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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 75

ANO DE 1959 25 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 75, EM 24 DE FEVEREIRO

Presidente: Ex.mo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 86 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.º 73 e 74 do Diário das Sessões.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Carlos Moreira, que insistiu pela remessa de elementos requeridos em sessão anterior; Sousa Rosal, acerca da presente situação do Liceu de Faro; Camilo de Mendonça, para enviar diversos requerimentos a Mesa; Cia Proença, sobre a próxima inauguração do monumento a Cristo-Rei, e Rodrigues Prata, que chamou a atenção do Governo para a situação do professorado do ensino técnico.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre a nacionalidade portuguesa.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Abranches de Soveral e Nunes Barata.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente:, - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horta e 15 minutos.

Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortas Pinto.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortas Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento. •
António Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.

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José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes 'de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arautos.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 74 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Antes dá ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.º 73 e 74 do Diário das Sessões.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação sobre estes números do Diário, considero-os aprovados.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Carlos Moreira.
O .Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: no uso de um direito outorgado pela Constituição e regulamentado no Regimento desta Camará, tive ocasião de, há quatro meses, apresentar a V. Ex.ª dois requerimentos, respectivamente nas sessões de 16 e 23 de Outubro, pedindo diversos elementos que me habilitassem a exercer o dever de fiscalização da Administração.
Não expliquei nem fundamentei tais requerimentos -julgo até que não deveria fazê-lo, em face do Regimento-, mas é evidente, para quem os ler em toda a sua contextura e nas suas alíneas, que os elementos pedidos visam a esse fim primacial que hoje compete à Assembleia Nacional: a fiscalização da administração pública, entendendo-se por administração pública não só aquela que o é por força da sua categoria estadual, mas também certas instituições que representam um interesse marcadamente público. Refiro-me a bancos, companhias, empresas de vária ordem, que têm funções de relevância na vida nacional e. projecção que vai além de uma limitada concepção do papel que devem representar, porque constituem preocupação pública.
Nesta ordem de ideias, Sr. Presidente, permito-me insistir e rogar a V. Ex.ª, sempre atento ao prestigio desta Assembleia, que se digne, com a sua autoridade, fazer sentir às instancias respectivas que ó urgente serem fornecidos esses elementos, visto que tomei, perante mim próprio, perante os poderes constituintes e perante a Nação, a responsabilidade de trazer aqui algumas considerações que só tom um fim a preencher: velar seriamente e conscientemente pelo prestígio da instituição, pelo prestigio do poder e pela confiança, cada vez maior, que a opinião deve ter naqueles a quem cabem as responsabilidades de dirigir ou fiscalizar.
Se os tempos tivessem demonstrado a desnecessidade de tais elementos, não me teria ficado mal dizer aqui que eles já não eram precisos, mas, ao contrário, Sr. Presidente, acontece que durante esses quatro meses os factos justificaram e confirmaram que tinha razão ao pedir os referidos elementos para usar deles nu medida que interessem ao bem comum.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
(O orador não reviu).

O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: na história da administração do regime ficará assinalado, com notável relevo, o que se tem feito em matéria de construção escolar para todos os ramos de ensino.
Não se pode negar o propósito do Sr. Ministro da Educação Nacional de promover o necessário para receber com dignidade e assistir com eficiência a todos quantos procuram as escolas, cada vez em maior número, para colher cultura e adquirir perfeição, como meio de evidenciar e desenvolver qualidades naturais, para que o homem se valorize e seja mais compreensivo e útil à sociedade e a Nação mais próspera e mais considerada.
Para tal se tem exigido indiscriminadamente do Pais o contributo com que se tem erguido obra de tanto valor.
Natural é que o Pais deseje vê-la prosseguir no tempo e no espaço, sem espirito discriminatório, que não seja o naturalmente recomendado pelo superior interesse do ensino, numa ajustada irradiação nacional.
Com o Decreto-Lei n.º 41 572, de 28 de Março do ano findo, aprovou o Governo um plano de construção de novos liceus, no valor de 190 000 contos, para ser executado no prazo de oito anos.
Dá-se, assim, mais um largo passo na política de renovação e alargamento das instalações escolares.
Segundo os considerandos que emolduram o Decreto-Lei n.º 41 572, é objectivo aliciante do plano aprovado acudir às precárias condições de funcionamento de alguns liceus, por efeito de superlotação, e onde, conforme se escreveu, se tem recorrido a defeituosas soluções de emergência e em que a devoção dos professores nem sempre tem logrado evitar prejuízos para a regularidade e eficiência do ensino.
Pois, Sr. Presidente, apesar de a situação do Liceu de Faro se ajustar como uma luva a estes imperativos geradores do plano de construção de novos liceus e estar no número das que clamam providências mais urgentes para fazer cessar as causas altamente perturbadoras da saúde escolar, por congestionamento de frequência, foi ela ignorada na sua elaboração.

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O actual edifício do Liceu de Faro foi inaugurado em 1948. para uma lotação de oitocentos alunos.
Presentemente é frequentado por mais de mil o trezentos.
A evolução da frequência pode apreciar-se nestes mapas que tenho na mão e que peço dispensa de ler, para não tomar tempo à Câmara, solicitando, contudo, a V. Ex.a, Sr. Presidente, que sejam transcritos no Diário das Sessões, a fim de elucidar quem tenha interesse em debruçar-se sobre este assunto.
À criação de um liceu em Portimão, ao qual afluiu, desde inicio, uma impressionante frequência, com tendência para aumentar, não quebrou o ritmo do crescimento da população escolar do Liceu de Faro.
Cada um dos liceus do Algarve tem a sua zona natural de recrutamento, que não pode ser forçada, sob pena de originar situações de impossibilidade de frequência, por afectar economias familiares débeis que tem na localização e na facilidade de comunicações o seu apoio.
Os Liceus de Faro e de Portimão têm vida paralela, e não complementar.
For isso, a construção projectada de um edifício próprio para o Liceu de Portimão é digna do maior aplauso, por já ser tempo de abandonar o edifício improvisado onde funciona, sem o mínimo de condições.
Também não se podem protelar por mais tempo as providências requeridas pelo Liceu de Faro.
Desde há muito que se esgotou a sua elasticidade.
Uma superlotação de quinhentos alunos num edifício construído para oitocentos, com a agravante de ter uma frequência feminina de mais de 50 por cento, não pode deixar de produzir toda a espécie de complicações, levantando, dia a dia, os mais delicados problemas. •
As turmas não se constituem em obediência a normas pedagógicas, medem-se pelas áreas dos compartimentos onde podem ter lugar as aulas.
Estas funcionam onde há uma dependência, com ou sem condições, com evidente perturbação dos restantes serviços.
Depois de esgotados os recursos dos desdobramentos e da utilização para aulas da biblioteca, dos anfiteatros e dos gabinetes e salas dos professores, entrou-se no aproveitamento de arrecadações sem o mínimo de condições higiénicas.
Até nos corredores se dão aulas.
O estado de congestionamento e impropriedade das instalações tem de se reflectir no exercício do ensino e no funcionamento dos serviços inerentes e complementares e não pode deixar de exercer influência depressiva, e, logo, prejudicial ao ensino, sobre o espirito de quantos ali trabalham, por mais compreensivos e dedicados que sejam.
Quem tem de ensinar e quem tem de aprender sem ser em ambiente próprio tem necessariamente de ser influenciado pelas circunstancias impróprias do meio.
Os motivos estranhos e a incomodidade e o desconforto desviam insensivelmente a atenção, por mais perfeita que seja a disciplina mental.
Felizmente, os acontecimentos e os resultados escolares não revelam no Liceu de Faro, apesar de tudo, visíveis perturbações ou quebra de aproveitamento, graças à esclarecida acção directiva do seu reitor, plena de bom senso e de dinamismo, e à colaboração dedicada e competente dos professores e também ao espírito de compreensão dos alunos perante as dificuldades.
Tudo, porém, tem os seus limites, e não se julga possível manter o nível de aproveitamento e o grau de disciplina que as boas vontades e dedicações tem conservado no .Liceu de Faro se providências argentes não forem tomadas para o descongestionar.
O Algarve, se, por um lado, exultou com a inclusão do Liceu de Portimão no plano de construção de novos liceus, por outro, sentiu-se chocado e proferiu sentidas palavras de crítica porque não compreendeu o esquecimento a que foi votado, nele, o seu Liceu de Faro.
Palavras que põem em causa a capacidade e o espirito de justiça da Administração e que vieram até mini por várias' e competentes vias e solicitaram uma intervenção parlamentar de protesto e esclarecimento.
Para a fundamentar, com elementos comparados, que dessem a conhecer o critério da prioridade seguida, procurei esclarecer-me junto das instancias competentes de qualquer maneira ligadas ao assunto.
Para tal requeri, ao abrigo do artigo 96.º da Constituição, na sessão desta Assembleia de 23 de Abril do ano findo, que me fosse permitido conhecer alguns dados referentes aos liceus contemplados pelo Decreto-Lei n.º 41 072 e, bem assim, ao Liceu de Faro.
Em sessão de 23 de Outubro, também do ano findo, solicitei a V. Ex.ª Sr. Presidente, providências para a remessa dos referidos elementos. Com a gentileza e o interesse habitual, prometeu V. Ex.ª insistir pela satisfação do meu pedido.
Apesar de não se tratar de segredo de Estado e apenas de uma simples colheita de elementos que devem estar à mão dos serviços, não se quis ter a atenção de os fornecer. .
Insiste-se em cometer o erro político, que acaba de ser brilhantemente comentado com tanta propriedade pelo nosso considerado colega Dr. Carlos Moreira, de não ter na devida conta o que se diz e se pede nesta Casa, que é instrumento legal e leal de apreciação dos actos do Governo e da Administração.
Assim se contribui para que a opinião pública, constitucionalmente reconhecida como elemento fundamental da política e da Administração, perca a confiança no órgão que na estrutura do regime a representa e possa ser induzida desinteressar-se da vida das nossas instituições políticas.

Sr. Presidente: como julgo inconveniente, para os interesses do Algarve e do ensino, protelar por mais tempo a apresentação das razões de queixa provocadas pelo caso «o Liceu de Faro e o plano de construção de novos liceus», sou forçado a proferi-las desde já e deste lugar, onde me é licito fazê-lo, não com fundamento em conhecimento detalhado e geral dos factos que ambientam o assunto, por não me ter sido facilitado, mas apenas com um apontamento elucidativo, que deriva de um facto que é do domínio público e desfavoravelmente comentado nos meios interessados e que. por si só, mostra que a Administração falhou ignorando as dificuldades do Liceu de Faro na elaboração do plano de construção de novos liceus.
No plano aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41 572 está prevista a construção de um liceu feminino em Évora.
Sabe-se que no Liceu de Évora o problema da sua superlotação está resolvido pelo processo corrente dos desdobramentos.
Consta que com obras de fácil adaptação o seu edifício pode receber o dobro do número actual de alunos e separar os sexos, se for julgado conveniente.
Consta mais que as irmãs doroteias estão a construir em Évora um colégio feminino com internato e externato para oitocentas alunas.
O conhecimento destes factos e das péssimas condições de funcionamento do Liceu de Faro é mais do que suficiente para provar que na elaboração do plano de construção de novos liceus não se consideraram com justeza e justiça as exigências presentes e prementes do ensino liceal e que tiveram audiência e foram atendidas razões de outra natureza, que desejo ignorar, visto que, por mais dignas que sejam, não podem justificar a construção de um novo liceu onde as circunstancias o dispensam para já, com prejuízo da construção de mais um

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liceu em Faro, onde uma impossível superlotação a impõe como única solução para a normalização do ensino liceal no Algarve.
Não se deu conta do inadiável, mas teve-se presente o desnecessário.
Desnecessidade que é do conhecimento dos meios liceais e foi aqui confirmada, sem reticências deselegantes, pelo espirito independente e recto do ilustre reitor do Liceu de Évora, nosso estimado e admirado colega, Dr. Bartolomeu Gromicho, que não pode ser, com verdade, acusado de desamor ao ensino ou à cidade de Évora e à sua região.
O seu amor ao ensino atesta-o bem a acção desenvolvida, durante o longo período da sua reitoria, para que o Liceu de Évora atingisse o prestigio de que goza e se instalasse com a dignidade e a suficiência devidas, diligenciando, com êxito, para que do seu edifício fossem afastados todos os motivos de incomodidade e embaraço.
O seu amor a Évora, essa jóia .preciosa do nosso património histórico e artístico, está exuberantemente registado nos Anais desta Assembleia e impresso no Diário das Sessões, em discursos com bem deduzida argumentação e cheios de beleza espiritual e profunda cultura, ditos com o mais vivo entusiasmo, denunciante da mais pura, sentida e indiscutível dedicação.
Sr. Presidente: não desejo com esta referência ao Liceu de Évora menosprezar nem contraditar os motivos que levaram Évora a pedir a construção de mais um liceu, onde o ensino liceal o não exigia, mas tão somente citar um facto, publicamente conhecido, que dá a medida da razão do ressentimento e da reclamação do Algarve perante aquilo que se reputa ser um desvio das boas regras da administração e da- conduta política, porventura filho da falta de informação suficiente e oportuna, e não penso que devido a feio propósito ou a sólida razão.
Descuidadamente, os meios responsáveis regionais não se fizeram parte no processo da elaboração do Plano, com a ideia de que não seria preciso, por não ser e admitir o desconhecimento da maneira como decorria a vida no Liceu de Faro.
Santa ingenuidade pensar que a gerência da coisa pública é insensível à influência pessoal e ao jogo da política, nesta terra de amigos, compadres e parentes.
Não reclamo contra a construção de mais um liceu em Évora ou em qualquer outra parte; peço apenas que se reveja o processo da construção de novos liceus e, dentro do plano aprovado ou à margem dele, se considere o caso do Liceu do Faro, dando-lhe a prioridade que merecer no conjunto das providências aconselhadas para o geral do ensino liceal no momento presente.
Não solicito um favor, peço justiça, reclamando contra aquilo que se apresenta como desequilibrada aplicação dos dinheiros públicos, com ofensa de legítimos direitos e do essencial.
Sr. Presidente : vou terminar pedindo ao Sr. Ministro da Educação Nacional, cujas directivas e acção pessoal são bem conhecidas e têm conquistado a confiança e a simpatia do Pais, não consentindo que as portas dos liceus se tenham fechado à mocidade e proporcionando-lhe, ao mesmo tempo, que a sua educação e instrução se desenvolva em ambiente feliz e apropriado, que não permita que elas se fechem no Algarve, ou que dentro delas se continue a viver em saturado meio de inconvenientes para a boa formação da mocidade.
Confiámos nos seus altos dotes de estadista, que, com persistência e argumento sério, sempre convence e consegue abrir o bem guardado cofre público quando se trata de servir o verdadeiro interesse nacional, que tem no seu departamento as mais viçosas raízes e os mais prometedores frutos.
Peço também ao Sr. Subsecretário de Estado da Educação Nacional uma palavra de colaboração para ajudar a pronta e conveniente solução dos problemas do Liceu de Faro, colhida na sua visita ao Algarve, onde viu, ouviu e 'inquiriu, com fina inteligência e objectividade, porá ter ideia segura da verdadeira posição dos, seus estabelecimentos de ensino.
O conhecimento directo dos factos leva a crer que devia ter aderido, em pensamento, à opinião que se tem de que, é indispensável e urgente construir mais um liceu em Faro.
Um liceu feminino, com a capacidade para receber as suas actuais seiscentas- e setenta e cinco alunas e mais aquelas que a previsão aconselha a ter em conta, o que permitiria, automaticamente, normalizar o funcionamento do liceu existente, que ficaria com a capacidade suficiente para os alunos do sexo masculino, que do corrente ano lectivo se matricularam em número de seiscentos e trinta e quatro, e ainda com uma folga para fazer face, durante certo tempo, aos mais que devem vir.
É esta a sugestão que anda na boca de todos aqueles que são atingidos pela anormalidade da vida escolar no Liceu de Faro e receiam que um futuro agravamento leve a impor limitações de matricula, que magoarão como algemas postas à expansão natural e indispensável dá cultura da nossa gente e à multiplicação do seu escol.
Sugestão que, com procuração bastante e sobejo fundamento, tenho o gosto de submeter à apreciação esclarecida e competente do Governo e à reconsideração, sempre prestigiante quando clara e oportuna, das entidades que têm poder para tomar iniciativas, planear e fazer propostas para o progresso e o melhoramento das instalações liceais.
A construção de mais um liceu em Faro teria ainda a virtude de possibilitar legalmente a reposição na frontaria de um deles do nome de João de Deus, que, por força do Estatuto do Ensino Liceal, foi arrancado em 1947 do velho liceu, com sentido desgosto no Algarve, e designadamente dos antigos alunos.
Estes, nas suas reuniões de confraternização e romagens de saudade, ao recordarem a figura de João de Deus na plenitude da sua bondade .e beleza espiritual, que foi seu patrono, manifestam, sem desfalecimento, o desejo de que um liceu de Faro volte a ter o seu nome.
Que melhor guia e inspirador podem ter as gerações de algarvios que por lá passarem do que aquele que foi um dos seus maiores pelo nascimento e é um dos grandes da Pátria pelo génio ?
Poeta inconfundível nos cantares de amor e de saudade e dos gestos graciosos e inocentes da vida, em verso de encantadora harmonia e despido de artificio, para que o povo e a juventude, que tanto estimou, o entendessem com a sua simplicidade de pensamento e pureza de alma.
Mestre amoroso, que nos legou a arte de ensinar a balbuciar e a juntar as letras, primeiro esforço no forjar da chave preciosa com que se abre ao homem a porta do lado espiritual da sua missão no Mundo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a mesa os seguintes

Requerimentos

«Requeira que pelo Ministério do Interior me sejam fornecidos os seguintes elementos:

a) Lista dos presidentes das câmaras municipais da metrópole em exercido em 31 de Dezembro

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de 1944, 1949 e 1958, com indicação da data da primeira nomeação;
b) Volume das receitas das jantas de província nos últimos cinco anos e indicação das principais rubricas das despesas;
c) Especificação das funções, dentre as previstas no Código Administrativo, que estão efective eficientemente a ser exercidas pelas jantas de província».

«Roqueiro que pelos Ministérios das Obras Públicas e da Economia me sejam fornecidos os elementos seguintes:

a) Estado económico do plano de rega do Alentejo;
b) Parecer final do Conselho Superior de Obras Públicas e pareceres subsidiários sobre o plano de rega do Alentejo;
c) Cópias dos pareceres e estudos efectuados pela Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas e pela Junta de Colonização Interna sobre o plano de rega do Alentejo, nomeadamente sobre a viabilidade económica do empreendimento, regimes de exploração e culturas previstas».

«Requeiro que pela Secretaria de Estado da Indústria me sejam fornecidos os seguintes elementos:

a) Tarifa da energia eléctrica nas diferentes sedes de concelho do continente;
b) Esquema do funcionamento do pool entre as Hidroeléctricas do Douro, Cávado e Zêzere, com a indicação da base legal em que se funda;
c) Preços de custo da energia eléctrica produzida pelo Douro, Cávado e Zêzere separadamente, por energia permanente, temporária e sobrante;
d) Número de freguesias já electrificadas em Trás-os-Montes e daquelas cuja • electrificação se prevê para o corrente ano».

«Requeiro que pela Secretaria de Estado do Comércio me sejam fornecidos os elementos seguintes:

a) Preços do açúcar no continente, nos Açores e na Madeira;
b) Composição dos preços de venda do açúcar ao público e à indústria, por qualidades, no continente, Açores e Madeira;
c) Resultados financeiros do sistema de comercialização do açúcar, quer no conjunto, quer por cada uma das qualidades vendidas ao público e à indústria».

«Requeiro que pelo Ministério da Economia, Secretarias de Estado da Indústria e do Comércio, me sejam fornecidos os elementos seguintes:

a) Preços na fábrica e C. I. F. dos adubos azotados, especificadamente para o sulfato de amónio e os nitroamoniacais importados, bem como do sulfato de amónio de produção nacional;
b) Indicação dos preços prováveis, na fábrica, do sulfato de amónio e dos nitroamoniacais quando entrar em laboração o esquema, em execução, de produção de amoníaco e nitroamoniacais».

O Sr. Cid Proença: - Sr. Presidente: durante a interrupção dos trabalhos parlamentares foi anunciada ao Pais, por quem dispunha de autoridade para fazê-lo, a inauguração, em 17 de Maio próximo, do monumento nacional a Cristo-Rei.
Sabe-se do voto formulado na hora sombria em que começava a segunda grande guerra, cujo estigma, sobretudo na desorientação dos espíritos e na persistência dos ódios, assinala ainda inconfundivelmente a face do Mundo.
E sabe-se que o cumprimento oportuno do voto foi possível graças ao que a pastoral colectiva chama «plebiscito de fé, esperança e amor» e traduz bem a identificação dos sentimentos de milhões de portugueses espalhados pelos cinco continentes com os sentimentos que moveram as preces e as decisões do Episcopado.
Entusiástica, avassaladora mobilização da consciência católica dos Portugueses ergueu, pedra a pedra, com generosidade evidente e presumível sacrifício, um monumento da gratidão nacional.
Tanto bastaria, a meu ver, Sr. Presidente, para que não pudesse ser-nos indiferente o acto solene de 17 de Maio próximo e passar-nos despercebido este seu altíssimo significado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Mas eu desejaria não esquecer que a afirmação destes portugueses de agora, os que pediram, esperaram e agradecem, é concordante com o sentir mil vezes 'expresso daqueles cuja fidelidade ao ideal cristão, através dos séculos e pelas sete partidos do Mando, de si justificou Portugal.
Bem certo que uma nação como a nossa, feita para durar, não menospreza os diversos particularíssimos, respeitáveis e inevitáveis, mas preserva a unidade da sua própria alma, renova-se, mas não se contradiz, renegando as verdadeiras constantes da sua fisionomia moral.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador:-Assim, o monumento que fica alevantado ali na outra margem do Tejo, em frente desta Lisboa, cabeça de velhas terras onde nunca faltaram «cristãos atrevimentos», constitui também um padrão da nossa fidelidade.
Mas há mais. Para além das insatisfações, dos tormentos, dos sinais indecisos e contraditórios que caracterizam a hora presente, não sabe o Mundo o que o futuro imediato lhe reserva: se o triunfo, aparente e efémero, embora, do materialismo estreme, já a gozar, sacrílego, se a presença vitoriosa do espirito aplanando afinal, direitos de cidade e a receber -ai de nós!- culto para a humanidade inquieta e sofredora os caminhos da sua possível ventara.
Como quer que seja, Sr. Presidente em tudo se afigura inatacável a lógica da impiedade militante, enquanto à Madre Europa Cristã a confundem e a condenam incoerências e inconsequências que têm sido pagas caríssimo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Uma coisa parece certa, porém: sempre que no plano individual, das relações sociais, do convívio dos povos, há uma ânsia de perfeição, humilde e criadora, a testemunhar a verdade, a praticar a justiça, a viver a paz, têm as manifestações singulares de boa vontade o valor de actos reparadores e exemplares.
Por isso, pôde a pastoral dizer expressivamente que a consagração de 17 de Maio próximo será Portugal inteiro a responder a um desafio blasfemo, a proclamar a soberania, de Deus.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - For isso, se essa consagração tiver carácter nacional e oficial - como o teve a seu tempo a de nações de raiz espiritual idêntica à nossa, nomeadamente o Brasil e a Espanha -, o seu significado profundo será, não tanto o de uma solene afirmação de princípios, como o de um propósito de cada vez mais conformar com eles o sentido da nossa vida colectiva.
E penso, Sr. Presidente, que haverá motivos para regozijo e fundamentos de esperança se pudermos viver um clima de austeridade moral ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e, do mesmo passo, fortalecer a instituição familiar; ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... se continuarmos a esforçar-nos por moldar uma sociedade justa, a defender a paz sabiamente construída que Deus nos tem guardado, a ser na comunidade internacional elemento de concórdia e generosos missionários de povos, a edificar, sob. as bênçãos de Cristo, o Portugal de que o Mundo precisa, o Portugal sonhado através dos tempos, pelos melhores portugueses.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Rodrigues Prata: - Sr. Presidente: na presente legislatura é esta a segunda vez que foco nesta Câmara o assunto de que vou tratar, e faço-o porque o considero problema muito grave, problema capaz de ter lamentáveis repercussões num futuro próximo: é ele o dos professores de serviço eventual do ensino secundário. Não serem tomadas a tempo as medidas preventivas reputadas bastantes é abstermo-nos de querer pensar nas consequências que poderão advir; é não acreditarmos que mais vale prevenir do que remediar; no entanto,, prevenir é sempre possível, enquanto remediar nem sempre o será.
Levanto novamente este problema sem ter recebido procuração de quem quer que fosse, que não aceitaria. Não procuro nem quero outro mandato que não seja o que me foi conferido como Deputado da Nação, e é nessa qualidade e de acordo com as faculdades que me são concedidas que pretendo colaborar com o Governo, chamando a esclarecida atenção de quem de direito para as resoluções tomadas quando, em meu parecer, não sejam nem as mais justas, nem as mais adequadas. Penso que serei assim, na realidade, mais útil e mais construtivo do que se me mantiver silenciosamente na posição de espectador, afigurando-se-me até que esta segunda solução, embora cómoda, será bastante mais prejudicial para todos, não aproveitando a ninguém.
Já afirmei, em anterior intervenção, que não conseguia perceber qual a razão de fundo que determinava que no mesmo Ministério -o da Educação Nacional - a dois professores de serviço eventual, a quem se exigiam iguais habilitações literárias, a quem se distribuía igual número de horas de serviço semanal,- a quem se atribuíam idênticas responsabilidades, se pagasse de modo diferente: a um professor de serviço eventual que era colocado num liceu pagava-se 3.200$, ao que era colocado numa escola técnica remunerava-se com 2.800$, mensais.
Esclareci que a quase totalidade dos professores de serviço eventual do ensino secundário concorria simultaneamente aos dois ramos de ensino (liceal e técnico), aguardando, com maior ou menor impaciência, e actuando com as diligências e as possibilidades de que dispunha, a sua nomeação por uma ou outra Direcção--Geral.
Afirmei ainda, e convictamente torno a afirmar, que os professores de serviço eventual das escolas técnicas são mais sacrificados do que os seus colegas do ensino liceal, pois bastará o terem, normalmente, serviço nocturno distribuído para que tal afirmação seja incontestável. Mais ainda: a massa escolar que no ensino técnico tem de ser trabalhada oferece muito mais dificuldades e canseiras do que a do ensino liceal, dada a influência imensa do ambiente de origem do aluno, que, de um modo geral, é mais benéfico aos que frequentam o ensino liceal.
Esta afirmação é particularmente exacta para a província, muito em especial nas zonas de intensa ruralidade ou medianamente industrializadas. Perante tais factos tudo nos fazia crer que havia uma situação diferencial, que era mister fazer acabar. De resto, o ilustre colega Prof. Doutor Gosta Ramalho, com o brilho e clareza que lhe soo peculiares, focou o problema dos professores agregados e auxiliares do ensino liceal, que, realmente, tem com o dos professores de serviço eventual uma certa relação. Onde essa relação? No facto de os professores que fizeram o seu exame de admissão, estágio e Exame de Estado, enquanto não providos na categoria de professores efectivos, vencerem tanto como se continuassem a ser professores de serviço eventual. Alguma coisa parecia que estava mal.
Pois, Sr. Presidente, se a diferença de vencimentos atribuídos aos professores de serviço eventual dos liceus e das escolas técnicas era de 400$ mensais, com a promulgação do decreto-lei n.º 42 046 aumentou para 600$, favorável aos professores de serviço eventual dos liceus, julgando eu não ter sido também tomada em consideração a posição dos professores agregados e auxiliares do liceu.
Com a devida vénia, e muito embora aprecie, com a maior justiça, o tão exaustivo como completo e bem elaborado trabalho do Sr. Ministro das Finanças, afigura-se-me que a solução encontrada no que se refere aos professores eventuais do ensino técnico não terá sido a mais conveniente e justa.
E um ramo de ensino que tem provado uma inexcedível vontade de bem servir o País, demonstrando, à saciedade, o seu forte querei- com a concretização do I Congresso do Ensino Técnico, congresso a que se chamou, sem qualquer espécie de favor, congresso nacional, e o foi, realmente, na verdadeira acepção da palavra.
Estiveram presentes no Congresso professores de todos os pontos do Império Português, e uma esmagadora percentagem dos que exercem a sua actividade docente no continente deslocaram-se e mantiveram-se atentos e interessados ao desenrolar dos trabalhos, sem qualquer espécie de subsídio do Governo, alardeando, quase com orgulho, o seu amor à escola, o seu desinteresse, a sua devoção, o carinho que dedicam a este ramo de ensino; demonstraram manifesta vontade de aprender, de debater métodos e processos de ensino, desejo vincado de se aperfeiçoarem, de progredirem, em suma, desejo intenso de contribuírem, na medida das suas possibilidades, para os fins superiores da cultura nacional.
Não obstante a necessidade premente de dar continuidade ao desenvolvimento do ensino técnico profissional, expressamente preconizado pelo Governo e francamente apoiado por esta Assembleia, quando da discussão do II Plano de Fomento;
Não obstante os relevantes serviços já prestados pelo ensino técnico à indústria nacional;

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Não obstante a esperança que se deposita na eficácia da sua acção educativa, quer sob o ponto de visto humano, quer sob o ponto de vista técnico, para mais completo êxito no desenvolvimento industrial que se processa;
Apesar dos propósitos tão lúcidos e previdentes do Governo, que se concretizam na construção e apetrechamento, em ritmo e em moldes únicos e nunca vistos até agora, de novos s belos edifícios escolares para o ensino técnico profissional, de modo a poder preparar-se mão-de-obra consciente, com corpos sãos e almas sãs;
Apesar de tudo isto e do muito mais que a carência de tempo não permite dizer, parece-me que a acção governativa, distinguindo de modo tão notório e tão gritantemente injusto os professores de serviço eventual dos liceus dos das escolas técnicas, não é nada favorável à manutenção nestas últimas dos muitos e muito bons elementos que as têm servido e ainda servem. Antes pelo contrário, eles irão procurar, natural e logicamente, logo que lhes seja possível, transferir-se para o ensino liceal, como situação superior, pelo menos sob o aspecto financeiro.
E não disse, Sr. Presidente, nem digo que um professor de serviço eventual do 2.º grau do liceu ou de uma escola técnica, auferindo agora, respectivamente 4.000$ e 3.400$ mensais, seja bem ou mal pago; o que afirmo e sustento, porque é incontroverso, é que não há qualquer razão que fundamente a diferença de vencimentos entre ambos, do mesmo modo que nada há a favor da igualdade de vencimentos no ensino liceal entre professores de serviço eventual, agregados e auxiliares. Mas este, creio bem, é outro problema, embora, como já fiz notar, entre ambos exista acentuada relação.
Ao iniciar esta minha intervenção afirmei que ia tratar de um problema com francas possibilidades de se tornar um problema grave. Na realidade, é necessário ter-se presente que o pessoal docente de serviço eventual do 2.º grau do ensino técnico é, pelo menos, duas vezes mais numeroso que os professores do quadro.
Admitindo que não haja no facto qualquer anomalia, isto significará tão sòmente que sem esta classe de professores - professores de serviço eventual - não será possível manter-se .º ensino técnico no alto nível que atingiu e no qual todos desejamos que se mantenha, caso não possa conseguir mais e melhor.
A excelência dos métodos pedagógicos, a já notada e notável orientação superiormente emanada da Direcção-Geral, toda a incansável acção desenvolvida e a desenvolver por quem dirige, fracassará rotunda e estrondosamente quando o saber, a experiência e o espírito de equipa deixarem de estar ao serviço do ensino técnico. E tenho razoes sobejas para afirmar que um grande número de professores de serviço eventual do 2.º grau do ensino técnico não está satisfeito com a situação de inferioridade - sob o aspecto financeiro, note-se- que lhes foi não só mantida mas agravada em relação aos seus colegas do ensino liceal.
E mais Sr. Presidente: se já era manifesta e não se atenua, ano após ano, a dificuldade de arranjar técnicos que queiram ir leccionar nas escolas de ensino técnico, como se resolverá este problema num futuro próximo?
Já li algures, como argumento de tendência resolutiva, que os professores de formação técnica -engenheiros e economistas- podem ir buscar-se à indústria S articular para colaborar com a escola. Esqueceram-se e que a indústria se torna dia a dia mais absorvente, mercê do contínuo e Constante desenvolvimento a, que está sujeita pelo progresso da técnica, e que, se essa colaboração por vezes é permitida e possível de obter, na maioria dos casos não o é sobretudo na província. E assim, sendo a falta destes professores já tão sentida, tornar-se-á um problema sem solução.
Mas o argumento continuava a mão ser válido, porque o professar do ensino técnico, como qualquer outro professor que o queira realmente ser, deverá entregar-se à escola e aos seus alunos, para cumprir cabal e honestamente a sua alta missão de educador. Nada no Mundo será mais nobre do que o apostolado do ensino; mas quem se limitar a passar pela escola para dar de fugida os tempos lectivos a que é obrigado por lei, cumprirá a letra da lei, é certo, mas não cumpre com certeza o seu espírito nem preenche, como é mister, o seu lugar de professor.
Na intervenção que tive a honra de fazer nesta Câmara, além de pedir para todos os professores de serviço eventual do ensino secundário (liceal e técnico) a equiparação dos vencimentos - visto que nas exigências literárias, formalidades legais e obrigações já estavam equiparados-, solicitei igualmente que a todos fossem pagas as férias grandes. Baseei o meu pedido em princípios lógicos, verdadeiramente humanos e profundamente cristãos: na certeza de que os professores de serviço eventual têm de viver durante todo o ano civil, e não somente durante os dez meses e dez dias do ano escolar, e na opinião do Governo, que, por intermédio de S. Ex.ª o Sr. Ministro das Corporações, determinou que os colégios particulares pagassem aos seus corpos docentes durante todo o ano civil.
Não teria sido este o momento ideal para equiparar o que merece ser equiparado e distinguir o que merece ser distinguido? Porque não conceder aos professores de serviço eventual do ensino secundário uma posição estável, a que têm incontestável direito pelos serviços prestados e a prestar?
Porque não distinguir os professores de serviço eventual dos agregados e auxiliares, dado que estes, além da habilitação literária, possuem a habilitação pedagógica, isto é, o exame de admissão, o estágio e o Exame de Estado?
O facto de o professor poder melhorar a sua situação financeira e conquistar posição ainda mais estável com a aquisição da habilitação pedagógica constituía, a meu ver, factor de influência decisiva no chamamento de novos elementos, e creio bem que o ensino secundário, quer na metrópole, quer no ultramar, bem precisa não só de conquistar novos elementos docentes mas, muito especialmente, de não perder um só daqueles que o servem, seja qual for a classificação em que se inclua por força de lei.
Cabe aqui perfeitamente, como apontamento, citar o- Decreto-Lei n.º 42 134, de 3 do Fevereiro do ano corrente, que modifica e actualiza o quadro orgânico do Instituto de Odivelas, assim como os respectivos vencimentos. Também aqui se notam algumas disparidades, que não são muito fáceis de perceber, comparando funções e categorias, mas essa análise ficará para posterior intervenção. O que, no entanto, se observa no mapa III é que as professoras auxiliares ou de serviço eventual vencem 4.000$. Não será bem clara a intenção dó Governo de igualar o pessoal docente de serviço eventual do ensino liceal e técnico?
Sr. Presidente, termino consciente de que foquei, resumida e muito incompletamente, o problema do professorado eventual do 2.º grau do ensino técnico.
Fundamentalmente, o problema consiste na posição de desfavor em que eles se encontram perante os seus colegas do ensino liceal.
Tal situação não pode manter-se, não deve manter-se, Sr. Presidente, porque ela afectará profundamente a eficiência do ensino técnico, que todos afirmam ser

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essencial desenvolver-se e que, na verdade, se tem desenvolvido.

Espero, confiado na desassombrada actuação doa Srs. Ministros das Finanças e da Educação Nacional, espíritos esclarecidos, homens públicos a todos os títulos notáveis, a quem apresento, respeitosamente, as mintas melhores homenagens; espero, repito, que façam justiça ao professorado de serviço eventual do ensino técnico. Fazendo-lhe justiça resolverão um problema de grande amplitude, o qual, a não ser encarado, poderá ter como resultante o declínio da eficiência de um sector educacional cujos frutos estão a ser utilizados com forte produtividade no progresso económico do País.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre a nacionalidade portuguesa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Abranches Só ver ai.

O Sr. Abranches Soveral: - Sr. Presidente: a proposta de lei sobre a nacionalidade, que agora se discute, é mais um passo na senda de renovação legislativa que parece estar no espírito do Sr. Ministro da Justiça.
E S. Ex.ª uma das poucas pessoas que consegue ser professor distintíssimo e ministro notável, realizando a difícil e muito rara simbiose entre o teórico profundo e o realista clarividente.
Não é, por isso, de estranhar que a proposta de lei sobre a nacionalidade -construída por S. Ex.ª sobre um parecer da Câmara Corporativa subscrito por uma plêiade de valores, que justificam o merecido prestígio de que goza aquela Câmara- se possa considerar perfeita, quer no seu aspecto de fundamentação teórica, quer sob o ponto de vista da sua construção técnica.
Há que apreciá-la, aqui, no seu aspecto político e social.
Quer-nos parecer que mesmo nesta faceta não haverá reparos de vulto a fazer.
Reputamos de puro interesse académico a discussão quanto à autonomia de uma lei sobre nacionalidade ou à sua subordinação, quer à Constituição, quer ao Código Civil.
A nacionalidade tem graves repercussões no direito público e no privado; mas talvez o seu lugar próprio fosse na Constituição, já que a sua mais saliente finalidade é a delimitação da massa populacional, que é elemento base tanto da Nação como do Estado.
Aceitemos, porém, como válido o argumento de que, devendo tal lei conter disposições de ordem processual e regulamentar, é preferível a sua emissão autónoma.
Aplaudimos também os princípios que informam a proposta.
Os reparos que vamos esquematicamente fazer visam apenas a tornar mais claro o texto legal e a fazer incidir a mais esclarecida atenção desta Assembleia sobre certos e determinados pontos.
E se fazemos tais reparos agora e não na discussão da especialidade é porque a proposta constitui um todo harmónico, em que rara será a disposição que não esteja interligada com outras.

Vejamos:
Parece-nos demasiado estreita a noção dada na base III, que deixa sem á merecida protecção legal aqueles portugueses que estão no estrangeiro desempenhando funções de utilidade nacional, tais como leitores- de Português em estabelecimentos de ensino, bolseiros, etc. A nosso ver, nas alíneas a) e b) da base IV deveria substituir-se a palavra «menores» pela palavra «incapazes», que tem conteúdo mais vasto e que obviaria n inconvenientes possíveis.
E no final da alínea c) da mesma base deveria acrescentar-se a expressão: s... fazendo registar a respectiva declaração, nos termos da alínea a) da base XL.», pois com esta frase, ou outra equivalente, se evitariam dúvidas que já vimos pôr perante a redacção actual.
Se bem entendemos, a redacção dada à base VI não corresponde ao pensamento do autor da proposta, pecando por insuficiência; talvez fosse preferível uma redacção semelhante à seguinte:
«Para os efeitos previstos nesta lei, só a filiação estabelecida de conformidade com a lei portuguesa é relevante».
Com esta ou similar redacção estendia-se do seu verdadeiro âmbito o conteúdo da base e já se podia suprimir, por supérflua, a base XXXIV.
Julgamos constituir puro lapso de escrita (corrigível logo que notado) a seguinte expressão usada no n.º 2 da base IX: «... salva a hipótese de o perfilhado ...», pois certamente se quis escrever: «... salva a hipótese de o perfilhante ...».
Talvez que nesta base IX devesse acrescentar-se um n.º 4, a dizer que, «para os efeitos desta base, a perfilhação judicial equivale à voluntária-».
Será raríssima a utilidade deste número, mas é possível a sua utilidade.
Aplaudimos sem reserva a matéria contida no capítulo II.
Simplesmente, entendemos que nele se deveria inserir, logo a seguir à actual base XIII, a matéria contida nus autuais bases XXXI e XXXII, por esse ser o sen verdadeiro lugar.
Prevêem-se nestas bases casos nítidos de aquisição do nacionalidade, e não há motivo ponderoso que nos leve a relegá-los pura- o capítulo em que actualmente se situam e em que estão ligeiramente deslocados.
Pela mesma ordem de razões, se devia (a meu ver) colocar a actual base XXXIII, que contém um caso nítido de perda de nacionalidade, logo em seguida à actual base XVIII, onde terá o seu melhor cabimento.
Com estas transposições só lucraria a economia da lei.
Quanto à actual base XVIII, julgamos conveniente que ti sua alínea c) se acrescentasse a frase seguinte: «se, porém, o casamento se realizar em território português e o casal nele estabelecer o sen domicílio, considerar-se-á que a mulher opte pela nacionalidade portuguesa se expressamente não declarar que prefere a do marido ».
Previa-se, assim, da maneira que supomos melhor uma hipótese relativamente frequente.
Quanto às alíneas d) e e) da mesma base, quer-nos parecer que devia marcar-se um prazo -suficientemente curto para não permitir abusos e suficientemente longo para não forçar decisões precipitadas- para a opção pela nacionalidade estrangeira.
Reputamos suficiente o prazo de dois anos.
Por isso proporíamos que a redacção de tais alíneas fosse modificada em conformidade.
Na verdade, se compreendemos que não devem estabelecer-se limitações de tempo para que um plurinacional possa ingressar no seio da nação que sempre o considerou seu filho, já não compreendemos que indefinidamente, se conceda a um plurinacional, que é

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considerado como português e goza plenamente desta condição, a faculdade de despir esta qualidade com a facilidade com que se despe um fato velho.
Salvo melhor opinião, propunha a modificação das alíneas d) e e) da actual base XVIII, por fornia a limitar-se a faculdade de opção ao prazo improrrogável de dois anos a contar da maioridade- ou emancipação.
Chegamos agora à sibilina alínea b) da base XXXVI.
Se acaso esta alínea tem sentido próprio que não caiba nos casos já previstos nas alíneas d) e e) da actual base XVIII, alínea d) da actual base XXII e actuais bases XXXII e XXXIII (do que duvidamos), não pode ela caber na base XXXVI, que trata da oposição governamental à aquisição da nacionalidade, mas, quando muito, na base XXXVII, que regula a possibilidade de oposição governamental à reaquisição da nacionalidade.
Podíamos fundamentar este nosso reparo em argumentos de vária ordem, mas bastará a consideração de que nunca a reclamação sobre a declaração, feita na menoridade, pelo representante legal do interessado, pode conduzir à aquisição da nacionalidade portuguesa; só poderá conduzir à atribuição, a reaquisição ou à perda da nacionalidade, e todos estes conceitos são, na economia da proposta que discutimos, visceralmente diferentes.
Na verdade, desde que a aquisição da nacionalidade só tem por via o casamento ou a naturalização (capítulo n desta proposta de lei), não fazia sentido que nesta base se desse ao Governo a facilidade de se opor àquilo que é ... do seu livre alvedrio: a concessão da naturalização.
Esta alínea b) da actual base XXXVI, se acaso se mantiver, deverá inserir-se na base XXXVII, que trata da reaquisição da nacionalidade.
Por último, parece-nos supérflua e desagradável a base LXIII.
Realmente, desde que a base I usa expressão ampla ao definir o que «são portugueses» na mais larga, na mais humana e na mais nobre acepção, deixa de ter sentido e razão de ser a disposição contida na base LXIII, cujo conteúdo é de ordem interna e, consequentemente, não é afectado pelos termos amplos em que é posto o problema da nacionalidade na proposta de lei que discutimos. A supressão desta base é, a nosso olhar, acto de elementar justiça e da melhor técnica legislativa.
São estes, muito esquematicamente, os reparos a fazer à proposta de lei em discussão.
Feliz me sentirei se conseguir concentrar a atenção, consciente e esclarecida, desta alta Assembleia para as dúvidas e sugestões que ponho.
Por mim, não desejo mais; com isso me contento.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Nunes Barata:-Sr. Presidente, Srs. Deputados: segundo creio, na discussão desta proposta de lei avultam, além do mais, três questões importantes: uma de natureza formal; as outras atinentes à substância da nacionalidade.
Deverá a matéria em discussão ser contemplada na lei constitucional, compendiada no Código Civil ou constituir uma lei ordinária em nível de estatuto da nacionalidade?
Experimentámos já as duas primeiras soluções.
A proposta de lei agora apresentada pelo Governo pretende ensaiar a terceira.
A pergunta é, pois, se a nova orientação se justificará.
Penso que sim.
Os diplomas constitucionais do liberalismo consideravam a matéria da nacionalidade. Assim, a Constituição de 1822 dedicou-lhe os artigos 21.º a 23.º; a Carta Constitucional os artigos 7.º e 8.º; e a Constituição de 1838 os artigos 6.º e 7.º
Quando o Código Civil de 1867 consagrou a orientação do código- napoleónico, surgiram mesmo dúvidas sobre a constitucionalidade das novas disposições legais. Dias Ferreira, no seu comentário ao artigo 18.º do Código Civil, viria a escrever:
Não entramos na discussão, levantada ao tempo da promulgação do Código, sobre a constitucionalidade deste e de mais alguns artigos que modificaram o disposto no título 2.º da Carta, porque é isso alheio ao nosso intuito. Mas sempre diremos que não é constitucional, no sentido do artigo 144.º da Carta, a matéria relativa à aquisição da qualidade de cidadão português, posto que à constituição fundamental, que trata da organização do Estado, compita determinar as condições necessárias para fazer parte da sociedade política.

A prática já tinha entretanto conduzido ao desrespeito da Carta, e nesta medida afirmava a conveniência de a matéria da nacionalidade se subtrair à rigidez de um diploma constitucional, recomendando antes uma flexibilidade que se compadecesse com a frequência de alterações possíveis.
Exemplifico ainda aqui com o testemunho de Dias Ferreira:

A Carta Constitucional, que não reconhecia ao filho de estrangeiro o direito de recusar a qualidade de cidadão português, nunca foi nesta parte fielmente observada (portarias de 20 de Fevereiro de 1862 e de 14 de Julho de 1866), porque daí resultava às vezes ter ao mesmo tempo duas nacionalidades o mesmo indivíduo, como sucedia com o filho de francês nascido em território português, que era português pela nossa carta e francês pelo Código Civil de França, que, no artigo 10.º, declara francês o filho de francês nascido em território estrangeiro.

Mas não se justificará, por outro lado, que esta matéria continue incluída no Código Civil?
A influência do código francês e com ela a ideia de fazer do Código Civil «o repositório dos princípios básicos de todo o ordenamento jurídico nacional» contribuíram para a solução adoptada em 1867 e mantida até aos nossos dias.
É indubitável, porém, que a natureza pública do vínculo da nacionalidade aparece, nos tempos hodiernos, com um relevo, dada a importância da* sua projecção prática, que não conheceu noutras épocas.
De resto, aceite a teoria publicística, no conceito de que a fonte da nacionalidade reside na vontade do próprio Estado, e definida esta como o vínculo jurídico que liga a pessoa ao Estado, há todo um conjunto de direitos e deveres recíprocos cuja natureza é bem diversa: direitos políticos, direito de permanecer no território do Estado, direito à protecção dos agentes diplomáticos em território estrangeiro, quanto aos cidadãos; direito de exigir prestação do serviço militar, quanto ao Estado.
Pois não houve mesmo já quem entre nós (cf. Prof. Armando Marques Guedes, in O Direito, ano 79) considerasse como fornia de aquisição originária de nacionalidade portuguesa, não prevista no artigo 18.º do Código Civil, o recenseamento militar, quanto aos apólidas filhos de pais europeus residentes no País há mais de cinco anos?

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Será de facto esta natureza complexa, pública e privada, a especial relevância assumida actualmente pela projecção política da nacionalidade e a compreensível restrição posta ao âmbito do futuro Código Civil que justificarão a solução agora preconizada, na peugada, aliás, do que se fez, por exemplo, em 1945, em França.
E passamos à segunda questão.
Abstraindo de terceiras fórmulas menos consagradas, como, por exemplo, a referida por Maury quanto a nacionalidade jure domicilii parentis, as duas fontes essenciais da nacionalidade originária são o jus sanguinis e o jus soli.
Todo o Estado, como escreveu o Prof. Ferrer Correia (in Revista de Direito e Estudos Sociais, ano m), sé forçado a preocupar-se com o número dos seus cidadãos, já que o seu poder e influência face aos demais dependerá em larga medida da massa da sua população. Mas a este problema da pura quantidade, de mais ou de menos, acresce sempre uma preocupação de qualidade; o número de súbditos raro interessará só de per si: há-de interessar também a homogeneidade e a coesão do agregado nacionais.
No dilema da quantidade-qualidade reside boa parte da diferença entre as legislações dos vários estados. Sabemos, por exemplo, da posição de uma Europa superlotada de população ou de uma América' Espanhola com largos espaços abertos ao labor do imigrante.
O sistema do Código Civil português não segue apenas o jus sanguinis. Para lá de certas- concessões ao jus soli, está mesmo uma utilização directa deste critério. Assim, são portugueses:

a) Os que nascerem em território português de pai estrangeiro, contanto que este não esteja ao serviço da sua nação (artigo 18.º, n.º 2);
b) Os que nascerem em território português de pais incógnitos de nacionalidade desconhecida (artigo 18.º, n.º 4).

No primeiro grupo estarão incluídos:

1) Os filhos legítimos de pais estrangeiros nascidos em Portugal;
2) Os filhos ilegítimos de pai estrangeiro, se apenas este os reconheceu ou os reconheceu simultaneamente com a mãe ou apenas em relação a ele foram judicialmente reconhecidos ;
3) Os filhos ilegítimos de mãe estrangeira que só por esta tenham sido reconhecidos (ou só em relação a ela judicialmente reconhecidos) ou tenham sido primeiramente reconhecidos pela mãe.

No segundo grupo estão:

1) Os filhos de pais incógnitos, operando aqui a presunção da nacionalidade portuguesa dos pais, e, portanto, reflexos do jus sanguinis;
2) Os filhos de pais de nacionalidade desconhecida, operando a presunção de que os pais são apólidas;
3) Os filhos de pais apólidas, numa aplicação indiscutível do jus soli.

A proposta agora em discussão mantém as linhas gerais do regime em vigor.
Ora, talvez seja oportuno trazer à discussão um aspecto que se me afigura de interesse: o da projecção no ultramar português do estatuto da nacionalidade.
Assistiremos nos tempos futuros a uma corrida mais acentuada para esses territórios.
O peso demográfico de certas regiões do globo- a começar pelo continente português e ilhas adjacentes-, a melhor adaptação do homem às regiões tropicais, a mais intensiva exploração dos recursos do continente africano, o próprio incremento aí do sector terciário, não só por razão das utilidades que cria, mas em consequência do progresso adicional que o desenvolvimento dos seus consumos pode gerar, estarão na base de maiores movimentos de população nacional e estrangeira para o ultramar.
Em que medida o novo. diploma poderá corresponder às exigências de tal condicionalismo?
Procuremos um exemplo que, além do mais, nos é querido: o caso do Brasil.
No período de 1851 a 1950 calcula-se terem entrado no Brasil cerca de quatro milhões e oitocentos mil imigrantes, dos quais um milhão quinhentos e quarenta mil italianos, um milhão quatrocentos e oitenta mil portugueses, seiscentos mil espanhóis, duzentos e trinta mil alemães e cento e noventa mil japoneses. Deste total, de cerca de cinco milhões de almas, calcula-se que um quarto retornou aos países de origem ou, de qualquer modo, voltou a sair do Brasil.
Proporcionando a nacionalidade brasileira a estes imigrantes ou, segundo o critério de lugar de nascimento, quanto aos seus filhos, o Brasil ajudou a cimentar aquela comunidade étnica que constitui para todos nós justificado motivo de orgulho.
O caminho seguido conheceu mesmo processos flagrantes de naturalização legal: o artigo 69.º, n.º 4.º, da Constituição Brasileira de 1891 decretou a nacionalização de todos os estrangeiros residentes no Brasil em 15 de Novembro de 1889, desde que não declarassem, no prazo de seis meses, após a entrada em vigor da Constituição, a vontade de conservar a nacionalidade originária.
Não curamos de discutir aqui estes expedientes excepcionais, que alguns autores, aliás, têm considerado como ofensivos do direito internacional e, consequentemente, extraterritorialmente inexequíveis.
Wollf, por exemplo, defende que «a liberdade dos estados em matéria de nacionalidade estaria limitada pelas formas tradicionais da sua aquisição e perda (aquisição pelo jus soli e o jus sanguinis, em razão de concessão de um cargo oficial; perda por imigração, pelo casamento, por aquisição de nacionalidade estrangeira, por sentença penal condenatória, etc.)».
Restringimo-nos, pois, aos processos normais.
Estará a proposta em discussão à altura de satisfazer os interesses nacionais, revelando-se ao mesmo tempo justa para os estrangeiros que, residentes no ultramar português, deram a estas províncias o contributo do seu esforço?
Ainda aqui a resposta se me afigura positiva.
A larga consagração do jus soli, feita na base I da proposta em discussão, permitirá aos filhos de- estrangeiros nascidos no ultramar a aquisição originária da nacionalidade portuguesa.
E quanto aos imigrantes estrangeiros?
A base XII mantém-se fiel à naturalização por concessão.
Dentro deste critério, não será difícil conciliar aquele espírito aberto que historicamente temos revelado nas relações com todos os povos e um mínimo de exigências que dão .dignidade à condição de qualquer homem que vem a este mundo.
O cuidado em salvaguardar esta dignidade estava já, por exemplo, patente na portaria do Ministério da Marinha de 28 de Janeiro de 1871 destinada aos governadores das províncias ultramarinas.

É com profundo agrado que vejo, de resto, consagrada [alínea e) da base XII] a necessidade de conhecimentos

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suficientes, seguindo a condição do candidato à naturalização, da língua portuguesa.
Ocorrem-me as belas palavras de Alexandre Herculano: «A língua e a religião são as duas cadeias de bronze que unem, no correr dos tempos, as gerações passadas às presentes; e estes laços, que se prolongam através das eras, suo a Pátria».
Nem a língua portuguesa, em qualquer recanto do mundo português, terá sabor estrangeiro.
Foi Valery Larbaud quem disse que «há qualquer coisa de faustoso, de manuelino, na língua portuguesa, um carácter estranho e nostálgico, como na arquitectura portuguesa, em que as ancoras, os cabos, os mastros, os instrumentos de precisão de marinha, se misturam com as lembranças do Oriente, da China, da índia, da África Negra».
É o espírito desta projecção no mundo lusíada que me convida igualmente a aplaudir as duas sugestões constantes do parecer da Câmara Corporativa:
A necessidade de a definição do círculo de nacionais ser feita em termos de nela figurarem os portugueses do ultramar, cujo estatuto não é ainda o da plena cidadania; e o dever de facilitar a integração na comunidade portuguesa a «povos com maior ou menor grau de sangue nacional desde o tempo das Conquistas e que se sentem presos a Portugal ...».

Trata-se, afinal, da orientação que já norteara os legisladores de 1867, quando então consagraram o § único do artigo 19.º do Código Civil.
«O § único do artigo 19.º -escreveu Dias Ferreira-, principalmente ditado pelo estado das nossas relações com o Brasil, que foi colónia portuguesa e é habitado por indivíduos com a mesma origem, religião, costumes e idioma que os residentes na mãe-pátria, tem por fim facilitar aos irmãos pelo sangue o ingresso no seio da pátria originária, para aí gozarem dos mesmos direitos e considerações civis que desfrutam os nacionais».
Sr. Presidente: julgo chegado o momento oportuno para realçar uma aspiração que vive no coração de todos nós: o da dupla cidadania luso-brasileira.
«Nas nações, como nas famílias e nos- indivíduos - afirmou um dia o Prof. Oliveira Salazar -, viver, verdadeiramente viver, é sobretudo possuir um pensamento superior que domine ou guie a actividade espiritual e as relações com os outros homens e povos. E é da vitalidade desse pensamento, da potência desse ideal, do seu alcance restrito ou universal e humano que provém a grandeza das nações, o valor da sua projecção na Terra».
Pergunto eu, Sr. Presidente, se haverá forma mais bela e mais prática de consagrar este estado de alma do que considerar portugueses os nossos irmãos brasileiros, tal como eles, numa atitude toda cheia de maravilhoso encantamento, nos concederiam, em reciprocidade, a cidadania da sua pátria gloriosa.
E passo à terceira questão: a da repercussão do casamento na nacionalidade da mulher.
Restringimos, de resto, as observações a aspectos que se nos afiguram dignos de maior atenção.
O princípio de que a mulher segue a nacionalidade do marido teve aceitação quase generalizada nos estados do mundo moderno.
A conhecida Lei Dellbruck, de 1913, por exemplo, fez uma aplicação extrema desta regra: a mulher alemã que casar com um estrangeiro perde a sua nacionalidade; a estrangeira que casar com ura alemão adquire a nacionalidade alemã.
Também o Código Civil português (artigo 18.º, n.º 6.º, e artigo 22.º, n.º 4.º) acolhe a orientação do princípio expresso.
Dos textos legais aplicáveis é possível, aliás, tirar as seguintes conclusões:

a) É indiferente que a mulher estrangeira perca a nacionalidade originária, pois adquire sempre a portuguesa. Daqui possíveis conflitos positivos de nacionalidade;
b) Já quanto à mulher portuguesa que case com estrangeiro a perda da nacionalidade está condicionada à aquisição da nacionalidade estrangeira ;
c) A mulher portuguesa que case com estrangeiro e obtenha a respectiva nacionalidade poderá, dissolvido o casamento, recuperar a nacionalidade portuguesa;
d) Argumentando por analogia, conclui-se que a estrangeira que adquira a nacionalidade portuguesa pelo casamento não a perderá como consequência imediata deste;
e) Se o casamento for nulo, entende-se de aplicar as .normas do casamento putativo. A mulher de boa fé poderá assim adquirir a nacionalidade portuguesa.

A proposta de lei em discussão considera aspectos pertinentes à repercussão do casamento na nacionalidade da mulher nas bases X, XI, XVIII (c), XXII (c) e XXXI.
A inovação essencial reside no seguinte:

a) A mulher estrangeira que case com português não adquire a nacionalidade portuguesa se ate à celebração do casamento declarar que a não quer adquirir e provar que não perde a nacionalidade anterior;
b) A mulher portuguesa que case com estrangeiro pode declarar até à celebração do casamento que pretende manter a nacionalidade portuguesa.

Que dizer desta nova orientação?
O princípio clássico atrás referido, e de que a citada lei alemã de 1913 é expressão, encontra-se hoje bastante abalado. O princípio da independência da nacionalidade dos cônjuges anda, de resto, ligado a concepções que não podem deixar de ser caras aos chamados movimentos de emancipação da mulher. Mas o problema não se funda nestas razões, mais ou menos anedóticas. É sério, merecendo ponderação.
Consciência de tal facto revela-a a seguinte recomendação da Conferência da Haia de 1930:

A Conferência recomenda aos estados o exame da questão da possibilidade de:
1.º Consagrar no seu direito o princípio da igualdade dos sexos em matéria de nacionalidade, tomando particularmente em. consideração o interesse dos filhos;
2.º Decidir especialmente que para o futuro a nacionalidade não será, em princípio, afectada sem a sua autorização, pelo facto do casamento ou pela mudança de nacionalidade do marido.

Os defensores do princípio. clássico argumentam a favor da sua posição invocando:

1.º A unidade moral da família: o dualismo da nacionalidade contrariaria até a regra evangélica erant duo carne uno.
2.º O interesse da mulher: seguindo a nacionalidade do marido, deixará de ser estrangeira na terra onde habita.
3.º O interesse do Estado: conseguir-se-á deste modo a unidade moral e política da família,

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base de toda a conveniente estruturação social.

A isto objectavam os defensores do princípio da dualidade com:

1.º A igualdade dos cônjuges, como base da sociedade conjugal.
2.º O interesse da mulher, comprovado, por exemplo, pelo facto de o casal ter domicílio no país a sua origem.
3.º O interesse do Estado, visto pelo país da mulher, que poderá ser a terra para onde emigrou o marido, que aí constituiu lar, recomenda que a mulher não perca a nacionalidade originária.

Verifica-se assim que a eficácia dos argumentos aduzidos pode estar condicionada a especial situação do país considerado, reconduzindo, em alguns aspectos, a questão aos motivos políticos, que poderão igualmente decidir por um critério de jus soli ou jus sanguinis, quanto à nacionalidade originária.
No fundo, subsistem, como argumentos que ultrapassam os condicionalismos geográficos, a unidade moral da família, por um lado, e a igualdade dos cônjuges, por outro.
Ora a solução de conceder à mulher a faculdade de não perder, se assim o declarar, a sua nacionalidade originária, preconizada na proposta do Governo, parece-me portadora de elementos conciliatórios e aceitável no caso português.
É esta a minha convicção ao afirmar que dou a minha aprovação na generalidade à proposta em discussão.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos:

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Gostai Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Galapez Gomes Garcia.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henrique» Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
César Henrique Moreira Baptista.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Maria Porto.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Luís Fernandes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

Mapas a que o Sr. Deputado Sousa Rosal se referiu no decorrer da sua intervenção na sessão de hoje:

Liceu Nacional de Faro

Elementos relativos à frequência desde a sua instalação no actual edifício

MAPA N.º 1

Frequência global e suas variações

[Ver tabela na imagem]

Nota.- Como se verifica, a criação do Liceu de Portimão, em 1956, não influenciou o crescimento constante da frequência do Liceu de Faro.

MAPA N.º 2

Frequência feminina e suas variações

[Ver tabela na imagem]
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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