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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.º 63 ANO DE 1958 3 DE NOVEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N. 63, EM 31 DE OUTUBRO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mo Srs. José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Manuel José Archer Homem de Melo
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente. O Sr. Deputado Carlos Coelho- insistiu pelos elementos que requerera em 37 de Março do ano corrente.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate na generalidade sobre a proposta de lei relativa ao II Plano de Fomento.
Falaram as Srs. Deputados Trigo de Negreiros e Camilo de Mendonça, que, apresentou uma moção.
Seguiu-se a discussão na especialidade e votarão da proposta de lei, que foi aprovada com algumas emendas.
Por fim foram aprovadas duas moções: uma do Sr. Deputado José Sarmento, outra do Sr. Deputado Camilo de Mendonça e outros Srs. Deputados.
Foi aprovado um voto de confiança à Cominado de Legislação e Redacção para a elaboração do texto definitivo do II Plano de Fomento.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henrique Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
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Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
rnesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim Trigo de Negreiros.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Amapá de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Luís Fernandes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes doa Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Argel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 98 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De um grupo de professores primárias de freguesias do concelho de Aveiro a apoiar a intervenção do Sr. Deputado José Saraiva em defesa da classe dos professores primários.
De pais encarregados da educação de alunos de Letras do Norte a apoiar as considerações do Sr. Urgel Horta a pedir a reintegração da Faculdade de Letras na Universidade do Porto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho: - Sr. Presidente: na sessão do dia 27 de Março, do primeiro período legislativo da actual legislatura, requeri, ao abrigo das disposições legais e regimentais, que, pelo Ministério do Interior e através do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, me fossem facultados diversos elementos decorrentes das actividades daquele departamento assistencial.
Tendo colhido, num sector restrito do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, expressivas indicações sobre alguns aspectos da luta antituberculosa no País, desejava, apoiado em bases que me dessem uma ideia segura do conjunto, produzir neste lugar algumas considerações visando a um acréscimo dos meios de trabalho que permitissem ao Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos marcar novos e decisivos progressos na obra já realizada.
Reconheço que o volume e teor dos elementos contidos naquele meu requerimento importavam tarefa laboriosa e demorada. Julgo, no entanto, já ter decorrido o tempo necessário para que aquele trabalho pudesse realizar-se.
A sete meses de distância do pedido formulado, e, sobretudo, porque com a aproximação do fim do ano irá perdendo em oportunidade a possível intervenção' a efectuar, julgo pertinente e não posso perder o ensejo do último dia de trabalhos desta sessão extraordinária para pedir a V. Ex.ª, Sr. Presidente, se digne insistir pela remessa dos elementos, requeridos, como disse, no dia 27 do já bem distante mês de Março.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre o II Plano de Fomento. Tem a palavra o Sr. Deputado Trigo de Negreiros.
O Sr. Trigo de Negreiros: - Sr. Presidente: Deputado em cinco legislaturas, mas afastado dos trabalhos da Assembleia Nacional por virtude das funções que tenho sido chamado a desempenhar, subo pela primeira vez a esta tribuna de tão honrosas tradições - e que tantos Deputados têm prestigiado com as luzes do seu saber, o brilho da sua inteligência e o calor da sua palavra - para bordar algumas breves considerações sobre a proposta de lei submetida à nossa apreciação.
Antes, porém, peço vénia para saudar na pessoa de V. Ex.ª o homem público de razão esclarecida e pro-
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bidade inconcussa que preside com a mais absoluta imparcialidade e reconhecido espírito de justiça aos nossos trabalhos e que tanto tem contribuído para o prestígio da Assembleia. Nesse lugar, rodeado da estima e admiração de todos os Deputados, tem evidenciado as mais invulgares qualidades de prudência, bom senso, equilíbrio, firmeza e tacto pessoal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A tarefei de V. Ex.ª é sensivelmente facilitada pela acção do leader, o Sr. Deputado Dr. Mário de Figueiredo, que desempenha estas funções por direito de conquista e que enriquece os problemas discutidos nesta Casa com a clareza da sua inteligência e o ordenamento lógico do seu raciocínio.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Dr. Mário de Figueiredo foi meu mestre em Coimbra e é nesta Casa mestre de todos nós.
Para além das relações de professor e aluno, um traço comum de simpatia desde logo nos uniu - o sentimento de reacção contra a balbúrdia democrática.
Pertencemos ao «31 de Janeiro» da Revolução Nacional ...
O Sr. Carlos Moreira: - 31 de Janeiro? Não quererá V. Ex.ª dizer antes 18 de Abril?
O Orador: - ... porquanto já antes desta defendíamos os princípios que lhe estão na base, revolução a que para sempre ficou ligada a velha e prestigiosa. Universidade de Coimbra. É que não podemos esquecer que, se o movimento revolucionário eclodiu em Braga -«triunfante sem luta, glorioso sem sangue, porque na verdade a voz de comando foi apenas a expressão militar de uma ordem irresistível da Nação» -, foi o espírito de Coimbra, foram os homens que em Coimbra se formaram que verdadeiramente fizeram a Revolução, a legitimaram e a consolidaram. Sim, a Revolução de 28 de Maio, à semelhança de tantos outros actos revolucionários, estaria condenada a extinguir-se a prazo mais ou menos curto se Salazar não tivesse definido os seus princípios e, através de vigílias sem couta, velado pela sua projecção nos factos e na vida da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A Salazar ficámos devendo o triunfo da Revolução e o orgulho de participar na obra de ressurgimento nacional de que tem sido o primeiro obreiro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Hoje, como ontem, Salazar continua a dar-nos o exemplo de fé -«o nosso futuro não depende senão de nós, quer dizer, da visão que tivermos dos problemas nacionais e da nossa força de vontade para servir o interesse da Nação»; de confiança- «nós, o que prometemos? Nada, senão, partindo do muito que fizemos, realizar o muito mais que temos ainda que fazer»; de intransigência contra todos os que sacrifiquem, aos seus interesses e ambições, os interesses morais e materiais do País; de isenção e independência, pois, devendo à «Providência a graça de ser pobre» e não possuindo «bens que valham», jamais se enredou «na trama dos negócios ou em comprometedoras solidariedades».
Por isso, sem nunca «ter lisonjeado os homens e as massas, diante de quem tantos se curvam no mundo de hoje», conseguiu pela força dos seus méritos o privilégio do respeito dos homens de boa fé, nacionais e estrangeiros.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Assim, o prestígio de Salazar integrou-se de tal modo no nosso património moral que tentar diminuí-lo é concorrer para o empobrecimento da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: --Sr. Presidente: no desempenho das suas funções apreciou a Assembleia Nacional algumas propostas de lei em cuja preparação activamente colaborámos e exerceu ainda fiscalização política sobre actos nossos como membro do Governo.
A forma como sempre o fez -justa, objectiva e serena - deixou-nos a mais grata lembrança.
Entramos, pois, nesta Casa sem qualquer ressentimento, apertando a mão a todos os colegas com a mais sincera estima e admiração.
Não sei se as contingências da vida pública me obrigarão a afastar-me do ambiente desta Casa; porém, permitam VV. Ex.as que lhes diga que, se assim suceder, me afastarei com grande mágoa.
Por nosso lado, procurámos que tais propostas- assistência aos loucos, organização hospitalar, luta contra a tuberculose e contra as doenças contagiosas e outras -, quando convertidas em lei, não ficassem sepultadas nas páginas do Diário do Governo e antes fossem executadas com o espírito que presidira à sua elaboração e discussão.
O resultado está à vista de todos: as nossas taxas de mortalidade, que eram das mais altas da Europa, aproximaram-se das verificadas nos países mais progressivos, sendo, nos últimos anos, inferiores até às da França, Inglaterra e Bélgica.
Não parece ocioso lembrá-lo no limiar do II Plano de Fomento, pois, sendo o homem elemento central e predominante na sua execução, é incontroverso que, tendo saúde, poderá mais facilmente desempenhar as diversas tarefas nele previstas.
Sr. Presidente: para os Deputados a esta Assembleia só o interesse nacional conta. No entanto, também não podem desligar-se inteiramente dos interesses específicos do círculo que os elegeu, nem deixar de tomar a sua defesa, designadamente quando esse círculo coincide com a terra que lhes foi berço, com a pequena pátria a que estão presos pelas mais gratas e duradouras recordações da infância, pelas tradições familiares, pela lembrança dos vivos o pela saudade dos mortos.
Deputado pelo círculo de Bragança, não podemos esquecer que a terra que abrange e a gente que a habita é portuguesa desde o alvor da nacionalidade, que os seus castelos, baluartes fronteiriços, acusam cicatrizes de mil combates em ditosa da Pátria e que os seus filhos, na paz ou na guerra, procuraram sem pró honrar e prestigiar Portugal.
Distrito esquecido, por ser o mais afastado de Lisboa e do Poder e onde só nas últimas décadas se fez sentir a sua acção, em nenhum outro é mais íntima a comunhão do homem e da terra, mais áspero o clima e mais pobre o solo.
Mas à pobreza do solo e à dureza do clima ficaram os Transmontanos a dever, em grande parte, qualidades que não têm preço - tenacidade, firmeza de carácter, resistência, coragem s resignação. Saudáveis e fortes, não têm necessidade de ser violentos.
Por outro lado não voltando a cara ao perigo nem aos inimigos, julgam-se com direito a ser atacados de frente e a ser feridos no peito. Daí a sua indignação
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quando se sentem alvejados pelas costas, mormente quando as flechas envenenadas com maior ou menor dose de peçonha são lançadas a coberto do seu próprio acampamento.
Para compreender os Transmontanos é necessário ter um conta a sua luta milenária para resistir aos elementos: transformar o xisto em terra arável e erguer socalcos sobre socalcos para neles plantar a oliveira, a amendoeira e a vinha; é indispensável não esquecer a sua coragem e a resignação com que suportam as inclemências do tempo e as injustiças dos homens, sem que um só momento tenham descrido das grandes certezas: Deus, Pátria, Família, Trabalho, Terra.
Em parte alguma é mais perfeita a simbiose entre o homem e a terra; esta não é nada sem o homem, mas este não pode coisa alguma sem aquela.
A fidelidade à terra -fonte de energia e de riqueza espiritual- constitui o traço dominante da personalidade dos Transmontanos. Eles sabem que o homem desligado da família ou desenraizado do solo natal é como as árvores sem raízes: qualquer tempestade as derruba.
A terra dura, regada pelo suor de muitas gerações, e mais estável; o homem que nela trabalha mais leal.
A vida do agricultor transmontano é precária e incerta, pois os frutos do seu trabalho são tantas vezes perdidos, graças a forças indomáveis e independentes a sua vontade: a geada, que cresta a vinha; a tromba de água, que em avalancha irresistível desce das encostas erosadas e inutiliza em poucas horas o labor de muitos anos.
Só as proverbiais virtudes de tenacidade, paciência e resignação dos Transmontanos lhes permitem recomeçar a tarefa ciclópica a que seus avós lançaram ombros. Nesta luta incessante receberam a têmpera dos que quebram, mas não torcem; dos que morrem, mas não se rendem - nem perante a força cega dos elementos, nem tão-pouco perante a injustiça dos homens.
Eleito pelo distrito de Bragança em sucessivas legislaturas, mas afastado desta Assembleia em consequência do exercício de outras funções públicas, procurei desempenhar estas sem deslustrar as qualidades e virtudes dos meus conterrâneos. Assim, jamais olhei a riscos ou a comodidades, conheci o desalento ou o desfalecimento, tive atitude menos leal, procurando na tranquilidade de consciência e no cumprimento do dever até ao fim o escudo contra o qual se desfizessem como bolas de sabão os agravos, as injustiças e as incompreensões dos homens.
Ao subir pela primeira vez a esta tribuna é-me particularmente grato saudar dela os meus amigos e eleitores, os que trabalham a terra, tantas vezes esquecidos e sacrificados, e todos, numa palavra, os que, no decurso dos séculos, serviram, honraram e prestigiaram Trás-os-Montes.
É-me grato ainda repelir uma vez mais as palavras do grande parlamentar, que tanto honrou esta Casa, Almeida Garrett:
Já fui honrado com a procuração do povo da província do meu nascimento; desempenhei-a, não fiz dela degrau para me elevar, não me manchei em intrigas, nem em misérias pessoais; já não lenho de que ter ambição.
Sr. Presidente: não cansarei a atenção de V. Ex.ª e dos Srs. Deputados, com longas considerações sobre o II Plano de Fomento. Quero ser breve, mas não desejaria sacrificar a clareza à brevidade. Por isso, quando for menos claro, rogo o favor de me interromperem, que, se o Sr. Presidente o consentir, prestarei os esclarecimentos necessários. Não estou a falar de cátedra, mas de uma tribuna pública: o professor ensina; o político convence e persuade. Quanto às razões da brevidade são óbvias.
Em primeiro lugar, a proposta de lei que está a ser apreciada, nesta Assembleia foi-lhe enviada pelo Governo a que tive a honra de pertencer, pelo que agora só teria que confirmar o voto que então lhe havia dado e exprimir ao actual Governo a mais absoluta, solidariedade.
Depois, nesta altura do debate, já não há aspecto que não tenha sido focado pelos ilustres Deputados que me antecederam nesta tribuna, pelo que correria o risco de repetir o que nos disseram, mus sem o brilho com que esmaltaram, as suas doutas considerações.
Vozes: - Não apoiado!
O Orador: - Finalmente, tanto no projecto do Plano de Fomento para 1959-1964 enviado à Câmara Corporativa, como na proposta de lei apresentada na mesma data à Assembleia Racional, como nos diversos relatórios finais preparatórios, como ainda no lúcido e exaustivo parecer da Câmara Corporativa, encontra-se larga matéria sobre os trabalhos que estão na base do Plano e objectivos que este visa, para que haja necessidade de pôr em relevo estes ou discutir aqueles. Traia-se de trabalhos realizados com a seriedade que caracteriza a nossa vida pública, em que é feita meticulosa análise dos fenómenos económicos e focada a necessidade de elaborar planos ou programas de desenvolvimento, tendo em atenção, a indispensável coordenação de esforços e recursos, com vista a determinados fins de interesse nacional.
Nunca será assaz louvada a acção dos serviços, dos organismos e das pessoas que por fornia verdadeiramente notável colaboraram nesses trabalhos, nem tão-pouco a do Doutor Marcelo Caetano, que presidiu à sua coordenação e à elaboração do II Plano de Fomento, com o brilho e a eficiência que possui o dom de emprestar às missões que lhe têm sido confiadas, na expressiva síntese do Sr. Presidente do Conselho.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por outro lado, destinando-se a proposta em discussão a autorizar o Governo a elaborar e a executar um novo Plano de Fomento para o sexénio de 1959 a 1964, em termos da maior maleabilidade, não pode esta Assembleia alterar de ânimo leve tão louvável propósito.
Se o Governo, ao projectar o novo Plano de Fomento, não pôde esquecer, como se lê no relatório que antecede a proposta, «que acima de qualquer preocupação teórica estão as responsabilidades para com o País», esta Assembleia, convertendo em lei a referida proposta, implicitamente reconhecerá que o Governo está à altura dessas responsabilidades.
É por isso que, embora as obras e os empreendimentos espalhados pelas diferentes rubricas tenham carácter económico, o Plano é, fundamentalmente, um acto político.
Na verdade, se do desenvolvimento económico, que está na base do Plano, deverá resultar um aumento do produto nacional, a ocupação de maior número de braços, a melhoria do nível de vida e da balança de pagamentos, não é menos certo que esse desenvolvimento terá de ser o fruto de uma política.
É que não basta inscrever um programa, tendo como seu primeiro objectivo o aumento do produto nacional. Não. Para pôr em funcionamento as empresas e outros meios que visem esse fim é necessário assegurar a ordem, definir e manter o princípio da autoridade, como
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condição de progresso e de prosperidade comum, equacionar problemas à luz do interesse nacional, procurar os recursos financeiros indispensáveis à realização dos empreendimentos previstos, congraçar vontades e coordenar esforços. E isto implica uma acção essencialmente política.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - O grau de eficiência desta acção depende, em grande parte, da coesão e solidariedade dos elementos que nela hão-de participar e do maior ou menor acordo das suas vontades.
Pela importância e magnitude das tarefas a realizar, pelos capitais que mobiliza, pelo tempo previsto para a sua execução, pelos fins que visa, o Plano de Fomento não será exclusivamente obra do Governo, dos serviços e de determinadas empresas, mas obra de todos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De resto, se todos virão a beneficiar, directa ou indirectamente, dos empreendimentos previstos no Plano, parece não ser demasiado exigir de todos uma colaboração leal, animada pelo espírito de compreensão e de justiça.
É preciso, pois, obter para ele a adesão do maior número de quantos, como salientou o ilustre colega Dias Rosas, «nele tenham qualquer tarefa, dele recebam qualquer vantagem ou se obriguem a qualquer sacrifício»; é necessário, como disse o comodoro Sarmento Rodrigues, «que cada um sinta que a obra é sua, que para ela deu a sua contribuição».
Ora criar em volta do Plano uma consciência viva, geral, actuante, intensa e duradoura, que não se deixe vencer pelas primeiras dificuldades, é ainda desenvolver acção política.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta deverá pautar-se pelos princípios que melhor se harmonizem com a nossa tradição multissecular e modo de ser, tão certo é que este Plano, tal como o anterior, resultou, fundamentalmente, dos que inscrevemos como ideário da Revolução: autoridade, estabilidade, continuidade, unidade e comunidade nacional.
Esses princípios estiveram presentes na elaboração do Plano por parte do Governo, no douto e exaustivo parecer da Câmara Corporativa e ainda na discussão travada nesta Assembleia.
Mas estarão igualmente presentes no espírito de muitos que serão chamados a executar o Plano ou que dele deverão beneficiar?
Se toda a aceito criadora supõe não só um regime de constantes estímulos, que excitem a consciência e dêem dignidade à missão a desempenhar, mas ainda a solidariedade entusiástica dos elementos alistados sob a mesma bandeira, em que medida foi o Plano recebido e aceite como expressão do bem comum e geral, a cujo interesse se devem subordinar os interesses individuais?
A interrogação que formulo não se me afigura ociosa. Na verdade, ao longo da nossa história não foi sempre idêntica a percepção geral em relação aos problemas fundamentais da grei.
Refiro apenas dois passos:
No fim do século XV e na primeira metade do século XVI os Portugueses atingiram um grau de coesão e de tensão espiritual propício aos grandes empreendimentos. Como anotou Antero de Quental, «essa coesão depura o sentimento nacional, dá-lhe segurança e consciência de si, eleva-o àquele grau de tensão em que o patriotismo, exaltando-se, se transforma numa espécie de heroísmo universal. A Nação fez-se herói: o heroísmo é a sua atmosfera ordinária e todos participam mais ou menos desse contágio sublimado. Daqui uma concepção particular da vida social, do direito, do dever, tanto para a Nação como para os indivíduos».
Éramos então poucos e, no entanto, mercê da tensão espiritual criada, foram muitos os que demandaram todos os mares e firmaram pé em todas as partidas do Mundo, dilatando a Fé e o Império.
As coisas passaram-se de modo bem diverso no último quartel do século XIX e na primeira década do actual. A ocupação efectiva das províncias ultramarinas apresentava-se então, tal como ainda hoje, como questão de vida ou de morte, como o único meio de manter a independência da Pátria.
Pois bem: não obstante a bravura dos nossos soldados, que na realização desse objectivo se cobriram de glória, o acontecimento histórico decorreu quase perante a indiferença das elites políticas e sociais do País.
O Sr. Carlos Moreira: - Se V. Ex.ª me dá licença, dir-lhe-ei que o século XIX não desmerece tanto como V. Ex.ª dá a entender no confronto com o que se passou no século XV quanto à dilatação do Império.
Neste houve uma perfeita identidade entre dois princípios fundamentais: o respeito de uma autoridade forte, mas paternal, e o respeito das liberdades públicas. Esse foi o motivo que nos uniu e tornou possível a nossa grandeza.
Não é verdade, porém, que o século XIX tenha passado despercebido quanto às ansiedades e glórias nacionais. Se consultarmos a imprensa, os jornais e as revistas da época, as fotografias do tempo, como as tiradas no Terreiro do Paço quando do embarque e desembarque das tropas de África, nós verificaremos que ali estava o mesmo espírito de outros tempos, o mesmo chamamento da raça.
Lembramos essa época em que o próprio rei D. Carlos ia à frente do seu estado-maior.
Estou a ver nas crónicas do tempo o regresso dos grandes capitães de África: tantos, graças a Deus, que poderia rememorar, mas dos quais me limito a citar o maior - Mouzinho de Albuquerque.
Então o País não estava fechado ao mesmo heroísmo que salvou tantas vezes a nossa liberdade e a continuidade da nossa independência. Tenho a impressão de que as circunstâncias sociais e políticas e a diminuição das condições de valor no sentimento colectivo dos povos é que determinam em muitas épocas históricas a linha para o zénite ou uma linha de queda para o abismo.
O Orador: - Ouvi com muita atenção as considerações de V. Ex.ª, mas as manifestações esporádicas a que aludiu não invalidam o que acabei de dizer e podemos encontrar testemunho disso nos próprios anais da Câmara dos Deputados e na atitude assumida pelos intelectuais dessa época, porquanto os mais representativos a si .próprios se designavam como «vencidos da vida» precisamente quando novas possibilidades se abriam ao nosso viver colectivo.
O Sr. Carlos Moreira: - Vencidos no aspecto de uma decadente e desorientada vida política, mas não indiferentes ao sentimento de independência e perenidade da Pátria.
O Orador: - Quanto aos políticos, indiferentes à magnitude da tarefa a realizar no interesse da grei, não só continuaram divididos, como as suas objurgatórias aumentaram de violência, fazendo do Parlamento campo aberto às suas manobras, ambições e intrigas,
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mostrando-se estas mais imperiosas do que a necessidade de assegurar o futuro da Nação.
Perdido o próprio instinto de conservação política, assistiu-se às lutas sem grandeza, às divisões e subdivisões de partidos, ao emprego da calúnia como arma política, ao achincalhamento dos correligionários, a quem, conforme as conveniências ou ambições, se negavam qualidades e imputavam defeitos, e ainda à diminuição e desprestígio da autoridade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As consequências deste estado de coisas não só fizeram esperar. A monarquia baqueou, devido mais ao desatino e desunião dos monárquicos do que à força dos republicanos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não sei quem disse que os regimes e as instituições, mais do que os homens, não morrem: suicidam-se. A monarquia suicidara-se.
O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª refere-se, com certeza, à monarquia que caiu em 1910, e, nesse aspecto, tem razão.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sem dúvida.
Por isso e de harmonia com a lição da História, se quisermos assegurar a execução do II Plano de Fomento, teremos de manter as condições que permitiram a realização do I Plano. Nada, de divisões, de lutas estéreis, de pessimismo doentio, de criticas injustas, de deserções criminosas, de ambições desmedidas e do invejas mesquinhas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ligados pelo mesmo destino e pelas mesmas responsabilidades, podemos dividir-nos no trabalho e na vida, mas não assim na morte: ou nos salvamos todos ou nenhuns.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Na continuidade no tempo e na unidade no espaço devemos firmar a nossa vida colectiva. O nosso esforço junta-se ao dos que nos precederam e será continuado pelo trabalho dos nossos filhos.
Os dois Planos de Fomento representam não só os alicerces, mas ainda n s paredes mestras e o travamento de vim grande edifício. A geração que agora desponta para a vida pública só terá de o concluir.
E se cada geração é apenas «gerente temporária» de bens que lhe não pertencem, pois tem o dever de os conservar e restituir, quando se fizer o inventário do que herdámos o do que transmitimos verificar-se-á que não só conservámos o que recebemos, mas ainda que o que legámos à Nação é consideravelmente aumentado em bens materiais e em valores morais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E para que trio vasto património se não perca bastará despertar na juventude o entusiasmo pelas grandes tarefas colectivas, abrir-lhe novos horizontes, alargar-lhe as perspectivas de realização da justiça social, incutir-lhe confiança nas possibilidades do País e levá-la a cultivar as virtudes da coragem, do trabalho, da disciplina e do devotamento à Pátria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: os ilustres Deputados que intervieram no debate são unânimes em reconhecer a importância da proposta de lei que se discute no que toca a resolução de alguns dos problemas fundamentais do povo português. Entretanto, suscitam dúvidas e mostram estranheza por o II Plano não dar satisfação a velhas aspirações.
Respeitam as primeiras à hidráulica agrícola; abrangem as segundas o desenvolvimento regional e a melhoria das condições em que vive grande parte da população rural.
Isto quanto às principais.
Vejamos o valor dos reparos formulados.
Quanto à hidráulica agrícola, ninguém põe em dúvida a sua importância no aumento da produção e na divisão das terras. Os seus benefícios na ordem económica e social são evidentes Hoje, como no tempo de Sertório de Monte Pereira, «a melhor utilização da água é a pedra angular da agricultura portuguesa».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pelo que tora à vizinha Espanha, Joaquim Costa sintetizava nas palavras «regar é governar» o programa de um partido político progressivo.
Compreende-se assim perfeitamente que, para fomentar a agricultura, a hidráulica agrícola tenha sido considerada como o primeiro dos investimentos de base.
A acção do Ministério das Obras Públicas é credora dos maiores encómios pelos estudos a que procedeu, e o ilustre titular da pasta, engenheiro Arantes e Oliveira, dando realização ao sonho de muitas gerações, pode ser colocado no lado dos grandes Ministros das Obras Públicas cujos nomes são lembrados no parecer da Câmara Corporativa - Fontes o Navarro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A preferência dada, no Plano, à rega do Alentejo parece justificar-se pela deficiência de água na região e ainda pela irregularidade na prestação do trabalho, visto as culturas de regadio, além de absorverem quatro a cinco vezes anais mão-de-obra do que as do sequeiro, garantirem uma melhor distribuição desta pelas diferentes estações do ano.
O Ministro das Obras Públicas, cuja acção no debelamento das crises do trabalho no Alentejo tem sido verdadeiramente notável, não podia deixar de se preocupar com este aspecto do problema.
Para o resolver elaborou um vasto plano de rega do Alentejo, que abrange a área total de cerca de 170 000 ha - correspondente a 6 por cento da área da província respeitando 8000 ha a pequenos aproveitamentos e 161 700 ha a obras de grande regadio a executar pelo Estado.
A execução completa do Plano demorará entre dezoito e vinte quatro anos, importando o seu custo em 5 270 000 contos. A 1.ª fase, a realizar dentro do
II Plano de: Fomento (1959-1964), importará em 969 000 contos.
A simples leitura destes números dá-nos a ideia da importância atribuída à rega do Alentejo, pelo que era de esperar que a região a beneficiar manifestasse o seu regozijo perante esta verdadeira revolução económica.
Pois o que se tem verificado é precisamente o contrário.
Nem aplausos ou agradecimentos ao Governo, nem tão-pouco qualquer entusiasmo por parte dos futuros beneficiados.
Ora, se a apatia dos Alentejanos perante um perante que, uma vez executado, devia melhorar considerável-
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mente as suas condições económicas me deixara perplexo, essa perplexidade aumentou quando na sessão e 17 do corrente foi dado conhecimento do telegrama em que a Federação dos Grémios da Lavoura do Alto Alentejo, na qualidade de representante dos interesses da lavoura da região, dava o seu apoio às considerações aqui produzidas pelo Sr. Deputado Nunes Mexia.
Na verdade, como devem ter presente, este nosso colega não embamdeirou em arco perante as perspectivas que o plano de rega abria ao Alentejo; pelo contrário, armando em velho do Restelo - ele que tem o segredo da juventude de espírito -, disse-nos que «um melhoramento hidroagrícola é mais que a barragem, os canais e adaptação ao regadio, é um plano económico seriamente concebido e bem enquadrado dentro das necessidades do País»; que a como primeira condição para que uma obra de hidráulica agrícola se possa considerar completa e útil é necessário que o que vai produzir resolva problemas de carência, não traga problemas de saturação»; que «ao entusiasmo inicial das regiões pelas suas obras de rega se tem seguido um período de descrença, à maneira que se vão abrindo os olhos porá as dúvidas dos seus resultados»; que, finalmente, não sendo «só o seu regime jurídico que não está certo, é absolutamente necessário, para que resultem, que sejam completadas em toda a sua extensão».
Conclusão: o complemento da infra-estrutura merece-lhe preferência sobre as obras de hidráulica agrícola.
O apoio que a Federação dos Grémios da Lavoura do Alto Alentejo deu a estas considerações leva-nos a supor que -como disse Salazar, se «politicamente só existe o que se sabe que existe; «politicamente o que parece é» - a rega do Alentejo poderá vir a existir como activo nacional, mas jamais existirá nos espíritos como activo da situação política.
Os Alentejanos querem a rega, mas fazem-na depender de tais condições que até parece não a desejarem sem que essas condições se verifiquem.
O Sr. Carlos Moreira: - É que às vezes as coisas precipitadas não são as melhores...
O Orador: - Inteiramente de acordo quanto à observação de que as coisas precipitadas não são as melhores. E, mesmo correndo o risco de provocar uma nova interrupção do Sr. Deputado Carlos Moreira, não resisto à tentação de lhes contar um pequeno episódio político.
Proclamada a República, alguns monárquicos exilaram-se em Espanha, onde procuravam organizar um movimento destinado a restaurar o regime deposto em 1910. No desejo de receber do rei D. Manuel as necessárias instruções, uni dos exilados, o conde de Bertiandos, deslocou-se a Londres.
D. Manuel, que não era só rei, mas que era, igualmente, realista, ouviu-o com a maior atenção, não deixando, porém, de lançar água fria no entusiasmo restauracionista do conde. Este, uma vez regressado à Galiza, entendeu dar conta aos seus correligionários da forma como decorrera a audiência, sintetizando nestas palavras o pensamento do Sr. D. Manuel: Sua Majestade quer a restauração da monarquia como nós queremos ir para o céu - o mais tarde possível.
O Sr. Carlos Moreira: - Opiniões, Sr. Deputado Trigo de Negreiros. V. Ex.ª decerto também tem a sua ...
O Orador: - De alguns lavradores alentejanos se poderá dizer o mesmo: durante anos e anos consideraram a irrigação do Alentejo como o seu problema fundamental, mas, ao tornar-se realidade o sonho de muitas gerações, hesitam, formulam dúvidas, dando a entender que, em relação às grandes obras de hidráulica agrícola, quanto mais tarde melhor ...
Isto me faz meditar na razão dessas dúvidas e nas causas que estão na base da sua atitude de franco cepticismo sobre a viabilidade económica de tais obras.
Ora sabe-se que os resultados económicos das obras de hidráulica agrícola dependem, em grande parte, da maior ou menor aptidão dos terrenos para o regadio e da forma como a água for utilizada.
Sabe-se, igualmente, que os terrenos fortemente argilosas não são os mais aptos para as culturas do regadio - no Alentejo os bons anos agrícolas são normalmente aqueles em que se verifica menor queda pluviométrica - e que, por sua vez, os Alentejanos não são peritos no governo da água. Não é essa a sua vocação. Falta-lhes a arte de a explorar, conduzir e utilizar, tão comum no homem do Norte e em que o Madeirense é exímio.
Têm, em compensação, a vocação da terra: ilimitada, sem fim, a perder de vista, terra que a semente fecunda.
No Outono, quando das árvores caem as primeiras folhas e n melancolia das coisas só insinua nas almas, é vê-los a fadigados a lançar a semente à terra. A semente germina, lança raízes, resiste aos frios do Inverno. Pela Primavera é já haste alta, que a mais ligeira aragem agita e a tempestade derruba. Ao anunciar-se o Estio o verde desmaia, toma a cor característica da palha; as espigas entumecem. Cortadas debaixo de um sol abrasador, conduzidas para a eira e ali debulhadas, transformam-se em trigo: ouro na balança de pagamentos, riqueza no celeiro, fartura na arca, sacrifício na hóstia do altar.
E como o homem não vive só de pão, mas sem pão não pode viver, é-me grato saudar a terra alentejana, a planície heróica que, no decurso dos séculos, tem assegurado o pão de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: no que conheço da poesia, da pintura alentejana e das suas lendas, a água, ao contrário do que acontece no Norte do País, não entra nelas como elemento constante.
Os Alentejanos ainda se não habituaram a louvar o Senhor pela «irmã água que se arrasta útil, humilde, preciosa e casta», nem tão-pouco se doutoraram na ciência de a explorar e conduzir, e, contudo, a água, condição de vida, é manancial na horta e no vergel, verdura no prado, raiz na floresta, fruto na árvore, perfume na flor, força na turbina, energia na fábrica e higiene no corpo. Para bom a utilizar não basta construir barragens e canais, como referiu o ilustre colega Nunes Mexia. Não. É preciso que as terras sejam aptas para a receber e os utentes da água possuam o mínimo de conhecimentos sobre a prática racional do regadio.
O Sr. Carlos Moreira: - Disse há pouco, o julgo que com razão, não haver dúvida de que o discurso de V. Ex.ª é uma ode à terra e ao rincão natal. Verdade seja que, se a terra é diferente, diferente é o lirismo, ou, melhor direi, a expressão lírica.
Não tem o Alentejo os rios do Norte, mas tem a admirável paisagem da campina seca e escaldante, que tão bem traduzida aparece nas poesias do conde de Monsaraz, de António Sardinha e de tantos mais.
Mas, enfim. Sr. Deputado, deixemos o lirismo.
O Orador: - As palavras de V. Ex.ª confirmam as que acabo de proferir: os poetas alentejanos traduzem a campina seca e escaldante, mas não cantam, como os do Norte, a água.
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O Sr. Carlos Moreira: - Pudera! Eles não a têm !
O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Moreira já reparou que os rios e ribeiros que atravessam o Alentejo não são aproveitados como os do Norte e que, quanto às águas subterrâneas, é a gente do Norte que, normalmente, toma a iniciativa de abrir os poços? Quando há muitos anos passei pelo Alentejo chamaram-me a atenção para uma herdade que havia sido dividida em glebas. Nestas, um ou outro poço aberto por pessoas oriundas da Beira.
O Sr. Gomes Garcia: - Parece que V. Ex.a tem limitado as suas considerações à volta da opinião dos proprietários alentejanos. Mas o problema do Alentejo é diferente. Na minha região, que é Serpa, a região das propriedades de regadio, as pequenas ribeiras suo aproveitadas como as do Norte, mas as inclinações dos respectivos proprietários não são de rogar, porque elos não herdaram essa tendência de seus avós.
O que é então necessário fazer no Alentejo?
Foi por isso que eu pedi desculpa a V. Ex.a Parecia-me que V. Ex.a tem falado quase sempre em nome dos proprietários alentejanos, do povo alentejano.
O Orador: - Mas não sei quem representa o povo alentejano. A Federação dos Grémios da Lavoura, do Alto Alentejo já sabemos o que pensa.
O Sr. Gomes Garcia: - A Federação está de acordo com o que eu disse. Se V. Ex.a me falasse nas Casas do Povo ...
O Orador: - Nenhuma falou, que se saiba, no problema, embora fosse de esperar não só a sua adesão, mas até o seu entusiástico apoio ao projecto de rega do Alentejo, de que os seus sócios largamente beneficiam.
O Sr. Gomes Garcia: - Talvez seja do feitio calado dos Alentejanos.
O Sr. Amaral Neto: -V. Ex.a, Sr. Dr. Trigo de Negreiros, dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Amaral Neto: - Tenho estado num sério transe de alma, porque não ignoro que a regra de cortesia manda não interromper o orador na sua estreia parlamentar. Mas não ignoro também que essa regra foi gerada pela consideração do estado de apreensão e de perturbação possível do orador que pela primeira vez fala numa assembleia esclarecida e numerosa, e V. Ex.a tem um larguíssimo treino de falar perante categorizados auditórios, de discutir dentro do maior nível intelectual e de levar a bom termo as suas polémicas com adversários dos mais temíveis na força das ideias. V. Ex.a tem mostrado em todas as circunstâncias um raciocínio pronto e brilhante. Isso me anima a interromper V. Ex.a
Não quereria tomar posição num debate em que outros manifestaram opiniões diversas das de V. Ex.a Queria referir um facto e pedir a V. Ex.a para dele tirar alguma ilação.
Ao abrigo da lei de melhoramentos agrícolas foram construídas quarenta e sete barragens para aproveitamento de água para rega. Essas quarenta e sete barragens regam 2000 há, o que dá uma média de 50 ha.
Foram obras espontaneamente concebidas e realizadas pelos proprietários.
Sei, e V. Ex.a referiu-se há pouco aos aplausos iniciais, e o Sr. Deputado Nunes Mexia, segundo V. Ex.a nos recordou, referiu também, o entusiasmo com que essas obras eram recebidas quando anunciadas. E, pelos meus vizinhos do vale do Sorraia, pude ver isso mesmo.
Creio, pois, que se fará alguma injustiça aos Alentejanos, quer sejam os representados pelos organismos da lavoura, quer sejam os representados pelo Sr. Dr. Nunes Mexia, quando se diz que eles não desejam a rega.
Todos os seus reparos provém de uma experiência que alguns factos demonstram carecer de ser melhor ajeitada. E, de tudo quanto pude perceber, talvez se possa tirar esta ilação: sem que ninguém discorde do mérito, do objectivo e da utilidade da obra, podem-se, no entanto, levantar interrogações sobre o ritmo com que su deve proceder e sobre se, apesar do entusiasmo de alguns, as soluções apresentadas não carecerão de ser mais ponderadas e revistas.
O Orador: - Ouvi com muita atenção o Sr. Deputado Amaral Neto e agradeço as suas amáveis palavras. Mas, servindo-me do que há dias S. Ex.a aqui disse acerca do Sr. Deputado Camilo de Mendonça, considerando-o unia pessoa precipitada, creio poder repetir o mesmo com relação ao Sr. Deputado Amaral Neto.
Se V. Ex.a tivesse aguardado alguns minutos teria ocasião de ver a forma como eu prestava homenagem aos lavradores alentejanos, que, vencendo a rotina, se lançaram na construção de barragens e outras obras de hidráulica agrícola, mostrando não só que o regadio era inteiramente viável no Alentejo, mas que os Alentejanos eram susceptíveis de aprender a arte de regar. E tudo questão de educação. As obras construídas com o auxílio dos empréstimos concedidos à sombra da. lei de melhoramentos agrícolas tom sido uma grande escola. O pequeno regadio nunca esteve em causa. Não disse que os Alentejanos não apreciam a rega, mas sim que as condições do que a faziam depender denotavam fraco entusiasmo. A falta deste é confirmada por V. Ex.a quando nos diz que eles sentem a necessidade da revisão de algumas soluções.
De acordo com V. Ex.a quanto a essa revisão. Esta deverá ser orientada no sentido de serem melhorados os resultados das obras de hidráulica agrícola, designadamente nos aspectos económico e social.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Vasques Tenreiro: - Estou de acordo com o que V. Ex.a acaba de dizer, mas para isso torna-se necessário proceder ao estudo das obras de irrigação do Alentejo em ordem a alterar a sua estrutura agrária.
O Orador: - Nada tenho a opor à modificação da estrutura a que alude, mas ela implica o reconhecimento agrícola prévio, a publicação da carta dos solos e do estudo da sua melhor aptidão agrícola, estudo este que, de certo modo, deveria anteceder as obras de hidráulica agrícola, que, em relação a certas zonas, como a da Idanha, se me afiguraram prematuras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se quiséssemos reduzir a percentagens o resultado das obras de hidráulica agrícola, tendo em atenção o previsto e o obtido, não andaríamos longe da verdade apontando as seguintes;
Aspecto técnico. - As barragens e as obras complementares de rega corresponderam ao previsto, só os canais e as estações de bombagem exigem despesas de
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conservação e reparação de montante superior ao orçamentado. Percentagem sobre o previsto: 95 por cento. Aspecto económico. - Os resultados obtidos podem computar-se, em média, era 50 por cento.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - 50 por cento do previsto já não é nada mau.
O Orador: - Sem dúvida. Não podemos esquecer, entretanto, que esse rendimento resultou do facto de grande parte das terras haverem sido destinadas ao arroz, que e, entre nós, uma cultura remuneradora. Mas, tendo a sua produção passado de deficitária a excedentária, e não podendo competir no mercado internacional, atento o seu custo, deverá sobrestar-se no alargamento cia respectiva área, e isto vem diminuir, e por forma sensível, as perspectivas económicas das obras de hidráulico agrícola.
Aspecto social. - Quanto a este aspecto a avaliação, mesmo por simples estimativa e sem estudo completo em que se fundamente, é mais difícil. Como o rendimento tem sido fraco, poderemos dizer que não irá além de 20 por cento do que seria de desejar.
Estas percentagens não nua impressionam extraordinariamente. Havia que pagar a experiência, e esta ensina-nos que aquilo que se obtém, no País ou no estrangeiro, é sempre inferior ao que se previra.
Por isso, sem embargo das dúvidas postas e daquelas que nós próprios formulámos, entendo ser de aprovar, em princípio, o Plano na parte que inclui a irrigação o Alentejo, devendo, porém, na sua execução proceder-se com prudência, tendo em conta o custo das obras, o seu rendimento económico e social e a conveniência de não deslocar culturas das regiões em que são tradicionais, como é o caso da batata, milho e arroz.
Ao dar a aprovação, nos termos referidos, afirmamos a confiança nos servidos cio Ministério das Obras Públicas e na acção do ilustre titular da pasta, engenheiro Arantes e Oliveira, a cuja inteligência, bom senso o devotado espírito de servir rendemos a mais sincera homenagem.
Nesta aprovação vão também -para que não dizê-lo? -os nossos próprios sentimentos de rural- de raiz, de sangue e de temperamento-, na síntese de Salazar, que não pode ouvir falar das obras de hidráulica agrícola sem que lhe apeteça gritar a plenos pulmões: A regar! A regar!
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: a base VII da proposta de lei, ao estabelecer que na instalação das indústrias tenham preferência as que «pela sua localização interessem ao planeamento e desenvolvimento regional», acendeu uma luz, ténue e bruxuleante embora, mas que poderá transformar-se em estrela do norte se os responsáveis pela execução do Plano traçarem a linha de rumo de harmonia com o interesse nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todos os que se debruçam sobre estes problemas do desenvolvimento regional sentem a necessidade de travar uma concentração de indústrias que põe em confronto as grandes cidades e seus subúrbios com áreas do País quase descrias e subdesenvolvidas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se durante muitos séculos a diferença de fertilidade do solo e das matérias-primas concorreu para o desequilíbrio territorial, o aproveitamento de novas fontes de energia e a facilidade de transportes passaram a contar como factores predominantes numa distribuição mais equitativa da produção e dos outros meios de existência.
O território de um país deverá ser cada vez mais homogéneo: na produção, no consumo, no nível de vida.
A aglomeração de homens em massas gigantescas gera problemas de ordem económica, sanitária e social verdadeiramente insolúveis ou cuja solução, mesmo imperfeita, custa somas astronómicas.
Chegou-se ao convencimento, embora tardio, de que as doenças sociais são tão contagiosas como as doenças físicas. Na verdade, de pouco servirá, por um lado, negar em teoria a lei do número e o poder das massas cegas e apaixonadas, facilmente sugestionáveis, se, por outro, se consentir que estas se concentrem em pequenas zonas e ali criem uma mentalidade propícia à excitação, no inconformismo e à revolta - o que as põe à mercê do primeiro agitador político.
E como o presente é apenas ponto de passagem para o futuro e o dia de hoje prenúncio do dia de amanhã, a História registará o nome dos homens do Governo que, a tempo e horas, souberem evitar algumas das suas convulsões.
Para o homem público, saber é prever.
Por outro lado, sempre que há mão-de-obra em excesso, a única forma de combater o desemprego consiste em criar novas possibilidades de emprego, pela melhor utilização dos recursos locais.
Não é isso, porém, o que sempre temos feito, pois só nos últimos anos se tem procurado levar algumas indústrias para a província. E o caso da celulose, siderurgia do Vila Cova, etc.
É o distrito de Bragança, por exemplo, rico em minérios e em fontes de energia, factores que em todos os países jogam a favor do desenvolvimento regional; e, contudo, a percentagem de emigração sobre os saldos fisiológicos foi de 56,8 em 1957, ao passo que em Beja, Évora e Portalegre, distritos abrangidos pelo plano de obras de hidráulica agrícola, a referida percentagem não excedeu no mesmo ano, respectivamente, 4, 2,5 e 5,2.
Antes de iniciada a construção das barragens do Douro aquela percentagem (anos de 1951 a 1955) atingiu no distrito de Bragança, em média, 71,5. O subemprego é ali permanente.
Por isso advogamos que no plano de desenvolvimento económico seja encarada a preferência a dar às regiões menos desenvolvidas ou em que seja maior a percentagem de subemprego, tão certo é que a utilização dos braços disponíveis se apresenta ainda como o meio mais eficaz de aumentar a produção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Da má localização das indústrias em certas zonas, tanto no aspecto económico como no social, falam os biliões de dólares gastos pelos Estados Unidos para dispersar a indústria anteriormente concentrada ; a proibição de instalar novas indústrias em Londres e em outras cidades inglesas: a facilidade de crédito e o alívio de impostos concedidos em França aos industriais que se proponham instalar fábricas em regiões menos desenvolvidas, e ainda outros estímulos que visam a realização do mesmo fim.
Dadas as razões que acabo de referir e as aduzidas nesta tribuna, com excepcional brilho, pelos ilustres Deputados Araújo Correia, Dias Rosas e Nunes Barata, parece que não podemos hesitar no caminho a seguir. Em política os erros pagam-se, apenas com a diferença de que, as mais das vezes, os cometidos por uma geração só vêm a ser liquidados pela que se segue na ronda do tempo e na sucessão das gerações.
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Sr. Presidente: agora reparo que, contra o que era meu propósito, alonguei demasiadamente as minhas considerações.
Vou terminar.
Antes, porém, desejo formular o voto de que o Governo prossiga na melhoria das condições de vida da população rural, proporcionando-lhe água em abundância, desenvolvendo a viação rural e contribuindo para que a electricidade chegue a grande número de aldeias.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A Agua é demento fundamental da vida: «Dize-me a água que bebes e dir-te-ei a saúde que tens». Ribeiro Sanches, no seu Tratado de Conservação da Saúde dos povos, acentuava que sem água não podíamos viver, e daí a necessidade de se «pôr todo o cuidado em procurá-la em abundância e mais apurada».
É o que se tem feito nos últimos anos. O número de povoações satisfatoriamente abastecidas passou de 1767, em 1928, para cerca de 7000, no corrente ano. Mas há ainda milhares a abastecer.
Aumentar o ritmo das obras de abastecimento de água salubre constitui acto de razão esclarecida e inclui-se, além disso, ampla e fundadamente, no Plano de Fomento, porquanto a água imprópria e insalubre é agente de transmissão de várias doenças, e não oferece qualquer dúvida que uma população sã é mais produtiva, sendo superior o rendimento do seu trabalho.
O mesmo poderá dizer-se da viação rural, da distribui-lo de energia eléctrica e dos melhoramentos agrícolas.
Dadas as referências feitas no decurso do debate a estes problemas, apenas acrescentarei que, estando praticamente resolvida, através das respectivas concessões, a grande distribuição de energia eléctrica, há agora que encarar com espírito realista a pequena distribuição, tendo em conta as perspectivas que o Plano abre, as soluções preconizadas pela Câmara Corporativa e as sugestões já feitas nesta tribuna, como ainda a possibilidade de as empresas concessionárias procederem por autofinanciamento à electrificação de grande número de freguesias incluídas na respectiva zona, sendo esta última a solução adoptada na Inglaterra.
Para tanto ser-lhes-ia concedida a faculdade de integrar no seu capital a importância despendida com esse autofinanciamento, isentando a operação do imposto sobro a aplicação de capitais e da taxa de compensação.
No que respeita a Trás-os-Montes -graças ao Governo de Salazar e à compreensão do ilustre Deputado Dr. Ulisses Cortês, à data Ministro da Economia - quase todas as sedes do conselho estão já ligadas à rede de alta tensão, tendo a empresa concessionária procedido à montagem das linhas e à construção das subestações transformadoras, de harmonia com o programa estabelecido, e antecipado os prazos estabelecidos para a execução.
No que toca, porém, às freguesias, o número daquelas que usufruem tal benefício é ainda insignificante e, dada a situação financeira das câmaras municipais, esse número não poderá aumentar sensivelmente nos anos mais próximos se não forem comparticipados os ramais das linhas em alta tensão e autorizado o autofinanciamento das empresas, nos termos sugeridos ou em outros que forem tidos como mais convenientes.
Sr. Presidente: disse que o II Plano de Fomento era, fundamentalmente, um acto político. Os historiadores que, decorridas algumas dezenas de anos, se debruçarem sobre a época que atravessamos hão-de classificá-lo de acontecimento histórico memorável pela sua importância e reflexo na melhoria da nossa vida colectiva.
Mais uma vez se verificará que os planos e os homens que os elaboraram ou criaram as condições propícias à sua execução, para serem vistos em toda a sua grandeza, necessitam de ser contemplados a distância, carecem da perspectiva e do julgamento que só a História lhes pode dar.
O Plano envolve um programa de política económica, mas é, em si mesmo, o resultado de uma política realizada nos últimos trinta anos através de dificuldades, perigos e riscos sem conta e que deixaram fundas cicatrizes na alma e no corpo de tantos povos.
Por isso, fazendo um exame de consciência, olhando para o que se passa no Mundo, não podemos deixar de dar a nossa aprovação ao Plano, exprimindo este voto tanto a confiança no seu êxito como a confiança nos princípios e nos homens que o tornaram possível e hão-de assegurar a sua execução.
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
Sr. Camilo de Mendonça : - Sr. Presidente: é a primeira vez que subo a esta tribuna na legislatura decorrente. Começarei, pois, por dirigir a V. Ex.ª as minhas homenagens de muita estima e viva admiração. É V. Ex.a, Sr. Presidente, credor da gratidão da Câmara pela forma como se desempenha da alta e delicada missão em que, sucessiva e naturalmente, vem sendo reinvestido desde há já anos. Mas é igualmente credor da estima de cada um dos Deputados que têm tido a honra de privar com V. Ex.a
Por mim, Sr. Presidente, sinto-me no dever, que cumpro gostosamente, de proclamar, daqui e nesta oportunidade, o apreço e a admiração que a personalidade de V. Ex.ª me merece, além do mais, não só pelo respeito que tem pelas opiniões e atitudes dos outros, pela compreensão e carinho que manifesta pelos nossos anseios, pela generosidade e lhaneza de trato, como pela bondade com que n todos atendo.
E, se V. Ex.ª me permite, vincarei especialmente a preocupação de justiça social que, desde sempre o vivamente, anima V. Ex.a, e ainda o ideal de modéstia que tomou como rumo e intransigentemente tem sabido viver no decurso de toda uma longa carreira política.
De facto, vem V. Ex.a ocupando desde há já muitos anos posições cimeiras da nossa vida política, donde o mais difícil é resistir tis solicitações da comodidade e da riqueza, e soube manter-se altivamente livre o independente de compromissos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Essa atitude de V. Ex.a, de renúncia até a legítimas comodidades, de firmeza, de persistência no ideal do servir o regime e o seu sentido social, o povo português e as suas ansiedades, Salazar e o seu exemplo, esse procedimento de V. Ex.a constitui, em época difícil do Mundo, assinalado exemplo que cala bem fundo na consciência dos Portugueses.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Orador: - A exemplaridade de Salazar, o seu magnífico exemplo de sacrifício e renúncia, nem sempre seguido e vivido por quantos tinham inequívoca obrigação de o respeitar e praticar nos sucessivos esca-
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lões ria sociedade, especialmente nos domínios político e administrativo, o ideal de modéstia e pobreza, que constitui padrão vivo de ansiedade da nossa juventude, manifestação forte do sentir do nosso povo, têm sido servidos por V. Ex.ª com indiscutida perseverança e tenacidade.
Ao prestar esta homenagem a V.. Ex.a. Sr. Conselheiro Albino dos Reis, cumpro um dever de justiça e um imperativo de consciência, mus estou ainda a apontar um exemplo a quantos detenham, ou venham a ser chamados no exercício de funções políticas ou administrativas, a oferecer um conforto e lenitivo a quantos - e são ainda muitos - teimam em servir um ideal de justiça, de verdade, de amor, e a significar que, apesar de tudo, creio haver ainda muita gente capaz de assim sentir e de assim proceder; mister é que se separe o trigo do joio, custe a quem custar.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: nesta altura dos debates sobre o Plano de Fomento ouvimos já desdobrar os problemas sob todos os ângulos e aspectos, tantas vezes com indiscutível mérito e até brilhantismo, tornando-se praticamente impossível dizer algo que ainda não tenha sido dito, trazer contributo que valha a pena.
Não obstante, pareceu-me não ser descabido repisar alguns aspectos mais geralmente referidos e procurar evidenciar algumas faceias que julgo essenciais sob o ponto de vista político e social. Foi sob este ângulo e com este objectivo que me decidi a usar da palavra neste debate.
Não vou, por isso, fazer uma análise ao Plano de Fomento, para o que me faltariam elementos técnicos bastantes; de que o Governo e a Câmara Corporativa dispõem amplamente, como é natural, nem reproduzir as apreciações já feitas sob este signo, que dispensam repetições desnecessárias.
Esses pontos parecem-me ser: o problema do plano de rega do Alentejo, as estradas municipais, o abastecimento de água às populações rurais, a construção e conservação das estradas nacionais e a descentralização industrial. Além disso, afigura-se-me serem devidas referências aos condicionalismos do ambiente em que se executa e da finalidade social com que se realiza, bem, como ao processo de assegurar, com a maior eficiência, o pleno cumprimento das tarefas marcadas.
Começarei par me regozijar com o Plano que nos é oferecido pura apreciação, que considero tomo uma iniludível prova de confiança nas nossas possibilidades humanas e materiais, e na nossa capacidade para satisfazer legítimas - e por vezes mal contidas - aspirações.
Já houve quem o alcunhasse de ambicioso. Por mim não tenho sombra de dúvida de ficar aquém de quanto nos é possível realizar no triplo sentido de recursos humanos, naturais e financeiros, principalmente se vier n ser executado com o mesmo entusiasmo e amor com que foi sonhado o preparado e for acompanhado daquele conjunto de medidas arrojadas, decididas, tanto no campo económico como no social e político, medidas a que directa e indirectamente só alude repetidas vezes ao longo dos diversos trabalhos finais e preparatórios.
Usou-se a técnica da prudência e segurança, preferindo-se vir a alargar, ano a ano a, novos empreendimentos novas disponibilidades apuradas, a, ter de se restringir uma ou outra vez as expectativas oferecidas. É um critério tão defensável como o outro, mas que está talvez mais na tradição financeira da última meia dúzia de lustros.
Acho ser este um aspecto a evidenciar frente a derrotismos ou a desânimos dos tímidos como dos fracos.
Estamos perante um verdadeiro Plano de Fomento, no amplo sentido da palavra, e, por sinal, preparado ainda sem instrumentos próprios, que tão incompreensivelmente tardaram a ser criados; enfim, um Plano de Fomento que pela primeira vez no campo económico traduz, de alguma surto, a grandeza das perspectivas que Salazar, com a sua resolução, possibilitara de há muito, mas só agora encontrou justa medida.
Isto não quer dizer que não possam ou devam apontar-se lacunas, deficiências, discordâncias, como é natural, tanto pela escassez de instrumentos próprios como pela necessidade de integrar e coordenar objectivos e meios, como ainda pelo facto de estarmos perante algo coerente, dotado de nexo, servindo determinados fins, que podem bem não ser identicamente pesados e defendidos por todos. Em qualquer caso, estamos perante um trabalho sério, que merece mais do que a nossa aprovação: o nosso louvor e a nossa gratidão.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Orador: - É neste momento que me sinto obrigado a prestar homenagem não só a quem desde há muito o tornou possível como a quem foi o seu principal artífice.
Ainda quando, talvez por temperamento, talvez por reacção ao meio ou pela noção de que é mais frequente encontrar quem ao ar livre se disponha ao louvor fácil - e não raro proveitoso - do que a criticar de cabeça erguida, ainda quando, dizia, sou mais dado a criticar de que a louvar, não posso deixar de prestar rendida homenagem ao homem de Estado que sonhou, viveu e preparou o Plano, com um desvelo e uma fé só comparáveis à confiança que deposita no futuro do País o nos merecimentos dos Portugueses.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Será escusado dizer que me refiro ao Prof. Marcelo Caetano, a quem o País devo já os maiores e mais relevantes serviços ...
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - ... e de quem todos aguardamos novos e mais serviços, como temos o direito de esperar da sua personalidade, da sua competência, da sua estatura moral e mental e do seu talento do estadista.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Melhor do que nós poderíamos fazer já Salazar, com a sua habitual lucidez e precisão, disse a respeito de Marcelo Caetano:
... o Doutor Marcelo Caetano, que nestes últimos três anos ocupou o mesmo lugar com o brilho e a eficiência que tem o dom de emprestar a todas as outras missões que lhe tom sido confiadas. Em situação extremamente delicada, de responsabilidades crescentes e com muito grandes dificuldades, não só foi o precioso colaborador de todos os momentos, como pôde tomar a iniciativa do muitos trabalhos e, sobretudo, orientar e presidir à elaboração do II Plano de Fomento, que espero, confiadamente, marque, a partir do próximo ano, um grande passo em frente na vida deste país.
Um agradecimento e um louvor são devidos ao Governo, que estudou e preparou este Plano, mas uma
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referência especial é devida ainda aos Srs. Ministros das Obras Públicas e das Finanças pelos valiosos contribui os que deram ao Plano e ficam a traduzir-se em estudos de viuvado mérito, o que muito me apraz salientar, embora com pesar, por não terem tido melhor resultado alguns dos trabalhos preparados pelo Ministério das Obras Públicas.
Posto isto -estas merecidas e indispensáveis referências-, ocupar-me-ei do condicionalismo de ambiento e da finalidade social de que tem necessariamente de revestir-se a execução do Plano de Fomento.
Já tive ocasião de afirmar e repetir nesta Gamara que a tarefa do desenvolvimento económico não é apenas uma obra de governo, pois exige a compreensão activa, a adesão consciente de todos os portugueses. Careço, assim, de um ambiente próprio, o que supõe uma campanha activa o constante de esclarecimento das inteligências, de solicitarão das vontades, de adesão dos sentimentos dos Portugueses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Creio haver-se já perdido tempo neste particular, assim como estranho que durante período recente e triste tivesse havido algum esquecimento a este respeito, certamente involuntário, mas a dar a medida da campanha a fazer, inclusive junto de muitos que seria de esperar manifestassem maior compreensão de quanto é mister fazer seriamente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esperamos, porém, que possa remediar-se a falta, tomando o tema e fazendo-o viver na consciência do País, e que a Administração, com a indispensável colaboração dos meios de informação, consiga criar um ambiente colectivo e o conhecimento individual bastantes pura que a Nação o tenha como seu, como meio de satisfazer os seus anseios, e lhe empreste a valiosa e indispensável cooperação, para benefício de todos e engrandecimento da nossa terra.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Será, contudo, necessário que se diga que, tal como foi indispensável à sua elaboração a tranquilidade de quem estudava, a confiança de quem projectava e a serenidade de quem ordenava e coordenava, tal como foi indispensável à preparação do Plano a persistência de um clima de ordem, disciplina e paz, à margem de lutas partidárias ou disputas estéreis, a que já se chamou «paz lusitana», constitui insuprível necessidade, para a boa execução das tarefas, manter o mesmo clima, perseverar na unidade dos Portugueses - a unidade e a paz entre os Portugueses - e assegurar um clima de confiança no futuro do País, mas também de confiança política.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Neste domínio temos, porém, de reconhecer, realistamente, que algo falta fazer, que é necessário, não só afastar ràpidamente as nuvens que apareceram no horizonte com a última campanha eleitoral, como desfazer alguns motivos de desconfiança, certas manifestações de ressentimento e determinadas razões de tensão social, e ainda criar um clima novo, com mais idealismo o novos motivos de adesão da consciência doa Portugueses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E não se julgue que dar agora o pilo e a justiça que, porventura, foram demorados será, necessariamente, creditado a uma política, porque bem poderá ser-lhe debitado, se antes se não criar o indispensável clima, se não se construírem novos motivos de adesão.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Outro condicionalismo, aliás muito imbricado com o anterior, é o sentido e finalidade social em que devem traduzir-se os resultados do Plano.
Não podemos ignorar o ambiente que desde há anos. a pouco e pouco, vem adensando-se no País a este respeito. Para mim a questão não é nova, mas pode bem tê-lo sido para alguns. Confiemos, todavia, em que tenha sido perceptível a todos.
É indispensável que os resultados do Plano não sirvam apenas alguns, mas todos; é indispensável que o Plano venha a propiciar a todos os portugueses, especialmente aos mais desafortunados, os benefícios que permite esperar.
A finalidade de distribuir mais justamente a riqueza criada, quando não for possível melhorar a sua posse; de limitar os usos e abusos de uns afloramentos capitalistas, já fora de estação; de combater as ostentações, nem sempre raras, que ferem a modéstia e criam escândalo público; de distribuir anais igualmente os bens produzidos, tem de constituir na execução, tal como representa no Plano, um objectivo constante, persistentemente- seguido, perseverantemente defendido, se quisermos que os Portugueses acreditem nos seus benefícios, confiem no seu resultado e ...cooperem na sua execução.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -Esta atitude -determinante do clima propício -, que é tanto uma necessidade política como uma exigência da economia, tara de resultar, não só do medidas gerais, algumas das quais breve ficaremos a dever ao Sr. Ministro das Finanças, como da acção de cada dia, porquanto o dirigismo económico tanto pode servir para corrigir como para agravar defeitos. Se quisermos a adesão da juventude e a confiança dos Portugueses teremos de agir decididamente neste campo, porque à indiferença de uns já se soma a descrença de muitos, e até o desespero de não poucos.
A preocupação social, que representou sempre para mim e para os da minha geração a essência do regime e a sua maior razão de ser constitui hoje absorvente, quando não desesperada, preocupação das camadas novas. É, pois, indispensável que, libertos das influências de quantos tiveram artes de a ensombrar ou, mais ou menos discretamente, combater, retome a posição cimeira que lhe é devida, retorne a ser a aresta viva das nossas preocupações, de novo constitua bandeira, ideal e fim de uma revolução que é mister cumprir.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E não se julgue quo o tempo sobra ... Os ressentimentos acumulados já são alguns, as tensões sociais criadas podem levai do desespero à subversão se a acção não for rápida, enérgica e firme, doa a quem doer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -E não esqueçamos o aviso, velho de séculos, de Aristóteles (Política, capítulo XIX):
É um erro, que até estas constituições aristocráticas não ocultam, dar indefinidamente mais aos ricos e demasiado pouco ao povo.
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No decorrer do tempo necessariamente resulta um estudo de coisas mau e que de bom não tem senão a aparência: o Estado é, assim, destruído mais pela cupidez dos ricos do que pela dos pobres.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Resta-me ainda aludir à execução do Plano, à forma ordenaria e harmoniosa como se realize, sem atrasos nem precipitações. Se o Plano está praticamente feito, da sua execução dependem, em boa medida, os resultados. Oxalá se saiba encontrar forma de o tornar na execução maior ainda do que na concepção.
Muito haverá que rever e acertar, em curto espaço de tempo, para adaptar os serviços às tarefas que o Plano deles requer, para criar uns, dotar convenientemente outros, sem esquecer a realização das tarefas que devem levar ao estudo suficiente e à recolha dos elementos necessários à elaboração oportuna do novo Plano, com inteiro conhecimento dos dados do problema do nosso crescimento económico.
O problema central é agora o da realização do Plano com a maior eficiência e proveito, e da forma como se processar dependem os resultados. Confiadamente esperamos do Sr. Ministro da Presidência a orientação firme e decidida capaz de concitar adesões e levar por diante, em nova arrancada, o progresso do País, tal como na gesta heróica do corporativismo, no período áureo da estruturação do regime, lhe ficámos devedores.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Dentro da ordem de considerações que indiquei, cabe agora a apreciação do problema da rega do Alentejo.
Começarei por reconhecer estar a questão carregada de preconceitos e subjectivismos, que a acompanham desde o nascimento, sem que frequentemente seja possível ver claro por entre o panegírico dos seu defensores e a crítica demolidora dos seus detractores.
Como tese e questão de princípio, o problema afigura-se simples e líquido: a rega é necessária ao progresso agrário e indispensável à transformação de vertas regiões agrícolas.
Vem logo a seguir o modo de promover a rega: a pequena obra de iniciativa individual, ou a grande obra, a executar pelo Estado.
Em tese ainda, creio serem as duas necessárias, mas talvez não seja tão pacífico considerá-las sempre cumulativas ou solidárias, pois para tanto muito influirá o meio em que se opere e o estádio de evolução em que nos encontremos.
Uma e outra têm características, finalidades e consequências bem diversas e até se representam por encargos sempre bem diferentes.
Diremos essencialmente que, enquanto a pequena obra, mesmo quando se concretize numa albufeira, não se faz acompanhar de complexas e profundas transformações económicas, sociais e humanas, essas características são, em geral, inerentes à grande obra de rega.
Daqui extraio uma primeira conclusão: a pequena obra de rega deve ser estimulada sempre, por todos os meios e, podo dizer-se, em todas as circunstâncias. E será caso para perguntar se temos feito tudo quanto era possível - apoio, estímulo, propaganda, demonstração, etc. - e com a intensidade necessária para que as pequenas obras de rega, do Minho ou Trás-os-Montes ao Alentejo, se executem com o ritmo desejável e na extensão devida. E mais: se já esgotámos em estudos, que o particular não pode fazer, o reconhecimento e a inventariação das águas subterrâneas, que por todo o lado, em vales o descampados, em terras diversas, poderiam auxiliar uma modificação de tanta e tanta exploração agrícola, resolver economicamente tantos problemas por processo eficaz.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por que se não fez? Pelas mil e uma razoes e falta dela com que as coisas às vezes acontecem na nossa terra. Enquanto a grande obra se vê e apaixona, a pesquisa de águas é modesta e não se vê. Pois é tempo de se passar a vê-la.
Chegamos, assim, à grande obra de rega, que, como disse, em tese é indiscutivelmente necessária. Mas sê-lo-á sempre em todas as circunstâncias de lugar e tempo?
Desde logo havemos de concluir pítia negativa. A grande obra de rega será, presumo, o meio directo mais eficiente para transformar o «panorama» ao sul do Tejo, modificação a que não podemos renunciar sem sacrifício das nossas ideias e preocupações sociais e humanas.
A oportunidade, a prioridade no conjunto dos problemas portugueses é que pode variar consoante consideremos a quentão alentejana no quadro português ou, isoladamente, em si mesma apenas. Quando vista e enquadrada no complexo português - e quero referir-me tanto à metrópole como ao ultramar-, o que poderia parecer claro e rectilínio pode tornar-se confuso e tortuoso. E assim acontece de facto.
Para lá das limitações decorrentes das condições próprias das regiões cuja rega se projecta, limitações da orografia e da natureza dos terrenos, há limitações resultantes das culturas.
Manuel Torres, o insigne economista do país vizinho, já aqui citado mais de uma vez, estudando o caso análogo, mas não idêntico, do regadio em Espanha concluiu que este estava dependente essencialmente da possibilidade de exportar os produtos produzidos e de produzir produtos de substituição de importações.
Isto porque não parece admissível esperar que o incremento do nível de vida possa ocasionar grandes aumentos nos consumos dos produtos produzidos pelos novos regadios, pelo menos momentânea e rapidamente. Acrescentarei, de minha conta: que não sejam amplamente satisfeitos pelos pequenos regadios, cujo desenvolvimento parece ser sempre maior do que o próprio estímulo do mercado.
Nestas condições, nu há culturas novas, melhor, novas culturas industriais, que possibilitem um efectivo rendimento das novas áreas regadas, ou recairemos em transferências de culturas sob o império do grau de produtividade.
Mas haverá novas culturas capazes de assegurar a rentabilidade do investimento e a feição social de que é indispensável se revista? Vejamos o que se passou no país vizinho. Entre 1934-1935 e 1951-1952 verifica-se uma redução ou estagnação da produção dos principais produtos tradicionais do regadio espanhol, como da cebola, da batata, do arroz, da laranja, do limão, da ameixa, do damasco e da alcachofra, e, em contrapartida, um aumento substancial do algodão e do tabaco - respectivamente 5,6 e 3,4 vezes -, logo seguidos, a menos de metade, pela maça e pelo pêssego e, mais adiante, pelo tomate e pela banana. Em resumo: o crescimento do regadio espanhol fez-se a expensas do algodão e do tabaco. Mas acrescenta também, oportunamente, Manuel Torres não ser desejável, antes indesejável, fomentar uma produção com sacrifício da produtividade, e isto sem ter em vista a zona de comércio livre europeu ...
Teremos, então, nós possibilidades neste capítulo?
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Vejamos, antes, o que tem sido o resultado característico e saliente do nosso regadio. Teremos de reconhecer que se traduziu, essencialmente, no alimento sucessivo da produção de arroz, da saturação até ao excesso já endémico.
Posto tudo isto, resta-nos raciocinar com singeleza, e realismo frio. É indiscutível que o esforço da iniciativa particular; com e sem novos regadios evidentes, se tem revelado capaz de satisfazer e -pobre dela!- exceder as necessidades do incremento de consumo. Bastará lembrar que entre 1935-1939 e 1950-1955 a lavoura portuguesa acresceu as suas produções em cerca de 50 por cento.
Não deve, pois, recear-se qualquer estrangulamento, por parte da nossa agricultura, do desenvolvimento económico ou escassez de produções que prejudiquem ou retardem a tarefa de industrialização. Não se arreceie num se tema, porque a nossa lavoura sempre soube servir.
Mas as culturas industriais, nomeadamente do algodão, da beterraba sacarina, do tabaco? Não vou agora repetir quanto já tive ocasião de expor nesta Câmara, mas não deixarei de frisar não serem as culturas do algodão e da beterraba sacarina economicamente possíveis, tanto perante a produtividade do algodão e da cuna sacarina nos nossos territórios do ultramar como pelas perspectivas mais ou menos remotas da zona de comércio livre europeu. Recorde-se ainda o aviso de Torres acerca da indesejável protecção artificial - e já bastam quantas defendem ou ensombreiam a nossa agricultura - das culturas em condições de inferior produtividade.
Outro tanto poderá concluir-se relativamente ao tabaco, se tivermos em conta as extraordinárias possibilidades de Angola e Moçambique, do seu elevado poder colonizador da necessidade de lotes homogéneos e, ainda, se atendermos ao facto de não termos até agora sido capazes de assegurar uma colocação do tabaco ultramarino superior a 20 por cento do consumo nacional, apesar de se produzir mais e poder produzir muito mais ainda ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nau haverá mais e diferentes possibilidades?
Certamente que existem, mas a prazo e de escasso sentido social e colonizador. Poderá pensar-se na fruticultura, em certos legumes parti industrialização, no tomate para conserva e até em determinadas culturas florestais. Mas serão susceptíveis de resolver o problema, de assegurar, rápida e extensamente, condições de benefício relativo idêntico ao esperável do arroz, milho ou mesmo batata?
Creio firmemente que não, além de que terá de se reconhecer não satisfazerem os objectivos sociais e humanos que indissoluvelmente andam ligados a estas obras e constituem até a sua justificação e motivo de prioridade.
Não será certamente o recurso a culturas arbóreas e florestais que resolve o problema da equilibrada ocupação da mão-de-obra, nem certamente também coisa diferente acontecerá com culturas intensamente mecanizadas, em que o homem é chamado a intervir, com certa intensidade, quase só na colheita. E, depois, ocorre ainda perguntar: as zonas que vão ser regadas coincidem com aquelas onde superabunda a mão-de-obra, em desemprego estacionário e subemprego permanente? Coincidem com propriedades onde o parcelamento e a colonização devam ser a solução adequada o conveniente? E mais interrogações poderiam ser formuladas com idêntico sentido e resposta.
Sei que não disse tudo, que VV. Ex.as estarão a formular, pelo menos, mais duas interrogações: Então, a carne e os lacticínios, de que temos falta, e também sobre o custo das obras e processo de as pagar?
A carne e os lacticínios, mais estes do que aquela, estão sujeitos, na nossa economia, a crises de excesso, seguidas de outras de escassez, apesar do baixíssimo nível de consumo de uma e dos outros. Não se produzem sempre em maiores quantidades, fora de qualquer problema de planos de regadio, unicamente por mor de uma questão de preço.
Outra não é a razão pela- qual o meu desafortunado distrito de Bragança vem substituindo a criação de gado pela cultura de trigo. Resolvido este problema -se for possível, dentro do condicionalismo em que nos encontramos, solucioná-lo em prazo breve- podem todos ficar tranquilos de que não depende da execução deste ou de outro plano de rega a satisfação das nossas necessidades, pelo- menos nos anos próximos.
Já li para aí esperar-se tirar rentabilidade -e elevada!- dos novos regadios a partir do trigo -repito: do trigo-, da produção maciça de forragens e também de algumas culturas horto-industriais. Já é vontade de justificar a obra! Por mini, limito-me a sorrir e ... a passar adiante.
Como se tudo quanto venho dizendo não bastasse, s urge ainda o decantado problema do elevado custo das obras. É um facto, e um facto sério, que mais limita as possibilidades de, por agora, prosseguir nesse caminho.
Para o tornear inventam-se novos motivos de discussão ou propõem-se soluções que só têm justificação real, no actual estado de coifas, pela redução de um encargo a proporções já susceptíveis de não fazer sofrer e ... fugir os beneficiários.
De facto, que justificação séria, respeitando todos os postulados de justiça, poderá haver para uma tal orientação, paru pedir que o Estado pague 50 por cento, mais ou menos, do custo da obra? Só encontro uma: o elevadíssimo custo da obra, mesmo perante os anormais valores venais da terra entre nós.
Com efeito, como havia de justificar-se essa benesse, essa dádiva a uns, quando dela se exclui a grande maioria? Porque haveria de beneficiar de tal o lavrador - feliz ou infelizmente- proprietário numa zona dessas, e igual benesse havia ou podia ser negada à multidão dos heróicos cultivadores de todo o Norte do País e do Algarve, que atravessam a terra em todos os sentidos -e tantas vezes infrutiferamente! - em busca de água, que o motor ou a nora fazem vir à superfície para vivificar culturas, criar ou desfazer ilusões? Poderá alguém considerar justo um procedimento desses? Cuido, decididamente, que não
Compreendo que assim se proceda para com as obras já feitas, que saíram bem mais caras do que se previa, representaram pesado encargo para o Estado, mas não consentem o pagamento de taxas tão elevadas como as previstas. Bem vistas as coisas, sanava-se uma situação imoral e talvez o Estado não perdesse tudo ...
Há ainda um argumento sumamente valioso, a que propositadamente não aludi até agora: a possibilidade de impor aos agricultores que cultivam aquilo que se ofereça à fantasia de quem tenho de justificar a rentabilidade dos empreendimentos.
Porque não? Talvez fosse a fórmula única e mágica que impedisse aquilo que é inevitável: as novas obras de rega determinarão primeiro um novo aumento da cultura do arroz, depois do milho e, por fim, da batata, à mistura com manchas de pomares, de cultura florestal, de culturas horto-industriais e até ... de forragens.
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Talvez pudesse ser uma solução, no papel ou no pensamento de quem planeia ou tem de justificar; mas seria realmente? Decididamente que não.
Dou a palavra ainda a Manuel Torres. Diz ele:
O problema é complexo e difícil e, sobretudo, não pode regulamentar-se facilmente, porque isso implica algo. assim como pôr portas ao campo. Os agricultores cultivam aquilo que lhes interessa cultivar, digam o que disserem os planos do Estado, e interessa-lhes cultivar aqueles produtos em que obtenham um maior rendimento. Qualquer intervenção que coarcte a liberdade do agricultor para plantar o que quiser é desaconselhável, porque resulta altamente impopular.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Que quererão cultivar os nossos agricultores? Que interessaria mais cultivar aos nossos agricultores? Quais serão os «custos de oportunidade» cias culturas possíveis? Dispenso-me de dar resposta.
Vamos regar o Alentejo? Certamente que teremos de regar a terra alentejana. Mas vamos regá-la quando e em que conjuntura?
Agora e nas actuais condições, certamente que não. De resto, se entre nós não é, presentemente, de temer ou recear que a produção não corresponda e exceda até as solicitações do mercado, seria prudente e assisado promover aumentos de produções já excedentárias, conhecida a escassa elasticidade da procura, tanto relativamente ao preço como ao rendimento, criando, assim, terríveis problemas económico-sociais à zona do litoral (milho, batata e arroz) e à serrana (milho e batata), principalmente onde o povoamento é mais denso, e que não poderiam competir com a produção mecanizada do Sul? Só não responderá negativamente quem não reflectir no problema.
Bem sei que isso poderia trazer um aumento da produtividade agrícola, que teremos de procurar. Mas com que sacrifício e por que preço a alcançaríamos?
Seria o mesmo que, de um momento para o outro, racionalizar e mecanizar até ao extremo da automação, por exemplo, a nossa indústria de lanifícios ou algodões, despedindo ainda, de um dia para o outro, algumas dezenas de milhares de operários, cujo sustento passaria a constituir por algum tempo encargo da colectividade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E depois, se queremos minorar a surte da nossa difícil vida agrícola, deixemos, sem receio nem temor, que sejam os estímulos do mercado a solicitar a oferta, e não esta a aviltar mais e mais os já deteriorados preços agrícolas.
Vozes: - Muito bem. muito bem!
O Orador: - Lembremo-nos de que as práticas monopolistas não estão ao alcance da lavoura e de que as maltusianistas não são processo que se quadre com o «estado» do lavrador, cujo destino é, sempre e só, produzir mais. Tenhamos dó dele, e tentemos minorar a sua condição. Não teremos de nos arrepender.
E, para concluir, desejo apenas referir que compreendi bem a intenção do Ministério das Obras Públicas ao mandar estudar e elaborar o plano de rega do Alentejo. Compreendi e louvo a intenção.
O Ministério das Obras Públicas - honra lhe seja - chamou a si o abandonado problema do desemprego no Alentejo, que chegou a revestir-se de certa gravidade.
Chamou a si a solução do problema e procurou obte-la pulos meios ao seu alcance: a construção de obras que ocupassem os desempregados. Em grande parte por essa firme e decidida acção, em parte também pelo decorrer do tempo, que tudo altera, o problema deixou de estar na ordem do dia das preocupações gerais. Rasgaram-se estradas, fizeram-se diversos melhoramentos, até com prejuízo do resto do Puís, mas ocupou-se a maior parte dos homens desempregados.
Todavia, a solução não podia ser definitiva - acabaria por não haver mais estradas para abrir - e, fora aquilo que o tempo tivesse podido fazer, continuaria o problema a existir com o mesmo cariz e renovada gravidade. Era necessária uma solução de fundo que ocupasse a gente desocupada, que assegurasse trabalho e pão a todos os desempregados o subempregados.
Dentro da esfera de competência do Ministro das Obras Públicas, o único caminho possível era precisamente o de rega, que, aliás, podia ter muitas outras justificações. E tanto bastou para que devotadamente se partisse em demanda do seu estudo, corrigindo processos que já haviam dado os seus resultados. E eis que surge o Plano. E se o Alentejo não fizesse parte de Portugal o problema estaria resolvido.
Assim, surgem to ida s as questões de coordenação metropolitana e ultramarina a anular esperanças e propósitos que só devemos louvar. Lamento sinceramente que a intenção e o propósito, que devem merecer a nossa simpatia e respeito, não possam ter melhores perspectivas, tanto mais que o problema que visava resolver-se existe em boa parte e, portanto, subsistirá. Cuido, porém, ser possível encontrar para ele soluções diversas, mais rápidas e mais adequadas.
Entretanto felicitemos o Sr. Ministro das Obras Públicas por mais esta preocupação de bem servir e resolver os problemas que alguma vez caem sob a sua esfera de acção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pelo que se refere à questão das estradas municipais só tenho que louvar a decisão do Governo, de me regozijar com a sua intenção de, em período prefixado, assegurar a ligação rodoviária, direi com a vida, a todos os portugueses - e são quase milhão e meio - que ainda a não possuem.
São medidas e decisões destas que acreditam a capacidade de uma Administração s dão o conforto e a esperança necessárias a quantos persistem ainda em povoar e fazer progredir os rincões mais recônditos da terra lusa.
Por que abordo então o problema? Por motivos já aqui apontados, que julgo conveniente sintetizar e repisar. Pela frustrarão a que conduziria a execução nas condições previstas por falta dos meios indispensáveis por parte da nossa empobrecida e debilitada administração municipal. Pela falta das estradas nacionais donde muitas daquelas -algumas dezenas de casos em Vila Real, Bragança, Castelo Branco, etc.- deveriam partir ou a que deviam ligar.
Para o primeiro aspecto julgo poder encontrar-se solução justa alterando as percentagens de comparticipação a conceder pura baixo -se possível- e para cima do nível actual, mas sempre em razão inversa das disponibilidades das diferentes câmaras municipais.
Vozes: - Muito bem !
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O Orador: - Ainda neste aspecto só me afigura essencial tomar uma grande opção. Devem as obras deste tipo - estradas municipais, abastecimento de água, arruamentos, etc.- nas regiões rurais ser chamadas a planos rígidos, técnica e superiormente elaborados, cuja execução progressivamente passe a competir aos órgãos da Administração Central, tal como aconteceu com as estradas nacionais, ou deve continuar a respeitar-se o princípio consignado na Lei dos Melhoramentos Rurais de procurar a colaboração activa das autarquias e populações locais?
Por mim apesar de a taxa de salários ter tornado, em muitas regiões das mais desenvolvidas economicamente, mais eficiente e económico o uso da máquina, por mim, dizia, continuo a pensar que, salvo se o Estado entender ou puder chamar a si algumas destas obras a título definitivo, não pode deixar da ser respeitada a vontade, critério e cooperação das populações e autarquias interessadas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mais. Penso que só resultará mais eficiente fazer com que as populações se sintam a participar nas obras e a vivê-las como suas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nestas condições julgo que nem haverá vantagem em elaborar, desde já e rigidamente, planos para os seis anos, nem deverá obstar-se, antes favorecer-se até, à participação das populações locais onde e enquanto possam utilmente cooperar.
E não se pense que em regiões ultramontanas, e mesmo noutras, a introdução obrigatória de um empreiteiro dá maiores garantias de menor custo e de melhor obra, porquanto não raro a localização, dimensão da tarefa e oportunidade da mesma podem determinar - e determinam - resultados bem diversos.
O locais tem-se modificado muito, especialmente na faixa litoral, mas não tanto que os Portugueses sejam diferentes, o seu sentido de participação e dádiva sejam hoje menores do que eram quando o saudoso Dr. Antunes Guimarães, a quem presto comovida homenagem, os sentiu e compreendeu ao publicar a sua utilíssima Lei dos Melhoramentos Rurais.
O óptimo é por vezes o inimigo do bom - é asserto velho que se aplica tanto num sentido como noutro. A vida local tem de ser revigorada, as autarquias prestigiadas, embora haja que subordinar ou limitar as suas questões e problemas a um enquadramento geral técnico e regional - mas apenas a essa coordenação, que não pude ser substituição.
Assentemos, pois, na necessidade de respeitar, quanto possível, a vontade das nossas autarquias como lídimas representantes das populações e, ainda, na conveniência de permitir e até fomentar a cooperação das populações nas suas próprias obras, na satisfação das suas próprias ansiedades.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Podemos ficar tranquilos, porque uma fiscalização eficiente das administrações directas, como, aliás, das empreitadas, permitirá que se executem com segurança muitas mais obras, por menor preço e com maior proveito.
Não tiremos as esperanças a quem delas carece para poder viver, burocratizando aquilo que tem de ser vivo e viver também nus gentes.
O problema das limitações impostas à execução do Plano pela falta de certas estradas nacionais enxerta-se no próprio problema das estradas nacionais.
Ora, a situação do problema da construção e conservação das estradas nacionais, tendo atingido o ponto crítico quando foi votada a Lei n.º 2068, voltou a agravar-se, mercê de uma afectação de verbas a obras extraordinárias, como a ponte da Arrábida.
Com efeito, no período de 1949-1956 construiu-se, em média, pouco mais de 50 por cento da quilometragem construída em 1934-1948. Para se avaliar a cadência da construção em muitos dos últimos anos poderei referir que anda à volta da quilometragem construída em Trás-os-Montes nos anos, já longínquos, de 1934 e 1935. É certo que no ano findo se recuperou, subindo a construção para uivei quase duplo do verificado em 1939-1948, mas também é verdade que o plano de construção do ano decorrente acusa já um atraso, irrecuperável, de mais de 50 km.
A necessidade de apressar a construção da auto-estrada entre Lisboa e Vila Franca de Xira veio ainda limitar a afectação de dotações à reparação.
Tratar-se-á de um deferimento, é certo, na medida em que a obra estava incluída no plano de financiamento para 1956 a 1970, mas, outro tanto não ocorrerá com a ponte da Arrábida, que afectará irremediavelmente a execução do plano lios próximos anos. E tudo isto quando o ritmo não era já nem satisfatório nem suficiente para satisfazer as exigências crescentes do aumento de tráfego e das necessidades das regiões ainda deficientemente servidas.
De facto, há regiões onde a execução do plano rodoviário não atingiu 30 por cento das estradas previstas, como acontece com as de 3.ª classe em Bragança. Anote-se que são estas estradas aquelas que mais facilitam as comunicações inter-regionais e de que dependem muitas ligações por meio de estradas ou caminhos municipais.
Se analisarmos o problema mais pormenorizadamente perante o plano rodoviário, verificaremos poder, neste caso como em quase todos os outros, divir-se o País em três regiões distintas: a faixa litoral, os Alentejos e as Beiras interiores e Trás-os-Montes.
Se deixarmos de lado as estradas ditas principais, de que a construção atingiu já níveis satisfatórios em todas as regiões, verificaremos ser o ritmo de execução do plano rodoviário naquelas regiões decrescente, pela ordem por que foram indicadas.
Assim, as estradas de 1.ª classe atingiram já, em relação ao previsto, cerca de 98 por cento no litoral, 87 por cento nos Alentejos e apenas 80 por cento no nordeste; as de 2.ª classe, respectivamente, cerca de 91 por cento, 86 por cento e 89 por cento; as de 3.ª classe, pela mesma ordem, cerca de 71 por cento, 55 por cento e 49 por cento, e os ramais cerca de 88 por cento, 77 por cento e 63 por cento, pela mesma ordem ainda.
Ora, se não vencermos o atraso, não podemos esperar a conclusão do plano rodoviário - já manifestamente desactualizado para as necessidades presentes- senão para daqui a mais de quarenta anos! Entretanto, deixarão de poder ser utilizáveis muitas das estradas existentes.
E continuarão a carecer de condições mínimas centenas de milhares de habitantes, a faltar as estruturas basilares do desenvolvimento de certas regiões, não sendo, assim, possível vencer o círculo vicioso que leva à concentração monstruosa e progressiva desta linda cidade de Lisboa. As populações do interior não terão vias de comunicação capazes, porque têm escassa importância económica e continuarão a ter reduzida vida económica, porque não dispõem de condições - a primeira das quais é a estrada - para poder progredir.
Vozes: - Muito bem !
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O Orador: - É mister sair desta situação, vencer estes complexos, assentar o problema em bases consentâneas com as necessidades do País e as possibilidades financeiras.
Para tanto, é indispensável, como já aqui foi salientado insistentemente, que a construção, reparação e conservação de estradas nacionais sejam incluídas no Plano de Fomento como o postulam tanto as exigências do País, como o próprio prestígio da administração pública, e se dê prioridade, nas novas construções, às regiões que carecem de amparo, carinho e estímulo, se quisermos evitar que amanhã - um amanhã que pode não ser distante - se despovoem irremediavelmente, quase por completo. Por mim, aguardo, confiado!
Outro aspecto a que desejava aludir era o do abastecimento de água às populações rurais, problema que o nosso ilustre colega engenheiro Amaral Neto aqui apresentou de forma clara e impressionante. Pouco mais poderei acrescentar, mas não desejava dispensar-me de dizer ainda alguma coisa, tão grande me parece ser a importância de que se reveste.
Com efeito, há presentemente pendentes de comparticipação perto de oito centenas de pedidos para abastecimento de água, de que uma boa parte tem quase dez anos e cujo valor deve orçar pelas seis centenas de milhares de contos.
O número de povoações que não têm ainda abastecimento de água satisfatório - e escuso de encarecer a sua importância e premência - excede os vinte e seis milhares, em pouco mais de três dúzias de milhares, das quais mais de onze milhares, ou sejam 60 por cento, com mais de 100 habitantes e dezena e meia de milhar, ou sejam 80 por cento, com menos de 100 habitantes.
E nem vale apena calcular o tempo que demoraria a satisfazer, no ritmo actual, esta necessidade essencial, porque dificilmente poderia ser observado pelos nossos netos. Todavia, é quase metade da população metropolitana que está em causa e cuja saúde, higiene e conforto exigem uma acção enérgica, decidida, como só um Plano de Fomento pode assegurar. Se quisermos travar o fenómeno migratório teremos que oferecer condições de vida decentes às populações rurais, que não podem continuar a carecer, inclusive, de água capaz para beberem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não vou ao ponto de considerar que se atenda, nas obras de abastecimento de água a efectuar, não só ao consumo das populações, mas também às necessidades da pequena rega de hortas e pomares. Seria ideal, mas creio não ser essencial. Primeiro vamos assegurar água capaz a quem a não tem.
A inclusão dos abastecimentos de água às populações rurais no Plano de Fomento parece-me, assim, perfeitamente justificada e indispensável.
Como processo de execução dessa tarefa afigura-se-me aconselhável um sistema idêntico ao preconizado para aã estradas municipais, ou seja comparticipações segundo percentagem inversa das possibilidades dos diferentes municípios, de nível superior ao actual para a maioria, e concessão de amplas possibilidades de efectivação da obra com a cooperação das populações interessadas pelo processo da administração directa.
Se o Governo vier a satisfazer este apelo da Câmara mostrará uma elevada compreensão das ansiedades do País e promoverá a realização de uma das tarefas primaciais da vida bem pouco confortável da nossa admirável gente do campo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Para finalizar, queria deixar também algumas notas sobre o problema do desenvolvimento económico regional, especialmente sob o ângulo da localização industrial.
O problema já foi abordado por diversa? vezes nesta Assembleia, permitindo-me destacar as achegas que os nossos ilustres colegas engenheiro Araújo Correia e Dr. João Rosas trouxeram à compreensão, esclarecimento e importância do problema.
Julgo que bastará atentar nas consequências da fortíssima concentração industrial à volta de Lisboa, no crescimento da nossa capital, para ter a noção de que estamos a repetir o que outros estão, de há já anos, a tentar remediar.
Por que não aprender com a experiência alheia, extrair dela as lições que comporte e evitar a repetição dos mesmos erros?
Por estranho que pareça, não consigo resposta coerente para esta interrogação. Razões, causas, explicações para o fenómeno, podem apresentar-se muitas; justificação é que cuido não haver nenhuma.
A extensão do fenómeno medir-se-á, talvez, pela razão entre a população da área de Lisboa e a do País, que, a manter-se s ritmo actual. breve estará num oitavo! Se a esta concentração urbana e industrial juntarmos a da área da cidade do Porto, chegamos a números assustadores, mas conhecidos.
Entretanto, despovoam-se as regiões do interior, diminuem as possibilidades de desenvolvimento dessas zonas, caminha-se para o irremediável.
Se Gravier escrevesse sobre este problema em Portugal certamente- teria reservado o titulo do seu livro Paris e o Deserto Francês para nós outros e procurado um diferente para o caso do seu país.
Esta situação carece de ser enfrentada sem detença nem rodeios, se quisermos salvar a vida da nossa província, evitar os já bem conhecidos problemas próprios das grandes concentrações humanas, permitir que se abra um caminho ao nosso progresso agrícola, enfim, fazer com que Portugal seja todo o território, e não apenas uma pequena faixa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se pode haver dificuldades sérias para uma disseminação industrial, o mesmo não acontecerá se forem preparados entre meia dúzia a uma dezena de pólos de desenvolvimento, cujas infra-estruturas podem ser completadas com certa brevidade e donde viriam a irradiar as novas unidades industriais que o nosso progresso vá fazendo nascer dia após dia.
Julgo mesmo que atingimos um ponto tal que não dispensará já a transferência de algumas das indústrias social e economicamente mal situadas e, ainda, à margem de todas as regras da higiene e segurança públicas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isto porque da localização de algumas dependerá a situação de muitas outras, como ocorre com a nossa refinaria de petróleos e vai acontecer com a siderurgia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Razões políticas, sociais e económicas impõem uma acção rápida e enérgica, a que se opõem a comodidade das administrações e dos administradores, as conveniências da distribuição - coisas de bem pouca monta quando está em causa o interesse da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Porque tenho a sensação nítida de não ser admissível aguardar seis anos sem termos criado algumas situações irremediáveis, outras que exigirão encargos avultados e outras ainda de complexa solução, cuido ser necessário agir desde já, prevenir o mais possível para remediar o menos possível.
É essa acção que confiadamente espero da lúcida inteligência e vivo dinamismo do Sr. Ministro da Economia, para quem apelo com fundada esperança.
Sr. Presidente: sei bem ter abusado da paciência de V. Ex.ª e da Câmara, sei bem não ter adiantado nada às considerações já feitas (não apoiados), mas talvez tenha ajudado a criar o clima próprio para que o Governo nos entenda e atenda, uma vez que o País se deve ter sentido a si próprio ao ouvir-nos.
Esperemos que assim aconteça, para prestígio de uma política e tranquilidade do País.
A tarefa que vai encetar-se é grande e poderá vir a ser decisiva na vida de Portugal. Para tanto é necessário quo não falte nem a coragem a quem governa nem a confiança a quem trabalha, se não perca a paz em que temos vivi lo, se encontrem novas tarefas e motivos de entendimento e confiança da Nação.
É necessário, talvez, coragem .para rever de fundo muita coisa, renovar muitas outras; é preciso desburocratizar e desconcentrar, mas é necessário, sobretudo, ir ao encontro das ansiedades de uma época, da maneira de pensar das camadas mais jovens, fazê-las participar nas responsabilidades das tarefas comuns e falar-lhes do futuro, que naturalmente lhes há-de pertencer.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E necessário completar a Revolução ou, se V. Ex.ª preferem, fazer uma revolução dentro da Revolução Nacional, uma revolução pacífica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De Salazar esperamos hoje essa revolução, que o País aguarda ansioso.
Sr. Presidente: termino enviando para a mesa uma moção assinada pelas Srs. Deputados Melo Machado, Amaral Neto. Sarmento Rodrigues. Dias Rosai, Armando Cândido, Vasques Tenreiro. Sá Alves, Augusto Simões, Virgílio Cruz e por mim próprio.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito para a discussão na generalidade.
Durante a discussão na generalidade foram apresentadas algumas propostas de alteração ao texto da proposta governamental, que serão lidas na altura em que for posta à discussão na especialidade pada uma das bases da proposta de lei. Foram também apresentadas duas moções, uma pelo Sr. Deputado José Sarmento e outros Srs. Deputados e outra a que fez alusão o Sr. Deputado Camilo de Mendonça. Estas moções serão lidas no fim da discussão na especialidade.
Durante a discussão na generalidade não foi levantado qualquer incidente ou questão prévia que obste à prossecução do debate na especialidade. Por consequência, considero aprovada na generalidade a proposta de lei em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à discussão na especialidade.
Vai ler-se a base I.
Foi lida. É a seguinte:
BASE I
1. O Governo, ouvida a Câmara Corporativa, organizará o Plano de Fomento da metrópole e das províncias ultramarinas para o período compreendido entre l de Janeiro de 1959 e 31 de Dezembro de 1964 de harmonia com o disposto na presente lei e promoverá a respectiva execução.
2. Os empreendimentos e obras inscritos no Plano de Fomento podem ser custeados, total ou parcialmente, por dotações dos orçamentos da metrópole e das províncias ultramarinas ou realizados pela iniciativa, privada.
3. As despesas extraordinárias não incluídas no Plano de Fomento serão dotadas em cada ano de harmonia com as disponibilidades financeiras, tendo particularmente em atenção, na metrópole, o. execução do plano rodoviário, aprovado pela Lei n.º 2068, de 5 de Abril de 1954, e o fomento da habitação económica.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto ninguém pedir a palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vou pôr agora à discussão a base II, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração e uma moção.
Vão ser lidas a base, a proposta de alteração e a moção.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE II
O Plano de Fomento compreenderá as rubricas seguintes:
Agricultura:
1. Hidráulica agrícola.
2. Povoamento florestal.
3. Reorganização agrária.
4. Defesa sanitária das plantas e dos animais.
5. Melhoramentos agrícolas.
6. Armazenagem de produtos agrícolas.
7. Viação rural.
Pesca, indústrias extractivas e transformadoras:
1. Pesca.
2. Minas.
3. Indústrias-base.
4. Indústrias transformadoras.
5. Reorganização industrial.
Electricidade:
1. Produção.
2. Transporte.
3. Distribuição.
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Transportes:
1. Transportes ferroviários.
2. Transportes marítimos.
Comunicações:
1. Portos.
2. Aeroportos.
3. Ponte sobre o Tejo.
4. Rede telefónica nacional.
Investigação e ensino técnico:
1. Investigação aplicada.
2. Escolas técnicas.
Proposta de alteração à base II
Propõe-se que as rubricas «Transportes» e «Comunicações» da base II passem a constituir uma só, sob a designação de «Transportes e comunicações», nos seguintes termos:
Transportes e comunicações:
1. Transportes ferroviários.
2. Transportes marítimos.
3. Portos
4. Aeroportos.
5. Ponte sobre o Tejo.
6. Rede telefónica nacional.
O Deputado, Camilo de Mendonça.
Moção
Considerando que a sexta rubrica da base II diz respeito unicamente a investigação aplicada e ensino técnico directamente ligados ao Plano de Fomento e atendendo também a que o ensino científico e técnico de grau superior são elementos preponderantes para que na execução do II Plano de Fomento se não observe penúria de investigadores, cientistas e técnicos qualificados, chama-se a atenção do Governo para que na política económica o educativa, gerais a cargo, como se diz, do orçamento ordinário se atenda muito particularmente às necessidades prementes do nosso ensino técnico de grau superior e cientifico, ministrado, muito particularmente nas nossas Faculdades de Ciências que formam geólogos, matemáticos, físicos, químicos, biólogos e engenheiros geógrafos.
Sala das Sessões, 31 de Outubro riu 1958. - Os Deputados: José Sarmento de Vasconcelos e Castro - António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho - Urgel Horta - Virgílio Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. José Sarmento: - Desejava perguntar, agora que se está a proceder à discussão da base II, se será oportuno proferir algumas palavras sobre a moção que foi apresentada.
O Sr. Presidente: - A questão não é bem como V. Ex.ª a põe. Deve V. Ex.ª aguardar o final da discussão para as considerações que deseja fazer.
O Sr. José Sarmento: - Se V. Ex.ª, Sr. Presidente, assim o acha, então aguardarei o final.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: não cheguei a perceber bem se a moção que acaba de ser lida é relativa no contexto geral da proposta que está em discussão ou se diz apenas respeito à base.
O Sr. Presidente: - A moção começa por dizer:
(Leu).
O Sr. Carlos Moreira: - É que me parece ter sido lida uma proposta de alteração e eu não sei se a moção está de harmonia com ela.
O Sr. Presidente: - A discussão é sobre a proposta de lei e a proposta de alteração que lhe diz respeito.
É claro que esta moção poderia ser prejudicaria pela votação da base. A Câmara toma agora uma posição sobre a base II e a proposta de alteração que lhe diz respeito; e ver-se-á, na altura própria, se a moção foi prejudicada.
O Sr. Carlos Moreira: - Muito obrigado.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão a base II.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se a votação. Vão votar-se a base II e a proposta de alteração subscrita pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
Submetidas à votação, foram, aprovadas.
O Sr. Presidente: - Vai agora passar-se à discussão da base III, sobre a qual há na Mesa uma proposta de aditamento relativa ao n.º 2.
Vão ler-se a base e a proposta de aditamento que lhe diz respeito.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE III
1. O Concelho Económico elaborará antes da entrada em vigor do Plano de Fomento a estimativa da repartição dos seus encargos pelos seis anos de vigência.
2. Até 15 de Outubro anterior ao início do cada um dos anos de vigência do Plano de Fomento será aprovado pelo Conselho Económico o programa de financiamento destinado a execução do Plano no ano seguinte.
3. No programa anual de financiamento serão especificadas as obras e empreendimentos a realizar nesse ano com menção dos recursos que hão-de
custeá-los e fontes onde serão obtidos, tendo em conta o estado das obras ou dos empreendimentos, a origem e natureza dos capitais a empregar, a balança de pagamentos e, de modo particular, a situação do mercado monetário e financeiro.
4. As fontes dos recursos a considerar na elaboração dos programas anuais do financiamento são as seguintes:
a) Orçamento Geral do Estado;
b) Fundos autónomos, institutos públicos e autarquias locais;
c) Instituições de previdência;
d) Empresas seguradoras;
e) Instituições de crédito;
f) Entidades particulares;
g) Autofinanciamento;
h) Crédito externo.
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Proposta de aditamento à base III
Propõe-se que à base III seja aditada uma disposição transitória a seguir ao n.º 2, nos termos seguintes:
2-A. O programa de financiamento destinado à execução do Plano de Fomento no ano de 1959 deverá ser aprovado pelo Conselho Económico até 31 de Dezembro de 1958.
O Deputado, Camilo de Mendonça.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão a base e o aditamento que acabam de ser lidos.
O Sr. Pinto de Mesquita: - A proposta de aditamento é da Câmara Corporativa ou do Governo?
O Sr. Presidente: - É subscrita pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça, correspondendo a uma sugestão feita pela Câmara Corporativa.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito obrigado a V. Ex.ª Sr. Presidente. Era, de facto, essa a minha impressão.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vão, votar-se a base III e a proposta de aditamento que lhe diz respeito.
Submetidas à votação, foram aprovadas.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à discussão as bases IV e V, sobre as quais não há na mesa qualquer proposta de alteração.
Vão ler-se as bases IV e V.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE IV
Compete ao Governo, para garantir o financiamento do Plano de Fomento:
1.º Aplicar os saldos das coutas de anos económicos findos e anualmente os excessos das receitas ordinárias sobre as despesas da mesma natureza que considerar disponíveis ;
2.º Realizar as operações de crédito que fórum indispensáveis;
3.º Promover o investimento em títulos do Estado ou certificados da dívida pública, ou em acções e obrigações, das importâncias dos fundos das caixas de previdência que, nos termos do Decreto-Lei n.º 37 440, de 6 de Junho de 1949, deverem ser levadas em cada ano às respectivas reservas sob aquelas formas de aplicação, tidas em conta as exigências da alínea b) do artigo 16.º do citado decreto ;
4.º Utilizar as somas disponíveis em cada ano do Fundo de Fomento Nacional e as receitas actualmente atribuídas ao Fundo de Fomento de Exportação que excederem as aplicações consignadas à execução dos fins constantes do Decreto n.º 37 538, de 2 de Setembro de 1949;
5.º Coordenar as emissões de títulos e as operações de crédito exigidas pelo desenvolvimento das actividades não interessadas directamente no Plano de Fomento com as necessidades de capitais provenientes da execução do mesmo Plano; 6.º Promover e encorajar a poupança individual, em ordem à formação de capitais
para serem preferentemente investidos nos empreendimentos constantes do referido Plano.
BASE V
A fim de promover a execução do Plano de Fomento, cabe em especial ao Governo:
1.º Realizar, por intermédio dos seus serviços ou administrações competentes, as obras que por lei lhes estão ou forem atribuí-las;
2.º Promover a constituição de sociedades em cujo capital poderá comparticipar, se isso for necessário à formação das empresas e à sua viabilidade;
.º Fornecer às empresas a sua cooperação técnica e os estudeis e projectos organizados pelos serviços ou custeados pulo Estado, sem embargo, em todos os casos, da indispensável fiscalização;
4.º Reorganizar, se for necessário, os fundos existentes destinados à realização dos mesmos fins do Plano de Fomento ou de outros que lhe sejam afins.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vão votar-se as bases IV e V.
Submetidas à votação, foram aprovadas.
O Sr. Presidente: - Ponho agora em discussão a base VI, que vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
BASE VI
São atribuições do Conselho Económico, constituído nos termos do n.º 1.º da base III da Lei n.º 2058, de 29 de Dezembro de 1952:
1.º Concretizar e definir os empreendimentos compreendidos nas designações genéricas do Plano que devam ser integralmente realizados ou iniciados durante a sua vigência ;
2.º Aprovar a ordem de precedência na execução dos mesmos empreendimentos, estabelecendo os planos parcelares e respectivos projectos;
3.º Aprovar o programa anual de financiamento ;
4.º Fixar a parte das reservas das caixas de previdência a colocar em cada ano em títulos do Estado ou na subscrição directa das acções e obrigações de empresas cujos investimentos estejam incluídos no Plano de Fomento;
5.º Dar parecer sobre as emissões, no mercado nacional, de valor superior a 10 000 contos, tanto por parte das empresas directamente ligadas ao Plano de Fomento como das restantes, sem prejuízo da autorização que compita ao Ministério das Finanças;
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6.º Declarar de interesse para a economia nacional a instalação de indústrias;
7.º Aprovar os projectos de reorganização industrial que lhe fujam submetidos por iniciativa, dos interessados e determinar a reorganização de indústrias;
8.º Coordenar as economias metropolitana e ultramarina.
O Sr. Presidente: - Sobre esta base há na Mesa uma proposta de substituição apresentada pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça, que vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
Proposta de substituição
Propõe-se a substituição do texto dos n.os 2.º e 5.º da base VI pelas redacções da Câmara Corporativa.
O Deputado, Camilo de Mendonça.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: tendo sido nomeada uma comissão eventual encarregada de fazer o estudo respeitante ao assunto em discussão, desejava, como é óbvio e de interesse, saber a posição da mesma comissão em relação às propostas de alteração ao texto que nos foi distribuído.
O Sr. Presidente: - Esta alteração proposta, pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça corresponde a uma sugestão da Câmara Corporativa, e suponho que foi esta a razão da proposta.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Pedi a palavra, para esclarecer o Sr. Deputado Carlos Moreira de que, realmente, não há dúvida nenhuma em afirmar que a comissão eventual aceitou a proposta de alteração que é apresentada como sugestão da Câmara Corporativa.
De Resto, a proposta de alteração só tem conteúdo efectivo a propósito do n.º 5.º, e não a propósito do n.º 2.º da base VI, em que se limita a substituir a palavra «aprovar» por «fixar», coisa que podia, perfeitamente fazer a Comissão de Redacção.
A proposta de alteração ao n.º 5.º tem a sua origem no fado de nesse número se exigir para as emissões de valor superiora 10 000 contos autorização especial, respeitem essas emissões a obras directamente ligadas ao Plano de Fomento ou a outras.
Não me parece de modo nenhum justificável - e isso é francamente esclarecido pela Câmara Corporativa - que obras directamente ligadas ao Plano de Fomento, e cujo financiamento foi considerado no início do mesmo, careçam ainda de novas autorizações para as emissões previstas.
Portanto, a alteração tem como conteúdo apenas seguinte: retinir da aplicação do n.º 5.º as obras que já fórum consideradas na aprovação do Plano do ano e, portanto, não precisam de o ser de novo.
O Sr. Carlos Moreira: - Agradeço a V. Ex.ª, Sr. Deputado Mário de Figueiredo, as explicações que houve por bem dar-me.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão a base VI e a proposta de alteração aos seus n.os 2.º e 5.º
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vão votar-se.
Submetidas à votação, foram aprovadas a base e a proposta.
O Sr. Presidente : - Ponho agora em discussão a base VII, sobre a qual há na, Mesa uma proposta de substituirão sugerida pela Câmara Corporativa. Só formalmente é uma proposta de substituição, mas pode aceitar-se como tal.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE VII
Terá preferência a instalação das indústrias que, projectadas em boas condições técnicas e económicas, assegurem maior emprego de mão-de-obra por unidade de capital investido, produzam bens destinados à exportação ou substitutivos dos importados do estrangeiro, aproveitem matérias-primas nacionais ou sejam subsidiárias ou complementares de outras actividades existentes no País ou que pela sua, localização interessem ao planeamento do desenvolvimento regional.
Proposta de substituição da base VII
Propõe-se a substituição do texto da base VII pela redacção da Câmara Corporativa.
O Deputado, Camilo de Mendonça.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: a questão está esclarecida no parecer da Câmara Corporativa, mas, se algum Sr. Deputado quiser qualquer outro esclarecimento, direi que essa pequena alteração tem o intuito de não se supor que constitui hierarquia de motivos de aprovação o que está indicado na base VII. Há nesta base uma série fie razões que podem determinar a preferência. O que se pretende resolver com esta passagem é o seguinte problema: entre essas razões há hierarquia, no capítulo da preferência, ou não há? Quer-se dizer que deve atender-se, em primeiro lugar, à primeira razão, depois à segunda, etc.?
Ora, o que quer significar-se é que há uma enunciação exemplificativa, mas não hierarquia na preferência dessas razões. Isto, aliás, já se deduzia do contexto da base, tal como está redigida, mas a redacção desta fica n i a.: s clara com. a emenda que lhe faz a Câmara Corporativa.
O Sr. Presidente : Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Submetidas à votação, fórum, aprovadas a base e a proposta de substituição.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à discussão as bases VIII, IX e X. Sobre estas bases não há na Mesa quaisquer propostas de alteração. Vão ser lidas.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE VIII
O Governo promoverá a reorganização das indústrias que sejam consideradas em deficientes condições técnicas e económicas, com o objectivo de, no mais curto prazo possível, as colocar em situação competitiva com a indústria estrangeira
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para o abastecimento do mercado interno ou para exportação.
BASE IX
1. À intervenção do Conselho Económico para coordenação das economias da metrópole e do ultramar terá por objectivos principais:
a) Habilitar os Ministros competentes, por meio de parecer vinculante, a decidir sobre o condicionamento das indústrias consideradas de interesse com um da metrópole e do ultramar;
b) Promover a execução do disposto nos artigos 158.º a 160.º da Constituição e nas bases LXXI a LXXIII da Lei Orgânica do Ultramar Português.
2. A Presidência do Conselho, ouvido o Conselho Económico, determinará quais as actividades, de entre as submetidas a redime de condicionamento industrial por força de legislação vidente na metrópole ou no ultramar, relativamente às quais as decisões ministeriais deverão ser precedidas do parecer do Conselho.
BASE X
A execução das novas obras de hidráulica agrícola previstas no Plano de Fomento fica dependente da revisão do regime jurídico relativo à exploração e amortização das obras de rega e à colonização interna.
O Sr. Presidente : - Estão em discussão.
Pausa
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre estas bases, vou submetê-las à votação.
Submetidas à votação, foram aprovadas.
O Sr. Presidente : - Ponho agora em discussão a base XI. sobre a qual há na Mesa uma proposta perfilhando a redacção da Câmara Corporativa. Vão ser lidas a base e essa proposta .
Foram lidas. São as seguintes:
BASE XI
A dotação anual do orçamento da despesa extraordinária prevista na Lei n.º 2058 para o 2.º e 3.º períodos da execução do plano rodoviário passa a ser igual nos dois períodos e fixada na importância de 257 000 contos.
Proposta de substituição da base XI
Propõe-se a substituição do texto da base XI pela redacção da Câmara Corporativa.
O Deputado Sr. Camilo de Mendonça.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Desejava, esclarecer o seguinte: a emenda sugerida pela Câmara Corporativa tem por base um lapso. As contas foram mal feitas: onde se encontram 207 000 contos, devem encontrar-se 257 000 contos. Se não fosse baseada num lapso, essa emenda não podia ser apresentada, por estarmos inibidos disso, em virtude de disposição constitucional, que todos VV. Ex.as conhecem. A Câmara Corporativa demonstrou suficientemente que os 257 000 contos têm por base um lapso de contas: a verdade das contas conduz a 267 500 contos.
Por isso, não se pensou em solicitar do Governo que apresentasse, ele mesmo, a proposta de alteração. Representa a correcção de um erro, mais nada.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vão votar-se a base e a proposta de a l f e nina o sugerida pela Câmara Corporativa e perfilhada pelo. Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
Submetidos à votação, foram aprovadas.
O Sr. Presidente: - Ponho agora em discussão a base XII, sobre a qual não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Fui lida. É a seguinte:
O Fundo do Melhoramentos Agrícolas, criado pelo artigo 12.º do Decreto-Lei
n.º 35 993, de 23 de Novembro de l946, será elevado até 350 000 contos, mediante a dotação de 25 000 contos inscrita nos anos de 1959 a 1964 no orçamento do Ministério da Economia, sob a rubrica «Dotação para aumento do Fundo de Melhoramentos Agrícolas».
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai votar-se a base XII.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: -Ponho agora à discussão a base XII , sobre a qual Há na Mesa uma proposta de alteração. Vão ser lidas a base e a aludida proposta.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE XIII
1. A importância a pagar aos municípios a título de compensação pelos impostos e taxas suprimidos pelo Decreto n.º 17 813 de 30 de Dezembro de 1929, reverterá para o Fundo de Melhoramentos Rurais enquanto durar a execução do plano de viação rural.
2. O Fundo de Melhoramentos Rurais incluirá as verbas provenientes desta compensação na comparticipação dos municípios ou suas federações nas obras com estradas municipais que forem realizadas de acordo com o plano de viação rural.
Proposta de alteração
Propomos quo ao n.º l da base XII da proposta de lei em discussão seja dada a seguinte redacção:
1. Sem prejuízo de continuarem a ser atribuídas aos municípios beneficiados pelo plano pelo plano do viação rural, e constituírem suas receitas próprias, as verbas vinham sendo pagas nos
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termos do Decreto-Lei n.º 31 172, de 14 de Maio de 1941, e sem prejuízo do sistema estabelecido para ocorrer à conservação corrente das rodovias municipais, o reforço da importância a pagar aos mesmo municípios a título de compensação pelos impostos e taxas suprimidos pelo Decreto n.º 17 813, de 30 de Dezembro de 1929, reverterá para o Fundo de Melhoramentos Rurais enquanto durar a execução do plano de viação rural.
Lisboa e Sala da Assembleia Nacional, 30 de Outubro de 1958. - Os Deputados: José Gonçalves de Araújo Novo - Joaquim Pinho Brandão - Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - Augusto Duarte Henriques Simões - Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo - João de Brito e Cunha - Carlos Monteiro do Amaral Neto - Fernando António Muñoz de Oliveira.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: a alteração proposta, como V. Ex.ª acaba de ouvir ler, consiste em antepor à redacção da proposta de lei governamental duas ressalvas. A primeira é que não seja prejudicada a entrega às câmaras municipais beneficiadas pelo plano de viação rural das importâncias que até agora vêm recebendo a título de compensação pela supressão dos impostos locais de trânsito.
A segunda ressalva é a de que tão-pouco seja prejudicado o sistema estabelecido para ocorrer à conservação corrente das rodovias municipais.
Creio que bastam as considerações da Câmara Corporativa para justificar a primeira ressalva e a segunda insere-se precisamente na mesma linha de objectivos. Com efeito, a Câmara Corporativa, no seu parecer sobre o projecto do Plano de Fomento, fez notar que o plano de viação rural previa a entrega integral ao Fundo de Melhoramentos Rurais das compensações a pagar aos municípios pela supressão dos impostos locais de trânsito. É uma disposição que, como já tive a honra de fazer notar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara, vem de 1929, ano em que se estabeleceu que os variados impostos municipais sobre veículos automóveis, que, no dizer do relatório do decreto, só alinhavam aguerridamente contra os mesmos veículos, fossem substituídos por uma compensação da receita de um imposto novo sobre a gasolina, pneumáticos e câmaras-de-ar importados para Portugal.
Segundo o projecto do Plano de Fomento, deixariam de ser confiadas à administração das câmaras municipais as importâncias que até agora elas estavam a receber. Essas importâncias não são grandes, mas para os orçamentos minguadíssimos da quase totalidade dos municípios essas verbas representam porcentagem considerável retirada da parte de livre disposição das edilidades. A retirada da livre disposição dessas entidades das importâncias de imposto de compensação criaria em quase todos os municípios interessados no plano de viação rural um problema administrativo que se reflectiria prejudicialmente na própria conservação das vias municipais, que esse plano procura melhorar.
O montante que se pode calcular atribuído às câmaras municipais interessadas no plano de viação rural deve atingir 5415 contos no ano corrente. Quem considerasse este problema com espírito de generalidade deveria pensar que aquela verba representa uma ínfima percentagem nas receitas ordinárias dos municípios, mas não será preciso reeditar considerações demasiado repetidas aqui - demasiado para a paciência dos Deputados que as ouvem, que não para os efeitos que delas se têm tirado - para lembrar que, sendo aquela soma apenas cerca de l por cento das receitas ordinárias totais, representa parte considerável das disponibilidades reais, líquidas dos encargos obrigatórios.
A Câmara Corporativa fez notar no seu parecer que o facto de as receitas dos municípios deixarem de contar com as compensações até agora recebidas criará uma situação que só em bases de desafogo inédito a conceder aos municípios parecerá viável. E conclui a mesma Câmara Corporativa a sua análise desta parte do problema do Plano de Fomento dizendo: «A base XIII, tal como está redigida, põe em grave risco a execução do Plano neste particular. A Câmara Corporativa apresenta a recomendação instante para ser devidamente salvaguardada a situação financeira dos municípios na parte em que é atingida pela base XIII, sob pena de esta se não poder executar».
É precisamente a salvaguarda da situação financeira actual, do statu quo municipal, no que toca a estas receitas, que a emenda se propõe assegurar.
Ela é bastante clara, porque conserva todo o texto da proposta de lei e apenas o faz preceder daquelas duas condições de ressalva.
Suponho que isto bastará para esclarecer a questão. No entanto, não falta entre os subscritores da proposta de alteração quem. com maior conhecimento de causa, possa esclarecer a Câmara, se esta ainda o desejar.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se a base XIII, com a substituição do seu n.º l pelo texto da proposta apresentada pelo Sr. Deputado Amaral Neto e outros Srs. Deputados cujos nomes foram lidos.
Submetida à votação, foi aprovada a base XIII com a emenda citada.
O Sr. Presidente: - Vou pôr agora à discussão as bases XIV, XV e XVI, sobre as quais não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Vão ser lidas. São as seguintes:
BASE XIV
Até final do ano de 1964 o Ministério da Economia completará o reconhecimento agrário do País e promoverá a publicação da carta agrícola e florestal, da carta dos solos e da carta de capacidade de uso.
BASE XV
A parte do Plano de Fomento referente a cada província ultramarina será organizada de forma a compreender todas ou algumas das rubricas seguintes:
Conhecimento científico do território:
1. Cartografia geral.
2. Estudos geológicos.
3. Estudos pedológicos.
Aproveitamento de recursos:
1. Agricultura, silvicultura e pecuária:
a) Obras de recuperação de terrenos, conservação do solo e da água.
b) Estudo e aproveitamento dos meios de obtenção de água doce.
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c) Aproveitamentos hidroagrícolas.
d) Execução do cadastro da propriedade rústica.
e) Instalação de estabelecimentos de experimentação.
f) Fomento agrário.
g) Fomento florestal.
h) Fomento pecuário.
2. Electricidade e indústrias:
a) Produção, transporte e grande distribuição de energia eléctrica.
b) Minas.
c) Pesca.
d) Indústrias-base.
e) Indústrias transformadoras.
f) Indústrias relacionadas com o turismo.
Povoamento (empreendimentos agrícolas e pecuários destinados a criar condições de povoamento).
Comunicações e transportes:
l. Execução de planos rodoviários.
2. Transportes ferroviários.
5. Transportes fluviais (obras e meios de transporte).
4. Portos.
5. Aeroportos e material aeronáutico.
6. Telecomunicações.
Instrução e saúde:
1. Bolsas de estudo para especialização de técnicos.
2. Construção e equipamento de instalações escolares.
3. Construção e equipamento de instalações hospitalares e congéneres.
4. Combate a endemias.
Melhoramentos locais:
1. Urbanização, incluindo a construção de edifícios públicos ou de utilidade geral.
2. Saneamento urbano.
3. Abastecimento de água.
4. Abastecimento de energia eléctrica em pequenas povoações.
Equipamento dos serviços públicos.
BASE XVI
1. É aplicável ao ultramar o disposto na base III, n.os l, 2 e 3.
2. As fontes dos recursos a considerar na elaboração dos programas anuais de financiamentos são as seguintes:
a) Orçamento da província;
b) Fundos autónomos;
c) Instituições de previdência;
d) Empresas seguradoras;
e) Instituições de crédito;
f) Entidades particulares;
g) Autofinanciamento;
h) Empréstimos e subsídios.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputado deseja usar da palavra, vão votar-se.
Submetidas à votação, foram aprovadas.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à discussão a base XVII, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
Vão ser lidas a base e a referida proposta.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE XVII
1. Compete ao Governe Central, além da acção prevista nos n.os 5 e 6 da base V, providenciar quanto à obtenção dos recursos oriundos da metrópole ou do estrangeiro.
2. Compete aos governos ultramarinos a mobilização dos recursos da província ou a obter nela para financiamento do Plano.
Proposta de alteração do n.º l da base XVII
Propõe-se que no n.º l da base XVII se substitua: «além da acção prevista nos n.os 5 e 6 da base V,» por: «além da acção prevista nos n.os 5 e 6 da base IV,».
O Deputado, Camilo de Mendonça.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vão votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada a base XVII, com a proposta de alteração.
O Sr. Presidente: - Vou pôr agora em discussão a base XVII, sobre a qual não há na Mesa nenhuma proposta de alteração. Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
BASE XVII
1. Os empréstimos que não forem colocados na província ou tomados directamente por empresas cujas actividades aí se desenvolvam serão contraídos na metrópole ou concedidos pelo Tesouro às províncias interessadas, nos termos do artigo 172.º da Constituição.
2. Os empréstimos do Tesouro às províncias de Cabo Verde e Macau não vencerão juro enquanto se mantiver a actual situação financeira dessas províncias.
3. As somas destinadas à reconstrução de Timor serão concedidas a título do subsídio gratuito, reembolsável na medida das possibilidades orçamentais, da província.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação da base XVII.
Submetida à votação, foi aprovada.
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O Sr. Presidente: - Ponto agora em discussão a base XIX, a última da proposta de lei, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração.
Vão ser lidas a base e a proposta.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE XIX
O disposto na base VI é aplicável ao Governo Central e aos governos ultramarinos, conforme a lei discriminar as respectivas competências.
Proposta de alteração da base XIX
Propõe-se que na base XIX se substitua: «O disposto na base VI» por «O disposto na base v».
O Deputado, Camilo de Mendonça.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vão votar-se a base XIX e a respectiva proposta de alteração.
Submetidas à votação, foram aprovadas.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa, além da moção de autoria do Sr. Deputado José Sarmento, que já foi lida, uma outra moção, que vai ser lida à Câmara.
Foi lida. E a seguinte:
Moção
I
Considerando a situação financeira da generalidade das câmaras municipais, a Assembleia Nacional recomenda a revisão das percentagens de comparticipação a conceder pelo Fundo dos Melhoramentos Rurais para nível mais elevado e inversamente proporcional nos recursos disponíveis das mesmas e ainda a prática, sempre que possível, da administração directa, como processo de, nas regiões mais atrasadas, se executarem as obras com a colaboração desejável das populações.
II
Ponderadas todas as reservas formuladas às obras de hidráulica agrícola, as diversas incógnitas ainda existentes na formulação do plano técnico-económico e os receios de que venha a contribuir para agravar excessos de determinadas produções a Assembleia Nacional recomenda ao Governo que, por agora, no Plano de Fomento considere, fundamentalmente, a conclusão das obras iniciadas, de sorte que possam entrar em completa exploração agrícola, e, excepcionalmente, qualquer obra de grande relevância social ou local.
Lembra, a propósito, a Assembleia Nacional que novas disponibilidades, que se espera venham a apurar-se durante a execução do Plano de Fomento, permitirão considerar ainda mais amplamente a hidráulica agrícola, a partir do momento em que se haja encontrado fórmula satisfatória para o regime jurídico destas obras e para o aproveitamento técnico, económico e social das áreas regadas.
III
Dada a ansiedade manifestada pelo País e de que a Assembleia Nacional insistentemente .se faz eco, a extraordinária importância social e humana das obras de abastecimento de água às populações rurais, cuja expectativa muito se acresceu mercê das realizações efectuadas neste domínio nos últimos anos;
Considerada a relevante importância das estradas para o turismo e desenvolvimento económico, especialmente das regiões do interior, e a necessidade de acelerar a construção s assegurar a reparação e conservação das estradas nacionais, como constantemente tem sido defendido por vários Deputados:
A Assembleia Nacional recomenda ao Governo que no Plano de Fomento sejam incluídas as obras de abastecimento de água às populações rurais, em condições análogas às pretendidas para as estradas municipais, e, bem assim, a construção e conservação de estradas nacionais, se por outro processo não for possível, pela atribuição a estas finalidades das dotações previstas para hidráulica agrícola e disponíveis na medida em que for acoite a recomendação da Assembleia Nacional.
IV
Reconhecidas as consequências económicas, sociais e políticas da industrialização fortemente concentraria à volta de dois pólos de desenvolvimento, a Assembleia Nacional recomenda ao Governo que na autorizarão de novas indústrias considere, sempre que seja tecnicamente possível, a localização conveniente sob os pontos de vista do desenvolvimento regional e da segurança e higiene públicas.
V
A Assembleia Nacional, ao formular estas recomendações, significa ao Governo a sua confiança, reconhece os altos benefícios que o Plano de Fomento trará ao País, como marco decisivo no seu progresso, e espera que a influência do Plano, para que recomenda a maior divulgação, se alargue e intensifique sucessivamente, tanto na metrópole como no ultramar, por força de novas disponibilidades que, certamente, no seu decurso virão a apurar-se.
Os Deputados: Francisco de Melo Machado - Carlos Monteiro do Amaral Neto - Manuel Maria Sarmento Rodrigues - João Carlos de Sá Alves - João Augusto Dias Rosas - Armando Cândido de Medeiros - Virgílio David Pereira e Cruz - Francisco José Vasques Tenreiro - Augusto Duarte Henriques Simões - Camilo Lemos de Mendonça.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: tenho sérias dúvidas quanto ao cabimento de qualquer moção a respeito da questão que se discute, visto ter-se estado a tratar da discussão de uma proposta de lei. Nas várias disposições do Regimento, e nomeadamente pela comparação do artigo 49.º, § 2.º, com os artigos 45.º e 39.º, não vejo que a moção possa ser apresentada senão em virtude de um aviso prévio enunciado e devidamente desenvolvido. Realmente ...
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª pediu a palavra para interrogar a Mesa, e creio que já formulou o seu pensamento.
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O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª desculpe, pois estava apenas a expor as razões da minha pergunta.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Moreira: não me parece que o Regimento proíba que a Câmara, no final da- votação de qualquer proposta de lei, exprima os seus votos sob a forma de uma moção.
Esta, de resto, tem sido a tradição desta Assembleia: admitir moções no fim da discussão de qualquer proposta de lei.
Não vejo, salvo o devido respeito pela opinião de V. Ex.ª, que o Regimento proíba isto por forma terminante, e, repito, tem sido essa a prática seguida nesta Assembleia.
O Sr. Carlos Moreira: - Muito obrigado pelo esclarecimento de V. Ex.ª, embora, com o devido respeito, não concorde.
O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: na discussão na generalidade foi destacada a necessidade de se eliminar ou atenuar a penúria de técnicos e cientistas que a execução do novo Plano de Fomento vai originar e que já hoje se começa a sentir.
Como foi dito, sem uma infra-estrutura técnico-científica que lhe sirva de base de apoio, o seu êxito poderá ficar fortemente, se não totalmente, comprometido.
E como na sexta rubrica da base II - «Investigação e ensino técnico» - não está incluído o ensino técnico de grau superior e o científico ministrado muito particularmente nas nossas Faculdades de Ciências, será necessário que através da política económica e educativa gerais se resolvam os problemas do ensino técnico-científico. Só depois poderá ele fornecer um qualidade e número os técnicos altamente qualificados que serão precisos para a execução dos planos de fomento.
O Sr. Presidente: - Essa base foi já discutida e votada e não pode agora, a propósito do seu conteúdo, voltar a fazer-se nova discussão.
O Orador: - Se me referi ao assunto é porque julgava que poderia fazê-lo para justificar a moção.
O Sr. Carlos Moreira: - Salvo o devido respeito, o orador está fora da ordem, visto a justificação da moção não ter lugar nesta altura.
O Sr. Carlos Lima: - Não me parece defensável o ponto de vista expendido pelo Sr. Deputado Carlos Moreira, porque quem apresenta uma moção deve ter o direito de a justificar.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Sarmento já explicou devidamente a sua moção. Considero, por isso, o assunto esclarecido, sem necessidade de tomar posições sobre a questão- regimental suscitada.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Desejava um esclarecimento, para saber se posso fazer um declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Esclareço V. Ex.ª de que não pode fazer qualquer declaração de voto.
Vou agora submeter à votação da Assembleia a moção do Sr. Deputado José Sarmento e outros Srs. Deputados.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação a moção apresentada pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça e outros Srs. Deputados.
Submetida à rotação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Estão concluídos os trabalhos desta sessão extraordinária.
Como a Câmara vai encerrar os seus trabalhos e a proposta de lei que acaba de ser votada carece da última redacção, peço aos Srs. Deputados que concedam um bill de confiança à Comissão de Legislação e Redacção para elaborar o texto definitivo desta proposta de lei.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Interpreto o silêncio da Câmara como aprovação do referido bill de confiança.
Convoco, desde já, os Srs. Deputados que fazem parte da Comissão de Legislação e Redacção para se reunirem no próximo dia 4 de Novembro, às 15 horas e 30 minutos.
Estão encerrados os trabalhos desta sessão extraordinária.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Ornelas do Rego.
André Francisco Navarro.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Rodrigues da Silva Mandes.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Sebastião Garcia Ramires.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA