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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 73
ANO DE 1959 19 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 73, EM 18 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mº Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista
SUMARIO: - O Sr. Presidenta declarou aberta, a sessão às 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário dos Sessões n.º 72
Leu-se o expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Homem Ferreira, para agradecer o voto de pesar expresso pela Câmara em sessão anterior; Teixeira da Mota, que se referiu ao 90.º aniversario do almirante Gago Continha; Urgel Horta, para recordar a obra do industrial Manuel Pinto de Azevedo, ontem falecido; Ramiro Valadão, acerca do problema das comunicações marítimas e aéreas entre Lisboa e os Açores; Jorge Ferreira, que chamou a atenção do Governo para a situação aos regentes escolares; Bartolomeu Gromicho, sobre a situações dos funcionários reformados, e, novamente, Urgel Horta, acerca, do chamado «banco de olhos».
Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na generalidade da proposta, de lei sobre a nacionalidade portuguesa.
Usou da palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Finto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunhe.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
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João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Beis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Luís Fernandes.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 85 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 35 minutos.
ntes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 72.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer rectificação ao Diário, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários a apoiar as considerações do Sr. Deputado Vítor Galo sobre a situação dos guardas e regentes florestais.
Do tesoureiro proposto de Pampilhosa da Serra a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Nunes Barata acerca da situação dos tesoureiros propostos da Fazenda Pública.
De Eduardo Silva a apoiar as palavras do mesmo Sr. Deputado sobre a situação dos escrivães das execuções fiscais.
Carta
De vários guardas florestais a agradecer as palavras do Sr. Deputado Vítor Galo sobre a situação da classe a que pertencem.
Exposição
Do Sindicato Nacional dos Operários e Empregados da Indústria de Tabacos do Distrito do Porto acerca da situação do pessoal da indústria que representa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Homem Ferreira.
O Sr. Homem Ferreira: - Sr. Presidenta: pedi a palavra para agradecer profundamente a V. Ex.ª e à Câmara o voto de pesar aprovado na sessão do dia 13 do corrente mós a propósito do luto que me feriu.
Muito obrigado.
O Sr. Teixeira da Mota: - Sr. Presidente: ocorreu ontem o 90.º aniversário do nascimento do glorioso almirante Gago Coutinho.
Julgo que tal facto não deve passar despercebido desta Câmara. Com efeito, há aproximadamente um ano, no seguimento de um aviso prévio apresentado pelo Sr. Comodoro Sarmento Rodrigues, votou a Assembleia Nacional, por unanimidade, uma moção em que rendeu ao excelso português «preito da sua veneração, como o mais qualificado representante, na actualidade, das gerações de descobridores e cientistas que fizeram a grandeza de Portugal na sua missão civilizadora e humanitária, iniciada na era henriquina».
Exprimiu ainda a Assembleia o voto -que foi rapidamente atendido pelo Governo- de que o ínclito marinheiro-aviador fosse promovido ao posto de almirante. Três distintos Deputados fizeram então, em magistrais orações, o elogio da vida verdadeiramente única do grande almirante, apontando os inestimáveis e numerosos serviços que a Nação lhe deve.
Nada de novo poderiam as minhas apagadas palavras acrescentar, em factos ou em imagens, ao que então foi dito.
Por isso, evocando a homenagem prestada pela Assembleia Nacional, venho simplesmente regozijar-me pela passagem de mais um aniversário do ilustre almirante, que completou agora 90 anos. É motivo de especial agrado verificar-se que o seu espírito sempre vivo e ágil continua a ocupar-se superiormente dos problemas da história dos descobrimentos, no intento constante de reunir novas provas e novos factos que permitam estabelecer firmemente a magnitude da contribuição portuguesa.
Tão grande energia de espírito e tão devotado patriotismo são dignos da maior admiração e bem merecem ser apontados a todos como um elevado exemplo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: apenas duas palavras, muito simples, muito sinceras e muito sentidas, quero proferir neste instante, como homem do Porto e como Deputado da Nação.
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Impõe-se à minha inteligência e ao meu sentimento o dever indeclinável de prestar homenagem, bem ganha e bem merecida, à memória de nm homem bom, de estatura reconhecidamente grande, que o Porto acaba de perder.
E se o não fizesse, Sr. Presidente, cometeria um atentado contra aquilo que a minha consciência me dita e me impõe como obrigação a cumprir.
A cidade do Porto viveu hoje, como viveu ontem, horas de profunda tristeza e sentida amargura.
A morte de Manuel Pinto de Azevedo, que no meio social daquela cidade foi figura de grande destaque, abriu um grande vácuo, bem difícil de preencher. Obreiro infatigável de uma grande obra de acção eminentemente construtiva, trabalhando resolutamente pelo engrandecimento moral e material da sua terra, as palavras que lhe estou dedicando nada mais representam que o preito de justiça que lhe é inteiramente devido.
Grande lutador, de carácter integro e animo forte, atingiu, através do seu ordenado e generoso esforço, a mais alta posição nos sectores industriais e comerciais, onde o valor da sua actividade, da sua inteligência e da sua energia ficou eloquentemente demonstrado.
Espirito empreendedor, criou e desenvolveu empresas industriais da mais alta potencialidade no seu rendimento, que tanto e tão intensamente fizeram sentir os seus efeitos na vida económica da Nação.
Coração aberto a todas as manifestações de bondade e de amor pelo seu semelhante, estendeu a sua meritória protecção a quase todas as instituições de caridade e assistência que enxameiam o Porto, e em muitas, que activamente serviu, deixou vincadamente marcada a sua acção generosa, que será lembrada por muitas gerações.
Soube, como poucos, sacrificar muito dos seus interesses aos interesses da comunidade, pondo ao serviço da grei o seu valimento e mantendo com a sua reconhecida generosidade, as mais das vezes ocultamente, instituições humanitárias da mais alta benemerência.
Sr. Presidente: o varão ilustre que no cemitério da terra onde nasceu e à sombra da cruz que encima o campanário da igreja onde foi baptizado vai dormir o seu derradeiro sono é inteiramente digno de ser lembrado e homenageado pelo seu portuguesismo indefectível, revelado e demonstrado em múltiplas manifestações da sua inteligente, generosa e laboriosa actividade.
A Providência Divina, em seus altos desígnios, ter-lhe-á dado já o lugar que alcançou e mereceu pela prática das mais belas e mais nobres virtudes cristãs.
Eu, como humilde admirador de tão ínclito cidadão, rendendo o culto devido à memória de quem na vida foi exemplo que bem merece ser meditado e seguido, associo-me desta tribuna à grandiosa e eloquente homenagem de saudade e de respeito que o povo do Porto acaba de prestar-lhe sincera e comovidamente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ramiro Valadão: - Sr. Presidente: pedi hoje a palavra a fim de novamente solicitar a atenção do Governo para o problema das comunicações marítimas e aéreas entre Lisboa e o distrito de Angra do Heroísmo, pois, não obstante a reconhecida boa vontade de alguns sectores da Administração, permanece inalterável uma situação que profundamente aflige os povos das minhas ilhas.
Têm os portugueses que lá vivem e labutam confiança na acção dos homens que superiormente nos governam, designadamente na de quem foi o obreiro maior da renovação de um país que em suas próprias forças descria.
Inteira confiança depositam efectivamente as gentes das minhas ilhas na acção do Sr. Dr. Oliveira Salazar, confiança, aliás, resultante do imenso que lhe devem, na ordem regional como na nacional, o que lhes permite gritar, com plena sinceridade e total clareza, aquele «obrigado, Sr. Presidente» que para aí temos ultimamente ouvido mencionar, mas a que queremos acrescentar o voto de que Deus por muitos anos o proteja, para que a Nação continue servindo com a grandeza do seu génio singular.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-As sinceramente gratas gentes das minhas ilhas, que à Pátria nunca negaram -como é de sua primeira obrigação - todos os sacrifícios necessários, por minha voz manifestam a quem as pode e deve ouvir os vivos desejos de que sejam urgentemente melhoradas as comunicações marítimas e aéreas com Lisboa.
Na verdade, a existência do magnífico Aeroporto das Lajes, onde a todas as horas pousam os mais variados tipos de aviões, aconselha a sua utilização por uma das carreiras aéreas que estabelecem as ligações entre a Europa e a América do Norte. Como se sabe, essas aeronaves aterram no Aeroporto comercial de Santa Maria, donde pequeninos aviões transportam os passageiros três vezes por semana para a ilha Terceira e quase todos os dias para a ilha de S. Miguel, onde, infelizmente, não há ainda um aeroporto digno desse nome.
omo especialmente me refiro às comunicações com a ilha Terceira, assinalo os inconvenientes económicos e outros que advêm daquele transbordo, que obriga a uma demora em Santa Maria de, pelo menos, um dia, inconvenientes que seriam totalmente removidos se uma vez por semana um dos aviões que partem de Lisboa escalasse nas Lajes e o mesmo acontecesse na viagem de regresso.
Não refiro soluções ideais, como seriam as resultantes do estabelecimento de uma carreira dos Transportes Aéreos Portugueses para os Açores, pois penso que o facto de ainda não ter sido realizada só pode justificar-se por dificuldades de grande monta. Deixando a quem de direito o pleno equacionamento deste problema, limito-me a solicitar boa vontade e boa atenção para o que poderia ser resolvido apenas com esses requisitos. É que, às vezes, as pequeninas coisas têm tanta importância como as grandes e nem sempre os que mais pedem são os que mais têm razão.
A distância a que ficam as minhas ilhas atenua de algum modo a audição das suas ansiedades mais legítimas, e a serenidade do seu viver, a constância e lealdade do seu querer podem, às vezes, permitir que em segundo plano surja o que doutra maneira apareceria com maior vulto.
Por isso assinalo ao Governo esta urgente necessidade do meu distrito.
Sr. Presidente: outro e mais complexo problema preocupa gravemente a população do distrito de Angra: o das comunicações marítimas com Lisboa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Num ponto estão todos de acordo, e quando digo todos refiro-me aos departamentos do Estado encarregados do estudo da matéria, aos povos que sofrem as agruras de várias deficiências e até à empresa que explora as referidas carreiras-já lá vão não sei quantos anos. Na realidade, ninguém pode desconhecer que são manifestamente deficientes aquelas comunicações marítimas, não apenas no relativo ao conforto dos passageiros como quanto à conveniente celeridade dos barcos utilizados.
Ninguém tem dúvidas de que o velho vapor Lima está tão velho que até causa pasmo vê-lo ainda cruzar as
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águas revoltas do Atlântico Norte e todos estarão de acordo em que o Carvalho Araújo ainda que muito mais novo, já ultrapassou o viver normal dos barcos de passageiros.
A renovação da frota mercante nacional, de que tão justamente se orgulha o País e que foi levada a cabo por intervenção directa do Sr. Almirante Américo Tomás, quem a Nação rende justo respeito e vivo louvor...
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-... essa renovação - dizia eu - não atingiu a Empresa Insulana de Navegação, a não ser para a construção de pequenos barcos de cabotagem, cuja missão é a de ligar as ilhas entre si.
Diga-se, a propósito, que, apesar da crise que ameaça os estaleiros navais portugueses e da trágica circunstância de um desses barcos ter naufragado há meses, não se vê que seja prontamente substituído, conforme seria legitimo ambicionar.
Não tendo sido feita essa renovação no que essencialmente interessa aos Açores, surgem as explicações, que, mesmo onde forem exactas, apenas reafirmam a existência de dificuldades que importa remover.
Sei que a Junta Nacional da Marinha Mercante - a cuja acção presto justa homenagem - não tem descurado o problema, mas sei também quão baldados têm sido os seus esforços e não desconheço que a empresa exploradora afirma serem deficitárias as carreiras de que é concessionária. Sendo assim -se de facto assim for-, há que encarar uma solução nacional do problema, para quo, perante mais vastos horizontes, se alarguem as possibilidades de uma exploração que ao Estado cumpre regular nos termos convenientes.
O que não pode é ficar-se parado a aguardar por mu to mais tempo um milagre que é natural não se de, pois não podem alterar-se as actuais circunstâncias, a não ser por acção do Estado, que tem a seu cargo garantir a existência de carreiras de serviço público.
No relativo ao capítulo das comunicações marítimas para os Açores jam prata satia Uberunt e importa que, cora urgência, seja resolvido um problema que não pode continuar indefinidamente no plano de estudos, das sugestões, das dúvidas, das razões que a uns e outros cabem, pois tem de situar-se no plano das realidades nacionais.
E porque tanto tempo houve já de estudo, há-de ter-se pôr certo escolhido a sugestão melhor, banido as dúvidas mais salientes e seleccionado as razões mais profundas, para que muito breve se possa iniciar a construção dos barcos que hão-de estabelecer, em boas condições de conforto, rapidez e segurança, as comunicações marítimas entre as ilhas dos Açores e Lisboa - cabeça do Império.
Desta tribuna endereço ao Governo o mais vivo apelo nesse sentido.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Jorge Ferreira: - Sr. Presidente: ao jeito de apontamento, porque os apontamentos se lêem e retêm com maior facilidade do que os grandes textos, e em poucas palavras, porque em poucas palavras se pode dizer muito, levanto-me hoje para trazer a esta Assembleia um pedido que no domingo passado me foi feito por um grupo de senhoras do meu concelho - e em que termos ele me foi feito: Pela felicidade dos meus filhos o com as lágrimas nos olhos de muitas! - para que eu a esta Assembleia trouxesse uma palavra em seu favor.
Trata-se de funcionárias que há mais de vinte anos abnegada e zelosamente se vêm dedicando ao ensino primário. E o seu caso, o caso das regentes escolares.
Diziam-me elas: «Sr. Dr., quando em Portugal, felizmente, a grande maioria do funcionalismo público viu concretizadas as suas legítimas aspirações e agradece ao Governo a felicidade que levou aos seus lares, algumas parcelas desse funcionalismo - e vários casos já foram tratados nesta Assembleia - verificaram, com mágoa, que as suas situações não puderam ser devidamente vistas, compreendidas e solucionadas pelos governantes».
É o caso destas senhoras e de muitas centenas de regentes, escolares que, em igualdade de circunstancias, há mais de uma vintena de anos vêm desempenhando por esse País fora as suas funções com uma força de vontade, um cuidado e um carinho que, até certo ponto, compensam a falta do seu diploma das escolas do magistério primário.
Ufanam-se essas regentes de verem hoje os seus antigos alunos médicos, advogados, engenheiros distintos, o que, até certo ponto, demonstra que de alguma coisa lhes serviram as primeiras letras que lhes ensinaram.
O que é a sua vida, o esforço que sabemos que muitas delas fazem, tentando de todas as maneiras e o melhor que podem, ministrar aos seus pequenos alunos um mínimo de conhecimentos de que precisam e que as não envergonhe, calcorreando, debaixo de chuva ou de sol ardente, os caminhos poeirentos das nossas aldeias, para depois, e quantas vezes, chegarem a suas casas e terem de proceder a toda a lida caseira!
De uma sabemos nós que, depois de todos os seus afazeres diários como professora, tem ainda em sua casa de tratar do marido, de quem, sofredora mas dedicadamente, vem cuidando há perto de vinte anos, tantos são aqueles em que se encontra paralítico de pernas e braços, e que da cama, todos os dias, tem de ser transportado para uma cadeira de rodas e da cadeira de rodas para a cama.
Falamos neste caso porque estamos convencidos de que não é uma excepção e que uma grande parte, se não a grande maioria, das regentes escolares vive em situações, se não tão aflitivas como esta, pelo menos em situações bem delicadas também. Esta senhora não merece só que seja revista a sua situação, que é a de todas, de modo a tranquilizá-la quanto ao futuro. Esta senhora merecia até um monumento, como símbolo de virtudes da mulher portuguesa, que personifica.
As regentes escolares lamentam-se e lamentam-se tanto mais quanto é certo que vêem a sua posição em relação de inferioridade com a das serventes escolares!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nem sirva de argumento contra o que se espera desta minha intervenção o facto de se dizer que este sector do ensino está em vias de ser substituído por um corpo mais bem preparado e de modo a servir melhor a causa da instrução.
Há que ter em atenção que tais servidores há muitos anos já vêm contribuindo com certa eficiência e o melhor que podem para o combate à mancha negra do analfabetismo português.
Não sou mais extenso e aqui deixo este breve mas significativo apontamento, na certeza de que esta Assembleia se fará eco da justiça que o informa e que S. Exa., o Sr. Ministro, que tão sobejas provas tem dado de inteligência, de compreensão e de bondade, não deixará de o atender na medida do razoável.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: a chamada Lei de Meios, discutida em Dezembro último e aprovada em 15, que foi publicada com o n.º 2095, em 23 do mesmo mês, no seu artigo 8.º deu ao Governo as possibilidades de melhorar as remunerações do funcionalismo em activo serviço.
O Decreto-Lei, também de 23, com o n.º 42 046 estabeleceu as disposições que alteraram os quantitativos que estavam em vigor com o Decreto-Lei n.º 26115, de 1935, em relação ao quadro do artigo 12.º
As melhorias concedidas foram, como se sabe, aceites com aprazimento do funcionalismo e. do público em geral, o que veio demonstrar que as medidas tomadas o foram num plano e critério de sã justiça.
É, sobretudo, de destacar a subida de categoria dos engenheiros silvicultores, dos bibliotecários e, especialmente, do professorado primário.
Estes dois últimos casos bradavam ao céu pela injustiça social que significavam, e eu, na modéstia da minha voz de Deputado, bastas vezes me fiz eco dessas vozes lamentosas e aflitas. Fiat justitia et justitia facta est.
Ficou de parabéns o Governo pelas acertadas medidas em geral e pela justiça, afinal, reconhecida aos pioneiros da instrução pública, que são os professores do ensino primário, pedra angular da civilização.
Também a melhoria justiceira atingiu os bibliotecários, que estiveram anos em demasia relegados para uma situação deprimente e injusta.
Pelas medidas que o Decreto-Lei n.º 42 046 encerra o Governo conquistou jus ao respeito e à gratidão do funcionalismo.
Porém, tal como em 1943, quando do primeiro subsídio de 20 por cento ao funcionalismo no activo, assim agora a respeitável e numerosa classe dos reformados civis e militares ficou na zona negra do esquecimento. Será a sina do dito romano Vê victis? Mas os aposentados não são vencidos da vida, são antes vitoriosos de terem sobrevivido aos embates e às atribulações do seu longo labor ao serviço do Estado.
Se nem todos, quantos e quantos perderam a saúde e dedicaram a melhor da sua vida em meritórios e brilhantes serviços prestados à comunidade nacional!
Esquecidos, porque velhos e gastos?
Parece às vezes que os povos latinos, tidos como sentimentais, o que quer dizer gente de coração, em certos casos, e até neste concreto, tomam a dureza e a crueldade dos esquimós e outros povos que desprezam e abandonam os velhos à sua triste sorte de carga inútil e indesejável.
É que a velhice tem os seus direitos e até encargos. E é nesta fase de morte moral, quase sempre de doença e desalento, que a comunidade nova e activa os esquece, sem ao meãos ao seu espírito assomar a ideia de que esse destino é o deles e de todos que não são surpreendidos cedo pela morte que os espreita.
Também desta vez o Governo se esqueceu de enfrentar a situação, para muitos desesperada, dos que foram seus servidores dedicados e necessitam de amparo e têm igualmente o natural direito de viver na decência humanamente suficiente.
Sei, sabemos todos que o problema da melhoria de pensões aos aposentados e pensionistas de montepios, etc., é de difícil solução, pelo elevado montante de encargos que acarreta.
Não foi possível desbravar o terreno das dificuldades quanto ao aumento do funcionalismo? E não foi, por fim, tão feliz a solução, que há poucos anos parecia inatingível?
É provável que o estudo aturado e criterioso da situação dos aposentados e pensionistas traga a solução que a justiça impõe.
É esta a décima primeira intervenção em que, em vários anos e diferentes legislaturas, abordo este tema dos aposentados. Inúmeras vezes chamei a atenção de quem de direito para ò absurdo do § único do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 26 503, que tantos anos de serviço tem feito perder a funcionários que pagaram as suas quotas em dia e não requereram a contagem dentro do prazo dos cento e oitenta dias. Só era admissível que fosse necessário requerer dentro do citado prazo quando não tivesse havido pagamento de quotas.
Mas todo o serviço referente a períodos em diferentes situações, desde que houvesse, desconto de quotas para aposentação, devia ser contado na altura em que o interessado viesse a requerer a aposentação.
Também haveria que considerar o caso dos oficiais do Exército e da Marinha que na reserva são chamados ao serviço. Segundo julgo saber, estes funcionários militares continuam a receber a pensão e qualquer pequena gratificação, que os coloca na posição exautorante de receberem menos do que oficiais de patente inferior do activo no mesmo serviço. Porque não passam a receber o soldo normal os oficiais na reserva chamados a serviço?
Para terminar, quero referir-me, Sr. Presidente, à situação dos inválidos de guerra, especialmente da primeira guerra mundial. A oficiais distintos, inválidos por gaseamento e outros motivos, foram-lhes atribuídas certas pensões, que, apesar de pequenas melhorias, continuam desactualizadas.
O Código de Inválidos de Guerra Decreto n.º 16 443, de 1929) deu aos inválidos 100 por cento o direito de promoção, tal como se estivessem nas fileiras.
Depois de mil novecentos e trinta e tal, o Código de Inválidos foi suspenso, destruindo-se toda a pirâmide de benefícios e especialmente o direito de promoção, que era visivelmente uma forma justa de diuturnidade e de consolação moral para quem sacrificou a saúde e alegria de viver em holocausto aos imperativos da Nação.
Ao Sr. Ministro do Exército me permito chamar a atenção para este caso de ingratidão nacional para com os pobres e decepcionados inválidos de guerra!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: vou mais uma vez tratar perante V. Ex.ª e perante a Câmara, que generosamente espero me ouça, um problema que, por formação moral e profissional, vem prendendo a minha atenção de médico.
A criação de um banco de olhos é uma necessidade premente da assistência médica e social, como eloquentemente está demonstrado.
Exigem-no os doentes de olhos, em número de muitos milhares, aos quais as queratoplastias, os enxertos, poderão restituir visão compatível com uma valiosa independência económica, e impõe-no o próprio brio de nação civilizada.
Portugal dispõe, presentemente, de uma plêiade de médicos oftalmologistas de reputado valor e competência, suficientemente aptos a realizar tão simples operação, dentro da melhor técnica e com a eficiência desejada. É forte motivo de censura o não ter sido permitido até agora, dentro da legalidade, o proceder a enxertos de córnea, tendo de recorrer-se a clinicas estrangeiras, as mais das vezes com sacrifícios de toda a ordem, para os executar.
A criação de um banco de olhos é tarefa que se impõe, e hoje aqui levanto novamente a minha voz para afirmar que Portugal necessita urgentemente de resolver
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problema de tão alta magnitude e gravidade. Mas não é bastante criar unicamente um banco de olhos. Em múltiplas situações, algumas de extrema urgência, homoplastias realizadas com pele, ossos ou vasos tirados do cadáver dão garantias de sucesso no tratamento de afecções cutâneas, ósseas, vasculares e tantas outras. O interesse nacional aconselha a criação de condições que tornem possíveis as intervenções plásticas, não só em olhos, mas também em diversos sectores do corpo humano.
Para tanto, bastaria substituir o banco de olhos por banco de órgãos, o que se realizaria com um ligeiro aumento de despesa, bem retribuída pelos benefícios que iria proporcionar. Assim se satisfariam necessidades existentes noutros capítulos da terapêutica cirúrgica e criar-se-ia um organismo de maior projecção e actividade médica, com reconhecida interesse nacional.
Evidentemente que, atendendo à grandeza e à sua utilidade, a organização de um banco de órgãos seria de aconselhar, visto desempenhar ao mesmo tempo outras funções, além das inerentes ao banco de olhos. Para mais, as técnicas e o equipamento necessários à conservação dos olhos e do material para plastias são sensivelmente os mesmos, não possuindo as instalações muito maior extensão, nem sendo preciso pessoal em muito maior número.
Em tais circunstancias, quer pelo volume dos pedidos que haveria a atender, quer pela urgência de que se poderiam revestir e que de outro modo não poderiam ser satisfeitos, deveriam criar-se três bancos de órgãos nas três cidades universitárias, dentro dos seus hospitais gerais, competindo atender as requisições de material para plastias na área correspondente à secção da Ordem dos Médicos onde se situam os respectivos hospitais.
Aqui deixo a ideia, e passo agora a ocupar-me especificamente do banco de olhos, que deverá obedecer a duas finalidades, constituindo um organismo capaz de desempenhar, como lhe compete, funções de assistência médica e de investigação científica. Não pode negar-se-lhe esta dupla finalidade, proporcionando aos investigadores os meios necessários para o progresso de conhecimentos no campo da oftalmologia. No campo da assistência, competirá ao banco de olhos fornecer aos oftalmologistas portugueses, em condições próprias, olhos ou fragmentos destes tirados de cadáveres ou recolhidos de acidentados ou não, de modo a serem utilizados no tratamento de diferentes afecções oculares.
Também lhe competirá a colheita, conservação e distribuição dos olhos para enxertos. A sua colheita reveste-se da maior dificuldade entre nós, não pelo que se refere às exigências técnicas que lhe são inerentes, mas pelas condições ligadas às fontes de aprovisionamento a que o banco terá de lançar mão.
Os olhos só poderão vir de duas origens: do cadáver e do vivo. No caso do cadáver, a colheita dos olhos terá de ser condicionada pela resolução de um duplo problema: quais os cadáveres e em que condições a colheita poderá ser efectuada, o que é o mesmo dizer que se torna necessário esclarecer quais os cadáveres em que poderão ser colhidos os olhos, qual o momento próprio para a enucleação ser autorizada e quais as formalidades medico- legais que haja de cumprir-se.
Em alguns países a oferta dos olhos, satisfeitas certas condições legais, é suficiente para garantir o normal funcionamento dos bancos de olhos. Aqui, e nas condições presentes, é quase certo que este meio de obtenção não surta igual efeito, havendo que adoptar outros recursos. Em tais circunstâncias, o recrutamento dos dadores terá de fazer-se nos hospitais, entre os internados cujo estado clinico ao mesmo tempo permita supor curta sobrevivência e dê garantias de inocuidade às futuras plastias. Cria-se assim a necessidade de organizar uma colaboração efectiva entre as enfermarias de um ou vários hospitais e o banco de olhos, estabelecendo regras a fim de poder realizar-se dentro dos preceitos da técnica e da medicina indicados pelos conselhos médico-legais a escolha dos olhos.
Seria aconselhável que todas as enfermarias, exceptuando os casos especiais das enfermarias destinadas a doenças contagiosas e a outras doenças de alta gravidade, fossem obrigadas a dar ao banco de olhos informações clínicas atinentes a possibilitar a aquisição de olhos. Para tal fim os doentes, e no seu impedimento os familiares que os acompanham, deveriam declarar, verbalmente ou por escrito, dando aspecto legal a essas declarações, o consentimento da utilização dos olhos pelo banco, se assim o entendessem.
Este caso e tantos outros, que revestem um aspecto médico-social que tem de resolver-se, pela sua grande importância, só providências legislativas em diploma especial poderão solucioná-los, aproveitando o exemplo que nos é dado por muitas das nações da mais adiantada civilização.
Para prover às necessidades da assistência clinica e da investigação científica, é, sob o aspecto técnico, bastante simples a conservação dos olhos, já porque o instrumental não é excessivamente caro, o espaço necessário para a sua instalação é reduzido e o pessoal não é numeroso.
Todos os serviços de oftalmologia, pelos seus directores, e individualmente qualquer oftalmologista deverão ter qualificação suficiente para requisitar ao banco o material necessário às respectivas clínicas, devendo as requisições ser acompanhadas da identidade dos doentes e da descrição sumária das afecções a que o material se destina.
Ao lado da formação médica caberá uma função cientifica, compreendendo, não só os estudos tendentes à melhoria dos resultados das plastias, mas ainda as investigações contributivas do aperfeiçoamento de conhecimentos da patologia oftalmológica.
Tudo quanto acabo de expor é um rudimento muito sucinto do que na Assembleia Nacional me propus dizer, visto não ser lugar próprio para uma larga exposição de assunto que compete às sociedades das ciências médicas. O que afirmei é nem mais nem menos que o preâmbulo da organização do banco de olhos, feito à luz dos meus conhecimentos técnicos da questão e da responsabilidade que me cabe, quer como elemento da classe médica, quer como Deputado da Nação, cujo mandato me impõe obrigações e deveres, a que não pretendo fugir, dando-lhe inteira responsabilidade.
Sr. Presidente: existem entre nós algumas dezenas de milhares de indivíduos que beneficiariam extraordinariamente com os enxertos da córnea, admitindo que só uma certa percentagem de doentes a eles recorra.
Atendendo a várias circunstâncias, parece-me que um único banco de olhos daria satisfação às necessidades do continente português.
Somos um país de reduzidas dimensões e que presentemente dispõe dos méis de comunicação suficientes para o transporte rápido e em boas condições do material para as plastias destinado a qualquer centro cirúrgico especializado. Depois torna-se mais económico existir um só banco de olhos, rigorosamente equipado, que dois ou três que o não estejam. Entendemos, porém, que o banco de olhos criado numa das três cidades universitárias, dispondo de delegações nas outras duas, anexas aos grandes hospitais, onde aquele banco de olhos teria pessoal próprio e estas lhe seriam subordinadas, dentro de uma hierarquia .compatível com uma liberdade de acção que não inferiorizasse o seu rendimento,
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seria suficiente para resolver problema de tanta actualidade.
Fica, porém, sem resolução o problema das querato-plastias nas províncias ultramarinas, havendo conveniência na criação imediata de bancos de olhos em Luanda e em Lourenço Marques, motivo de preocupação já enunciado pelos médicos oftalmologistas do ultramar. O banco de olhos, integrado no plano nacional de assistência, ficaria sob o domínio do Ministério da Saúde e Assistência, deste recebendo as normas da sua orientação.
O pessoal poderia ter, em minha opinião e baseado nos meus conhecimentos técnicos de médico oftalmologista exercendo a sua actividade há trinta e oito anos, a seguinte composição:
Um director, escolhido entre os oftalmologistas portugueses de reconhecido mérito; Dois assistentes, médicos oftalmologistas; Um preparador; Dois serventes.
Todo este pessoal seria remunerado por gratificações.
As delegações seriam constituídas por dois oftalmologistas, devendo um deles assumir a sua chefia.
Estas palavras não representam mais que um alvitre, pois caberá ao Ministro da Saúde e Assistência a formação dos seus quadros.
Tudo quanto acabo de expor se poderia aplicar ao banco de órgãos, do qual se colheriam mais vantajosos resultados na complexidade da sua meritória actividade perante as necessidades populacionais.
Sr. Presidente: os esclarecimento que acabo de trazer à Assembleia Nacional, onde alguns dos seus membros pertencem a classe médica, pareceram-me suficientemente justificativos da fundação do banco de olhos, cuja falta, reputada como grave, tanto se faz sentir.
Espero e confio em que o projecto que dentro de dias vou ter a honra de apresentar à Assembleia Nacional dará solução a uma medida que se impõe pelo seu extraordinário alcance social, concorrendo para a recuperação de alguns milhares de indivíduos que a cegueira lançou na escuridão.
Sr. Presidente: reconhecidamente agradeço a V. Ex.ª e à Câmara a atenção que dispensaram às considerações que acabo de fazer.
Espero que o problema terá pronta solução - forte motivo de regozijo para os cegos, que, através da queratoplastia, se podem transformar em elementos extremamente úteis a sociedade e à Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade a proposta de lei sobre a nacionalidade portuguesa. Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.
O Sr. Alberto de Araújo: -Sr. Presidente: está presente à apreciação da Assembleia Nacional a proposta de lei sobre a nacionalidade portuguesa em que se transformou o projecto de decreto-lei n.º 500, depois de ouvida a Câmara Corporativa.
Compreende-se o propósito do Governo de regular esta importante matéria.
Numerosos problemas de direito público e de direito privado estão ligados à determinação da nacionalidade, dada a diversidade do regime jurídico aplicável a nacionais e estrangeiros.
No domínio do direito público, é vedado aos estrangeiros o exercício de direitos e o acesso a funções que razões de Estado aconselham só poderem ser atribuídos ti nacionais. No campo .do direito privado, torna-se necessário, frequentemente, averiguar a nacionalidade dos indivíduos para determinar a lei aplicável.
O problema reveste interesse especial no direito português, em que tudo quanto respeita ao estado e à capacidade das pessoas é regulado pela lei nacional do sujeito da relação jurídica. E o mesmo se passa em outros e importantes sectores do nosso direito privado, como seja no instituto das sucessões.
O desenrolar da vida moderna tem dado acuidade e importância crescentes a este problema da nacionalidade e aos aspectos novos que tem revestido.
Como já se escreveu, a nacionalidade existe desde que existe o próprio Estado, porque em todas as épocas a história os Estados, qualquer que fosse a sua forma de governo, tiveram sempre uma base formada pela sua população. Mas foi somente no século XVIII e no começo do século XIX que a nacionalidade foi objecto de uma legislação detalhada e que adquiriu a importância que tem nos sistemas jurídicos modernos.
Aboliram-se nessa época as barreiras que dividiam em grupos a população de um Estado, introduziu-se em numerosos países o serviço militar obrigatório, a Revolução Francesa fez participar os cidadãos no Poder Legislativo e o exercício de direitos políticos chamou a atenção de governantes e juristas para os problemas da nacionalidade, dados os efeitos jurídicos que resultavam da qualidade de membro ou súbdito de um determinado Estado.
Por outro lado, as doutrinas do liberalismo económico e a abolição de barreiras territoriais deram origem & formação de correntes emigratórias, que os progressos da técnica e as facilidades de transporte impulsionaram depois, permitindo a deslocação de importantes massas da população europeia para as terras prometedoras o atraentes de além-mar.
Todos estes fenómenos políticos e sociais se repercutiam no problema da nacionalidade.
Finalmente, e como escreveu um jurista eminente, o grande movimento político baseado sobre o principio das nacionalidades, no sentido étnico da palavra, contribuiu também para a evolução da legislação sobre a aquisição e a perda da nacionalidade, porque esta legislação contribuía para a regulamentação do estatuto jurídico da nação, considerada como o próprio fundamento do Estado. '
A nacionalidade passou a ser assim objecto de uma regulamentação legislativa própria.
De principio foi apenas regulada como condição para o exercício de certos direitos. É nas constituições políticas que aparece nesta primeira modalidade. Como condição para o pleno gozo dos direitos civis, é nos códigos civis que se encontra a matéria referente à aquisição e à perda da nacionalidade. Só mais tarde se deu um carácter autónomo aos diplomas reguladores desta matéria.
A regulamentação da nacionalidade em França no fim do século XVIII e no começo do século XIX, nas suas duas formas - a regulamentação constitucional e a regulamentação no Código Civil - teve decisiva influencia em numerosos- países.
Na Península, já a Constituição espanhola de 1812 se ocupava da aquisição e perda da nacionalidade, o mesmo acontecendo em Portugal com a Constituição de 23 de
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Setembro de 1822, seguidas, depois, pela maioria das Constituições sul-americanas. O mesmo se deu com as disposições sobre nacionali.
Velhas de quase um século, são ainda hoje admiráveis pelo ordenamento, clareza, redacção e conteúdo as regras que em matéria de nacionalidade se contêm no
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nacionalidade portuguesa se não adquire, pelo casamento, a nacionalidade do seu marido (artigo 22.º, n.º 4.º) e a naturalização em pais estrangeiro de português casado com portuguesa não implica necessariamente a perda da qualidade de cidadão português em relação à mulher (§ 1.º do n.º 4.º do artigo 22.º).
Inovação importante em matéria de nacionalidade contida na proposta é a faculdade dada ao Governo para, afora, de uma maneira geral, os casos de atribuição - mas mesmo nalguns casos de atribuição-, poder-se opor à concessão de nacionalidade a indivíduos que preencham, para esse efeito, os requisitos necessários. . Pelas bases IV e V da proposta os filhos de pai português ou de mãe portuguesa, mas de pai apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito, nascidos no estrangeiro são considerados portugueses desde que declarem que o querem ser ou que tenham o nascimento inscrito no registo civil português ou ainda que estabelecerem domicilio voluntário em território português e assim o declararem perante a entidade competente.
Apesar de, por efeito da vontade, declarada ou presumida, ser atribuída aos indivíduos que satisfaçam a qualquer destes requisitos a nacionalidade portuguesa, o Governo pode opor-se a essa atribuição desde que os indivíduos que se encontrem nessas condições tenham . praticado em favor de Estado estrangeiro actos contrários à segurança do Estado português, cometido crime a que nos termos da nossa lei corresponda pena maior, exercido funções públicas de Estado estrangeiro ou haverem nele prestado serviço militar e ainda terem mais de duas gerações de ascendentes imediatos nascidos no estrangeiro e não conhecerem suficientemente a língua portuguesa.
Pêlos três primeiros fundamentos pode o Governo opor-se à aquisição e reaquisição de nacionalidade portuguesa, e, no caso de a aquisição provir de casamento opor-se com fundamento na expulsão do Pais anterior a este acto. Oposição pode ser deduzida se, no caso de reclamação da declaração feita na menoridade pelo representante legal, o representante houver manifestado expressamente, depois da maioridade, a vontade de seguir a nacionalidade estrangeira.
Matéria nova, ela tem larga justificação na necessidade de salvaguardar, na ordem interna e externa, os mais altos interesses do Estado. A coberto das facilidades que a lei confere em matéria de atribuição, aquisição e reaquisição da nacionalidade, não podemos deixar que façam parte da Nação indivíduos que não sintam os mais legítimos anseios da colectividade portuguesa ou que pretendam usar os seus direitos de cidadania para se colocarem ao serviço de ambições ou interesses estranhos.
Quando graves perigos ameaçam os países do Ocidente - esses países que fizeram e construíram um mundo novo , são de louvar todas as providências que se tomem para preservar a homogeneidade do agregado nacional, fazendo dos Portugueses, sem excepção, guardas vigilantes e conscientes de um património material e moral que a todos cumpre conservar e defender.
Pêlos princípios que encerra, pelos problemas que resolve por via legislativa, pela sistematização dos assuntos, afigura-se-nos ser de aprovar na generalidade a proposta de lei- em discussão. E merece-o ainda por uma outra inovação que contém em matéria de nacionalidade.
Queremos referir-nos à base XVII da proposta, que resulta fundamentalmente do parecer da Camará Corporativa e segundo a qual o Governo, quando o considerar justo e oportuno, poderá conceder a nacionalidade portuguesa a pessoas pertencentes a comunidades que a si próprias se atribuem ascendência portuguesa e manifestem vontade de se integrar na ordem social e política nacional.
Em muitos pontos da Terra existem efectivamente grupos e comunidades descendentes de gente que aqui nasceu ou ligados a Portugal pelo sangue e pela língua, pela religião ou pela cultura. São marcos vivos dispersos pelo mundo, a atestarem a grandeza do nosso passado e como se afeiçoaram a nós os povos que nos conheceram. Passaram muitas vezes por eles ondas sucessivas de dominadores, as grandes correntes do tráfego e do comércio, passaram os anos e os séculos, a história, na diversidade dos seus acontecimentos e episódios, e esses núcleos e comunidades permaneceram firme e inalteravelmente fiéis ao espirito e ao génio da antiga e gloriosa nação lusitana.
È justo, Srs. Deputados, que se lhes dê, nas nossas leis, o lugar que têm no nosso reconhecimento e no nosso coração.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: -Vou encerrar a sessão. A próxima . será na sexta-feira, dia 20 do corrente, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Convoco as Comissões de Economia e de Política e Administração Geral e Local para .se reunirem amanhã, às 15 horas e 30 minutos, a fim de se ocuparem da proposta de lei sobre o fomento piscícola nas águas interiores do Pais.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Sr. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
César Henrique Moreira Baptista.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Jorge Pereira Jardim.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DB LISBOA
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intervenção de órgãos de soberania nacional aos quais cumpre apreciar uns e outros: a Administração e os tribunais.
E porque os tribunais administrativos, à face da actual Constituição Política, também são órgãos realizadores da função judicial, sugeria então a Câmara Corporativa que ao Ministro da Justiça fosse dada competência para resolver os problemas da nacionalidade, com recurso para o Supremo Tribunal Administrativo. Foi essa orientação que veio a prevalecer e que a actual proposta novamente consagra.
Sr. Presidente: lendo a proposta em discussão, que contém cinquenta e três bases, a regulamentar oportunamente, e comparado o conjunto das suas disposições com os preceitos do Código Civil, pode avaliar-se da importância e da complexidade de que se revestem hoje os assuntos referentes à nacionalidade.
Mas a proposta não se limita a actualizar a matéria, em pô-la de acordo com a doutrina e com os pareceres dos órgãos consultivos do Ministério da Justiça. Introduz princípios novos, alguns dos quais não queremos deixar de assinalar especialmente.
Assim, era regra consignada no Código Civil que adquiria a nacionalidade portuguesa a mulher estrangeira que casasse com cidadão português; em contrapartida, de uma maneira geral, perdia a nacionalidade a mulher portuguesa que casasse com cidadão estrangeiro.
Este problema do carácter individual ou familiar das regras da nacionalidade tem sido motivo de largo debate na doutrina. Numerosos autores e tratadistas defendem a unidade da nacionalidade da família - ou seja do marido, da mulher e dos filhos menores -, com o fundamento de que, constituindo a família um todo, um agrupamento natural e legal, ao mesmo tempo, todos os seus membros devem estar sujeitos ao mesmo regime.
Sendo o marido o chefe da sociedade familiar, é natural que a sua nacionalidade se imponha aos outros membros da família. Além disso, a tendência geral é para a mulher e os filhos adquirirem a mentalidade, os sentimentos e as ideias do marido e do pai. A outorga da nacionalidade não faz mais que consagrar e traduzir, portanto, um estado de facto. A coesão familiar supõe uma só nacionalidade.
Segundo estes autores, a unidade de nacionalidade tem consideráveis vantagens práticas-, assegurando o mesmo estatuto pessoal aos membros de uma família nas legislações - e é o caso da nossa - quê fazem reger esse estatuto pela lei nacional dos interessados. Evitam-se assim conflitos difíceis de resolver entre a lei do marido e a lei da mulher e todas as querelas e discussões, que são sempre fonte de divisão e discórdia e que por vezes afectam gravemente os próprios vínculos familiares.
Os interesses do Estado são, enfim, salvaguardados - como se refere na súmula de doutrinas que estamos reproduzindo - por uma solução que, tanto quanto possível, cria- famílias nacionais, realiza a absorção de corpos sociais vivos, e não somente de indivíduos isolados, reforçando, pela sua coexistência, os sentimentos patrióticos.
Os partidários do sistema oposto, que se pode chamar o sistema da personalidade da nacionalidade, argumentam que a unidade absoluta e permanente de nacionalidade é praticamente irrealizável. E, embora admitindo que o interesse do Estado seja, por vezes, no sentido da unidade de nacionalidade familiar, afirmam que uma aquisição automática ou colectiva de nacionalidade, com redução ou supressão completa da intervenção do Estado, pode importar sérios inconvenientes e trazer, por vezes, para o seio da nação pessoas indesejáveis.
Para estes autores, os poderes resultantes das duas instituições jurídicas do poder marital e do poder paternal têm sido notavelmente enfraquecidos e é cada vez mais fiscalizado o seu exercício. Os indivíduos sujeitos a estes poderes têm-se gradualmente emancipado deles, e, dentro da família, afirmam-se e desenvolvem-se as vidas individuais e as autonomias pessoais.
Nesta orientação, a nacionalidade é o vínculo jurídico que liga o indivíduo ao Estado e pelo qual este afirma o seu poder e impõe uma sujeição; mas é também, e sobretudo, uma comunidade de aspirações, uma vida espiritual, uma questão de consciência. Nesse sentido não pode ser senão individual.
Se quanto à nacionalidade da mulher que casa são diferentes as soluções da doutrina, muito diversas são também as soluções adoptadas nos sistemas legislativos.
Em muitos países - é o caso do nosso - a mulher segue, em regra, a nacionalidade do marido. Mas noutros, como na Inglaterra, a mulher que casa com um cidadão desse país só adquire a nacionalidade do marido se o pedir.
Noutros países o casamento é, quanto à nacionalidade da mulher, um facto puramente irrelevante. É, por exemplo, o caso da União Soviética, onde, segundo a lei de nacionalidade de 1935, o casamento de um cidadão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas com uma mulher que não seja cidadã da União não importa nenhuma modificação de nacionalidade.
Há nesta matéria sistemas curiosos: assim, por exemplo, na China, quando uma estrangeira casa com um chinês, adquire a nacionalidade deste, salvo se não perder a sua nacionalidade de origem. Mas uma chinesa que. casa com um estrangeiro só perde a sua nacionalidade originária se pedir e obtiver a respectiva autorização do Ministério do Interior.
Na Argentina, e segundo uma lei de 18G9, um estrangeiro que casa com uma argentina é considerado cidadão daquele país por naturalização e em diversos países a mulher que casa com um estrangeiro não perde a sua nacionalidade de origem.
O autor da proposta de lei sobre a nacionalidade, colocado perante soluções tão diversas da doutrina e do direito positivo, manteve-se fiel ao pensamento e às disposições fundamentais do Código Civil. Mas introduziu-lhe uma inovação importante: permitiu à mulher estrangeira que casa com português conservar a sua nacionalidade, provando que não a perde à face da legislação do seu país. E, na lógica da solução adoptada, deu à mulher portuguesa que casa com um estrangeiro a faculdade de conservar a sua própria nacionalidade.
A legislação francesa adopta uma solução só em parte semelhante à da proposta. Assim, pelos artigos 38.º e 94.º do Código de Nacionalidade daquele país, a mulher estrangeira, no caso em que a sua lei nacional lhe permite conservar a sua nacionalidade, tem a faculdade de declarar anteriormente à celebração do casamento que declina a qualidade de francesa.
Mas quanto à mulher francesa que casa com estrangeiro conserva a nacionalidade francesa, a hão ser que declare antes do casamento que a repudia.
O Sr. Ministro da Justiça, com a clareza de estilo que lhe é peculiar, justifica a razão das inovações que introduz nesta matéria, baseadas no legitimo e compreensível desejo que a mulher pode ter de continuar adstrita ao vinculo que a prendia à Mãe-Pátria.
O próprio Ministro reconhece que as soluções adoptadas padecem, sem dúvida, do ponderoso inconveniente de criarem nalguns casos uma dualidade de leis pessoais dentro da sociedade conjugal. Mas tem, em compensação, a vantagem de respeitar a vontade individual, num domínio que transcende os interesses da própria família.
De resto, o Código Civil admitia já excepções à regra de unidade de nacionalidade da família. Assim, a mulher portuguesa que casa com um estrangeiro conserva a
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nacionalidade portuguesa se não adquire, pelo casamento, a nacionalidade do seu marido (artigo 22.º, n.º 4.º) e a naturalização em país estrangeiro de português casado com portuguesa não implica necessariamente a perda da qualidade de cidadão português em relação à mulher (§ 1.º do n.º 4.º do artigo 22.º).
Inovação importante em matéria de nacionalidade contida na proposta é a faculdade dada ao Governo para, afora, de uma maneira geral, os casos de atribuição - mas mesmo nalguns casos de atribuição -, poder-se opor à concessão de nacionalidade a indivíduos que preencham, para esse efeito, os requisitos necessários.
Pelas bases IV e V da proposta os filhos de pai português ou de mãe portuguesa, mas de pai apátrida, de nacionalidade desconhecida ou incógnito, nascidos no estrangeiro são considerados portugueses desde que declarem que o querem ser ou que tenham o nascimento inscrito no registo civil português ou ainda que estabelecerem domicílio voluntário em território português e assim o declararem perante a entidade competente.
Apesar de, por efeito da vontade, declarada ou presumida, ser atribuída aos indivíduos que satisfaçam a qualquer destes requisitos a nacionalidade portuguesa, ò Governo pode opor-se a essa atribuição desde que os indivíduos que se encontrem nessas condições tenham praticado em favor de Estado estrangeiro actos contrários à segurança do Estado, português, cometido crime a que nos termos da nossa lei corresponda pena maior, exercido funções públicas de Estado estrangeiro ou haverem nele prestado serviço militar e ainda terem mais de duas gerações de ascendentes imediatos nascidos no estrangeiro e não conhecerem suficientemente a língua portuguesa.
Pelos três primeiros fundamentos pode o Governo opor-se à aquisição e reaquisição de nacionalidade portuguesa, e, no caso de a aquisição provir de casamento opor-se com fundamento na expulsão do País anterior a este acto. Oposição pode ser deduzida se, no caso de reclamação da declaração feita na menoridade pelo representante legal, o representante houver manifestado expressamente, depois da maioridade, a vontade de seguir a nacionalidade estrangeira.
Matéria nova, ela tem larga justificação na necessidade de salvaguardar, na ordem interna e externa, os mais altos interesses do Estado. A coberto das facilidades que a lei confere em matéria de atribuição, aquisição e reaquisição da nacionalidade, não podemos deixar que façam parte da Nação indivíduos que não sintam os mais legítimos anseios da colectividade portuguesa ou que pretendam usar os seus direitos de cidadania para se colocarem ao serviço de ambições ou interesses estranhos.
Quando graves perigos ameaçam os países do Ocidente - esses países que fizeram e construíram um mundo novo -, são de louvar todas as providências que se tomem para preservar a homogeneidade do agregado nacional, fazendo dos Portugueses, sem excepção, guardas vigilantes e conscientes de um património material e moral que a todos cumpre conservar e defender.
Pelos princípios que encerra, pelos problemas que resolve por via legislativa, pela sistematização dos assuntos, afigura-se-nos ser de aprovar na generalidade a proposta de lei em discussão. E merece-o ainda por uma outra inovação que contém em matéria de nacionalidade.
Queremos referir-nos à base XVII da proposta, que resulta fundamentalmente do parecer da Câmara Corporativa e segundo a qual o Governo, quando o considerar justo e oportuno, poderá conceder a nacionalidade portuguesa a pessoas pertencentes a comunidades que a si próprias se atribuem ascendência portuguesa e manifestem vontade de se integrar na ordem social e política nacional.
Em muitos pontos da Terra existem efectivamente grupos e comunidades descendentes de gente que aqui nasceu ou ligados a Portugal pelo sangue e pela língua, pela religião ou pela cultura. São marcos vivos dispersos pelo mundo, a atestarem a grandeza do nosso passado e como se afeiçoaram a nós os povos que nos conheceram I Passaram muitas vezes por eles ondas sucessivas de dominadores, as grandes correntes do tráfego e do comércio, passaram os anos e os séculos, a história, na diversidade dos seus acontecimentos e episódios, e esses núcleos e comunidades permaneceram firme e inalteràvelmente fiéis ao espírito e ao génio da antiga e gloriosa nação lusitana.
É justo, Srs. Deputados, que se lhes dê, nas nossas leis, o lugar que têm no nosso reconhecimento e no nosso coração.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será na sexta-feira, dia 20 do corrente, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Convoco as Comissões de Economia e de Política e Administração Geral e Local para se reunirem amanhã, às 15 horas e 30 minutos, a fim de se ocuparem da proposta de lei sobre o fomento piscícola nas águas interiores do País.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
César Henrique Moreira Baptista.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Jorge Pereira Jardim.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
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