na região de Trás-os-Montes; Alberto Araújo, João Valença, Ferreira Barbosa e António Lacerda, que enviaram requerimentos à Mesa, e Ramiro Valadão, que chamou a atenção do Governo para a urgente necessidade da construção do porto de Angra do Heroísmo.
Ordem do dia. - Efectivação do aviso prévio ao Sr. Deputado Sarmento Rodrigues sobre as homenagens a prestar ao vice-almirante Gago Coutinho.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sarmento Rodrigues, Venâncio Deslandes e Lopes de Almeida.
Seguidamente foi lida a moção com que se iniciou o debate, tendo, antes, o Sr. Presidente proferido algumas palavras associando-a n homenagem prestada ao vice-almirante Gago Coutinho.
A votação da moção foi feita por levantados e aprovada por unanimidade.
Concluído o debate, o Sr. Presidente propôs um colo de confiança à Comissão de Legislação e Redacção para a última redacção de alguns diplomas, durante o período de encerramento da Assembleia, que hoje se inicia, voto esse que foi aprovado.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 13 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
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António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota de Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Luís Fernandes.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: -Estão presentes 103 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 26 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação ao referido número do Diário das Sessões, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Camilo Mendonça sobre a crise da lavoura no distrito de Bragança.
Do Grémio da Lavoura de Viana do Castelo a apoiar as palavras proferidas pelo Sr. Deputado Rocha Lacerda na sessão de 12 do corrente.
Da Federação dos Grémios da Lavoura do Ribatejo a apoiar as considerações do Sr. Deputado Calheiros Lopes acerca da portagem na ponte de Vila Franca de Xira.
Vários a apoiar a intervenção cio Sr. Deputado Feres Claro em defesa dos interesses de Estremoz.
De Ramalho de Brito a apoiar as considerações do Sr. Deputado Nunes Barata sobre Coimbra.
De Alfredo Gomes no mesmo sentido.
O Sr. Presidente:-Enviados pela Presidência do Conselho e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.ºs 21, 22, 23 e 24 do Diário do Governo, 1.ª série, de 3, 4, 5 e 6 do corrente, que inserem os seguintes Decretos-Leis: n.º 41 517, que autoriza o Governo a promover, por intermédio do Ministério das Obras Públicas e com a comparticipação das províncias ultramarinas e da Câmara Municipal de Lisboa, a construção, na Praça do Império, do monumento dos Descobrimentos; n.º 41 018, que abate no mapa I anexo ao Decreto-Lei n.º 36 081 -reforma de alguns serviços do Ministério da Marinha - vários lugares de pessoal transitado para o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica e de outro dispensável, procede a algumas correcções e ajustamentos no quadro do pessoal civil do Ministério e substitui os mapas I e II anexos àquele diploma; n.º 41 520, que regula a representação dos produtores de leite no conselho geral da Junta dos Lacticínios da Madeira; n.º 41 521, que estabelece normas destinadas a regulamentar e a concretizar a denominação
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das instalações radioeléctricas do Ministério da Marinha; n.º 41 522, que altera a, distribuição dos encargos a suportar pelas empresas concessionárias dos aproveitamentos hidroeléctricos nas despesas gerais da Comissão de Fiscalização das Obras dos Grandes Aproveitamentos Hidroeléctricos; n.º 41 523, que fixa em 100$ mensais o abono de família a atribuir aos servidores do Estado por cada pessoa que ao mesmo abono confira direito e revoga o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 39 844: e n.º 41 524, que insere disposições relativas ao exercício das funções de delegado do Governo Português e de outros funcionários que prestam serviço junto da Organização da Aviação Civil Internacional (I. C. A. O.).
Estão ainda na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério do Ultramar em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 14 de Dezembro do ano findo pelo Sr. Deputado Homem de Melo. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Encontram-se também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 23 de Janeiro findo pelo Sr. Deputado Camilo Mendonça. Vão igualmente ser entregues àquele Sr. Deputado.
Enviada pela Presidência do Conselho, está na Mesa uma nota do Ministério do Ultramar dando esclarecimentos à Câmara sobre a intervenção do Sr. Deputado Bagorro de Sequeira, na sessão de 5 do corrente, acerca dos Decretos n.º 40 708 e 40 709, que contêm, respectivamente, o Estatuto do Funcionalismo Ultramarino e a reforma dos vencimentos dos funcionários civis do ultramar.
Essa nota vai ser lida à Camará e será publicada no Diário das Sessões.
Foi lida. É a seguinte:
1. O ilustre. Deputado Dr. Bagorro do Sequeira ocupou-se, na sessão de õ do corrente, dos Decretos n.os 40 708 e 40 709, de 31 de Julho de 1956, que contêm respectivamente o Estatuto do Funcionalismo Ultramarino e a reforma dos vencimentos dos funcionários civis do ultramar.
Julgo poder levar ao conhecimento daquele Sr. Deputado e da Assembleia Nacional alguns factos que concorrem para esclarecer os pontos sobre os quais furam levantadas dúvidas.
Não me refiro às apreciações gerais feitas nesse discurso àqueles dois diplomas, por me parecer escusado estabelecer discussão à volta de critérios pessoais.
2. O Estatuto do Funcionalismo Ultramarino e a reforma dos vencimentos ocupam-se de todas as situações e de todos os direitos dos funcionários, desde o seu ingresso nu função publica até ao termo do serviço prestado, e, portanto, uma apreciação que se limite a um só ponto - embora importante, como os vencimentos - está incompleta.
Pelo que respeita a vencimentos, ao contrário do que poderia deduzir-se das palavras do Sr. Dr. Bagorro de Sequeira, operou-se uni sensível aumento, na sua generalidade, como se prova pelo custo da reforma relativamente a cada província e que foi o seguinte:
Contos
Cabo Verde................................. 2 300
Guiné ..................................... l 200
S. Tomé e Príncipe ........................ l 300
Angola ................................... 38 000
Moçambique ............................... 22 000
Estado da índia .......................... 13 000
Macau ..................................... 4 500
Timor ....................................... 160
Total .....................82 460
No preâmbulo do Decreto n.º 40 709 indicaram-se os factos que tornavam imperiosa a reorganizarão de todo o sistema de vencimentos.
Deve notar-se que durante a prepararão da reforma de vencimentos, e a título de antecipação desta, foi autorizado em Março de 1954 o aumento de 10 por cento sobre os vencimentos certos, exceptuada u província de Moçambique, na qual a melhoria incidiu só sobre o abono de família, que subiu mais de 100 por cento.
3. No final do preâmbulo acima citado previu-se que houvesse descontentamentos e reclamações e declarou-se: «Nada deixará de ser cuidadosamente examinado e satisfeito sempre que corresponda aos princípios estabelecidos e à justiça da sua aplicação».
Entraram no Ministério do Ultramar 759 requerimentos, sobre cuja origem e outras circunstâncias se dão pormenores no mapa anexo. Como muitos desses requerimentos são iguais, os casos sobre que houve reclamações descem a 261.
Tais petições foram recolhidas nas províncias e nestas apreciadas, subindo ao Ministério com parecer dos governadores, dados em algumas províncias sobre informação de comissões nomeadas ad hoc.
Verificou-se que a quase totalidade dos requerimentos ou pedia gratificações ou solicitava a inclusão do funcionário em grupo de vencimentos superior àquele em que a reforma o colocava. Para isso, ou se invocava a necessidade de modificar a designação da função ou se comparavam as classificações feitas com funções reputadas paralelas noutros serviços, ou ainda se discutia a escala hierárquica de um serviço.
Todos os requerimentos foram estudados no Ministério e entendeu-se que a maior parto não poderia ser despachada sem estarem organizados os quadros de vários serviços, que ou nunca tinham sido devidamente hierarquizados ou estavam sujeitos a diplomas parcelares ou antiquados.
A reorganização de quadros e a publicação de diplomas orgânicos dos serviços foi, pois, a tarefa que o Ministério imediatamente enfrentou e por virtude da qual foram publicados os seguintes diplomas:
Decreto n.º 40 869, de 20 de Novembro de 1956 - Reorganiza o quadro do pessoal do Serviço Meteorológico Nacional no ultramar.
Decreto n.º 41 029, de 15 de Março de 1957 - Regulamento dos Institutos de Investigação Científica de Angola e Moçambique.
Decreto n.º 41 053, de 2 de Abril do 1957 - Diploma orgânico dos serviços de aeronáutica civil.
Decreto n.º 41 203, de 20 de Julho de 1957 - Diploma orgânico dos serviços de economia e dos serviços de estatística geral.
Decreto n.º 41 365, de 15 de Novembro de 1957 - Diploma orgânico dos serviços de veterinária.
Decreto n.º 41 430, de 6 de Dezembro de 1957 - Reorganiza o quadro do pessoal dos correios, telégrafos e telefones.
Decreto n.º 41 472, de 23 de Dezembro de 1957 - Diploma orgânico dos serviços de instrução.
Decreto n.º 41 482, de 28 de Dezembro de 1957 - Diploma orgânico dos serviços de agricultura e dos serviços de florestas.
É evidente que na preparação de cada um destes diplomas foram consideradas as reclamações formuladas e que no seu texto foram logo incluídas as correspondentes disposições.
4. Nestes lermos, verifica-se, como está discriminado no mapa anexo, que das 759 reclamações entradas já
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foram resolvidas 497, 44 das quais deferidas e 453 indeferidas.
5. Considerando que os funcionários certamente lêem os diplomas respeitantes às suas funções, o Ministério entendeu ser desnecessária comunicação individual, mas nada obsta a que esta se faça. Acolhendo o voto do Sr. Deputado Bagorro de Sequeira, exarei sobre todos os requerimentos um despacho individual, que será comunicado a cada funcionário.
6. Os principais serviços dotados de autonomia financeira nas províncias ultramarinas são os de correios, telégrafos e telefones e os de caminhos de ferro e portos. Além destes há outros que, pelo número de funcionários, são menos importantes, como a Imprensa Nacional de Angola e de Moçambique, o Conselho de Câmbios de Moçambique, etc.
Estes serviços não foram desde logo abrangidos pela reforma de vencimentos porque a estrutura de alguns è muito complexa e ainda porque a aplicação da reforma depende dos recursos próprios de cada um, como é corolário da autonomia financeira.
O pessoal dos correios, telégrafos e telefones viu já satisfeito o seu desejo de sujeição ao novo regime por
força do Decreto n.º 41 430, acima citado. O quadro da Comissão de Assistência de Moçambique foi actualizado pelo governador-geral, com a sanção do Ministério. Outros quadros serão brevemente reformados.
Mais atrasada está a reorganização dos serviços de caminhos de ferro e portos, porque o regime das remunerações do seu pessoal e, de modo geral, toda a legislação que regula esses serviços assumem especial complexidade, a ponto de uma comissão nomeada numa das províncias, há bastantes anos, para compilar e refundir essa legislação ainda não ter apresentado o trabalho pedido pelo governador-geral.
7. Observando a crítica dirigida pelo Sr. Dr. Bagorro de Sequeira ao Estatuto do Funcionalismo Civil e u reforma de vencimentos na primeira parte do seu discurso, pode estranhar-se que, na segunda parte do mesmo discurso, se considere manifesto prejuízo dos funcionários dos serviços autónomos não lhes terem sido ainda aplicados aqueles diplomas.
Este manifesto prejuízo será encurtado o mais possível, mas o Ministério não pode comprometer-se a publicar imediatamente todos os diplomas necessários, dada a dificuldade já exposta relativamente nos serviços de caminhos de ferro e portos.
(Ver quadro na imagem)
Das reclamações despachadas (497), 387 eram iguais e 110 diferentes.
Das reclamações indeferidas (453), 344 tinham parecer desfavorável dos governadores e 109 ou tinham parecer favorável ou nenhum parecer dos governadores.
A omissão de parecer dos governadores foi considerada, na 4.ª coluna do quadro, como «parecer favorável».
O Sr. Bagorro de Sequeira: -Peço a palavra.
O Sr. Presidente: -Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Bagorro de Sequeira: - Era só para solicitar a V. Ex.ª o favor de mandar publicar no Diário das Sessões essa informarão do Sr. Ministro do Ultramar.
O Sr. Presidente: - Já tinha despachado no sentido de ser publicada no Diário das Sessões a nota do Sr. Ministro do Ultramar.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Alberto Cruz.
O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: sempre atento, como me cumpre, aos problemas nacionais, e muito especialmente aos que podem, de qualquer maneira, afectar a economia da região que nesta Assembleia Legislativa represento, tomei conhecimento dos queixumes de numerosos trabalhadores que exercem a sua actividade no concelho de Vila Nova de Famalicão, distrito de Braga, que receiam ver agravada a sua situação por virtude da concessão dada pelo Ministério da Economia para montagem de mais uma fábrica de pneumáticos e câmaras-de-ar na região de Setúbal, visto ter terminado o prazo do exclusivo, por dez anos, concedido à fábrica Mabor.
A fábrica Mabor, construída em Abril de 1946, data em que começou a sua laboração, dí. actualmente ocupação a quinhentos operários, podeado, se o consumo assim o exigir, aumentar em larga escala a sua produção e dar consequentemente trabalho a um maior número de braços.
Implantada numa aldeia do concelho de Famalicão, na margem direita do Ave, numa região de densidade populacional elevada, levou a essa pobre gente relativa prosperidade e bem-estar e fixou à terra grande número de portugueses que procuravam na emigração para os grandes centros do País ou do estrangeiro o necessário para prover ao seu sustento e dos seus.
Vai essa fábrica montar outra unidade fabril no ultramar português, em Angola, para o que já obteve a necessária autorização.
São já, pois, duas fábricas em território nacional. Não venho entrar em pormenores de ordem técnica ou defender empresas ou capitais nelas invertidos.
Conforme é meu velho hábito nesta Casa e neste lugar, e também conforme a min lia formação moral.
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venho chamar a atenção do Governo para a situação que se vai criar à já precária economia dessa região e aos que nessa indústria empregam a sua actividade.
Segundo refere o Boletim da Direcção-Geral dos Serviços Industriais n.º 473, de 22 de Janeiro do corrente ano, foi pedida autorização para instalação no Sul do País, em local a designar, de mais uma fábrica de pneus (protectores) e câmaras-de-ar para automóveis leves e pesados, aeronaves, tractores e outros veículos.
Essa autorização foi concedida para instalação da fábrica em Setúbal (condição expressa), e, pela leitura atenta das seis condições impostas pela concessão, verifica-se não ficarem devidamente salvaguardados o futuro dessa importante indústria nacional e dos quinhentos operários que nela labutam.
Sr. Presidente: parece não haver justificação plausível, neste momento, para a construção de novas fábricas desses produtos, pois é fácil averiguar que a Mabor tem armazenadas 50 000 unidades dos seus produtos e encontra-se em regime de trabalho reduzido a cinco dias por semana, mas só precisando de quatro para as suas actuais necessidades.
Mantém no entanto os cinco dias de laboração semanal, segundo me informam, aumentando o armazenamento das suas mercadorias, à espera de melhores dias e do resultado dos seus esforços para aumento da exportação e ainda para não prejudicar excessivamente os seus operários.
Como V. Ex.ª sabe, Sr. Presidente, u região minhota tem uma densidade populacional das mais elevadas do Pais.
A sua lavoura é muito pobre, devido à pulverização da propriedade, que só mercê da fertilidade do solo e do aproveitamento de todos os recantos lá vai arrancando à terra o milho, a hortaliça e as batatas, que, com o fio de azeite e o naco de toucinho, constituem a habitual alimentação da sua gente.
A sua indústria principal, a têxtil, há muito que se debate em séria crise e é muito grande já (100 aproximadamente) o número de pequenas fábricas que encerraram as suas portas, por antiquado apetrechamento e por outras e múltiplas razoes que não vale a pena referir, mas que deixaram sem ocupação muitos braços, com as naturais consequências dai resultantes.
A indústria do chapéus, outrora tão próspera na cidade de Braga e que muito pesou na sua economia, foi definhando lentamente, encontra-se na agonia e pouco falta para exalar o último suspiro, apesar dos inauditos esforços despendidos para prolongar a sua fictícia vida.
A tempo e horas, e por muitas vezes, chamei deste lugar a atenção do Ministério da Economia para a triste situação dessa indústria e cheguei a ter a esperança (santa ingenuidade!) de que as várias comissões encarregadas do estudo da sua reorganização e para as quais largos anos contribuíram as respectivas fábricas habilitassem as entidades competentes a resolver esse, para Braga, momentoso problema.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Preguei no deserto, e a reorganização que me afirmaram estar estudada de forma a resolver o caso e entregue no respectivo Ministério não obteve as boas graças de quem devia ou podia solucionar o problema.
A cidade de Braga chorará por muito tempo a perda dessa sua tradicional indústria, cujos operários continuam a mendigar pelas ruas da cidade.
Venho, pois, Sr. Presidente, pedir toda a cautela no caso das novas fábricas do pneumáticos, para quo não suceda aos operários dessa indústria o mesmo que aos que já citei e para que a economia dessa região não
sofra mais com a dispersão dessa indústria, era boa hora estabelecida em Portugal.
Afirmam alguns que a concorrência só é útil para melhoria de fabrico e de preço, esquecendo-se de que o Governo tem meios ao seu alcance para controlar um e outro, não consentindo abusos de qualquer espécie, e que a indústria só tem interesso no aperfeiçoamento contínuo dos seus produtos e na baixa possível dos seus preços, a fim de competir com fábricas congéneres no mercado interno e externo.
Sr. Presidente: o quadro que pintei, sem grande dispêndio de tintas, aí fica no Diário das Semana para ser observado, e a sua execução teve somente a finalidade de defender a economia da região que represento, onde nasci e onde trabalho e muito especialmente a defesa do bem-estar e da melhoria do nível de vida dos operários que lá exercem a sua actividade profissional.
O quadro foi executado nos moldes da doutrina que apregoo e ouço apregoar e de que não quero, não devo e não posso afastar-me.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Santos da Cunha: - Sr. Presidente: na sessão de 23 do mês de Janeiro passado tive a honra de enviar para a Mesa um requerimento no qual solicitava vários elementos, a fornecer pelos Ministérios da Economia e do Interior, respeitantes à sobretaxa de apoio térmico que incidiu sobre os consumidores de energia eléctrica a cidade do Porto.
Decorridos vinte e um dias, e sem embargo da urgência pedida, nenhum daqueles Ministérios deu satisfação ao meu requerimento.
Ora, e ao contrário do que alguns podem supor, o caso não perdeu oportunidade, até porque é sempre tempo de informar convenientemente a opinião pública sobre os assuntos que mais a preocupam, é sempre tempo, Sr. Presidente, de marcar posição, traçar novos rumos, de definir e assumir responsabilidades.
Na convicção, portanto, de que a todos, por igual, deve interessar um amplo esclarecimento de tão importante problema, rogo a V. Ex.ª o alto obséquio - e pelo qual me confesso, desde já, muito agradecido - de insistir pela remessa urgente dos elementos requeridos e a cuja entrega não deve obstar qualquer possível interrupção no funcionamento efectivo desta Assembleia.
Tenho dito.
O Sr. Presidente:-Tomei nota do pedido de V. Ex.a, e será feita a insistência que solicitou.
O Sr. Santos da Cunha: - Muito obrigado a V. Ex.a
O Sr. Morais Sarmento: - Sr. Presidente: pela primeira vez no uso da palavra nesta Assembleia, expresso a V. Ex.ª os meus cordiais cumprimentos e protestos da mais alta consideração. Na verdade, desde há muitos anos que V. Ex.ª ocupa o alto cargo em que se encontra investido, sempre exercido com a maior elevação e a mais alta dignidade, que o tornaram credor da nossa admiração e da estima de todos quantos têm tido a honra de passar por esta Câmara.
Ao Sr. Prof. Doutor Mário de Figueiredo, que por saudosos laços de família tive a honra de conhecer há já alguns anos, quero reafirmar, neste momento, a alta consideração e admiração que, desde então, tenho por S. Ex.ª e render-lhe as minhas sinceras homenagens.
Aos ilustres colegas apresento as minhas saudações, com a promessa da minha modesta mas leal colabora-
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cão, e faço votos pelos seus melhores êxitos, não só dentro desta Assembleia como na sua vida particular.
Sr. Presidente: pedi a palavra para expor um problema que já por várias vezes foi tratado nas legislaturas anteriores pelos ilustres Deputados que então representavam a região de Trás-os-Montes, particularmente o distrito de Vila Real, assunto este que actualmente tem sido motivo de várias reuniões e solicitações da lavoura do Norte transmontano.
Sem dúvida que esta região está a sofrer mais uma crise aflitiva com a falta de venda do seu produto agrícola principal - a batata. Presentemente pode dizer-se que a maior parte da colheita está ainda na posse dos lavradores.
A crise, que hoje não só aflige a lavoura, mas também o comércio e todas as actividades locais, está a tomar aspecto grave, pois já se repete nestes três últimos anos em ritmo crescente e as magras reservas financeiras, se é que existiam, já estão esgotadas, vendo-se os agricultores na necessidade de recorrer ao crédito para além das suas possibilidades.
A lavoura transmontana, onde predomina o pequeno e médio agricultor e onde o parcelamento da propriedade mais afecta o seu bem-estar, sempre correspondeu aos apelos que se lhe tom feito para tirar da terra o máximo rendimento, e, lutando por todas as formas, tem procurado obter das magras e retalhadas leiras o que as mesmas lhe podem dar.
Com efeito, o pequeno lavrador do Norte, que, quantas vezes, também é o assalariado eventual do proprietário um pouco mais abastado, vive, na quase totalidade do ano. do granjeio das suas pequenas propriedades, que vai cultivando com a sua família ou com a ajuda dos vizinhos, pagando trabalho por trabalho.
É das suas terras, que vai regando com o suor do rosto, que tira os produtos para sustento da família e despesas da casa, pois os salários são poucos e incertos, numa região onde a indústria, pode dizer-se, não existe.
Entre as culturas a que o agricultor dessas regiões se dedica, a da batata ocupa, sem dúvida, lugar de destaque e é com o rendimento desta que o lavrador conta para a satisfação das suas necessidades.
Era, na verdade, com a venda deste produto que a lavoura pagava os seus tributos, adubos, sementes, e ainda procedia a pequenas melhorias das suas propriedades, pois que as outras culturas (centeio, milho e produtos hortícolas) são, na generalidade, utilizadas no consumo da própria casa, e só alguns excedentes podem ser vendidos, mal chegando para as despesas do seu granjeio. .
Até há bem poucos anos, a batata colhida na região transmontana tinha a sua defesa pela preferencia que lhe era dada, não só pela sua qualidade como pelo poder de conservação, o que lhe permitia ser consumida nos meses de Inverno e Primavera.
Hoje, porém, alargada a cultura a outros centros de produção e adoptados novos processos de conservação, outras regiões vieram ocupar, em grande parte, o lugar que anos antes estava reservado às regiões de Trás-os-Montes e Beiras.
No ano corrente, com a criação da Comissão das Federações dos Grémios da Lavoura, estabeleceu-se o escoamento da batata por zonas, na convicção de que o processo daria satisfação a todos.
Verificou-se, no entanto, que ainda não era esta a fórmula eficaz, visto que as regimes do Sul colocaram a sua produção, quase na totalidade, dentro dos prazos estabelecidos, enquanto as zonas nortenhas ficaram à espera de que a sua batata fosse retirada a preço compensador, na altura própria, como era de justiça.
Infelizmente tal facto não se verificou. O aumento da produção no País fez com que, chegados a Fevereiro, Trás-os-Montes e Beira Alta se encontrem com a maior parte da sua colheita por retirar dos armazéns do lavrador.
O preço que hoje lhe oferecem, $50 e $60, é um preço ruinoso, muito inferior ao custo da produção e ao que foi pago noutras regiões.
Acresce ainda que grande parte da batata, por não ser retirada a tempo, já está imprópria para consumo, tendo o proprietário de suportar mais esse prejuízo, agravando assim a sua situação.
É certo que o Governo, pelo Ministério da Economia, sempre que solicitado pelas várias comissões da lavoura que em horas aflitivas vim ao seu encontro, tem tomado medidas que nesse momento atenuam as dificuldades.
Mas estas medidas, que em geral são pedidas sempre tardiamente, pois o lavrador do Norte só sabe queixar-se quando não lhe resta outro remédio, são soluções de emergência, e, como tal, não resolvem o problema em definitivo.
Justo é, porém, pôr em destaque a boa vontade que o Sr. Ministro da Economia tem mostrado em atender clamores da lavoura, não só pondo à disposição da comissão que orienta o escoamento da batata avultadas verbas como estabelecendo outras medidas tendentes a minorar a situação em que a lavoura vive.
Há, no entanto, necessidade de reconhecer que o problema não pode ser somente encarado através de medidas de emergência.
Os excedentes de batata no País, que, ano após ano, vêm sendo cada vez maiores, exigem o estudo deste problema em profundidade, encarando as possibilidades, quer da sua utilização para a produção de fécula em mais larga escala, quer duma maior exportação.
E, ao referirmo-nos aos excedentes da produção, não podemos esquecer o que já se está a desenhar em relação a outras culturas, situação que, agravando-se dia a dia, torna imperioso que se encare o condicionamento de culturas, através de medidas que, directa ou indirectamente, orientem a produção, tanto no sentido de melhor serem satisfeitas as necessidades imediatas da alimentação do povo português como no do aproveitamento industrial de alguns produtos da terra, o ainda no de considerar as possibilidades da sua exportação, sem o que maus dias estarão reservados à lavoura nacional, o que quer dizer, à economia da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: -Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa e seguinte
Requerimento
«Estando a atingir o termo da sua fase final os trabalhos de automatização da rede telefónica do Funchal, roqueiro que, pelo Ministério das Comunicações, me seja fornecida a informação da data provável da inauguração oficial desse importante melhoramento público, do qual me ocupei nesta Assembleia em legislaturas anteriores, certo de que lhe será dada toda a solenidade e de que constituiria motivo de grande honra e desvanecimento para todos os madeirenses a presença, nessa inauguração, de S. Ex.ª o Ministro das Comunicações, que vem dedicando, neste momento, especial empenho e interesse à solução de problemas, de vital importância para o futuro e para o progresso da Madeira e entre os quais se destaca, pela sua acuidade e magnitude, o da construção de um aeródromo naquela ilha».
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O Sr. João Valença: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Na anterior legislatura, em 10 de Janeiro de 1953, tive a oportunidade de suscitar a atenção e pedir a intervenção do Sr. Ministro da Justiça para um problema de vivo e candente interesse: o da provável estabilização dos trabalhos atinentes à reforma do Código Penal e da imperiosa urgência em reactivá-los, com vista à ultimação da referida reforma.
Dois anos volvidos, apenas ligeiras e parcelares alterações àquele diploma foram publicadas.
Em face do presente estado do assunto e com vista a uma eventual intervenção nesta Assembleia, roqueiro que, pelo Ministério da Justiça, me sejam prestadas as seguintes informações:
1.º Quando foram iniciados os trabalhos da reforma do Código Penal em questão;
2.º Quais os resultados conseguidos até à presente data;
3.º Quais as perspectivas referentes ao acabamento desses trabalhos».
O Sr. Ferreira Barbosa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Ao abrigo da alínea c) do artigo 11.º do Regimento, e com vista a uma futura e possível intervenção sobre as condições de vida e acção dos organismos de coordenação económica, roqueiro que, pelo Ministério da Economia, me sejam fornecidos os seguintes elementos em relação a cada um desses organismos:
a) Indicação de todos os regulamentos em vigor para o fabrico ou comércio dos produtos, esclarecendo se os mesmos obedecem ao cumprimento de disposições legais tomadas pelo Governo ou correspondem a iniciativas do próprio organismo e, neste caso, se tiveram parecer favorável dos seus conselhos gerais ou órgãos consultivos e se foram homologados pelo Ministério da Economia;
b) Relação de todas as circulares, ou quaisquer outros meios de comunicação genérica com os interessados, publicadas por esses organismos durante os anos de 1955 a 1957. Essa relação deve ser apresentada um forma de índice remissivo por assuntos, com todos os esclarecimentos que sejam possíveis».
O Sr. António Lacerda: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«No intuito de poder vir a tratar, nesta Assembleia, de assuntos ligados aos problemas da construção de escolas e do crédito agrícola, requeiro que, pelos Ministérios competentes, me sejam fornecidos, com a possível urgência, os elementos seguintes:
1) Rendimento das câmaras municipais do distrito de Braga nos últimos três anos e verbas globais despendidas nos mesmos anos por força dos artigos 750.º e 751.º do Código Administrativo ;
2) Número de escolas construídas no distrito de Braga, por concelhos, desde a instituição do Plano dos Centenários, com indicação das verbas despendidas pelo Estado e pelas câmaras municipais. Número do salas do aula alugadas nesses concelhos e montante dos respectivos aluguéis despendidos nos mesmos anos;
3) Plano de construção de escolas nos diferentes concelhos do distrito de Braga, com indicação das verbas previstas, a despender pelo Estado e pelas câmaras municipais, bem como das disposições que regulamentam a atribuição das comparticipações;
4) Rendimento dos grémios da lavoura da 1.ª e 2.ª regiões agrícolas nos últimos três anos e indicação das despesas forçadas com pessoal, expediente, etc. Valor dos adubos, insecticidas e fungicidas que os grémios da lavoura forneceram aos seus associados a pronto pagamento o a crédito;
5) Empréstimos feitos pela Junta de Colonização Interna nos diferentes concelhos da área da 1.ª e 2.ª regiões agrícolas, ordenados por grandes tipos de obras;
6) Empréstimos concedidos pelas Caixas de Crédito Agrícola Mútuo dos distritos de Braga e Viana do Castelo, valor do seu crédito social utilizável e efectivamente utilizado. Número de associados dessas caixas;
7) Empréstimos concedidos pela Caixa Nacional de Crédito sobre propriedades agrícolas a curto e a longo prazo nos mesmos distritos, com enumeração das culturas para que foram requeridos. Disposições que regulamentam a concessão desses empréstimos».
O Sr. Ramiro Valadão: - Sr. Presidente: há pouco, o temporal no Atlântico provocou na ilha Terceira acontecimento infelizmente usual durante o Inverno. Efectivamente, durante alguns dias, um dos navios da linha que liga os Açores a Lisboa procurou em vão desembarcar passageiros e mercadorias no porto de Angra do Heroísmo, onde vagas alterosas tornavam por completo impossível o acesso à terra e poriam mesmo em risco a segurança do barco se o seu comandante, habituado a estas aventuras marítimas, não procurasse o abrigo possível.
Este facto, à força de repetido ao longo dos anos, tornou-se de uma banalidade que nem por isso anestesiou a sensibilidade das gentes que, por minha voz, manifestam ao Governo a firme esperança em que se encontram de que seja resolvido o grave e importante problema do porto de abrigo de Angra do Heroísmo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Não há, na verdade, maior e mais viva aspiração entre os que habitam a ilha Terceira e, há-de convir-se, enorme é a necessidade de um ancoradouro que permita aos navios as manobras de carga e descarga com a regularidade indispensável ao conforto e até abastecimento dos povos, que não intentam dramatizar as dificuldades que apontei, mas apenas expô-las com a clareza necessária.
Já nesta legislatura, foi aqui dito pelo nosso ilustre colega Armando Cândido quão imperiosa é a construção de portos noutras ilhas do arquipélago, e se muito gostosamente me associo às esclarecidas considerações que então produziu aquele Deputado, não deixarei de afirmar, e tenho a certeza de que ele comigo concordará, que maior e mais vincada importância assume o problema no relativo a Angra do Heroísmo - capital de um dos três distritos dos Açores.
Por estranhos desígnios da história, a ilha Terceira, que foi outrora sede do Governo dos Açores, é justa-
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mente a única cidade açoriana que não tem uni porto de abrigo. Não importa agora analisar o passado, pois, olhos voltados para o futuro, o que nos interessa e preocupa é ver resolvido um problema sobre o qual, aliás, os serviços competentes do Ministério das Obras Públicas elaboraram já importantes estudos.
Quero aqui acentuar o apreço e a admiração que os povos das minhas ilhas têm pelo Ministro e pelo Subsecretário de Estado das Obras Públicas, que, muito justamente, conquistaram em todo o Pais, para si e para a Secretaria de Estado que lhes está confiada, um ambiente de excepcional simpatia e aplauso.
Ninguém desconhece a acção atenta e pronta do departamento de Estado de que são altos responsáveis os engenheiros Arantes e Oliveira e Saraiva e Sonsa, e todos sabem a extrema dedicação e profunda clarividência com que aqueles ilustres membros do Governo resolvem os intrincados e inumeráveis problemas postos à sua consideração.
A circunstancia de ninguém o ignorar não impede, todavia, de muito gostosamente uma vez mais o exprimir no instante em que afirmo a confiança com que nas suas mãos se deposita o estudo e solução de problema que particularmente importa ao distrito de Angra do Heroísmo.
Sr. Presidente: no momento em que se prepara o próximo Plano de Fomento, o qual, sem dúvida, equacionará e resolverá vários dos problemas de que depende um maior e mais extenso desenvolvimento do Pais, julgo particularmente oportuno o apelo que formulo ao Governo, na certeza de que corresponde ao unanime desejo da população terceirense, que, no dobar dos anos, tem escrito tão belas páginas da história nacional.
Há mais de um século que Angra do Heroísmo sonha com um porto de abrigo onde, com a segurança indispensável, possam os navios que o demandam cumprir a sua missão.
Conforto das populações? Sem dúvida, mas, muito mais do que isso, imperiosa necessidade dos tempos.
Nesta era de Salazar, em que tantos sonhos se têm transformado em realidades, por portentosa acção dos homens e pleno funcionamento das instituições, podem as populações livremente exprimir os seus anseios na firme convicção de que, cabendo-lhes justiça, ela se fará.
A Angra do Heroísmo cabe essa justiça e, por isso, tem-se a certeza de que serão mobilizados os capitais necessários a obra de tanta monta e projecção e que os nossos técnicos e operários novamente assinalarão a sua fecunda acção realizadora.
Há quase quarenta anos, neste mesmo local, se ergueram vozes que empenhadamente solicitaram atenção para os problemas dó meu distrito. Inúteis e completamente baldados foram esses esforços, pois o Pais estava envolvido em inglórias e estéreis lutas políticas que tudo contaminavam e destruíam.
Hoje, não peço essa atenção, tão viva e forte se tem manifestado no decurso dos últimos trinta anos. Limito-me a confiadamente recordar um problema que o Governo conhece, não apenas como vaga generalidade, mas com a soma do que porventura será a quase totalidade dos elementos necessários à sua completa planificação. Importa é que se complete todo o esquema dos trabalhos que interessa sejam iniciados e levados a cabo com a brevidade desejada.
A gente das minhas ilhas inteiramente confia no seguro critério dos que tiverem de decidir e, ansiosamente, aguarda o que em tal matéria for determinado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente:- A ordem do dia é constituída pela efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Sarmento Rodrigues sobre as homenagens a prestar ao vice-almirante Gago Coutinho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sarmento Rodrigues.
O Sr. Sarmento Rodrigues: - Sr. Presidente: os termos do aviso prévio que tive a honra de apresentar, e cuja efectivação V. Ex.ª, tão compreensiva e elegantemente, como é próprio do seu alto espírito, marcou para a última sessão deste primeiro período de trabalhos parlamentares, dispensariam qualquer exposição e consequente debate. É que em volta da figura nacional de Gago Coutinho não há sombras nem reservas. Cada um dos seus passos é um serviço à nossa pátria.
Hás, Sr. Presidente, é irresistível a sedução da sua vida, e não a podemos calar. Marinheiro, aviador, geógrafo, historiador e sempre português de lei, Gago Coutinho enche, na rica variedade do seu espirito genial, o século em que viremos.
Todavia, e sobretudo para o comum dos Portugueses, ele é a recordação viva e grata das horas de sagrada alegria que a viagem aérea ao Brasil nos trouxe. Alto serviço, que se não pode esquecer.
«Fonte inesgotável de emoção patriótica» - assim foi classificada pelo preclaro Presidente da República António José de Almeida a travessia aérea do Atlântico realizada por Gago Coutinho e Sacadura Cabral no ano de 1922.
«Um dos feitos que trouxeram o progresso para o mundo» - disse da viagem maravilhosa o venerando Chefe do Estado, general Craveiro Lopes.
Entre estes dois pólos supremos correram caudais de tinta e vibraram revoadas de discursos eloquentes, inspirados, patrióticos.
Aqui, nesta Casa, foram pronunciadas as primeiras palavras de Animo e aplauso ao que então se chamou «um gesto temerário», associado a «descoberta científica* e «sequência lógica de estudos matemáticos e astronómicos».
Rios de tinta se gastaram, de facto, em Portugal e Brasil, a descrever e celebrar o feito heróico dos dois maiores aviadores portugueses do todos os tempos. Para que esta Assembleia se assegure do seu alcance não é, portanto, necessário dizer quaisquer palavras, tão perene é a sua lembrança no coração reconhecido de todos nós.
Essa moderna epopeia deve-se primeiro à iniciativa, ao valor, à tenacidade, do comandante Sacadura Cabral. Ele foi só organizador e chefe daquela expedição aero-geográfica», diz-nos, com modesta simplicidade, o sen glorioso companheiro, o vice-almirante Gago Coutinho. «Eu fui somente o navegador».
Somente o navegador!
Mas, ainda nesta mesma sala, Álvaro de Castro afirma que se ganhara a «prioridade, para os Portugueses, da navegação aérea por processos de orientação astronómica» ; Nuno Simões classifica o feito como o maior dos últimos cem anos; Agatão Lança coteja-o com a descoberta do caminho marítimo para a índia; Cancella do Abreu - então jovem Deputado, não menos digno e generoso do que aquele que diariamente aqui admiramos - propõe a promoção por distinção para os dois pioneiros.
Não há sector da Câmara, da esquerda, do centro ou da direita, que se não associe a exaltar os dois marinheiros - aviadores que souberam, num período conturbado, congraçar todos os portugueses e erguer a alturas de outrora o nome de Portugal no mundo.
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Por isso me dispenso de acrescentar palavras minhas, por de mais apagadas, aos cânticos que por toda a parte se levantaram em honra dos heróis. Tive a extraordinária sorte de acompanhar a viagem triunfal u bordo de um dos navios de apoio, o cruzador República, que o bravo Oliveira Muzanty, marinheiro e combatente das campanhas da Guiné, comandava; assisti aos momentos emocionantes da chegada aos Penedos - única e pálida crónica que sobre o acontecimento escrevi, para acrescentar às que Norberto Lopes, excelente escritor de hoje e moco jornalista desse tempo, primorosamente foi redigindo depois daquele episódio memorável.
Vivi, na verdade, o aparecimento sobrenatural do minúsculo avião no berço do horizonte; vi-o crescer em tamanho e em glória, alcançar a terra brasileira do Penedo de S. Pedro e ir juntar-se no mesmo túmulo sombrio às carcaças heróicas das naus de Quinhentos. Aquele avião, chamado Lusitânia, era o primeiro e mais sólido pilar do nato monumento que ali mesmo e naquele instante se erguia à fama de Portugal.
Sofri aquela noite angustiosa da busca entre Fernando Noronha e o Penedo, em que a bordo do República pairava um silêncio mortal. E ainda vibram na minha memória, como um bálsamo, as alegres palavras da mensagem do Paris City, que antes de nós os encontrou : «Found plane and aviators, all right».
Dramas que foram mais intensamente vividos só porque qualquer dos aviões nem ao menos um simples posto e rádio tinha, sacrificado a uns poucos galões de gasolina.
Vibrei de comoção patriótica ao contemplar o arrebatamento do povo brasileiro do Rio, da Baía, de Porto Seguro, do Recife, de S. Luís e de Belém, desde a forma grandiosa do Rio de Janeiro até às simples e não menos comovedoras manifestações dos povoados humildes - como essa de Porto Seguro, onde os velhos canhões portugueses novamente troaram, para celebrar a chegada dos segundos descobridores.
Navios de guerra do Brasil, privados de peças para salva, disparavam os seus canhões carregados de balas, mesmo dentro dos portos artificiais!
Vi correr muita, muita lágrima de alegria pelas faces austeras e rudes de humildes trabalhadores portugueses e assisti ao entusiasmo delirante de brasileiros. Uma generosa loucura se apossou dos espíritos de uns e outros, igualmente orgulhosos daquela nova epopeia. Perante tamanha alucinação colectiva, nem o próprio Sacadura, o impassível, o homem que se não deixava impressionar, conseguia resistir: «Eu já não sei se sou português, se sou brasileiro!».
Se o seu génio não tinha logrado associar no grande empreendimento as aviações de Portugal e do Brasil, não há dúvida de que se acabavam de conquistar e de unir os corações das duas pátrias.
Os desastres sofridos não fizeram mais do que exaltar a vibração popular, já desencadeada e em pleno curso ascensional. Confia-se nos aviadores e nos seus planos como numa escritura.
Contudo, Sacadura Cabral, no seu lacónico e modesto relatório, não pode deixar de exprimir a sua ansiedade num dado momento, a cerca de duas horas da partida da Praia, de Cabo Verde:
Confesso que para mim - diz Sacadura - foi este voo o bocado mais amargo da viagem Lisboa-Rio, porque durante nove horas e meia vivi sempre na incerteza de ter ou não gasolina suficiente para chegar ao término. Se assim acontecesse e tivéssemos de pousar no mar, longe dos Penedos, aqueles que não nos conhecessem suporiam sempre que tínhamos partido cora gasolina miais que suficiente, mas que, tendo-nos perdido, tínhamos terminado por pousar ao acaso em qualquer ponto do oceano, e assim ficaria por demonstrar aquilo que pretendíamos provar, isto é. que a navegação aérea é susceptível da mesma precisão que a navegação marítima!
A vida era o menos; a ideia que os atormentava era a de que o mundo pudesse julgar que se tinham perdido no caminho!
Mas depois de onze horas sem ver terra alcançavam geometricamente um ponto no mar. Momento histórico, de louca alegria, ao ver o minúsculo avião surgir, e do mais amargo desespero ao vê-lo destroçado sobre a crista de uma vaga.
Gago Coutinho observara, naquele dia 18 de Abril, quarenta grupos de alturas, além de ter de dar à bomba para trasfegar a gasolina dos flutuadores para os tanques, por se ter avariado o aeromotor. Com a irresistível frescura do seu espirito, dizia a propósito: «Sem ser para me gabar, é certo que fui eu, o homem humilde, quem eficazmente concorreu para, «dando à bomba», dar tanta alegria ao povo português».
Tirado para fora do avião, que se queria afundar, entra a bordo do República cheio de alegria e também de dor, por ver perdido o seu avião, o avião que o seu engenho guiara com rigor trigonométrico de Lisboa à terra brasileira. Levava consigo o sextante e corrector de rumos - inventos seus -, um cronometro, aparelhos menores, cadernos e, como anjo tutelar, um exemplar de Os Lusíadas.
Tamanho choque não conseguiu abalar o forte Sacadura. As preocupações tinham desaparecido. O dever fora cumprido. Nem alegria nem tristeza. Estava tranquilo. Só tinha vontade de fumar. Um homem de ferro!
Realizara-se, desta sorte, a primeira grande viagem aérea baseada na observação astronómica, utilizando os processos que Gago Coutinho tinha inventado e experimentado no voo à Madeira, no ano anterior. Sacadura, escolhendo-o, vira no seu mestre e amigo o homem de ciência e de engenho insuperado, capaz de resolver todas as dificuldades, em terra, no mar ou no ar, com os recursos do seu incomparável poder criador. Ele conhecia-o muito bom das largas caminhadas pelos sertões de África, navegando através das terras como se fora no mar. Deles diziam os Pretos: «Estes brancos nunca se perdem porque, chegada a noite, perguntam às estrelas onde estão!».
Sacadura não se enganava! E Gago Coutinho podia, por sua vez, afirmar, com a absoluta probidade que é seu timbre: «Nunca falhámos o porto de destino. O problema da navegação aérea está resolvido!».
A expedição aérea passou à consagração da história. Gago Coutinho e Sacadura Cabral, aclamados pelo povo, em Portugal e Brasil, em apoteoses nunca excedidas ou sequer igualadas, são recebidos nesta Casa, em sessão extraordinária do Congresso da República, no dia 7 de Novembro. Sessão tumultuosa de entusiasmo. O próprio Presidente, Pereira Osório, do alto dessa magistral cadeira, soltou vibrante vivas ao Brasil, a Portugal, aos heróicos aviadores! Classifica-os de «expressão máxima das qualidades e virtudes da raça lusitana»; «os maiores portugueses dos tempos modernos».
Esquecem-se divisões partidárias, ou, o que é mais, ostensiva, consciente e patriòticamente são postas de lado, porque naquele dia só existe a Pátria. Fala-se no sinício do ressurgimento nacional», como consequência do alto feito. O Ministro da Marinha, Azevedo Coutinho, que representa o Governo, nem sequer aproveita politicamente, para o seu partido ou para a sua posição, o sucesso desse empreendimento, que tinha sido por ele próprio acarinhado e apoiado.
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Era uma hora de comunhão nacional em volta desses dois homens, que, como os grandes antepassados de que espiritualmente descendiam em linha recta, tinham partido do Restelo para mais uma aventura cientifica e humanitária - como era da tradição portuguesa - para revelar ao mundo novos caminhos, e agora para unir cada vê/mais os dois povos irmãos de Portugal e Brasil. Eles eram os mais altos expoentes da ciência geográfica, em que os Portugueses foram os pioneiros e mestres incontestados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Mas tudo isto, Sr. Presidente e meus senhores, o sabe de sentimento esta Assembleia, e apenas ousei referi-lo em breves notas.
Como relíquias dessa jornada esplendorosa restam-nos o terceiro e último avião, o Santa Cruz, que pousou no Rio de Janeiro no alucinante dia 17 de Junho, o os instrumentos, livros e cadernos que Gago Coutinho salvou de todos os naufrágios. Eles irão enriquecer o Museu da Marinha, definitivamente fixado no Mosteiro dos Jerónimos, o lugar adequado, pois que a própria Igreja de Santa Maria de Belém é o mais grandioso monumento à epopeia marítima portuguesa.
Todos esperamos que o uno de 1900 seja o inicio dessa permanente consagração nacional. Ali ficarão, portanto, ao lado do anjo de proa da nau S. Gabriel, da espada de João Roby e de tantas relíquias da história da nossa marinha, em terra e no mar, o avião de Sacadura e o sextante de Gago Coutinho.
Sacadura Cabral desapareceu nas brumas do mar do Norte, voando para Lisboa, já nos preparativos de nova façanha, a primeira circum-navegação aérea do globo. Mas temos entre nós, como um inestimável dom, o Ínclito almirante, incessantemente acrescentando o património espiritual da Nação pelo seu trabalho incansável de investigações históricas, no qual à condição de patriota estreme alia a sua inconcussa probidade intelectual, uma indiscutível capacidade cientifica e a experiência preciosa de um navegador consumado.
Na verdade, Sr. Presidente, quando Gago Coutinho apareceu nimbado de glória ante o povo português o seu talento estava consagrado no mundo das ciência» geográficas. Não foi apenas o feito retumbante da viagem ao Brasil que o classificou. O seu nome era já bem conhecido, respeitado e admirado pela actividade naval e, sobretudo, geográfica que tinha desenvolvido.
Como marinheiro fez largas viagens à vela no célebre transporte Pêro de Alenquer, uma galera boa veleira, severa escola de marinhagem. Serviu na corveta Mindelo, comandada pelo notável marinheiro que foi Augusto de Castilho, paradigma de cavalheirismo e dignidade, e, mais tarde, por Guilherme Capelo, da dinastia ilustre dos Capelos, o da travessia de África e o astrónomo emérito; nesses exemplos iniciou a sua carreira o filho do escrevente da nau Vasco da Cama, título de nobreza que ele em dado momento orgulhosamente citou; aprendeu nesses longos cruzeiros lições de vela, de brio e de estoicismo, pois até foi dos que no Brasil sofreram a febre-amarela e dos poucos que se salvaram. Navegou na Rainha de Portugal e na famosa Duque da Terceira, onde começou a sua vida de mar como aspirante e acabou por ser entusiástico instrutor. Esteve ainda nas canhoneiras Zaire, Zambeze, e Douro, todas predominantemente veleiras.
Desta maneira, e durante alguns anos, esquadrinhou o Atlântico Sul e cruzou grande parte do Índico, observando atentamente, estudando e aplicando o regime dos ventos, o que lhe conferiu conhecimentos inestimáveis e hoje incomparáveis. Com o sen especial talento de observação e método, muniu-se de uma bagagem que ninguém pode exceder.
Mais tarde, ainda há bem poucos anos, faz a célebre viagem da barca Foz do Douro, simplesmente à vela e sem qualquer motor, armado do sen astrolábio, para melhor confirmar os estudos das navegações antigas, que agora o absorviam. Completava desta forma, e sempre com a preocupação de ser verdadeiro, os registos que nos tempos da sua juventude fizera como velejador nos grandes navios, repetindo derrotas históricas. De facto, na Pêro de Alenquer, tendo a bordo como imediato o célebre Macieira (o nome que mais alto subiu entre nós na fama de marinheiro, à vela), fizera Gago Coutinho a viagem de Lisboa a Lourenço Marques pela rota de Vasco da Gama.
Depois do período da vela, continuou ainda embarcado em navios da Armada. Traz, uma viagem muito arriscada, a corveta Rainha de Portugal, que mal se podia arrastar, de Lourenço Marques a Luanda; e por fim, mais tarde, já em plena absorção geográfica, vai comandar a canhoneira Sado, na índia, e a seguir a Pátria, em Macau e depois em Timor, no tempo de Filomeno da Câmara. Como sempre, Gago Coutinho deu que falar.
Pelo seu engenho aumentou o alcance das peças, graças a sistemas de tiro por ele imaginados e que mais tarde haviam de ser confirmados. Dessa maneira pôde, no dizer dele, tornar mais comprido o braço do rei de Portugal!
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Terminava aqui, e na mais oriental província, a sua carreira de oficial de mar, e em operações de guerra, o que a havia começado como aspirante na estação naval do Índico, numa pequena aventura que ele narra com o costumado espírito. Sozinho, numa simples baleeira e na companhia de remadores indígenas, toma conta da baía de Pemba, ergue a bandeira em terra e prepara-se para impedir que uma esquadra inglesa, que ao largo dela pairou em vésperas do ultimato, a pudesse ocupar! Entende-se muito bem com os nativos. Despacha mensageiros por mar, nu na canoa, com informações para o comandante da divisão naval, em Moçambique.
«Fui o primeiro capitão do porto, do futuro Porta Amélia. E ainda me estão a dever o afretamento d. canoa!».
Foi esta escola do mar que verdadeiramente o preparou para a vida de geógrafo, em que tanto se ilustrou, e, hoje, para o estudo desenvolvido da história dos Descobrimentos. Naquela dura vida acabou de temperar o seu carácter e soube desenvolver as suas incomparáveis qualidades de engenho, observação, tenacidade, entusiasmo e confiança.
Porque ele não era um simples observador ou praticante de regras sabidas. No seu espirito havia sempre a mais fecunda curiosidade. Não se limita a fazer o ponto, a virar de bordo, a pôr de capa. Gago Coutinho desenha velas e cascos, discute os porquês de tudo, vai ao fundo das questões.
Consulta minuciosa e pacientemente as velhas crónicas e cartas marítimas, para depois, com segura ousadia, abrir novos caminhos para o futuro.
Ao mesmo tempo que examina demoradamente as manobras dos pangaios milenários da índia, procurando neles descortinar a inspiração das nossas caravelas, concebe linhas revolucionárias para os barcos de regatas. Com elo há sempre uma ideia nova, quer para içar embarcações, quer para um cálculo de estrelas. Inteligência, essencialmente criadora!
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Ele pode, como ninguém, transportar-se aos tempos heróicos dos Descobrimentos, porque conhece o cenário e quase viveu dentro dele; porque foi batido pelas mesmas incertezas e pelos meemos ventos, porque cruzou os mesmos mares e contemplou as mesmas conhecenças da Terra. Porque deu a volta do Sargaço e a volta da Mina, subiu aos mastros como um gajeiro em dias de temporais e pesou o Sol com o mesmo astrolábio de outras eras. Em mais de trezentos dias e mais de 30 000 milhas de navegação h vela, na maior parte no Atlântico Sul, o seu portentoso engenho assimilou conhecimentos que fazem que a sua autoridade seja indiscutível e inigualável no estudo da navegação, da náutica e dos Descobrimentos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Em 1808 inicia uma nova fase da sua vida em que tanto se havia de celebrizar - a rude vida de geógrafo do ultramar.
«Foi o meu minuto histórico», diz-nos, do acaso que o levou a ser convidado, num primeiro intervalo de S. Carlos, para ir trabalhar em geografia para as fronteiras de Timor.
No segundo intervalo tinha aceitado e em breve se juntava na ilha distante ao grande governador Celestino. Quando todos esperavam, e alguns até desejariam, que entre eles surgissem conflitos, conhecidos os seus rijos temperamentos, verifica-se, pelo contrário, que estes dois verdadeiros homens criaram, mais do que entendimento, estima e admiração recíprocas.
Trabalha no levantamento geográfico da ilha e na fronteira. Lá sobe e marca para a história geográfica o Tataniailau, no cimo da cordilheira do Ramelau, o mais alto ponto da Nação Portuguesa. Mede os Ângulos, impassível, enquanto à sua volta ferve o tiroteio de insurrectos.
Agora, sessenta anos volvidos, Timor recorda-lhe sempre duas atracções sentimentais da sua vida. Em Timor havia de praticamente morrer o que foi seu companheiro de missões geográficas, o aviador e geógrafo Jorge Castilho, por quem tinha um afecto paternal; e em Timor se perdeu o seu teodolito Repsold, que o acompanhou em tantas expedições através das fronteiras de Angola e de Moçambique!
Dois anos depois, em 190U, vai para Moçambique delimitar a fronteira do Niassa. ;300 km de fronteira em pouco mais de um mós. E não é um simples passeio, o que já seria muito através daquelas terras agrestes, desconhecidas e sem recursos; são marchas cientificas, com frequentes situações para observar pontos de dia e estrelas de noite. Levantam marcas sobre o arvoredo e constróem marcos, tudo rigorosamente cotado.
A autoridade de Gago Coutinho é sempre a que domina. Os estrangeiros, sejam Ingleses. Belgas ou Holandeses, em breve reconhecem a superioridade dos seus conhecimentos e a seriedade dos seus métodos e se tornam admiradores e amigos. Assinam tudo o que ele faz, salvo quando politicamente se põe alguma conveniência. «All right, old boy; you are allways all right!» - dizia-lhe uma vez o chefe da missão inglesa na fronteira de Barotze.
No ano seguinte trabalha na delimitação da fronteira norte de Angola, com os Belgas.
O seu nome já é bem conhecido. Não o deixam parar, com o que ele rejubila. Km 1004 volta novamente a Moçambique, ainda para trabalhar nas fronteiras, desta vez no distrito de Tete. A missão é árdua e difícil. Observa minuciosamente todos os pormenores, não lhe escapa uma razão. Se é justo na interpretação dos factos, não se esquece de ser patriota na defesa dos nossos direitos. Trata-se de estabelecer uma fronteira definida
pelas bacias de rios, o Zambeze e o seu afluente Chire, ademais ligados por canais. Compreende-se a complexidade, a confusão, que dai pode surgir, até pelas cheias que provocam inversões de correntes. Gago Coutinho é irrefutável nas conclusões. Com uma clareza de raciocínio e uma originalidade de interpretação absolutamente indiscutíveis, chega a soluções perfeitamente exactas, através dos mais emaranhados processos. Passados cinquenta anos, é ainda aos seus juízos infalíveis que todos vamos recorrer.
Na verdade, foram os seus marcos que serviram de base incontestada para o novo acordo de fronteiras que há poucos anos se fez, e de que resultou a posse para Portugal das águas do lago Niassa fronteiras ao nosso território - facto este de certa relevância e que quase passou despercebido entre nós. Era a última mancha que restava do ultimato que acabava de ser removida. Gago Coutinho, consultado nessa altura, recorda, com precisão portentosa, o trabalho há meio século por ele realizado e os seus fundamentos. Dá-nos informações precisas sobre o curso de rios e canais já desaparecidos. E uma verdadeira bíblia. Não lhe escapa o nome de um monte, uma cota. Tudo se representa em panorama maravilhoso naquele prodigioso cérebro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Quando vem a Lisboa, desenha, calcula e faz relatórios.
Em 1517 começa a famosa triangulação geodésica do Moçambique. E a primeira missão geodésica do ultramar. Sacadura vai pela primeira vez trabalhar no mato com o seu futuro companheiro do mar. Gago Coutinho não pára, não dorme e não se cansa. Não há pico que não galgue, muitas vezes quando os outros repousam, extenuados pelas marchas. À noite, as estrelas. Sobe ao alto das árvores e ao mais arriscado cimo das marcas feitas de toscos mas bem calculados paus.
«O meu retrato!»- chamou ele à fotografia de uma armação inverosímil, com mais de 20 m de altura, onde mal se divisa um homem de pequena estatura e calções curtos, de binóculo em punho, mas erguendo-se bem mais alto do que os píncaros das serras longínquas, pois que a sua envergadura e a sua ralé - como ele gosta de dizer quando faz elogios - o haviam de colocar num verdadeiro cume de uma ciência e de uma página do história. O seu retrato!
Durante três consecutivos anos, esto homem de têmpera férrea realiza, com os instrumentos e as limitadas possibilidades da época., uma das maiores obras geográficas conseguidas em África: 800 km de uma triangulação impecável, cobrindo a província de Moçambique da fronteira sul até ao paralelo de Bartolomeu Dias.
Aqui experimentou Gago Coutinho o emprego dos fios de levar nas medições, o que foi inédito em África. E tão bem o fez que em cada quilómetro medido os erros foram inferiores a 1 mm, a despeito dos ardores do sol. das inclinações e de tudo o mais que naquele áspero meio podia afectar tão melindroso trabalho.
Porque o engenho de Gago Coutinho superava todas as dificuldades. Uma prodigiosa riqueza inventiva, de aparelhos e de métodos. Â observação de estrelas em pleno dia cansa natural espanto, mesmo aos seus companheiros. Mas Gago Coutinho explica como é simples: basta apontar o óculo para onde a estrela deve estar num dado momento! Muito simples!
Para as observações de pontos em terra prefere a noite, utilizando luzes, projectores. Os resultados são muito mais seguros e evitam-se todos os inconvenientes que a má visibilidade duma apresenta. São estas constantes atitudes, verdadeiros achados, que caracterizam esta pujante imaginação.
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Quando, em 1913, vai para o Barotze, na mais importante missão de fronteiras que lhe coube, recorre à observação da Lua para determinar as coordenadas do célebre marco do meridiano 24, que era a confluência de três territórios: Angola, Rodésia e Congo Belga, no Alto Zanibeze. Nesse tempo não se empregava ainda a rádio no mato - onde, de resto, não chegava a hora de Greemvich -, nem sequer para chamar um médico. O seu método de observação pela Lua é perfeitamente original e havia de dar os mais rigorosos resultados, como posteriormente se verificou. Em Lourenço Marques eram feitas observações semelhantes, às mesmas horas e dias.
Nessa esgotante missão teve de percorrer extensões desmedidas, fazendo na dupla travessia de África cerca de 5200 km a pé, a maior parte do tempo atrás dos carros, com a montada ao lado, prevenindo-se assim para o caso de adoecer ou um ou outro l O caminho de ferro só chegava então a Nova Lisboa, e daqui ao meridiano 24 são 1200 km. que ele percorreu em cerca de três meses e meio! Mas quando lhe perguntam como atravessou a África a pé diz, com a costumada simplicidade e graça: «Como havia de ser? De botas rotas, para a água sair à vontade, porque entrar entrava sempre!».
E ao narrar as suas andanças nessa missão é frequente ouvi-lo referir: «Depois, para me certificar, andei pela fronteira mais uns quinhentos e tantos quilómetros!».
Uma perfeita bagatela!
O que isto representa de esforço, de capacidade de organização, de tenacidade! 5200 km de marchas, 450 km de fronteira demarcada, dos quais 230 km em cinquenta e oito dias; 3000 pares de estrelas observados! São números, impressionantes!
Caminhava, estudava, media. Com ele iam sempre os infalíveis cadernos, o pedómetro, a bússola, o barómetro - sem contar com os inseparáveis teodolitos, cronometres, etc., que os carregadores transportavam. E tudo tão bem assistido e cuidado que depois de catorze meses de viagem, de Benguela a Lourenço Marques, o erro dos cronómetros foi apenas de dois segundos!
De dia atravessa lagoas e florestas; de noite sobe aos montes e observa estrelas, para amarrar os percursos diurnos. As mãos enchem-se de calos, de tanto subir às árvores, para marcar o caminho a seguir; depois, é a marcha pela floresta, navegando no meio do arvoredo, «como só um marinheiro português de navio de vela poderia fazer», assim diziam os ingleses das missões.
Este trabalho de mato só foi interrompido em 1911, e por dois anos, para ir, no cumprimento das exigências de embarque da sua vida naval, comandar a canhoneira Sado, estacionada na Índia - tempo que aproveitou também para naquele Estado executar trabalhos de cartografia - e, depois, a canhoneira Pátria, em Macau e em Timor.
Foi dali chamado para o Barotze. E, terminada esta missão, vai realizar o seu último trabalho de campo e também um dos mais notáveis e celebrados: a triangulação da ilha de S. Tomé e a sua ligação ao Príncipe. No ilhéu que hoje tem o seu nome - graças à iniciativa do distinto governador António José Pereira - marca a linha do equador. A sua vida de mato tinha praticamente terminado.
Tiago Coutinho é dos maiores geógrafos portugueses de todos os tempos e um dos maiores que a humanidade pode contar. Emulo de D. João de Castro. As suas expedições em África, nas fronteiras de Angola e Moçambique, as travessias desse continente feitas a pé, a triangulação de S. Tomé, a delimitação da fronteira de Timor, se não se podem comparar com as viagens de
descobrimento são, pelo rigor cientifico, pela magnitude dos trabalhos realizados, pela originalidade dos processos, verdadeiros padrões, que honram a ciência geográfica portuguesa e não receiam o confronto com o que de melhor se fez.
No alto dos picos enevoados, na linha do equador, que ele marcou, no emaranhado das florestas ou nas margens lodosas dos rios fronteiriços, o talento de Gago Coutinho deixou bem vincada a sua passagem nos marcos cuja localização rigorosa ninguém discute.
As coordenadas por ele determinadas são a origem de tudo, ligadas magistralmente aos astros que na sua rota sideral o sábio almirante incansavelmente observou, noites a fio, nos mais afastados sertões. Gago Coutinho é, como o Camões que ele tanto admira, um breviário. Tudo o que diz e faz está certo. Não se discute, estuda-se.
Tenacidade e estoicismo incomparáveis. «E adorado como chefe. Simples e modesto, espírito de prodigiosos recursos, humor inalterável. Assim como diz, muito sinceramente, que na viagem ao Brasil foi «apenas o navegador», também encontra um gracejo, o das «botas rotas», para explicar as grandes travessias terrestres.
Mas foi assim, de botas rotas e de espirito cintilante, que demarcou 2000 km de fronteiras, registou muitos milhares de quilómetros e itinerários, triangulou 800 km, levantou geodèsicamente ilhas, observou astronòmicamente numerosos pontos, numa actividade portentosa ao serviço das províncias ultramarinas.
Esteve, portanto, este marinhoiro-geógrafo insigne durante cerca de vinte anos a trabalhar ininterruptamente no ultramar. Seguidamente havia de continuar a servir a geografia ultramarina na Comissão de Cartografia - de elevadas tradições, legadas por Ernesto de Vasconcelos- durante outros vinte anos, até que, pelo limite de idade, a reforma inexorável o atingia. Quarenta anos servindo, e magistralmente, o ultramar.
Numa sua descrição, a que ato não falta beleza literária, sumaria a sua vida de marínheíro-geógrafo:
Viajei de machila na Zambézia; atravessei a pé as estradas de areia solta do Marracuene e as de além-Cuanza; subi aos altos de Timor e da Angónia, como ao pico de S. Tomé, ouvindo na sua origem estalar as trovoadas, como ouvi ao longe troar a grande catarata de Ielala, e trombetear os elefantes no banho, e rugir o leão satisfeito, depois de cear.
Por entre as ilhas de Cabo Verde naveguei à vela, a vapor e de avião.
Também naveguei a vapor, n remos e à vela nas duas costas de África, e nos rios Zaire e Zambeze. Deste rio lhe percorri as misteriosas gargantas de Kahoura-Bassa e, até, na sua nascente, de um passo o emboquei. Assisti a festas religiosas na Índia.
Viajei no vapor de Macau para Hong-Kong, no tempo em que lá havia, à disposição dos passageiros de 1.º classe, carabinas carregadas, na previsão de uma surpresa dos piratas chinas. Vi os complicados canais e rios da Guiné, voando a bordo do maior avião do mundo. Vi saltear povoações e eleger régulos em Timor; e foi lá mesmo que aprendi a acender o fogo, esfregando um ao outro dois pedaços de bambu.
Tudo isto era a sua vida; o muitos anos volvidos, depois de uma última visita àqueles lugares, para ele sagrados, despede-se com infinita saudade:
Adeus, pois, para sempre, cargas e carregadores. Adeus pretos que me levastes a água ao alto dos montes, com a mesma fidelidade com que lá ficáveis isolados, a apontar-lhe os heliógrafos. Adeus África Ocidental, adeus pangaios, que tanto me
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sugeristes as caravelas. Adens ares e mares do oceano Índico, que fio alegremente me queimaram a mocidade!
O apelo de Sacadura, do aviador seu antigo companheiro de Moçambique e do Barotze, fez uma ligeira interrupção, gloriosa embora, na sua vida de geógrafo. Mas do Brasil volta à Comissão de Cartografia, e daqui, na ânsia, sempre insatisfeita, de servir, passa para os domínios da investigação histórica, em que uma vez mais se revela um mestre incontestado.
Hoje ainda, prestes a dobrar o cabo dos 90 anos, não abandona o seu velho estirador, que o tem acompanhado pela vida fora e sobre o qual diariamente se debruça, desenhando cartas, no mais puro amor da Pátria e da ciência náutica que tanto ilustra.
«Sinto-me feliz por ter encontrado uma preocupação para a minha vida: a defesa da prioridade portuguesa na descoberta do Atlântico. Vou agora publicar o estudo que acabo de delinear, para o centenário do Infante. Preferia que o discutissem, porque não me julgo infalível e porque gostava de explicar as razões que nos assistem».
Um patriota perfeito! Vibra de alegria quando consegue, por seu conselho, que seja reconhecida a Angola a prioridade da célebre bolsa do Dilolo, que o tratado de fronteiras luso-belga tinha cedido. Foram mais 3500 kms obtidos em troca de apenas 3 km! de que os Belgas precisavam nas margens do Zaire.
Na investigação histórica já vai consumindo outros vinte anos da sua vida. Publicou numerosos trabalhos, alguns dos quais reunidos numa volumosa obra -A Náutica dos Descobrimentos - editada em 1951 pela Agência-Geral do Ultramar e compilada, sob as suas vistas, pelo comandante Moura Brás. Nesse riquíssimo repositório se contém a mais variada e eloquente actividade histórica, na qual se fundem a sabedoria e a experiência.
O exame dos textos de cronistas e historiadores; a explicação náutica das grandes viagens de Gil Eanes, Nuno Tristão, Diogo Cão, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Cabral, dos Cortes-Reais, Colombo, Magalhães e tantos outros; as caravelas examinadas desde a sua construção às possibilidades; a ciência de navegar desde Pedro Nunes aos Licron del Saber; a aparelhagem e nua evolução, com o astrolábio, os portulanos, os planisférios; as rotas esmiuçadas e restabelecidas; os tratados e planos, de Tordesilhas ao plano do Índico; os alvarás e cartas de doação; os historiadores comentados, Barros, Herculano, Barrisse, Ravestein, Kopke, Fontoura da Costa, Duarte Leite; as mentiras e ficções dos Vespucci, Pinzon, Bettencourt, Diepeses, Vivaldos, Ferrer e outros.
Interpreta Os Lusíadas, contestando, na parte náutica, José Maria Rodrigues; ocupa-se da teoria da relatividade ; faz critica náutica das obras de Gil Vicente - e de que forma surpreendente!
Na compreensão perfeita do significado político dos Descobrimentos, escreveu ele um dia, com clarividência incomparável, que, se não tivéssemos feito essa epopeia, «desaparecida a razão de ser de um Portugal europeu» ... «quando muito estaríamos agora, ao calor de fogueiras, explicando ao povo - em língua árabe, espanhola ou francesa - como tinham os nossos avós sido banidos do outro lado do Estreito, da saudosa Península Hispânica, por não terem compreendido a imensa vantagem de passar com as suas caravelas além do cabo Bojador».
Por isso ele mesmo é hoje uma verdadeira expressão do espirito que dominou a gesta do Infante, a representação viva desse tempo glorioso.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: não podemos, não devemos, perder este raro privilégio de o ter entre nós, desbaratar este singular favor da Providência. Que Gago Coutinho seja para os Portugueses um símbolo, sempre presente, em todos os actos festivos deste período centenário que agora começa. Que mais lhe havemos de fazer?
Estou certo de que ao sen espírito generoso seria grato ver que se dava seguimento a uma ideia, anteriormente exposta pela Revista do Ar - e, como tantas, quase esquecida -, de levantar na capital da Nação um monumento à gloriosa aviação portuguesa, consagrando o heróico feito de 1922, sem esquecer os que se lhe seguiram.
É de esperar que a imprensa portuguesa, sempre disposta a secundar iniciativas patrióticas, como esta, possa retomar e desenvolver tão bela ideia - que envolve não só Gago Coutinho como os seus companheiros queridos das viagens do ar e pelo sertão, entre eles Sacadura e Castilho, tão cedo desaparecidos.
Creio bem que, por seu lado, as províncias ultramarinas - onde a sua acção ficou para todo o sempre assinalada, nos marcos escondidos, mas não perdidos, das fronteiras, nas cotas dos montes e na letra dos tratados, tudo a reflectir-se na grandeza dos territórios e na independência da Nação - saberão manter presente na lembrança dos vindouros o nome de Gago Coutinho, fazendo-o erguer em monumentos das praças públicas e consagrar nos quadros das galerias históricas e na toponímia das povoações.
Convenço-me ainda de que ao Governo da Nação deveria ser grato conceder-lhe o que resta ainda conceder- ao herói que tem o peito constelado com os maiores galardoados, desde a grã-cruz da Torre e Espada à grã-cruz da Ordem do Império. Existe na nossa marinha o posto máximo de almirante, fora do quadro, que só por lei especial pode ser conferido.
Não duvido de que o insigne Ministro da Marinha sentiria particular aprazimento em acolher a sugestão desta Assembleia e subscrever uma proposta, que teria seguramente a mais grata aceitação de todo o Governo, do seu eminente e esclarecido Chefe e do venerando Chefe do Estado; assim como o há-de ter, estou certo disso, desta nossa Assembleia e de toda a Nação Portuguesa.
Sr. Presidente e ilustres colegas: na expressão autorizada de Júlio Dantas, o douto presidente da Academia das Ciências de Lisboa, Gago Coutinho é o «último herói, o nauta sobrevivente dos descobrimentos e navegações que o génio henriquino inspirou». Não sei de mais perfeita definição.
Ninguém dirá, quando passeia confundido com a turba, na mais encantadora simplicidade, que este ancião modesto e que se apaga é o maior expoente vivo do génio português das navegações e descobertas geográficas; em volta de quem desaparecem as paixões que nos dividem e todos se reúnem para glorificar a pátria comum, de que ele é o símbolo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr. Venâncio Deslandes: - Sr. Presidente: requeiro a generalização do debate.
O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate.
O Sr. Venâncio Deslandes: - Peço a, palavra!
O Sr. Presidente:- Tem V. Ex.ª a palavra.
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O Sr. Venâncio Deslandes: - Sr. Presidente: ao subir pela primeira vez a esta tribuna na presente legislatura, cumpro gostosamente a tradição, entre todas grata ao meu espírito, de apresentar a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos e a expressão da minha muita admiração.
E porque V. Ex.ª, na elevada posição que ocupa e na impecável dignidade com que a exerce, representa e simboliza a própria Assembleia, ao render as minhas melhores homenagens a V. Ex.ª saúdo, na sua pessoa, todos os ilustres Deputados, cuja convivência nesta Casa tanto me honra.
Quero ainda afirmar ao ilustre leader da Assembleia, mestre incontestado desta complexa ciência da política aplicada, a alta consideração que me merece e o muito respeito em que o tenho.
Sr. Presidente: no momento em que, no vertiginoso caminhar da ciência e da técnica, se pressente estarmos a atingir o limiar da Idade da Astronáutica, pode parecer estranho que se venha aqui recordar uma travessia aérea do Atlântico levada a efeito há apenas trinta e cinco anos, desse mesmo Atlântico hoje diariamente atravessado dezenas de vezes por gente de todas as raças e de todas as idades.
Trinta e cinco anos são na verdade muito pouco tempo em valor absoluto: mas vividos em pleno século XX, na azáfama de uma civilização altamente mecanizada em que todos os dias novos equipamentos relegam para segundo plano outros que ontem julgávamos conquistas definitivas, representam efectivamente uns séculos, se os medirmos ao ritmo anterior a 1900.
Para o comprovar, que se compare essa espécie de batel com asas a que foi dado o nome de Santa Cruz, sobre o qual Sacadura e Coutinho terminaram a travessia, com essas outras silhuetas estranhas dos protótipos em que os homens de hoje se lançam resolutamente à conquista da barreira térmica...
Mas o progresso não se alcança com soluções de continuidade. O mais extraordinário invento, a realização mais espectacular, assentam sempre na imensa soma de conhecimentos que a humanidade foi adquirindo e acumulando nos seus milénios de existência e constituem o seu património cientifico.
Nesta longuíssima ascensão houve, para cada degrau, um homem que primeiro o subiu; mas se alcançou fazê-lo, foi porque antes dele outros homens o elevaram ao nível donde partira.
No campo aéreo, como em todos os outros, esta lei foi inexoravelmente aplicada. O progresso, vertiginoso embora, é o resumo de um esforço persistente e contínuo, não desta ou daquela nação, mas de toda a humanidade. Verdadeira epopeia, foi deixando na sua esteira uma legião de mártires; em cada momento houve, porém, sempre um homem pronto a render o vencido e a tomar de assalto o degrau que se seguia.
Quis a Providência que, como séculos atrás, os Portugueses tivessem a glória de contar entre os seus homens desses que, em determinados momentos, souberam colocar-se na primeira fila e tiveram o mérito de, à frente de todos os outros, dar os passos decisivos que importava. Foi sempre assim, quando eram apenas necessários engenho e destemer.
Hoje, resignados, pela força das circunstâncias, a sermos, como tantos outros, simples espectadores nesta corrida incessante - aliás desvirtuada, porque se trata bem mais de alcançar uma hegemonia do que de servir um ideal-, faz-nos bem recordar, voltar uns anos atrás, para, apesar da espantosa evolução a que nos foi dado assistir, verificarmos que em alguma medida portugueses para ela contribuíram.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- A primeira travessia aérea do Atlântico Sul, analisada a frio à distância a que nos encontramos, deve ser vista sob dois aspectos distintos:
um, o rasgo de audácia, o feito glorioso; outro, o acto puramente científico, projectando-se definitivamente no futuro através do progresso que dele resultou para a ciência aeronáutica. Sob o primeiro aspecto, recordemos apenas que
Suando acudiu ao espirito de Sacadura Cabral a ideia e voar até ao Brasil ele pretendia servir antes de mais a amizade luso-brasileira, ligando pelos ares as duas pátrias irmãs no centenário da sua independência.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Para que a viagem fosse o coroamento digno dessa data festiva, ele queria mesmo vê-la realizada em comunhão por Portugueses e Brasileiros. Sacadura Cabral servir-se-ia pois de um avião para exaltar e dar novo calor à união espiritual dos dois povos lusíadas, oferecendo-lhes para tal um acto heróico que os fizesse vibrar em uníssono - mas o seu objectivo inicial não era propriamente a aviação, o seu aperfeiçoamento, a comprovação das suas possibilidades.
Aviador até à medula, longe de pensar em reconstituir uma das caravelas de Quinhentos para nela se fazer ao mar e aproar ao Brasil, propôs-se utilizar as frágeis asas que o haviam conquistado apenas três ou quatro anos antes, demasiado frágeis para empresa de tal monta quando não servidas por uma alma forte e um coração generoso.
Se tivesse encontrado uma máquina que satisfizesse inteiramente ao plano que gizara - o voo Lisboa-Rio de Janeiro -, teria cumprido inteiramente essa primeira finalidade. Entraria na história como alta realização espiritual e assinalável façanha aeronáutica.
Só por isso teria bem-merecido de todos nós; mas essa outra história, que pertence não a Portugal mas à humanidade, ter-se-ia limitado a registar o facto como um episódio de importância transitória para a conquista do ar.
Quis talvez o acaso, talvez a Providência, que Sacadura Cabral não pudesse encontrar o veiculo aéreo de que necessitava. Vontade de ferro que não é dominada pelas dificuldades, com aquele fogo interior que não deixa esmorecer a fé nas possibilidades que adivinha em si próprio, foi essa circunstancia, ou contrariedade de momento, que contribuiu para dar uma feição inteiramente nova ao que de princípio pretendia ser apenas um abraço fraternal.
Feliz acaso ou sábia Providencia!
Passemos pois a analisar sob o segundo aspecto a gloriosa travessia. Servir-me-ei para tanto de extractos o próprio relatório da viagem, que o Aéro Clube de Portugal, essa benemérita instituirão que no próximo ano festeja o cinquentenário de uma vida difícil teimosamente posta ao serviço da aviação, fez publicar em edição especial da sua Revista Aeronáutica no próprio ano de 1922.
Diz Sacadura Cabral no capítulo dedicado à ideia geral da travessia:
De um modo geral o problema apresentava-se da seguinte forma: tratava-se de efectuar uma viagem aérea de cerca de 4350 milhas náuticas cuja parte mais difícil seria o atravessar de África para a costa do Brasil, onde o cabo de S. Roque era o ponto mais próximo. O ponto de partida em África teria de ser escolhido na zona compreendendo as ilhas de Cabo Verde e estendendo-se por Dacar até à Guiné Portuguesa e a distância a vencer nesta
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parte da travessia seria: de umas 1000 milhas partindo de Dacar, de umas 1500 milhas largando da Guiné Portuguesa e de cerca de 1400 milhas adoptando o porto da Praia da ilha de Cabo Verde como ponto de partida. É certo que entre a África e a costa do Brasil existe a ilha de Fernando de Noronha, já território brasileiro, mas nessa ocasião eu julgava muito problemático ir encontrar uma pequena ilha, que na sua máxima extensão não tem mais que uns 10 km, no fim de um percurso que seria, pelo menos, de 2330 km se partíssemos do porto da Praia, e julgava problemático encontrá-la porque as grandes viagens aéreas sobre o mar, até então realizadas, poucas eram e poucas conclusões permitiam tirar quanto à viabilidade de executar navegação aérea de precisão.
Efectivamente essas viagens limitavam-se à travessia do Mediterrâneo, França-Argónia, pelos Franceses, à travessia do Atlântico que os Americanos acabavam de realizar e à travessia directa Terra Nova-Irlanda realizada pelos Ingleses.
Na primeira sempre se encontraria a costa de África. Â distância a percorrer era relativamente pequena, umas 400 milhas, o que diminuía os erros da estima e havia a vantagem de se poder fazer a verificação dessa estima passando à vista das Baleares.
Na travessia dos Americanos resolvera-se que os hidroaviões se guiariam por destroyers escalonados de 60 em GO milhas, servindo-se da T. S. F. de direcção quando a neblina impedisse o avistar dos projectores. Estas precauções não evitaram que dois dos hidroaviões se perdessem logo que as condições de visibilidade se tornaram precárias. Quanto aos Ingleses, a costa da Irlanda tem cerca de 250 milhas de extensão no sentido norte-sul e nestas condições, por muito grosseira que fosse a navegação, não era fácil deixar de avistá-la e, ainda quando assim acontecesse, havia um pouco mais longe a costa inglesa, que constituía um muro com que não podia deixar de se esbarrar.
Não tendo tido até então prática de longas viagens aéreas sobre o mar, era natural que me fosse guiar pelos resultados que Franceses, Ingleses e Americanos tinham colhido e que, examinando as descrições dessas viagens, chegasse à conclusão de que era um problema de difícil solução o fazer escala na ilha de Fernando de Noronha. Não deve, pois, estranhar-se que nessa época, em 1010, eu considerasse necessário cortar directamente de África para a costa do Brasil, e para isso seria necessário dispor de uma aeronave tendo um raio de acção mínimo de 1500 milhas.
Como é do conhecimento geral, não foi atinai para as costas do Brasil que Sacadura Cabral voou. Teve de planear o voo para a tal ilha de apenas 10 km de comprido ... E acabou por ter de realizá-lo para um vago rochedo perdido na imensidade do Atlântico, com uns escassos 200 m de comprimento e apenas uns 18 m acima da cava das ondas! ...
Porquê e como?
Tentativas realizadas junto de vários construtores aeronáuticos haviam-no feito chegar à conclusão de que não era possível encontrar um hidroavião com o raio do acção suficiente para alcançar a costa brasileira. Para utilizar um avião terrestre seria necessário escolher e preparar pistas adequadas, o que era praticamente irrealizável.
Como única solução, restava, portanto, resolver uni problema: o da navegação aérea com base científica que lhe garantisse a precisão.
Em 1910 saíra-se havia pouco da primeira grande guerra com um apreciável desenvolvimento da técnica de construção aeronáutica. Voar tinha, porém, ainda nessa época, muito de arte de sensibilidade, de intuição e muito pouco ou nada de ciência; transportar um avião de um ponto ao outro do globo, isto é, navegar segundo um caminho previamente desejado, era tarefa impossível quando se não dispusesse de referências no solo que permitissem a verificação e a correcção das posições sucessivamente atingidas. Sobre o mar, a uniformidade da superfície impossibilitava que essa correcção fosse feita, e o piloto, arrastado pelo vento, não podia ter a garantia do ponto onde se encontrava. (Por exemplo: se voasse durante cinco horas sujeito a um vento de 20 milhas horárias, poderia apenas supor que se encontrava em qualquer ponto dentro de um círculo de 100 milhas de raio. Tenha-se entretanto presente que, às velocidades do então, ir do porto da Praia a Fernando de Noronha representava dezasseis horas de voo ...).
Ao transportar de Inglaterra um Hidrobimotor adquirido pelo Governo, Sacadura Cabral colheu dessa experiência de relativamente grande viagem sobre mar, nu travessia da Biscaia, a noção, talvez intuitiva, de que seria possível adaptar à navegação aérea os métodos clássicos da navegação de superfície. Ele próprio geógrafo e astrónomo de larga experiência, com aquele sexto sentido dos homens excepcionais que, quando vivem presos a uma ideia, sabem encontrar no momento próprio a solução indispensável, lembrou-se Sacadura Cabral de associar à resolução do problema um velho amigo e antigo companheiro do interior dos sertões de África, oficial da Marinha muito votado às questões de navegação e astronomia, de vasta cultura, inteligência clara e espirito engenhoso, ânimo forte e experimentado nos riscos e privações que em comum haviam passado ao longo de anos.
Não era um aviador. Voara consigo próprio numa calma manhã, na velha Escola Militar de Aviação, em Vila Nova da Rainha, mas não se deixara tentar pela novidade. Não era um aviador, mas que interessava?
O problema a resolver era de ordem científica e ninguém melhor do que esse comandante Coutinho, franzino e modesto, vivo e sensato, curioso e confiante, lhe podia servir!
Sobre o assunto trocou com ele impressões e tanto bastou. «Começámos então pensando no que deveria ser a navegação áurea», diz com simplicidade Sacadura, talvez sem perceber que nesta simples frase sintetizava todo um programa de esplêndidas realizações, que, partindo do zero, resolveria completamente o problema que o absorvia e garantiria à primeira travessia aérea do Atlântico Sul um lugar à parte no historial da aviação mundial!
Desta fecunda colaboração nasceu, em teoria, um método. Era, porém, indispensável comprová-lo. Como isso se fez, volta Sacadura Cabral a descrevê-lo no seu relatório:
Em Março de 1921 consegui autorização [tara tentar a viagem aérea Lisboa-Madeira, viagem que serviria para pôr à prova os estudos feitos e seria como que um ensaio geral para empresa de maior vulto. A distancia a vencer era de 520 milhas náuticas, ou cerca de 1000 km. Além do tenente Ortins Bettencourt, como segundo-piloto, e do mestre geral de oficinas, Roger Soubiran, como mecânico, seguiu o comandante Coutinho como observador, e durante ela puseram-se à prova os métodos de navegação estudados, obtendo-se resultados que excederam a nossa expectativa.
A travessia foi executada segundo uma linha recta perfeita, passando-se sobre três navios que nesse
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dia navegavam na linha Lisboa-Mudeira, e pura se fazer ideia da precisão obtida bastará citar o seguinte facto:
Na véspera da partida estive a bordo do navio - Porto e combinei com o comandante que, se nos visse passar, içasse bandeiras indicativas da distancia a que nesse momento se encontrasse de Lisboa, a fim de controlarmos a nossa posição. Passámos sobre o Porto mas não conseguimos distinguir as bandeiras, que foram içadas quando já estávamos muito longe.
No dia seguinte, quando o Porto chegou ao Funchal, fomos a bordo e indagámos do comandante a distância a Lisboa no momento da nossa passagem, tendo o cuidado de previamente lhe dizer que, pela nossa estima, devíamos estar nessa ocasião a 101 milhas de Lisboa, 146 milhas foi a resposta obtida. Havia apenas 5 milhas de diferença, o que paru a navegação aérea representa bastante rigor, mas o comandante Coutinho não ficou satisfeito e, indagando como tinha sido obtida essa distância, apurou-se que ela era contada desde Cascais, onde o navio tinha largado o piloto e posto o odómetro na água, enquanto que a nossa era contada da Torre do Bugio, nosso ponto de partida. De Cascais ao Bugio há umas 5 milhas, o que mostra a concordância das duas estimas. Depois da experiência que esta viagem representou, adquiri a certeza de que a navegação aérea era susceptível de dar a mesma precisão de que a navegação marítima e, nestas condições, o problema da viagem aérea ao Brasil simplificava-se porque bastaria uma aeronave que pudesse voar a distância de 1200 milhas náuticas que separam porto da Praia da ilha de Fernando de Noronha.
Em consequência deste voo, que pus à prova e amplamente confirmou os métodos estudados, ou, talvez melhor, criados por Gago Coutinho em estreito entendimento com Sacadura Cabral, pôde iniciar-se a preparação metódica da viagem.
O destino parecia, porém, comprazer-se em exigir uma prova mais firme, mais definitiva, como se aproar a uma ilha pequena ao fim de 1200 milhas de oceano não bastasse para tirar qualquer duvida sobre o valor excepcional do sistema idealizado.!
Intervém aqui uma outra ordem de factores. Sacadura Cabral dispunha apenas de 200 contos para adquirir o hidro e sobresselentes e pagar a sua embalagem, transportes e combustível. Dentro desta verba reduzida, teve de fixar-se num monomotor que tinha, apenas teoricamente, a possibilidade justa do salto porto da Praia-Fernando de Noronha.
Sobre as consequências deste facto, ouçamo-lo de novo, agora em S. Vicente de Cabo Verde, passadas que foram as duas primeiras etapas da viagem:
À noite pensamos no beco sem saída em que nos parece estarmos metidos. Efectivamente não me resta dúvida de que o consumo de gasolina é, pelo menos, de 30 galões por hora (quando o que estava previsto era apenas de 18).
Nestas condições os 330 galões que os tanques podem conter darão, quando muito, para dezasseis horas, e para que o voo directo Praia-Noronha se possa efectuar será necessário, voar à velocidade média de SÓ milhas por hora. E problemático mas exequível, se o vento ajudar; contudo será indispensável descolar com toda a carga e não vejo probabilidades de o fazer, a não ser que as condições do porto da Praia sejam excelentes e que seja possível pôr o hidroavião em terra para completo esgoto da água dos flutuadores antes da partida.
Desde que estas condições se não realizem, o voo directo Praia-Noronha tornar-se-á impossível, havendo duas soluções a tomar: desistir de continuar a viagem, por impossibilidade de a realizar, ou tentar fazer escala nos Penedos de S. Pedro e S. Paulo, isto é, praticamente no alto mar, e meter aí gasolina para ir até Fernanda de Noronha.
Desistir da viagem é uma resolução que só em último caso posso tomar. Ir aos Penedos é uma solução arriscada, mas que pode permitir a continuação da viagem. Os Penedos suo rochedos isolados, tendo uns 200 metros de comprido. O abrigo que darão será nulo, mas estão situados na zona das calmas e por isso é possível chegar lá numa ocasião de calmaria que permita pousar e descolar sem avaria.
Para além das razões que esclarecem porque foram escolhidos, em última instância, os Penedos para ponto de escala, há uma verificação da maior pertinência que convém fazer após a leitura deste trecho. Veja-se como todas as preocupações de Sacadura se concentram na possível falta de condições dos Penedos para facultarem abrigo a uma amaragem e descolagem seguras.
Não transparece em qualquer ponto do relato uma dúvida, uma apreensão, quanto à possibilidade de, ao fim de ninas onze ou doze horas de voo sobre o mar, não estarem sobre os Penedos. Quer dizer: o problema da navegação está completamente resolvido e é cega a sua confiança no homem que o havia de guiar, mesmo desta vez, em que o objectivo é apenas um ponto perdido na uniformidade do mar.
Com a sua simplicidade natural, explica-nos mais tarde Gago Coutinho este estado de espirito:
Naquelas grandes travessias do mar alto ele não ia voando apenas como um condutor de aviões! Ele conhecia perfeitamente o poder da navegação que se estava fazendo e sabia, tão bem ou melhor do que eu, ler os sinais que nos diziam a que ponto daquele horizonte sem referências devíamos apontar o nosso avião. É nesta confiança - não cega mas reflectida - que está a explicação do voo de Lisboa ao Brasil como Sacadura o concebeu. Se outros pilotos aviadores se não tinham ainda lançado, antes dele, em idênticas viagens aéreas no mar largo, sem navios a balizarem-lhe o caminho, uma tal abstenção era devida a os outros aviadores não terem bases tão firmes para poderem avaliar, como ele, os resultados práticos a esperar da navegação aérea.
Que nos perdoe o Sr. Almirante acrescentarmos a toda a verdade que se contém nestes seus pensamentos o resto de verdade que lhes falta: os métodos eram revolucionários na sua extraordinária precisão, mas, como todos os métodos, falíveis por dependerem em última causa da forma como fossem aplicados, isto é, do homem que os servisse. Porém esse homem, no seu caso concreto, era Gago Coutinho, e, antes de tudo, era nele que Sacadura confiava!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- A descrição do voo aos Penedos revela-nos um Sacadura Cabral perfeitamente cônscio do valor científico do voo realizado, seguro de que, com Gago Coutinho, está não apenas escrevendo uma pagina da história da amizade luso-brasileira, mas erguendo um marco glorioso, à altura do génio português de outras eras, que será uma etapa no progresso da aviação mundial.
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É o que ressalta com perfeita nitidez desta angustiosa dúvida:
Confesso que para mim foi este voo o bocado mais amargo da viagem, porque durante nove horas e meia vivi sempre na incerteza de ter ou não gasolina suficiente para chegar ao término. Se assim acontecesse e tivéssemos de pousar no mar, longe dos Penedos, aqueles que não nos conhecessem suporiam sempre que tínhamos partido com gasolina mais que suficiente, mas que, tendo-nos perdido, tínhamos terminado por pousar ao acaso em qualquer ponto do oceano, e assim ficaria por demonstrar aquilo que pretendíamos provar, isto é, que a navegação aérea é susceptível da mesma precisão que a navegação marítima!
O que fez afinal o comandante Coutinho no campo da navegação aérea?
A acreditar no que ele próprio escreve no mesmo relatório, muito pouco ... Reza assim:
A travessia aérea Lisboa-Rio foi caracterizada pela necessidade de viajarmos entre pontos que se não avistavam uns dos outos, pontos separados por largos traços de mar, entre os quais não havia referências para nos dirigirmos, como seriam ilhas ou navios de apoio.
Para satisfazermos essa necessidade servimo-nos de recursos simples, que não inventámos mas apenas adaptámos da navegação marítima, e tivemos confiança em que levávamos na mão os meios de irmos aos pontos que eram etapas obrigatórias, sem hesitações que a escassez de combustível não permitia.
Não posso aqui, como se compreende, dar uma noção, mesmo sumária que seja, da teoria dos métodos seguidos, para facilmente demonstrar que havia muito de novo no sistema criado, e mesmo aquilo que constituiu pura adaptação foi brilhante testemunho de cultura e de ciência ao serviço de interessantíssimo engenho.
Enunciamos apenas os problemas postos e os resultados alcançados.
O primeiro consistia em resolver cabalmente o cálculo da posição estimada, considerando uma causa de erro que mal influencia a navegação marítima: o arrastamento provocado pelo vento. Sacadura Cabral e Gago Coutinho criaram um processo completo para determinação do vento em altitude e um pequeno calculador que dava imediatamente a correcção a fazer e que ficou conhecido depois por «corrector de rumos Gago Coutinho». O problema resolvido era inteiramente aéreo e não se tratou, portanto, de qualquer adaptação. A sua resolução era essencial como base segura de apoio para a navegação astronómica.
O segundo era tornar aplicável à navegação aérea o processo clássico da marinha de determinação da posição por meio de observações dos astros. Para o resolver era indispensável:
Adaptar o sextante de modo a poder servir em todas as condições, mesmo na ausência de horizonte natural;
Conhecer com precisão suficiente a altitude de voo para corrigir da depressão a altura dos astros encontrada;
Simplificar os cálculos necessários à determinação da posição, na mesma medida em que se alterava a velocidade-navio para velocidade-avião.
Para cada um destes pontos teve Gago Coutinho de encontrar uma solução. Bastará recordar que mexer no sextante era tocar num velho e respeitável antepassado.
Descendente do astrolábio, de mais de dois mil anos de existência, entre este e aquele só por très vezes alguém ousara introduzir-lhe alterações, a última das quais velha de século e meio, quando Gago Coutinho cometeu essa espécie de atrevimento, incluindo-lhe um horizonte artificial e um sistema de reflexão que permitia fazer coincidir com este a imagem do astro. O novo sextante assim criado anda hoje ainda, e cada dia mais, a bordo de todos os aviões de longo curso e a própria aviação de caça supersónica dele se começa a servir por necessidade.
«Tudo recursos simples, que não inventámos», como diz Gago Coutinho! Tão simples que, afinal, percorridos 1700 km sobre o mar, a única preocupação que dominava os tripulantes do Lusitana era a possível falta de gasolina ... Mas mesmo que em toda a obra realizada não tivesse existido uma só centelha de génio criador, é porém um facto histórico que até à primeira travessia aérea do Atlântico Sul nunca ninguém conseguira voar sobre o mar navegando com precisão, e isso é que o Sr. Almirante, com toda a sua modéstia o simplicidade, jamais conseguirá apagar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Poucos anos passados, também Castilho, esse grande esquecido, guiou o Argos das costas da Guiné a Fernando de Noronha, com Beires e Gouveia, na primeira travessia aérea nocturna do Atlântico Sul.
Inteiramente confiante, seguiu Castilho os sábios ensinamentos da travessia anterior e, no fim de longa noite, levou precisamente o Argos a sobrevoar, aos primeiros alvores da madrugada, os mesmos predestinados Penedos, quase tornados portugueses.
Se o navegador também era de eleição, a excelência do método nem por isso deixou de ser sobejamente comprovada.
Sr. Presidente: não queria ter-me alongado na minha exposição. Porém, tantos anos volvidos, ao embrenhar-me de novo em relatórios, livros e artigos que melhor me podiam recordar o feito maravilhoso, voltou-me à flor da pele o mesmo entusiasmo, a mesma emoção, o mesmo intimo orgulho de português, que tanto fez vibrar a minha mocidade.
Mas não é o herói que aqui vimos incensar, porque esse teve a sua consagração no momento próprio, de que as espantosas apoteoses das chegadas ao Rio de Janeiro e a Lisboa foram clamoroso testemunho.
O aviso prévio com tanta felicidade trazido a esta Câmara pelo ilustre Deputado Sarmento Rodrigues tem como fundamento, no campo da actividade aérea, a circunstância de o almirante Gago Coutinho ser, sem sombra de dúvida e sem qualquer espirito de baixo patriotismo, o primeiro navegador da história moderna, o pioneiro de uma nova ciência que abriu definitivamente a rota dos ares.
Como tal, a Força Aérea espera, estou certo, que o Sr. Almirante aceite honrá-la colocando sobre a tarda que tanto dignificou as asas portuguesas que, como ninguém, soube merecer e elevar.
Glória das ciências geográficas e históricas, glória da marinha de guerra, glória da aviação, o almirante Gago Coutinho é, acima de tudo, relíquia nacional que cada português devotadamente admira e estima com ternura. A moção que dentro em pouco a Assembleia Nacional certamente irá votar não é mais do que simples confirmação do que todos nós sentimos e pensamos:
Gago Coutinho, glória de Portugal!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Lopes de Almeida: - Sr. Presidente: uma circunstância, para mim muito honrosa, oferece-me oportunidade de saudar V. Ex.ª neste lugar, que considero o mais próprio. Nesta saudação vai todo o meu vivo sentimento de respeito e de consideração pela alta figura de V. Ex.ª, homem de fino carácter, cidadão exemplar e magistrado que, nessa cadeira honrosíssima, sempre mantém as virtudes que todos apreciam e louvam, não sendo eu o que menos as reconhece e agradece.
Ao Sr. Dr. Mário de Figueiredo, o nosso leader, só direi as palavras do livro antigo: «quem sou eu, e quem sois vós?».
Aos Srs. Deputados garanto, com a verdade que a mim e às suas pessoas devo, que onde estiverem para trabalhar pelo bem comum, aí me encontrarão no cumprimento do mesmo dever.
Sr. Presidente: coube-me, somente pela função que exerço na Universidade de Coimbra, a honra de ocupar a tribuna para tomar parte no debate que está aberto.
A mim, esta palavra «debate» traz-me sempre ao espírito a ideia de opugnação parlamentar decidida e viva, mas hoje não é caso disso, porque essa ideia afeiçoa-se a simples e grata intervenção honorifica, de aprazimento e de respeito.
Por isto, sinto-me um pouco à vontade para dar à Câmara o meu testemunho de fraco aprendiz de letras sobre um homem que na sua já longa vida em grande parte a consumiu benemòritamente ao serviço da Pátria.
Dentro de alguns dias perfaz 89 anos o vice-almirante reformado Carlos Viegas Gago Coutinho, e a evocação só deste nome faz acudir à mente dos Portugueses mais alguma coisa do que a lembrança amistosa e inconfundível de uma personalidade bem recortada na nossa vida contemporânea.
Com efeito, o que essa evocação principalmente desperta em nós é a grande e incisiva lição da sua vida de pioneiro e de homem de ciência, de geógrafo e navegador, na qual se misturaram (como na invocação camoniana) o honesto estudo e a longa experiência.
Quem se reveste destas qualidades, ambas eminentes, e ainda as sobrepuja no amor da terra em que nasceu, abre um largo crédito ao reconhecimento dos seus concidadãos, que nenhuma ideia somenos pode empequenecer ou limitar.
Desta sorte, cumpre à mais alta representação política nacional interpretar o verdadeiro sentido dessa obrigação moral e associar-se com vigorosa concordância ao voto que está proposto e que, certamente, há-de granjear o assenso de todo o nosso povo.
Perguntai à nossa gente, por esse Pais além, se sabe quem é «... um velho corredor de mares...» a cujo nome, quando o lê ou ouve pronunciar, logo associa a ideia de um feito nunca feito, já que em sua consciência esse momento suplanta todos os mais da vida do homem egrégio.
Perguntai à cidade de Lisboa, «empório do mundo e princesa do mar oceano», se conhece e venera um filho seu em quem põe os olhos cativados e se o trata dilectamente como de casa e de família.
Interrogai a todos, e já vereis que o seu renome e a publica estimação se ajustam geralmente a um sentimento e noção de património moral que, do alto desta tribuna, importa não só conhecer, mas apontar ao futuro de forma indubitável.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-A alma das nações denuncia-se e avalia-se também nestes momentos sinceramente gratulatórios e não seriam as gerações que na actualidade têm o comando da vida nacional e exprimem pelos seus actos o valor que concedem aos trabalhos fecundos de proveito comum que deixariam sem a devida consagração uma vida singular repleta de acções meritórias.
O nosso tempo, por justificada preocupação de recuperar os valores perdidos em mais de um século de política de sentido negativo, não direi antinacional, empreendeu a tarefa enorme de indemnizar-se de mil danos e preconceitos de ordem espiritual e de recobrar o crédito moral e material que algum dia já tivera no mundo.
Se há conseguido atingir a parte mais substancial dessa faina na realidade ingente, diga-o o País, que não se distrai com as habilidades de nigromantes engraçados, daqueles que, por não serem acreditados, se exasperam em pugnacíssimo verbalismo de assembleia geral ou partidária.
Diga-o o Pais, que acima de tudo deseja a ordem e a estabilidade, ambiciona a honra e a paz que vem desfrutando de há umas décadas para, cá e que lealmente compreende e aplaude todas as manifestações públicas e colectivas de límpido sentimento nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Os conceitos de verdade e de justiça a que obedecemos, como expressão genuína de uma filosofia moral de que não abdicamos, impõem-nos que consagremos agora - grandente animo - o homem
De quem feitos ilustres se souberam,
De quem ficam memórias soberanas...
Sr. Presidente: qual a razão daquele «agora»? Só um espirito mesquinho não terá resposta para tal interrogação. Todas as coisas têm seu tempo, e a tempo é que é fazê-las bem feitas.
O comodoro Sarmento Rodrigues, quando anunciou o seu aviso prévio, oportunamente relembrou perante nós que o vice-almirante Gago Coutinho é desses benemerentes a quem a nossa terra deve outorgar o prémio das acções soberanas.
E também aludiu à circunstância invulgar de a presente legislatura abranger o período das comemorações henriquinas. nas quais certamente a Nação se integrará no puro espírito de glorificação do Infante Navegador, que chantou os marcos primeiros da expansão do mundo moderno, imprimindo à nossa civilização o seu carácter de ecumenicidade.
Portanto, é agora tempo de distinguir uma figura veneranda de lídimo herói, continuador da obra empreendida há mais de quinhentos anos e cujos feitos ilustres arrancam do patrocínio moral quo o infante D. Henrique inscreveu na sua divisa imorredoura e gloriosa.
Quando Gago Coutinho iniciava a sua vida de oficial, aspirante de marinha na idade, risonha dos 19 anos, um dos espíritos mais brilhantes do famoso grupo dos Vencidos da Vida, Oliveira Martins, comentava no jornal A Actualidade o debate parlamentar suscitado pela precária situação financeira das nossas províncias ultramarinas, que, no parecer de quase todos, constituíam pesado e incomportável encargo para o País e, na opinião de muitos, poderiam ser objecto susceptível de troca ou de venda.
O talentoso escritor e jornalista, que não perdera o senso mínimo das realidades nacionais, escrevia então estas palavras, que se não lêem sem constrangimento, porque revelam o estado de espirito dominante e a incapacidade de salvaguardar, par nós próprios, o maior tesouro que alcançámos com inteligência e muito sangue derramado :
A ideia de vender as colónias é certamente inadmissível. Um povo não pode vender o seu património histórico. Uma nação pequena na Eu-
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ropa não deve mercadejar com os seus domínios ultramarinos.
Depois, se se começasse a vender!... Ficávamos sem colónias e sem dinheiro.
A vida política naqueles tempos era a desordem nas ideias e o desprezo completo de todas as boas normas de administração pública, pois os males que vêm as nações avançam geralmente em carreiras dobradas.
Os próceres do constitucionalismo monárquico perdiam-se na fugacidade do poder ambicionado, sem que a ideia que diziam servir se institucionalizasse e permitisse dar à fraca ossatura do Estado a resistência para desempenhar-se capazmente das graves questões que a política internacional, cobiçosa e motivadora de um direito novo, levantaria à nossa face.
Quando as realidades brutais desfizeram a imaginativa do mapa cor-de-rosa, a Nação, atingida no mais vivo da sua carne, clamou assustadoramente, em altas vozes de orgulho ferido e de condenação duma política ineficaz.
É triste reconhecer que as nobres energias despertadas por essa hora de forte emoção patriótica foram dirigidas, injusta e malèvolamente, como excitante poderoso contra o soberano que, entre tantos responsáveis, se apresentava sem mácula.
Às consequências tremendas da nossa tíbia e evasiva política ultramarina respondeu el-rei D. Carlos com a sua lúcida e serena reflexão, reatando os laços perdidos da aliança tradicional e procurando também, com firme decisão, recompor um império que forças estranhas pretendiam totalmente desbaratar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Viu-se nessa altura que não estavam mortas as capacidades de sacrifício e de espontânea devoção aos interesses superiores da nacionalidade. Às terras de África, onde outrora se fizera grande e nobre e poderoso o nome português, iriam conhecer novamente que o sangue não degenerara e que o poder do braço não permitia caducassem os lauréis antigos. As brilhantes acções militares rasgam na atmofera entenebrecida pelas querelas da política mesquinha um sulco de verde luminosidade, que parecia um anúncio de esperança.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Se a gratidão que devemos aos marinheiros e soldados de África nunca é demasiada -pois não há coisa que valha tanto como desempenhar-se a honra nacional com glória e resgastar-se o nosso direito histórico com galhardia-, não é de justiça, nem de consciência pura, olvidar os sertanejos e pioneiros que não deixaram perder um palmo de terra da nossa herança legítima.
Vozes: - Muito bom, muito bem!
O Orador:-Uma literatura muito vasta e muito rica de ensinamentos assinalou à posteridade a soma de trabalhos e de canseiras com que foi necessário superar a delicadeza das mais árduas missões de limites, de reconhecimento e de ocupação no ultramar português.
É nesta linha de gloriosos pioneiros que, no transito do século passado para o presente século, nos aparece já talhado no seu próprio vulto de consumado cientista o oficial do marinha Gago Coutinho, ao qual os sóis e os sertões adustos não quebraram as energias nem empeceram a espontaneidade do espírito reflexivo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Esse homem, correndo os mares, efectuara os mais importantes tirocínios da sua carreira profissional, tomara parte nalguns acontecimentos de importância relevante da nossa história ultramarina, em Timor, em Moçambique, e estivera firme e intemerato, como todos os seus companheiros, na baia de Guanabara sob a chefia do imortal Augusto de Castilho.
Porém, foi no convés das frágeis unidades navais em serviço no seu tempo de subalterno e de imediato, sobretudo nessa escola magnifica das embarcações à vela, que as suas qualidades de investigador se aprimoraram e robusteceram.
Nessa valiosa escola prática de ciência náutica, que, no dizer dum contemporâneo, tanto puxava pela inteligência como pela coragem e pela alma dos homens, desenvolveu Gago Coutinho larga actividade e ganhou a perfeita experiência de «velho corredor de mares», título bem merecido que a si próprio ajustou num rasgo de clarividente autocrítica.
O seu espírito diligente e curioso, atento e infatigável, servido por cultura especifica pouco vulgar, sonhe extrair das lições que a vida do mar lhe proporcionava um conjunto de deduções tendentes a permitir-lhe uma interpretação original e arrojada da ciência náutica portuguesa na época dos Descobrimentos.
A gente poderia aqui lembrar o que está escrito nas velhas ordenações quanto ao ofício de almirante:
Maravilhosas cousas são os feitos do mar, e assinadamente aqueles que fazem os homens em maneira de andar sobre ele por mestria e arte ...
Mas esta mestria, alcançada nas condições peculiares da vida marinheira, havia de conjugar-se com várias comissões de serviço da maior importância, nas quais a aplicação científica do pioneiro ultramarino esclarece, contraprova e consolida a série de deduções que vieram à sua mente nos grandes caminhos de antigas derrotas oceânicas, meticulosamente estudadas em condições semelhantes de tempo e lugar.
O consumado navegador abandonava a ponte dos navios para se dedicar com a mesma aptidão e a mesma intensidade aos problemas vivos da geografia ultramarina, gastando nessa constante actividade quase duas décadas, e pelo menos uma dezena de anos de vida em pleno mato.
Em 1933, despedindo-se pela rádio das províncias ultramarinas, evocava comovidamente os trabalhos e os dias que por lá vivera:
Eu não comandei forças militares, nem fui director de banco ou companhia, como não fui governador. Demorava-me pouco nas povoações, pois vivi quase sempre acampado pelo mato. Lá dormi seis meses em carros, e bastantes anos em barracas de lona: porque eu apenas trabalhava como geógrafo ... Foi nessa obra de reconhecimentos geográficos que ... queimei o melhor da minha mocidade. Agora - não se pode viver sempre a vida errante do sertão! - já não voltarei mais ao interior, a trabalhar como geógrafo, repetindo a luta, contra as dificuldades da região e privações, daquele pobre e sofredor caminheiro que eu fui, queimado do sol, mal vestido, mal calçado, de bússola, caderno e lápis sempre prontos, que, acompanhado de uma caravana complicada, carregando instrumentos, machados, toldos de lona, caixas, cestos, ferros, cimento, com intuitos estranhos procurava lugares desertos, donde, de noite, olhava para as estrelas com óculos, por onde até vos mostrava algumas delas em pleno dia ...
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Os objectivos dessas missões de extrema minúcia cientifica e ao mesmo tempo de previsível delicadeza política foram alcançados com a mais decidida competência e a maior felicidade.O Pais, que confiara no saber e na prudência de Gago Coutinho, ficava a dever-lhe um trabalho inestimável, mas os resultados da coincidência experimental dos trabalhos do mar e do mato abriram no seu espírito as clareiras que haviam de guiar o futuro construtor de um corpo de doutrina náutica dos descobrimentos portugueses.
Permiti que chame a vossa atenção para mais uma página do venerando marinheiro, a qual, a meu ver, mostra com verdadeira clareza todo o desenvolvimento da sua longa experiência e o claro sentido das suas preocupações de historiador-critico da nossa epopeia marítima:
Foi partindo da prática com instrumentos no campo, tendo observado astros, tanto em terra, com o astrolábio grande do Museu da Marinha, como ainda praticando no mar com outros astrolábios -com os quais já naveguei, tanto à vela como a vapor, mais de 40 000 milhas, ou cerca de duas vezes o meridiano terrestre-, foi, não teoricamente, mas só depois de prolongada experiência, que cheguei a uma conjectura que documento algum contraria... conjecturo que datam de tempo muito anterior ao reinado de D. João II as determinações de latitude do mar por meio de observações do Sol com astrolábio.
Sr. Presidente: a história dos descobrimentos portugueses, tal como hoje a compreendemos e ensinamos, já não é a história da «grande aventura» empreendida no primeiro quartel do século XV por um povo da orla atlântica em cujas veias borbulhava o sangue celta e ao qual chamava de longe um «dúbio tentador», o mar!
Estas eram as ideias correntes nos meados do século passado, assentes sobretudo em preconceitos de fatalidade geográfica e de superioridade étnica, constituindo uma tentativa de explicação causal do magno empreendimento que na aurora do mundo moderno lançara os Portugueses à descoberta do grande mundo incógnito.
Humboldt, no Cosmos, com o prestigio do seu grande saber, revelara nessa verdadeira suma do cientismo e da cultura oitocentista, ou, melhor, afirmara rotundamente que a educação científica dos nautas portugueses do tempo de D. João II era o resultado da apurada ciência astronómica e náutica dos Alemães, trazida a Portugal pelo discípulo de Regiomontano, o celebrado Martim de Boémia.
Na historiografia estrangeira subsequente, e também na portuguesa, a afirmação incomprovada do sábio germânico foi acolhida como verdade incontroversa, e deste modo ficava desde logo minimizada a obra genial do infante D. Henrique e subalternizados tantos esforços e trabalhos náuticos, aquelas grandes revelações trazidas do mar oceano pelos navegadores portugueses em quase meio século de séria aplicação ao estudo concreto dos ventos e das correntes marítimas «tamanhas», de que falou o cronista Azurara.
Isto passava assim, no que respeita ao carácter cientifico entremostrado pelos descobrimentos do século XV, mas no domínio das presunções de carácter histórico procurou-se arrancar à glória dos Portugueses o direito de afirmarem a prioridade de importantes e decisivas viagens de exploração e de descobrimento na costa ocidental africana.
Não importa acentuar aqui o nome dos mais ardorosos impugnadores dessa primazia e precedência -chamar-se-ia vanglória-, mas cumpre assinalar que muitas afirmações preconcebidas ainda hoje são correntes em publicações estrangeiras, como fruto de verdadeira a «lenda negra» com que se pretendeu ensombrar a acção científica e técnica, friamente med tada e levada a fim pela genialidade do Infante Navegador e dos seus «discípulos».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-A empresa dos Descobrimentos suscitou a potência de ânimo da Nação inteira, toda a força da sua inteligência, os recursos completos da sua economia, o desinteresse individual, a honra colectiva de servir, e por isto pôde Camões escrever os versos imortais :
Assim fomos abrindo aqueles mares
Que geração algûa não atriu ...
Quando na literatura estrangeira se derramava mais extensamente a soma de conceitos arriscados sobre os descobrimentos do século XV, o visconde de Santarém, na amargura do exílio, tomou forças para contrabater no próprio campo da historiografia sincera a maior parte dessas afirmações inexactas.
Os seus trabalhos, aos quais não se pode regatear o louvor e o merecimento, ficaram como paradigma da obra de reivindicação histórica a que se obrigou desde então a cultura portuguesa.
E não será excessivo dizer que o seu exemplo de autentica docência em tão numerosas e valedouras publicações abriu às gerações de historiadores subsequentes os caminhos férteis de novas perspectivas da história dos nossos descobrimentos.
Os nomes de Luciano Cordeiro, Joaquim Bensaúde, Luciano Pereira da Silva, Quírino da Fonseca, Fontoura da Costa, António Barbosa, não podem ser esquecidos, pois a lição que se extrai das páginas dos seus livros insere-se com a maior valia nessa obra de reivindicação histórica que ainda não terminou.
Os problemas relativos às navegações quatrocentistas e as múltiplas questões conexas com a nossa epopeia marítima demandam ainda um poderoso esforço de investigação e uma critica atilada e pertinente dos historiadores portugueses da actualidade.
Sr. Presidente: foi nessa escola de saber tão vasto e de espirito clarividente que se integrou o vice-almirante Gago Coutinho, trazendo à análise das navegações portuguesas o conhecimento directo e a experiência pessoal das rotas atlânticas, que ele bem conhece, por onde os nossos antigos fizeram caminho.
A prática de navegador bem ciente, utilizando astrolábios no mar, aliada à prolongada experiência de geógrafo, de bússola, caderno e lápis sempre prontos, e à vasta leitura compreensivamente. critica das fontes, lançou-o numa como que experiência das condições, dos recursos e da natureza do esforço inteligente e ingente dos nossos antepassados.
As suas deduções -Gago Coutinho chamou-lhes «uma conjectura» - provinham do conhecimento exacto das circunstâncias peculiares em que se exercera a navegação portuguesa quatrocentista na escola do mar largo, com aproveitamento dos recursos que no tempo do infante D. Henrique já não era preciso inventar: a geometria, a astronomia e o astrolábio.
Como a história tem ignorado as dificuldades reais e a importância da passagem para o sul do cabo Bojador, julgando, literariamente, que o único obstáculo a essa navegação residia apenas na superstição de marinheiros tímidos, apesar de já práticos de mares bem mais procelosos, tornou-se necessário demonstrar, nas suas linhas gerais, de forma irrefragável, que aquela navegação só poderia ter sido conquistada por aqueles que depois de
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uma preparação de muitos, anos, em terra e no mar, possibilitaram a viagem da índia.
Com estes fundamentos, Gago Coutinho leva mais de vinte anos a estabelecer o corpo de doutrina náutica que lhe permite o estudo pormenorizado das mais significativas viagens de descobrimento, aos Açores, à Guiné, à índia, ao Brasil.
Em correlação com tudo isto, a sua desperta inteligência e o seu agudo senso critico volveram-se, com a tenacidade temperamental que lhe é característica, para o exame de muitas questões complementares da história dos descobrimentos portugueses, nas quais vê ainda os resultados da obra dos caravelistas do infante D. Henrique e o sopro genial das concepções desse homem singular, que na Europa do seu tempo foi extraordinário e verdadeiramente incomparável.
Não me é possível, pois não estamos produzindo propriamente uma consagração académica e de averiguação metódica da obra de um historiador-critico, não me é possível, repito, senão aludir às ideias gerais que podem surpreender quantos conhecem os trabalhos de Gago Coutinho, desde os dias já recuados em que examinou a rota de Vasco da Gama, tradicionalmente aceite, até à publicação dos dois volumes imponentes sobre A Náutica dos Descobrimentos.
O antigo navegador e geógrafo, o nauta assinalado pela viagem heróica e imorredoura de 1922, marcou na história dos descobrimentos um lugar de alta distinção.
Não lhe vem daí menor glória, nem pequeno direito à nossa gratidão.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: vou terminar. Por de mais cansei V. Ex.ª e a Assembleia.
Vozes: - Não apoiado!
O Orador:-O prémio das acções honradas, elas o trazem consigo, disse o insigne Vieira. E eu bem acredito que os feitos ilustres e as memórias soberanas, como apanágio de nobres e generosos ânimos, não reclamam nunca satisfações nem aplausos.
Todavia, à consciência moral das nações, que os seus directos e lídimos representantes exprimem, importa reconhecer o mérito onde ele está, a virtude onde ela mora, o comportamento heróico em quem se revelou herói.
As coisas que são notórias, é escusado prová-las, mas é bem que se recordem e se distingam.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Srs. Deputados: a atenção, o respeito com que a Câmara ouviu os distintos oradores e os apoiados com que sublinhou as passagens mais expressivas dos seus discursos permitem-me, perfeitamente à vontade, em brevíssimas palavras, associar-me à homenagem prestada ao vice-almirante Gago Coutinho, congratular-me com a Assembleia pela elevação e sentido patriótico em que o debate decorreu e saudar vivamente o ilustre Deputado Sarmento Rodrigues pela feliz inspiração de trazer à mais alta Assembleia política do País um assunto de tanto interesse e repercussão nacional e de o inserir no ciclo das comemorações henriquinas.
Efectivamente, Srs. Deputados, erguer perante o País, no alto relevo a que têm direito, os vultos dos grandes homens que ao longo da história nacional mais vincadamente encarnam e representam o seu génio e são garantia da sua imortalidade é uma acção do maior interesse para a tonificação do espirito nacional.
Vozes: - Muito bom, muito bem !
O Sr. Presidente:-A demonstração de que as virtudes da Raça, que fizeram da história de Portugal uma das mais gloriosas do mundo, não se perderam e de que o sangue que latejou no bravo coração dos heróis da Gesta Nacional continua a circular nos portugueses do século que passa, produzindo ora o génio da decisão, da ciência ou da aventura, como em Gago Coutinho e em Sacadura Cabral, que traçaram no céu do Atlântico uma estrada luminosa a ligar dois continentes, duas pátrias irmãs, ora o génio da sabedoria na pública administração e na condução do País para mais altos destinos, como o de Salazar; dar ao País esta certeza: de que as fontes de vigor, de talento, de heroísmo, não se extinguiram, e vão brotando, aqui e além, homens como o que hoje homenageamos, é, certamente, uma acção meritória. Por isso, o autor do aviso prévio, os oradores da ordem do dia e a Câmara prestaram hoje, no encerramento dos seus trabalhos, um alto serviço ao Pais.
Exultemos com essa certeza. Exultemos, pensando que a onda de egoísmos sórdidos, que a vaga dominante das lutas de interesses, não conseguiram sepultar no coração dos Portugueses aquela galhardia, aquela imarcescível flor de idealismo, de nobres e generosos impulsos, de devoção à Pátria, que se expande em cada estrofe da nossa epopeia nacional.
O feito de Gago Coutinho e de Sacadura Cabral teve o condão de, no meio das tristes dissensões políticas de então, galvanizar o espírito nacional, que acordou surpreendido e alvoroçado, ao rever-se naquelas figuras de eleição. Hoje, num ambiente inteiramente diferente, de tranquilidade, de paz e de trabalho, a evocação daquele feito permite a todos os portugueses «sem sombra e sem reservas» inclinarem-se respeitosamente ante os homens que, em pleno século XX, renovaram os grandes dias de antanho, ante os grandes portugueses que, em horas pouco felizes da nossa história política, abriram nos céus escuros da hora que passava um sulco luminoso de esperança; de esperança e de fé nos destinos de Portugal.
Não tenho dúvidas, ninguém as pode ter, do acolhimento que a Câmara vai dar à moção com que se encerrará este aviso prévio.
Eu a submeterei ao juízo e ao caloroso acolhimento da Câmara, por levantados; e, embora sem necessidade imposta pelo Regimento desta Casa, associar-me-ei à votação da Assembleia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente:-Vai ler-se a moção.
Foi lida. É a seguinte:
Moção
«A Assembleia Nacional, considerando que vão ser iniciadas as Comemorações do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, com o fim de celebrar os fastos do período mais fecundo da nossa história, durante o qual foram lançados os fundamentos da expansão portuguesa no mundo;
E não podendo deixar de ter presentes os altos serviços que á Nação Portuguesa prestou e continua a prestar o vice-almirante Carlos Viegas Gago Coutinho, como marinheiro ilustre, navegador que deu glória à aviação
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portuguesa, geógrafo de incomparável acção no ultramar, historiador incansável e erudito e patriota estreme :
Rende ao excelso português preito da sua veneração, como o mais qualificado representante, na actualidade, das gerações de descobridores e cientistas que fizeram a grandeza de Portugal na sua missão civilizadora e humanitária, iniciada na era henriquina;
E exprime o voto de que o Governo distinga tão ínclito marinheiro-aviador português promovendo-o ao posto de almirante.
Os Deputados: Sarmento Rodrigues - Venâncio Deslandes - Manuel Lopes de Almeida»
O Sr. Presidente : - Vou submeter à votação da Assembleia, por levantados, a moção que acaba de ser lida.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Cota de Morais: - Requeiro que fique consignado no Diário das Sessões não só a forma como foi feita a votação, mas ainda que ela se fez por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Ficará exarado no Diário das Sessões que a votação se fez por unanimidade.
Para tornar mais relevante a homenagem da Assembleia Nacional ao vice-almirante Sr. Gago Coutinho, designo uma deputação constituída pelos Srs. Deputados Sarmento Rodrigues, Venâncio Deslandes o Lopes de Almeida para, pessoalmente, comunicarem a S. Ex.ª a moção que acaba de ser aprovada por unanimidade.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Sr. Presidente: - Os trabalhos da Assembleia vão ser interrompidos, durante algum tempo, pela razão do haver alguns trabalhos que devem ocupar a nossa atenção, mas que não se encontram suficientemente preparados em termos de serem submetidos ao estudo e à apreciação da Câmara.
Temos, por exemplo, as Contas Gerais do Estado e as contas da Junta de Crédito Público relativas ao ano de 1956.
O respectivo parecer encontra-se na Imprensa Nacional, mas não está ainda em termos de ser distribuído de maneira a poderem ser apreciadas e votadas as referidas contas antes do termo da duração normal do funcionamento da Assembleia e que seria no dia 22 do corrente.
Nestas circunstâncias, vou usar da faculdade, que a Constituição me confere, de interromper o funcionamento dos nossos trabalhos, e, como há alguns diplomas já votados pela Assembleia mas carecem da última redacção - trabalho que deverá ser feito pela respectiva Comissão -, proponho que se conceda o costumado bill de indemidade à Comissão de Legislação e Redacção para que ela possa, no interregno dos trabalhos da Assembleia, dar a última redacção aos textos já votados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Considero o silêncio de VV. Ex.ªs como sendo de anuência a esse voto de confiança a dar àquela Comissão.
De harmonia com o que acabo de expor, e usando da faculdade que me confere o § único do artigo 94.º da Constituição, declaro interrompido o funcionamento efectivo da Assembleia a partir do dia 15 do corrente, exclusive, até ao dia 19 de Marco, data em que recomeçarão os nossos trabalhos.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
César Henrique Moreira Baptista.
Jorge Pereira Jardim.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
O REDACToR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA