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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 58

ANO DE 1958 29 DE OUTUBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 58, EM 28 DE OUTUBRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Réis Júnior

Secretários: Exmos Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Manuel José Archer Homem de Melo

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 57.

Leu-se o expediente.
O Sr. Deputado António Jorge Ferreira foi autorizado o depor como testemunha no tribunal da comarca de Pombal.
O Sr. Presidente informou que foram recebidos na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministroo das Obras Públicas a requerimento do Sr. Deputado Camilo de Mendonça: foram entregues a este Sr. Deputado.
Usou da palavra o Sr. Deputado Ramiro Valadão para se referir ao 25.º aniversário da criação do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao II Plano de Fomento.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Vasques Tenreiro, José Hermano Saraiva, Rodrigues Prata e António Lacerda.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.

mérico Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.

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Fernando António Munõz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim Trigo de Negreiros.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 90 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 57.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação, considero aprovado o referido número do Diário das Sessões.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Da Câmara Municipal do Fundão a apoiar as considerações do Sr. Deputado Araújo Correia sobre a proposta de lei relativa ao II Plano de Fomento.
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado António Lacerda acerca da situação de funcionários do antigo Ministério da Agricultura.
Da Câmara Municipal de Évora a manifestar desacordo com a intervenção do Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho a propósito da criação de um liceu feminino naquela cidade.
Do chefe da redacção do jornal A Defesa, de Évora, no mesmo sentido.

O Sr. Presidente:-Está na Mesa um oficio do juiz de direito da comarca de Pombal pedindo autorização para o Sr. Deputado António Jorge Ferreira depor como testemunha naquele tribunal no dia 28 de Novembro próximo, pelas 11 horas.
Informo a Assembleia de que aquele Sr. Deputado não vê qualquer inconveniente para a sua actuação parlamentar em que a Câmara conceda a autorização solicitada.

Consultada a Câmara, foi concedida autorização.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 7 do corrente pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Ramiro Valadão.

O Sr. Ramiro Valadão: - Sr. Presidente: há momentos em que muito convém meditarmos nas lições do passado para melhor compreendermos a grandeza das tarefas realizadas e, assim, estarmos mais aptos a enfrentar as do presente e do futuro. Habituados a considerar a hora que num dado instante se vive como a mais difícil de todas as épocas, desvirtuamos as realidades e, insensivelmente, somos levados a não atentar com clareza no esforço desenvolvido ao longo dos anos, diminuídas como se encontram na nossa memória as dificuldades que foram vencidas ou os obstáculos que foram transpostos.
Pedi hoje a palavra para assinalar perante a Câmara efeméride agora evocada através de actos do maior significado; efeméride que lembra acontecimento que merece ser inserido no balanço largamente positivo da actividade do regime.
Há exactamente vinte e cinco anos, o Sr. Presidente do Conselho definia a missão que cabia ao Secretariado da Propaganda Nacional. Nas directrizes traçadas o Sr. Doutor Oliveira Salazar considerava fundamental tudo o que à Nação interessasse e ao novo «instrumento de Governo» entregava, além de outras, a tarefa de dar «testemunho da verdade» onde e quando se tornasse necessário.
Em 1933 vivia o Mundo horas de angustiada expectativa, e, se Portugal era, por obra da Revolução Nacional, ilha de paz na violência dos vendavais, nem por isso deixava de sentir - e com que intensidade! - a intranquilidade que chegava até as suas fronteiras. Não se esquece, realmente, que nesse ano fumegava o que

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breve se transformaria no terrível incêndio que avassalaria a Espanha; nem se ignora que os tradicionais inimigos do regime português encontravam refúgio e vivo apoio em territórios fronteiriços. Na própria França a hora era de dramática incerteza, e os exaltados nacionalismos de outros países não deixavam de perturbar a obra de regeneração em que tão decididamente nos havíamos empenhado sob o sábio comando de Salazar.
O génio político desse homem singular - nada melhor para apreciar a exactidão dos seus juízos do que folhear as páginas da nossa história contemporânea- havia de conduzir-nos à vitória na batalha ingente que se travava em defesa de Portugal. E é exactamente nesse ano de 1933 -sem dúvida dos mais significativos da história do regime - que um plebiscito consagra o novo texto constitucional e é criado o Subsecretariado de Estado das Corporações, através do qual se vão definir, numa série de notáveis diplomas, os princípios doutrinários que hão-de informar a acção social do regime.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nesse ano, de incessante actividade em todos os sectores da Administração, o Sr. Presidente do Conselho funda o Secretariado da Propaganda Nacional, que vai desenvolver uma acção da maior fecundidade e interesse. Evocando essa obra maravilhosa - poucas vezes o adjectivo será empregado com tanta propriedade -, naturalmente presto sentida homenagem de respeito, admiração e saudade a António Ferro, que a imaginou e, depois, realizou durante dezassete anos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Na verdade, conforme justamente afirmou o Ministro da Presidência, em discurso pronunciado sábado passado, «as obras brotavam das mãos de António Ferro cheias de frescura e de cor e tudo o que criou dentro do seu querido Secretariado teve o selo inconfundível do seu espírito».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nem sempre compreendido, António Ferro agiganta-se na perspectiva histórica que a morte infelizmente lhe concedeu e surge ante nós na mágica presença do seu inconfundível talento de jornalista, poeta e de homem integralmente consagrado à realização do sonho de servir Portugal, servindo Salazar e a sua doutrina.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Entrega-se com tão inexcedível amor e entusiasmo à sua tarefa que a transforma em missão a que totalmente se dá.
Os derrotistas e os inúteis, os que em todos os tempos e latitudes fazem da crítica justificação para clara incapacidade realizadora, não pouparam o seu zelo nem a sua altura, exactamente porque lhe reconheciam imenso e perturbante valimento. Muitas vezes a sua alma terá sangrado perante a injustiça desses ataques, mas prosseguia no combate, como homem de animo forte que era, servindo o seu ideal, na vida e para além dela, como afirmou no momento da inauguração do organismo que tão justamente agora descerrou, por entre dignas e solenes galas, um bronze com o seu busto, numa homenagem a que com gosto muito especial daqui me associo.
E o poeta inundou de beleza Portugal. Inútil enumerar as suas tão variadas realizações, pois todas se podem fundir nesse anseio permanente de tornar Portugal mais português.
Prosseguiu o Secretariado na sua missão, primeiro com o Dr. José Manuel da Costa, depois com o Dr. Eduardo Brasão e, agora, com o Dr. César Moreira Baptista. Cada qual colocou nova pedra no edifício, que se torna maior em cada dia que passa, solicitada como é a sua atenção pela sempre crescente variedade da vida actual.
Elos da mesma cadeia de homens rosulutos e leais para quem o cumprimento do dever é lição todos os dias expressa numa acção que, mesmo quando se não vê, se desenrola em complexos e subtis domínios. Muitas vezes - já em algumas ocasiões o afirmei - são estátuas de fumo que se modelam com inquietação e esperança, mas que uma vez realizadas, logo se desfazem ao sopro da mais ligeira brisa. Aquele organismo não é, na realidade, feito para os que, possuindo fraca fé, apenas acreditam no que possa ser visto e tocado.
Na missão primeira que lhe compete - a de dar testemunho da verdade- o Secretariado realiza tarefa de enorme mérito e valia. Com particular razão se lhe referiu o actual secretário nacional da Informação no expressivo discurso que pronunciou domingo passado, ao declarar, por exemplo, que «lutar pela verdade na primeira linha, sem intolerância, mas sem hesitações, na esteira dos princípios definidos por quem soube determinar exactamente as coordenadas de uma política de espirito, é o primeiro objectivo do S. N. I.».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas, além desta missão, quantas outras lhe incumbem por forma a eficazmente promover uma cada vez mais intensa consagração dos valores do espírito, aqueles valores sobre os quais se alicerçam os fundamentos da civilização a que pertencemos e firmemente defendemos.
Os problemas da cultura nos tão variados domínios que ao Secretariado dizem respeito constituem esquema de acção que tem de encontrar, na diversidade dos meios, processo adequado de dar forma a um pensamento determinado.
E, fundamentalmente, importa que se não petrifiquem os conceitos definidores dessa política, e antes tenham a maior elasticidade, pois convém não esquecer que o novo depressa envelhece e que a juventude, sempre justamente sedenta de diferente, não se acomoda à excessiva rigidez das fórmulas consagradas. O Secretariado não pode, em minha opinião, ser estandarte de qualquer ideal estético, pois a todos deve acarinhar e divulgar desde que não se oponham à essência dos princípios que defendemos.
Ouvi, por isso, com vivo aplauso, as palavras pronunciadas, domingo, pelo Dr. Moreira Baptista, estando seguro de que encontraram o melhor oco naqueles a quem cumpre continuar Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O estimulo aos menos conhecidos, o aplauso aos não consagrados, as possibilidades que lhes são dadas pela publicação dos seus escritos ou exposição dos seus trabalhos, é tarefa de fundo interesse nacional, pois visa o presente e o futuro, que desejamos limpo de alguns dos miasmas que perturbam certas consciências mais ingénuas ou menos prevenidas.
Senti, realmente, nas palavras do Dr. Moreira Baptista aquele mesmo espírito criador que saudàvelmente levou António Ferro a cuidar de tudo o que era nacional, arrancando do desconhecido a inconfundível beleza e a extraordinária graça da terra portuguesa. Alta missão a que incumbe ao organismo que comemorou agora o 25.º aniversario da sua inauguração, pois, nunca tendo sido fáceis os tempos, não hão-de os que vivemos constituir excepção.

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Pelo contrário, pairam sobre o Mundo negras ameaças que serão enfrentadas - essa uma das licites da história do S. N. I. - com claro e saudável optimismo, pois inimaginável se nos afigura, perante o exemplo de Salazar, certa morrinha que penetra os ossos e diminui as forças.
Saibamos referir o que mal esteja para o melhorarmos e saibamos também prestar serena justiça aos inestimáveis bens que a Revolução Nacional nos trouxe.
E unidos, completamente unidos, levaremos de vencida os que sempre negaram o que era evidente. E, porque assim será, as manobras que, por vezes, para aí se desenham e em periódicas circunstancias se acentuam nunca constituirão mais do que reflexo de conhecidos e condenáveis intentos.
Louvando o Secretariado por uma acção que, sem dúvida, será cada vez mais tonificante, não esqueço o papel que a todos nós cabe nesta tarefa de dar pronto e seguro testemunho da verdade. Não esperemos apenas dos outros - sempre dos outros - o que também em alguma medida podemos fazer e, sobretudo, ajudemo-los com o nosso vigoroso aplauso a levar por diante a sua missão. Não há muito houve quem se referisse à vantagem do riso em política, lembrando que o último a rir é quem o faz melhor. Assim, com a mesma sonora gargalhada com que podemos retorquir ao velho trocadilho, respondamos à tal campanha de boatos aqui referida pelo Deputado Sr. Alberto Cruz, pois, na verdade, pouco mais podem merecer as transparentes falsidades que para ai, em algumas ocasiões, se propalam.
Mas... eu pedi a palavra, Sr. Presidente, apenas para assinalar o 25.º aniversário do Secretariado Nacional da Informação e arrancar da sua história a grande lição e o enorme ensinamento que dela se desprendem, pois mais do que a contemplação do passado nos deve interessar a perspectiva do futuro, que, com alegres, fortes e saudáveis sentimentos, temos de enfrentar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao II Plano de Fomento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vasques Tenreiro.

O Sr. Vasques Tenreiro: - Sr. Presidente: após os trâmites técnicos e legais por que passou, compete agora aos membros desta Assembleia pronunciarem-se acerca das bases que nortearão, nos próximos anos, o II Plano de Fomento, em Portugal e no ultramar português. Aceitar ou não aceitar, aprovar ou não aprovar, discutir, em suma, as referidas bases, parece, pois, concretamente, o que se pede aos representantes dos círculos eleitorais da metrópole e do ultramar.
Porém, apesar de se estar na presença de programação de acentuadas características financeiras, que, se mostra a rigidez de uma moldura, permite descobrir, no seu interior, soluções e ritmos que se traduzirão em grande plasticidade de arranjos económicos e sociais, oferece-se a oportunidade de apresentar ao Governo sugestões baseadas no conhecimento que cada um possui dos problemas da terra e dos homens que aqui representa.

Tenho, pois, consciência do papel modesto que desempenho em tão transcendente problema nacional, mas nem por isso deixo de reconhecer que de mim, como de todos os meus colegas, se esperam as meditações pertinentes que os conhecedores dos lugares e das gentes podem, com generosidade, oferecer aos governantes, a quem caberá, em última análise, toda a responsabilidade nas linhas de desenvolvimento deste II Plano de Fomento.
Por isso, Sr. Presidente, solicitei de V. Ex.ª o acesso a esta tribuna, a fim de oferecer uma contribuição que, sendo simples, é franca, é técnica antes que palavrosa, humana antes que política.
Permita-me ainda V. Ex.ª que, antes de entrar nas matérias acerca das quais, é lógico, venha chamar a atenção da Câmara e do Governo, faça umas quantas incursões rápidas em assuntos que de antemão - confesso - poderão ser tratados, com o devido relevo, por colegas mais qualificados.
Vivemos num pais cujo progresso se tem processado em ritmo lento, languidamente prostrado numa economia agrária e tradicional, que está longe de assegurar trabalho a todos os camponeses pelo ano fora; em que o excesso subsequente de mão-de-obra neste sector, que é o mais significativo, mal é absorvido por uma actividade industrial incipiente - tudo isto traduzindo-se, afinal, num nível baixo de vida, que não só atinge o sector rural como todos os portugueses; país que, não sendo o único na Europa, enfileira na lista daqueles sobre os quais recaiu a maldição do desenvolvimento retardado.
Podem imputar-se culpas aos homens, aos sistemas ou aos regimes; porém, é bom não esquecer que a terra portuguesa é pouco beneficiada em condições de clima e de solo e que nela se congestiona população numerosa, tanto mais numerosa quanto os recursos escasseiam.
Está isto longo de constituir fatalidade de tipo geográfico; e a prova repousa em planeamentos que, como este, mobilizaram vasta fonte de informação e grande cortejo de técnicos que envidaram esforços para se sair do círculo apertado a que nos encontramos sujeitos, por razões de ambiente acumuladas com os erros e arbitrariedades dos homens.
Além dos factores ambientais que exigem do Português uma aplicação à terra, para a qual com dificuldade se encontra paralelo na Europa, são ainda os elementos de cultura, quantas vezes réplica evidente das condições naturais, que ajudam a manter o circulo estreito do nosso viver. É assim que, em paralelo com a dificuldade de garantir trabalho para todos, corre um elevado índice de analfabetismo; que, paralelo a virtualidades da população, se verificam desvios perturbadores.
Recordo, neste momento, algumas notas argutas de um etnólogo que, explanando sobre este assunto, acaba por afirmar que o português se habituou a viver frugal e em grande incomodidade, mas apresenta na vida exterior, muitas vezes, tendências sumptuárias. Ele, que possui as mais duras camas da Europa, ambiciona, se tem meios para isso, os mais luxuosos, aberrantes e antieconómicos automóveis.
Se há, pois, que modificar ou alterar uma estrutura económica e gregária, de tantas facetas quanto a multiplicidade das regiões, há ainda que corrigir a termo de equilíbrio as qualidades, quantas vezes rasando a mesquinhez, e os vícios que alardeiam o baixo nível educacional de grande parte da população. Tudo isto, afinal, se resolverá, dir-me-ão, procurando a elevação do nível de vida geral da gente portuguesa, e é essa a finalidade do II Plano de Fomento. Nada mais certo, portanto.
Uma dúvida, porém, me assalta o espírito. É que o planeamento, seja ele à escala regional ou à nacional, como o presente, nasce do tomar de consciência não só das condições naturais, como das complexas estruturas económicas e sociais com elas relacionadas, tornando-se, por conseguinte, não só necessários os estudos técnicos, que corrigem estas e aquelas, como ainda trabalhos que relacionem num todo esses elementos ou estruturas. Só

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assim é possível chegar ao conhecimento dos agregados, dos seus estilos de vida, das suas aspirações e ansiedades, dos seus defeitos e das suas virtudes.
Assim, e só assim, as fórmulas deduzidas são de aplicação legítima na elevação do nível de vida dos agregados, pois não se correrá o risco de levar às populações soluções que não podem compreender, o que nem sempre será o mais importante, nem sentir e amar, o que é fundamental.
Um planeamento faz-se de olhos postos no povo e para o povo, tornando-se, por isso, essencial que todo ele participe com gosto e entusiasmo nas medidas que se preconizam. O conhecimento profundo da maneira de ser das gentes e das suas inquietações, por miúdas que possam parecer, é capaz de assegurar o sucesso do planeamento.
É por isso que para o desenvolvimento do Plano devem chamar-se, além dos técnicos a quem cabe a parte essencial na realização, também os humanistas, historiadores, etnólogos e geógrafos, que, pelo conhecimento dos lugares e das gentes, no devir do passado e na actualidade, estarão aptos a definir linhas gerais de evolução, avaliando os elementos culturais constantes e relevantes, indicando, sem rebuço, os desvios e os conflitos de uma organização de espaço em função dos povos.
Os estudos regionais deste tipo não existem entre nós, salvo algumas tentativas modestas e honrosas para os seus autores.
Quero, pois, desde já, lembrar ao Governo a necessidade de acompanhar com estudos deste tipo o desenrolar do Plano, para que possa atingir a finalidade que se propõe. Há que proceder neste sentido o mais rapidamente possível, pois que as populações não estão em condições de vir a receber benefícios cuja rentabilidade chegará, sem pessimismos, dentro de uma vintena de anos. Há que sacrificar ao povo algumas concepções grandiosas em proveito de realizações, quantas vezes mais modestas, mas que, por serem múltiplas e irem de encontro às aspirações das gentes, se coroarão de êxito, promovendo, desde início, o tão desejado aumento de nível de vida geral.
Permita-me, Sr. Presidente, que, para amenizar a aridez dos conceitos, cite um caso concreto extraído da minha experiência da terra e dos homens.
Participei, este ano, de uma excursão de estudo à região de Alto Trás-os-Montes, tal como foi definida pelo indesditoso Dr. Virgílio Taborda num livro que se tornou modelo de monografia geográfica.
Excursão destinada ao estudo regional, não só os seus participantes se dedicaram às linhas gerais do relevo que opõe as terras quentes das depressões às terras frias mais pobres, planálticas e serranas, como ainda às formas de organização do território, procurando discernir-se até que ponto uma estrutura tradicional foi modificada nos últimos anos e quais as tendências evolutivas assinaladas.
As aglomerações de casas de xisto ou granito, rodeadas de oliveiras e de negrilhos, com as «folhas», os lameiros e, por vezes, os linhares, seriam para o geógrafo humano ponto de partida de trabalho. Mas as aldeias abarcavam ainda maiores extensões: pelos dorsos agrestes das serranias pastava o gado (ovelhas e cabras), que constitui elemento fundamental do complexo rural alto-transmontano.
Nas terras mais «assentes», isto é, levemente inclinadas, e onde é possível manter tractos de terreno empapados de água, construíam-se lameiros para a manutenção das crias (o gado grosso), fonte de riqueza alimentar, fábrica natural do estrume para os campos.
Cada aldeia vivia, segundo a tradição, dentro de uma economia, fechada, à base da barata, dos milhos, da horta, da vinha de latada, da oliveira e do negrilho, nas melhores terras; do centeio, nas encostas e altos das serras frias, e também do gado e das crias que tinham espaços longos para se desenvolverem nas terras altas e baldias a mais das vezes. Economias fechadas, pouco permeabilizadas pelos contactos, se não garantiam alto nível de vida para a população, exigindo do camponês esforços duros, permitiam a harmonizarão das técnicas, dos recursos e das necessidades vitais.
Compreende-se que nestas aldeias as sobrevivências comunitárias fossem e sejam ainda tão profundas; em muitas delas fornos do povo, ciras onde se malhava o cereal de todos, hábito de torna-jeira ou de entreajuda dos vizinhos, organização do campo com restolhos todos para um lado e «folhas» de pão para o outro, em anos alternados; muitas vezes o «lameiro do santo», cujo rendimento se destinava à igreja e a todos, em geral; pascigo em conjunto das cabradas e das ovelhas de toda a gente da aldeia; regime pormenorizado de águas, etc.
tudo isto, na estrutura tradicional, regulado por um conselho de vizinhos, que, muitas vezes, com grande engenho, resolvia o egocentrismo de alguns pela aplicação de multas, que, longe de isolarem o culpado na estima dos seus conterrâneos, mais o ligavam à terra.
Embora hoje seja difícil encontrar uma só aldeia que responda totalmente por este esquema, é possível ainda registar sobrevivências de um ou outro aspecto um pouco por toda a parte. Rio de Onor, que foi, aliás, minuciosamente descrita pelo Dr. António Jorge Dias, talvez seja aquela que, pelo isolamento raiano, apresente maior número de padrões ainda vivos.
Assim era lógico que acontecesse, uma vez que o desenvolvimento das comunicações foi colocar na encruzilhada das novas ideias, das virtudes e falsidades dos homens, a boa gente do Alto Trás-os-Montes, Castelãos, Gebelim, Vilar do Monte, Vila Nova, Soeima, Castro de Avelãs, Baçal, Montezinho, Franca, Rio de Onor, Guadramil, e tantas mais, foram sendo permeadas, com maior ou menor resistência, por transportes culturais de outras regiões.
Dois factos essenciais provocaram nos últimos anos, de forma brutal, uma alteração do modo de vida das gentes, que, rompendo a harmonia antiga, lhes introduziu mais malefícios que benefícios.
Uma foi a propagação da cultura do trigo, a outra foi o reflorestamento. O trigo, dado o proteccionismo que o acompanha, criou, nas mais das vezes, simples miragem de grandeza às gentes de Trás-os-Montes; cedo se apropriou das melhores terras para carne - os lameiros - e para batatas, muitas vezes os linhares e, até, num alarde irracional, das terras pobríssimas da montanha, onde era mais lógico continuar a manter-se o pão rude de centeio.
A organização equilibrada do território rompe-se: cultiva-se trigo, essencialmente para fazer dinheiro, com rendimentos que na média são baixos, agravando assim, pela diminuição das culturas de subsistência, o nível alimentar das gentes.
Mais grave, porém, foi o reflorestamento intenso que se praticou. Os altos das serras e muitas das encostas, tosados pelo gado, pelas rocas dos homens, enfraquecidos por culturas nem sempre lançadas segundo as técnicas mais recomendáveis, foram largamente cobertos por árvores e arbustos, onde, em povoamentos monótonos, o pinheiro, que alguém, com graça, já apelidou de «pau político», é essência predominante; a obra empreendida pelos nossos técnicos neste sentido é grandiosa.
Simplesmente, o repovoamento roubou a uma economia frágil mas harmónica uma das principais fontes do complexo rural: a criação de gado miúdo. As cabradas, como é lógico, foram as mais atingidas. Na mi-

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núscula aldeia de Rio de Onor mais do 500 cabras foram sacrificadas à floresta. Longe de mim a ideia de menosprezar o trabalho empreendido com tanta coragem pelos técnicos; longe de mim querer, só por querer, salvar as cabradas das agrestes regiões de Portugal!
Ninguém pode e deve lamentar mais do que o geógrafo que a degradação das matas tenha sido, no decorrer dos séculos, tão profunda, nem que por via disso a erosão venha pondo os ossos do subsolo à flor da pele arável. Simplesmente, o repovoamento florestal trouxe graves perturbações a muitas das populações rurais.
Pode explicar-se às gentes que pela protecção do solo se acumula riqueza para amanhã; mas o que o camponês sente, a ele, a quem nada deram em troca, é o profundo empobrecimento a que está, de momento, votado.
O progresso não se fez para criar dificuldades, e, por isso, é necessário que as medidas preconizadas se orientem num sentido evolutivo gradual. O engano praticado em Trás-os-Montes foi o de se ter esquecido que muitos dos terrenos afastados das aldeias faziam parte integrante delas, É que a aldeia não é só constituída, pelas casas, pelas árvores e pelos campos que imediatamente a rodeiam; estende-se muitas vezes, como é o caso, pelos campos longínquos dos flancos das serranias por onde apascentam os rebanhos comuns.
Se se tivesse chegado a esta noção antes de se desencadear o processo do repovoamento florestal, talvez fosse possível evitar o empobrecimento das gentes (que de forma alguma pôde ser recompensado pelo trigo-moeda) e a sua hostilidade profunda a tudo o que se refere à floresta.
Muitas vezes, pela calada dos lugares solitários, se deixa no seio da floresta, e, no Verão, um bosta de boi seca, que se ateia, e que em poucas horas lança fogo ao mato o às árvores..., num autêntico processo de reacção anticulturativa.
Por toda a parte o desgosto das gentes é profundo; por toda a parte, logo que se convenciam que eu ou os meus colegas não éramos «homens da floresta», - vinham as queixas, as lamentações dos velhos e dos novos. Os velhos, aferrados a uma tradição que viam morrer; os novos, inquietos pela incerteza do futuro. Bem se lhes explicavam as vantagens do reflorestamento, mas, como é lógico, é pregar no deserto quando as necessidades das populações são muitas e imediatas.
Porque o planeamento tem profundo conteúdo humano, as populações têm de ser estudadas, com minúcia, nos seus «hábitos, nas suas virtudes e defeitos, nas suas necessidades e nos seus desejos». Partindo desta posição de humildade, conseguir-se-á, num país de nível de vida baixo como o nosso, além das soluções sumptuosas de rendimento longínquo, fórmulas simples, que, indo direitas ao coração do povo, lhe melhore desde logo e gradualmente o seu viver.
Creio que este exemplo, à míngua de tempo para outros citar, esclarece o que para trás enunciei e traduz o gosto de quem por formação profissional se habituou a trabalhar de pés fincados na terra e por entre os homens de Portugal.
Outros caminhos trilharei agora, e nesses, que são os do ultramar, os problemas tomam maior vulto, devido à enorme extensão dos territórios no seu conjunto, a uma estruturação multirracial, multicultural e pluri-económica.
Forma tradicional de convívio com os povos de além-mar, que remonta a mais de quatro séculos, consubstanciou-se, no que se refere à colonização, em torno do desejo de trazer a um tipo de civilização europeu as populações autóctones. Que os antropologistas culturais perdoem este etnocentrismo do Português pelo que contém de actuante, de humano e cristão. Actuante, pela

forte assimilação que realizou em alguns territórios: em Cabo Verde, em S. Tomé, no Brasil e nas velhas conquistas de Goa; humano, pelo transporte de gente a territórios desfalcados dela, de alimentos a regiões tão necessitadas, de sangue na criação de novos tipos humanos.
Cidades que se abriram num desafio às condições originais do ambiente tropical, igrejas que se edificaram para orientação das almas segundo moldes superiores, língua veicular em terras de babel, são os exemplos mais eloquentes da gesta portuguesa pelo ultramar.
Compreende-se assim que o Português não se cause de falar da forte unidade entre todas as parcelas territoriais; que considere, as províncias ultramarinas e as gentes mais remotas como portuguesas e continue a ser acérrimo defensor da assimilação dentro de uma comunidade de sentimento e espírito. Nenhum outro país colonizador pode tomar posição semelhante, e nisto reside a originalidade do caso nacional.
Receio, porém, que, ficar por aqui seja perder a noção das realidades, confundir uma tendência constante de acção colonizadora com a verdade que testemunha ter sido a assimilação integrante só em dois ou três territórios, tendo deixado de fora, quase por completo, as duas maiores províncias ultramarinas portugueses: Angola e Moçambique.
E não são os exemplos eloquentes de uma acção no reino do Congo ou nos prazos da coroa da Zambézia, ou o espectáculo dinâmico dos contactos das grandes cidades ultramarinas de hoje, ou outros casos ainda, que em tão vastos territórios poderão, com justeza, provar o contrário.
A própria epopeia dos Portugueses em África ali está a demonstrar que foram precisas muitas lutas, o preço de muitas vidas e as habilidades da diplomacia para trazer a um enquadramento administrativo populações que ainda no século XIX andavam arredias de um contacto permanente e orientado dos Portugueses.
É assim que, se tenho consciência dos extraordinários valores potenciais daqueles territórios, sei também que estão muito aquém de um desenvolvimento harmónico nos campos económico e social.
Lado a lado vivem europeus e africanos, todos portugueses, é certo, mas, como é característico das sociedades plurais, ocupando posições que, embora não hierarquizadas em função da pele, o que é contrário à forma elevada de sentir do Português, se acomodam segundo as aptidões culturais de cada grupo; lado a lado, por conseguinte, comunidades que, embora ligadas por laços de sentimento, se individualizam em múltiplos padrões: formas diferentes de ocupação da terra; estilos de povoamento originais; línguas e religiões diversas, etc.
Não é, pois, possível esquecer que, para além da unidade que a política e a Administração imprimiram nos territórios, eles apresentam estruturas diferenciadas, que advêm de processos de contactos, dependentes dos povos que os habitavam na origem, do processo e época da intensificação colonizadora e da aptidão das terras.
Se é certo haver afinidades entre Angola e Moçambique ou entre Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe, cada uma destas parcelas revela-se aos olhos do estudioso numa gama polícroma de conjunturas que as distinguem e lhes imprimem fisionomia própria. Antes de mais torna-se, em meu entender, necessário tomar consciência desta diversidade.
A territórios diversos, importa levar soluções também diversas. O estudo regional tem aqui amplo cabimento. Por imperativo moral e nacional e também por força de uma conjuntura política internacional, quantas vezes confusa e perturbadora e da qual não

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podemos alhear-nos, impõe-se que se prossigam a ritmo acelerado os estudos, monográficos e regionais, que darão cor local às grandes linhas gerais do Plano do Fomento.
Percorrendo o relatório final preparatório do II Plano de Fomento, um facto me impressionou profundamente: o desenvolvimento modesto que é dado às coisas ultramarinas. Num total de mais de 1200 páginas escritas, pouco mais de um quinto são acerca do ultramar.
Claro que isto não resulta de visão deficiente quanto ao papel representado pelo ultramar na comunidade portuguesa, mas sim do conhecimento precário que se possui daqueles territórios.
De uma maneira geral, a literatura ultramarina de conteúdo político e social, por falta de estudos de base e gerais (geográficos, etnológicos e sociológicos), ou é atrabiliária ou tem-se limitado a servir de contraponto a ideias ressabidas.
Poderia citar excepções no próximo passado e no presente, mas prefiro acentuar que só ultimamente se procura criar essa literatura baseada em métodos modernos de observação, conciliando-se uma experiência nacional válida com o que de mais moderno se preconiza nos organismos internacionais para tal especializados; e, se estamos longe de actividade inteiramente satisfatória, a verdade é que o esforço despendido pelo Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar se afirma já com vigor em muitos relatórios e publicações de mérito e curiosidade. A colonização é uma ciência, e, como tal, só pode viver e impor-se pela dedicação dos que a cultivam.
Mais do que uma convivência colonizadora, temos também uma mística. É talvez por isso que não nos cansamos de apelar para as virtualidades antigas, num gravitar, quantas vezes estéril, em torno dos vultos sagrados da história.
Ora, é preciso não esquecer que se o Português ficou sem trabalho depois de descoberta a Índia, como disse o Poeta com a lucidez da alma, isso deveu-se por càlidamente se ter encostado à sombra da grandeza do passado. Longe de mim a ideia de dar lições de patriotismo seja a que português for.
Mas tenho para mim que patriota é aquele que, não negando o passado, o sabe ver na relatividade dos tempos, não voltando a cara às dificuldades presentes, de cuja solução depende, todo um futuro.
No volume do relatório preparatório do Plano dedicado ao ultramar não faltam as referências aos nossos maiores, mas, em compensação, não se vislumbram ritmos novos, que resultassem, por um lado, da longa experiência tropical; e, por outro, do reconhecimento aprofundado dos homens e das terras no tempo presente.
A pensamentos de grande elevação eu teria preferido a afirmação das medidas concretas, que se projectam no sentido de levar ao aportuguesamento das populações nativas ou indígenas (e emprego a palavra no sentido juridico-sociológico).
Hoje, como outrora, os Portugueses não se lançaram nos caminhos do Mundo só por razões do mais puro proselitismo; a expansão realizou-se também por motivos imperiosos, que devem procurar-se adentro do contexto económico e social do Portugal europeu.
«As populações nativas não são esquecidas neste projecto de Plano, como não o foram no Plano anterior, embora nenhuma rubrica se lhes aplique exclusivamente», escreve-se algures, para logo mais adiante se esclarecer que os «beneficiários dos empreendimentos previstos no projecto são todas as pessoas que vivam em Angola, qualquer que seja a cor da sua pele». Nem um só português deixará de concordar com este princípio.
Se a linha, superior de uma coexistência integrante fica assim definida, em todo o caso, para que se possa atingir essa finalidade, importa utilizar meios que se adaptem a territórios de estrutura populacional e cultural tão complexas, onde toda e qualquer panaceia concebida de olhos postos na Europa corre o risco do maior dos insucessos.
Por estas ou por outras razões, a Câmara Corporativa, no seu vasto e trabalhado parecer, sugeriu que se acrescentassem nos investimentos da proposta do Plano para Angola e Moçambique verbas destinadas a estudos de população indígena, designadamente nos aspectos da sua nutrição, instrução e produtividade.
Dou, como é óbvio, o meu mais caloroso aplauso a este parecer. Fomentar é não só realizar obras de profundo contexto económico, mas também de contexto sociológico, o que é diferente.
As sociedades plurais ultramarinas, só evoluirão em conjunto quando se promover o desenvolvimento das infra-estruturas populacionais; o que se impõe, pois, neste sector restrito é o desencadear de uma luta sem desfalecimentos contra os aspectos mais sombrios da existência dos nativos: luta contra a subalimentação e contra o baixo nível técnico e educacional.
É também nesta base que o II Plano de Fomento deverá desenvolver-se para S. Tomé e Príncipe, ressalvando para tanto as condições de fisionomia cultural que são próprias desta província ultramarina. Isto é: a par das realizações grandiosas que beneficiarão todos os sectores populacionais da província, a denodada, insistência no sentido de valorizar o sector populacional mais relevante e menos favorecido - o dos naturais.
Passemos, pois, em revista a programação referente a esta província:
Conhecimento Científico do Território. - Incluem-se nesta rubrica trabalhos fundamentais: a revisão da cartografia geral e a elaboração de mapas de solos e geológicos. Parece-mo escusado encarecer a importância de tais elementos do estudo, podendo afirmar que sem eles todas as medidas atinentes ao desenvolvimento da província pecarão por falta de rigor científico.
É trabalho que se há muito estivesse realizado serviria agora de linha de rumo no que respeita à transformação da estrutura agrária das ilhas. Deve agradecer-se à missão hidrográfica de Angola e S. Tomé o trabalho realizado, pois que, generosamente, ultrapassando os limites do que lhe é específico, procedeu ao levantamento de toda a ilha de S. Tomé.
A partir deste levantamento será possível elaborar um mapa expressivo que traduza com fidelidade o relevo e a costa, como também os factores essenciais de ocupação humana: matas, capoeiras e campos, plantações de produtos ricos e de subsistência, tipos de povoamento, caminhos públicos e particulares, etc.
Aproveitamento dos recursos locais - Enumera-se, com muito pormenor, a série de trabalhos a proceder, todos eles gravitando em torno daquilo que se pode chamar sociologia rural. Como tal, porque, os estudos iniciados há tempo não estão ainda concluídos (é de aguardar os resultados da missão científica a S. Tomé e Príncipe), afigura-se-me falha de sentido qualquer especulação sobre o assunto.
Não há dúvida de que a partir da assistência técnica efectiva aos grandes e aos pequenos agricultores se poderá melhorar a produtividade geral. Particularmente, os pequenos agricultores carecem de assistência imediata, sem delongas, para que, como já aqui o

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afirmei, o sector populacional socialmente relevante não continue a ser econòmicamente o mais pobre.
Criação de brigadas volantes de assistentes técnicos às principais culturas lucrativas e de subsistência, ajuda financeira pela instituição de crédito agrícola, tal como foi preconizado pelo Conselho de Governo da província, promoção de movimentos associativos de tipo cooperativista no sentido de minorar as dificuldades resultantes de uma fragmentação excessiva da propriedade entre os naturais, criação de granjas agrícolas onde se ensaiem novas culturas e se formem capatazes, ou mesmo regentes, darão à população as condições de poder receber e amar muitas das grandes realizações que se preconizam.

melhoramento da estrutura agrária das ilhas depende, em grande parte, da execução do cadastro da propriedade rústica; há que acelerar o seu andamento, até para que se procure um sistema tributário mais justo do que o actual, baseado inteiramente nas exportações. Isto vem, aliás, claramente preconizado no relatório que estamos analisando.
Ainda dentro desta rubrica se inclui o aproveitamento dos recursos hidroeléctricos. Infelizmente, já o abastecimento de água à cidade de S. Tomé e às vilas não foi previsto. Seja como for, este problema começa a oferecer aspectos assustadores, pois que de um momento para o outro, dado o estado geral das canalizações e o aumento da população verificado nos últimos anos, corre-se o risco de a cidade ficar sem este elemento vital.
No hospital a carência de água dir-se-ia completa. Muitas operações de gravidade se têm aí executado à míngua de água, com riscos do todos os géneros.
As populações andam sobressaltadas e, apesar dos esforços envidados com toda a seriedade pelo presidente da Câmara local, os seus dramáticos apelos parece não terem sido ainda ouvidos...
Ouso pedir desta tribuna ao Governo da Nação, e muito particularmente a S. Ex.ª o Ministro do Ultramar, que dê justa solução a este problema, que, a sofrer mais delongas, se poderá transformar em motivo de desgosto e tragédia para a gente de S. Tomé.
Comunicações e transportes. - Estradas e pontes, portos marítimos, aeroportos e telecomunicações incluem-se nesta rubrica. Pode dizer-se que só neste sector algo se tem produzido de eficaz nos últimos anos. Com plano ou sem plano de conjunto, as estradas estão a ser reparadas, encontrando-se já em bom estado a maioria das vias do Nordeste da ilha de S. Tomé. Urge ultimar o plano rodoviário, que deverá incluir, em meu entender, além da estrada de cintura, várias vias de penetração para o interior, particularmente no Sul e Noroeste, a fim de permitir uma maior humanização da paisagem.
No que se refere às telecomunicações, só há a desejar que se dêem todas as facilidades no sentido de tornar extensiva a rede telefónica automática à maior parte da ilha; por outro lado, há que estudar-se a forma mais económica e eficaz de estabelecer comunicações telefónicas com a ilha do Príncipe, que, das duas ilhas, tem feito o papel de princesa pouco afortunada.
Em geral, quando se medita acerca dos problemas da província, as atenções recaem ùnicamente sobre a ilha de S. Tomé, e pensa-se que, resolvidos os problemas desta, por ricochete, se resolverão os da ilha menor.
Penso ser necessário corrigir este defeito de visão, porque, embora a estrutura económica das ilhas seja semelhante, há, certamente, problemas específicos ao Príncipe que deverão ser estudados. Impõe-se, assim, o estreitamento de relações entre as duas ilhas, mantendo-se com regularidade as carreiras de aviões e promovendo uma ligação telefónica entre ambas.
Os melhoramentos que se prevêem para o Aeroporto de Santo António justificam-se dentro desta ordem de ideias. Que se não esqueçam também os meios necessários ao restabelecimento de carreiras regulares com a vizinha ilha de Fernando Pó, onde existe uma importante colónia de portugueses, muitos dos quais têm propriedades naquela ilha e em S. Tomé: outros, a maioria, são naturais da província que ali encontraram também um modo de vida na agricultura.
Com referencia ao porto marítimo de Ana Chaves, na ilha de S. Tomé, as obras em curso não passam de medíocre remedeio; o cais em construção vai destinar-se à atracação de batelões, continuando os navios a fundear ao largo. Raramente os passageiros em trânsito desembarcam, em grande parte devido ao forte movimento do mar.
Os barcos ficam longe, devido aos fundos, a distâncias que oscilam entre 0,8 e 1,5 milhas, batidos pelos ventos predominantes do sul, que produzem calemas muito vigorosas.
Ainda que a teimosia dos homens quisesse ali enterrar dinheiro no sentido de criar condições que, sobrepondo-se aos factos da natureza, permitissem a atracação de navios de grande calado, o porto ficaria numa angra, cuja elementar estratégia indica como de difícil defesa e abrigo.
Verifico com prazer que o assunto não passou despercebido aos ilustres Procuradores à Câmara Corporativa, pois formularam o voto «de que o problema da serventia marítima de S. Tomé possa ter no II Plano de Fomento, pelo menos, os estudos e projectos de um porto de atracação de navios de longo curso».
Salvo melhor opinião, esse porto, tão necessário e tão almejado desde sempre, deverá estabelecer-se em Fernão Dias, no norte da ilha, relativamente perto da cidade. As suas condições naturais são das melhores; a uns escassos 300 m da costa encontram-se bons fundos, onde a ondulação máxima é de 60 cm anuais, enquanto, por exemplo, em Ana Chaves anda pelos 2,20 m.
Os efeitos do vento predominante quase se não fazem sentir, pelo que, mesmo que numa 1.ª fase não se construísse a ponte de atracação destinada a navios de grande tonelagem, as operações de embarque e desembarque estariam muito facilitadas.
Passageiros a caminho do Sul ou do Norte que, agora receosos, não desembarcam, teriam então ocasião de o fazer. Para já, aproveitava-se a pequena ponte que ali foi construída em tempos, onde, aliás, outras construções se levantavam que estão hoje abandonadas. É assim que, muitas vezes, se desperdiça dinheiro.
Projectado, e acertadamente, para aquele local um porto, ali se realizaram várias obras, que hoje tomam na paisagem o ar de espectros, numa acusação muda à inconstância, dos homens. É pois de apoiar o voto da Câmara Corporativa. Uma curta estrada, a instalação para já de alguns armazéns e entreposto alfandegário, aproveitamento da actual ponte, promoverão a melhoria do estado económico de muitos sectores da população: gente que desembarcará e animação do comércio local, menor percurso para os batelões, menor risco de desaparecimento das mercadorias, são vantagens que se afiguram imediatas. Por outro lado, dentro de uma estratégia militar, o porto de Fernão Dias oferece melhores condições de abrigo que o de Ana Chaves. Uma rápida leitura de um mapa da ilha assim o demonstra.
E, finalmente, the last but not the least:
Melhoramentos de carácter social - Embora enunciados em último lugar, nem por isso são os menos importantes. Antes pelo contrário, pois que é aqui que devem chegar todos os resultados das propostas enunciadas no Plano. É assim uma consequência; porém, é também uma causa em si, dada a especificidade dos problemas.

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que os leva a serem tratados em rubrica própria. Por serem a um tempo causa e efeito, são os de maior significado no Plano.
A melhoria do nível de vida aos agregados é fundamental, pelo que tudo a ela se deve subordinar, e mal das obras que, por vaidade, fogem deste condicionamento. Essas obras, por mais imponentes que sejam, estão de antemão condenadas, por carência de articulação com as realidades e os imperativos sociais. Nesta análise rápida limitar-me-ei a focar só três aspectos: o das escolas, o da assistência, hospitalar e o da urbanização.
Escolas. - Não sei como, em poucas palavras, explicar o estado em que se encontra a maioria dos estabelecimentos escolares que existem pela ilha. Alguém, com maior capacidade de síntese, afirmou ao visitá-las; eis autênticos cemitérios de carteiras!
Embora seja de opinião de que a escola é uma instituição dinâmica, que deve estar onde se encontra o professor, os estabelecimentos escolares da ilha ultrapassam tudo quanto se possa imaginar, salvo os da cidade, que, na sua pobreza, apresentam ainda relativa dignidade. O problema toma ainda aspectos mais angustiantes quando verificamos que, além disso, são também em número mais que insuficiente.
Procedeu-se ùltimamente ao recenseamento da população que atinge a idade de obrigatoriedade escolar no corrente ano lectivo e apurou-se que 1793 crianças estavam em condições de matrícula; além destas havia, ainda 1822 a matricular na 2.ª, 3.ª e 4.ª classes do ensino primário, o que perfaz um total de 3615, número que tende a aumentar nos próximos anos.
Pois bem: nem salas de aulas nem professores há em número suficiente para fazer face àquela população. Se se atribuir a cada professor 45 alunos, número que reputo já exagerado, seriam necessários 80 professores, quando o quadro só prevê 36, a que se podem acrescentar mais 14 das escolas das missões católicas e adventista.
Porque se não dispõe de acomodações e por falta de professores, é muito natural que, como se tem verificado em anos anteriores, mais de 1000 crianças fiquem impossibilitadas de frequentar as escolas. É este o triste panorama: a imposição de uma obrigatoriedade que se não pode cumprir. Sem comentários, que julgo desnecessários, só a missão adventista tem edifício em condições, com boas e limpas salas, equipadas de material didáctico adequado.
Quero ainda desta tribuna recordar ao Governo que se torna imperiosa a oficialização do Colégio-Liceu de S. Tomé, tema que me mereceu o carinho de uma intervenção nesta Assembleia. Seria mais económico para o Estado e mais acessível à população se ele fosse oficializado. Procurei demonstrá-lo e tenho esperança de que o Governo venha a satisfazer tão justa aspiração.
Hospitais e assistência. - Numa ilha onde, por iniciativa dos particulares ou por imposição legal, existem vários hospitais, um dos piores equipados é o do Estado: o Hospital Central de S. Tomé. Não só as instalações são deficientes como se luta com problemas graves, tais como o a falta de água, de rede de esgotos em condições, de novas enfermarias, etc.
Vi no Hospital de S. Tomé utilizar-se água imprópria para consumo; doentes mentais por detrás de grades, como se as mais modernas ideias em psiquiatria ainda não tivessem chegado à ilha; uma leprosaria abarracada onde gente aparentemente sã vive em promiscuidade com os doentes; uma cozinha que fugia às mais elementares regras de higiene.
Tudo isto é, certamente, do conhecimento do Governo, e tanto assim é que o melhoramento deste hospital é encarado na programação do Plano com todo o carinho. É justo aqui referir que, se o Hospital de S. Tomé ainda vai funcionando, isso se deve a corpo clínico devotado e que com os maiores sacrifícios o mantém, como se de um organismo vivo se tratasse.
Projectam-se postos sanitários em várias das vilas da ilha, que poderão ser de grande utilidade se incluírem nos seus quadros visitadoras sanitárias que se desloquem numa acção verdadeiramente missionária às casas dispersas dos naturais e ali lhes prestem toda a assistência e conforto de que os pobres tanto necessitam.
As visitadoras deram já provas em Portugal, pela sua preparação e alto espírito de sacrifício, de quanto podem ser úteis à colectividade. Bastará para tanto instalar em S. Tomé um pequeno núcleo de preparação de futuras visitadoras, que convém sejam da terra, para melhor se compenetrarem da missão, o que será facilitado pelo conhecimento directo da psicologia do seu povo.
Urbanização da vilas. - Em sentido restrito, o urbanismo confunde-se com o planeamento regional. Urbanizar é organizar ou disciplinar um espaço habitado, pelo que é a partir do conhecimento da personalidade dos agregados, da análise das suas funções, que se pode prever e orientar o seu crescimento e conseguir, assim, melhores condições de habitação dentro de uma forma equilibrada de relações e produtividade.
Por implicar um planeamento, pressupõe a cooperação de técnicos e humanistas. Deve proceder-se a inquéritos prévios, minuciosos, que cubram o maior número de habitantes antes que, de régua e esquadro, se tracem as linhas ideais do planeamento.
Esses estudos ou inquéritos não se fizeram ainda e são tão necessários que, tendo-se procedido à execução (em planta, claro está) da urbanização das vilas de S. Tomé, não foi possível dar-lhe execução, por ir afectar os modestos interesses económicos de elevada percentagem de nativos, que iriam irremediavelmente para a miséria se tivesse sido levado por diante. A população alarmou-se e reclamou junto de quem de direito.
O então Ministro do Ultramar, Prof. Raul Ventura, mostrou neste caso, como em tantos outros, um profundo respeito pelos condicionamentos humanos, pelo que o problema se encontra, tanto quanto sei, novamente em estudo. Ouso mais uma vez sugerir aos governantes que procedam, neste capítulo, com a maior prudência, mandando elaborar inquéritos, económicos e sociológicos, o mais rapidamente possível.
Em certo sentido, o saneamento de pântanos e a luta contra as endemias preconizadas no Plano relacionam-se com o urbanismo, pelo que me dispenso de mais comentários.
Sr. Presidente: talvez seja possível, com algum esforço, confesso, através deste mal trabalhado falar, descortinar uma posição respeitante ao conjunto de problemas abrangidos na programação do Plano em estudo. Que as palavras por mim referidas se tomem como contribuição que, sendo modesta, teve a pretensão de ser pertinente.
O II Plano de Fomento, que virá a desabrochar das bases agora apresentadas, se pelos fins que visa e pela magnitude de problemas que abarca deve merecer o nosso apoio, exige também que, sem rebuço, lhe emprestemos toda a colaboração crítica.
um pensamento predominante me orientou: chamar a atenção dos governantes para a necessidade de maior participação dos cultivadores das ciências humanas, que, não sendo técnicos na acepção que correntemente se dá a esta palavra, são, no entanto, pelo objecto e natureza dos seus métodos, aqueles que no labor do dia a dia vivem por entre as alegrias e desânimos das populações. Realizam, muitas vezes, trabalho miúdo e quase sempre de pouco espavento. Mas não há dúvida de que, por de mais perto conviverem por entre as relações que os

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homens estabelecem com a terra, são os mais capazes de delimitar os quadros de base, psicológicos, históricos, geográficos, sociológicos e etnológicos, sobre os quais os verdadeiros realizadores do planeamento - os técnicos - traçarão as linhas económicas e sociais, de base humana insofismável.
Abstive-me de comparações com planos congéneres estrangeiros e de citar os exemplos lá de fora, por razões que se me afiguram óbvias. Mas não seria difícil indicar casos em que aqueles simples carregadores de materiais têm estado na base dos estudos regionais.
Entre nós, estes estudiosos são os mais desamparados: para eles todas as dificuldades de verbas, para eles todas as dificuldades na obtenção de elementos de estudo. Enfim, tratados como espécie exótica do ramo científico, que se cultiva mais para lustro de uma civilização do que propriamente por razões actuantes.
Não resisto à tentação de citar umas quantas linhas de um prefácio de um investigador que são, a este respeito, elucidativas: «Sinto não poder acrescentar a esta lista outras entidades oficiais a que ingènuamente recorri, na esperança de que se interessassem pelas minhas pesquisas e as auxiliassem na medida das suas possibilidades». Eu próprio (e desde já afirmo a VV. Ex.ªs que não me encontro desempregado) passei a gozar, nos meus trabalhos, das melhores deferências e facilidades desde que fui eleito Deputado. Facto este que, longe de me envaidecer, me entristece e perturba.
Espero, com confiança, que o Governo encare esta situarão anacrónica e solicite, para a consecução plena do Plano, a colaboração daqueles investigadores dos factos humanos, que, digo, reputo indispensável.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador fui muito cumprimentado.

O Sr. José Saraiva: - Sr. Presidente: um triplo objectivo me faz hoje subir a esta tribuna.
Em primeiro lugar devo referir-me à necessidade, que me parece urgente, de completar a política de desenvolvimento económico enunciada no Plano por uma paralela, política de desenvolvimento cultural, que, mais que eventual complemento, é o pressuposto da sua eficácia e sem a qual devemos temer que os resultados futuros não correspondam nem às nossas esperanças nem aos sacrifícios que de todos serão exigidos.
Em segundo lugar pretendo expor as minhas apreensões sobre se terão sido inteiramente acautelados os aspectos humanos e sobretudo as consequências sociais que da afluência da mão-de-obra para as indústrias e do aumento do rendimento nacional não poderão deixar de resultar.
Por último, desejo proferir um voto de claro louvor ao Governo, pela iniciativa do importante diploma cuja discussão determinou esta sessão extraordinária da Assembleia Nacional e extrair a lição política que reside no simples facto de tal iniciativa ter sido possível.
Ao enunciar nestas breves linhas o meu propósito, suponho não me afastar da ordem do dia; a discussão política, de um diploma, consiste em determinar não tanto a exactidão técnica de cada uma das medidas que o preenchem, mas, sobretudo, se, considerado no seu conjunto e referido a todo o tecido de interdependências que constitui a vida nacional, ele oferece suficiente garantia de atingir os fins propostos, sem sacrifício de interesses sérios nem perturbação do equilíbrio global.
Ora tal determinação supõe o exame de pressupostos e a previsão das consequências. As breves palavras que me proponho dizer referem-se a dois pontos restritos situados precisamente o primeiro no nível dos alicerces, o segundo na zona dos consequentes.
Leio no relatório final preparatório do Plano:

Tenha-se presente que investir significa, em última análise, criar novas capacidades produtivas, e que estas só se concretizam em aumentos efectivos: de produção se outros factores para isso concorrerem. No caso nacional, o factor trabalho não se põe como elemento limitativo, quando encarado no seu número total disponível, mas já o mesmo não acontece quando se atende à sua qualificação técnica.
Neste campo impõe-se um esforço crescente e contínuo no sentido de colocar a mão-de-obra nacional ao nível exigido pelas actuais exigências técnicas da produção.

E no relatório do Plano diz-se mais:

O desenvolvimento económico implica uma larga generalização da educação popular, para que nos sectores da agricultura, da indústria e dos serviços, a mão-de-obra possa corresponder às exigências crescentes da evolução tecnológica. Antes da frequência das escolas técnicas há a preparação mínima, de grau primário, que contitui a educação de base. Deve ser objecto dos maiores cuidados, pois representa, para a maioria da população, como terá de continuar a acontecer por bastante tempo ainda, simultaneamente instrução basilar e preparação genérica para o ingresso nas actividades produtivas.

Estas palavras mostram suficientemente que o legislador teve nítida consciência desta questão, de crucial importância: os nossos trabalhadores não têm preparação técnica indispensável para o trabalho industrial, e toda a tentativa de reconversão industrial pressupõe uma valorização de elementos humanos, cuja transferência se prevê.
Não é, aliás, esta a primeira vez que a questão aparece enunciada em prosa oficial. No parecer subsidiário da secção de Obras públicas e comunicações sobre I Plano de Fomento, de que foi relator o actual Ministro, Sr. Eng. Arantes e Oliveira, escreve-se a este respeito:

Na origem do problema do aperfeiçoamento da mão-de-obra industrial e rural tem de situar-se, indubitavelmente, o desenvolvimento do ensino, primário. Dele depende, na realidade, a garantia do nível mínimo de cultura que durante muito tempo ainda não poderá ser ultrapassado em parte preponderante daquela mão-de-obra. Por outro lado, do desenvolvimento do ensino primário resultará a possibilidade de uma melhor selecção inicial de aptidões, que é a base do recrutamento dos quadros técnicos das empresas e que, apurados nos sucessivos graus do ensino profissional, conduzirá finalmente à formação das elites, depositárias dos destinos da Nação.
É certo que a estas promissoras palavras do parecer não correspondiam no I Plano quaisquer realidades positivas, não se tendo previsto nele nenhuma verba destinada à reorganização do ensino primário. Mas já não era mau que se apontasse o problema e se lhe assinalasse a urgência e o decisivo interesse, como efectivamente se fez no esclarecido parecer que acabo de citar.
É com tristeza que verifico não se ter no II Plano dado qualquer passo em frente no sentido da resolução do assunto. E nem mesmo no parecer da secção de

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Interesses de ordem cultural da Cumaru Corporativa se lhe faz alusão que nos deixe ao menos tranquilos quanto a saber que o problema continua a ser sentido
com a clareza com que o foi em 1953. Se naquela altura se afirmava, sem hesitação, que o aperfeiçoamento da mão-de-obra tinha de se situar ao nível do ensino primário, agora parece haver-se entendido que a preparação cultural da política de desenvolvimento económico se poderá realizar no escalão secundário, mediante o incremento das escolas do ensino técnico profissional.
Essa é a posição do parecer; e no próprio Plano, sem deixar de se reconhecer que todo o ensino pode ter influência no desenvolvimento económico, afirma-se que o ensino técnico é o que se reflecte imediatamente na produtividade, devendo, portanto, ser essa a modalidade de ensino a que no Plano deve figurar.
A questão posta é de uma importância decisiva; consiste em determinar se a preparação do elemento pessoal que há-de servir a política económica do futuro exige uma nova organização de todo o aparelho cultural do País, desde o ensino elementar ate à alta cultura, ou se se pode circunscrever ao ensino secundário técnico.
Quanto a mim, entendo que a segunda solução, que o Plano perfilha, traz os mais graves inconvenientes, e de entre todos quero salientar alguns, todos de ordem geral e que me parecem especialmente importantes:
a) Como se sabe, da população activa do País cerca de metade ocupa-se presentemente na agricultura e a outra metade dirige-se, em fracções sensivelmente iguais, à indústria e aos serviços. Para todos os três sectores a valorização da mão-de-obra é necessária, mas é certo que a necessidade é especialmente aguda na parte referente à indústria e aos serviços.
Verifica-se também, pelos números referentes ao último ano lectivo, que os alunos matriculados no ensino técnico são apenas cerca de 6 por cento do total dos que frequentam o ensino primário. Como se deve prever que 50 por cento destes últimos venham a buscar emprego nas indústrias e serviços, só uma muito pequena fracção poderá receber a preparação que para esses sectores produtivos se considera indispensável. Isto conduz à conclusão de que optar pelo nível secundário para a preparação implica renunciar à preparação da quase totalidade da população que dele carece.
b) O segundo inconveniente de ordem geral é aquele a que já o parecer de 1953 tão certeiramente aludia: o da selecção profissional.
A distribuição da população activa pelos vários sectores da produção não pode ser deixada ao acaso; num planeamento racional das actividades nacionais e necessariamente o mérito e a tendência pessoal que têm de decidir o lugar que a cada um pertence ocupar na vida. O problema tem sido posto com insistência nas nações mais evoluídas e é com toda a razão que se entende que a selecção criteriosa é um dos aspectos humanos de mais relevante incidência na produtividade do trabalho.
Ora a passagem dos alunos do escalão primário para o secundário e a opção entre os caminhos técnico ou liceal não se faz entre nós de acordo com nenhuma selecção ou com presença de nenhum factor de encaminhamento. Mas é certo que a frequência de um curso secundário decide, só por si, a posição futura no sector secundário ou terciário da produção.
Só a reorganização completa da escolaridade básica, e designadamente o seu prolongamento obrigatório, tornará possível que o destino de cada um deixe de ficar inteiramente ao arbítrio do acaso. E nós não somos tantos que possamos deixar ao acaso a escolha dos melhores.
c) O terceiro inconveniente a que desejo aludir é de ordem social, e afigura-se-me particularmente grave. A coexistência, nos quadros do pessoal ao serviço das indústrias, de duas massas consideráveis de indivíduos de formação diferente - a minoria apetrechada com um curso secundário e a maioria que apenas frequentou a escola primária - terá como consequência virem a ser reservados para os primeiros os lugares de enquadramento e para os segundos os postos de trabalho sem graduação.
Poderá haver excepções, mas essa será necessariamente a tendência geral. E a maioria verá, desse modo, fechar-se-lhe o avesso às ambicionadas posições de pequena chefia de pessoal ou de posição qualificada.
Faltar-lhe-á então o estímulo para toda a valorização profissional, o incentivo que está na base da dedicação e do zelo no trabalho, e até aquele factor espiritual de interesse, de consciência da utilidade do mérito, da expectativa de dias melhores, que constituem um elemento humano precioso, ao qual os especialistas do problema das relações humanas da produtividade tanta atenção estão a prestar.
E isso não deixara de reflectir-se em termos de resultado económico; e, o que me parece mais grave ainda, poderá vir a reflectir-se em prejuízo do clima social das empresas e do sentido de dignidade dos homens.
d) Desejo, por último, lembrar que as instituições de educação e cultura formam um conjunto cujo equilíbrio pode ser destruído pelo desenvolvimento isolado de qualquer dos ramos em que se desdobra. Aquele conjunto preside um espírito que não é apenas definido por necessidades de ordem pratica, mas sobretudo pelo pensamento superior que informa o Estado.
Não sei se estou a ser claro. O que quero dizer é que modificar o esquema tradicional ao puro sabor das circunstâncias e exigências económicas pode conduzir ao resultado de desligar a escola daquelas finalidades formativas que resultam dos mais altos interesses espirituais da Nação.
Vejo, com extrema apreensão, que no parecer subsidiário da Câmara Corporativa se sugere que as verbas consignadas pelo Decreto-Lei n.º 41 572 à construção de dezasseis novos liceus sejam antes aplicadas ao desenvolvimento do ensino técnico, visto este corresponder melhor às «necessidades imediatas do País».
A sugestão significa, a meu ver, que a formação escolar de tipo humanístico e a formação das elites não técnicas foram consideradas como não fazendo parte das necessidades imediatas do País, entendendo-se como tais unicamente as de directa repercussão económica.
Na verdade, quando do Ministério da Justiça se lança o alarme da crise dos quadros da nossa magistratura, ou quando dos departamentos da assistência vem o aviso de que não temos médicos em número suficiente para assegurar a indispensável cobertura económica da população, ou ainda quando os responsáveis pela educação nacional afirmam que o mais grave obstáculo com que lutam é o da falta de professores, estamos bem dentro do campo das necessidades imediatas; mas estamos evidentemente fora daquelas que o desenvolvimento do ensino técnico poderia resolver.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É de toda a evidência que, numa programação futura da nossa política de educação, o ensino técnico tem um lugar de relevo, porque é através dele que se faz a qualificação específica de uma parte da população destinada às actividades económicas. Merece ser posto em relevo que este ramo de ensino, há vinte anos obscuro e desmantelado, tem já hoje um

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nível pedagógico superior ao de qualquer outro, mercê de uma assinalável obra de renovação de instalações, quadros e métodos que tem sido inteligentemente conduzida pela respectiva Direcção-Geral; essa obra constitui, sob o ponto de vista da renovarão da metodologia do ensino, o facto mais brilhante da pedagogia oficial contemporânea; a ele se têm, aliás, referido especialistas estrangeiros, que em revistas da especialidade têm chamado a atenção para algumas das nossas escolas técnicas, consideradas como estabelecimentos fie excepcional valor educativo.

O Sr. Melo Machado: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Melo Machado: - Talvez que o ensino técnico estivesse ainda, em atraso em relação aos outros ramos de ensino, o que explica a especial atenção que o Plano lhe dedica.

O Orador: - Tenho a dizer a V. Exa. que o ensino técnico está hoje num admirável avanço em relação aos restantes.
Mas o que nào pode é hipertrofiar-se a função do sector técnico no conjunto da- educação nacional. A escola terá de servir a economia, sem deixar de servir a Nação. A política de fomento agora planeada pressupõe uma política cultural de apoio; e pretender situar esta ùnicamente num sector, e nào no conjunto, leva necessariamente a um empolamento desse mesmo sector, em prejuízo do equilíbrio e do próprio espírito do conjunto.
Aos inconvenientes gerais que enuncio acrescem outros - os que resultam da impossibilidade de implantar verdadeira formação técnica som o cabouco de uma prepararão primária, designadamente no plano da realizarão; mas os já referidos parecem-me suficientes para impor a conclusão do uma política larga de fomento, que exige a revisão de todo o conjunto escolar e cultural, desde o ensino infantil à investigação científica, e também a de que o ponto de partida para a valorização da mão-de-obra nacional tem de ser o ensino de base, que actualmente está longe de satisfazer as necessidades da Nação e que, organizado há muito tempo com referência a um tipo de vida ultrapassado, não está hoje em condições de colaborar produtivamente na preparação do pessoal exigido pelo teor social e técnico da vida contemporânea.
Sobre este assunto - o da urgente necessidade de reorganizarão do ensino de base - passo a fazer algumas curtas considerações, que já na anterior sessão legislativa me propusera produzir, projecto a que só não dei efectivação por demora havida no envio das informações solicitadas às instâncias oficiais.
Desejo preceder as minhas palavras de um prévio esclarecimento: o de que os males de que terei de falar não são de agora; vêm de muito longe, e nos últimos tempos o que se tem registado é um esforço constante no sentido de os atenuar e de conferir melhor eficácia aos meios de ensino. Quem hoje quiser ocupar-se do estudo destes problemas não pode deixar de proferir com respeito o nome do Dr. Henrique Veiga de Macedo, que no Ministério da Educação Nacional deixou uma obra cujo saldo líquido é o da extinção do analfabetismo infantil: hoje frequentam as escolas todas as crianças normais em idade escolar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E isto não precisa de retóricas adjectivantes para ser reconhecido como um serviço nacional do mais alto valor.
Também se não deve omitir que os actuais Ministro e Subsecretário de Estado da Educação Nacional têm prestado às questões do ensino primário a maior atenção, e as declarações públicas feitas a esse respeito pelos dois ilustres membros do Governo são reveladores de uma superior lucidez e de um completo conhecimento das modernas necessidades do ensino.
Na medida das possibilidades daquele departamento do Estado, tem-se feito tudo quanto a estreiteza dos recursos permite no sentido de aperfeiçoar a organização, de elevar o teor do ensino ministrado, de melhorar os métodos, introduzindo-se processos novos, de levar a acção educativa por meio de equipas móveis até à população das fábricas e das zonas rurais.
Mas, repito, os males são antigos e não poderão ser eliminados enquanto se não reconhecer que o problema excede a escala departamental e se situa ao nível das mais urgentes questões nacionais. O ensino primário, único equipamento cultural recebido pela grande maioria dos portugueses, não assegura a cultura de base indispensável nem para participar produtivamente nas actividades económicas, nem para viver a vida com n dignidade humana que a iodos devi! ser reconhecida.
Planeado nas suas linhas gerais pelos pedagogos do século passado, ele conserva ainda a estrutura fundamental que então lhe foi dada. De então para cá, a vida mudou completamente, e, visto que o ensino prepara para a vida, parece que deveria ter paralelamente evoluído. Mas não foi assim; e à fluidez dos tempos correspondeu a espessa imobilidade da organização. O resultado é uma completa desactualização, que se acusa na estrutura, nos métodos, nos programas e nos quadros.
Quanto à estrutura. - O estudante primário termina em regra a sua vida escolar aos 11 anos, visto que por lei deve entrar na escola aos 7 e a duração do curso é de quatro. Este limite era o único que há cinquenta anos se podia admitir. A quase totalidade dos braços dirigiu-se então para a agricultura e encontrava ocupação a partir dos 1U anos ou até mais cedo. Enquanto o pai guiava o arado, rasgando a terra, o filho ia atirando a semente.
Na rega, na sacha, na apascentarão, a criança podia prestar trabalho que não era despiciendo no pobre teor de vida das nossas famílias rurais. Hoje sabemos que mais de metade das crianças que em cada ano concluem os estudos não ficará ligada à terra; e da aplicação do Plano de Fomento resultará necessariamente o aumento da percentagem dos que às indústrias se hão-de dirigir.
Nesse sector o trabalho não é permitido antes dos 14 anos, e também este limite tenderá no futuro a estabelecer-se em idade mais adiantada. São. portanto, três anos de vida perdida para todos os jovens que não frequentem um curso secundário - 80 por cento dos jovens portugueses.
Durante esse período, que é reconhecido por todos os psicólogos como fase decisiva na formação da personalidade, em particular pelo que toca à aquisição dos hábitos de trabalho, a criança nào fica submetida a nenhuma acção valorizadora além daquela que a família pode dispensar. E o tempo bastante para esquecer o que aprendeu e para aprender o que devia ignorar.
Quanto aos programas. - Os que se encontram ainda em vigor são já do tempo da nossa infância: para a 4.º classe, os aprovados em 1917; para as restantes, os de 1929. A ideia geral é a da aprendizagem do ler, escrever e contar e das noções simples do sistema métrico decimal.
O ensino do idioma pátrio é programado a partir das definições do fonema e do ditongo, com o mais completo esquecimento do uso vivo e harmonioso da expressão escrita ou falada; falta todo o ensejo de edu-

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(...) cação sensorial, base indispensável do futuro ensino profissional; não se relacionam as matérias a ensinar nem com as preocupações dos alunos nem com o ambiente em que decorrem as suas vidas; não se ministram quaisquer noções basilares para a formação de uma mentalidade social ou para a preparação da vida de relação; não se ensina a unidade, mas antes a divisão, do mundo português.
Mas - e este é o vício fundamental - todas as noções a ministrar são de um nível de tal modo rudimentar que a assimilação delas liberta do analfabetismo, mas não chega a radicar qualquer cultura; e esse defeito não poderá ser eliminado com a introdução de novas rubricas, porque, mantendo-se a duração do tempo escolar, todo o aumento de matérias redundará em prejuízo da aprendizagem.
Quanto aos métodos. - Permanece quase sem excepção o ensino baseado na repetição em coro, na fixação por simples memorização das palavras, nas definições aprendidas de cor e a que se não liga sentido nenhum. Nào se desenvolve o sentido de observação, não se estimula a actividade, não há o menor rendimento de educação artística ou literária, desconhece-se o que seja cálculo mental.
Os factos podem, mais que as palavras, dar uma noção dessa completa desactualização do nosso ensino primário. Nào quero fatigar a atenção de V. Exa. Sr. Presidente, com aspectos de pormenor, que não faltariam para documentar a apreciação que estou a fazer.
Lembrarei só que, num dos livros de leitura aprovados para a 4.ª classe - e precisamente o que os professores de todas as escolas do País adoptam para as suas aulas - vão ainda este ano aprender os alunos, entre muitas outras formosas lições, a de que à frente do «grupo de verdadeiros patriotas» que conduzem a Nação está o Presidente da República, Sr. General Carmona : a de que existe hoje uma invençào maravilhosa - a telefonia sem fios -, por meio da qual até já é possível a uma pessoa colocada, por exemplo, em Lisboa ouvir nitidamente um concerto em Paris, em Madrid ou em Londres, e que já há mesmo esperanças na televisão, que «consiste em ver a grande distância as pessoas com quem se fala»; a de que se aproveita desde, há pouco a energia eléctrica de uma queda de água na ribeira de Nisa e se pensa em aproveitar outra do rio Zêzere; e, enfim, a de que todas as almas bem formadas devem apoiar a Sociedade das Nações, «que funciona na cidade de Genebra, num país da Europa chamado Suíça».
Estes exemplos são bastantes para avaliar do nível do livro, que, aliás, não é pior do que a maioria dos restantes; é apenas talvez mais antigo, visto que já vai na 107.ª edição, e os livros escolares servem sempre, de índice da qualidade do ensino ministrado.

O Sr. Melo Machado:- V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz obséquio.

O Sr. Melo Machado:-Mas esse livro ainda está em vigor?

O Orador: - Ainda. E, como já disso, a edição é de 1958. E o que se adopta na maioria das escolas.; mas devo esclarecer que nisso não têm os departamentos oficiais qualquer responsabilidade. E aquele que os professores insistem em adoptar por toda a parte.

O Sr. Carlos Moreira: - Os professores adiam que é o melhor ...

O Sr. Melo Machado: - e isso é que é impressionantemente revelador ...

O Orador: - No respeitante, aos quadros a situação pode exprimir-se, pelos seguintes números: em 1957 existiam 25 512 lugares docentes, considerando-se oficialmente necessária a criação de mais cerca de 1500.
Mas o número de professores em exercício era apenas de 14 891, o que representava um deficit absoluto, em relação aos professores necessários, de cerca de 12 000.
Daquela cifra de professores em exercício, cerca de 13 000 eram senhoras. Pouco excedem os 2000 os professores do sexo masculino que se encontram a dar aulas, quando o número necessário seria de cerca de 15 000. E ainda o número de professores varões tende a baixar, pois nos últimos anos tem sido superior o número dos que saíram dos quadros ao dos que neles entraram.
Parte muito considerável dos professores que ainda existem sào já pessoas de avançada idade, que apenas estão a aguardar a oportunidade da aposentação. Muitos há, aliás, que nem por isso esperam; nos três anos compreendidos entre 1954 e 1956 o número dos que pediram a licença ilimitada ou a exoneração foi superior a 1400, e a tendência para o êxodo é de ano para ano mais acentuada.
Segundo os números fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional, estavam no fim do ano de 1957 sem professor 4030 escolas e 1209 postos dos considerados como necessários; estavam ao serviço cerca de 7000 regentes de postos de ensino, e destes havia 1231 colocados em lufares que deveriam ser providos por professores.

O Sr. Amaral Neto: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Com muito gosto.

O Sr. Amaral Neto: - Tem sido repetidamente apontado o risco, ou pelo menos o inconveniente, de confiar a formaçào dos rapazes no princípio da adolescência ou no período antes da puberdade a senhoras, mas há um aspecto, o da carência de professores primários masculinos, que nào costuma ser encarado e que reputo também de grande interesse. E, que nos pequenos meios rurais e nas dioceses onde escasseiam os sacerdotes o professor é muitas vexes o único elemento que pude trazer alguma imagem de vida intelectual e alguma orientação de carácter mental superior, de grande necessidade às comunidades, para lhes elevar o espírito a um certo nível de compreensào dos problemas gerais.

O Orador:- Reconheço inteiramente a importância do professorado primário como elemento com o qual há a contar para uma larga obra de formação da juventude e de enquadramento mental da população. Penso até, que, num período caracterizado pelo crepúsculo das antigas estruturas que prendiam os homens à igreja, à. terra, à família, à profissão, essa missào assume particular importância. Só me não refiro ao assunto é porque, sobre professores há matéria ainda mais urgente a considerar. E vou já ocupar-me dela.
E com os regentes que se está a fazer face à cada vez mais grave falta de pessoal habilitado; criados inicialmente para ensinarem os rudimentos da leitura e da escrita em lugarejos de poucos habitantes, os regentes já hoje se encontram a dar aulas nas escolas de Lisboa, do Porto e das restantes cidades do País. Muitos deles, suprindo a falta de preparação com a experiência e a boa vontade, estào a prestar uma colaboração útil, e a sua absorção pelos quadros normais seria um acto de justiça. Mas, de um modo geral, a presença de 7000 indivíduos cuja habilitação é o exame da 4.º classe e a quem se paga

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(...) um salário de jornaleiro veio fazer baixar ainda mais o nível do ensino no nosso país.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A situação é, pois, no que se refere a quadros, de uma gravidade evidente. Os jovens não concorrem às escolas do magistério primário; o nível dos poucos que ainda aparecem é, na maior parte dos casos, deplorável, e quando se trata de pessoas com algum mérito ficam nos quadros apenas o tempo bastante para tirar outro curso ou conquistar outro emprego.
As professoras não têm, por enquanto, faltando. Porém, a solução de um ensino confiado apenas a professoras pode não impressionar quem conserve da escola primária a concepção maternal, que para outros tempos foi válida; mas não pode satisfazer a quem pense que mais tarde ou mais cedo a escolaridade terá de se prolongar até ao momento da entrada nas oficinas e a quem tenha presente que o objectivo do ensino é cada vez mais a educação integral, e nào apenas a memorização de noçòes elementares.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Na raiz da crise dos quadros dos professores está, como já nesta Câmara tem sido dito, a injusta localização dos professores primários na escala Geral do funcionalismo e a. consequente insuficiência dos vencimentos que auferem.
Trata-se de unia questão bem conhecida e sobre a qual não é necessário insistir, porque creio não haver ninguém em Portugal que não esteja convencido daquela injustiça e daquela insuficiência.
O professor primário tem, pelo menos, o 5.º ano do Liceu, faz depois a admissão à escola do magistério, frequenta ali um curso de dois anos e formado pelas disciplinas de Pedagogia e Didáctica Geral, Psicologia Aplicada à Educação, Didáctica Especial, Higiene Escolar, Legislação Escolar, Organização Política, Educação Feminina, Moral, Desenho e Trabalhos Manuais, Música e Canto Coral, faz depois um Exame de Estado e entra no quadro como agregado a ganhar o vencimento de 1.300$ líquidos durante nove meses e meio por ano, o que representa 950$ líquidos por mês, visto que os agregados comem todo o ano. Se tivesse preferido ser dactilógrafo, bastar-lhe-ia a 4.ª classe e ganharia mais.
O número de professores que se encontram nessa situação é superior a 5000.
Como professor efectivo o professor receberá os mesmos 1.300$ líquidos; só ao fim de dez, anos atinge a 1.ª diuturnidade, que, aliás, só representa um acréscimo de 100$ mensais. O máximo vencimento é conseguido ao fim de trinta anos de bom serviço; nessa altura ganhará o professor o mesmo que auferiria como terceiro-oficial do Ministério, posto para o qual não necessitava de curso especial e que teria atingido dentro de poucos anos, se não logo de início.
Esta situação repercute directamente na qualidade do ensino. Em qualquer sector das actividades privadas - mesmo em profissões modestas, como chaufeur, empregado de balcão, operário com alguma graduação - e em muitos serviços públicos, corporativos ou de coordenação económica é possível encontrar emprego em que logo de entrada se ganha mais e onde as perspectivas de acesso são mais rasgadas; e isto não pode, deixar de influir na qualidade das pessoas que, mesmo assim, se sujeitam a ir para o magistério primário. Por outro lado, o estado de miséria a que muitos professores se vêem reduzidos contribui para fazer desaparecer o ambiente de prestígio que tradicionalmente envolvia a função e que era indispensável ao seu exercício.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O professor não é já de uma posição social superior à do meio em que vive, mas um pobre homem cheio de privações e não raras vezes diminuído moralmente pelos compromissos a que as necessidades obrigam. A sua volta o nível geral da riqueza subiu, enquanto ele próprio via o seu nível de vida declinar. Não pôde mais ler um livro, actualizar um conhecimento; e mergulhou num estado de contrariedade e num sentimento de frustração que não podem deixar de projectar sombras sobre a própria actividade docente.
Ninguém tem dúvidas sobre os inconvenientes desta situação; à volta dela estabeleceu-se um verdadeiro ambiente de unanimidade publica e os próprios governantes se não têm eximido a proferir generosas palavras de compreensão do problema humano do professorado, a quem tanto se exige e tão pouco se concede.
O que se diz é que, dada a extensão numérica da classe, nào há possibilidade financeira de melhorar substancialmente a sua remuneração. Ou, em poucas palavras, que os professores têm toda a razão, mas que não há verba.
Duvido que as pessoas que costumam pôr a questão neste pé se apercebam da verdadeira significação do argumento. A reorganização da nossa vida financeira, de que tão legitimamente nos orgulhamos, teve uma finalidade e tem uma utilidade: a de permitir que o Estado satisfaça dignamente os seus encargos e assegure o funcionamento dos servidos essenciais da Nação.
Por isso mesmo o argumento da falta de verba nunca foi invocado para desculpar a falia da realização das despesas impostas pelas nossas obrigações de nação civilizada e soberana. Podem essas despesas acarretar sacrifícios ou exigir que se dispensem superfluidades: o zelo dos governantes é a garantia de que para as coisas essenciais se acharão sempre os recursos.
Mas, postas estas premissas, continuar a dizer que não há verba para pagar aos professores pode ser entendido como confissão de que nào se considera coisa essencial a elevação do nível cultural do povo português.
Sem professores em número suficiente, sem a duração mínima indispensável, sem métodos que assegurem preparação séria para a vida do nosso tempo, sem programas, sem livros, a escola primária não se encontra hoje em condições de cooperar na prepararão do pessoal exigido pelas necessidades nacionais, e o baixo teor da preparação que pode dar é suficiente para comprometer a eficácia de quaisquer cursos secundários, que, perdendo o carácter técnico, acabarão por degenerar para ensino primário complementar.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - No momento em que a Nação se vai lançar numa política decidida de desenvolvimento económico, adiar mais uma vez o problema significaria quase renunciar a resolvê-lo, visto que, relegado para a zona das despesas normais, comprimidas necessariamente pelos investimentos do Plano, o problema não poderá ser resolvido.
Na base de toda a economia está o homem e não há equipamentos técnicos capazes de suprirem as faltas de qualidade do elemento humano interessado na produção.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Tem-se visto com tanta clareza e afirmado com tanta insistência que o problema português é essencialmente um problema educativo que não consigo compreender que estranha força nos retém e não deixa passar das declarações, que nos obrigam, às realizações, que efectivamente resolvem e perduram.
O segundo aspecto a que prometi referir-me ó o das condições humanas do trabalho e o das consequências sociais que não deixarão de advir dos factos da deslocação de uma parte da população, que ato agora se ocupara nos campas, para as actividades industriais e do próprio aumento do rendimento nacional.
Não se trata manifestamente de criticar o II Plano de Fomento, mas de chamar a atenção para as concomitâncias do sector económico com o conjunto mais vasto da vida portuguesa e para as medidas que, a meu ver, a sua execução aconselha se tomem nos sectores limítrofes.
a) A primeira nota a fazer a tal respeito é a que se refere às relações humanas da produtividade.
Os valores espirituais do homem são hoje reconhecidos como um factor decisivo até sob o puniu de vista estritamente económico. No homem que trabalha há o braço, mas há também o espírito; e é a actividade do espírito, mais que a força do braço, que determina o rendimento do trabalho. Esta doutrina, a que os homens da economia se mostraram surdos até nào há muito, constitui hoje uma das preocupações fundamentais dos técnicos da produtividade e tem sido objecto de estudos aprofundados, de investigações de carácter rigorosamente científico e de reuniões internacionais.
O que se procura conseguir é que o trabalhador se sinta ligado ao conjunto da empresa por vínculos conscientes de dedicação, que se estabeleça uma compreensão mútua e um clima de dignidade nas relações com o patronato e que a empresa, mais do que uma simples unidade económica, seja uma comunidade moral, na qual os homens se sintam integrados, numa integração tão natural e humana como a que os prende à família ou à Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esse enquadramento revela-se a melhor via para restituir ao trabalhador a plenitude das suas forças espirituais; trata-se, em resumo, de interiorizar nas almas uma nova estrutura ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... - a empresa em vez da classe, como o marxismo pretendia - enquadradora e de fazê-la passar do plano externo da organização imposta à categoria de quadro normal das actividades humanas. Sob u ponto de vista da significaçào filosófica do movimento, penso que ele representa que, depois de terem passado do individualismo económico ao tecnicismo de raiz marxista, as ideias sobre a organizaçào do trabalho estão a evoluir para um humanismo cristão.
Sobre os meios práticos de conseguir este fim, o que se tem visto por toda a parte é que, se a propaganda verbal ou escrita e a pretensa educação social do trabalhador se tem revelado inútil, a adopção de certas medidas positivas tem levado a resultados que se exprimem em ganhos quantitativamente determinados.
Entre essas medidas figura a informação franca prestada a todos sobre os problemas da vida da empresa e a explicação do lugar que ela ocupa no sector de produção considerado e no conjunto das actividades nacionais; o contacto directo e assíduo entre o patronato e o pessoal trabalhador dentro da empresa, de modo a conseguir que seja no seu âmbito, e não no das classes, que todos os problemas se discutam e resolvam; a valorização cultural geral do trabalhador, e especialmente a valorização profissional específica, e a aquisição de graus de habilitarão unicamente válidos na empresa que os concede, mas dando direito ao acesso e à promoção dentro dos seus quadros; a constituição de grupos de trabalho tendo em atenção a personalidade dos componentes; o estudo analítico das tarefas individuais feito em ordem ao interesse e à adesão psicológica; a protecção à família e a atracção dela ao maior número possível de actividades da empresa; a habitação concedida como complemento do salário; e até a localização e o estudo da dimensão, feito com obediência, nào unicamente a considerações de ordem económica, mas também de ordem humana.
Tais medidas, fomentando a adesão total do homem ao trabalho, põem ao serviço não só os corpos, mas também as almas: sobre o valor do rendimento por hora diminui a frequência dos acidentes pessoais e o desgaste do material, eliminando-se estados de conflito. Mas, para além dessa utilidade económica directa, há o enriquecimento espiritual do homem e a sua promoção a uma vida de maior dignidade.
Quando a Nação se propõe investir recursos tão consideráveis no desenvolvimento industrial penso que não podem deixar de ser postos os problemas dos factores humanos do trabalho e do examinar se a estrutura actual da organização corporativa é a mais própria para conseguir a sua plena resolução.
A questão que deixo enunciada é da maior importância; e confesso que ainda não encontrei razões que me dissuadissem da opinião que tenho de que a recusa em aceitar a unidade da empresa e a manutenção de duas ordens distintas na organização do patronato e do pessoal trabalhador são dificilmente compatíveis com a conquista daqueles fins superiores de humanismo cristão a que há pouco aludia.

O Sr. Cid Proença: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador : - Com muito prazer.

O Sr. Cid Proença: - Tenho estado a ouvir com muito interesse as considerações de V. Exa., mas tenho uma dúvida. Como é que resolve o problema da protecção efectiva do trabalhador com uni sindicato único, mantendo a estrutura actual da empresa? Eu adiro às considerações que V. Exa. está produzindo, mas supondo uma reforma da estrutura da empresa, pois com a actual estrutura o sindicato misto significaria a não existência de qualquer organismo representativo dos interesses do trabalhador.

O Orador: - Só posso responder à dúvida de V. Exa. com uma surpresa: a que me causa o aprender que a eficiência da intervenção estadual na organização de todos os sectores interessados na produção é tão débil que num momento tão sério como este, em que parece estar a surgir uma pátria nova, consideremos um embaraço irremovível essa necessidade de dar à empresa uma estrutura, mais de acordo com a sua função humana.

O Sr. Cid Proença: - Mas com o pressuposto da reforma da empresa estou de acordo com V. Exa. ...

O Sr. Carlos Moreira: - Parece-me, afinal, que estamos todos de acordo.

O Sr. Camilo de Mendonça : - Suponho que a verdade é que, embora a reforma de estrutura esteja im-

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(...) plícita no desenvolvimento do pensamento de V. Exa., que perfilho, não é indispensável a uma reorganização prévia da empresa para fugir à exigência de sindicatos separados.

O Orador: - b) Segundo ponto a que pretendo ainda referir-me é o dos problemas de transição que não deixarão de surgir como consequência da passagem operada num espaço curto de um grande número de trabalhadores do sector rural para o sector industrial.
O homem que vive no campo pode viver pobremente; mas, na humildade da sua condição, vive integrado num mundo de ideias e valores murais que demoraram séculos a estratificar e que, passando de geração em geração, criam um sistema de disciplina e de normalização de toda a vida de relação.
A experiência mostra, porém, que, transplantado da aldeia à cidade, o homem não transporta consigo o estilo tradicional do seu viver. Pelo contrário, desnuda-se dele quase subitamente, sem entretanto assimilar o sistema próprio das relações urbanas - que também é uma realidade. Como se se tratara de uma transplantação sem raízes, ele sente-se um desgarrado e cai muitas vezes nos mais baixos estádios da degradação humana.
Já uma vez disse nesta mesma tribuna que não é verdadeira a versão romântica dos que supõem que os bairros de latas são formados pelas excrescências expurgadas pelas grandes cidades. Na sua maioria a população que neles se acumula, e que sob o tecto dos casebres leva uma existência aberta, é gente vinda das aldeias, gente que há meia dúzia de anos levava uma vida digna, pautada pelas normas de uma exigência ética local.
A perigosidade social dessa degradação não carece de ser sublinhada.
Receio que o desenvolvimento das possibilidades do emprego industrial, desencadeando uma transferência em grande escala de gente do campo para a cidade, possa vir a reflectir-se num abaixamento do teor moral da vida da população. E não deixará de ser assim se não se tomarem medidas, em escala proporcional à previsível amplitude do fenómeno, que assegurem o enquadramento humano nos aspectos religioso, educativo, sanitário e habitacional da gente que vier a ser deslocada das suas ocupações tradicionais.
c) Por último, devo fazei uma breve nota sobre as consequências do aumento do rendimento nacional, em vista fio qual se concebeu o Plano.
O problema português do rendimento não é hoje unicamente o do seu baixo nível; é também o da sua má distribuição, e se, sob o ponto de vista puramente económico., esta pode não ser ainda muito saliente, sob o ponto de vista da sua ressonância social apresenta-se revestida de uma acuidade que sentimos crescer de dia para dia.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Carlos Moreira: - Todavia não acho que seja deveras saliente para se dar por essa má distribuição.

O Orador: - Tenho procurada voluntariamente pôr-me fora da linguagem dos economistas. Não sei se economicamente isso é de alarmar os técnicos, mas suponho que não, porque, se o fosse, talvez eles não tivessem deixado chegar o fenómeno ao estado actual.

O Sr. Dias Rosas: - Não é o pensamento doa técnicos que está em causa, mas a actuação política, porque, realmente, até do ponto de vista económico é altamente preocupante, no caso português, essa desigual distribuição da riqueza, quando se pensa, como político, na desejada aceleração do ritmo da expansão do rendimento.

O Orador: - Como se vê, os economistas dão-me também razão; sobre a perigosidade social desses desníveis, não tenho, como político, dúvidas nenhumas.
A desigualdade dos rendimentos, a coexistência de um sector que pode levar uma vida sumptuária (lembro que somos em todo o mundo um dos principais importadores de antiguidades, facto que reputo extremamente significativo) com uma maioria que vive na modéstia e importantes grupos que vivem abaixo daquele mínimo a que todos os homens têm o direito de aspirar criou estados de tensão latente que são já hoje um motivo de inquietação o que, senão forem corrigidos, se poderão transformar em grave factor de perturbação na vida nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A evidência do fenómeno a que aludo dispensa-me de outro comentário que não seja o de que o fechar os olhos para não ter de o ver não pode contribuir para o resolver e poderá, pelo adiamento, tornar-lhe muito difícil a resolução.
O aumento do rendimento que irá resultar da execução do II Plano de Fomento tem, portanto, além da importância conhecida de nos tornar um país menos pobre, uma outra melindrosa função a desempenhar. Da atitude que desde agora se tomar dependerá que ele sirva de elemento de correcção para compensar os desníveis actuais, ou que venha a contribuir para os tornar ainda mais profundos e, portanto, mais perigosos.
É uma alternativa cuja decisão seria imprudente deixar ao sabor dos acontecimentos, visto que de antemão se sabe que a tendência provável - dado não só o pendor do tempo, mas também uma inegável necessidade de retribuir encorajadoramente os capitais interessados - é a de que ao aumento geral do rendimento não corresponda uma diminuição das situações geradoras de tensão social.
Quero concluir, Sr. Presidente, prestando ao Governo, e especialmente aos governantes a quem tocou o encargo de orientar e coordenar o II Plano de Fomento, uma homenagem, que deixei para o fim para que ela se não pudesse confundir com a manobra solerte e bem conhecida de começar por esparzir doces palavras sobre o terreno onde se pretende logo a seguir passar a vassourada da contestação mais completa.
O projecto do II Plano de Fomento é, na história da nossa governação moderna, um dos factos mais notáveis, mais esclarecidos, de significado mais verdadeiramente nacional. Assim o sinto, nào obstante as objecções que acabo de formular; e nem a circunstância de tal Plano ter sido subtraído à discussão parlamentar me isenta da obrigação de assim claramente o dizer.
A direcção dos trabalhos preparatórios e a do próprio Plano e medidas com ele conexas, e orno a da organização do Banco de Fomento, estiveram a cargo do Ministro da Presidência, posto ocupado durante todo o período em que os mesmos trabalhos duraram pelo Sr. Prof. Doutor Marcelo Caetano. Tá nesta tribuna foram proferidas, e por oradores mais autorizados do que eu, as palavras de homenagem que na verdade se não podem calar.

Vozes: - Muito bem!

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29 DE OUTUURO DE 1958 1197

O Orador: - Ao ilustre homem público já o País devia os serviços mais assinalados, como jurista que tem honrado a ciência do direito pátrio, como legislador, a quem se deve o Código Administrativo, como doutrinador da juventude, como homem de nobre exemplo, cuja inteligência se não embala nos jogos das palavras e procura atingir o tutano da verdade.
Ao coordenar o II Plano de Fomento, o seu nome fica ligado ao mais importante planeamento de acção nacional até hoje formulado e que ficará servindo de prova iniludível, que poderá ser invocada a todo o tempo, da seriedade dos processos de que se serviam os governos da Evoluçào Nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Penso que este diploma poderá vir a ficar na história do nosso país como marco decisivo, ponto de partida do uma profunda transformação da vida portuguesa. Prematuro seria, porém, dizê-lo, porque poderá também não ser assim. Além dos condicionamentos de ordem externa, sucede, como, aliás, já criteriosamente se observou, que a execução não é menos importante que a concepção. Quem não quiser ser temerário só muito mais tarde se poderá pronunciar sobre n importância do Plano, sob o ponto do vista dos seus resultados efectivos.
O mérito que importa saudar nele desde já é o da sua importância como programa de acção nacional durante um período do .seis anos e o seu eloquente significado como facto político.
Desde os princípios do século passado tem sido característica da nossa vida política n confinarão da actividade governativa aos problemas de superfície, à resolução das questões mais imediatas, à gestão da matéria corrente que constitui a administração quotidiana. Não se ignorava a existência de questões de fundo, de cuja resolução dependia tudo o que, afinal, era essencial; e alguns lúcidos espíritos, situados fora do campo da política activa, claramente, os apontaram, Mas as próprias condições em que decorria a vida política impediam não só que se lhes prestasse atenção, mais ainda que entendesse que o resolvê-las era matéria da competência obrigatória do Governo.
Na base dessa situação de alheamento do Governo em relação às questões basilares estava um fenómeno ao qual não será inútil prestar um momento de atenção: a importância dominadora e quase exclusiva que a política assumia no conjunto das preocupações funcionais dos governantes. E que ao quadro das realidades que formam a vida verdadeira - realidades do espírito, da vida social, da cultura, da economia - viera somar-se, desde o advento do liberalismo, uma nova categoria de interesses: os estritamente políticos, e estes não consistiam em descobrir o método de resolver aqueles outros - eram tomados como realidade independente dele e existentes de por si.
E também isto tinha a sua explicação.
Como se sabe, a filosofia mecanicista do século XVIII repercutiu nas ciências sociais sob a forma de um atomismo político, cuja ideia básica era a da concepção das sociedades como grandes coexistências de indivíduos.
O conceito de indivíduo nào era induzido da natureza, mas deduzido pelo espírito: indivíduo seria - tal como o átomo o era na matéria - o elemento mais simples que a razão podia conceber na análise dos conjuntos sociais.
Não era o homem, tal como a observação no-lo revela, mas um puro conceito filosófico, a que se chegava descarnando o homem natural de todas as suas integrações sociais concretas.
Esse conceito era necessariamente estéril como ponto de partida de qualquer construção política do Estado: a sua própria natureza racional e apriorística o tornava inutilizável como alicerce ou ingrediente de qualquer solução política, e como tal de ordem prática. Teve para isso de se introduzir nele uma correcção que consistia em pressupor no indivíduo uma espécie de alma artificial, com a qual depois se manobrava.
Não se admitia o homem chefe de família, trabalhador num grupo, solidário no interesse, morador num lugar, membro de qualquer estrutura, mas pressupunha-se necessariamente nele uma outra qualidade: a opinião política - e admitia-se que tal opinião seria o factor determinante das suas atitudes e das suas determinações como ser social.
Foi nessa base que se construiu todo o sistema da política partidária. Visto que todo o indivíduo tinha opinião política, o conjunto dos grupos representantes fios vários sectores de opinião apresentava-se como exprimindo o conjunto da opinião nacional. Governar era satisfazer as pretensões dos grupos representantes, o que, na lógica do sistema, significava dar cumprimento à vontade das maiorias supostamente representadas.
Era um sistema de ficções, imaginado para traduzir um sistema de realidades. O Governo, colocado na dependência das maiorias políticas, era a cúpula deste sistema convencional. Como nào podia deixar de ser, as convenções engendravam exigências próprias, que estavam bem longe das questões verdadeiras que atormentavam a carne e a alma da Nação. O labirinto das lutas partidárias nào tardou a surgir como um problema novo e autónomo, reclamante de todas as atenções. Os problemas de fundo foram sendo, não própria m ente adiados, mas com mais propriedade se dirá: relegados à resolução da Providência.
A esta luz, o simples facto da elaborarão do II Plano de Fomento - e o mesmo se poderia dizer de alguns outros grandes diplomas tias últimas décadas - pode invocar-se como prova real da superioridade dos governos nacionais sobre os governos de tipo político ou de base partidária.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As carências que agora se procura remediar eram preocupação de muitos portugueses muito antes de nós falarmos delas; mas a verdade é que até agora nenhuma situação se tinha mostrado capaz de as resolver ou sequer de as enunciar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não era apenas, nem era principalmente, a estreiteza dos recursos materiais que lhe impedia a resoluçào; também não ora a falta de inteligência dos homens ou a falta de honrado desejo de acertar e bem servir.
O impedimento era de ordem funcional e estava na própria medula do regime: entre o Governo e a Nação interpunha-se a realidade autónoma e isoladora da política; e não era à Nação, mas à política, que os governos tinham de prestar as suas contas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ouso recordar isto, incorrendo no risco de parecer que me estou a afastar da matéria em discussão. Não estou. A concepção do Plano vai seguir-se a sua execução, que durará seis anos. O que acabo de dizer é que a concepção só foi possível por a governação ser de tipo não político, mas nacional. E - é evidente, mas mesmo assim é bom recordá-lo - a execução

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(...) só prosseguirá enquanto o espírito de unção continuar a reinar em Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Rodrigues Prata: - Sr. Presidente: mais uma vez subo a esta tribuna, cônscio das responsabilidades que pesam sobre todos os componentes desta Câmara, para dar, por imperativo de consciência, na, medida que em mim couber, contributo para a aprovação na general idade da proposta de lei n.º 8 - II Plano de Fomento.
Pela leitura da mesma proposta e do relatório final preparatório do II Plano de Fomento, não sei, francamente, que mais admire: se a serenidade do Governo ao manter inalterável uma linha de conduta há muito revelada e que tem como última finalidade o bem comum, si; a objectividade da análise e das previsões e a frieza da autocrítica, numa insofismável demonstração de incontestáveis possibilidades.
Pela parte que me diz respeito, só lamento que a minha actividade profissional me não permitisse um estudo mais atento e profundo do vasto e bastante elucidativo relatório final, o mesmo acontecendo, mais acentuadamente, com o notável documento constituído pelos pareceres subsidiários das secções de estudo da Câmara Corporativa e pelo parecer final da mesma Câmara sobre a proposta de lei em debate, que nos foi distribuído com umas escassas quarenta e oito horas de antecipação sobre a abertura da sessão extraordinária desta Assembleia.
Reconheço que a magnitude do projecto, os complexos e tão necessários estudos a efectivar, os relatórios minuciosos que era mister reunir e apreciar, os indispensáveis elementos estatísticos para confrontos e conclusões, enfim, toda uma imensa rede de serviços colocados em colaborante actividade, sem prejuízo das necessidades normais, para conseguir uma observação global, não consentiria grande disponibilidade de tempo a esta Assembleia, como provavelmente nào o terá consentido a muitas outras entidades.
De qualquer modo, o projecto do II Plano de Fomento pode classificar-se como grandioso, quer no conjunto dos empreendimentos, quer nos objectivos finais, digno de merecer, como merece, e certamente terá, a atenção e o interesse de todo o País. E tem fatalmente de resultar, porque os benefícios que da sua execução se esperam actuarão como poderosas alavancas para uma maior produtividade e uma mais equitativa, distribuição dos bens de consumo.
Isso se observa quando se acentuam os objectivos do Plano:

a) Aceleração do ritmo de incremento do produto nacional;
b) Melhoria do nível de vida;
c) Resolução do problema de emprego;
d) Melhoria da balança metropolitana de pagamentos.

Estes objectivos, tão lúcida e claramente expressos, são merecedores da total conjugação de esforços e sacrifícios de todo o País. Parecia-me, no entanto, que o País devia ter um mais completo e detalhado conhecimento de quanto se pretende fazer; é verdade que a imprensa e a rádio, e até a televisão, a cujo esforço e leal colaboração presto neste lugar as melhores e mais sincera 3 homenagens, têm desenvolvido grande n proveitosa actividade nesse sentido, mas não é menos verdade que não existe uma publicação suficientemente económica e de cuidada e fácil receptividade que possa difundir-se por todo o território português, de aquém e de além-mar, levando a cada um e a todos o conhecimento exacto da sua missão, do que se lhe exige em favor de si próprio, em favor da sua família, em favor da comunidade, em favor da sua pátria.
Parecia-me de urgência que se explicasse o que se pretende nesta política de fomento, à qual se chama todo o País, para que sobre todo o País incidam as suas resultantes.
Quando uma empresa, comercial ou industrial, seja qual for a sua capacidade ou possibilidades de acção, pretende algo de maior que ultrapassa a normalidade, reúne os seus responsáreis, estuda, estabelece planos e, antes de se lançar no empreendimento, para uma mais eficaz actuação, para maior segurança, difunde a ideia, concretiza objectivos, define posições, distribui responsabilidades, transforma, tanto quanto possível, indiferentes em colaborantes.
O empreendimento em que o País se vai lançar necessita de todos os portugueses. Agora, mais do que nunca, é acertado lembarmo-nos da frase já tão citada: todos nào somos de mais. Mas, quando digo «todos», quero abarcar toda a família lusitana, todos quantos se orgulham de ter nascido neste torrão bendito, que nenhum bom português renega.
O esclarecimento, a divulgação, o conhecimento exacto da verdade, não deve ser fornecido só nos momentos que se consideram críticos, com a finalidade de se obter este ou aquele êxito, pela acção imediata; antes, sim, deve ser dado de forma permanente, com continuidade, como pressuposto de solidariedade, de modo que possa vencer convencendo.
O bom senso e até a humanidade que dimanam de certas leis, despachos e determinações, na maior parte dos casos tão bem estruturados e aceites, mas muitas vezes pessimamente executados, quando o são, exactamente por quem mais razões e conveniência linha para cumprir; a inactividade de muitos, por norma daqueles que se habituaram a assistir, comodamente instalados, no trabalho extenuante dos que lutam por amor e devoção a um ideal; a passividade ou a indiferença de outros que, mantendo-se na expectativa, aguardam o desenrolar dos acontecimentos, não são atitudes que se coadunem com as horas de trabalho, de sacrifício, de luta, que se aproximam o que temos de viver.
O País quer desenvolver-se. O País deve desenvolver-se. Pois que se leve a todo o mundo português a grandiosidade da política de fomente que o valorizará.
São distribuídos com suficiente abundância e gratuitamente tantos relatórios, planeamentos de actividades e brochuras semelhantes, cuja leitura tenho fortes dúvidas de que seja por muitos sequer iniciada, que me atrevo a pensar se não seria mais útil e com forte reflexo político a publicação a que me refiro. Não, se conseguiria deste modo uma mais perfeita noção da responsabilidade de cada um pela sua actuação perante o todo?
Já por mais de uma vez nesta Assembleia ouvi vozes autorizadas lamentarem que e País não disponha, de maiores oportunidades, para o integral conhecimento do que aqui se passa. Recordo-me de sobre este mesmo assunto ter ouvido os ilustres Deputados Cancella de Abreu, Melo Machado, Dias Rosas e Aires Martins.
A tão autorizadas, e respeitáveis vozes junto a minha, e faço-o porque me parecia de boa política nacional que toda a população, a que por vezes outros recorrem com intenções, bem menos construtivas, agitando paixões pelo uso de processes, condenáveis e condenados, sem curar de saber se as promessas feitas

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(...) são fáceis, difíceis ou impossíveis de concretizar, mas sempre excessivamente simples de formular, parecia-me de boa política, repito, que todos soubessem v se compenetrassem, pela leitura * consequente troca de impressões, de que o II Plano de Fomento só pode ser - e será, disso estou certo - uma realidade muito para além dos objectivos que se prevêem, mercê dos esforços de todos os portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: ao longo de todo o exaustivo trabalho que nos foi presente, e que demonstra à saciedade um labor e uma seriedade dignos de todos os louvores, verifica-se com exuberância a unanimidade de opiniões ao incluírem no conceito de recursos produtivos a valorização do potencial humano, considerado como indispensável numa sã política de fomento nacional. Lógico é, pois, o princípio aceite da intensificação da investigação cientifica e do ensino técnico.
É, de facto, verdadeiramente alarmante a falta de técnicos e de investigadores, mas o fenómeno encontra-se equacionado e em vias de possível resolução. O parecer da Câmara Corporativa analisa o problema com superior critério e o Deputado Sr. Dr. Dias Rosas, em esclarecida e desassombrada intervenção, apontou um dos pontos basilares para a sua resolução: revisão das remunerações.
A inclusão da rubrica «Investigarão científica» neste II Plano de Fomento é um facto, e creio que não faltarão vocações nem capacidades para o requerido, reconquistando algum do tempo que se perdeu, não obstante a modéstia da verba consignada para esse fim. Chamo-lhe «modesta verba» porque a própria Câmara Corporativa afirma que a investigação aplicada paga largamente todo o dinheiro nela investido. Neste ponto, por conseguinte, estamos todos de acordo, e parece-me ouvir ainda as palavras proferidas pelo ilustre Deputado Melo Machado: «... a investigação científica é, mais que nunca a pedra angular de todo o progresso».
A rubrica diz respeito igualmente ao ensino técnico, e já na magistral exposição apresentada no Conselho Económico em Dezembro de 1956 pelo ilustre Prof. Doutor Marcelo Caetano, então Ministro da Presidência, se afirmou:

A preocupaçào de conseguir que os efeitos do Plano se sintam a curto prazo é natural quando se encaram certas deficiências ou certos atrasos graves na economia portuguesa.
Estão neste caso muitos dos chamados investimentos de base, aos quais se devem juntar os que há a fazer em matéria de investigação científica e de ensino técnico, factores essenciais de sério e perdurável progresso económico.

Mas não é tudo, e não resisto à leitura de algumas linhas do relatório final preparatório, no capítulo referente às indústrias transformadoras:

Após o que acaba de se dizer sobre dimensão média da empresa, equipamento, tecnologia industrial, investigarão aplicada, quadros de técnicos superiores, mão-de-obra e abastecimento de matérias-primas torna-se lógica a conclusão de que a produtividade não pode deixar de ser baixa na indústria transformadora nacional.

Página a página, quase linha por linha, se insiste na necessidade de mão-de-obra qualificada. Porém, numa nítida manifestação de receio pela rápida modernização da técnica e da organizarão científica do trabalho, igualmente se pondera que a introdução de tais processos terá de ser sempre cautelosa, para se não provocarem graves problemas de absorção de mão-de-obra libertada.
E manifesta a inquietação que a mão-de-obra não possua a necessária maleabilidade para pronta adaptação, com um índice mediano do qualidade, à evolução da técnica.
Eis por que rejubilei, Senhores Deputados, ao constatar que neste ponto, como certamente em muitos outros, há perfeita coerência entre as ilações obtidas a partir dos estudos feitos, os objectivos previstos e o que já se está fazendo. Ainda não passaram muitos dias que o Sr: Ministro da Educarão Nacional esclareceu:

É evidente que a visão parcelar do trabalho prejudica a preparação integral do homem, fim principal da escola.
Não pode, por isso, o ensino técnico limitar-se a uma preparação para o exercício de determinadas actividades profissionais, sempre que, em face da automação e da automatização da produção, elas se possam reduzir a uma repetição de gestos. O ensino técnico visa a formação do homem, e não a formaçào de autómatos. Os seus alunos nunca poderão vir a ser reduzidos a órgãos mecânicos.

Pretende-se, portanto, o desenvolvimento da inteligência, o alargamento da cultura, o aperfeiçoamento da técnica e uma maior adaptabilidade á sua evolução.
No projecto governamental augura-se que de ano para ano se verificará na frequência das escolas técnicas profissionais considerável aumento de volume, num ritmo tal que se torna possível prever, dentro de poucos anos, a duplicação dos números actuais.
Acrescenta-se depois, como razão justificativa do tal afluência:

... visto que a grande massa dos jovens com possibilidades de adquirir preparação escolar para além da instrução primária ingressa nos estabelecimentos de ensino profissional, aqueles que lhes proporcionam preparação rápida e imediata para a luta pela vida.

informando-nos, finalmente, da opinião do Governo:

... só há que estimular esta procura, cada vez maior, da preparação técnica dos jovens portugueses, porque ela vem ao encontro das necessidades da Nação, tão carecida de técnicos competentes.

Quanto à teoria, exposta, nada a opor. Quanto às realidades, parecem-me oportunas algumas observações no momento em que se debate o Plano de Fomento.
A frequência das escolas técnicas elementares - com exclusão das escolas agrícolas (e o parecer subsidiário da subsecção de Ensino da Câmara Corporativa e o relatório final do Plano lamentam que a frequência das escolas práticas de agricultura seja, aproximadamente, um décimo do que era desejável) - foi:

Alunos
1954-1955................................36 215
1955-1956................................41 486
1956-1957................................47 998

ou sejam mais 5271 alunos entre 1954-1955 e 1955-1956 e mais 6512 alunos entre 1955-1956 e 1956-1957; e podemos ficar certos de que esta tendência se manteve no ano corrente e que este aumento de frequência se manterá, até porque o Governo pretende, com a maior justiça, estimular a procura, cada vez maior, da preparação técnica dos jovens portugueses, entendendo-se ainda que este ramo de ensino proporciona prepararão rápida, imediata e eficiente para a luta pela vida. Mas ... no que ao estímulo se refere, não vejo realmente onde ele esteja.

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Admiti que esse estímulo esteja no espírito do Governo, pois encontra-se no plano bem explícito.

... a verdade é que o ramo do ensino técnico exerce acção preponderante sobre a qualificação da mão-de-obra e sobre a capacidade profissional do trabalho da condução técnica e de direcção administrativa; o ensino técnico é o que se reflecte imediatamente na produtividade, contribuindo de modo directo para preparar e adestrar o trabalho nacional para as tarefam produtivas basilares.
Quer pela população escolar que o frequenta, quer pela natureza das suas disciplinas e dos seus cursos, quer pela feição teórico-prática dos métodos pedagógicos, este ramo de ensino é aquele que em Portugal se encontra directamente orientado para o exercício das actividades comerciais, industriais e agrícolas.

Sobre este ponto é extenso o parecer subsidiário da secção de Interesses de ordem cultural da Câmara Corporativa, merecendo a nossa inteira concordância, e eu direi uma palavra mais: julgo essencial que, para além do que se afirma, se actue, sem demora, alterando ou revogando a legislarão e dando, abertamente, como, aliás, se preconiza, preferência absoluta aos diplomados pelos cursos técnicos profissionais para todos os lugares para os quais se encontrem legal e devidamente habilitados.
Evitar-se-ão situações injustas e até ilógicas, que roçam por vezes o ridículo; uma delas foi leal e corajosamente apontada pelo Prof. Pires de Lima, quando Ministro da Educação Nacional. Permitam-se VV. Exas. que a relate: para o lugar de electricista do Ministério da Educação Nacional - Ministério que havia criado os cursos de formação de montador electricista e complementar de aprendizagem de electricista - exigia a lei, expressamente, que os candidatos concorrentes possuíssem como habilitação literária o 2.º ciclo liceal, e neste caso nào figuravam no texto legal as palavras «ou equivalente». Resultados positivos: os candidatos preparados com uma habilitarão específica ficavam impedidos de concorrer, em benefício dos habilitados com o 2.º ciclo liceal e com presumível prejuízo dos serviços. Importa, esclarecer ainda que o concurso era simplesmente documental.
O parecer subsidiário da subsecção de Ensino da Câmara. Corporativa, dá-nos outro exemplo igualmente esclarecedor e elucidativo, e por todos os serviços do Estado, autarquias locais, organismos de coordenarão económica, etc., quantas e quantas situações semelhantes não estarão a necessitar de uma revisão neste sentido!
Julgo meu dever salientar que não sou de opinião que se impeça o acesso dos diplomados com o 2.º ciclo liceal aos quadros do Estado, pois são muitos, muitíssimos talvez, os que não prosseguem estudos por carência de possibilidades materiais, mas estou absolutamente certo de que são muitíssimos mais os que são encaminhados para o curso liceal única e simplesmente para os dotar com a cultura que o 2.º ciclo lhes fornece e aproveitarem a possibilidade, que a lei tão amplamente lhes concede, de concorrerem, na altura própria, aos quadros do Estado.
Este enorme potencial de mão-de-obra, pela sua reduzida adaptabilidade, por força da sua preparação, acabará por ser um peso excessivo, com exígua ou nula, productividade, e arrisca-se a um clima de aparente injustiça difícil de corrigir.
Quem terá a culpa de que assim seja?
Quando se entender - e não julgo ser necessária muita coragem para isso - que o curso liceal, seja qual for o número de ciclos em que se encontre dividido, e terminando cada ciclo no ano que for julgado mais conveniente, tem uma finalidade própria - a formação pré-universitária; quando se legislar no sentido de conduzir o aluno que frequenta o curso liceal para o único caminho para que o deve preparar: prosseguimento de estudos: quando se estimular - realmente - o ensino técnico profissional; então concordarei com as ponderadas palavras insertas no já citado parecer subsidiário da subsecção de Ensino da Câmara Corporativa:

... a verba de 190 000 contos destinada à edificação de dezasseis novos liceus, neste momento e em face das necessidades imediatas do País, seria eventualmente mais bem aplicada no alargamento do sector do plano que no ensino técnico respeita.

Anotarei simplesmente que essa verba não seria totalmente desviada, mas sê-lo-ia na sua maior parte, deixando-se ao superior critério dos sectores competentes a sua distribuição de acordo com as necessidades, e algumas há bem prementes na edificação de liceus. Estas acentuar-se-iam no ensino técnico, com imediato reflexo na frequência do ensino liceal.
A veracidade destas afirmações constata-se pela analiso da estatística da educação, que nos demonstra que no número total de alunos que frequentam o ensino liceal como internos e que nessa qualidade se apresentam para prestar provas de exame do 2.º ciclo raramente se matriculam 50 por cento dos aprovados como alunos do 3.º ciclo, enquanto a quase totalidade dos aprovados no 3.º ciclo prossegue estudos nas Universidades. Aceitando como elevada a percentagem de alunos que vão prosseguir estudos noutros cursos após a conclusão do 2.º ciclo, v. g. nas escolas de magistério primário, demasiado elevada será ainda a percentagem dos que pretenderam apenas a aprovação nos exames do 2.º ciclo liceal.
Conclusão:
a) Atribua-se ao ensino liceal a sua função primordial, que não é necessário encarecer, dada a sua transcendente e indiscutível importância: a preparação pré-universitária ;
b) Atribua-se ao ensino técnico a sua fundão específica de fornecer mão-de-obra qualificada e eficiente, pela valorização dos seus diplomados, que dispõem igualmente de possibilidades de ingressar na Universidade Técnica, através da articulação de estudes já existentes.

Porque o tempo é limitado, e para não fatigar demasiado a Câmara, passo a analisar rapidamente outro ponto que considero fundamental para o prosseguimento da actual política de fomento e reorganização industrial.
Diz-se no relatório que suma nação tem o nível de vida que lhe é permitido pela aptidão técnica da sua população trabalhadora», e, porque concordo, pergunto: como será possível aumentar a aptidão técnica da população sem os técnicos necessários (professores e mestres) para que processe eficientemente o ensino? Que medidas foram tomadas para atrair estes técnicos ao desempenho de tão importante missão? O Decreto-Lei n.º 37 029 (Estatuto do Ensino Técnico) e outros de publicarão posterior têm, na generalidade, como fim único, aliás digno dos maiores louvores, a dignificação do ensino, a elevação do nível cultural dos seus alunos, a continuidade da acção docente, descurando-se - acredito que por dificuldades financeiras - a situação do pessoal docente, especialmente do pessoal de carácter eventual. Não olhar carinhosamente para uma

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(...) classe sem a qual não poderá haver ensino técnico em extensão, como é exigível, é querer construir um edifício sem lhe atribuir alicerces, ainda que «provisórios».
A este assunto me referi em intervenção que efectuei em Janeiro passado, pelo que me abstenho de novas considerações. De resto, este problema foi já debatido, e com superior visão, pelo Sr. Deputado Melo Machado, na sua intervenção de S do corrente mês de Outubro. Se se não analisar o problema em profundidade e se não se lhe aplicarem rápidas e eficazes medidas, corre-se o risco de assistir ao desmoronar do sistema educativo que tão eficiente e proficientemente vem sendo erigido em Portugal, do qual se esperam tão largos resultados e ao qual se atribuem tão amplas responsabilidades. Aguardo, confiadamente, no justo critério do Governo.
Afirmei, ao iniciar estas minhas considerações, o continuo, que o projecto do Plano de Fomento era grandioso. Choca-nos, no entanto, não ter sido dotado com verba especial, e necessariamente vultosa, em face das realidades, o plano rodoviário. Já neste debate ouvi repetidas vezes que a rede do estradas nacionais atingiu um ponto de crise, solicitando urgentemente quo se reveja o problema. Do facto, bastar-nos-iam as múltiplas e insistentes intervenções que sobre a rede rodoviária nesta Assembleia têm sido feitas por tantos Srs. Debutados para se aquilatar da urgência e da amplitude da revisão de dotações que o plano rodoviário, aprovado pela Lei n.º 2008, e em plena execução, parece exigir.
Afirma-se em grandes títulos, prova-se que assim é, e ninguém se lembra de contestar, que o turismo entre nós é uma indústria que se ergue, com mais ou menos dificuldades, mas apresentando índices do contínuo e constante crescimento. Os últimos anos forneceram resultados muito apreciáveis, e o dinâmico secretário nacional da Informaçào, Sr. Dr. César Moreira Baptista, não tem hesitado, com admirável visão, em promover e facilitar, mais e mais, essa enorme fonte de riqueza que é o turismo.
Nào há dúvida de que foi o S. N . I. o organismo que se lembrou de que o turismo podia constituir uma indústria rica, verdadeiramente nacional, e até então mal explorada.
Foi o S. N. I. quem lhe guiou os primeiros passos e o impulsionou; é ainda o S. N. I., já sob a direcção do actual secretário nacional, que inicia, uma campanha enérgica para resolução do problema hoteleiro e para remodelar, com bases atractivas, as condições turísticas da nossa terra.
Hoje nào são só os estrangeiros que procuram conhecer o nosso país, são os nativos deste belo e, pouco conhecido rincão que se envergonham de ir ao estrangeiro sem o ter visitado de lés a lés. Os Alentejanos querem ver, e apreciam, a alegria, escaldante das feiras, do Minho, querem viver e gozar as delirias do vale do Vouga, querem sentir-se pequeninos perante as serranias agrestes de Trás-os-Montes, do mesmo modo que os alegres o saltitantes Minhotos vão ouvir, admirados, as dolentes, nostálgicas e sentidas sanções do folclore alentejano. Isto é turismo, isto é a vida, isto é riqueza que circula.
Contudo, se a nossa rede de estradas não só adensa, se não se reparam e conservam as que já existem, se não se equacionam e resolvem os problemas em conjunto, para que impulsionar o turismo?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nào se deixe recuar, um só passo, o que se considera, com tanta justiça, uma das indústrias com mais possibilidades do nosso país, quando se fomenta a reorganizarão industrial.
Atente-se, por outro lado, em que se considera a actividade transportadora e o serviço de comunicações como estrutura indispensável ao desenvolvimento económico, considerando-se como fundamental a rede ferroviária.
As verbas consignadas no projecto para transportes ferroviários destinam-se: à electrificação do troço Entroncamento-Porto; material Diesel: reapetrechamento de oficinas, material circulante, sinalização e telecomunicações ; conservaçào da via e das pontes.
O parecer da Câmara Corporativa admita a escassez da verba para a última rubrica, explanando-se em justas e muito oportunas considerações. No entanto, uma grande verdade se impõe: no continente só 12,5 por cento do total das freguesias, englobando 35 por cento da população continental, se encontram a distâncias iguais ou inferiores a l km da mais próxima estação do caminho de ferro; 36 por cento das freguesias do continente com 30,6 por cento da população, estão distanciadas do caminho de ferro mais de 1 km e menos de 10 km; finalmente, 51,4 por cento das freguesias, com uma população de 34,4 por cento do total, encontram-se a mais de 10 km da rede ferroviária.
Para maior realce, devo esclarecer que para tão elevada, percentagem de 35 por cento da população se encontrar a 1 km ou a menor distância do caminho de ferro concorre o facto de as cidades de Lisboa, Porto, Setúbal e Évora serem servidas directamente pelo caminho de ferro e aglomerarem cerca de [...] da população continental.
Acrescentarei ainda que as redes ferroviária e rodoviária (com inclusão das estradas municipais) cresceram do seguinte modo:

(ver tabela na imagem)

as densidades ferroviária e rodoviária nos mesmos anos eram como segue:

(ver tabela na imagem)

Observa-se, assim, que entre 1930 e 1955 a rede ferroviária aumentou de 181 km. mantendo, praticamente, de 1940 a 1955 uma densidade ferroviária fixa.
O desenvolvimento da rede rodoviária como factor de correcção da ferroviária apresenta-se, de certa maneira, animador, mas, aceitando que não está previsto o acréscimo da infra-estrutura ferroviária, nào só porque problemas como o da electrificação e modernização do material são demasiado absorventes o dispendiosos, como também porque a capacidade do produtividade da rede ferroviária, está longo de atingir a saturação, pareço comprovada a necessidade de rever e reforçar

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com as verbas consideradas bastantes o plano rodoviário.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Se o desenvolvimento dos transportes e das comunicações se não processar paralelamente ao desenvolvimento económico, aquele actuará como travão, impedindo a expansão e o progresso do todos os outros sectores da economia nacional.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Uma palavra ainda sobre a incidência da, localizarão das indústrias nas economias regionais. Não me alongarei no assunto, especialmente porque n pós o profundo estudo apresentado pelo brilhante economista Sr. Deputado Araújo Correia, nada poderia acrescentar.
É bem patente a tendência de localizar a média o grande indústria do litoral -mormente no trajecto Lisboa-Porto-, com manifesto prejuízo da vida política e social das regiões do interior. Se se não tomarem medidas adequadas que incentivem, facilitem e fomentem a instalação de novas indústrias e o desenvolvimento das já existentes nas regiões do interior do País, continua remos a assistir ao êxodo das populações para os grandes centros.
São demasiado conhecidos os enormes inconvenientes económicos e sociais da concentração industrial nas grandes cidades, que provocam, -e cada vez mais insistentemente- maior afluxo de mão-de-obra. Tal tendência deveria ser contrariada, e não facilitada, promovendo a sua localizarão do molde a que o desenvolvimento do País constituísse um lodo harmonioso, que abrangesse, nas devidas proporções, a totalidade do território nacional.
Sr. Presidente: o facto de haver um ou outro ponto sobre que mais incide o debate em curso ou que merece reparos não tira ao Governo o altíssimo mérito que lho cabe tão justamente pula elaborarão da proposta de lei n.º 8, à qual na generalidade dou a minha aprovação.
Confio inteiramente que os benefícios, cuja equitativa distribuição se prevê por todos os sectores da vida portuguesa, os levará a uniram-se à volta do Chefe da Revolução Nacional e a trabalharem devotadamente, como ele o tem feito, por um Portugal cada vez maior.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. António de Lacerda: - Sr. Presidente: lançando este II Plano de Fomento, pretende o Governo continuar de uma fornia efectiva a política de substancial auxilio ao desenvolvimento do País, através de uma rasgada base de largos investimentos.
Concretamente, como refere no projecto em relação à agricultura, «... aumentar e melhorar a produção até aos limites do abastecimento do mercado interno e das possibilidades de exportação - sobretudo de cereais, produtos hortícolas e florestais, frutas, carnes e lacticínios - e corrigir a repartição do rendimento agrícola».
Desenham-se, portanto, amplas perspectivas, que, embora não possam ser atingidas, em pleno, na vigência deste II Plano de Fomento, vão permitir de facto um acentuado incremento do produto nacional e um aumento sensível do nível de vida e de emprego de grande parte dos portugueses.
Enquanto no I Plano, que agora termina, a agricultura quase só era beneficiada indirectamente, neste vão ser investidos cerca de 3 000 000 de contos em fomento agrícola e 840 000 contos em viação rural.
Aquela quantia, certamente muito avultada e em escala muito fora do habitual, quando se fala em planos ligados à agricultura, essa agricultura que foi sempre a eterna desprotegida e que até agora tem sido a primeira fonte da nossa riqueza aquela quantia -dizia - não é, infelizmente, tão grande quanto se desejaria. Há muitos pontos que desde já se pretendia fossem dotados e não o são e outros são-no com verbas muito reduzidas em relação às necessidades que se notam.
De qualquer forma, é de elementar justiça pôr em relevo, agradecidamente, o facto de por efeito de uma séria e segura administrarão, ter sido possível planear com segurança uma série de investimentos, que orçam pelos 30 000 000 de contos, no nosso país.
A província do Minho é caracterizada por uma elevada densidade populacional que trabalha um solo retalhadissimo. Nesta província há, para uma população activa de 529 020 pessoas, 321 500 que trabalham na agricultura. À área média de metade das explorações agrícolas não excede lha e um terço somente tem áreas compreendidas ente lha e 5ha. São, portanto, em sua grande parte, explorações agrícolas imperfeitas, que obrigam os seus empresários a procurar noutra actividade complementar, dentro ou fora da agricultura, quando podem, o indispensável para o seu sustento e dos seus. Leva isto, também, a tremendas situações de subemprego, de tal forma que o nível de vida de grande massa da- população agrícola minhota é modestíssimo.
Com reduzida educação geral com um nível de instrução técnica muito baixo, num meio agrícola difícil de elevar, sem que sejam amplamente modificadas as condições de trabalho na agricultura, o rural minhoto dificilmente progride.
O progresso agrícola dessa região tem, quanto a mim de se basear em duas constantes, que tudo devem impulsionar: por um lado, uma educação e instrução técnica muito difundidas e elevadas; por outro, tinia estrutura agrária que permita o pleno emprego, em boas condições, aos agricultores.
Em íntima correlação com estes aspectos basilares em que tem de assentar o progresso agrícola há todos aqueles que se ligam às cansas indirectas, exteriores à própria agricultura, mas que são factores estimulantes dessa actividade. Entre eles situa-se a industrialização, como factor preponderante, por toda a riqueza que cria pelos estímulos que desperta, pelos mercados que abre e até pelo êxodo que provoca. Se de início o êxodo rural é uma causa de perturbações para uma agricultura que se desenvolveu e vive num ambiente de abundante e fácil mão-de-obra, em seguida, depois de um normal ajustamento, que obriga a um aperfeiçoamento de métodos, é factor de progresso - e assim tem de ser tomado.
O II Plano de Fomento, agora em análise, poderá influenciar decididamente o progresso da agricultura da minha região e dar uma contribuição firme ao melhoramento rios condições de vida da sua população? Honestamente o devo confessar: creio que nele somente só podem antever, em futuro próximo, pequenos benefícios em relação ao muito do que ela necessita.
Os três investimentos-base são:

Hidráulica agrícola.
Povoamento florestal.
Reorganização agrária.

Quanto à hidráulica agrícola, em que vão ser investidos l 057 000 contos, só ao Minho poderão caber, na melhor das hipóteses, grande parte dos 30 000 contos para melhoramentos dos antigos regadios colectivos, o

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que é muito pouco um face das inúmeras obras quo podem e devem ser levadas a efeito. E há todas obras de irrigarão possíveis para aproveitamento de águas improdutivas de rios e ribeiros que calmamente vão cantando as suas mágoas e a sua infecundidade caminho do mar ...
Antevê-se também a hipótese da deslocação de algumas famílias de agricultores, habituados ao trabalho das zonas de agricultura intensiva, do Norte para o Sul, indo fixar-se em partes do Alentejo que venham a ser irrigadas. Parece-me esta hipótese bastante remota e um tanto improvável, a menos que só modifique muito a psicologia do agricultor das minhas terras ou que nessas regiões as futuras explorações agrícolas venham a ser estabelecidas em esplêndidas condições técnicas e económicas. Emigra o rural minhoto com facilidade, para dar à família que deixa, ou tenciona fundar, melhores condições de vida do que as que teve. Só abandona tudo de vez com a certeza de poder suprir largamente à sua vida e dos seus e até pagar a saudade da terra que deixa de ser sua, pois vai lá longe regar e fertilizar com o seu suor e trabalho a terra que virá a ser a dos seus filhos e dos seus netos.
O povoamento florestal não afecta efectivamente em data próxima o viver das populações daquelas zonas em que ele se implanta, embora, pelos salários que muitos recebem, pelas vias de comunicações que abre, pulo aumento de comércio que estimula, seja na realidade um factor de auxílio da sua vida.
Há zonas de melhores terras em que ainda se poderão aumentar, e muito, as pastagens de altitude, permitindo que aí sejam apascentados os gados dos povos das regiões, se quando esses pastos vierem a existir houver ainda nessas aldeias de montanha homens e gados.
A reorganização agrária é certamente um ponto que interessa sobremaneira à minha região.
Tanto o relatório final preparatório da secção de agricultura, estudo notável que todo? aqueles que neste país se dedicam à profissão agrícola deveriam conhecer e que representa um trabalho sério e objectivo de um grupo de notáveis técnicos profundamente conhecedores da nossa realidade agrícola, com os magníficos pareceres da Câmara Corporativa e projecto do Plano, dão ao problema da reorganização o merecido relevo.
Se em todas as regiões agrícolas portuguesas a reorganização da estrutura agrária tem interesse, quero destacar, de uma forma particular, a minha.
Por efeito de um lento e gradual processo de evolução, a que não puderam fugir os proprietários do Minho, com um condicionalismo ambiente que imprime características muito particulares, com uma densidade demográfica muito alta, com a ausência de leis naturais e humanas que obstassem si pulverização, foi esta levada a extremos, em algumas zonas, que criam tremendos problemas de subemprego.
Por outro lado, o amor ao torrão, o arreigado do rural minhoto ao local em que nasceu, a falta de outras actividades nas quais pudesse colocar os dinheiros que no estrangeiro os emigrantes vão amealhando e poupando, com grandes privações e sacrifícios, ou que economizava nos modestos gastos do seu dia a dia, fizeram que se passasse do único cultivo das terras com boas aptidões culturais para as outras que, encosta acima, ia roubando, com prodígios de esforço e sem olhar para o trabalho, à bouça ou à floresta.
E, assim, hoje parte das explorações agrícolas do Minho, se assim a muitas delas se pode chamar, são pequenas mantas de retalhos, com reduzida viabilidade económica, se atendermos à crescente necessidade de incrementar o seu rendimento.
Por estas razões, e mais aquelas que os magnífico; relatórios preparatórios e pareceres mencionam, julgamos inteiramente de apoiar tudo aquilo que no Plano se propõe para emparcelamento da propriedade, lamentando somente que não seja possível dotar este capítulo com verbas mais avultadas.
Desejo, porém, declarar que, considerando útil caminhar-se com prudência na- elaboração das leis, dos projectos, etc., adio que se deve andar rapidamente, com decisão e energicamente, com aquela energia que sentem as pessoas que têm a certeza de estar dentro da razão, razão essa que de início nem sempre lhes é dada.
O mesmo entendo em relação ao parcelamento da propriedade, sobretudo daquela que não cumpre devidamente a fundão social e económica que lhe compete.
No já aludido relatório final preparatório fala-se também, embora muito ligeiramente, no arrendamento rústico. Já nesta alta tribuna tive a honra de abordar esse problema, dizendo que julgava indispensável o estudo e promulgação de legislação que obrigue ao estabelecimento, em todos os casos, de justos contratos de arrendamento.
No Plano de Fomento não há, porém, nenhuma referência ao assunto, o que reputo uma grande, uma enorme falta.
Não ha dúvida de que um muitos casos as rendas vão além do que é razoável, em face da actual produção obtida da terra e desde que se atenda- a uma devida remuneração do trabalho e dos capitais do rendeiro. É fora de dúvida que arrendamentos por períodos muito curtos, arrendamentos de um ano, servem mal o proprietário e o caseiro e não incentivam um racional e útil aproveitamento, nem permitem que se estabeleçam rotações convenientes.
A não existência de estabilidade contratual, a abundância de mão-de-obra e a procura de terra para arrendar que se verificou e em alguns casos ainda se verifica, um como que leilão particular das rendas, leva muitos rendeiros a jogarem na lotaria da agricultura- e muitos proprietários, alguns deles sem talvez se aperceberem do feio pecado que cometem, a receberem valores excessivos pela terra que possuem e não terem nenhuma interferência construtiva na condução da explorarão agrícola.
Ligada a esses factos e a uma proverbial falta de iniciativa há a consequente procura de terras para compra por muitos que só pretendem a colocação dos seus dinheiros em empresa que reputam segura. A terra atingiu, assim, valores venais que estão muito acima daqueles que se obteriam pela sua real capacidade produtiva.
Os assuntos de reorganização agrária, nomeadamente os que respeitam ao emparcelamento da propriedade, vão ser decididamente encarados. Temos esperança de que no Minho comecem o mais rapidamente possível os estudos, a propaganda, a preparação psicológica das populações rurais para receberem, em bom espírito, as medidas que for necessário aplicar, o que só por si será útil para a modificação de uma mentalidade que até agora tem sido sempre alcunhada de puramente individualista.
A economia de quase auto-suficiência em que até aqui têm vivido os agricultores, a base dos seus conhecimentos, firmada substancialmente na prática e observação das gerações que os precederam no cultivo do agro, os horizontes restritos dos seus anseios e até das suas possibilidades, produziram essa mentalidade.
Com a reorganização agrária, com a alteração da estrutura da exploração e como ponto fundamental que há-de permitir que ela venha, a ser nina realidade compreendida e desejada tenho como fundamental, con-

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forme já disso, a educação e a instrução técnica, que hão-de também alterar beneficamente essa acanhada mentalidade.
O Governo, em atitude que todos temos obrigação de louvar, tem nos últimos anos feito um grande esforço no sentido de levai a instrução e a educação ás novas gerações. Sente-se uma preocuparão crescente de educar através dos discursos do Ministro e Subsecretário da Educação e na acção dos reitores e professores dos estabelecimentos de ensino, mas este grande magistério deve ser ampliado à totalidade dos sectores da vida portuguesa.
Educar e esclarecer o povo, missão altíssima que a todos compete, cada um na sua vida e na sua esfera de acção, tem que ser missão de todos nós.
Em todos os sectores é necessário educar. Na agricultura isso aparece como fundamental, pois o empresário, o encarregado, o trabalhador agrícola, para ser bom ,no seu ofício, não pode trabalhar como máquina, tem a todos os momentos que ter as atitudes livres do homem que conhece o assunto e tem consciência do seu dever e da forma como devo actuar. O espírito de iniciativa, a ânsia de melhoramento, o posto de produzir e apresentar bons produtos, o conhecimento e compreensão das dificuldades e das realidades, são fundamentalmente produto de educação.
O trabalho agrícola, sendo quase sempre um trabalho pesado, bastante diferente daquele, que pendam alguns pseudofolcloristas ou visitantes do campo, onde só vêem prazer e ouvem harmoniosas cantigas, é, contudo, um trabalho livre, que precisa de ser comandado por pessoas com uma educação segura.
Educação, educação actual, aliada a uma forte instrução técnica, silo condições basilares para triunfar na agricultura dos tempos de hoje, uma agricultura que na maior parte dos casos já deixou de ser absolutamente empírica, para se diferenciar em inúmeros ramos a que correspondem necessidades diferentes.
Sendo assim, e parece que não há dúvida de que assim é, urge aumentar as nossas possibilidades da instrução técnica agrícola, que no nosso país, ao contrário do que sucede na maior parte dos países europeus e já aconteceu mesmo em Portugal, está encaixada no Ministério da Educação Nacional, em vez de o fitar no da Agricultura. De facto, também agora, por pouco, não temos Ministério da Agricultura ...
Vão aumentar as escolas agrícolas elementares no País e as de regentes agrícolas serão completam ente remodeladas, mas quando olho para o mesmo quadro do projecto do Plano e vejo o que vai ser feito em relação ao ensino elementar e médio industrial e comercial não posso deixar de ficar com pena, por ainda não ter soado, estrepitosa, a hora da instrução agrícola.
Há que atender, porém, aos cursos complementares de aprendizagem agrícola, aos cursos elementares de aperfeiçoamento e aos cursos de formação a professar nas escolas praticas de agricultura, de que muito, muitíssimo há a esperar.
O Plano de Fomento não prevê, naturalmente, dotações especiais para este importantíssimo programa de instrução técnica. Faço votos somente por que esses cursos comecem a funcionar nas melhores condições e sejam criados no ritmo previsto, ou que este possa mesmo ser ultrapassado.
A instrução técnica é também base dos serviços de assistência técnica, divulgação ou extensão agrícola e trabalho que, ligado ao de educação, no mais lato sentido da palavra, compete aos técnicos desses serviços.
Foram eles o ano passado remodelados por uma oportuna e bem estruturada reforma que lhes abriu novos horizontes o deu melhores possibilidades.
Sr. Presidente: temos necessidade de elevar o nível de vida das populações rurais, precisamos de competir em produtos agrícolas ricos com o estrangeiro e para isso é indispensável que produzamos, pelo menos, tão bem e por menor ou igual preço.
Os salários devem aumentar; não podemos portanto basear-nos na mão-de-obra barata para conseguir produtos baratos. Isto só poderá vir a acontecer em virtude da melhor técnica, que aumentará a produtividade da terra, com uma melhor rentabilidade das explorações agrícolas.
A melhor técnica só se consegue cem uma investigação e experimentarão desenvolvidas e com uma divulgação e instrução agrícolas suficientes e eficientes.
Vou dar a seguir uma indicação, embora muito sucinta, do que no domínio da divulgação agrícola se passa em alguns países, e começo por assinalar o que acontece na Holanda. Os exemplos do estrangeiro, que também são apresentados nos pareceres da Câmara Corporativa, são, por vexes, bastante interessantes.
Claro está que não podemos comparar-nos agricolamente com a Holanda: temos condições diferentes de solo e clima; os homens são pouco parecidos. Mas não há dúvida de. que em alguns pontos temos de vir a ser concorrentes num dia, que já não virá longe, em que sejamos forçados, ou decididamente uniremos, para o mercado comum.
Tomo por exemplo um distrito agrícola holandês, o de Eindhoven, em que há uma acentuada policultura, com explorações familiares agrícolas médias de 10ha.
Para 8400 explorações agrícolas há 20 técnicos da assistência directamente em contacto com os agricultores, ligeiramente abaixo da média holandesa, que não chega bem às 400 explorações agrícolas por técnico. Para os apoiar e esclarecer há 11 especialistas, além do engenheiro agrónomo chefe dos serviços agrícolas do distrito, 3 engenheiros agrónomos adjuntos, 6 professores de escolas agrícolas, que nas férias prestam serviço na divulgação, e gerentes de explorações agrícolas controladas e pessoal administrativo.
Além deste pessoal que se dedica à agricultura, zootecnia, lacticínios, etc. - os servidos agrícolas englobam todas estas actividades da exploração, há aquele que trabalha na horticultura, com serviços diferenciados, também altamente dotados em pessoal e meios de trabalho.
Em Inglaterra há no campo l técnico por cada 1000 explorações agrícolas, na Áustria 1 por 600, na Alemanha l por 700, e em todos estes países aqueles que estão em contacto com os agricultores são apoiados por bastantes especialistas dos diferentes assuntos.
Na França têm, além das quintas-piloto, a que agora pela primeira vez se vai dar realidade entre nós, zonas--testemunhas, onde toda uma região é submetida a um completo programa de demonstração, e, mais recentemente, os foyers de progrès, freguesias ou concelhos que são «trabalhados» por um engenheiro agrícola, por um professor de agricultura e por uma assistente agrícola rural, formando uma equipa de trabalho.
Com estes países, entre outros, temos que competir. Estaremos a preparar-nos devidamente, para isso?
Só é possível progredir seguramente com uma investigação e experimentação - uma investigação aplicada agrícola que encontre remédio para os males e problemas presentes o rasgue caminhos seguros para o futuro.
No Plano reconhece-se a necessidade do apoio da investigação ao progresso agrícola, como não podia deixar de ser mas a dotação é muito pequena.
As nossas estações de investigação, as nossas estações e postos agrários, salvo uma ou outra excepção, estão nitidamente mal instalados e apetrechados.

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Em poucas há terrenos capazes, em área e localizarão, para uma experimentação e demonstração convenientes. Aos seus laboratórios faltam as condições requeridas.
É preciso reconhecer que os técnicos agrários só podem esclarecer devidamente os agricultores e ser os completos orientadores desde que experimentem e estudem nas condições que o meio lhes impõe.
Se assim não for, arriscamo-nos a que o lavrador descreia dos ensinamentos que lhes levamos; e eu falo à vontade, porque sou engenheiro agrónomo dos servidos agrícolas e tenho trabalhado sempre no campo como técnico e lavrador que me honro de ser.
Os técnicos de campo necessitam de um apoio eficaz dos homens da investigação aplicada, pois só assim podem desempenhar cabalmente a sua altíssima missão - para ajudarem ns lavradores a ajudar-se a eles próprios -, conforme consagrada expressão que pode servir de lema aos serviços de assistência técnica. Tem-se feito muito neste capítulo durante as últimas décadas - só os cegos podem deixar de o reconhecer -, mas é necessário muito mais, pois os tempos vão mudando e de todos os lados há uma insistente solicitação de- melhor.
Impõe-se, com urgência, a aprovação de um largo plano para instalação conveniente e apetrechamento dos nossos estabelecimentos oficiais agrícolas de investigação e experimentação, de forma a dar-lhes as possibilidades de que eles necessitam para um bom desempenho da sua missão.
Vou terminar estas ligeiras considerações, que fiz como apontamento sincero, com o desejo de ser útil.
Numa exploração agrícola há muitas formas de iniciar o processo da sua valorização.
Uns começam por arranjar as casas, os caminhos, as instalações, etc., e depois vão às obras de fundo, às obras reprodutivas: rega, drenagem, correcções do terreno, e só algumas vezes no fim, apercebendo-se das inúmeras dificuldades, vão solicitar o conselho, que não vai ser mais do que um remedeio.
Outros, ao contrário, comiam pelo princípio. Tratam de se instruir e de estudar as possibilidades reais da exploração. Depois pedem o conselho de quem os possa esclarecer e fazem o seu plano, o seu plano completo, iniciando-o, claro está pelas obras reprodutivas, peias obras- de base que permitirão depois dar condições aos trabalhos seguintes. E só finalmente quando a exploração estiver em franco desenvolvimento, pensam em alindar a casa, aumentar a eira ou a adega, arranjar os jardins ou os caminhos, além do indispensável.
Transplantando este caso da minha vida de todos os dias para o problema do País, chego à conclusão de que foi este último, sem dúvida, o caminho adoptado avisadamente em Portugal. São dele prova bastante o I e agora o II Plano de Fomento.
Houve, contudo, alguns desvios. Não nos pudemos, por vexes, furtar ao desejo de ir alindando a casa, além daquilo que, modestamente, poderia ser razoável. Mas, sobretudo tenho a impressão de que não se cuidou devidamente da educação, instrução e assistência técnica e da estrutura agraria, que têm de ser a base de todos os trabalhos, futuros.
Mesmo neste grandioso Plano creio que se conta demasiado com as possibilidades normais dos serviços e não se prevê em grande, em muito grande o ensino basilar a todos, os portugueses.
É meu voto que o Governo, executor do Plano o dentro das largas possibilidades que ele lhe concede, olhe com redobrada atenção para o problema da educação e da instrução e assistência técnica- agrícola, da investigação e experimentação através dos Ministérios competentes, pura que o nosso seguro desenvolvimento seja possível com o labor e dedicação consciente da grande massa da Nação a colaborar activa e decididamente no seu engrandecimento.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão de manhã e de tarde. A sessão da manhã começará às 10 horas, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Frederico Bagorro de Sequeira.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
José António Ferreira Barbosa.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Luís Fernandes.
Manuel Nunes Fernandes.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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