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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 65

ANO DE 1958 10 DE DEZEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.° 65, EM 9 Dezembro

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Alberto Henriques de Araújo

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta à sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º64
Leu-se o expediente.
Recebeu-se na Mesa remetido pela Presidência do Conselho, o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1959.
Foi erarado na acta um coto de pexar pelo falecimento do pai do Sr. Deputado Freitas Soares.
Foi negada autorização para o Sr. Deputado Carlos Moreira depor contra como testemunho no 1º juízo correccional de Lisboa.
Foi lida uma relação de elementos fornecidos por vários Ministérios em satisfação de requerimentos de diversos Srs. Deputados.
Usaram da palavra os Srs. Deputados José Saraiva, para se referir ao significado do IV Congresso das Misericórdias, há dias realizado em Lisboa: Camilo de Mendonça, sobre problemas do azeite: Alberto de Araújo, que chamou a atenção do Governo para o grave problema das comunicações aéreas com a Madeira, e Nunes Barata, acerca da personalidade do Prof. Gonçalves Cerejeira, Cardeal-Patriarca de Lisboa, que recentemente proferiu a sua última lição na Universidade de Coimbra

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1959.
Usou da palavra o Sr. Deputado Urgel Horta.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente : - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.

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Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Finto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Garcia Nunes Mexia.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Luís Fernandes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente : - Está era reclamação o Diário das Sessões n.º 64

Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero aprovado aquele número do Diário das Sessões.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Vários, vindos de Viana do Castelo, a solicitar o apoio da Assembleia para pretensões postas ao Governo.

O Sr. Presidente: - Enviado pela Presidência do Conselho, está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1959.
Pouco antes da abertura dos trabalhos da Assembleia faleceu o pai do Sr. Deputado Freitas Soares. Julgo interpretar os sentimentos da Câmara mandando exarar na acta da sessão de hoje um voto de pesar.
Está na Mesa um oficio do 1.° juízo correccional da comarca de Lisboa pedindo autorização à Câmara para que o Sr. Deputado Carlos Moreira ali possa depor no próximo dia 19. Informo a Assembleia de que o Sr. Deputado Carlos Moreira vê inconveniente para sua actuação parlamentar em que a Câmara lhe conceda automação.
Consultada a Assembleia, foi negada a aitorização.

O Sr. Presidente: - Vai ser lida uma nota de elementos fornecidos por vários Ministérios em resposta a requerimentos de Srs. Deputados.

Foi lida. É a seguinte:

Relação de elementos fornecidos desde 26 de Novembro até 9 de Dezembro de 1958 em satisfação de requerimentos apresentados pêlos Srs. Deputados:

Pelo Ministério das Corporações e Previdência Social em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado José Sarmento na sessão de 13 de Outubro.
Pelo Ministério do Interior em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Cerveira Pinto na de 14 de Outubro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr. José Saraiva: - Sr. Presidente: encerrou-se há dois dias, em Lisboa, o IV Congresso das Misericórdias Portuguesas.
Trata-se de um acontecimento do mais profundo significado na vida espiritual do nosso pais, que decorreu com uma elevação excepcional o que, com a colaboração de alguns dos mais ilustres nomes da nossa cultura, reuniu durante três dias mais de quatro centenas de pessoas vindas de todos os pontos do Pais, e vindas até do Brasil, numa eloquente, numa comovente afirmação de que o espirito de misericórdia que acompanhou os Portugueses na sua passagem pelo mundo continua vivo e fiel e fiel à sua fonte lusíada no mundo novo que os Portugueses criaram.
É sobre a pura significação moral do acontecimento, e sobre a importância e urgente oportunidade dos votos que no Congresso se exprimiram, que eu pretendo deixar exaradas duas palavras muito breves.
As Misericórdias não são associações cívicas, nem órgãos políticos, nem grupos culturais, nem passatempos, nem trazem vantagem económica para os que nela mantêm viva a chama do amor pelo próximo e da utilidade pública. Não servem para satisfazer vaidades pessoais, não

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favorecem ambições, não premeiam interesses: apenas exigem sacrifícios. E, todavia, há mais de quatrocentos anos que perduram e cada vez são mais numerosas, cada vez mais extenso o papel assistencial que desempenham.
O exemplo é talvez único. Das nossas instituições tradicionais, daquelas que, moldadas na rude forja do tempo, serviram de berço à própria alma da grei, quase nada de vivo resta já - ou porque a superstição de outros ídolos as apartou da aceitação geral, ou porque realmente a mudança dos tempos as veio envelhecer e transformar em coisas veneráveis, mas inúteis. E as Misericórdias vão já no quinto século da sua existência.
São muito numerosas as que vem do tempo das Descobertas e muitas delas representam a continuação de outras piedosas obras cuja memória, de tão antiga que é, se vai perder na cerração dos tempos.
Das insígnias e bandeiras que agora mandaram a Lisboa não sei se há alguma que não seja uma ou muitas vezes centenária. E não se trata de relíquias retiradas de vitrinas de museus nem de pergaminhos inventados para as circunstâncias, mas de alfaias que continuam a servir como coisas válidas e úteis, ferramentas que vieram com a recomendação de que voltassem depressa, porque, além da falta que estão fazendo, os povos notam muito a sua ausência ...
Flores de raiz perene, essas velhas Misericórdias portuguesas acabam de dar mais um testemunho de verdadeira vitalidade, e a voz que levantaram não foi a de que as restaurassem ou de que reanimassem de novas forças uma velhice ilustre, mas, bem ao contrário, a de que as deixem viver tais quais são e sempre foram, a de que não se vá perturbar, com imposições centralizadoras, a sua alma própria, que ao longo dos séculos outra coisa não fez que tomar orgulhosa consciência de si mesma.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Há nessa atitude muita beleza e há uma lição que importa assinalar e compreender: trata-se de instituições cujo espírito, porque se enraíza em fé in-temporal, os tempos não puderam corromper; e a lição é precisamente essa - a de que só o tutano do pensamento sobrenatural consegue tornar duradouras as instituições dos homens.
A segunda palavra é sobre a importância social e sobre a evidente oportunidade dos votos que ficaram expressos. A todos foi já dado o mais amplo conhecimento público; todos procedem de um estudo honesto, prolongado e alicerçado no insuprível contacto directo com os problemas, e todos constituem, por isso, um depoimento que seria uma injustiça não ouvir e imprudência não satisfazer. Entre todos, porém, desejo realçar um que, pela sua especial natureza, domina todos os restantes, que dele se podem dizer a mera regulamentação.
Foi proclamada a conclusão de que «o Congresso não esquece que há realizações notórias nas actividades gerais de protecção social do povo português, principalmente a partir da publicação da legislação sobre previdência social, em 1933, e do Estatuto da Assistência Social, de 1944.
Em particular, reconhece o esforço desenvolvido quanto a edificações e equipamento de hospitais. Reputa porém inadiável uma expansão dos benefícios efectivos de protecção às classes mais desfavorecidas, cuja condição geral, em nível de vida assim como em nível educacional e sanitário, tarda a chegar à suficiência».
Foram essas palavras aprovadas por aclamação, e entre aplausos veementes, por uma assembleia constituída por provedores e mesários, por membros de ir-mandades, por homens que estão dando - ou que já deram - às Misericórdias o desinteressado impulso que as mantém de pó. Homens vindos de todas as comarcas do Pais e que conhecem bem aquilo de que falam: porque quase todos tinham a imensa autoridade que vem de fazer assistência com a bolsa própria, de sarar as feridas com as próprias mãos, de conhecer as carências de que falavam com os próprios olhos.
Especialmente relevante é pois, a voz das Misericórdias quando elas se pronunciam em matéria de política social. Não nos vem dizer uma coisa nova; mas vêm consagrar, com a imensa autoridade dos seus séculos de experiência viva, a posição dos que, com os olhos postos nos tempos que estão para vir, têm reclamado que se olhe mais atentamente e que se proceda mais rapidamente no cumprimento dos programas exigidos pelas necessidades de justiça social do nosso tempo.
Deste encontro de opiniões ousaria dizer que são o passado e o futuro que se dão as mãos - mãos postas numa oração que sobe, ansiosa, do mais profundo da
alma portuguesa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: é esta a terceira vez que ouso ocupar-me nesta Câmara dos problemas do azeite.
A primeira teve lugar a 17 de Março de 1954 e seguiu-se a um período delicado da nossa oleicultura, mercê das dificuldades de escoamento da safra de 1953 aos preços da tabela oficial; a segunda, na sessão de 24 de Abril de 1956, após haver sido ordenada a mistura do óleo e do azeite como medida de recurso. Hoje proponho-me chamar, do novo, a atenção do Governo para o problema, na esperança de que venha a evitar-se, no próximo ano, quer a situação de 1956, quer a de 1949, precisamente dez anos depois.
Em conjunturas diversas procurei fazer compreender uma verdade simples e de fácil apreensão, mas que me não parece tenha sido, mesmo dolorosamente, compreendida: o sistema vigente da comercialização, sobrevivência de um período já muito longínquo, inadequado e injusto, é o grande responsável pelas sucessivas vicissitudes por que o abastecimento tem passado. De facto, nos últimos anos tem havido menor irregularidade de produções do que anteriormente; todavia as crises de abastecimento têm sido mais violentas e indomáveis.
O problema é, porém, mais vasto, pois deve enquadrar-se dentro do desarranjo maior em matéria de política de gorduras.
Comecemos por aqui.
Creio não andar longe da verdade ao pensar que o desacerto da política das gorduras tem já quase vinte anos e origem num raciocínio simplista que duas décadas não bastaram para tentar remediar.
O raciocínio foi este: qualquer melhoria do preço do azeite não influí no aumento próximo da produção, ao contrário do que ocorre com as gorduras animais, cuja produção responde imediatamente a uma elevação de preço.
Daqui, deste ponto de vista, decorreu travar-se, do justo até ao injusto, a elevação do preço do azeite, que se operou apenas por arrastamento, em desfasamento da generalidade dos preços agrícolas, e se conteve a nível inferior.
Paralelamente, seguiu-se caminho oposto com os preços das gorduras animais, que se desproporcionaram dos do azeite, subvertendo-se por completo as razões normais de preços entre as gorduras animais e vegetais. Em consequência, aumentam as disponibilidades de gorduras ani-

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mais, especialmente banha e toucinho, e os consumos de azeite.
Onde havia uma ordem natural baseada em preços de mercado e relações de utilidade, complementaridade e substituição passou a haver a desordem artificialmente criada e oficialmente mantida. Resultados: excessos sucessivos de banha e toucinho, escassez periódica de azeite; exportam-se gorduras animais com prejuízo avultado, importa-se azeite e óleo com encargos vultosos.
E o problema deste desacerto, que tem atingido diversas vezes o ponto de crise, só não tem sido maior porque, por um lado, a melhoria da técnica da lavoura e a acção misericordiosa da Providência Divina tem reduzido a amplitude das safras e contra-safras de azeite e, por outro, a organização económica do sector animal tem sido relativamente incapaz de garantir os preços fixados para estas gorduras, donde o estímulo à produção só parcial e periòdicamente se repercutir na justa proporção do seu valor.
O que acontecia nos remotos tempos da bucólica paz dos campos, em que as intervenções não faziam parte da vida habitual ?
O mercado operava um ajustamento da oferta e da procura do azeito, descendo e subindo o preço, consoante a colheita era abundante ou escassa. Com as gorduras animais acontecia outro tanto. Mas havia limites naturais à subida de uns e outros preços que provinham do maior recurso à utilização da banha e toucinho quando a produção de azeite era menor e inversamente, visto como regra haver preferência pelo consumo de azeite dentro do equilíbrio de igual utilidade.
Longe de mim sustentar que regressássemos a esses processos naturais, com renúncia expressa à capacidade do homem e da organização para intervir, ordenando, orientando, fomentando... até porque nem os tempos são tão bucólicos e calinos, nem tenho como pacífico que as soluções naturais sejam sempre, ou mesmo habitualmente, as mais justas e equilibradas, só por serem mecânicas e quase automáticas...
Pelo contrário. Entendo, e tenho como necessário, que se intervenha, que se intervenha ordenadamente, com vista a obter a justiça, mas que se faça «conforme», e não «desconformes, às realidades económicas e sociais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Dentro de certos limites, é necessário defender a produção nos anos de excesso e o consumo nos anos de escassez de azeite, mas sem esquecer as possibilidades de substituição oferecidas por outras gorduras de produção metropolitana e quiçá ultramarina. Daqui unia primeira conclusão: agir no sector do azeite como se apenas o óleo de amendoim fosse substituto e concorrente, como se as gorduras animais pertencessem a outro planeta, é não pisar a terra do nosso...
A primeira coisa que se impõe é, pois, e com urgente violência, agir harmònicamente nestes dois sectores, que vivem do costas voltadas um para o outro, talvez porque sendo um animal o outro receie por ser vegetal...
Depois, há que ter ideias claras sobre o que se pretende e tenha como objectivo nesta matéria para que a lavoura saiba com o que conta e a população o que consome.
Chegados aqui temos de afirmar que o sistema de comercialização do azeite continua a assentar em princípios de economia de guerra, de saudosa memória, e vai sendo sucessivamente esventrado, mas dele resta o esqueleto ressequido e já sem poder assegurar o objectivo que visava. Assim, o sistema montado move-se num plano e os fenómenos reais processam-se em outro paralelo, pelo que, se não coincidem, também se não encontram.
O sistema, repito o que já aqui disse por duas vezes, é «um sistema que por sistema» não funciona, visto nunca -as excepções confirmarão a regra-se praticarem efectivamente os preços da tabela, que mais não constituem do que o limite acima ou abaixo do qual o azeite é efectivamente pago, consoante a colheita é escassa ou excessiva. E, depois, como poderá entender-se que conservar ou guardar o azeite de um ano abundante para outro escasso possa ser feito pelo produtor ou pelo comerciante para o vender ao mesmo preço por que teoricamente lhe deve ser pago naquele momento, a menos que qualquer fundo de compensação -que há-de ter também receitas- pague os encargos do conservação, quebras, juros, etc. ?
Para que se há-de complicar o que é simples e burocratizar o que não é indispensável?
Pois não será mais natural e consentâneo com as realidades permitir uma ligeira oscilação de preços entre o ano abundante e o de contra-safra, procurando, dentro de certos limites, um equilíbrio dinâmico entre a oferta e a procura, com a condição de que proteja a produção nos anos de safra, assegurando a compra do azeite a um preço justo, e defenda o consumidor, lançando no mercado, nos anos de escassez, os excedentes adquiridos no ano anterior a um preço susceptível de evitar especulações ?
Cuido que deste modo se poderão alcançar não só aqueles dois objectivos como conseguir atingi-los com benefício de uma concorrência salutar, evitar as crises que temos atravessado e simplificar a vida de toda a gente, o que não é ou não devia ser despiciendo.
Pois bem. Preveni em 1954 contra o perigo de vermos agravar as crises de excesso e de escassez, apesar da menor amplitude das variações de produção, se não fosse modificado rapidamente o sistema anquilosado e velho de décadas. Preveni e não fui ouvido. Valha a verdade que numa acção esforçada, em conjuntura não facilmente repetível, foi possível à Junta Nacional do Azeite evitar a hecatombe dos preços na última safra, mas já lhe não foi consentido desnecessitar a tragédia da mistura em 1956.
Em 1956 repeti da tribuna o que dissera dois anos antes deste lugar e acudi a justificar um recurso que se tornou necessário por não ter sido entendido ou não se ter atentado em quanto aqui se dissera.
Hoje retomo o tema sob o mesmo ângulo e o mesmo temor. A necessidade de breve poder vir a tornar-se indispensável determinar uma vez mais a mistura ou consenti-la, começando pela baixa de preço do óleo de amendoim ...
Queira Deus que não venha a ser necessário suportar de novo os erros da imprevidência ou da teimosia dos homens.
Todavia, a conjuntura que se desenha pode bem vir a ser homóloga à de 1955-1956. O azeite que transita da campanha finda -que creio ser inferior a uma dezena de milhões de litros -, adicionado à produção provável desta, não deve conduzir a um deficit de consumo muito diferente do verificado em 1955-1956.
A comercialização começa a processar-se sob signos análogos: vendas de azeitona a preços incomportáveis com o preçário de azeite fixado, compras de azeite a preços superiores aos da tabela de venda ao armazenista, concorrência entre os grossistas para assegurar o concurso de maiores quantidades de azeite, etc.
Resultado final: impossibilidade de, depois, virem a vender o azeite sem prejuízo, nas condições da tabela vigente. Donde dois caminhos decorrem com o mesmo desvio: ou procedem ao registo de azeite comprado, e não lhes resta outro caminho do que adição tímida de óleo de amendoim, principalmente se este baixar de preço, ou não fazem o registo do azeite comprado, e as

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disponibilidades oficiais para abastecimento serão insuficientes para ocorrer às exigências do consumo, que, então, intranquilo, as acresce...
O primeiro modelo foi o de 1940, o segundo o de 1956. Entre os dois ... que escolha quem quiser.
E seria tão fácil evitar os prenúncios desta situação!
Bastava ter aproveitado a oportunidade, particularmente favorável, para libertar o preço do azeito, permitindo o indispensável ajustamento de preços, que poderia ser limitado quer pelas existências de gorduras de animais, que entretanto se exportam com prejuízo, quer pelas disponibilidades de óleo de amendoim, quer ainda pela possibilidade de adquirir azeite tunisiano, que parece abundar.
Ter-se-ia revisto um preço que dura há quase uma dúzia de anos!, enquanto tudo mais se elevou, e colocado a nível justo como reclama a lavoura -talvez já sem esperança de que lhe seja feita justiça-, desfruíam-se os maus presságios para a produção, para os consumidores e pura o Fundo de Abastecimento, o que talvez não seja o menos!
Sr. Presidente: pela terceira vez abordo esto problema.
Oxalá breve não tenha de voltar a ele. Será sinal de que o azeite bastou para o consumo sem o acrescentar «artificialmente», já ordenando a mistura com o óleo de amendoim, já favorecendo-a, o estimulando-a com uma baixa despropositada -que no plano internacional se chamaria dumping - do preço de óleo, que neste momento, e depois de bonificação suportada pelo Fundo de Abastecimento, é igual no do azeite «fino», inferior, portanto, aos do «extra» e «meio extra».
Oxalá assim venha a acontecer, para sossego do produtores e consumidores e prestigio da Administração. Entretanto, talvez não venha, uma vez mais, a ser necessário importar com prejuízo gorduras animais, como em 1956, depois de se haverem exportado também com prejuízo.
Entretanto, talvez o Governo se convença da necessidade de rever o sistema, se assim se pode chamar ao regime vigente, e de elevar o preço do azeite para níveis paralelos aos dos outros preços agrícolas, como parece indiscutivelmente justificado.
Se assim acontecer, talvez ganhemos todos: a produção, que passará a ver-se compensada pelas suas canseiras e encargos; o consumidor, que poderá ser melhor servido; o Governo, que não arranjará mais problemas desnecessários, e os organismos intervenientes, que não terão de se multiplicar em artifícios e trabalhos para assegurar o normal funcionamento de um sistema realista o equilibrado.
Para a esclarecida competência do Sr. Secretário de Estado do Comércio apelo na esperança de que nos tranquilize a todos e transforme uma fonte de desatinos em normalidade, como é mais simples e mais natural.
Pode S. Ex.ª ficar certo de que o apelo que daqui faço constitui ansiedade, já mal contida, da lavoura, inquietação do consumidor e ato preocupação de muitos comerciantes que mais desejam poder trabalhar dentro da lei que os não impeça de desenvolver a sua actividade do que acompanhar desvarios de alguns, que as fiscalizações não remedeiam nem evitam!
À juventude do Sr. Secretário do Estudo, à juventude e ao conhecimento destes problemas, confio o pronto esclarecimento destas interrogações, o saneamento, já demorado, deste problema e a justiça devida a todos, entre os quais me permito destacar os produtores como maiores vitimas, dado que mais duramente prejudicados!
Poderei ficar tranquilo? Deixo no futuro o encargo da resposta. Entretanto cumpri o meu dever, expondo o problema com clara franqueza, o fico aguardando a hora da tranquilidade, da tranquilidade e da justiça.
Disse.

Vozes: - Muito bem. muito bem !

O orador foi multo cumprimentado.

O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: como é do conhecimento da Câmara, deu-se no passado dia 9 de Novembro um grave acidente de aviação a cerca de 180 milhas da costa de Portugal e do qual resultou o desaparecimento do hidroavião Porto Santo, da carreira de Lisboa-Funchal, e, com ele a perda de trinta e seis vidas, pois tal era o número dos passageiros e tripulantes.
O acontecimento causou impressão em todo o País e, nomeadamente, na Madeira, onde toda a população seguiu, ansiosa e emocionada, a árdua tarefa de pesquisas a que, infelizmente sem resultado, mas com a maior abnegação, se dedicaram, durante alguns dias, numerosas unidade aérias e navais.
O facto teve a maior repercussão na vida madeirense e constituiu, sem dúvida nenhuma, um rude golpe no turismo da Madeira, não só pela interrupção das liga-ções aéreas, mas também pelo ambiente de desconfiança que se eslabelece lá fora em relação às comunicações para uma ilha cujo progresso e cujo futuro estão em grande parte dependentes do desenvolvimento do seu turismo e do movimento do seu porto.
Sabe V. Ex.ª e sabe a Câmara que, tendo a companhia inglesa que explorava o servido aéreo para a Madeira - a Aquila Airways- terminado com as suas carreiras para aquela ilha em 30 de Setembro último, passou o mesmo serviço a ser feito, desde o princípio de Outubro, pela sociedade portuguesa Artop, depois de este assunto ler sido superiormente estudado e assegurado à nova organização o auxílio financeiro, sem o qual é evidente, não se pode manter qualquer serviço de hidroaviões para a Madeira, dada a sua irregularidade por virtude das más condições do mar, sobretudo na quadra do Inverno.
É evidente que o Governo, ao dar à Artop a concessão das carreiras aéreas para a Madeira procurou bem-servir os interesses da ilha e evitar que sofressem interrupção as respectivas comunicações, embora à custa de pesados sacrifício; financeiros. Infelizmente, o que se passou depois fez surgir a interrogação sobre só a solução adoptada foi a melhor, a mais acertada e a mais conveniente.
Logo de início só levantaram -e até pùblicamente- dúvidas quanto à segurança dos hidraviões empregados na carreira. Mas, em face das garantias prestadas pela Artop e confirmada em comunicado oficial pelas estàncias técnicas competentes, os Madeirenses, embora impressionados pela substituição de quadrimotores por bimotores, voltam a voltaram a utilizar-se confiadamente dos hidroaviões da nova carreira, pilotados por profissionais distintíssimos da aviação britânica, os mesmos que pilotavam os hidroaviões da Aquila Airways. Eu próprio, depois do que me informaram e do que li, viajei confiadamente num dos bimotores da Artop de lisboa para o Funchal, poucos dias antes do trágico desaparecimento do Porto Santo.
Para averiguar das causas do desastre ocorrido com este hidroavião foi nomeda uma comissão de inquérito que, embora lutando com grandes dificuldades para precisar as circunstâncias em que se deu o acidente, não deixará de relatar tudo o que possa, ter interesse para determinar as suas causas. Enquanto esse relatório não for elaborado é prematuro formular juízos e imputar responsabilidades, que desejamos ver esclarecidas e apuradas com o maior rigor possível. Mas se

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neste assunto, como madeirense, dos que mais se utilizaram dos serviços aéreos, na minha opinião é de expectativa, como Deputado pela Madeira só encontro motivo para reafirmar o que nesta Assembleia tenho dito há quatro legislaturas consecutivas. Sinto, porém, verdadeiro pesar em invocar a favor da minha tese uma tragédia que custou a perda de trinta e seis vidas.
Os hidroaviões prestaram assinalados serviços e transportaram em nove anos mais de sessenta mil passageiros. Todavia, do que a Madeira e o Porto Santo necessitam é de campos de aviação onde os quadrimotores possam, com segurança, levantar e pousar regularmente.
A construção desses aeródromos está prevista no novo plano de Fomento, mas o que os Madeirenses desejam é que as obras comecem o mais ràpidamente possível e se vençam todas as demoras da burocracia e da técnica, para que seja uma realidade breve, aquilo que é esperança e sonho de tantos anos.
Muitas vezes o Governo estuda os problemas e resolve-os. Mas vêm depois os chamados trâmites normais, a elaborarão dos projectos e anteprojectos, as delongas da consulta de repartição para repartição, a falta ou a ausência de técnicos e peritos, e quando a solução, afinal, vem, o espírito público já está cansado para a receber com o interesse e com o júbilo que eram devidos.
Sr. Presidente: tenho procurado nesta tribuna interpretar sempre as aspirações do povo da Madeira, na convicção de que; desempenhamos um mandato político o temos o dever imperioso de honrar a confiança dos que nos elegeram para sermos Deputados da Nação. Mas, se o tenho feito com entusiasmo e desassombro, nunca deixei de confiar no Governo e no estadista que é o mais alto símbolo dos anseios de progresso do povo português. E com a mesma confiança com que daqui apelei para o Sr. Presidente do Conselho para a solução do problema do porto e para o seu prolongamento, para a instalação do apetrechamento destinado ao fornecimento de óleos à navegação e pura assuntos de interesse fundamental para a economia do arquipélago, apelo, de novo, para que S. Ex.ª ponha o alto valimento da sua função e da sua personalidade ao serviço da rápida execução de um empreendimento ao qual tem dedicado tão grande interesse e carinho.
Os anos vim passando, mas em todos os aspectos importantes da vida portuguesa, no plano nacional ou no plano regional, sempre que há uma dificuldade a vencer, todos nos voltamos para Salazar, como o estadista que tornou possíveis, neste país, as grandes realidades da mossa época, desde a paz que usufruímos ao progresso material que alcançamos.
A Madeira, que deve ao Sr. Presidente do Conselho a solução dos seus problemas fundamentais, mais uma vez confia inteiramente no impulso que S. Ex.ª dará à construção dos aeródromos da Madeira e do Porto Santo e tem a fundada esperança de que o Sr. Ministro das Comunicações, a quem desejo prestar as minhas homenagens, pela sua competência e pelo alto valor do seu espírito, ligará o seu nome no prosseguimento da acção da anterior titular daquela pasta, a um empreendimento cuja execução imediata corresponde a uma aspiração geral e unánime do povo da Madeira.
Sei bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que me torno incómodo e maçador perante VV.Ex.ªs e talvez impertinente perante o Governo levantando frequentemente a minha voz nesta Câmara sobre o problema das comunicações para a Madeira. Mas continuarei a faze-lo enquanto o julgar do meu dever, e essa voz que aqui se levanta para pedir, para lembrar, para renovar argumentos e razões será a primeira que se levantará, quando chegar a oportunidade, para exprimir o sincero reconhecimento de todos quantos desejam ver a ilha da Madeira valorizada, como terra de turismo de recursos e possibilidades excepcionais, que não são só do património da ilha, mas que constituem património e verdadeira riqueza da Nação. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: no passado dia 29 de Novembro proferiu a sua «última lição», na Universidade de Coimbra, o Prof. Doutor D. Manuel Gonçalves Cerejeira.
O profundo significado desta ocorrência, a que o altíssimo mérito do Prof. Gonçalves Cerejeira emprestou excepcional brilho, merece, em meu entender, assinalada referência nesta Câmara.
Ouso levantar a minha frágil voz para deste local me associar às homenagens prestadas a quem tem sido sábio entre os mestres e virtuoso entre os justos, na convicção de que todos os membros desta Assembleia Nacional comungam nos mesmos sentimentos, na respeitosa estima e veemente admiração, por um dos mais insignes entre os varões ilustres de Portugal.
Para mim, Deputado por Coimbra, cidade onde o Prof. Gonçalves Cerejeira consumiu vinte anos de labor intenso e radioso e profícuo; para mim, antigo estudante de Coimbra, há pouco chegado à vida activa, mas desde sempre, beneficiário de um ambiente de paz e renovação cristãs que o sacrifício da geração do Mestre que agora dobra os 70 anos ajudou a conquistar; para mim filho indigno da Igreja Madre, que resplandece suas glórias na púrpura dos eleitos, constitui comovido regozijo ver celebrado um homem notável pela doutrina, piedade e prudência.
Recordo as palavras que ele próprio proferiu, vai para quarenta unos:

Há cultos que honram não só quem os recebe, mas também quem os presta. Celebrar o talento e o saber é no fim de contas, um acto de fé no valor do Espírito.

Sr. Presidente: quando, há dias. o cardeal Cerejeira transpôs a Porta Férrea da velha Universidade, por certo que lhe vieram à mente evocações sugestivas de um passado construído em harmoniosa beleza, na projecção quotidiana de formosas imagens, todas feitas de generosos anseios.
Recolhamos-nos nós, um momento, sobre esse passado e no depoimento de páginas da época colhamos a certeza de que essa geração coimbrã teve rapazes que, devotados a Deus e à Pátria, confessaram orgulhosos a crença de seus pis, doaram-se incondicionalmente a tudo o que era bom, grande e belo, souberam amar, lutar e se preciso, morrer, deram, enfim, testemunho «de um incêndio infinito de sublimes ideais»,
Aos que discordarem deste convite á leitura das folhas amarelecidas pelo tempo gostaria de recordar as palavras de outro mestre estremecido em Coimbra - o Prof. Doutor D. Manuel Trindade Salgueiro:

Os escritos do passado ressuscitados para o público pela devoção de fervoroso admiradores, valerão sempre como documentário precioso. Por eles se descobrem os longos caminhos percorridos por nobres espíritos, na sua laboriosa evolução intelectual o moral, o florescimento e a frutificação do talento e da virtude, e as qualidades mestras que, no futuro, vieram a tomar formas definitivas e vitoriosas.

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Vinte Anos de Coimbra, obra aparecida aquando do jubileu do doutoramento do Sr. D. Manuel Gonçalves Cerejeira, recolho, rum religiosa saudade, alguns escritos daquele que na simplicidade da vida estudantil já era preclaro em virtude e saber.
Nas preocupações académicas da Coimbra de há mais de quarenta anos contavam-se o Imparcial, a questão da Igreja de S. João de Almedina e a existência do
C. A. D. C.
O semanário Imparcial cujo primeiro número apareceu em 22 de Fevereiro de 1912 e cuja existência perseguida se prolongou por sete anos, representou, na sua fremente ousadia e na indeclinável fidelidade a altos ideais, a presença de gerações consciente de nobres destinos.
«A que vimos?», perguntava em editorial o jovem Gonçalves Cerejeira.
«Trazer a alegria no esforço e a esperança na tenacidade e a fé no futuro.
Dizem os poetas que a mocidade é a alma da Pátria.
Nós queremos conservá-la imaculada, acima das facções partidárias.
Quanto a política, uma coisa só sabemos: que somos portugueses. E nesta fé queremos morrer.
Com a altivez característica da nossa idade, em voz sonora e firme, de quem não tem, exercícios duvidosos de acrobáticas inclinações de espinha, faremos ouvir a nossa voz vibram e de esperanças em toda a parte».
Uma das campanhas mais brilhantes do semanário estudantil foi provocada pela secularização da Igreja de S. João de Almedina.
«Oliveira Salazar -recordaria em 1926 o Prof. Gonçalves Cerejeira- escreveu então, com o pseudónimo de Alves da Silva, incontestàvelmente os seus melhores artigos. Eram peças notáveis, literàriamente e pelo pensamento».
Mas a Igreja de S. João de Almedina acabou por ser fechada.
«Tinha de ser assim -escrevia Oliveira Salazar no Imparcial de 14 de Junho de l914-: encerrado o templo de S. João de Almedina, contra o direito de propriedade garantido na Constituição, contra indicação do Conselho de Arte e Arqueologia; contra o parecer da comissão de técnicos, mandada de Lisboa pelo próprio Governo; contra a vontade dos católicos, que são a enorme maioria de Coimbra; contra as melífluas palavras do Sr. Presidente de Ministros.
Tinha de ser assim: para que não houvesse burla que se não praticasse, ridícula, farsa que se não representasse no tablado político, palavra a que se não faltasse, atentado que se não cometesse, injustiça que se não fizesse, ilegalidade que se não decretasse, violência que não fosse levada a cabo com o sorriso cínico do valentão que insulta presos».
O Centro Académico, fundado em 1901 e que em 1903 havía de tormar a designção que hoje usa de C. A. D. C., conheceu, ainda no período que se seguiu à implantarão da República. vicissitudes de vária ordem. Ameaçado, assaltado, incendiado o seu recheio, dissolvido por determinação superior, a tudo resistiu, mercê da indómita coragem daqueles rapazes, que nele encontravam um sentido cristão da vida uma direcção firme que lhes marcaria toda a existência.
Quando dos bancos da Universidade subiu à cátedra da Faculdade de Letras, o Prof. Gonçalves Cerejeira persistiu no iluminado magistério das almas «Pelas páginas da revista Estudos, órgão do C. A. D. C. - escreve Moreira das Neves-. deixou muitos pedaços da sua alma orientadora de almas, sobretudo nas «Cartas aos Novos» cheias de enérgicos apelos, de conselhos amigos, de fraternais confidências, de ecos do céu e do sabor de Cristo. O melhor magistério, todavia, exerceu-o na intimidade das consciências, que se lhe abriam em nudez integral, para que revolvidas e iluminadas nos seus recantos de abismo, não sucumbissem ao tormento das dúvidas lacerantes, das inquietudes e ansiedades próprias dos anos adolescentes».
Sr. Presidente: foi em 30 de Janeiro de 1918 que na Universidade de Coimbra se doutorou em Letras, com a classificação de 20 valores o Prof. Manuel Gonçalves Cerejeira.
Confirmava assim os l9 valores obtidos na licenciatura e a sua já celebrada aptidão docente, revelada na regência da cadeira de História Medieval que lhe fora entregue em l916.
A dissertarão apresentada (O Renascimento em Portugal - Clenardo) viria a tornar-se obra indispensável aos estudiosos, num interesse que chegou aos nossos dias e de que é testemunho a reedição de O Humanismo em Portugal - Clenardo.
Mas o depoimento mais autorizado sobre o jovem Doutor prestou-o o Prof. António de Vasconcelos na alocução proferida no acto da entrega das insígnias doutorais a D. Manuel Gonçalves Cerejeira:

O seu talento formosíssimo e brilhante, a vastidão dos seus conhecimento, o seu espírito científico, superiores qualidades de método e de exposição, tudo isto foi largamente comprovado, não só nos cursos de três Faculdades por onde transitou e onde recebeu sempre as mais altas distinções, reservadas aos mais talentosos alunos, mas também na regência de cadeiras, de que tem sido encarregado. Os seus excepcionais mérito ainda ultimamente foram confirmados nas provas públicas que acaba de prestar; e bem conhecidos são de todos nós os dotes primorosos de carácter e de educação, que o tornam geralmente estimado e re-peitado.

O mestre continuaria assim, através da sucessiva regência das cadeiras de História Antiga, Propedêutica Histórica, História Geral da Civilização, História Moderna e Contemporânea e História de Portugal, a reafirmar notáveis qualidades de rigor critico e erudição e na clareza do pensamento e sugestão da linguagem a ganhar a admiração e o louvor dos seus discípulos.
É ainda desse período a actividade de publicista, que se corporiza, em obras como Do Valor Históricos de Fernão Lopes, Notas Históricas sobre os Ordenados dos Lentes da Universidade, A Alma de S. Francisco de Assis, os ensaios sobre a Idade Média e A Igreja e o Pensamento Contemporáneo.
Foi no prefácio deste último livro que o Prof. Gonçalves Cerejeira escreveu o que; poderemos considerar uma síntese dos propósitos que justificariam boa parte da sua produção literária:

Neste livro há mais do que secas dissertações silogísticas - porque foi escrito com toda a alma. Quem julga possuir um bem, de que as almas têm fome, e não sofre porque elas o não partilham - ou não tem fé no bem que possui, ou na sua alma o bem ainda não entrou. Cultivou-se nele escrupulosa e sinceramente a verdade, mas não a indiferença, porque a feia indiferença perante os problemas supremos da vida é já ofensa da vida e traduz incapacidade de amar.

Sr. Presidente: quando, em Março de 1928. Pio XI designou o Prof. Gonçalves Cerejeira para arcebispo de Mitilene e auxiliar do cardeal Mendes Belo ganhava a Igreja e com ela Portugal, mas Coimbra e a sua Universidade ficavam mais pobres.

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Na dor da partida, n cidade do Mondego poderia memorar aquelas formosas palavras proferidas por um alto espírito da sua Universidade, hoje o nosso querido leader - o Prof. Doutor Mário de Figueiredo:

Conhecemo-nos há vinte anos e ficámos amigos logo que uns conhecemos. Adivinhava-se em ti o homem fadado para grandes coisas. Uma inteligência de iluminado que não magoava; uma alma sempre sedenta das fortes cores da Primavera e que era discreta; uma sensibilidade aos borbotões que precisava de cilícios e, uma vontade a que a fé mio faltava com os cilícios para macerar a sensibilidade.
Até aonde te levará a Providência Divina!

Ainda os ecos desta interrogação se não tinham apagado e já o País colhia a certeza do seu justificado fundamento; logo em 1929, o então arcebispo de Mitilene foi designado patriarca de Lisboa e elevado à glória do candidato.
Em sua mente perpassaria então a memória de D. Miguel de Castro, S. Rodrigo da Cunha, D. João de Sousa, D. Tomás de Almeida, D. Guilherme de Carvalho, D. António Mendes Melo e tantos outros, que à Sé de Lisboa emprestaram o brilho do seu talento e o laurel das suas virtude.
A compenetração de uma continuidade resplandecente avulta naquelas iluminadas palavras que, por ocasião das comemorações centenárias, D. Manuel Gonçalves Cerejeira haveria de proferir do terraço da galilé da sua velha catedral românica:

Quem vos fala é-o sucessor de tantos bispos que desde o Rei Fundador, foram nesta vetusta. Se os intérpretes, perante Deus, dos votos e das acções de graças da Nação Portuguesa. Aqui vieram os reis e os governos, e a nobreza e o povo, todos os que fizeram Portugal e o engrandeceram, cantar o Te Deum, das horas heróicas da Pátria. Esta ougusta Catedral é como o coração da Pátria; não houve dor nacional que a não fizesse chorar, como não houve alegria, nem vitória, nem glória, que a não fizesse estremecer jubilosa mente em cântico triunfal .. .

O que tem sido o magistério do cardeal Cerejeira, patriarca de Lisboa, nesta idade de repara-lo, promessa e esperança, refulge, como página de ouro, nos anais da Igreja em Portugal. Tendo amado tanto os livros e estudando hoje só uni que é, Cristo Crucificado, resplandece na mais elevada cátedra da Nação Portuguesa, em acções que são vocação de amor, em palavras eloquentes que a posteridade, eternizará, corporizadas nas famosos Obras Pastorais.
Nas missões de cardeal legado, nos congressos nacionais e internacionais, nas jornadas cristas e patrióticas pelo mundo português, nos fastos memoráveis de Fátima, na criação da Acção Católica, na obra dos seminários e valorização do clero, na adopção dos méis modernos de difusão da verdade cristã, na renovação da arte religiosa, o advento do cardeal Cerejeira tem sido sempre saudado com aquelas palavras que um dia Afrânio Peixoto lho dirigiu ao recebê-lo na Academia, Brasileira de Letras:

Se esta casa tivesse um núncio de suas emoções, rumo os templos, estaria agora n sino a repicar, festivamente, publicando a grande alegria que aqui vai dentro. Recebemos um príncipe da nossa igreja, que, de longe, nos veio procurar. E esse grande dar Terra é um português. E esse lusíada é um humanista, que, perto de Deus embora, sabe falar aos homens na mais bela-escrita literária.
Também os sinos da torre da velha Universidade repicaram no passado dia 29.
E depois do encantamento da oração da despedida todos nós ficámos convencidos, como o fez notar o prelado universitário, de que o Sr. D. Manuel Gonçalves Cerejeira não se afasta de nós: continua a exercer o altíssimo múnus em que está investido guiando espiritualmente a gente portuguesa, que tanto lhe deve, na formação de uma consciência nacional.
Tenho dito.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador fui muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

rdem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1959.
Tem a palavra o Sr. Deputado Urgel Horta.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente.: subo mais uma vez as escadas desta tribuna animado, como sempre o tenho feito, dos mesmos propósitos, do mesmo espírito, dos mesmos sentimentos: contribuir com uma parcela ínfima do meu reduzido saber para esclarecimento de determinados pontos da Lei de Meios agora em discussão. E faço-o dentro da maior fidelidade aos princípios que regem e orientam a doutrina, política que professo, defendo e, apoio, usando do direito de crítica que me assiste, cujos limites jamais excedi, obedecendo inteiramente aos ditames da minha consciência, indicativos e fiadores de uma actividade sinceramente colabora e digna.
As minhas palavras e às minhas expressões não é possível dar outro significado além do que lhe emprestam e dão os meus actos, sempre guiados pela claridade do meu. pensar, norteados pela mesma fé e animados pelo mesmo amor à defesa da causa pública, dedicando-lhe a mais reconhecida e sincera compreensão.
Para criticar com isenção e com acerto é necessário estar dentro da verdade, rendendo-lhe o merecido culto, olhando os problemas com toda a objectividade que eles atingem, alheado de falsos preconceitos, colocando acima de mesquinhos interesses o verdadeiro interesse da comunidade, que é o interesse nacional.
Não é, Sr. Presidente, cultivando derrotismos, semeando intrigas, criando ambientes deletérios e alucinantes, propagando ideias falsas que pode desenvolver-se uma acção crítica de reconhecimento con.strutivo, com salutares efeitos para a sociedade em que vivemos. Só é possível trabalhar-se com frutuoso proveito dentro de uma paz de espírito, dentro de um espírito de confiança, de calma, de reflexão, com independência e com verdade, observando e interpretando os factos no seu verdadeiro aspecto e no seu profundo significado, sem adulterações Ou maledicências, impróprias de homens de boa fé.
Os excessos de linguagem, pouco pensada ou menos reflectida, conduzem as mais das vezes a situações que contrariam inteiramente certas posições, dando a impressão de alinharmos em grupo de que nunca fizemos parte e onde nunca pretendemos militar, visto as palavras irreflectidamente proferidas parecerem atraiçoar os sentimentos que não estão na sua essência. É essa aparente falsidade de situações e posições, tantas vezes explorada, que há necessidade de corrigir, não esquecendo o que somos, o que representamos como elementos

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activos de uma doutrina e de uma força, orgulhando-nos da alta instituição a que pertencemos.
Criticar, Sr. Presidente, não é destruir, negar, perturbar ou deturpar. Quantas vezes se esqueço a alta projecção e o alto sentido de crítica, para se cair num negativismo doentio e perturbador, que, há necessidade de combater com tenacidade e com energia. Na ânsia de se desejar que se faça mais e melhor, esquece-se o passado e diminui-se inferioriza-se a obra realizada, caindo-se numa série de injustas apreciações para com aqueles que neste passado de trinta anos, e mais além, tanto se esforçaram pela efectivação de uma obra que, não sendo perfeita - e onde se encontra a perfeição humana?! -, nem completa, é credora de merecidos elogios, extensivos a todos quantos a enunciaram, a planeavam e a realizaram.
Os novos não viveram o passado que nós vivemos e sentimos, nas suas dificuldades, nas suas incompreensões, nas suas necessidades, nas suas faltas e nos seus atrasos, e quase não acreditam em toda essa numerosa série de obstáculos que se venceram para atingirmos, em toda a sua plenitude de progresso, o dia de hoje, e até aqui a Assembleia Nacional, Sr. Presidente, onde V. Ex.ª é estímulo constante e pensamento de fé o confiança, parece ter chegado certa descrença, minimizando-se as grandes realizações do Estado Novo, esquecendo o seu valor e a sua projecção, tão marcadamente exercida em todos os sectores da vida nacional. E a crítica, o desejo ardente de irmos sempre mais além nas nossas aspirações e nos nossos objectivos de engrandecimento nacional, não pode obliterar o sentimento de gratidão e louvor, justificadamente alicerçado em bases de eloquente verdade. E acto que verdadeiramente se impõe dentro da razão e da justiça. E os homens que à governação do País deram o melhor do seu esforço, da sua inteligência e da sua vontade são dignos credores dos sentimentos agradecidos que aqui lhes tributamos, numa afirmação de viva solidariedade bem ganha.
Vamos ao passado colher lições, através das quais orientamos muitas vezes a marcha do futuro, e dessas lições, a até dos erros cometidos, tiramos ensinamentos preciosos.
Sejamos justos com nós próprios, não exagerando as faltas cometidas e não procurando também nos erros dos outros atenuantes para os cometidos agora, reconhecendo o valor de muitas e bem estruturadas providências e medidas, dignas do mais alto apreço e louvor, postas até em vigor noutras épocas. Só assim se ganham foros de autoridade para se poder fazer critica séria e construtiva.
Sr. Presidente: é a Lei de Meios, substrato fiel da vida da Nação, um documento de alta importância na vida do Estado, com repercussão marcada nos seus diferentes sectores, sejam eles de natureza financeira, económica, social ou política. A aplicação das suas bases, a observação dos seus princípios, o cumprimento e a boa interpretação das soluções que encerra o seu conteúdo fornecem aos altos corpos administrativos do Estado os meios legais indispensáveis à boa gestão dos negócios do próprio Estado, dentro da legalidade que a lei lhes confere. Reveste-se, pois, do capital importância a discussão e a promulgação desta lei autorizante do arrecadamento de receitas e pagamento de despesas realizáveis através dos corpos directivos da Nação.
Ao iniciar a sua discussão e na intervenção deste debate pretendo, como tenho feito noutras oportunidades, render homenagem, tão justa como sincera, ao Ministro que presidiu ao seu traçado e que, através da sua vida pública, vem demonstrando, em todas as emergências, qualidades e virtudes que n tornam digno do louvor que desta tribuna lhe dirigimos. O Sr. Ministro das Finanças continua sendo um homem em quem a Nação confia, o estadista com preparação para o desempenho de altas funções e que de dia para dia se afirma na execução de difíceis tarefas como personalidade de alto merecimento, mestre consumado das ciências económicas o financeiras.
Esta confirmação é-nos dada, mais uma vez, pelo relatório preambular da lei de Meios, documento que, tratando dos problemas mais instantes da vida da Nação no momento actual, dá resposta aos anseios e às exigências, bem fundamentadas e bem juntas, da grei portuguesa para satisfação de algumas das suas necessidades, que são muitas, especialmente de natureza primária, que aguardam pronta efectivação, como lhe está prometido.
Outro motivo se impõe como justificação das palavras que acabo de proferir. O relatório justificativo da criação do Banco de Fomento, iniciativa do mais alto alcance, que há muito se impunha, é lição de um técnico completamente integrado na matéria, nos problemas e nas necessidades da vida económica do mundo actual.
O Decreto-lei n.º 41 957, de 13 de Novembro, criando aquele Banco, abre novo caminho e rasga novos horizontes às actividades de natureza industrial e agrícola, dando aos seus empreendimentos a protecção, o apoio e as facilidades necessários para o seu desenvolvimento, o que só através de uma instituição de tão altas dimensões seria possível.
Não me compete agora, nem me cabe a mim analisar, na sua estrutura ou na sua eficiência, o que representa a reforma do sistema operada pela sua criação e as suas largas consequências na vida da indústria, da agricultura e do comércio. Mas posso afirmar que através da utilização dos recursos de que o Banco de Fomento será detentor, com uma mobilização devidamente ordenada de capital, que poderá atingir milhões de contos, prontos a desenvolver e a fomentar todas as actividades e todos os interesses favoráveis ao nosso engrandecimento, se produzirá uma transformação substancialmente vigorosa e fecunda na economia da Nação. E a criação, tão oportuna como necessária, desse estabelecimento de crédito deve-se em grande parte ao Sr. Ministro das Finanças, que, sob a orientação do Sr. Presidente do Conselho - um homem sem adjectivos bastantes para se definir a sua alta personalidade -, sabe compreender e desempenhar as funções que por ele lhe foram destinadas e às quais se prendem, além do nosso futuro económico, a nossa vida social e política.
Sr. Presidente: desta bancada, e todas as vezes que a oportunidade se me ofereceu, lembrei ao Governo a criação do Ministério da Saúde, e Assistência, que é hoje uma realidade. O reconhecimento da sua necessidade era bem compreendido por quantos dedicam aos problemas essenciais da vida e da sua conservação a merecida acção que estes lhes impõem. A classe médica, disciplinada e obediente à sua ética profissional, mas contrariada nas suas justificadas reclamações, vivendo sacrificadamente a sua função, despendendo e queimando abnegadamente energias na luta pela vida e pela saúde do seu semelhante, sem apoio e o amparo que lhe são inteiramente devidos, viu finalmente satisfeita uma das suas mais prementes aspirações: a criação do Ministério onde têm natural cabimento todos os seus problemas que importam genericamente ao aperfeiçoamento da actividade dos seus membros, pela criação dos meios mais actualizados, e à justa retribuição por serviços prestados.
Na verdade, os seus problemas são problemas de verdadeiro interesse nacional, visto estarem ligados à actividade da medicina nos seus diferentes ramos a conservação e o respectivo rendimento do capital mais valioso e produtivo: o capital humano, valorizado ou

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diminuído pela manutenção do estado do saúde ou de doença.
Uma e outra são factores básicos de influência decisiva na vida económica e social da população, facto que os economistas no estudo das suas incidências colocam no mais alto lugar pela sua rentabilidade. Impunha-se, pois, a criação do Ministério da Saúde, que marca na vida médica do País o dealbar de um novo período, em que o sacrifício, a inquietação e o desengano se substituem por um clarão da ansiada esperança.
De facto, o fosso que se desenhava e poderia revestir aspectos de lamentável gravidade sumiu-se, para dar lugar a um espírito de indispensável compreensão e útil colaboração, que os médicos nunca negaram, mas do qual eram afastados, num acto de verdadeira e bem patente injustiça. Nunca a classe se negou a trabalhar devidamente pela causa da saúde do povo português, como necessidade pública indispensável à vida, ao bem comum e ao império da justiça social, que a humanidade espera ver um dia realizada.
Acima de tudo, o cumprimento do dever era, e continuará a ser sua divisa.
Mas perante a classe iam-se esquecendo aquelas liberdades que são sua pertença, que lhe são próprias, no uso das quais assenta inteiramente a base das suas plenamente justificadas exigências. Pelo Ministério da Saúde vão certamente efectuar-se largas reformas, para as quais foi já pedida a nossa colaboração, colaboração que não podíamos negar, tal é a soma de problemas exigindo o parecer da nossa Ordem. Negá-la seria atraiçoar a nossa missão, esquecendo a alta consideração e o respeito que bem merecidamente devemos ao Sr. Ministro da Saúde e Assistência, pelo valor e vontade já demonstrados, como personalidade detentora de um espírito que se tem afirmado eloquentemente em todas as suas manifestações perante a classe médica, possuindo em larga medida envergadura e coragem para a realização de uma obra a que se vem dedicando com o maior interesse e a que nós, médicos, damos inteiro apoio e franca colaboração.
Sr. Presidente: posto que o Estado haja realizado uma notável obra de assistência médico-social, despendendo vultosas quantias - alguns milhões de contos - na construção de hospitais, sanatórios, dispensários e tantos outros empreendimentos destinados ao mesmo fim, obra a que sempre tenho patenteado, como é de inteira justiça, o mais sincero e caloroso louvor, manda a verdade dizer que para a sua realização esqueceu quase sempre o seu melhor colaborador, o médico, obreiro esforçado e sacrificado no combate permanente contra a doença, vivendo intensamente a vida hospitalar, lutando pelo bem da humanidade no alívio da dor e do sofrimento, jamais se afastando daquele sentimento que o guia e a que cegamente obedece, quer por educação, quer até por instinto.
Medidas e providências de grande amplitude e projecção se impõe na hora que passa: no respeito pela ética profissional ditada pelo estatuto que nos rege e na compensação justamente remuneradora dada ao trabalho daqueles que nunca perderam o assentimento de caridade inerente à profissão que querem exercer com toda a independência.
Esquecemos agravos, ingratidões, injustiças, na tentativa de um aviltamento de
Classe, que repudiamos, exigindo o reconhecimento de direitos a todos quantos praticamos a nobilíssima arte de curar, dentro do maior respeito pela dignidade humana. Nunca os médicos faltaram ao integral cumprimento das suas obrigações, mas querem e exigem o reconhecimento dos seus direitos.
O relatório que a Ordem dos Médicos apresentou ao sr. Presidente do conselho, pelo seu ilustre bastonário, é documento claro no seu conteúdo, demonstrando com toda a eloquência da verdade a situação angustiosa da classe, assoberbada com a responsabilidade do seu intenso labor profissional, mas esquecida e diminuída na sua vida social, relegando-a para um plano de insuficiência e inferioridade, que não se coaduna com o nível que lhe é exigido e lhe é inteiramente devido.
Sr. Presidente: por formação profissional e ainda por um sentimento inerente ao meu próprio carácter e ao meio onde o meu espírito evoluiu e se preparou para a vida, os problemas da saúde e os problemas da educação e ensino despertam em mim, desde os tempos longínquos de uma mocidade distante, o maior interesse e a melhor atenção. Problemas de saúde, de formação profissional e técnica, de intensa conjugação com a elevação do nível intelectual e moral do povo português, têm sido motivo da minha tão humilde como despretensiosa acção nesta Assembleia, tratando-os dentro da apertada limitação da minha experiência e do meu saber.
Estes problemas revestem no distrito que aqui represento - o Porto - uma especial acuidade, uma notável importância, tornando-se objecto de justificadas atenções e motivo de constantes e sentidas inquietações.
É o Porto - todos o reconhecem - uma grande metrópole comercial e industrial, extraordinariamente movimentada e progressiva, aspirando cada vez, com maior energia e vontade, ao seu engrandecimento, na tarefa intensamente realizadora o construtiva a que com afinco se dedicam os seus habitantes. Mas é também, e acima de tudo, uma grande urbe, onde frutificam e vicejam as mais altas virtudes humanas, no topo das quais refulge, em todo o seu esplendor e beleza, a acção e o sentimento cristão da caridade. E não há obra de reconhecida benemerência lançada no seu meio que não seja carinhosamente aceite e levada à sua finalidade, quando se demonstre a necessidade da sua vida, da sua existência.
A assistência hospitalar no Porto tem vindo a ser feita através dos séculos pela própria ciciado, pelas suas actividades, pela iniciativa particular dos seus habitantes. Os institutos assistenciais, as várias ordens, multiplicam-se, vivendo do esforço colectivo da sua gente, sempre disposta, sem enfado e sem sacrifício aparente, a dar protecção e amparo a todos aqueles que deles precisam.
A rainha D. Leonor, pioneira dessa grande virtude que é a caridade, desse nobre sentimento, fonte de carinho, amparo para todos quantos dele necessitam, legou à cidade do Porto essa virtude nobilitante, de sagrado exercício, que a sua alma infinitamente bondosa e para recebeu magnificamente da omnipotência divina.
A obra das Misericórdias é a sua eterna e refulgente, coroa de glória e a Santa Casa da Misericórdia do Porto é, através dos séculos, a mais magnificente instituição de caridade que Portugal possui. Desdobra-se em múltiplas actividades, praticando todas elas a caridade nos seus mais variados aspectos, nas suas mais diversas modalidades.
Pode bem dizer-se que o Estado não teve durante um largo período de tempo necessidade do dedicar à assistência da velha cidade atenção especial, porque o Porto, com a sua comprovada generosidade, não olhando a sacrifícios, desprezando interessou materiais, com altivez e orgulho, soube sempre bastar-se a si pró-

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prio, praticando com fé e com amor essa virtude cristã, que Deus pregou na Terra e comando do céu. E ontem, como hoje, o Porto continua na vanguarda desse pelotão admirável, marchando sob o pendão rutilante da doutrina cristã, tendo por lema o exercício e a prática da mais bela virtude humana, que tem por nome Caridade.
Sr. Presidente: a Santa Casa da Misericórdia do Porto, cuja existência data de há quase cinco séculos, visto haver sido fundada em 1499, tem sido, através da sua vida, a mais bela e mais completa instituirão de caridade da terra portuguesa, desdobrando-se numa extraordinária obra assistência!.
Hoje, e já há alguns anos atrás, a manutenção desta instituição, que sempre viveu em completa independência do listado, tem precisado de recorrer ao seu auxílio. O número dos seus protegidos sofreu um acréscimo de grande escala e desse facto resultou um aumento extraordinário de despesa, que o Estado vem comparticipando com subsídios insuficientes para ajuda e conservação dos serviços prestados, não só ao Porto, mas a todo o Norte do País.
A Santa Casa da Misericórdia, que acusa uma despesa, anual superior a 40 000 contos, despendendo com o Hospital Geral de Santo António uma cifra que anda si volta de 20 000 contos, recebeu nu decorrer de 1957 o subsídio de 13 000 contos, estando nele incluídos 2500 contos correspondentes a internamento de enfermos feito pelo próprio Estado, ficando assim o primitivo subsídio reduzido a 10 000 contos, dos quais 8000 contos foram gastos no Hospital Geral de Santo António.
Encarando o problema com toda a realidade, verificamos serem excessivamente insuficientes os quantitativos abonados, pois, tornados com os rendimentos que a Santa Casa possui, não bastam para fazer face às despesas que acarretam a manutenção e a actualização, quer dos serviços, quer dos equipamentos, e muito especialmente das instalações, que aguardam a hora da sua completa transformação e renovação, de harmonia com as técnicas e os métodos actuais.
Quem, como nós, tem acompanhado o movimento daquele grande hospital, que tem de continuar a ser grande, como realmente foi e é avalia bem como se torna difícil e penoso trabalhar num meio onde avaliam faltas e deficientes de certa maneira graves, que só o magnífico e bem formado espírito do seu ilustre corpo clínico consegue, através das maiores dificuldades, apagar e suprir.
Há que resolver com urgência e com inteligência determinados problemas, que não admitem soluções parcelares ou demoradas. Torna-se indispensável a intervenção pronta do auxílio do Estado, fornecendo à Misericórdia do Porto meios bastantes para que a instituição continue desenvolvendo em novas bases a sua benemerente acção social, prestigiando-a e prestigiando-se. Não se pense que a abertura do Hospital de S. João, anunciada para breve, possa solucionar todos os problemas de assistência hospitalar.
Um e outro terão o seu lugar bem marcado, dentro do campo da sua actividade, no combate à doença, através dos meios terapêuticos de que um e outro disponham. Tornar-se-ão mais fáceis determinadas tarefas e um será complemento do outro na extraordinária movimentação que, aos dois vai caber. Tão grande é o número de enfermos que aguardam a prazo longo o seu internamento.
É necessário criar receitas para fazer frente às despesas, que são extraordinariamente pesadas em todos os estabelecimentos de assistência, o Estado sabe bem quanto lhe vem custando o dispêndio feito com a manutenção dos hospitais de Lisboa e Coimbra, inteiramente a seu cargo, não merecendo a pena fazer confrontos.
Encare-se o problema em toda a sua extensão e profundidade, não esquecendo a gravidade de que ele se reveste. Fala-se em iniciativas de grande rendimento, que deverão ser em breve concretizadas e em cuja concretização o Porto desempenhará um grande papel. Se assim for, é de inteira justiça caber-lhe a participação proporcional ao seu esforço, destinando-o a partilhar nos grandes encargos que as instituições de caridade, como é a Santa Casa, têm de suportar.
Outra questão de grande magnitude respeitante a problemas de saúde que pretendo tratar neste momento: a remodelação e ampliação do Hospital-Sanatório Rodrigues Semide, há tanto tempo projectadas.
Sr. Presidente: pela terceira vez, e integrado na discussão da Lei de Meios, volta o Sanatório Rodrigues Semide a ser objecto da minha atenção, dedicando ao velho projecto da sua ampliação e da sua remodelação o interesse que lhe é muito especialmente devido, pela acção de magnífica utilidade exercida no Porto durante o largo período de trinta e dois anos.
Inaugurado cm Novembro de 1926, depois de vencidas inúmeras dificuldades, o Sanatório Rodrigues Semide tornou-se notável realização, de profundo alcance social e moral, na luta antituberculosa a desenvolver numa cidade onde a curva de mortalidade, que urgia combater, se revestia de aspectos aterradores.
Foi esse sanatório-hospital o primeiro grande baluarte do arsenal terapêutico, constituído dentro das necessidades e preceitos da época e em face dos conhecimentos da tuberculogia, destinado a lutar contra tão grave como mortífera endemia.
A armadura antituberculosa era nesse período quase nula, insignificante, limitando-se à existência no Hospital de Santo António de duas enfermarias destinadas a doentes bacilares e ao dispensário que a rainha D. Amélia - grande protectora da pobreza doente - havia instituído como início dessa magnífica obra, de tão altas dimensões, fundada pela excelsa rainha: a Assistência Nacional aos Tuberculosos.
O Sanatório Rodrigues Semide veio então preencher um enorme vácuo, cuja falta tanto e tão profundamente, se fazia sentir, dando princípio ao cumprimento dessa luta. constante a sustentar contra a terrível endemia, ceifeira de tanta vida. Rendendo culto à verdade, deve afirmar-se que no desempenho da missão que lhe cabia soube durante algumas décadas, através da acção inteligente exercida pelo seu corpo clínico, valorizar-se, cumprindo, com nobreza e dignidade, a alta função que lhe cabia e cujo desempenho tem continuado em ritmo que necessita de ser aumentado e actualizado.
Bem merecido se torna salientar o exercício desses infatigáveis obreiros de medicina, corpo de elite que, secundado por um corpo de enfermagem devidamente preparado, abnegadamente vem lutando pela causa da saúde do povo - a sua mais valiosa riqueza.
Dispondo ainda boje de excelentes recursos em material destinado aos diferentes serviços de medicina e cirurgia bem especializados, o Semide continua a prestar à cidade e ao Norte do País serviços de extraordinário relevo. É, porém, necessário reformar, ampliar e actualizar os serviços que lhe estão confiados, procurando assim, dentro da hora que vivemos, satisfazer as prementes necessidades da luta antituberculosa no Porto.
Está há muito planeada essa ampliação, que abriria novos caminhos à vida do Hospital, elevando a sua lotação actual, que é de 98 camas, para 316, o que daria aos pobres tuberculosos uma maior facilidade de admissão, libertando o Sanatório D. Maria II dos cons-

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tantes e numerosos pedidos de internamento, de facto que se reveste de um aspecto grave e delicado.
Poderia depois encarar-se a hipótese, bem aceitável, da diminuição dos pedidos de internamento, antevendo-se possibilidades de albergar anualmente um maior número de doentes, pela sua conveniente renovação.
O Sanatório Rodrigues Semide, realizado o seu plano do modernização e engrandecimento, conservaria todos os serviços que hoje possui, desse facto, tirando o maior rendimento. E mais ainda: aproveitando o seu material cirúrgico existente, manter-se-ia, como é inteiramente justo, o serviço operatório, que em 1930, por exemplo, atingiu a cifra de 240 intervenções, número que se impõe como forte motivo e necessidade da criação do um bloco cirúrgico que participe da ampliação projectada.
Fornecer meios ao Semide para o tornar um centro de cura de tuberculose, mantendo e aumentando o seu prestígio, dotando-o de todos os elementos indicados, seja no foro médico, seja no foro cirúrgico, é uma aspiração da Santa Casa da Misericórdia, a que o Governo tem prometido associar-se, dando com o seu apoio uma larga comparticipação.
O caso parecia inteiramente resolvido no tempo em que o Sr. Dr. Guilherme de Melo e Castro ocupava o Subsecretariado de Estado da Assistência. Mas S. Ex.ª foi chamado ao desempenho de outras missões, os anos sucedem-se, e o que parecia, em breve uma realidade vem sendo adiado, com manifesto prejuízo da saúde e da vida de tanto enfermo. E eu pergunto: porque se espera? A quem cabe a culpa do retardamento da obra, de tão instante necessidade?
A resposta adivinha-se, mas não me compete dá-la. Organizou-se o projecto, orçamentando-se em 4350 contos o seu custo, para o qual o Sr. Ministro das Obras Públicas prometeu uma comparticipação de 50 por cento do seu valor, contribuindo a Misericórdia com 1000 por cento, o que representa aproximadamente 1000 contos, e contando-se com o restante oferecido pelo Subsecretariado de Estado da Assistência Social ou, melhor, pelo Ministério da Saúde e Assistência. Mas até agora pouco ou nada se adiantou.
Para o Governo, e especialmente para o Sr. Ministro da Saúde e Assistência, apelamos, pedindo que sobre problema de tanta projecção se estabeleça uma directriz, dando finalidade a um empreendimento que, sendo da Santa Casa da Misericórdia, é pertença do Porto, como problema da saúde pública.
Sr. Presidente: tratemos agora especificadamente da tuberculose, tomando como referência a resposta dada ao meu requerimento, embora incompleta, o que seria motivo de estranheza, se a explicação que nos foi dada não fosse sincera e, portanto, aceitável.
Mas, posto que as necessidades assistenciais do povo português sejam manifestamente claras, a Lei de Meios, na sua base V «Saúde pública», apenas liga ao desenvolvimento do programa de combate à tuberculose à importância que lhe é inteiramente devida, esquecendo o muito que é preciso realizar em todos os sectores que tratam da conservação da saúde da vida humana. Evidentemente que à tuberculose pertence, por direito de malignidade, o primeiro lugar nas endemias de percentagem mortífera alta, mas outras existem que não podem nem devem ser esquecidas na luta curativa e profiláctica que é necessário sustentar contra acção devastadora, que tão grandes e irremediáveis prejuízos acarreta para a vida humana.
Sobre os números pedidos, que recebemos através do instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, não é possível formular senão considerações muito restritas, visto que, tendo pedido no nosso requerimento que nas cifras a fornecer-nos fossem especificadas as idades e as diferentes actividades profissionais, não pudemos sor atendidos nesta parte do nosso pedido.
Explica-se na resposta recebida que as especificações pedidas não podiam ser dadas em virtude de só agora, a partir do corrente ano, se ter adoptado o sistema de mecanização I. B. M. Ainda bem que sobre esta resposta será lícito alimentar a esperança de, no futuro, virem a ser possíveis não necessárias averiguações. E, embora tenhamos de lamentar que em relação às actividades pretéritas o conhecimento de dados importantíssimo -, para a eficaz condução da luta antituberculosa é impossível, encontramos consolação naquele ditado que diz que vale mais tarde do que nunca.
A elaboração de uma estatística que abranja todos os aspectos de interesse para o perfeito conhecimento do problema é, instrumento de informação indispensável para os técnicos a quem cabe resolvidos, permitindo-lhes, não só pôr em prática as medidas mais adequadas, como também definir as urgências e as prioridades. Mas só a necessidade existe em relação aos técnicos, não menos se faz sentir em relação à entidade responsável, que, sem uma informação bem fundamentada, muito se assemelhará a um general que conduz o seu exército a uma batalha ignorando tudo, ou quase tudo, do inimigo.
Identificando este inimigo da imagem com a endemia tuberculosa - e terrível inimigo ela é - temos fortes razões para supor que a nenhuma das perguntas será possível dar uma resposta conveniente. E, contudo, a gravidade do problema, longe de se atenuar, torna-se mais intensa, pois temos no Boletim Demográfico do Instituto Nacional de estatística que nos últimos anos a mortalidade por tuberculose aumentou, embora pouco, o que não é agradável.
Voltando às informações do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, apesar de vermos reduzidos os meios de analisar tão momentosa questão, faremos breves considerações acerca das cifras fornecidas.
Destas, interessam-nos especialmente as que se referem à vacinação pelo B. C. G., visto terem um maior significado, por se referirem a uma medida de ordem profiláctica e efectiva.
Citamos, pois, esses números:

[Ver tabela na imagem]

No total, 369 264 vacinações realizadas em três anos!
Por outro lado, vejamos o número de portugueses jovens existentes na metrópole, servindo-nos do censo de 1951 e não entrando, consequentemente, em linha de conta com crescimento da população:

0 a 4 anos ........... 889 714
5 a 9 anos ............ 798 678
10 a 14 anos .......... 799 693
15 a 19 anos .......... 810 964
3 299 049

Mesmo partindo do princípio de que todas as vacinações resultaram eficazes, tendo sido rigorosamente verificada a alergia e cuidadosamente reinoculados os indivíduos em que a «viragem» se não produziu, ou em quem a alergia se perdeu, isto é, mesmo aceitando que no espaço de três anos se fizeram 369 264 vacinações
úteis, comparando ora cifra com o número de habitan-

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tes de idade não superior a dezanove anos chega-se à conclusão de que, destes, apenas se vacinaram cerca de 11 por cento.
Acreditando nos tratadistas, que afirmam que para a vacinação ter valor social, e não apenas individual, é necessário que atinja pelo menos 70 por cento das camadas populacionais que se tem em mira proteger, concluiremos que entre nós, com os nossos magros 11 por conto, a vacinação pelo B. C. G., sob o ponto de vista colectivo, não tem significação útil.
Por tudo quanto sabemos, muito especialmente da luta antituberculosa, julgamos ser chegada a hora de sairmos de uma fase e experimental sem justificação, para enfrentarmos o problema em toda a sua amplitude, com decisão, e assim obtermos uma produtividade efectiva, e não apenas virtual.
Manifestemo-nos, apesar de tudo, satisfeitos com a promessa feita pelo Governo de conceder novos e substanciais investimentos destinados a manter bem acesa a campanha contra a tuberculose, que é necessário prosseguir intensamente, embora os resultados não atinjam, por múltiplas, razões, a altura que seria lícito esperar. Mas desse facto não é culpado o Governo, afirme-se bem alto, que nunca negou o auxílio exigido na luta contra a terrível endemia.
Vai já longa a exposição que venho fazendo sobre alguns problemas de saúde e assistência, que sempre foram objecto da minha atenção e do meu interesse. Outros teria para abordar, como sejam a criação do banco dos olhos, possivelmente do banco dos órgãos, cujo estabelecimento se torna indispensável, para mitigando tanto infortúnio, dar luz a olhos que a podem recuperar e restituir função a órgãos que, através de enxertias, a poderão exercer.
Outro problema cuja solução se arrasta há largo tempo diz respeito à edificação e equipamento respectivo dos hospitais de Vila Nova de Gaia e de Matosinhos, de que me tenho ocupado desde o dia em que pela primeira vez subi as escadas desta tribuna.
A criação de um centro anticanceroso no Porto é medida que se impõe e cuja demonstração de absoluta necessidade aqui patenteei, tendo de prosseguir na campanha encetada para a sua criação, visto o Porto, como todo o Norte do País, sentirem intensamente os malefícios dessa terrível doença, de mortalidade aterradora.
Este e outros problemas serão novamente tratados em toda a profundidade, visto manterem-se cada vez com maior gravidado os motivos justificativos da sua instituição.
Sr. Presidente: tem o Estado Novo, na sua meritória actividade social, dedicado à criança a protecção e o interesse compatíveis com o seu melhor desenvolvimento físico e com a manutenção da sua vida, dando-lho os meios que lhe proporcionem a melhor saúde.
Essa protecção principia a trazer-se no período da sua gestação, prevenindo os pais contra certas doenças transmissíveis, observando e acompanhando a mão durante o período da sua gravidez, ministrando ensinamentos e aconselhando meios terapêuticos, quer profilácticos, quer curativos, de forma que o feto sofra o seu desenvolvimento nas melhores condições de resistência.
A assistência materno-infantil, obra de grande vulto, inicia a sua missão protectora já na vida intra-uterina, assistência que se mantém no período largo seguido ao parto e, que se continua, dando satisfação às necessidades da criança, cujo desenvolvimento se pretende, pela criação de condições de harmonia com a sua idade. E a criança transforma-se a pouco o pouco no mais alto valor social, exigindo protecção do Estado através de uma orgânica própria e adequada às suas condições; mas o Estado, que reconhece os direitos da confiança, como alto valor social, a sua maior riqueza, capital humano em constante multiplicação, na sua potencialidade, esquece-a numa parte da sua vida e só volta a chamá-la ao seu contacto e a sua protecção depois de haver atingido uma idade igual ou superior a 7 anos. Quero referir-me ao período educativo, que só nessa altura começa entre nós.
Afirmam os pediatras especializados em psicologia infantil, e afirmam-no com inteira confiança da sua missão baseados na prática dos seus conhecimentos, que a educação da criança, se inicia desde os primeiros tempos da sua vida, adoptando medidas e cuidados que têm a mais decisiva inocência na manutenção e no desenvolvimento da sua robustez, medidas e cuidados que elas compreendem e praticam.
Diz o povo, e diz bem, que a educação principia no berço, o que quer dizer ser necessário principiar cedo. A educação infantil, legalizada nos países mais adiantados na sua civilização, tem demonstrado ser extraordinariamente útil e proveitosa, e a obra realizada por algumas escolas de ensino particular ainda hoje existentes revela claramente esse valor educativo, através dos pequeninos seres que as frequentam, entre os 4 e os 7 anos.
Posso também fazer o meu depoimento pessoal, como módico que acompanhou com desvelo, durante largos anos, a magnífica tarefa de uma escola infantil do Porto, a Escola Infantil da Fraca da Alegria, onde as crianças, vivendo umas horas dentro de princípios adoptados pela pedagogia, desenvolviam, com alegria e satisfação, o seu intelecto, a sua mentalidade, sem dispêndio de qualquer esforço, gozando um ambiente cheio de carinho, modelando-a e vivificando cérebros pequeninos, pela prática de actos cientificamente estudados e realizados, sob a orientação inteligente e carinhosa de professoras, bem dignas do todo o louvor.
Uma das medidas que considero como verdadeiro erro foi tomada após a proclamação da República, que originou uma grande machadada na educação infantil. Essa medida consistiu na expulsão das ordens religiosas, que, como disse, reputo absolutamente errada.
Uma das missões de tanta grandeza c de tanta projecção a que essas ordens se dedicavam com o mais vivo interesse e amor pelas crianças era a da educação infantil. O mundo inteiro presta hoje reconhecidamente a sua homenagem de louvor a essa plêiade admirável de senhoras que, carinhosa o afectivamente,
seu dedicavam ao ensino infantil.
Felizmente, houve um rebate de consciência, e o reconhecimento dessa necessidade remediou-se, em parte, com a publicação da reforma de ensino decretada em Outubro de 1911 pelo Governo Provisório da República, que instituiu novamente o ensino infantil, dando-lhe inteira legalidade.
Não têm essas escolas na sua função sobrecarregar o espírito das crianças com a aprendizagem de conhecimentos que seriam impróprios da sua idade. Mas, sim, desenvolver-lhe a inteligência e determinados sentimentos, através de jogos, de brinquedos, de certas manifestações de interesse na vida infantil, levando as crianças a raciocinar, experimentando impressões susceptíveis de despertar curiosidade e interesso aos órgãos dos sentidos.
E o regime de vida das crianças, realizado em ambiente de sanidade física e moral, - é despertador de qualidades e sentimentos do alto valor educativo, quando entregues à boa experiência dos mestres.
O que valem e o que representam as escolas infantis saltem-no aqueles que acompanharam a sua evolução. E os mestres que seguiram a evolução do carácter e da

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inteligência das crianças que viveram o período antecedente ao início do período elementar, cujo desenvolvimento, comparado com u daquelas que o não haviam frequentado, lhe era claramente superior.
Ensino feito com alegria e carinho era esse que o Decreto-Lei n.° 28 081 extinguiu, com grande desgosto para o Porto e para Lisboa, onde o ensino infantil havia tido largo desenvolvimento.
Forque não pensar no sou restabelecimento em moldes convenientes?
Sr. Presidente: o ensino primário representa o princípio-base em que assenta toda a educação do povo português. Desvirtuar ou diminuir essa função é contribuir para a inferiorização de todos quantos pretendem não ir além dos conhecimentos indispensáveis que esse ensino nos dá dificultar a marcha educativa dos que desejam e querem atingir nível superior, frequentando depois as escolas secundárias.
Ao problema da instrução primária elementar, que deveria, em meu entendimento, fazer-se preceder do ensino infantil, há que dedicar uma atenção especial, valorizando-o em todos os sectores, combatendo o analfabetismo pela obrigatoriedade escolar, como se tem procedido, e ministrando uma soma de conhecimentos da mais relevante utilidade, de harmonia com as exigências que acusa a vida actual, uns suas variadas situações.
Mestres competentes e programas actualizados são o fulcro à volta do qual gira o problema muito complexo do ensino primário, cuja solução é possível, através da competente selecção de uns e do revigoramento e actualização de outros.
Sem bons professores e bons programas não se poderá atingir o grau de educação e cultura indispensável à resolução de problemas que a vida nos depara a cada instante. Se a revisão de programas é medula que se impõe, o recrutamento do professorado reveste-se de uma importância capital, assumindo aspectos graves. O professor, na sua alta missão, é um cinzelador de caracteres, um modelador do espírito dos alunos que lhe são confiados, um obreira especializado para dar a Nação rapazes bem formados pelas lições recebidas, que ingressarão um dia em cursos superiores, prestigiando e louvando os mestres que os orientaram e lhes serviram de guias.
Não é minha intenção fazer aqui o merecido elogio do professor primário, porque se esse fosse o meu intento as minhas expressões não teriam vigor bastante para fazer a síntese do seu abnegado esforço, do seu demonstrado e inigualável amor pelo ensino, como formadores e educadores de gerações sucessivas de moços que jamais esquecem o ilustre que tão dignamente, soube cumprir para com eles o seu dever. Torna-se necessário que o Estágio saiba corresponder às suas responsabilidades com a remunera-lo devida às suas meritórias tarefam.
São bem fundamentadas, bem aceites, as suas queixas, e como funcionários que ocupam na vida da Nação missão de tanto valor na educação de juventude escolar é urgente proporcionar-lhe meios de vida compatíveis com um viver isento de dificuldades, como bem merecem. Só assim se poderão manter quadros suficientes para as necessidades do ensino, e os números são eloquentes na sua expressão.
Tínhamos em 1957 mais de 4000 escolas sem professores e postos de ensino, excedendo 1200, sem regentes, havendo necessidade absoluta de remediar essas faltas, às quais há que juntar, como medida resolutiva de muitos problemas, o alargamento da frequência das escolas do magistério primário, para assim lembrar uma crise que toma aspectos de certa gravidade.
A instrução e a educação para serem devidamente ministradas e assimiladas necessitam de professores que aliem às suas qualidades naturais os conhecimentos pedagógicos que só as escolas do magistério lhes podem proporcionar.
O pedagogo não se improvisa. Só uma preparação especializada lhe confere o valor e a competência indispensáveis ao ensino.
A criação dos regentes de ensino não resolve o problema, visto estes, na sua maioria, serem destituídos de capacidade formativa e educativa bastante para o desempenho de tão elevada missão.
Apesar do esforço e da boa vontade que demonstram, entendemos que não podem nem devem, em qualquer circunstância, actuar em meios que bem indiscutível direito a professores habilitados, no desempenho de uma função que envolve grande responsabilidade.
Instruir e educar não aceitam improvisações e o Estado tem obrigação de olhar o professorado primário com a atenção, o carinho e o cuidado que lhe são inteiramente devidos, visto terem sob o domínio da sua acção o futuro da mocidade, que necessita de protecção concreta.
O mestre é um reformador do carácter dessa mocidade, com o seu exemplo de respeito a amor pela Pátria, cultivando-lhe e desenvolvendo-lhe a inteligência e todo esse somatório de qualidades e virtudes que tornarão a mocidade forte de corpo e forte de espírito.
Sr. Presidente: fala-se há muito da necessidade de uma reforma do ensino liceal, e estamos convencidos de que o ilustre titular da pasta da Educação Nacional sente também essa necessidade, visto o regime adoptado não corresponder as exigências da sua valorização.
Pertencendo aos liceus uma missão de carácter formativo, impõe-se uma modificação no plano de estudos, de forma a dar um melhor equilíbrio à distribuição das matérias que lhe são adstritas, aliviando certas dificuldades, verdadeiramente pesa-as, por uma melhor distribuição de disciplinas, que no 2.º ciclo atingem máximos de exagero.
O próprio Ministro, em declarações feitas, assim a tem demonstrado, e, sendo o ensino secundário de base formativa e de cultura geral, não parece aceitável a especialização que em certa altura se lhe atribui. Há que contar, em questão de tanta importância, com o factor de tempo disponível para cumprimento das obrigações estudantis e também com a constituição orgânica dos alunos, visto, na sua grande maioria, não possuírem condições de resistência física e moral bastante para suportarem o esforço exigido, com aproveitamento das disciplinas respectivas, muito especialmente as que constituem o 2.º ciclo.
Pode bem classificar-se de violento e a de atentado contrário ao desenvolvimento dos rapazes que procuram vencê-lo.
Sr. Presidente: de ano para ano o acréscimo de frequência escolar verifica-se em percentagem de extraordinário volume, como sucede em toda a parte. O facto, que se tem acentuado de ano para ano, dá causa a dificuldades de instalação para todos quantos pretendem frequentar as escolas dos diversos graus, e muito especialmente os liceus, que, não possuindo edifícios de dimensões capazes para receber o elevado número de alunos, criam problemas de difícil solução às entidades competentes.
O caso assumiu este ano aspecto de extraordinária grandeza e, se medidas não forem tomadas na altura conveniente, em Outubro futuro repetir-se-ão, em grande estilo, as mesmas dificuldades que se manifestaram nesta época.
Justo é proclamar, com o devido louvor, a actividade demonstrada pelo Sr. Ministro da Educação Nacional, pondo toda a sua energia, vontade e interesse na solução do caso, resolvido dentro das possibilidades que

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se lhe ofereciam, recorrendo a improvisações, que não devem tornar-se, definitivas.
Impõe-se a construção de novos edifícios e ampliação dos restantes, como já se está fazendo com alguns; e impõe-se ainda a adopção de medidas que afastem «Io ensino liceal, dirigindo para outros estabelecimentos, muitos daqueles que pretendem frequentá-los somente em determinados ciclos, adquirindo assim um grau que lhes dê possibilidade de se candidatarem a certas situações, ou a determinados lugares públicos, que exigem certidão comprovativa da frequência, com aprovação dos dois primeiros ciclos liceais.
Ora o liceu é considerado como escala do preparação e cultura de natureza geral para habilitação necessária ao ingresso nas Universidades e era de inteira justiça que outras escolas oferecessem as garantias que muitos pretendem, o que seria possível, dentro de uma legislação adequada e própria, sem necessidade do recurso aos liceus, que soa, na verdade, a antecâmara de entrada nos cursos superiores. Procedendo assim, conseguir-se-ia desviar uma parte dos alunos da frequência liceal para estabelecimentos que oferecessem as garantias que hoje lhes concede n.º 1.º ou 2.º ciclos como exigência para determinados concursos.
Porque não pensar na restauração das escolas primárias superiores, criadas pela Reforma de 1911 e postas a funcionar em 1910. facto que traria facilidade de ingresso nos liceus pulo descongestionamento que, esse restauro certamente operaria?
Não seria essa medida de grande alcance na resolução de muitas dificuldades, simplificando um problema que se reveste de certa gravidade?
Mas há no exercício do magistério liceal um facto que representa uma injusta enormidade, que se torna necessário corrigir: a péssima situação em que servem os professores com categoria do agregados. Possuem os agregados toda? as habilitações para poderem ocupar a situação de efectivos.
Vivem, porém, em manifesta inferioridade, louva dos seus justos interesses, visto não usarem de qualquer das garantias que possuem legalmente os professores efectivos e auxiliares, como sejam o direito a férias pagas, n aposentação e ao pagamento em períodos de invalidez ou de doença. Nada há que justifique semelhante disparidade, que o alargamento de quadros, tão necessário, resolveria prontamente, se exige a larga frequência liceal, que em nada se compara nem o que era noutros tempos. Resolver uma situação Ião falha de motivos é acto de inteira justiça, que impõe remédio imediato.
Sr. Presidente: alia missão cabe às Universidades na formação profissional daqueles que, através do valor da sua acção, tom de constituir o corpo orientador, responsável pêlos superiores destinos da Pátria. Perante a mocidade que aspira ascender, por direito de conquista, às mais altas funções estabeleceu o Estado um compromisso de responsabilidade, a que não pode, faltar, pois à nossa juventude - homens de amanhã - incumbe a tarefa, gloriosa tarefa, de continuar, defender e perpetuar, através de múltiplas gerações, o património material, intelectual e moral que lhe foi legado como penhor inalienável de um povo que. soube corajosamente traçar o seu destino.
Cabe à Universidade, no seu objectivo profissional e técnico e no desenvolvimento concomitante da sua formação espiritual, dominada pela ciência, de cultura, humanística, a alta, mas magnífica, responsabilidade do futuro da gente moça.
Quando se discutiu o Plano de Fomento fiz justo reparo de estranheza pela falta acusada nesse planeamento, admiravelmente delineado e concebido, que representa a não inclusão do Ministério da Educação
num dos capítulos das suas objectividades, visto a ele, mais que a nenhum outro, caberem responsabilidades na sua boa execução.
O Mundo vive numa inquietação permanente e angustiosa, numa aspiração de melhoria de nível de vida, aspiração bem justificadas, e é na Universidade, onde se estuda c se trabalha, que se caldeiam os espíritos, como ânimo forte, que à luz das ciências, na sua constante movimentação e actualização, dão solução aos problemas de maior transcendência e de maior projecção na existência dos povos.
Para tanto é indispensável que o ensino superior soja ordenado e orientado, de um movimentado critério de respeito e constante adaptação às ciências que evoluem à luz do progresso, transformando o próprio conceito da vida do homem e da vida das nações.
O problema universitário gravita e compreende directamente todos os grandes problemas humanos, sejam de que ordem forem, e é através do estudo e do conhecimento dos princípios de que enferma a ciência que as nações procuram o seu engrandecimento económico, o seu bem-estar social.
Revestem-se de extrema delicadeza, hoje mais do que nunca, as funções pedagógicas exercidas dentro da Universidade, exigindo da parte dos governos atenção profunda e estudo consciente e atento na escolha do plano de estudos, de harmonia com as necessidades da hora actual, dando à juventude das nossas escolas superiores, não olhando a preço, todos os meios indispensáveis às exigências dos seus anseios e à tranquilidade das suas inquietações interessando-o na renovação constante do nosso património, património da Nação.
E ouso agora, Sr. Presidente, parafraseando um grande espírito de médico muito ilustre, fazer uma interrogação de clara e larga amplitude.
Para onde vai a nossa mocidade?
Que rota lhe está destinada? Qual o caminho a escolher no seu destino?
Não é fácil responder a perguntas que envolvem um mundo de responsabilidades. Deus e a Pátria devem balizar a estrada da sua vida, marcando o seu destino. O caminho que a leva a Deus é apontado com firmeza pela doutrina da Igreja, que tem no Sr. Cardeal-Patriarca o seu expoente máximo e que na grandeza da sua missão divina sempre, e há poucos dias, em notável discurso comemorativo do aniversário da acção católica, tão brilhantemente demonstrou o valor e a beleza de que o Evangelho é universal detentor.
A estrada que conduz à glorificação da Pátria e ao seu engrandecimento, pelo estudo e pelo trabalho, num dispêndio de energia e vontade, aliados à inteligência e às virtualidades da Raça, essa tem de traça-la o Estado, no exercício pleno da sua função, através dos meios e dos organismos responsáveis pela educação da juventude de Portugal.
E não é, Sr. Presidente, com palavras que se realiza missão de tamanha grandeza, mas é, sim, com atitudes e acções de nobreza, filhas de reflexão profunda; com exemplos resplandecentes de verdade e dignidade, com obras cimentadas na alma do povo, satisfazendo com autoridade e, empenho anseios e inquietações, não negando meios para atingir as mais altas final idades. É pelo exemplo do trabalho que se educa a mocidade, que virá a deter nas suas mãos os destinos de uma nacionalidade com oito séculos de história.
A mocidade necessita de protecção real e efectiva, que ela sinta e aceite sem constrangimento, mas com alegria, como dádiva generosa e merecida que a Pátria destina aos filhos que a servem. Grave responsabilidade cabe aos homens da minha geração detentores dos papiros estaduais quando, na feira de vaidades e desatinos que o mundo acusa, esquecem as realidades e as

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necessidades da hora presente e não compreendem a juventude nas manifestações do seu sentir.
Dar inteira e completa satisfação às necessidades sentidas pela nossa juventude, que traz no coração e na alma o fermento vivo de muitas aspirações, o dever, imposto pela consciência da Nação àqueles que têm uns suas mãos os destinos de um povo!
Por mais de uma vez aqui tenho prestado homenagem às qualidades de inteligência e compreensão que são apanágio vivo do ilustre Ministro que sobraça a pasta da Educação Nacional, não podendo negar-se-lhe virtudes que o honram e dignificam.
As reformas a que procedeu mis estudos universitários - Medicina, Engenharia, Veterinária, Letras e até Direito -, e ainda no ensino das belas-artes, foram objecto de varias considerações elogiosas para o seu autor. Mas uma coisa é o planeamento desses estudos, outra é a sua pronta execução, dentro do espírito e das necessidades que lhe deram causa.
Todo o conteúdo respeitante à acção reformativa desses diferentes sectores de ensino universitário devia ter já sido regulamentado e posto inteiramente, em vigor, procedendo-se à revisão e actualização dos quadros, de forma que o estudo das matérias u versar nas antigas e novas cadeiras não sofresse atrasos pela falta de professores e assistentes necessários à actividade escolar.
O volume das matérias, incluindo as cadeiras criadas, e o acréscimo da população escolar trazem ao ensino superior exigências a que tem de atender-se, dando aos quadros de mestres e assistentes uma actualização que não pode coadunar-se com o ensino que se fazia vinte anos atrás.
Há que recrutar o pessoal indispensável às tarefas exigidas, fornecendo-lhe os meios e material preciso. A manter-se a situação presente, as reformas a que se procedeu de nada valerão, pois as Universidades precisam de agir e caminhar dentro de movimentado ciclo de uma renovação constante.
Lembro neste instante as afirmações produzidas perante o Sr. Ministro da Educação Nacional, numa mensagem que lhe foi dirigida pelo Senado Universitário do Porto e lhe foi lida e entregue pelo seu magnífico reitor na presença dos directores de todas as acuidades, na qual lhe eram expostas as deficiências de instalações, o número reduzido de pessoal e a insuficiência das dotações orçamentais, situação progressivamente agravada, como se poderá verificar pela leitura, de. alguns ]lassos dos relatórios de anteriores anos lectivos. E posto que as reformas sejam, na sua essência e no seu conteúdo, dignas de elogio pelo que, demonstram de interesse pelo ensino, elas não podem dar, por incompletas, o rendimento inerente ao seu valor, visto não poder dispor-se dos meios bastantes para solução de problemas da mais reconhecida importância, há pouco referidos.
E mais ainda: torna-se urgente a reorganização e ampliação dos quadros do pessoal docente, técnico e auxiliar, de harmonia com o espírito das reformas e com o desenvolvimento da investigação, estabelecendo normas facilitantes do recrutamento e acesso referentes ao pessoal científico.
Sem o constante auxílio financeiro não há possibilidades de realizar tarefas da grandeza das exigidas, e só através de auxílios substanciais se podem atingir determinados fins. O Ministro reconhece certamente a razão que assiste a estes queixumes, como reconhece também serem mais prementes as necessidades da Universidade do Porto que as das outras universidades.
Sr. Presidente: não se tome como acto de impertinência da minha parte o lembrar-lhe mais uma vez, e não será a última, a justa pretensão que vive na alma e no coração da gente, do Porto e de todo o Norte do País:
o restabelecimento, ião desejado e tão querido, da Faculdade de Letras da sua Universidade. O que esse empreendimento representa, sob o aspecto cultural e social, como imperiosa necessidade, já aqui foi demonstrado com toda a clareza.
Esse facto valeu-me centenas de cartas de pais e de alunos que frequentam outras Universidades, os quais, prestando justiça aos mestres da sua Faculdade, aguardam com ansiedade a hora em que possam terminar já no Porto os seus cursos. E que série de notas informativas e justificativas de razões aduzidas para que tal facto seja uma realidade!
Consola-me o apoio da juventude interessada na questão e satisfaz-me o acordo unânime partindo de milhões de almas a sentir como eu sinto. E não posso deixar de perante a Assembleia Nacional ler um ofício que em Novembro me dirigiu o Senado Universitário do Porto, para que todos quantos me escutam possam verificar como é incondicional e caloroso o aplauso que a tão alto instituto mereceu, e continua merecido, a minha acção em favor do estabelecimento da Facilidade de Letras:

Exmo. Sr. Dr. Urgel Horta. - Tenho a honra de comunicar a V. Exa. que o Senado Universitário, na sua última reunião, resolveu exarar em acta um voto de apreço e reconhecimento pelas brilhantes e eloquentes intervenções de V. Exa. na Assembleia Nacional em favor do restabelecimento da Faculdade de Leiras do Porto, velha e legítima aspiração da Universidade e da cidade, pela qual V. Exa. tem tenazmente lutado, de maneira digna da nossa admiração e gratidão. Aproveito o ensejo para apresentar a V. Exa. o testemunho da minha mais distinta consideração.

A bem da Nação.

Reitoria da Universidade do Porto, 27 de Novembro de 1958. - O Reitor, Amândio Tavares.

Se outra recompensa ao meu esforço não tivesse, esta me bastava para me sentir orgulhoso pela defesa que abracei, na luta por uma causa inteiramente justa, como é a da restauração da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Sr. Presidente: na alínea b) do artigo 10.°. capítulo 6.º, da Lei de Meios, referente à educação e cultura, diz-se que o Governo inscreverá no orçamento para l959 verbas destinadas a determinadas realizações, entre as quais a «construção de outras escolas».
Não sabemos quais serão os empreendimentos que gozarão o privilégio de serem incluído no conteúdo dessa alínea, tão vago é o sentido da sua redacção, mas seria da mais elementar justiça que nessa alínea tivesse cabimento a realização do empreendimento há muito esperado e prometido: a construção de um novo edifício destinado à instalação do Liceu Feminino Rainha Santa Isabel.
Não existe no continente nem nas províncias de além-mar escola de ensino secundário com instalações tão imprópria, falhas das mais rudimentares condições de higiene, em contradição absoluta com todos os preceitos pedagógicos, como são as que servem esse liceu feminino, com tão numerosa frequência.
Comete-se um verdadeiro atentado social mantendo o funcionamento desse estabelecimento de ensino num casarão desprovido de tudo quanto dentro dos preceitos actuais, é exigido pêlos regulamentos de saúde.
Têm-se construído magníficos edifícios escolares, obedecendo a todos os princípios indispensáveis no seu destino, e o Liceu Rainha Santa Isabel, classificado em instalação como indesejável, continua vivendo a sua triste existência num edifício contra-indicado para fim da mais alta finalidade: ensinar e educar. Sucedem-se

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as reclamações, pedem-se providências, e ninguém escuta o clamor que encerra a voz da razão. E nós continuamos esperançados em que um dia se operará o começo do milagre, que antevemos ainda distante.
Outro grande problema a tratar é o que se refere à habitação. O problema habitacional reveste-se de um aspecto verdadeiramente dramático nas actuais condições do Mundo. É problema que, estendendo-se a todas as nações, se apresenta com foros de complicada solução em algumas, por falta de meios para resolvê-lo. Crise de uma civilização, que nau soube prevê-lo e resolvê-lo na altura própria, dominando assim e combatendo os seus reflexos sociais, que tanto prejuízo tem acarretado à humanidade.
Por toda a parte se nota e se sente profundamente a falta de alojamento, e são, evidentemente, as classes pobres, as mais desprotegidas pelos dotes da fortuna, as famílias humildes, que sentem essa necessidade, essa falta de alojamento, verdadeiramente preocupante.
O homem, ocupando o lugar que lhe compete como chefe do seu agregado familiar, seja qual for a sua condição, alimenta no íntimo do seu ser uma das mais
caras aspirações humanas: possuir a sua casa, o seu lar, onde possam caber todos quantos vieram à luz do dia a sombra das suas responsabilidades, amparados pela forca do seu braço. E, posto que os estados até certa altura se tenham mostrado alheados de problema tão grave, hoje mais que nunca, exige a sua intervenção, e presentemente todos os países lhe dedicam particular cuidado, visto tratar-se de um problema social que variadas mutações na vida dos povos contribuíram para seu agravamento.
Uma revolução de efeitos bem marcados se deu no Mundo, atingindo todas as classes e os próprios costumes domésticos. E, ao lado de largas destruições as aldeias, vilas e cidades sofridas pelos países envolvidos em conflito, das quais resultaram as maiores misérias, outros factores de ordem social deram causa à crise de alojamento, como sejam a migração para as cidades, a industrialização de grandes centros urbanos, a multiplicação familiar, transformando e dividindo os agregados, e muitos motivos baseados em questões de natureza económica, de sanidade e até de natureza política, todos confundidos e justificados por aspirações e necessidades profundamente humanas.
A família é na estrutura da nação a sua primeira célula; e, como célula, sujeita às transformações operadas na divisão ou multiplicação do seu plasma, cientificamente demonstrada e naturalmente realizada e continuada.
Os alojamentos terão de acompanhar essa transformação vital na perpetuidade das suas gerações. A crise habitacional ó crise nacional, exigindo do Governo providências requeridas pelo sentimento e pela necessidade que nós, como a humanidade inteira, experimentamos e apontamos.
De facto, a verificação deste desequilíbrio, que não é monopólio de alguns, é sentido pela quase totalidade dos países do Mundo, como já afirmei, e à sua solução ligam os estados a importância devida, procurando solucioná-lo na medida das suas possibilidades. Há pouco observei, através da imprensa, que nu vizinha Espanha seriam precisas casas em número superior a 1 milhão para dar remédio à crise habitacional que a assoberba. Adoptou agora medidas estaduais para no ano próximo se construírem, pelo menos, 100 000 moradias.
Na Holanda, a rainha Juliana afirmou, no discurso inaugural da actual sessão da sua Assembleia Nacional, que no ano corrente se construiriam também 100 000 casas, facto julgado insuficiente para debelar a falta de alojamentos nesse país.
Na Rússia este problema reveste-se de uma gravidade excepcional. Apesar das medidas adoptadas pelos Sovietes, construindo habitações em série, de dimensões limito reduzidas, falhas do mais elementar conforto, serão necessárias milhões de construções para albergar os que tão vivamente sentem a sua falta. E factos semelhantes se dão em muitos países cm adiantado estado de civilização, não falando daqueles que sofreram a devastação de grandes aglomerados, levada a efeito pela acção destruidora da guerra.
É bem necessário e urgente resolver problema tão crucial, visto ser a casa o santuário da família cristã, onde se vivem os melhores momentos de uma vida física e espiritualmente sã, casa de pais e escola de filhos; onde o homem, fatigado pelo esforço despendido na luta pela vida, descansa, recuperando as suas forças em ambiente de carinho e amizade, rodeado por aqueles que são no seu lar fonte de alegria e motivo de preocupação.
É cheia de esperança e de fé a feliz expressão de Salazar quando afirmou que enquanto houvesse uma família sem lar e uma casa sem pão a revolução continuaria. E, assim, tem de ser continuada a tarefa que ao lado da alimentação e do vestuário constitui a trindade das necessidades da vida do povo.
Sr. Presidente: a crise habitacional acusa também entre nós um grau de reconhecida importância, acentuadamente nos grandes aglomerados populacionais, mas sofrendo também efeitos semelhantes em todos os meios, ainda os mais reduzidos.
A preferência que as gentes das aldeias vêm dando às cidades, onde procuram melhorias das suas condições de vida; o crescimento progressivo da população, que deve. na hora presente, atingir no continente os 9 milhões: as acanhadas condições em que vivem milhares de famílias constituídas por elementos numerosos; a existência de casas em ruínas, desprovidas de todos os preceitos higiénicos e onde tudo falta; o regime de industrialização a que se está procedendo, dando erradas preferências para a sua montagem às cidades, num desprezo absoluto pelas vantagens do seu estabelecimento em meios subdesenvolvidos; a falta de protecção devida ao trabalhador dos campos, em manifesta desigualdade com o trabalhador das oficinas, das indústrias e de outras ocupações, e muitos outras factores, tem concorrido para o deficit habitacional manifestado em grande escala, nos meios urbanos.
Considerados todos estes motivos e razões, o Estado, dentro das suas possibilidades, tem demonstrado o maior empenho em dar ao problema o remédio exigido, através de leis estimulando e facilitando as construções e dos investimentos e comparticipações na satisfação dessa necessidade, fonte, de dificuldades reflectidas no nível de vida do nosso povo, que tanta preocupação nos causa.
Não pode negar-se, ou desconhecer-se o que se tem realizado. Mas não pode olvidar-se também que dentro do melhor princípio, é necessário fazer-se muito mais, destinando-se verbas bastantes para dar rumo definitivo a questão de tanta actualidade e magnitude.
De norte a sul do País, observam-se bairros alegres e confortáveis que os trabalhadores habitam. Mas se esses somam já cifra elevada, é necessário que a eles se juntem, e em curto prazo, muitos outros, demonstrativos do empenho e da vontade do Estado, dando a cada família o seu lar.
Particularmente no Porto e no seu distrito, que aqui, na Assembleia Nacional, represento como Deputado, tenho vivido em permanente ansiedade, entregando-me à defesa do problema habitacional, que, revestindo aspectos inquietantes, se vem atenuando de dia para dia, com a adopção e aplicação de medidas atinentes à sua solução.

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As «ilhas», verdadeiros antros de miséria, campo aberto a todas as enfermidades, cemitérios de gente moça roubada à vida, vão a pouco e pouco sofrendo demolição e sendo substituídas por habitações bem arejadas, banhadas pelo sol, onde se juntam todos os elementos primários, fonte de vida e de saúde, ar, luz, água e calor, graças aos esforços das entidades competentes, devidamente associadas e merecidamente louvadas: Câmara Municipal e Governo, representado pelo Sr. Ministro das Obras Públicas, que, em pleno entendimento, vêm realizando uma obra de magnífica produtividade, pela qual tanto nos esforçamos.
E assim, dentro do período estabelecido, 6 milhares de novas habitações substituirão outras tantas velhas e tristes moradias, que o camartelo camarário vai destruindo, dando lugar a casas higiénicas e vivificantes, satisfazendo todos os preceitos compatíveis com o respeito pela dignidade humana estabelecido pela doutrina cristã, que todos professamos.
Outros, bairros estão sendo construídos sob a orientação do Ministério das Corporações, e neles terão lugar m componentes dos sindicatos, de todas as actividades organizadas, os funcionários com baixas remunerações e todos quantos legalmente possuam condições para a irem ocupar.
Seria, acto de reconhecida ingratidão não me referir, com merecido louvor, ao Sr. Ministro das Corporações, a quem o problema tem seriamente preocupado, pretendendo estender a sua acção construtiva de habitações ao País inteiro.
Bem necessário se torna o combate à crise do alojamento. Daqui, desta, tribuna, pedimos ao Governo que coloque num dos primeiros lugares dos seus empreendimentos a resolução deste problema, notável parcela de um programa intimamente ligado à elevação do nível de vida do povo, pelo qual todos, com fé e confiança, trabalhamos sincera e devotadamente.
A construção em marcha das seis mil habitações foi regulada por decreto-lei publicado mi folha oficial em 28 de Maio de 1957, estabelecendo as condições em que esse empreendimento se efectuaria sob responsabilidade da Câmara Municipal do Porto, intervindo o Estado na sua realização com empréstimos a longo prazo, a solver nas melhores condições.
Com os recursos obtidos pela convenção realizada, está-se procedendo à construção de vários bairros, que modificarão profundamente o aspecto do problema, substituindo as «ilhas» por moradias limpas, que obedeçam às melhores condições sanitárias.
É, porém, necessário alargar o número previsto no combate a muitos desses antros miseráveis de certos zonas, que, além das «ilhas», enxameiam a cidade e onde em repugnante promiscuidade se acumula muita miséria, centros de difusão de tanta enfermidade grave.
É preciso ir preparando novos recursos paru continuação de tão meritória obra, elevando a dez mil ou a mais as habitações a criar.
Presentemente, e dentro do plano em execução, estão já construídas u habitadas mil quatrocentas e cinquenta e seis moradias, divididas por nove bairros. As que estão em construção muito adiantada atingem o número de mil e onze, fazendo parte de três agrupamentos. Estão em projecto, que em curto espaço de tempo será realizado, setecentas e dez, compreendendo três bairros.
Este empreendimento, de tanta relevância e interesse pelo Porto, não pode neste instante ser tratado com o desenvolvimento preciso, como era meu desejo fazer.
Espero tratá-lo oportunamente, fazendo justiça àqueles a quem ela é inteiramente devida.
Sr. Presidente: fui excessivamente longo e portanto, demorada a intervenção, que vou terminar dentro de instantes, visto os problemas serem muitos e de capital
importância, embora a Lei de Meios se limite quase a enunciá-los e o Governo necessite da sua aprovação, como aval indispensável à sua fecunda acção.
Mas permita-me ainda, Sr. Presidente, que profira mais algumas palavras sobre problema, que hoje, mais que nenhum outro, é motivo de preocupação da Nação inteira e que diz respeito às providências a adoptar sobre o funcionalismo, muito especialmente à remodelação e reajustamento de vencimentos; sobre providências respeitantes a assistência médica e cirúrgica, extensivas às próprias famílias, abrangendo consultas e visitas domiciliárias, incluindo as especialidades, meios auxiliares de diagnóstico e de terapêutica, internamentos e intervenções cirúrgicas, assistência materno-infantil de enfermagem e medicamentosa, que são inteiramente justificadas e da mais alta utilidade para todos quantos servem o Estado nos seus variados departamentos.
Existe nos princípios orientadores dos serviços a prestar uma cláusula que me permito destacar, pelo que dela resulta de satisfação para o doente e consideração para o médico: a liberdade de escolha do médico assistente, justo motivo da melhor compreensão que este facto representa, que há muito impunha e o que o legislador ligou a merecida atenção. É caso para médicos e doentes se regozijarem perante semelhante incidida, visto este procedimento ter de uso costume em tempos já recuados e agora bem aceite e reclamado por todos.
O problema habitacional e a sua resolução em favor do empregados do Estado é problema delicado e sério, que exige ser esclarecido e resolvido através de indispensável, inquéritos e estudos perfeitos, visto ter de ser realizado em bases sólidas, de inteira e dignificante Justiça social e humana, bases que o Governo prepara e que serão conhecidas no momento oportuno.
Merece o nosso inteiro aplauso a resolução que o Governo pretende dar a questão de tanta monta.
O problema das remunerações, que tanta inquietação trouxe aos espíritos, é problema de alta finalidade e da mais reconhecida necessidade pura o funcionário do Estado e para os funcionários administrativos, a quem ele se estende. Assumi; uma importância de tanta grandeza e tão grande projecção na vida da Nação, considerando-a muitos como medida salvadora e resolutiva de tantas dificuldades de ordem económica que o funcionalismo sente na hora presente. Concordamos inteiramente com a remodelação de vencimentos como justa remuneração do exercício da função pública, uma actualização que proporcione aos beneficiados mini melhoria de situação compatível com o agravamento do custo da vida que se vem verificando há muito.
O Estado não pode nem deve negar àqueles que o servem a remuneração suficiente para satisfazer necessidades primárias dentro dos seus acanhados orçamentos domésticos. Não me cabe a mim discutir os meios a empregar para realizar o objectivo que se pretende, visto a responsabilidade dos encargos ser grande e eu não conhecer as disponibilidades do Tesouro que bem possam satisfazer semelhantes encargos. Mas a verdade é que a questão foi equacionada de tal maneira que, exigindo estudo pronto e completo, exige também pronta solução na colheita de receitas que possam realizá-la.
Meditei profundamente nos números representativos dos encargos e no número dos servidores civis do Estado e observei que as remunerações em certas categorias - as mais modestas - têm uni nível extraordinariamente baixo. Mas a um aumento de salários ou ordenados corresponde sempre um agravamento no custo da vida, inconcebível acto que é preciso combater, adoptando medidas que o não agravem ou o mantenham no mesmo ponto, visto o acréscimo do poder

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de compra dar maiores possibilidades de aquisição e, portanto, mais lucros.
Uma política do baixa do custo da vida, aliada a uma melhoria de ordenados, era solução óptima e desejável. Para tanto é necessário acabar com o parasitismo dos intermediários, causa determinante do encarecimento de matérias indispensáveis à vida. Aguardemos cheios de fé e confiança e apresentação das medidas que o Governo vai adoptar, e estamos certos de que a distribuição das melhorias de salários e ordenados se fará de harmonia com as necessidades do funcionalismo, atendendo de preferência os mais modestos, visto serem aqueles que recebem remuneração mais inferior, necessitando, portanto, de melhor protecção, como é de inteira justiça.
Sr. Presidente: desculpe V. Exa. e a Câmara o tempo que lhes roubei na apreciação dos problemas tratados. Ao deixar esta tribuna, faço-o animado do sentimento de haver cumprido, embora modestamente, o dever a que a situação que ocupo me obriga. Tenho sincera pena de não possuir capacidade formativa e técnica bastante para discutir algumas medidas de reconhecido valor económico e financeiro que a Lei de Meios submete ao parecer da Assembleia Nacional.
Tanto quanto a minha inteligência mo permite no discernimento dos fados, não nego, por princípio, o meu voto à Lei de Meios. mas sinto, e tenho o direito e o dever de afirmar, que às reformas da grandeza daquelas que se pretende realizar não deveria ligar-se apenas a responsabilidade, do Governo, dando-se à. Assembleia Nacional a sua quota de responsabilidade na ordenação dessas providências, através de algumas das sua comissões.
Não encerram as minhas palavras a menor manifestação de falta de confiança na acção do Governo, confiança que neste instante reitero inteiramente. O que disse revela, uni sentimento que a minha, consciência exterioriza como manifestação de sincera lealdade, que é apanágio do meu carácter.
E nada mais.
Sr. Presidente: todos não somos de mais para trabalhar pelo engrandecimento de Portugal. Salazar dirige e comanda os destinos de uma pátria. Tal como sempre, tem o meu apoio. Voto por Salazar, aprovando inteiramente a Lei de Meios, para bem da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem. muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Antes, porém, convoco as Comissões de Finanças e Economia para, a seguir ao encerramento da sessão, se, ocuparem da proposta de lei em discussão.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Sr s. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Jorge Ferreira.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Coelho.
Fernando António Munoz de Oliveira.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José de Freitas Soares.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel Tarujo de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

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CÂMARA CORPORATIVA

VII LEGISLATURA

PARECER N.º 5/VII

Projecto de proposta de lei n.° 501

Autorização das receitas e despesas para 1959

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.° 501, elaborado pelo Governo sobre a autorização das receitas e despesas para 1959, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e de Finanças e economia geral), sob a presidência de S. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I

Apreciação na generalidade

§1.

Introdução

1. Mais uma vez a Câmara Corporativa é chamada a pronunciar-se sobre a proposta de lei de autorização em condições de tempo extremamente escassas. As duas semanas de que dispôs para estudar a proposta e dar o seu parecer, são na verdade espaço de tempo bem desproporcionado com a amplitude e complexidade da matéria em apreciação.
Lastima a Câmara não ter sido possível ao Governo - decerto por motivos ponderosos - dar satisfação ao sugerido no parecer sobre a Lei de Meios para o corrente ano, em que se recomendava a fixação da data de 4 de Novembro como limite para o envio da proposta a esta Câmara. Daí somente poderiam advir vantagens gerais - para a Câmara Corporativa, que poderia dedicar-se sem precipitações à tarefa que lhe incumbe; para a Assembleia Nacional, que teria a sua disposição prazo mais dilatado para discutir e aprovar a lei.
Renovando o alvitre formulado, espera esta Câmara
Que o Governo possa dar-lhe oportuno seguimento, e sorte que no próximo ano e nos seguintes seja viável trabalhar em moldes diferentes daqueles em que teve de enquadrar-se a elaboração deste parecer.

2. Uma vez mais, também mas aqui o facto, ao contrário do que acaba de referir-se, só merece aplausos -, vem o texto da proposta precedido do habitual relatório do Sr. Ministro das Finanças, cujos elementos de informação e análise, mormente os respeitantes à conjuntura, se revestem de grande interesse para a apreciação dos factores de ordem económica geral que condicionam a política financeira do Governo.
A Câmara renova, quanto a este louvável método de trabalho, as palavras de apreço já expendidas em pareceres anteriores.
Apenas lembra - dada a extensão e a diversidade de matérias que vem abrangendo o relatório ministerial - a conveniência de este ser precedido ou seguido de um índice sistemático, a fim de facilitar a procura dos assuntos e a formação de uma ideia de conjunto dos temas versados.

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3. Uma terceira observação de índole geral diz respeito ao conteúdo do projecto de proposta de lei em causa, tendo em vista a natureza própria das leis de meios e o disposto no artigo 91.º, n.° 4.°, da Constituição.
Nos termos deste preceito, a lei de autorização tem o seu âmbito expressamente limitado a dois pontos:

a) Autorizar o Governo a cobrar as receitas e a pagar as despesas na gerência futura;
b) Definir os princípios a que, nessa gerência, devem subordinar-se as despesas cujo quantitativo não resulta de leis preexistentes.

Daqui se infere que, sendo aquela lei de execução anual, nela não podem introduzir-se disposições de carácter permanente, só devendo incluir as que se tornem indispensáveis para orientar a administração financeira na gerência imediata ou anunciar programas de acção do Governo a iniciar nessa gerência.
Em diversos pareceres definiu esta Câmara a doutrina que acaba de resumir-se, designadamente nos relativos às Leis de Meios para 1948 (1), 1951 (2), 1952 (3), 1954 (4) e 1956 (5).
Ora o projecto de proposta de lei em exame não obedece inteiramente, em algumas das suas disposições, aos princípios enunciados.
Estão neste caso os preceitos dos artigos 3.°, 7.°, 15.º, ]7.° e 18.°, como melhor se verá na segunda parte deste parecer. Pode. porém, desde já avançar-se o seguinte:
Os dois primeiros exprimem regras gerais e permanentes de administração financeira, que por isso mesmo se não compreende sejam sujeitas a formulação anual.
O disposto no artigo 15.º vem sendo incluído em todas as leis de meios desde a n.º 2045, de 23 de Dezembro de 1900, que mandava fazer a reforma dos fundos especiais durante o ano de 1951. Decorridos oito anos sem que tal estudo esteja concluído, parece preferível que o preceito passe a constar de diploma de carácter permanente.
Por último, as normas a que aludem os artigos 17.º e 18.° são igualmente de execução duradoura, nada justificando continuando a fazer parte da lei anual de autorização.

§2.º

Breves observações sobre os dados relativos à conjuntura

4. À semelhança do que se fez no parecer do ano passado, alinham-se seguidamente algumas observações a respeito dos dados respeitantes à conjuntura externa e interna, que constam do relatório ministerial, tão-sòmente com vista a resumir :is coordenadas gerais de ordem económica e financeira em que se enquadra a lei de autorização e que hão-de presidir à organização do orçamento para 1959.

a) Economia mundial

5. Em síntese, pode dizer-se que o clima económico cm que decorreu o período de meados de 1957 a meados de 1958 foi bem diferente do que se verificou em 1956-19-57. Pela primeira vez desde o fim da segunda guerra mundial a produção industrial do globo acusou decréscimo, em consequência, sobretudo, no acentuado declínio nos Estados Unidos, embora tivesse continuado a registar-se expansão moderada no conjunto dos países europeus.
A recessão americana chegou a causar graves apreensões, tendo provocado uma queda de 20 por cento nas cotações em Wall Street, no 2.° semestre de 1957, que se repercutiu noutras bolsas. No comércio externo, os efeitos da depressão foram particularmente intensos nas exportações do 1.º semestre de 1958, com uma baixa de perto de 2 milhares de milhões de dólares, em confronto com período idêntico do ano anterior. Outro aspecto grave foi o do acréscimo do desemprego: cm Junho último a cifra dos desocupados atingiu naquele país 5 400 000.
Recentemente, porém, vários índices da produção industrial, das bolsas de títulos e do comércio exterior denotam viragem na conjuntura americana, sendo de prever nítida recuperação no decurso de 1959.
O relatório do último exercício da União Europeia do Pagamentos, findo em 30 de Junho do corrente ano, indica ter aumentado ligeiramente o produto da agricultura em 1957-1958, no conjunto dos países membros, com referência aos anos pretéritos. No resto do globo sabe-se neste momento serem as colheitas de 1958 excepcionalmente elevadas nos Estados Unidos e na China; na União Soviética, a previsão, embora inferior à de 1956, é superior em um quarto à do ano passado.
O comércio mundial sofreu em 1957-1958 os efeitos da recessão americana e, particularmente, da queda pronunciada das cotações das matérias-primas. Apesar dos esforços do G. A. T. T. (General Agreement on Tariffs and Trade) para a redução de tarifas e liberalização das importações, as nações industriais continuaram a praticar políticas proteccionistas na importação de produtos agrícolas.
A Europa Ocidental, no seu conjunto, parece, contudo, haver-se furtado em grande parte aos efeitos perniciosos da conjuntura mundial, tendo até colhido vantagens resultantes da baixa das matérias-primas. Registou, é certo, um afrouxamento no ritmo da expansão, designadamente na produção industrial, desde os princípios de 1957. Mas esse afrouxamento, aliado a um decréscimo de investimentos, permitiu em contrapartida uma redução das pressões inflacionistas.
Abundaram as manipulações monetárias, sucessivas baixas da taxa de desconto tornaram o crédito mais acessível e o desenvolvimento das exportações fez melhorar as balanças de pagamentos.

6. O quadro que acaba de entrever-se não teve, porém, correspondência no domínio dos preços. Estes, particularmente os que exprimem o custo da vida, mantiveram no seu complexo tendência altista, embora menos acentuada do que no ano económico de 1956-1957.

-----------------
(1) Diário das Sessões, suplemento ao n.º 114, de 4 de Dezembro de 1947.
(2) Diário das Sessões n.° 55, de 27 de Novembro de 1950, p. 24, n.° 20, in fine:

A Câmara Corporativa ... julga que será de boa prática, a seguir no futuro, deixarem de constar da lei de autorização . . . todas aquelas disposições que, por serem de aplicação permanente, não estuo sujeitas à regra da anualidade do orçamento.
(3) Diário das Sessões, suplemento ao n.° 109, de 6 de Dezembro de 1951, p. 10-(15), col. 1.ª:

As exigências normais do que faz a boa letra de uma lei . . -. acresce, numa lei de meios, a sua limitação quanto ao tempo. Nem preceitos que disponham para além da duração do exercício, nem a prática de repetir, em sucessivos diplomas de vigência anual, disposições cuja inserção em leis permanentes fica assim contraprovada.

(4) Diário das Sessões, suplemento ao n.° 4, de 10 de Dezembro de 1953, p. 40-(50).
(5) Actas da Câmara Corporativa n.° 64, de 25 de Novembro de 1955, p. 682, col. 1.ª

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78 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 65

Em recentíssimo estudo da Repartição Internacional do Trabalho (6) faz-se o apuramento, para noventa e um países, da evolução dos preços no consumidor, de 1952-1953 para cá. Verifica-se ser a pressão inflacionista sobretudo nítida nos três últimos anos. Eis as cifras:

Média da subida de preços
1902-1953............ 2,1
1953-1954............ 1,2
1954-1955............ 2,4
1955-1956............ 3,5
1956-1957............ 4
1957-1958............ 2,4

Trata-se, sem dúvida, de uma inflação moderada, mas persistente, que em seis anos fez cair o poder de compra da moeda cerca de 15 por cento na generalidade cios países.
Claro que as causas desta evolução diferem sensivelmente de país para país. Nos países industriais, segundo os economistas das Nações Unidas (7), a alta dos preços proveio inicialmente de uma expansão da procura de bens de consumo duradouro e de habitações, que depois se estendeu aos investimentos privados em instalações e equipamento. Em contrapartida, não teria havido excesso da procura global.
Nos países pouco desenvolvidos, é principalmente a subida dos custos, em particular dos salários e dos preços de bens importados, que deve considerar-se responsável pela conjuntura altista, agravada, quanto aos países exportadores de produtos primários, por um excesso de procura da maior parte das mercadorias. A industrialização - frisa-se no trabalho das Nações Unidas - teve uma acção notória neste domínio, pois a preocupação de elevar os níveis de vida mediante a formação de capitais e o acréscimo da produção industrial deram lugar, em alguns países, a que se cometessem imprudências de ordem financeira, especialmente no capítulo dos recursos de tesouraria. E conclui-se:

Em toda a parte onde os rendimentos foram aumentados sem que previamente se tomassem medidas para acrescer as disponibilidades de bens de consumo, era quase inevitável a inflação.

7. A Organização Europeia de Cooperação Económica celebrou em 1958 o seu décimo aniversário e a Comunidade Económica Europeia completou um ano de existência. Em l de Janeiro deste ano entrou em vigor o Tratado de Roma, tendo entretanto prosseguido as negociações com vista à instituição de uma zona europeia de comércio livre associada àquela Comunidade.
O relatório ministerial dá conta das dificuldades e obstáculos com que tem lutado a consecução deste último objectivo. A disparidade de estruturas nacionais e, sobretudo, o desentendimento entre os responsáveis pela política dos diversos países interessados tornam a solução do problema extremamente complexa.
Esta Câmara renova os seus votos para que esses obstáculos e divergências possam vir a ser vencidos e encontradas as fórmulas que permitam caminhar-se progressivamente, sem distorções para as economias dos países em jogo, no sentido de se alcançarem os objectivos de cooperação económica e de coesão europeia tão necessários a salvaguarda da civilização ocidental.

6) Economia portuguesa metropolitana

8. As cifras da contabilidade nacional respeitantes ao ano de 1957 (8) revelam uma taxa de acréscimo do produto bruto (ao custo dos factores) de 3,1 por cento, u qual, confrontada, como se faz no relatório ministerial, com a correspondente ao período de 1952-1956 (4,3 por cento), denuncia uma quebra apreciável no ritmo da actividade económica metropolitana. Se se tomar, porém, para termo de comparação o sexénio 1952-1956, já o resultado será menos desfavorável, sendo certo que nesse período a taxa média de acréscimo do produto nacional não excedeu 3,2 por cento (9).
Mais expressiva, como índice da elevação do nível de vida, é a cadência de aumento da capitação do produto, que no ano em causa não foi além de 2,3 por cento, contra 2,3 por cento em 1952-1956 e 2,7 por cento em 1950-1950 (in).
Para o ano corrente prevê o relatório, com base em cifras relativas ao 1.º semestre, uma taxa de crescimento do produto ainda mais fraca do que a de 1957, por efeito de quebra nos principais produtos agrícolas (vinho, trigo, batata, azeite e milho), nas indústrias extractivas e na pesca, bom como de uma evolução monos favorável em algumas indústrias transformadoras (conservas, lanifícios, cortiça e resinosos).

9. Se encararmos a marcha da nossa economia metropolitana nos anos considerados, não já pela óptica do produto, mas pela da despesa nacional, poderemos fazer algumas observações por igual significativas.
Em 1957, a expansão do consumo privado foi de 4,2 por cento, com referência ao ano anterior (11), e o global da procura intenta de bens e serviços cresceu, no mesmo período, de 5,1 por cento. Em cifras absolutas, esta procura atingiu o montante de 61 599 milhares de contos, enquanto o produto nacional, a preços de mercado, não ultrapassou 57 424 milhares de contos. O deficit teve de ser coberto mediante substancial alargamento do recurso à importação, cujo índice de acréscimo naquele ano - 10,3 por cento - foi de cerca do dobro da média do último quinquénio.
Por seu turno, as despesas de investimento (formação bruta de capital fixo) acusaram nítida expansão, bastante superior às de consumo, sobretudo no sector privado, em que a percentagem de aumento atingiu 10,6.

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(6) Revue Internationale du Travail, La dépreciation de la monnaie: étude de prix à la consommation, Novembro de 1958, pp. 561 e seguintes.
(7) Nations Unies, Situation économique mondiale, 1957 (Nova Iorque, 1958).
(3) A este respeito cumpre notar a inclusão, pela primeira vez numa publicação oficial - I. N. E. Estatísticas Financeiras, 1957, pp. 169-174 -, de alguns quadros respeitantes à contabilidade nacional. Deu-se assim satisfação ao sugerido no parecer desta Câmara sobre a proposta de lei de meios para o ano corrente, o que só regista com agrado. Espera-se que, em futuro próximo, possa dar-se seguimento a outro alvitre feito no mesmo parecer - o de que os quadros de síntese sejam acompanhados de mapas discriminativos, nos quais, com algum desenvolvimento, se faça a decomposição dos diversos elementos de cálculo.
Outrossim, seria do maior interesse que, no lado dos quadros organizados segundo as ópticas da origem do produto e da despesa nacional, se pudesse iniciar a publicação de outros segundo o ângulo da distribuição do rendimento.
(9) Presidência do Conselho, Relatório final preparatório do II Plano de Fomento, vol. I, p. 61.
(10) Presidência do Conselho, ob. cit., vol. cit. p. 64.
(11) «O aumento de 115 por cento no consumo privado», a que se refere o texto do relatório ministerial (p. 26), representa o quociente entre o valor absoluto do acréscimo daquele consumo - 1917 milhares de contos - e o valor absoluto do incremento do produto - 1671 milhares de contos.

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Nos investimentos públicos, que não excedem cerca de 15 por cento do total, o índice de elevação foi de 7,8 por cento.
A produtividade do capital continuou, todavia, a situar-se, no ano de 1957, em nível desfavorável, com um coeficiente de 5,3, o qual traduz, de um modo genérico, a par de reduzida eficiência em certo número de investimentos, a orientação de muitos deles para aplicações não directamente reprodutivas, em especial infra-estruturas e casas de habitação, como claramente se documenta no quadro vi anexo ao relatório ministerial.
Em relação a 1958, o Instituto Nacional de Estatística prevê afrouxamento do ritmo de subida do consumo, que não deverá exceder 3 por cento. Além disso, admite-se um apreciável decréscimo no investimento bruto global, por efeito de desinvestimentos líquidos em stocks.
É de esperar, assim, que a taxa de incremento da procura interna sofra queda acentuada, não devendo ir além de 1,1 por cento, com referência a 1957. Dado que a diminuição do produto nacional, no ano corrente, não será em medida tão intensa como a da procura, presume-se, segundo observa o relatório, venha a dar-se «uma inversão na tendência, que se vem verificando desde 1955, de expansão mais pronunciada na procura, do que nos recursos internos», o que constituiria «factor de oposição às pressões inflacionistas» (12).

10. A evolução dos preços no consumidor em 1958 parece não confirmar as previsões estatísticas quanto aos efeitos benéficos da inversão do desequilíbrio entre a procura interna e o produto nacional.
Os índices, cora base em 1948-1949 ( = 100), apresentam-se como segue, nos primeiros sete meses do ano corrente, em confronto com o mesmo período do 1957 {13):

[Ver tabela na imagem]

Estes números revelam agravamento mais pronunciado em 1958 do que no ano pretérito, não obstante o facto acima aduzido e ale a circunstância de os preços de bens importados serem de mudo geral inferiores aos do período correspondente de 1957.
O relatório ministerial não fornece explicação do fenómeno, mas parece provável que ele se filie, como consequência retardada, no desequilíbrio prolongado entre a procura interna e o produto nacional, que o processou ao longo dos três últimos anos e não teria sido ainda compensado pela aludida inversão do sinal, a qual, aliás, representa simples previsão, porventura não confirmada pelas realidades. Além de que, sendo o agravamento dos preços na sua maior parte provocado pelo sector dos produtos alimentares, é natural que a quebra verificada em 1958 nas colheitas dos principais produtos agrícolas tenha tido a sua repercussão nos mercados.
Evolução análoga se tem registado, como vimos, na maior parte das nações estrangeiras, sendo certo que entre nós a curva de acréscimo do custo da vida denota elevação muito mais moderada do que na generalidade dos países - cerca de metade da verificada nestes, de 1951 para 1958 (cf. supra, n.º 6).

11. Nas despesas de investimento têm particular relevo as realizadas em execução do I Plano de Fomento, que este ano encerra a sua vidência. Em relação ao investimento global realizado na metrópole de 1953 a 1957, os financiamentos do Plano representam, em média, 24,6 por cento, isto é, cerca, de um quarto do total, não incluindo os investimentos em habitações, ou 22 por cento sem esta exclusão.
As importâncias despendidas até 31 de Agosto de 1958 - 8718,6 milhares de contos - situam-se em 75,9 por cento da última previsão global (11), o que revela alguns atrasos. Estes, no ano corrente, incidem sobretudo nos sectores da agricultura e da indústria siderúrgica.
Certo é, porém, como frequentemente se tem reconhecido, não provirem tais atrasos de dificuldades de financiamento, embora deva notar-se que dois terços dos investimentos efectuados dentro do Plano (65,7 por cento) provêm de fontes de financiamento dependentes do Estado, como se vê do quadro seguinte, em que se completam elementos insertos nu relatório ministerial.

Execução do I Plano de Fomento na metrópole

Origem dos financiamentos

(1953 a 31 de Agosto de 1958)

[Ver tabela na imagem]

(11) Elementos fornecidos pela Inspecção Superior do Plano de Fomento em 26 de Novembro de 1958.
(12) Relatório ministerial, p. 28.
(13) Boletim Mensal do Instituto Nacional de Estatística, Setembro de 1957, p. 16, e Setembro de 1957, p. 15. Os índicos são de preços no consumidor em Lisboa.
(a) Deduzidos 36 000 contos financiados pelo Fundo de Fomento Nacional e movimentados através do Orçamento Geral do Estado.
(b) Número provisório.

Fontes: Elementos fornecidos pela Inspecção Superior do Plano de fomento em 26 de Novembro de 1958 e pela Caixa Geral de Depósitos, Créditos e Previdência quanto aos financiamentos deste estabelecimento.

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12. No sector da moda e do crédito, interessa, para formular um juízo do síntese, estabelecer o confronto entre as taxas do acréscimo dos meios de pagamento, do crédito outorgado pelo sistema bancário e da procura interna de bens e serviços.

[Ver tabela na imagem]

(a) 31 de Agosto

Infere-se deste quadro que o volume de meios de pagamento subiu em ritmo um pouco mais rápido do que o da procura de bens e serviços o que deve ter tido repercussão na aludida tendência para a alta moderada de preços.
Por outro lado, a expansão do crédito fez-se a uma cadência superior a mais do dobro da utilização dos recursos disponíveis, o que só é de presumir tenha facilitado o financiamento das actividades económicas, também deve ter contribuído para a referida pressão altista na medida em que, através de depósitos fiduciários, foi acrescer o índice dos meios de pagamento em poder do público, dado que a circulação fiduciária acusou progressos muito mais modestos.
Admite-se, contudo, que uma parte dos novos meios do pagamento tenha em apreciável medida velocidade de circulação lenta, especialmente aquela - cerca de dois terços - que tem ido avolumar os depósitos bancários, visto o incremento constante dos depósitos a prazo.
Também é de supor, embora faltem completamente os dados estatísticos a tal respeito, que uma fracção apreciável desses novos meios de pagamento, expressos em depósitos, traduza disponibilidades que vão fixar-se em sectores do rendimentos já elevados e de reduzida propensão ao consumo.
Ambas estas circunstâncias tem o seu cariz benéfico na medida cm que vão contrariar as apontadas tendências inflacionistas.
Dado o atraso do crescimento da procura e do produto internos em relação ao conjunto dos meios de pagamento, teria interesse o apuramento de indicadores que permitissem avaliar quais os factores que têm impulsionado a moeda, e o crédito. Não os fornece o relatório ministerial nem é fácil isolá-los, porque o reflexo da expansão do crédito encontra-se sobretudo nos agrupamentos do activo realizável e do passivo exigível das sociedades e de muitas empresas individuais, que em número crescente leni vindo a alargar os seus prazos médios do pagamento. Também o aumento das disponibilidades do público tem influído no acréscimo de transacções de compra e venda de prédios, sobretudo urbanos, dando lugar a uma desvalorização do dinheiro em função da propriedade.
O confronto das transacções de prédios com as de títulos nas Bolsas de Lisboa e Porto mostra que se tem acentuado a tendência do público para o emprego de capitais em bens imobiliários (15):

[Ver tabela na imagem]

Naquela tendência têm, naturalmente, influxo dominante as diferenças, muito pronunciadas, que se verificam entre as taxas de rendimento. Para isso contribui a disparidade de tratamento fiscal entre os réditos da propriedade imobiliária e os dos títulos de rendimento variável, especialmente acções ao portador não registadas.
Por seu turno, os elementos sobre o movimento das sociedades em capital realizado elucidam sobre a preferência dada ao sector terciário. Com efeito, o acréscimo de capital do conjunto das sociedades existentes no sector «Comércio e serviços» passou de 76 729 contos em 1956-1957 para 172 886 contos em 1957-1958 e a sua posição relativa no total subiu de 50 por cento para 63 por cento. No conjunto de 2073 sociedades constituídas em 1957-195S, 1444 - cerca de 70 por cento- pertencem ao grupo terciário (13).
Sem dúvida que a acentuada predilecção pela actividade comercial deve ter contribuído para o maior ritmo de acréscimo no sector da moeda e do crédito em relação ao da produção e da procura interna.
Os dois fenómenos que acabam de assinalar-se não são propícios ao esforço que o País precisa de realizar, cada vez mais intensamente, no sentido da aceleração do ritmo do seu desenvolvimento económico, designadamente no sector das actividades primárias e secundárias, para o que, aliás, estão reunidos muitos outros factores favoráveis.
Dir-se-á ainda uma palavra sobre as taxas de juro, que têm continuado a manifestar notável estabilidade ao longo de 1958 e a situar-se uni níveis baixos, como corolário da manutenção da taxa de desconto.
Essa estabilidade constitui factor dos mais significativos como estimulo ao investimento.

13. Para encerrar estes breves apontamentos sobre a conjuntura metropolitana em 1957-1958 resta aludir ao sector do comércio externo e da balança de pagamentos.
A balança comercial da metrópole apresentava em 30 de Junho último um saldo negativo inferior em 23,6 por cento ao atingido um ano antes. Traduz isso o coroamento de esforço muito notável no sentido de contrariar o excessivo acréscimo das importações, que em 1957 atingira volume inconveniente para o equilíbrio da nossa economia.

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(13) Fonte: Boletim Mensal do Instituto Nacional do Estatística.

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Semelhante esforço não pôde, infelizmente, ser acompanhado por correlativa expansão nas exportações, se bem que no 1.° semestre de 1958 se tenha registado uma melhoria de 90 000 contos nas vendas ao estrangeiro, com aumentos apreciáveis nos vinhos, madeiras e conservas de sardinha.
O panorama da balança do pagamentos nos primeiros sete meses de ano em curso também se antolha com perspectivas muito diferentes das de período análogo do ano passado.
A um saldo negativo que em Julho de 1957 alcançara já os 611 milhares de contos correspondeu no final de Julho último um resultado positivo de 360 000 contos, que se espera melhore ainda até ao termo do ano.

14. No tocante às perspectivas para 1959, o relatório ministerial considera-as animadoras, quer no sector agrícola, por efeito sobretudo da intensificação da assistência técnica e da diversificação cultural decorrente dos aproveitamentos hidroagrícolas, quer no sector industrial, graças, por um lado ao próprio clima de recuperação económica internacional e, por outro, ao esforço de reapetrechamento, de utilização mais completa dos recursos e de reorganização de processos de fabrico em diversos ramos de actividade (v. g. têxteis, azotados, cimentos).
Ignora-se até que ponto os factores referidos no relatório quanto à agricultura podem ter como resultado melhorias de produção no ano próximo, sendo certo que os benefícios da intensificação da assistência técnica, assim como dos aproveitamentos hidroagrícolas, só a longo prazo poderão verificar-se.
De um modo geral, pode, porém, dizer-se que o início da execução do II Plano de Fomento justifica as mais fundadas expectativas de progressivo desenvolvimento da riqueza e do rendimento nacionais.
A consecução deste desiderato fundamental desdobra-se nas seguintes finalidades, que constituem, por assim dizer, as coordenadas dominantes do II Plano:

a) Aceleração do ritmo de incremento do produto nacional;
b) Elevação do nível de vida;
c) Ajuda à resolução dos problemas de emprego;
c) Melhoria da balança metropolitana de pagamentos.

O primeiro objectivo implica atribuir-se prevalência aos investimentos directamente reprodutivos sobre as infra-estruturas e outras aplicações não susceptíveis do rendimentos imediatos, embora sem deixar de acompanhar o desenvolvimento destes na medida do necessário para assegurar a máxima reprodutividade daqueles investimentos.
É assim que as actividades primárias e secundárias (agricultura, silvicultura, pecuária, pesca, indústrias extractivas e transformadoras, e electricidade) assumem, no Plano, posição dominante em confronto com o sector dos transportes e comunicações e com o da investigação e ensino técnico (16).
A elevação do nível de vida, além da que há-de resultar naturalmente do acréscimo do produto nacional, exige constante diligência no sentido de melhorar a distribuição dos resultados da produção, através de uma política económica e social adequada.
A resolução dos problemas da plena utilização da mão-de-obra subempregada ou desocupada, que constitui ainda preocupação saliente da nossa economia, significará, em contrapartida, como justamente nota o relatório ministerial, «que a melhoria do nível de vida tem de ser conquistada com maior lentidão do que numa economia, em que fosse possível prosseguir a todo o transe uma política de produtividade técnica».
Por último, «o objectivo de melhorar a nossa balança comercial - contrariado pela necessidade de importar bens de equipamento dispendiosos, em consequência do plano de desenvolvimento a executar - impõe um esforço considerável no sentido de aumentar substancialmente a quantidade e o valor da nossa exportação e no de diminuir a aquisição de bens estrangeiros dispensáveis» (17).
Quanto a este último ponto, deve acrescentar-se que um correcto planeamento das necessidades em equipamentos e matérias-primas para as indústrias contribuirá apreciavelmente para a desejada melhoria da balança comercial.
O total dos recursos a mobilizar na metrópole para o financiamento do II Plano de Fomento é, como se sabe, de 26 milhões de contos, dos quais 5 milhões serão aplicados no ultramar.
As percentagens de participação nesse financiamento, distribuídas segundo o critério atrás adoptado para o I Plano - fontes dependentes e não dependentes do Estado-, são as seguintes:

Fontes de financiamento dependentes do Estado - 39,2 por cento.
Fontes de financiamento não dependentes do Estado - 60,8 por cento.

É nítido o contraste com os resultados da execução do I Plano, no qual, como se viu, as fontes dependentes do Estado assumiram a posição que agora se pretendo confiar ao sector privado - cerca de dois terços do conjunto.
Cabe aqui a observação que fizemos no parecer do ano transacto, ao chamar a atenção para a menor flexibilidade das fontes privadas e a necessidade de se tomarem as medidas convenientes para estimular os investimentos. Neste sentido tem a política financeira do Estado um papel de grande relevo a desempenhar, aliás bem salientado na proposta de lei em exame.

§ 3.º

Linhas gerais de política financeira da proposta de lei

15. Os dados gerais da conjuntura, que acabámos de percorrer rapidamente, resumem-se cm três ou quatro pontos essenciais: no exterior - indícios de progressiva intensificação da actividade económica; no País - estabilidade relativa da economia nacional, ausência de fortes pressões inflacionistas, exigências prementes de aceleração do crescimento económico e de elevação do nível de vida, defesa da balança de pagamentos.
Semelhantes indicadores aconselham, tal como já se alvitrara no parecer sobre a Lei de Meios para o ano em curso, que, através da política financeira, se prossigam fundamentalmente os seguintes objectivos:
a) Estímulo da poupança;
b) Incentivo ao investimento e sua orientação para as aplicações mais convenientes;
c) Melhoria da distribuição dos rendimentos.

(17) Relatório ministerial, p. 45.

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As linhas gomis da proposta de lei de autorização para 1950 podem sintetizar-se assim:

Nas receitas:

1) Anúncio da reforma dos principais impostos sobre o património e o rendimento
(artigo 4.°)
2) Actualização imediata da isenção e das taxas do imposto complementar [artigo 5.º, alínea c)].

Nas despesas:

1) Revisão das remunerações dos servidores do Estado (artigo 8.º);
2) Prosseguimento do programa de combate à tuberculose (artigo 9.°);
3) Investimentos públicos, tendo em vista (artigo 10.°):
a) Os empreendimentos previstos no Plano de Fomento;
b) Obras o aquisições determinadas em leis especiais;
c) Despesas extraordinárias, com a seguinte ordem de preferência:
Fomento económico;
Educação e cultura;
Realizações de interesse social;
d) Auxílios financeiros às povoações rurais (artigo 13.º);

4) Compromissos internacionais de ordem militar.

De uma maneira geral, pode dizer-se que este programa de política financeira se ajusta às coordenadas de natureza económica e social que há pouco enunciámos.
Esse ajustamento melhor se poderá analisar ao proceder ao exame da proposta de lei na especialidade.
Por agora, u para concluir a apreciarão na generalidade, limitar-nos-emos a focar dois pontos, aliás da maior relevância:

1.º A evolução das receitas públicas e o cômputo da pressão fiscal;
2.º A curva das despesas do Estado, especialmente um confronto com a da despesa nacional.

16. Alargando um tanto o campo da análise, relativa ao do relatório ministerial, vamos acompanhar a evolução das percentagens de acréscimo das receitas públicas totais e dos réditos próprios do Estado, de 1953 para cá, em presença da variação do produto nacional:

«Ver tabela na imagem»

a) Inclui serviços autónomos e organismos de coordenação económica.
b) 31 de Agosto.
Fontes: Relatórios das propostas de leis de autorização para 1956, 1957, 1958 e 1959.

As receitas globais são, evidentemente, dominadas pelas do Estado. E nota-se que, cm ambos os sectores, a evolução segue uma curva com altas e baixas alternadas em cada ano, um pouco como nalgumas produções agrícolas - anos de safra e de contra-safra ...
Estabelecendo agora o confronto com os índices de incremento do produto nacional, verificam-se três coisas:

1.º A curva do produto segue uma marcha muito mais estável do que a das receitas;
2.º Entre aquela e esta não há paralelismo, mas, antes, nítida divergência, subindo mais as receitas nos anos em que cresce menos o produto, e vice-versa;
3.º A taxa média, de acréscimo das receitas no período em causa é nitidamente superior à do produto nacional, donde resultou, como adiante se verá, um agravamento da carga fiscal no seu conjunto.

Dada a predominância dos impostos indirectos -designadamente os que recaem sobro a importação - no sistema tributário, parece serem, principalmente, os movimentos da balança comercial que explicam o perfil da curva daquelas receitas, as quais acusam, de uma maneira geral, maior ímpeto de subida nos anos em que é mais intensa a entrada no País de bens importados.
No ano corrente, dada a contracção obtida nas compras ao estrangeiro, a taxa de crescimento dos impostos indirectos reduziu-se substancialmente, em beneficio das contribuições sobre o rendimento e o património, o que deu lugar à apontada queda no ritmo de aumento das receitas totais.
Esta rápida análise vem confirmar ser a nossa vida financeira, em matéria de receitas, particularmente sensível às flutuações do comercio externo, o que constitui, como é sabido, factor desfavorável em presença do condicionalismo que se depara à economia portuguesa: pois se, por um lado, temos de continuar a recorrer em grande escala à importação, dadas as exigências do nosso desenvolvimento, por outro, precisamos de caminhar no sentido da integração europeia e da liberalização progressiva do proteccionismo fiscal.

17. Insere o relatório ministerial um mapa remodelado da evolução da carga tributária, de 1953 e 1957.
Nos anos pretéritos essa carga foi avaliada em função do produto nacional líquido. Desta feita, refazem-se os cálculos com base no produto nacional bruto, aos preços do mercado. Dá-se como razão da mudança de método o facto de se desconhecerem os quantitativos imputáveis a amortizações do sector público, o que tornava «pouco significativos» os valores do produto nacional líquido (18).
O critério afigura-se aceitável, sendo até o que permite mais fáceis comparações internacionais, e por isso se adopta hoje em dia na generalidade dos países (19).

(18) Relatório citado. p. 52.
(19) Cf. a este respeito, entre outros, Prof. H. Laufenburger, Finances Comparées, 3.ª edição, Paris. 1957, pp. 45 e seguintes.

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Também se considera correcta a inclusão do produto de empréstimos nas receitas consideradas para o apuramento da carga fiscal.
O que não pode aceitar-se é que nesse apuramento se levem apenas em conta as receitas do Estado, de alguns serviços autónomos e dos organismos de coordenação económica. Já no parecer sobre a Lei de Meios para 1958 fez esta Câmara idêntico reparo e procurou fornecer elementos de cálculo que possibilitassem uma avaliação mais ajustada às realidades, incluindo no cômputo das imposições tributárias não apenas as cobradas pelo Estado e organismos dele dependentes, mas as provenientes da chamada «parafiscalidade».
Actualizando e completando as cifras e tendo em mente que elas continuam a pecar por defeito, pois, além do mais, nas receitas dos organismos corporativos apenas se abrangem as dos incluídos no preâmbulo do orçamento do Estado, elaborou-se o seguinte mapa:

Carga fiscal

«Ver tabela na imagem»

(a) Relatório da proposta, quadro XLIX, p. 52, quatro primeiros capítulos.
(b) Relatório citado, quadro XLVI, p. 51.
(c) Juntas de província, juntas gerais dos distritos autónomos e câmaras municipais: receitas do impostos e taxas cobradas nos anos de 1955 e 1956 (Estatística Financeira, 1957, p. 139-141).
(d) Receitas orçamentais para 1958 dos organismos incluídos no preâmbulo do Orçamento Geral do Estado, p. LXIV-LXV (Jóias e quotas, taxas, percentagens e diferenciais).
(e) Elementos fornecidos pela Direcção-Geral da Providência e Habilitações Económicas.
(f) Prémios líquidos em 1955 e 1956 (... Estatístico, 1956, p. 80). Embora este seguro não tenha entre nós carácter obrigatório, a responsabilidade por acidentes é ... imposto por lei a todas as entidades patronais e, na generalidade dos casos, acha-se transferida para aquele seguro, o que o equipara, no aspecto dos encargos sobre a produção, aos seguros sociais.
(g) Relatório do conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, gerência de 1957, pp. 33 e 35 (receita de quotizações).

Este quadro permite extrair, entre outras, as seguintes conclusões:

1.ª A taxa de crescimento da carga fiscal, de 1956 para 1957, é moderada, embora superior à do produto nacional, no que influiu sobretudo, dado o respectivo montante global, o acréscimo das receitas públicas (Estado e serviços autónomos);
2.º Em números absolutos, a pressão tributária não pode reputar-se excessiva, mas, como se frisou no parecer do ano transacto, o também decerto não permitirá, pelo menos ao nível presente de desenvolvimento do País e de capitação de rendimentos, encarar agravamentos substanciais»;
3.º O ónus da parafiscalidade - definido pelas receitas dos cinco últimos agrupamentos do quadro acima, num total de 2 474 000 contos - correspondeu, em 1957, a 22,2 por cento das imposições totais a 4,3 por cento do produto nacional.

Para 1958, o relatório ministerial prevê uma ligeira subida na carga tributária, em virtude da contracção da taxa de crescimento do produto nacional em confronto com a «relativa estabilidade» prevista para as receitas orçamentais.
Resta acrescentar, reproduzindo uma vez mais considerações insertas no parecer sobre a última Lei de Meios, que

... a percentagem indicadora da pressão fiscal pode revelar-se moderada, mas a tributação de certas categorias de contribuintes ser excessiva, o que denotará uma repartição defeituosa da carga fiscal. Obviar a este inconveniente constitui um dos objectivos da reforma tributária em estudo ...

Das linhas gerais desta reforma, anunciada no relatório ministerial,
ocupar-nos-emos no decorrer do exame na especialidade, a propósito do artigo 4.º da proposta de lei em discussão.

18. A semelhança do que se fez quanto às receitas, completam-se os dados constantes do relatório ministerial com uma breve síntese das percentagens de variação das despesas públicas (Estado, serviços autónomos, organismos de coordenação económica) ao longo do último quinquénio, em confronto com a marcha do produto nacional:

«Ver tabela na imagem»

Fonte: Relatórios ministeriais sobre as propostas da Lei de Meios para 1956, 1957, 1958 o 1959.

Transparece deste quadro, em primeiro lugar, que durante o período focado, foi sensivelmente superior à a taxa média de acréscimo das despesas públicas totais, do produto nacional, tal como se observara já no sector

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das receitas. O facto está, aliás, directamente ligado ao progresso dos réditos públicos. Mas, não obstante aquele acréscimo, as despesas do Estado e dos serviços e organismos dele dependentes representaram, em 1957, tão-sòmente 11 por cento da despesa nacional, o que é suficientemente elucidativo a respeito do pelo moderado que entre nós reveste a intervenção estadual no conjunto das actividades económicas.
Outra ilação consentida pelas cifras acima é a de que o índice de aumento das despesas de administração civil, que abarcam dois terços do total, é muito mais acentuado nas de investimento do que nas de funcionamento, atingindo naquelas, em média, uma taxa dupla, destas, o que se afigura, orientação acertada nas condições actuais da vida portuguesa.
Por último, cumpre registar que no sector dos serviços militares o de segurança tem vindo a decrescer a percentagem de incremento dos gastos, situando-se nos dois últimos anos ao redor de 1 por cento.

II

Exame na especialidade

§ 1.

Autorização geral

ARTIGOS 1.º A 3.º

19. Os dois primeiros artigos da proposta são mera reprodução dos que tradicionalmente vêm sendo insertos nas últimas leis de meios e exprimem a autorização genérica outorgada ao Governo, nos termos do artigo 91.º, n.° 4.º, da Constituição Política, para arrecadar as receitas e pagar as despesas na gerência futura, de harmonia com as leis e princípios vigentes.
Relativamente ao artigo 1.º deve, todavia, notar-se que, conforme se anunciava no relatório ministerial, foi, entretanto, publicado, pelo Decreto-Lei n.º 41 969, de 24 de Novembro último, o novo Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações.
Não tendo aquele diploma sido prèviamente submetido à Assembleia Nacional, cumpre neste momento à Câmara Corporativa pronunciar-se a seu respeito, tendo em vista o disposto nos §§ 1.º e 2.° do artigo 70.º da Constituição e para os efeitos da autorização geral contida no citado artigo 1.º da proposta.
Dar-se-á cumprimento àquele dever constitucional ao examinarmos o artigo 4.°
Quanto ao artigo 3.°, recorda-se o que a seu respeito se disse na primeira parte deste parecer (supra, n.º 3): trata-se de uma regra geral e permanente de administração financeira, cuja inclusão na Lei de Meios se tem por manifestamente inadequada. A compressão ou o condicionamento de despesas com o fim indicado no artigo - garantia do equilíbrio das contas públicas e do provimento da tesouraria - constituem matéria que, sem dúvida, cabe nas funções normais do Governo.
Por isso se sugere a eliminação do preceito.

§ 2.°

Reforma tributária

ARTIGO 4.°

a) Generalidades

20. Com base neste artigo 4.º pretende o Governo ficar

... autorizado a publicar no decurso do ano de 1959 os diplomas de reforma do imposto profissional, da contribuição predial, do imposto sobre a aplicação de capitais, da contribuição industrial e do imposto complementar.

Representa tal propósito, como já, se frisou, um dos traços salientes do projecto de lei em apreciação.
Talvez valha a pena, por isso, fazer uma breve súmula dos antecedentes da reforma.
A Lei n.º 2026, de 29 de Dezembro de 1947 (Lei de Meios para 1948), determinou, no artigo 15.º, que o Governo procedesse à nomeação de comissões para estudar e promover, com urgência, a sistematização da legislação tributária, revendo, coordenando e verificando todas as disposições vigentes no sentido da sua simplificação.
A lei de autorização para 1951 - n.º 2045, de 23 de Dezembro de 1950 -, além de reeditar o comando de sistematização dos textos (artigo 5.º), mandou constituir comissões encarreiradas de proceder à redacção de um texto único para cada imposto, tendo em vista os seguintes principais objectivos de técnica fiscal:

1) Simplificação dos processos administrativos de liquidação e cobrança;
2) Revisão de taxas, adicionais o encargos, englobando-os numa taxa única;
3) Actualização de isenções;
4) Revisão de penalidades fiscais e processo da sua aplicação.

A mesma lei definiu, nos artigos 4.º e 8.°, os princípios de economia financeira a que deveria obedecer a reforma em matéria de impostos directos:

a) Tributação com base no rendimento, no capital e no enriquecimento;
b) Carga fiscal proporcionada ao valor verificado do rendimento nacional e distribuída segundo a composição deste.

O Decreto-Lei n.° 38 438, de 25 do Setembro de 1951, instituiu duas comissões - a Comissão de Estado e Aperfeiçoamento do Direito Fiscal e a Comissão de Técnica Fiscal -, encarregadas de proceder aos trabalhos preparatórios da reforma e de elaborar os respectivos textos legislativos, em harmonia com os princípios e as regras definidas na Lei n.° 2045.
A Lei n.º 2050, de 27 de Dezembro de 1951 (artigo 4.º), mandou prosseguir os estudos das duas comissões, «a fim de levar a efeito, no mais curto prazo possível, a sistematização dos textos legais reguladores dos principais impostos».
Idênticas disposições foram repetidas no artigo 4.º da Lei n.º 2059, de 29 de Dezembro do 1952, e no artigo 4.º da Lei n.º 2067, de 28 de Dezembro de 1953.
A Lei de Meios para 1955 - n.º 2074, de 28 de Dezembro de 1954 - preceituou (artigo 4.º) que aquelas comissões deviam «intensificar os seus trabalhos, de modo a poder ser dada por finda a sua missão em 31 de Dezembro de 1955».
No ano seguinte, a lei de autorização não se referiu ao assunto, e no relatório ministerial sobre a proposta de Lei de Meios para 1957 escreveu-se o seguinte:

Pronto o projecto de diploma sobre as sucessões, doações e sisa, vai agora dar-se nova estrutura às comissões de estudo. E espera-se que até ao fim de 1957 se possam apresentar as bases da reforma dos vários impostos (20)

(20) Proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1957, Imprensa Nacional, 1956, p. 176.

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Mas ainda dessa feita não foi possível dar realização aos propósitos enunciados.
Enfim, o Decreto-Lei n.° 41 036, de 20 de Março de 1957, fundiu numa só - a Comissão da Reforma Fiscal - as duas comissões criadas pelo diploma de 1951.
Parece ser chegado agora o momento em que se torna viável concretizar as intenções e anseios expressos nas já distantes Leis de Meios para 1948 e 1951.
O relatório ministerial sobre a proposta ora em discussão insere, a tal respeito, alguns esclarecimentos, quer sobre as razões da demora na conclusão dos trabalhos preparatórios, quer no tocante aos princípios gerais, de ordem económica, financeira e jurídica, que norteiam a nova legislação tributária.
Compreende perfeitamente esta Câmara que a complexidade e o melindre do assunto, aliados à natural hesitação sobre a própria oportunidade de certas orientações na fase presente da conjuntura nacional e europeia, houvessem feito protelar a efectivação da reforma.
É, todavia, essa mesma conjuntura que torna cada vez mais instante a remodelação do nosso sistema fiscal, em ordem não apenas a simplificar textos e técnicas, mas, acima de tudo, a adequar as normas tributárias às exigências dos tempos actuais e às necessidades prementes do nosso desenvolvimento.
Cabe aqui uma palavra de elementar justiça sobre a reforma tributária de 1929, cujos princípios, a trinta anos de distância, mantêm ainda larga soma de virtualidades. Ela constituiu o alicerce fundamental da restauração financeira do Estado em tempos particularmente difíceis e nessa base firme pôde assentar-se toda uma política de renovação económica, social e administrativa do País.

21. O conteúdo do artigo 4.º da proposta suscita, porém, algumas reflexões.
Em primeiro lugar, parece depreender-se dos seus termos ser intenção do Governo publicar, no decurso de 1959, mediante decretos-leis, os textos de reforma dos principais impostos sobre o rendimento e o património, tal como acaba de fazer para a sisa e o imposto sucessório.
Não se afigura actualmente susceptível de controvérsia que, à face da letra da Constituição Política, pode o Governo legislar sobre matéria tributária por intermédio de decretos-leis. É doutrina que deve considerar-se pacífica, sobretudo depois da última revisão constitucional, efectuada pela Lei n.º 2048, de 11 de Junho de 1951, e que resulta do confronto entre os artigos 70.° e 93.° da mesma Constituição (21).
Simplesmente, não tem o Governo, por via de regra, usado dessa faculdade, e antes, em homenagem, aliás, a uma velha tradição nacional, que vem desde as Cortes de Coimbra de 1261, costuma submeter à apreciação da Câmara Corporativa e da Assembleia Nacional, geralmente através das propostas de leis de meios, as bases gerais referidas no § 1.° do artigo 70.º da Constituição - incidência, taxas de imposto, isenções, reclamações e recursos a favor do contribuinte.
Não foi esse, evidentemente, por motivos óbvios, o caso da reforma de 1929 e da restante legislação tributária publicada no período ditatorial que antecedeu a entrada em vigor da Constituição de 1933. Mas de então para cá procurou-se manter o princípio de que o Governo só se propõe legislar sobre as aludidas matérias em casos fie urgência e necessidade pública.
O próprio decreto-lei que em 1946 reorganizou o imposto complementar - o principal diploma fiscal publicado desde 1929 - fê-lo, como se lê no seu preâmbulo, «usando da autorização conferida pelo artigo 6.º da Lei n.º 2010, de 22 de Dezembro de 1945», que determinara a forma geral de incidência, a isenção-
-base e a razão e limites de progressividade das taxas.
Também, pela Lei n.º 2070, do 8 de Junho de 1954, se regularam recentemente curtas formas de isenção da contribuição predial em casos de aumento de rendimento de prédios rústicos.
Ora a proposta de lei em exame não inclui qualquer norma específica sobre bases de incidência, taxas, isenções, reclamações e recursos a inserir na futura reforma fiscal.
Contém, é certo, o relatório ministerial, como já aludimos, alguns princípios de ordem doutrinária a que, consoante se afirma, obedeceu a elaboração dos novos diplomas, mas daí nada se pode concluir quanto à sua aplicação em cada caso concreto, isto é, em cada uma das categorias tributárias que se pretende remodelar.
Restará, assim, à Assembleia Nacional e a esta Câmara tomarem contacto com as questões que cabem dentro da sua competência efectiva na matéria por ocasião da próxima Lei de Meios, tendo em vista o disposto no § 2.° do citado artigo 70.º da Constituição.
Simplesmente, é manifesto que semelhante tarefa - dada a extensão da reforma e a sua fundamental importância e repercussão em todos os sectores da vida nacional - se mostra dificilmente compatível com as limitadíssimas condições de tempo em que necessariamente tem de circunscrever-se a apreciação de uma lei de meios.
Afigura-se a esta Câmara que as circunstâncias expostas teriam porventura justificado a elaboração de uma proposta de lei especial, contendo, para cada um dos impostos a remodelar, as bases gerais de tributação a que se refere o mencionado preceito constitucional. Caberia aí explanar, em adequado preâmbulo, as linhas mestras de economia c direito fiscal que inspiravam a reforma.
Tal como se encontra redigido, o artigo 4.° da proposta não encerra alcance útil, a não ser para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, sem embargo de se reconhecer a intenção do Governo ao procurar expor, no douto relatório que precede a proposta, os princípios de natureza teórica que orientaram a nova legislação.
Assim, não deixará a Câmara de fazer alguns breves comentários a respeito daqueles princípios, tendo em vista, sobretudo, a sua adequação às finalidades essenciais que atrás se apontaram como devendo orientar, no presente condicionalismo económico-social, a nossa política tributária: estímulo ao aforro, incentivo e orientação do investimento, melhoria de distribuição dos rendimentos.

22. Podem esquematizar-se como segue as directivas genéricas que, segundo o relatório, informam a anunciada reorganização fiscal:
Princípios de ordem económico-financeira:

a) Preferência pelo rendimento real como base de tributação;
b) Conveniente reajustamento de taxas;

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c) Alargamento e actualização das isenções do mínimo de existência;
d) Incentivos aos investimentos dignos e carecentes de estímulo.

Princípios de ordem jurídico-fiscal:

a) Aperfeiçoamento da redacção e sistematização dos textos;
b) Melhor harmonização da técnica usual com os princípios do direito privado;
c) Agravamento das sanções contra a evasão e a fraude fiscais;
d) Reforço das garantias jurídicas do contribuinte.

23. - a) A respeito da preferência pelo rendimento real como base de incidência do imposto já esta Câmara teve ensejo, recentemente, de formular algumas considerações no parecer sobro a proposta da Lei de Meios para 1957 que interessa recordar neste momento:

A adopção de um sistema de tributarão baseado no rendimento real pressupõe, como é obvio, a possibilidade da sua determinação. Não valo a pena encarecer as dificuldades desta tarefa - talvez maiores no comércio que na indústria - e o melindre que envolve, qualquer regulamentação das taxas de amortização e valores de inventário. O quo pode acontecer é que venha a apurar-se que tal determinação só é possível para sectores restritos da actividade económica nacional. Em semelhante emergência haverá que ponderar os efeitos de uma dicotomia de regimes sobre a actividade, económica, distribuição dos rendimentos e direcção dos investimentos.
Problema diferente, é igualmente importante, é o de referenciar, neste sistema, a contribuição industrial de determinado ano à actividade desenvolvida nesse mesmo período. Com efeito, supondo que tal não é possível, corre-se o risco de assistir a um desfasamento de considerável amplitude entre a produção do rendimento e a sua, tributação. Esta circunstância é de molde a fazer com que o imposto, em lugar de se revelar neutral, compensando inclusivamente as flutuações da conjuntura, tenda a acentuá-las. O facto afigura-se digno do melhor estudo, atentas as suas repercussões sobre a vida e liquidez, das empresas (22).

Decerto que tais problemas e dificuldades não terão deixado de merecer a devida atenção por parte do Governo e da comissão de estudo da reforma fiscal.
Em outro sector são ainda mais salientes os obstáculos à instauração do sistema do rendimento real - o da propriedade rústica. As constantes e acentuadas flutuações a que, por força de circunstâncias inelutáveis, estão sujeitos os rendimentos da terra, tornam particularmente difícil a adopção do rédito efectivo como base de tributação. Aí, pois, o imposto terá de continuar a assentar, fundamentalmente, sobre rendimentos normais, em função de determinadas produções e encargos que correspondam, ao longo de certo número de anos, ao rendimento médio líquido da propriedade.
Dadas as condições presentes de determinação da matéria colectável na contribuição predial rústica e a disparidade de tratamento entre as zonas já reavaliadas e as restantes, há necessidade instante de intensificar os trabalhos do cadastro geométrico, a fim de colocar todos os contribuintes em igualdade de posição perante o fisco.
O princípio do rendimento real é, ainda, factor indispensável de personalização dos ónus fiscais e, portanto, da sua distribuição equitativa, quer em sistema de imposto único sobre o rendimento, quer no de impostos parcelares completados com um imposto de sobreposição, como sucede entre nós com o imposto complementar.
No regime actual, este imposto, na medida em que recai sobre réditos tributados predominantemente pela fórmula do rendimento normal, só com bastante imperfeição pode realizar o objectivo da personalização tributária.
Encarado sob o ângulo de uma política fiscal com vista an desenvolvimento económico, isto é, encorajadora do aforro e do investimento reprodutivo - como aquela quo neste momento interessa ao País -, deve dizer-se que a tribulação do rendimento real tem sobre a do rendimento normal manifesta superioridade.
Sem dúvida que este última sistema, na medida em que permite, mediante aumentos de eficiência e produtividade, evasões legítimas do imposto e, consequente, o aliviamento do respectivo ónus, pode constituir incentivo ao investimento. Mas, sobretudo nas actividades sujeitas a bruscas flutuações de preços e mercados ou em períodos de depressão, esse estímulo é naturalmente anulado pelo maior risco de prejuízos que o peso constante do imposto irá agravar. Ao posso que a tributação do rendimento real, porque procura adaptar-se à curva dos resultados das empresas, tende a eliminar aquele contingente de risco e, aliada a isenções ou tratamentos mais favoráveis de autofinanciamentos ou de lucros levados a reservas, bem como de aumentos de capital, pode constituir poderoso estímulo ao aforro e ao investimento produtivo (23).
E ainda se poderá inscrever a crédito do rendimento real o permitir neutralizar, em grande parte, a repercussão do imposto, evitando a sua incorporação nos custos de produção - como sucede com o sistema do rendimento normal - e o consequente agravamento da tributação regressiva quando se trate de bens de consumo generalizado.
Esta Câmara considera, pois, em princípio, como desejável a preferência pelo rendimento real, sempre que possível, como matéria colectável na futura reforma dos impostos directos.
Para que o novo regime produza efectivamente os frutos que dele se esperam e constitua um instrumento eficaz de estímulo ao desenvolvimento económico é, porém, indispensável, como acima se inculcou, a sua articulação com um sistema de incentivos e desagravamentos fiscais que favoreça as empresas progressivas e não represente de qualquer modo uma forma de apoio a explorações obsoletas ou a actividades parasitárias.

24. - b) É compreensível que a reorganização tributária em vista comporte um conveniente reajustamento de taxas. A própria, adopção do sistema do rendimento real implicará a revisão de muitas actualmente praticadas.
Declara o relatório ministerial que com o aludido reajustamento se pretende apenas que os impostos representem «a razoável, e só a razoável, contribuição dos cidadãos para os encargos públicos».
A manutenção do princípio tradicional do nosso sistema tributário da discriminação dos rendimentos pelas

(22) Actas da Câmara Corporativa n.º 98, de 5 de Dezembro de 1956, p. 997.

(23) Cf. Prof. Teixeira Ribeiro, Industrialização e Política Fiscal, comunicação ao II Congresso dos Economistas Portugueses, Lisboa, 1957, p. 12

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respectivos fontes, através de um conjunto de impostos parcelares, permite a adequação das taxas à variável origem da matéria colectável, com vista a alcançar simultaneamente melhor equidade na repartição do imposto e maior produtividade para o fisco.
Exige a justiça que os rendimentos provenientes do trabalho sejam gravados em menor proporção do que os provenientes do capital, pois aqueles são por natureza mais contingentes e precário? do que estes, na medida em que representam o fruto do esforço intelectual ou físico dos seus detentores.
Por outro lado, é princípio hoje unanimemente aceite pela generalidade dos sistemas tributários que nos impostos pessoais, isto é, naqueles que tomam em, conta a situação de cada contribuinte e recaem sobre o conjunto dos seus réditos, as taxas sejam progressivas, em obediência também a um critério de repartição équa dos encargos inspirado na lei económica da utilidade decrescente. É este o caso do nosso imposto complementar, mas, como acima se notou, a personalização que por seu intermédio se pretende obter é ainda manifestamente deficiente.
Espera-se que a projectada reforma tributária, na medida em que, permitir mais exacta determinação do rendimento real, proporciona o indispensável aperfeiçoamento da base de incidência do imposto complementar e permita a revisão das taxas actuais, no sentido de uma mais equitativa distribuição do imposto, tendo em vista, além do mais, a origem dos rendimentos e a necessidade de desonerar sobretudo os provenientes do trabalho.
Na parte em que o imposto progressivo atinge os rendimentos do capital é necessário, de um lado, conseguir por seu intermédio uma conveniente mobilização dr poupanças, transferindo para o Estado, com vista a investimentos públicos, parcelas de rendimentos entesouradas pêlos seus possuidores ou desviadas para aplicações menos convenientes, e, de outro lado, não ir desencorajar iniciativas e empreendimentos.
Este justo equilíbrio entre objectivos por vezes de muito árdua conciliação constitui precisamente uma das maiores dificuldades e melindres da moderna política fiscal.

25. - c) O alargamento e actualização de isenções do mínimo de existência são escopos altamente desejáveis com vista à personalização do imposto e à realização de uma melhor justiça distributiva em matéria tributária.
No relatório ministerial alude-se expressamente a dois casos concretos: o aumento da isenção do imposto profissional e a criação de uma nova isenção para pequenos proprietários que cultivem pessoalmente as suas terras.
A proposta de lei em análise também alarga a isenção de base do imposto complementar, como se verá a propósito do artigo 5.º

26.- d) O quarto e último princípio de ordem económico-financeira da reforma fiscal diz respeito aos incentivos a investimentos dignos de estímulo.
Trata-se de métodos de particular relevância num sistema fiscal dirigido a fomentar o desenvolvimento económico e a canalizar os capitais para as iniciativas mais convenientes em ordem ao acréscimo do produto nacional, à elevação do índice de bem-estar das populações e ao equilíbrio da balança de pagamentos.
Aliás, de há muito que o Governo vem utilizando este processo de intervenção económica. Já a Lei n.º 2005, de 14 de Março de 1945, previa, na sua base XVI, a concessão de benefícios fiscais tendente a auxiliar a reorganização de empresas e, nomeadamente: a isenção de direitos de importação sobre máquinas, utensílios e materiais a ela destinados; a isenção de sisa e selo de trespasse para as alterações derivadas da reorganização, e a isenção de contribuição industrial para os novos estabelecimentos durante o período de organização e montagem.
A Lei de Meios para 1956, no artigo 11.°, autorizava o Governo a adoptar as providências de ordem fiscal tendentes a favorecer os investimentos que permitam novos fabricos, redução do custo e melhoria de qualidade dos produtos.
A autorização resultou utilizada com a publicação do Decreto n.º 40 874, de 23 de Novembro de 1956. Até 17 de Setembro de 1958 foram concedidas a diversas empresas, sobro lucros imputáveis a novos investimentos, deduções na contribuição industrial que somam 77 597 contos (24).
O relatório do Sr. Ministro das Finanças refere-se ainda a «desagravamentos de lucros levados a reservas» - o que corresponde por igual ao pensamento da Câmara atrás expresso -, bem como a «isenções temporárias dos ganhos ou lucros daqueles investimentos agrícolas ou industriais que se consideram, ou o Governo venha a considerar, dignos e carecentes de estímulo» (26).
A codificação e sistematização de todo este esquema de incentivos fiscais na projectada reforma afigura-se, pois, da maior utilidade.

27. No tocante aos princípios de ordem jurídico-fiscal a inserir na nova orgânica tributária e atrás enunciados nada tem este Câmara a observar.
Da sua cabal execução muito há a esperar em benefício tanto dos contribuintes, como da Fazenda, na definição dos direitos e deveres recíprocos, na formação de um ambiente de maior confiança nas relações entre o público e os agentes fiscais, na devida atenção pela comodidade do contribuinte e na prevenção e repressão eficazes das evasões ilegítimas do imposto.

28. A almejada reorganização do nosso sistema fiscal não fica, evidentemente, preenchida com a reforma dos impostos directos.
Cumpre não esquecer que a principal fonte dos réditos públicos é ainda, entre nós, a dos chamados impostos indirectos, com destacada prevalência dos cobrados nas alfândegas.
Segundo a estatística das contribuições e impostos para 1957, o produto dos principais impostos, excluindo o suplementar, o que incidia sobre lucros de guerra, a taxa de compensação e o Fundo de Transportes Terrestres, corresponde às seguintes percentagens, relativamente ao total da liquidação (26):

Rendimentos aduaneiros .......................... 45,3
Contribuição industrial ......................... 13,9
Imposto do selo ................................ 11,4
Contribuição predial ............................ 7,4
Complementar .................................... 6,9
Sucessões e doações ............................ 4,8
Sisa ........................................... 3,4
Aplicação de capitais ........................... 3,4
Profissional .................................... 1,9
Outros ......................................... 1,6

(24) Relatório ministerial, p. 53 o quadro L.
(23) Relatório citado, p. 63.
(26) Anuário Estatísticos das Contribuições e Impostos, 1957, pp. XXX-XXXI.

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Um sistema fiscal cujos réditos assentam numa proporção de, pelo menos, 56,7 por cento em impostos indirectos (rendimentos alfandegários e imposto do selo) é, a todas as luzes, um sistema vicioso e gerador de flagrantes desigualdades. Na larga medida em que vai gravar consumos primários ou generalizados assume natureza nitidamente regressiva e, portanto, antieconómica e anti-social. Estimula a repercussão sob todas as formas. E, atenta a sua posição de domínio no conjunto do sistema, pode bem dizer-se que as taxas progressivas do imposto complementar não são de molde a compensar a regressividade da tributação indirecta.
Este, sem dúvida, o defeito mais saliente da nossa orgânica fiscal. A ele não ocorre, como é óbvio, a próxima reforma, salvo na medida em que, proporcionando mais exacta captação dos rendimentos por via directa, possibilite amanhã a eventual substituição dos direitos alfandegários por um imposto sobre o valor das transacções, o qual, embora porventura menos produtivo do que aqueles direitos, permita atenuar decisivamente o carácter regressivo do actual sistema, operando uma discriminação tributária em função da natureza, dos bens de consumo ou de produção a ele sujeitos.
Tal desiderato é, aliás, requerido não apenas para obviar aos inconvenientes económico-sociais do regime vigente, senão também por imperativos de ordem externa, sendo certo que - como se explanou no relatório ministerial e no parecer desta Câmara sobre a lei de meios para o ano corrente - o processo de integração económica europeia, mau grado os obstáculos que lhe têm entravado a marcha, parece dever encarar-se como uma ideia-força a realizar mais tarde ou mais cedo.
Isso aconselha a que, desde já, se procure caminhar no sentido de uma revisão global da nossa tributação alfandegária, não obstante a complexidade do problema.

b) Sisa e Imposto sobre as sucessões e doações

29. Pelo referido Decreto-Lei n.° 41 969, de 24 do passado mês de Novembro, foi publicado o Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, conforme anunciava o relatório sobre a proposta de lei ora em exame.
Cabe à Câmara Corporativa, como se disse a propósito do artigo 1.º da proposta, pronunciar-se neste momento sobre o novo diploma, e designadamente acerca das matérias referidas no § 1.° do artigo 70.° da Constituição - incidência, taxas, isenções, reclamações e recursos -, para os efeitos do § 2.° do mesmo preceito constitucional.
Dada a angustiosa escassez de tempo, a análise terá necessariamente de ser muito sucinta, restringindo-se às linhas mais salientes das bases gerais que acabam de referir-se.
Antes, porém, sempre se dirá que, na sua economia geral, o novo código se apresenta como traduzindo sério aperfeiçoamento sobre a legislação presente, não apenas na compilação e sistematização desta, mas, acima de tudo, na preocupação de equilíbrio e tratamento justo da matéria em causa, sem perder de vista, do mesmo passo, os objectivos de promoção do desenvolvimento económico, que devem estar imanentes em todo o nosso sistema fiscal.
Interessa transcrever as seguintes passagens do douto relatório que precede o diploma:

E a reforma fez-se, sempre com o espírito de consagrar as soluções razoáveis, ponderando atentamente os interesses em jogo, de dar garantias e facilidades ao contribuinte, de suprimir formalidades supérfluas, de aligeirar a tarefa dos serviços de finanças.

E mais adiante:

Da reacção destes (dos contribuintes) dependerá largamente, sem duvida, o êxito da tentativa; mas ainda dependerá mais da atitude dos serviços, que, se acaso aplicarem o código com mentalidade puramente fiscalista, falsearão de todo os seu intuitos.

Esta Câmara sinceramente se regozija com os propósitos enunciados e confia em que, efectivamente, da execução do novo diploma, tanto ou mais do que da letra dos seus preceitos, advenham os benefícios de ordem geral que o Governo se propõe alcançar.

30. No tocante à incidência - entendido o termo como significando os fartos jurídicos passíveis de tributação - não traz o novo diploma modificações dignas de registo.
Já o mesmo não pode dizer-se relativamente à base de incidência do imposto, isto é, à matéria colectável ou valor-base da liquidação, no que diz respeito à sisa.
Esse valor passa a ser, regra geral, o preço da transmissão, em lugar do valor matricial, como até aqui, salvo quando possa haver dúvida sobre aquele preço e o valor da matriz seja superior (artigo 19.°).
Regressa-se assim, essencialmente, ao regime do Regulamento de 1899 (artigo 11.°). que vigorou até à Lei n.º 2019, de 28 de Dezembro de 1946 (artigo 5.°).

31. Em matéria do taxas, a uniformização da respeitante à sisa em 8 por cento traduz um benefício sensível - menos 4 por cento - pare as transmissões da propriedade rústica.
Recorda-se que, pelo Regulamento do 1899, a taxa sobre as transmissões por título oneroso era de 10 por cento (artigo 8.º).
Outros desagravamentos traz ainda o código neste capítulo das taxas da sisa. Destacam-se os seguintes:

a) Redução a 2 por cento, quando as transmissões resultem de parcelamento ou se destinem a emparcelamento de prédios rústicos, com parecer favorável da Junta de Colonização Interna (artigos 36.º e 37.º);
b) Redução a 4 por cento nas aquisições de prédios ou terrenos destinados à instalação de indústrias de interesso para o desenvolvimento económico do País ou à ampliação de empresas com vista a novos fabricos, redução do custo ou melhoria da qualidade dos produtos (artigo 38.°);
c) Redução a 4 por cento nas transmissões de imobiliários provenientes de fusão de sociedades, nas condições do artigo 39.º;
d) Redução a 1 por cento na primeira transmissão de prédios urbanos destinados a habitação e temporariamente isentos de contribuição predial, bem como na do direito de superfície, nas condições do artigo 34.º

32. Relativamente às taxas do imposto sobre as sucessões e doações, altera-se substancialmente a tabela em vigor.
Mantém-se o princípio da progressividade, hoje característica comum deste tributo na generalidade dos países, mas aliviam-se as deixas e doações até um pouco mais de 2000 contos e desagravam-se, sobretudo, as de pequeno montante.
Assim, em lugar de oito escalões, passa a haver onze. E as percentagens de acréscimo, que até agora eram mais elevadas entre o primeiro e o segundo escalões do que entre os restantes, facto que dava, em certo modo, carác-

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ter depressivo à progressividade, passam a ter subida mais regular, com diferenças de 2 por cento nos primeiros sete escalões, de 3 por cento do sétimo para o oitavo e deste para o nono e de 4 por cento do nono para o décimo e deste para o último.
Não julga esta Câmara haver objecção de, fundo ao novo sistema, pois se afigura permitir mais equitativa distribuição do imposto, embora com sensível agravamento nas transmissões de valor mais elevado e, mesmo assim, conforme se observa no relatório do diploma, «longe dos níveis de tributação correntes na maior parte dos países».
Apenas se chama a atenção para o seguinte. Não contém o código qualquer preceito sobre redução de faixas ou quantitativos do imposto sucessório em função do número de filhos dos herdeiros. É benefício que se encontra em diversas legislações estrangeiras e se afigura justo, na medida em que vem favorecer as famílias numerosas e se aplica, sobretudo, nos escalões mais baixos.
Em França, por exemplo, a Lei de 14 de Abril de 1952 prevê para os herdeiros uma redução de 10 por cento por cada filho a seu cargo, com o limite de 100 000 francos por descendente (27).

33. No capítulo das isenções de sisa, os preceitos do novo código constituem sobretudo uma compilação e sistematização de normas dispersas por inúmeros diplomas.
Cumpre referir em especial a isenção agora concedida nas compras de terrenos destinados à construção de habitações - até aqui sujeitas em regra à taxa de 1 por cento. A medida restringe-se aos casos em que as habitações a construir venham a beneficiar também de isenção temporária da contribuição predial, isto é as destinadas a famílias de poucos recursos ou remediadas, e não as de rendas elevadas, cuja edificação não justifica favores fiscais nem há interesse de ordem geral em fomentar.

34. Por último, no concernente às reclamações e recursos a favor dos contribuintes, o código insere uma modificação, ditada por motivos de ordem prática, que esta Câmara não pode deixar de apreciar desfavoravelmente.
É a que se refere ao julgamento das reclamações e recursos extraordinários em 1.ª instância, até aqui feito, nos termos do Decreto n.º 24 917, de 10 de Janeiro de 1935, pelo delegado do procurador da República, aliás de harmonia com o sistema já consagrado no Regulamento de 1899) (artigos 59.° e seguintes).
Pelo novo código - § único do artigo 150.º - «o chefe da secção de finanças do respectivo concelho ou bairro será o juiz em I.ª instância».
Invoca-se fundamentalmente para este regresso ao regime anterior a 1935 o facto de os agentes do Ministério Público estarem absorvidos por outras tarefas e ser aquele o sistema adoptado nos processos relativos aos demais impostos.
O argumento não parece convincente, dado que os chefes de secção não estarão, certamente, menos sobrecarregados do que os agentes do Ministério Público. Mas, ainda que tal circunstância se verificasse, nem por isso ela deveria prevalecer contra as razões de princípio que condenam o sistema vigente, em que a administração financeira c simultaneamente parte e juiz na
mesma causa.
Acresce que, como atrás se viu, um dos objectivos declarados da reforma tributária em curso é precisamente o do reforço das garantias individuais em relação ao fisco, o que parece deveria conduzir à progressiva modificação do sistema vigente quanto à competência contenciosa dos chefes de secção de finanças.
A alteração introduzida pelo código vai assim ao arrepio daqueles propósitos, sem embargo de se reconhecer o zelo e a isenção com que, na generalidade dos casos, aqueles funcionários procuram decidir as questões que lhes são submetidas.
É, pois, por uma questão de princípio que esta Câmara não pode conformar-se com a referida alteração.

35. Nenhuma, outra ponderação sugere a rápida leitura do novo código da sisa e do imposto sobre as sucessões e doações.
Aliás será sobretudo a sua execução que há-de trazer elementos concretos para habilitar à formulação de um juízo mais exacto das suas virtudes e dos seus defeitos, como obra humana que é.

§ 3.°

Normas fiscais de aplicação transitória

ARTIGO 5.º

a) Alínea a) a d)

36. O artigo 5.º da proposta contém diversos preceitos fiscais de aplicação no ano de 1959 - «enquanto não entrarem em vigor os diplomas respeitantes à reforma dos respectivos impostos».
Nenhuma observação suscitam os respeitardes às alíneas a) a d), que correspondem a disposições normalmente insertas nas últimas leis de meios.
O que consta da alínea c) - valor-base para liquidação da sisa e do imposto sobre as sucessões no próximo ano - mantém-se ainda pelas razões aduzidas no relatório ministerial, que se afiguram procedentes e a seguir se transcrevem:
O preceito ... terá de ser ainda mantido, apesar da nova lei respeitante a estes dois impostos, uma vez que na parte em que o respectivo diploma regulador se subordinar ao rendimento matricial como elemento determinativo do valor dos bens transmitidos não será possível alhear-se dos critérios legais da rectificação desses valores quando estes assentem em elementos desactualizados. A manutenção deste preceito terá de subsistir, portanto, até à actualização das matrizes ou à entrada em vigor das normas de actualização constantes da reforma da contribuição predial (26).

h) Imposto complementar [alíneas e) a g)]

37. As alíneas c) a g) deste artigo 5.º dizem respeito ao imposto complementar (pessoas singulares) o comportam as seguintes inovações:
1) Elevação para 60.000$ da isenção de base;
2) Alteração das taxas, que passam a situar-se entre o mínimo de 5 por cento e o máximo de 60 por cento, e modificação das razoes de progressividade entre os escalões;
3) Limite de 1.200$ para as deduções por cada filho menor;
4) Alargamento do primeiro escalão para a incidência do adicionamento que recai sobre rendimentos provenientes de acumulações.

(27) H. Lanfenburger. Traité d'Economic et de Législation Financiére, vol. II, 5.ª edição, Paris, 1954, p. 228; H. Laufenburger et D. Compis. Economic du Système Fiscal Français Mise à Jour au l' Février 1958, Paris, 1958, p. 26.

(28) Relatório, p. 60.

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38. Nada tem esta Câmara a observar quanto an primeiro ponto, senão que considera inteiramente desejável e justo a alteração, que vem desagravar os rendimentos superiores a 50.000$ e inferiores a 100.000$.
Seria mesmo de preconizar que na futura reforma do imposto se encarasse maior alargamento da isenção de base, de harmonia com o índice actual do condições de vida. Tal melhoria poderia ser compensada através de uma eventual revisão do sistema de funcionamento daquela isenção, por via da qual ela passasse antes a constituir um limite de não incidência para os rendimentos até determinado quantitativo e deixasse de ser um benefício aplicável a todos os contribuintes, independente do montante global dos seus réditos, como sucede actualmente. Isto, é claro, sem prejuízo de se prevenirem situações desfavoráveis dos contribuintes com rendimentos perto do limite.
Parece ser essa, aliás, a intenção do Governo, segundo se deduz do relatório ministerial. Simplesmente, julgou-se preferível aguardar os resultados da reforma dos impostos directos para se poder formular um juízo mais seguro sobre a aludida revisão - o que se afigura prudente.

39. A subida dos limites terminais das taxas do imposto e a progressão entre os escalões é justificada pelo Governo com fundamento na necessidade de compensar a perda de receita - computaria em cerca de 10 000 contos - proveniente de alargamento da isenção-base.
A nova fórmula vem agravar os rendimentos superiores a 100.000$. Para mais ràpidamente se fazer ideia da medida do agravamento elaborou-se o seguinte, quadro, donde consta a nova tabela das taxas do imposto, calculada nos termos da proposta de lei, com indicação das percentagens de aumento entre as taxas médias actuais e as projectadas.

Imposto complementar

«Ver tabela na imagem»

(a) No 1.º escalão, conforme se disse no texto, o efeito do aumento da taxa é anulado pela redução da base de incidência, o que traz desagravamento até 99,9 contos e iguala a tributação, pela tabela vigente, ao nível dos 100 contos.

Com base na tabela proposta e na estatística dos rendimentos colectáveis do imposto complementar, é relativamente fácil fazer um cômputo aproximado do an-
mento de réditos decorrente da alteração. Em nota (28) pode ver-se essa estimativa, donde se infere que só nos escalões entre 100 e 1200 contos a nova tabela produz um acréscimo de receita ao redor dos 50 000 contos. Acima de 1200 contos os rendimentos globais tributados somaram, em 1957, nada menos de 230 049 contos, e, como é precisamente nestes escalões que a tabela projectada traz maiores agravamentos, pode prever-se ainda uma apreciável melhoria daquela receita.
A invocada quebra de 10 000 contos no 1.º escalão acha-se, pois, largamente compensada nos restantes. Deverá concluir-se daí que o reajustamento de taxas ora proposto se revela desproporcionado com o objectivo em vista? Certamente que sim, se se tomar em conta apenas aquela finalidade. Mas não parece tal deva ser o exclusivo alcance da modificação, embora o Governo não invoque expressamente outro fundamento. Acima de tudo, crê-se que se ambiciona conseguir, simultâneamente, mais equitativa distribuição do imposto pelos diversos escalões de rendimento e mais larga mobilização de poupanças, com vista à sua aplicação em investimentos públicos.
Ora não se mostra quo o novo arranjo favoreça satisfatòriamente o primeiro desses propósitos. Com efeito, pela tabela actual os índices (ou razões) de acréscimo das taxas são de 1 por cento nos primeiros nove escalões, de 1,5 nos dez seguintes e de 2 nos restantes nove. Agora, sobem para 1,5 nos três primeiros, para 2 nos onze imediatos e para 3 nos dez últimos. Resulta daí que os escalões entre 200 e 500 contos e entre 750 e 1000 vão suportar um agravamento proporcionalmente maior do que os outros nos índices de progressividade, pois, enquanto para aqueles a elevação dos índices é de 100 por cento (de 1 para 2 e 1,5 para 3) para os escalões entre 500 e 750 contos é de 33 por cento (de 1,5 para 2) e de 1000 para cima é de 50 por cento (de 1,5 para 3).
É claro que, tomando por base as percentagens de aumento das taxas médias, que são as que na prática verdadeiramente interessam e constam do quadro atrás inserto, a desperequação assume aspecto menos saliente. Mas não deixa de notar-se examinando esse quadro,

(29) Utilizaram-se os escalões de rendimentos que serviram de base a tributação em 1957, segundo o Anuário Estatístico das Contribuições e Impostos, p. 230, partindo-se da hipótese - única aliás viável para efeitos de comparação - de que os rendimentos tributados coincidiam, em cada agrupamento, com o limite superior do respectivo escalão. Apenas se tomaram em consideração os escalões acima de 100 contos, pois é nestes que se pretende obter compensação de recita para perda de cerca de 10 000 contos no 1.º escalão. O apuramento é o seguinte (em contos):

«Ver tabela na imagem»

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que aos referidos grupos de rendimentos correspondem percentagens cujo ritmo de subida é bastante mais rápido do que nos restantes, sendo certo que a partir dos 550.000$ esses índices vão crescendo em cadência muito mais lenta.

Câmara não propõe qualquer modificação ao regime agora projectado, mas entende dever chamar a atenção para o que deixa exposto, a fim de que, na medida de possível, possa vir a aperfeiçoar-se o sistema quando da reforma geral do imposto complementar.
Nessa oportunidade caberá, não só atender aos reparos que acabam de fazer-se, mas ainda às sugestões formuladas noutros lugares deste parecer (supra n.ºs 12 e 24) em matéria de revisão global das taxas deste imposto, com vista ao seu eventual desagravamento sobretudo após se conhecerem os resultados da execução da reforma dos impostos directos e da mais exacta captação dos rendimentos reais que por seu intermédio se pretende obter.

40. O estabelecimento de um limite superior para o desconto previsto no artigo 27.º do actual Regulamento do Imposto Complementar afigura-se fundamentado, pois o objectivo de equidade prosseguido por aquela disposição - desonerar em certa medida os contribuintes com filhos menores a, seu cargo - deixa de ter sentido a partir de certos níveis de rendimento.
Pode, evidentemente, discutir-se qual o montante em que deve fixar-se esse limite e, porventura, considerar-se baixo o constante da proposta. É problema cuja solução constante larga margem de arbítrio e, por isso mesmo, escapa à definição de um critério objectivo.
Aceite, pois, o princípio, não se opõe esta Câmara à adopção do quantitativo proposto.

41. A última modificação em milénio de imposto complementar - alínea g) do artigo 5.º - é concernente a um novo arranjo dos escalões para incidência do adicionamento sobre os proventos derivados da acumulação de cargos.
A proposta traduz, nu verdade, um aperfeiçoamento na distribuição dos escalões, que resulta mais equilibrada. Por isso nada tem esta Câmara a objectar-lhe.

§ 4.º

Taxas e contribuições especiais

ARTIGO 6.º

42. O artigo 6.º da proposta insere disposição que uma vez mais se renova, certamente por não se acharem ainda concluídos os trabalhos da comissão nomeada, nos termos do artigo 7.º da Lei de Meios para 1953 com o encargo do propor a uniformização e simplificação do regime de. receitas tributárias cobradas pelos servidos e organismos referidos no preceito.
A Câmara exprime o voto de que, simultaneamente com a publicação d u anunciada reforma fiscal, seja possível regularizar a matéria daquelas tribulações, evitando-se a repetição do artigo na próxima Lei de Meios.

§ 5.º

Funcionamento dos serviços

ARTIGO 7.º

43. Consoante se deixou expresso no n.º 3 deste parecer, o disposto no artigo 7.º representa simplesmente uma regra de boa administração financeira, que vem sendo inserta de há certo número de anos para cá nas leis de meios, aliás num conteúdo progressivamente encurtado e que, por isso mesmo, tem nelas lugar cada vez menos adequado.
Reitera-se, pois, o alvitre da sua eliminação, sendo certo que a orientação
Nele definida, sem dúvida necessária, cabe perfeitamente, como se frisou, nos poderes normais do Governo.

§ 6.º

Providências sobre o funcionalismo

ARTIGO 8.º

44. Propõe-se o Governo, nos termos deste preceito:

... rever, dentro dos recursos disponíveis, as condições de remuneração dos servidores do Estado, devendo a execução dessa revisão reporta-se a 1 de Janeiro de 1959.

Antes de examinar o alcance da medida que se encara e cuja intenção - diga-se desde já - merece o inteiro aplauso e apoio desta Câmara, interessa percorrer, sumàriamente, a série de providências formadas pelo Governo, desde a última guerra, para melhorar as condições de remuneração dos agentes do serviço público, em atenção ao progressivo agravamento do custo da vida.
a) Remunerações-base. - O Decreto-Lei n.º 33 272, de 24 de Novembro de 1943, concedeu, a partir de 1 de Janeiro seguinte, um suplemento de 20 por cento a todos os servidores do Estado, civis e militares, na efectividade do serviço, com excepção dos vencimentos do grupo A, do Decreto-Lei n.º 26 115, aos quais foi atribuída uma melhoria de 10 por cento. Ao Presidente da República e aos membros do Governo não foi concedido suplemento.
A Lei n.º 2004, de 27 de Fevereiro de 1945, autorizou a concessão de um subsídio eventual até 15 por cento sobre a remuneração-base, além do suplemento já em vigor, com exclusão do Presidente da República e Ministros, a partir de 1 de Março seguinte. O Decreto n.º 34 430, de 6 de Março do mesmo ano, fixou aquele subsídio no limite de 15 por cento.
A Lei n.º 2010, de 22 de Dezembro de 1945 (Lei de Meios para 1956), e o Decreto Orçamental n.º 35 423, de 29 do referido mês e ano, mantiveram durante 1946 o mesmo regime de suplemento e subsídio eventual.
O Decreto-Lei n.º 35 886, de 1 de Outubro de 1946, considerou, a partir dessa data, o suplemento de 20 por cento como se fizesse parte integrante da remuneração-base e, sobre a soma desta remuneração com o suplemento, passou a ser abonado um subsídio eventual segundo as percentagens seguintes:

a) Funcionalismo civil:

Grupos do vencimentos:

A a D - 20 por cento.
E a R - 25 por cento.
S a Z" - 30 por cento.

b) Militares:

Oficiais generais - 20 por cento.
Oficiais, guarda-marinhas e aspirantes - 25 por cento.
Sargentos e praças - 30 por cento.

c) Remunerações superiores à do grupo A - 10 por cento.

O Decreto-Lei n.° 37 115, de 26 de Outubro de 1948, extinguiu o subsídio eventual e revogou o Decreto-Lei

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n.º 35 886. A partir de 1 de Novembro daquele ano concedeu um suplemento na forma seguinte:

a) Funcionários civis:

Grupos de vencimentos:

A a D - 75 por cento.
E a Z - 80 por cento.

b) Militares:

Oficiais generais - 75 por cento.
Oficiais, guardas-marinhas e aspirantes - 80 por cento.
Sargentos e praças - 80 por cento.

b) Remunerações superiores à do grupo A - 70 por cento.

A Lei de Meios para 1952 (n.º 2050, de 27 de Dezembro de 1951) autorizou o Governo a outorgar no ano seguinte um novo suplemento de harmonia com as possibilidades do Tesouro (artigo 19.º). Em execução desta lei, o Decreto n.° 38 586, de 29 de Dezembro de 1951, aumentou de 10 por cento, no ano de 1952, as percentagens do suplemento constantes do Decreto-Lei n.º 37 115.
A Lei de Meios para 1953 (n.º 2059, de 29 de Dezembro de 1952) manteve nesse ano o suplemento concedido em 1952 e o Decreto n.º 39 068, de 31 do mesmo mês e ano, mandou incluir no orçamento para 1953 as respectivas verbas.
De novo, a lei de autorização para 1954 (n.° 2067, de 28 de Dezembro de 1953) consentiu que o Governo prorrogasse a concessão do suplemento de 1952, e o Decreto n.º 39 506, de 31 desse mês e ano, deu o necessário cumprimento àquela autorização.
Por último, o Decreto-Lei n.º 39 842, de 7 de Outubro de 1954, aumentou uniformemente para 100 por cento o suplemento até então em vigor e mandou-o integrar no vencimento-base desde 1 de Janeiro de 1955, considerando-se, a partir desta data, os vencimentos dos servidores do Estado, civis e militares, aumentados para o dobro.
b) Remunerações acessórios. - Neste, capítulo, o Decreto-Lei n.° 37 115, de 26 de Outubro de 1948, atribuiu um suplemento do 50 por cento às gratificações, abonos para falhas, senhas de presença e abonos de idêntica natureza pelo exercício de funções públicas.
E o Decreto-Lei n.° 40 872, de 23 de Novembro do 1956, elevou para o dobro as gratificações pelo ónus especial dos cargos ou por funções de direcção, inspecção ou fiscalização, e bem assim as despesas de representação, abonos para falhas, subsídios de residência, e remunerações de idêntica natureza atribuídas pelo exercício de quaisquer funções públicas. Fixou em 50 por cento o aumento das senhas de presença (artigos 6.º e 91.°).
c) Abono de família. - O Decreto-Lei n.º 32 688, de 20 de Fevereiro de 1943, instituiu o regime do abono de família para os funcionários do Estado, civis e militares, a partir de 1 de Janeiro desse mesmo ano. O abono era distribuído por cinco escalões de vencimentos e os seus quantitativos iam de 30$ a 70$ por pessoa de família a cargo.
O Decreto n.° 34 431, de 6 de Março de 1945, unificou, a partir de 1 de Março desse ano, os três escalões mais baixos, passando a haver apenas três grupos de abonos, com o mínimo de 50$.
O Decreto-Lei n.° 39 844, de 7 de Outubro de 1954, elevou para 80$, 90$ e 100$ os referidos escalões.
Enfim, o Decreto-Lei n.° 41 523, de 6 de Fevereiro do corrente ano, unificou em 100$ para todas as categorias o abono de família, a partir de 1 de Janeiro último.
d) Pensões - Aos pensionistas da Caixa Geral de Aposentações foram concedidas as seguintes melhorias:
Pelo Decreto-Lei n.º 34 430, de 6 de Marco de 1945 - subsídio eventual de 15 por cento;
Pelo Decreto-Lei n.º 35 886, de 1 de Outubro de 1946 - suplemento de 20 por cento, além do subsídio de 15 por cento aplicável;
Pelo Decreto-Lei n.º 37 115, de 26 de Outubro de 1948 - suplemento de 50 por cento;
Pelo Decreto n.º 38 386, de 29 de Dezembro de 1951 - suplemento de 60 por cento.
Finalmente, pelo Decreto-Lei n.º 39 843, de 7 de Outubro de 1954 - suplemento de 70 por cento.

45. Pela enunciação que acaba de fazer-se depreende-se bem claramente como tem sido intento e preocupação constantes do Governo acompanhar os agravamentos na situação material dos seus serventuários, em consequência da modificação das condições de vida, melhorando, na medida do possível, não apenas as suas remunerações-base, mas ainda as retribuições acessórias e as próprias pensões dos funcionários já desligados do serviço.
De 1954 para cá o assunto continuou a ser objecto de estudo da Administração, como se vê designadamente do relatório da Conta Geral do Estado de 1957, onde se referem «os problemas de remuneração do trabalho dos servidores do Estado» como sendo dos primeiros a resolver na linha de rumo de uma política que simultaneamente encarava os da assistência na doença e da habitação de renda acessível para os funcionários públicos.
Pelo relatório do Sr. Ministro das Finanças que antecede a proposta ora em apreciação verifica-se estarem já em meados do ano corrente «em curso trabalhos tendentes à remodelação dos vencimentos dos funcionários, paralelamente a outros estudos que se dirigiam ao complexo da organização e métodos administrativos» (30).
Em consequência desses trabalhos, o Sr. Presidente do Conselho, ao proferir o discurso de 1 de Julho de 1958, definiu nas seguintes palavras os princípios gerais do programa a realizar nesta matéria:
... três problemas a resolver e de grande melindre e dificuldade: uma nova estruturação das classes de funcionalismo e respectivos vencimentos, visto a desactualização da actual; a actualização dos vencimentos em relação, pelo menos, com o custo da vida: o beneficiamento das classes mais modestas em harmonia com as diferenças que se notam no próprio nível que a vida hoje tem (31).

O problema do novo arranjo das classes funcionais não é na realidade, menos instante do que o da actualização dos vencimentos, dada a completa, desfiguração que, ao longo destes vinte e três anos, sofreu o escalonamento definido no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 26 115, de 23 de Novembro de 1935. Não só o número de categorias-base se afigura actualmente excessivo, como, sobretudo, se verifica que entre elas foi proliferando um número infinito de postos intermediários.
Além disso, as constantes reorganizações de serviços transformaram aquilo que, com a reforma de 1935, se pretendeu fosse uma pirâmide mais ou menos regular numa mole irregularíssima de categorias e ven-

(30) Relatório, p. 71.
(31) O Caminho do Futuro, edição do Secretariado Nacional da informação, pp. 11-12.

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cimentos, onde só perde todo o sentido do equilíbrio e das proporções.
Infere-se, porém, do relatório ministerial que, atenta a complexidade do problema, os estudos preparatórios dessa nova estruturação das classes não estão ainda em fase de se poder passar à sua regulamentação legislativa.
Esta Câmara compreendo que assim seja, mas não quer deixar de formular os melhores votos no sentido de, que, a breve prazo, seja possível alcançar aquele desiderato.

46. No que se refere pròpriamente à revisão das remunerações, são dois os objectivos apontados na transcrita passagem do discurso do Sr. Presidente do Conselho:

a) Actualização em relato, pelo menos, com o custo da vida;
b) Beneficiamento das classes mais modestas.

O primeiro destes objectivos assume a índole de uma regra geral: a actualização das remunerações deve, para o comum do funcionalismo, corresponder, pelo menos, ao agravamento de custo da vida.
A segunda finalidade significa que as classes inferiores deverão alcançar tratamento mais favorecido do que as restantes.
É evidente, como nota o relatório ministerial, que a efectivarão destes objectivos, sobretudo do primeiro, não pode desprender-se inteiramente da nova orgânica das categorias, pois esta condiciona em grande medida o nível e a hierarquia das remunerações. Mas, uma vez que teve de adiar-se a solução daquele problema, parece irrecusável não poder deixar de atender-se desde já à necessidade de melhorar os quantitativos actuais em função do critério de justiça expresso na primeira das regras acima enunciadas.
Não fornece, a proposta elementos por onde possa fazer-se uma ideia, mesmo aproximada, da fórmula que irá perfilhar-se para realizar a actualização dos ganhos do funcionalismo, em função, pelo menos, do custo de vida, e a preferência pelos que estão em situação mais desfavorecida.
Quanto aos serventuários no activo, as remunerações presentes tiveram, como vimos, um acréscimo geral de 100 por muita em relação a 1930.
O aumento do custo da vida costuma aferir-se pelos índices de preços no consumidor. O último Boletim-Nacional do Instituto Nacional de Estatística, correspondente a Setembro do corrente ano, insere os seguintes índices ponderados dos preços de retalho em Lisboa, tomando por base (= 100) o período de Julho de 1938 a Junho de 1939 (32).

«Ver tabela na imagem»

vê-se claramente que neste conjunto de despesas - alimentação, combustíveis, iluminação, higiene - o agravamento do custo de 1938-1939 para cá foi da ordem dos 130 por cento.
O índice não considera outros gastos igualmente significativos para o cômputo em vista, por incidirem também sobre consumos primários como é o caso do vestuário e calçado, e da habitarão. Quanto àqueles é do conhecimento comum que a elevarão, dos preços se processou em medida não muito diferente da dos agrupamentos acima examinados.
No tocante à habitação, o citado Boletim Mensal fornece os índices de aumento das rendas de casa, na cidade de Lisboa, com base em Junho de 1949 (= 100), o qual revela, em Setembro último, um agravamento geral de 75,1 por cento com referência àquela base. E deve frisar-se que o agravamento é tanto mais acentuado quanto mais pequenas são as habitações, atingindo nas casas até três divisões a percentagem de 124,5 (33).
Cumpre ainda não subestimar aquelas circunstâncias a que certamente o Sr. Presidente do Conselho queria aludir quando falou nas «diferenças que se notam no próprio nível que a vida hoje tem».
Por outras palavras, pode dizer-se que, para além daquilo que se exprime na fórmula mais ou menos matemática dos índices de acréscimo do custo da vida, há toda uma evolução de hábitos e um constante acréscimo de necessidades por virtude rio desenvolvimento económico, do progresso social e do próprio ritmo da
existência, nos tempos actuais. Certos gastos e necessidades que hoje em dia o comum das pessoas considera essenciais eram tidos por supérfluos ou mesmo desconhecidos não há muitos anos atrás.
Todos estes Factores - e não apenas os expressos nas formulais estatísticas - assumem relevância numa apreciação justa, do agravamento das condições de vida, particularmente para o sector do funcionalismo público, dada a sua posição na hierarquia social.

47. A distribuição presente dos servidores do Estado pelas diversas categorias de vencimentos e o global dos encargos com as remunerações actuais constam do relatório da proposta e merecem mais algumas reflexões.
Assim, vê-se que o número global de servidores civis do Estado é de 103 788, aos quais só adicionam 26 334 assalariados, o que dá o total de 130 122.
As remunerações dos 103 788 agentes do serviço público distribuem-se assim:

(32) Boletim Mensal citado, p. 15.

(33) Boletim citado, p. 71.

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Este quadro confirma e documenta, por forma eloquente, o que atrás se disse a respeito da desfiguração que sofreu a pirâmide dos vencimentos de 1935 até agora. Foi-se acumulando o funcionalismo nas categorias inferiores, a ponto de os que auferem remuneração até 3.000$ representarem nada menos do 92,2 por cento do conjunto, ou seja a quase totalidade dos servidores do Estado!
No condicionalismo actual, e atentas as circunstâncias há pouco expostas, parece, pois, que toda aquela massa imponente de 95 000 funcionários deve considerar-se como estando em condições particularmente carecidas de revisão.
Dado o volume presente da procura interna - mais de 60 milhões de contos - as perspectivas do melhoria da taxa de acréscimo do produto nacional (supra, n.º 14), não será pecar por exagerado optimismo se se previr que a projectada revisão de remunerações não deve, em princípio, provocar consequências inflacionistas. Aliás, constitui necessidade imperiosa da indústria o do comércio o alargamento das possibilidades de laboração e escoamento dos seus produtos, o que logicamente aconselhará a manter e a não agravar os preços de venda, a fim de que as acrescidas disponibilidades monetárias do sector em causa possam efectivamente traduzir-se em maior capacidade de consumo.
Isto, sem embargo de deverem tomar-se, em matéria de preços, as medidas de prevenção e vigilância adequadas.

48. Põe-se agora o problema das possibilidades financeiras do erário público para ocorrer às prementes exigências que acabam de entrever-se.
O relatório ministerial cifra em 2 271 569 contos o custo total das remunerações aos serventuários do Estado.
A este montante deverão adicionar-se apenas as despesas com pessoal pagas pelo orçamento dos serviços autónomos e as relativas à participação do Estado nas instituições de previdência do funcionalismo (Caixa Geral de Aposentações e Montepio dos Servidores do Estado), dado ser de admitir, quanto a estas, que essa participação aumente em medida aproximada ao acréscimo das remunerações, sobretudo se as pensões actuais vierem a ser melhoradas. Não se considera o abono de família nem as pensões do Tesouro, cujos quantitativos não se prevê, ao menos por agora, que sofram modificação.
Alcança-se assim um encargo global de 2 928 709 contos ou, arredondando, 3 milhões de contos, a suportar pelas receitas ordinárias.
Quer dizer: cada 10 por cento de aumento nas remunerações implicarão um acréscimo da despesa pública da ordem dos 300 000 contos.
Este simples cálculo é bastante significativo a respeito do peso que a pretendida actualização de remunerações, em função, pelo menos, do custo de vida, irá assumir no orçamento do Estado.
O artigo da proposta ora em análise prevê se faça a aludida revisão das remunerações «dentro dos recursos disponíveis». E sem dúvida que é intento do Governo, como se deduz da própria letra do relatório ministerial, efectuar aquela revisão em toda a medida das disponibilidades do Tesouro.
Com esta convicção dá a Câmara por findo o seu comentário sobre o artigo 8.º da proposta. O Governo saberá certamente encontrar, para tão melindroso e instante problema, a melhor solução, que concilie as justas aspirações dos servidores do Estado com os superiores interesses do País.

§ 7.º

Saúde pública

ARTIGO 9.º

49. Nesta disposição reitera o Governo o seu propósito de continuar a dar preferência, na assistência na doença, ao desenvolvimento do programa de combate à tuberculose, inscrevendo no orçamento as verbas consideradas indispensáveis.
O artigo reproduz textualmente dispositivos idênticos das últimas duas leis de meios.
Nada tem a Câmara a acrescentar ao que a tal respeito deixou exposto em pareceres anteriores, renovando a sua plena concordância com o preceito em causa.
Os dados insertos no relatório ministerial, a propósito da forma como nos últimos doze anos se tem desenvolvido entre nós a luta antituberculosa, são eloquentes e não deixam margem a dúvidas a respeito dos altos-benefícios que para a Nação advieram do esforço realizado e sobre as garantias de progressiva eficiência na prevenção e tratamento daquela doença social.

§ 8.º

Investimento públicos

ARTIGO 10.º

50. Tem este preceito formulação decalcada nas duas últimas leis de autorização. A Câmara dá, pois, como reproduzidos neste lugar os comentários formulados nos respectivos pareceres, designadamente no relativo ao ano de 1957. Aliás, na parte geral do presente parecer ficou por igual expresso o ponto de vista da Câmara a respeito da política de investimentos prosseguida pelo Governo, em particular referência ao ano corrente e à execução prevista do II Plano da Fomento nos próximos seis anos.
Não inclui a proposta, à semelhança dos anos transactos, nenhuma especificação dos quantitativos a inscrever no orçamento para cada uma das alíneas incluídas no preceito. As verbas mais significativas seriam decerto as referentes à participação nos empreendimentos do Plano de Fomento durante o próximo ano. Aqui, porém, a omissão é perfeitamente justificada, sendo certo que, nos termos da base III n.º 2, do decreto da Assembleia Nacional sobre o Plano, o programa de financiamento para 1959 deverá ser aprovado pelo Conselho Económico até 31 de Dezembro de 1958, o tal aprovação ainda não se verificou.

51. No final da alínea a) deste artigo 10.º inscrevem-se, entre as obras de fomento económico, as respeitantes a «melhoramentos rurais e abastecimento de água».
No parecer desta Câmara sobre a lei de autorização vigente houve ensejo de chamar a atenção para a instante necessidade de dotar com mais largueza a respectiva verba, atendendo ao relevantíssimo interesse daquelas obras no campo da valorização regional e à gritante insuficiência da verba até então incluída no orçamento.
Teve a Câmara a satisfação de verificar que o seu apelo, a que se juntou o da Assembleia Nacional, foi tomado na consideração possível, pois a dotação para os melhoramentos subiu, no orçamento para 1958, de 40 000 para 60 000 contos, o que correspondeu a uma melhoria de 50 por cento.
Decerto que esta dotação continua ainda longe de ocorrer a grande número de faltas, e por isso a Câmara confiadamente espera que o Governo se disponha a acrescê-la em toda a medida das possibilidades.

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10 DE DEZEMBRO DE 1958 95

ARTIGO 11.º

52. Representa este artigo o desenvolvimento da inscrição feita na alínea b) do artigo precedente e reproduz disposições análogas das duas últimas leis de autorização.
Nada tem a Câmara a acrescentar senão que o empreendimento reveste o maior interesse nacional, sobretudo na conjuntura presente, em que o País cada vez mais carecido está de um escol de técnicos e investigadores que possam equacionar e dar realização prática à mole imensa de tarefas que o País tem à sua fronte nos anos vindouros.

ARTIGO 12.°

53. O único comentário que sugere este artigo - reproduzido das últimas leis de autorização - é o da necessidade, cada vez mais premente, de acelerar os trabalhos do cadastro geométrico, por forma a que o preceito possa desaparecer das leis de meios em futuro próximo.

§ 9.º

Política rural

ARTIGO 13.º

54. O conteúdo desta disposição vem sendo repetido desde a lei de receitas e despesas para 1956.
Nada tem, por isso, a Câmara a observar, senão que se lhe afigura, mais apropriada a expressão «povoações rurais» ou «meios rurais», em lugar de «aglomerados», termo que, além de pouco eufórico, reveste significação ambígua.
No tocante aos empréstimos aos corpos administrativos, a Câmara regista com agrado o que consta do relatório ministerial quanto às providências adoptadas em ordem a «impedir, por um lado, a excessiva concentração de pedidos no final do ano e, por outro, a dilação na realização dos contratos, uma vez autorizados os financiamentos» (31).
A semelhança do ano passado, inclui-se seguidamente o mapa sobre os contratos realizados entre a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e os corpos administrativos, com discriminação dos empreendimentos financiados e das verbas concedidas nos quatro últimos anos e até 31 de Outubro de 1958:

Empréstimos aos carpos administrativos

Contratos realizados

(Em contos)

«Ver tabela na imagem»

(34) Relatório, p. 77.

Interessa ainda conhecer o ritmo de utilização da verba votada pela Caixa Geral em 1958 para empréstimos àquelas entidades:

Empréstimos aos corpos administrativos

Utilização, até 31 de Outubro, da verba votada para 1958

(Em contos)

«Ver tabela na imagem»

(a) Pequena distribuição rural e urbana de energia eléctrica.
(b) Inclui 37 185 contos concedidos em 1957.

ARTIGO 14.º

55. Trata-se das dotações devidas às Casas do Povo, nos termos da legislação vigente.
Nada tem a Câmara a opor à disposição.

§ 10.º

Encargos dos serviços autónomos com receitas próprias e fundos especiais

ARTIGO 15.º

56. Dão-se aqui como reproduzidas as considerações formuladas sobre esta artigo 15.º na apreciação da proposta na generalidade, em virtude das quais se concluiu pela sua inadequação ao conteúdo da Lei de Meios e pela necessidade de o preceito passar a constar de diploma de carácter permanente.
Formula-se, pois, o voto de que não volte a ser inserido na próxima lei de autorização.

§ 11.º

Compromissos internacionais de ordem militar

ARTIGO 16.º

57. Nos termos deste artigo, pretende o Governo ser autorizado a elevar em mais 500 000 contos a importância fixada pela Lei de Meios para o ano corrente e destinada a satisfazer compromissos internacionais em matéria de defesa militar. Assim, a verba global de 2 500 000 contos deveria subir para 3 000 000 de contos.
Do relatório ministerial depreende-se que as disponibilidades para 1959 não vão além de 20 533 contos e que a média anual de gastos, entre 1952 e 1957, atingiu cerca de 350 000 contos.
Tomando por base esta cifra, aliás um tanto excedida, em 1958, pode afigurar-se que a elevação de 500 000 contos ultrapassa em medida apreciável as necessidades previsíveis para a gerência a que se destina a proposta de lei em exame. Note-se todavia, que se trata de uma verba-limite, e não pròpriamente uma estimativa, de gastos para o próximo ano.
Em todo o caso, porque não pôde a Câmara, dada a escassez de tempo, colher informes mais pormenorizados a respeito da necessidade da elevação proposta, confia no bom critério do Governo e não formula nenhuma sugestão concreta sobre a eventual modificação

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do preceito. Limita-se a acrescentar que os 500 000 contos de agravamento do dispêndio em cansa representam cerca de 8 por cento do total das despesas ordinárias constantes do orçamento geral do Estado para 1958.
A manter-se o conteúdo do artigo tal como vem na proposta, haverá que fazer uma pequena correcção gramatical: onde se lê «devendo 200:000.000$ do montante que resulta deste, aumento ser inscrito» deve ler-se: «Ser inscritos» para respeitar a sintaxe.

§ 12.º

Disposições especiais

ARTIGOS 17.º e 18.º

58. Conforme se acentuou na parte geral deste parecer (supra n.º 3.º), os preceitos destes artigos são de execução duradoura e nada parece justificar continuem a Ter acolhimento numa lei de meios.
Efectivamente, o artigo 14.º da Lei n.º 2038 refere-se à não aplicação de certos limites legais no arrendamento de casas para funcionários consulares em países onde se verifiquem condições anormais de natureza económica ou social.
O artigo 16.º da mesma lei respeita a projectos de arborização de serras e dunas, permitindo sejam elaborados com base em cartas existentes.
Por fim, o regime previsto no Decreto-Lei n.º 31 286, quanto às verbas para manutenção de forças militares no ultramar e protecção de refugiados, permite que a realização de despesas por conta daquelas verbas seja regulada por instruções dos respectivos Ministérios, com aprovação do Ministro das Finanças.
Afigura-se que nenhuma destas normas, quer pela matéria versada, quer, sobretudo, pela natureza permanente da sua execução, tem lugar adequado na Lei de Meios.
Por isso se sugere a conveniência de o assunto ser cuidadosamente revisto pelo Governo, em ordem a, na próxima proposta de lei de autorização, se poder encarar a não inclusão de semelhantes preceitos.

III

Conclusões

59. A Câmara Corporativa, tendo apreciado a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1959, e considerando que ela obedece aos preceitos constitucionais aplicáveis e corresponde às necessidades e condições prováveis da administração durante aquele ano, dá parecer favorável à sua aprovação, com as alterações seguintes, que na segunda parte deste parecer se fundamentam:
1) Eliminar os artigos 3.º e 7.º, bem como o título III «Funcionamento dos serviços».
2) Artigo 13.º - Substituir a expressão «aglomerados por povoações».
3) Dar nova numeração aos títulos e artigos de proposta, em consequência das eliminações a que se refere a alínea 1).

Palácio de S. Bento, 5 de Dezembro de 1958.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
Augusto Cancella de Abreu.
Fernando de Andrade Pires de Lima.
Guilherme Braga da Cruz.
Eugénio Queiró de Castro Caldas.
Francisco Pereira de Moura.
João Faria Lapa.
António Jorge Martins da Mota Veiga, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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