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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 76

ANO DE 1959 26 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 76, EM 25 DE FEVEREIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 75.
O Sr, Presidenta comunicou que recebera da Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.os 42 150, 42 151 e 42 152.
O Sr. Deputado Virgílio Crus falou sobre o Instituto Nacional de Investigação Industrial e nua finalidades.
O Sr. Deputado Belchior da Costa salientou o êxito do novo serviço de abastecimento de leite à cidade do Porto e concelhos limítrofes.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca da. proposta de lei relativa à nacionalidade portuguesa. Falou o 8r. Deputado Simeão Pinto de Mesquita.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos;

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Entesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.

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João Cerveira Finto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Yenâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Luís Fernandes.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes doa Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 85 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

ntes da ordem do dia

O Sr. Presidente: -Está em reclamação o Diário deu Sessões n.º 75, da sessão de ontem.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, considero aprovado aquele Diário das Sessões.
Enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 36, 1.ª série, de 12 do corrente, que insere os Decretos-Leis n.º 42 150, que aprova a tabela de custas no Supremo Tribunal Administrativo e nas auditorias administrativas e revoga determinadas disposições legislativas ; n.º 42 151, que cria a Academia Militar, estabelecimento de ensino superior destinado a formar oficiais para os quadros permanentes do Exército e da Força Aérea, e considera extinta, a partir da entrada em vigor do presente diploma, a Escola do Exército, e n.º 42152, que promulga a organização da Academia Militar.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Virgílio Cruz.

O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: a ciência e as suas aplicações têm enriquecido o património humano com maravilhosas aquisições, ocupando, por direito próprio, um lugar preponderante entre as grandes forças do Mundo.
Nos nossos dias, a riqueza e a prosperidade das nações dependem da rápida aplicação dos conhecimentos científicos a quase todas as formas da sua actividade e o crescimento dessa prosperidade e riqueza é dinamizado pela sistemática utilização do esforço perseverante dos cientistas. Por isso, a investigação pura e aplicada e a organização científica do trabalho desempenham papel primordial no bem-estar dos povos, sendo considerados como dos valores mais preciosos ao serviço da humanidade.
A criação do Instituto Nacional de Investigação Industrial corresponde a essa realidade do nosso tempo e vem de encontro a uma necessidade nacional, visto que a rápida e firme expansão das actividades produtivas, que afincadamente procuramos, terá, sem dúvida, de assentar no alicerce indispensável de uma assistência técnico-científica e económica bem organizada.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: no movimento de renovação e progresso levado a efeito nos últimos lustros em diversos sectores e actividades da vida portuguesa, movimento que o Governo tem vindo a impulsionar decididamente através, de várias medidas, foram ultimamente lançadas as bases do Banco de Fomento e já em 1956 foi tomada a iniciativa de criar um organismo - o Instituto Nacional de Investigação Industrial-, cuja proposta de lei conduziu, depois de discutida nas duas Câmaras, à Lei n.º 2089, votada nesta Assembleia no 1.º semestre de 1957 e cuja criação acaba agora de ser concretizada.
Virá o novo Instituto constituir sólido esteio da nossa organização técnico-científica e será um poderoso motor da nossa política de desenvolvimento. Para isso procurará aperfeiçoar a defeituosa concepção e estruturação económica e tecnológica que apresenta uma parte da nossa indústria metropolitana e ultramarina, adaptando-a às condições modernas da luta pelos mercados, na dura concorrência entre nações e dentro do nosso próprio país, concorrência agravada pelo desenvolvimento das políticas de liberalização de trocas e uniformização de mercados.
Uma indústria e um comércio estruturados em bases cientificas e com organização racional, a caminhar a par com uma agricultura modernizada, proporcionarão aqueles benefícios que incansavelmente procuramos em favor da colectividade, para satisfazer com desafogo as necessidades vitais de sustento e ocupação de todos os portugueses. Assim se romperá a estagnação que poderia resultar se em cada ano o aumento do produto nacional excedesse em pouco o incremento da população.
Para desenvolver o produto nacional e aumentar e melhorar os nossos meios de trabalho teremos de continuar a intensificar com afinco a valorização do nosso elemento humano e progredir em ritmo mais acelerado na investigação científica, visto a vida moderna se processar sob o signo do mais apurado e sistemático estudo científico e na sua aplicação à solução dos problemas nacionais através de processos de produção que possam trazer à utilização e conforto da colectividade a máxima soma de bens. É para esta realidade da nossa época,

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que não dispensa a aplicação do método cientifico no planeamento e condução de actividades industriais, que o Instituto Nacional de Investigação Industrial procurará apetrechar-nos com instrumentos de que o Pais ainda carece.
Será ele um orientador para, em colaboração com as actividades particulares, estudar e resolver as suas dificuldades, franqueando-lhes o fácil acesso às vantagens da investigação, da assistência técnica, do conhecimento de valiosos elementos de informação e até de colaboração técnica e de organização, tudo isto em bases cientificas e prestado por especialistas de alto nível profissional.
Será um poderoso auxiliar da iniciativa privada na íngreme caminhada para o desenvolvimento e aperfeiçoamento industrial do Pais, acompanhando os progressos científicos e técnicos das indústrias estrangeiras e nacionais, os processos de expansão económica, pondo preciosos elementos à disposição não só da grande indústria, mas também das pequenas e das médias empresas, aquelas que, sem meios financeiros e sem dimensão para montar laboratórios e manter especialistas para neles trabalhar, poderão, recorrendo ao Instituto Nacional de Investigação Industrial, acompanhar o progresso e garantir a alta qualidade dos seus produtos.
Nasce o Instituto para ser um organismo cientifico de alta projecção no futuro económico do Pais e vem auxiliar a execução de muitas das realizações previstas no n Plano de Fomento. Espera-se que a sua criação venha influir, com profundidade e rapidez, no aumento da produtividade de vários sectores e no crescimento do produto nacional.
Terá a nova instituição como órgãos uma direcção, um conselho técnico e um conselho administrativo. Do conselho técnico fazem parte representantes das escolas superiores do Pais, da indústria, especialistas da investigação cientifica ou tecnológica e produtividade industrial e representantes do Ministério das Corporações e Previdência Social. O seu conselho técnico compõe-se de várias secções especializadas, onde estão representadas as indústrias têxteis, de vestuário, curtumes, calçado e afins; indústrias de madeira, papel, celulose e cortiça; indústrias químicas, produtos resinosos e farmacêuticos; indústrias de metais e metalomecânicas, máquinas e aparelhos; indústria de cerâmica, vidro e abrasivos, e as indústrias alimentares.
Logo de inicio disporá o Instituto Nacional de Investigação Industrial de dois serviços técnicos, um de investigação, laboratórios e assistência técnica à indústria e outro de produtividade, organização científica da produção e do trabalho industrial.
Além dos serviços centrais, até agora referidos, virá o Instituto a dispor de serviços externos, a definir e a criar à medida das necessidades.
Não podem circunscrever-se só à metrópole os benefícios da nova organização, e esperamos que através dos serviços externos muito em breve a sua acção chegue a Angola e Moçambique ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-... sob a forma de delegações ou outras das previstas no Decreto n.º 42121, para desenvolver nessas terras portuguesas a investigação cientifica e a sua aplicação ao melhor e mais rendoso aproveitamento das suas riquezas e à elevação da cultura e alargamento da elite entre aqueles que nelas labutam. Esta resolução abrirá caminho à formação de um escol dos naturais e à sua participação mais activa no desenvolvimento dos nossos territórios ultramarinos.
Todos os países procuram criar e ramificar poderosas organizações para a realização de esquemas de investigação pura e aplicada e para a organização científica do trabalho; nações mais pequenas que a nossa e sem a responsabilidade de vastas províncias ultramarinas mantêm modelares organizações.
Mesmo que o Governo conceda com largueza os meios materiais necessários ao estabelecimento das instalações que lhe permitam exercer eficazmente a sua acção, deparar-se-ão à nova instituição dificuldades para a formação dos seus quadros, dificuldades resultantes da carência de pessoal especializado com aptidões necessárias à investigação e avolumadas ainda pela falta de engenheiros e licenciados em Ciências, o que embaraçará o arranque e dificultará a continuidade de um programa de expansão.
Na indústria e nos quadros técnicos do Estado há escassez de profissionais qualificados. As actividades cientificas, técnicas e industriais, no nosso pais e no estrangeiro, estão lutando com escassez de bons profissionais e as previsões para o futuro não deixam duvidas quanto ao agravamento deste problema. O Laboratório Nacional de Engenharia Civil tem tido dificuldades em preencher as vagas deixadas por funcionários que têm saldo dos seus serviços.
A falta de cientistas é hoje geral em todo o mundo civilizado.
Trava-se já entre o Oriente e o Ocidente a batalha da ciência e da técnica; para a vencer, as grandes potências lançam mão de planos maciços de formação de cientistas e técnicos e organizam a investigação sistemática por meio de poderosas instituições e centros especializados, onde, em grandes equipas e em grande escala, fazem estudos aplicados à industria. Vários países estabelecem previsões a longo prazo e tomam medidas, servidas por amplos meios, para a formação dos quadros especializados de que irá carecer a execução dos seus programas de valorização económica.
Por exemplo, a Suíça calcula que deve ser aumentado, quanto antes, em 50 por cento o número anual de diplomados pelas grandes escolas técnicas. Na Suécia, a comissão de quadros da confederação dos industriais encara que até 1965 as exigências de especialistas industriais e engenheiros aumentarão de cerca de 60 por cento. Na União Soviética, o número de diplomados por estabelecimentos de nível universitário passou de 370 000 no quinquénio de 1933-1937 para 1 121 000 no plano quinquenal de 1951-1955.

O Sr. José Sarmento: - Sr. Deputado, V. Ex.ª permite que eu o interrompa?

O Orador:-Faz favor.

O Sr. José Sarmento: - Concordo plenamente com a doutrina exposta, e por isso queria novamente destacar um ponto tantas vezes por mim aqui debatido.
Para que as nossas Universidades possam desempenhar, relativamente ao ensino cientifico, o papel que lhes compete, muito há ainda que fazer. Em particular impõe-se a instalação da Faculdade de Ciências de Lisboa em novo edifício, pois no actual, pelas suas reduzidas dimensões, o ensino prático, em algumas das suas secções, pode afirmar-se que é inexistente. Além disso, o seu precário estado de conservação não permite impedir que, logo às primeiras chuvas, chova também nas suas salas, laboratórios e museus.

O Orador:-Agradeço a V. Ex.ª, Sr. Deputado José Sarmento, a sua intervenção.
Eu sabia que a secção de física da Faculdade de Ciências estava instalada em condições precárias, mas desconhecia toda a sua extensão.

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O aumento da população escolar tem criado dificuldades aqui e no estrangeiro, dificuldades que se agravarão se não forem feitas previsões a longo prazo e servidas por amplos meios. Para evitar estrangulamentos, haverá que prever com acerto e com tempo. Ao falar de dificuldades no estrangeiro, vem-me à memória o que se está a passar na Sorbona, com todo o seu poder irradiante no campo da cultura, onde os alunos se encontram actualmente numa situuação de vida escolar difícil
No semanário Jours de France de Novembro de 1958 vinha uma entrevista com uma aluna, ilustrada com fotografias de uma greve de professores e alunos da Sorbona. Entre essas fotografias vinha uma com os alunos sentados nos parapeitos das janelas, nos degraus, etc.
Queixavam-se eles de dispor de um lugar para cinco alunos, de um professor para quinhentos alunos e de que cada aluno só podia utilizar a biblioteca por duas horas.
Mas este caso de modo nenhum justifica demoras para resolver as nossas dificuldades.
Entre nós, a conclusão da Cidade Universitária virá resolver a situação, se for feita com vistas largas e olhando ao futuro.

O Sr. Vasques Tenreiro: - Já que vem à baila o programa da Cidade Universitária, eu desejava apoiar as considerações do Sr. Deputado Virgílio Cruz, porque, se a obra da Cidade Universitária deve, na verdade, considerar-se grandiosa, o facto é que, pelas razões já aduzidas pelo orador, se verificaram deficiências, como, por exemplo, as referentes a número de aulas, que não estão de acordo com a frequência de alunos de ama das Faculdades já instaladas.
Quer dizer: trata-se de uma concepção grandiosa, de um plano amplo, que pela primeira vez se realiza neste pais, cujo significado marcará, certamente, uma época; não obstante, é de desejar que as comissões ou o grupo de pessoas encarregadas da realização do plano ponham o máximo cuidado na sua execução, a fim de. que os edifícios, logo de inicio, não pequem por carências, que devem ser apontadas e criticadas.
Eu queria frisar o seguinte: a obra da Cidade Universitária é uma grande obra, e importa que, de futuro, os novos estabelecimentos, cuja construção vai seguir-se, sejam planeados com o rigor que faltou a alguns dos que já estão a funcionar.

O Orador:-Estou inteiramente de acordo com V. Ex.ª
A eficiência deste nosso novo Instituto dependerá directamente da qualidade dos cientistas que nele venham a trabalhar e indirectamente da eficiência do nosso ensino superior.
Precisamos de dedicar à escola o máximo de interesse, como factor essencial de progresso.
As despesas públicas no ensino e na investigação tora vindo a aumentar progressivamente nos últimos anos e há várias medidas que mostram com eloquência a intensificação do esforço que se esta a levar a cabo no sector da instrução. Sabemos que, se ò número de escolas técnicas não tem aumentado em maior ritmo, não é por dificuldades financeiras nem por falta da melhor das vontades para o fazer, mas, se o ritmo desse aumento não pode ser tão acelerado como o queria o Ministro da Educação Nacional e como convinha à Nação, é por falta de pessoal docente, principalmente nos grupos técnicos, falta que afecta também outros sectores do ensino. Haverá que criar incentivos para debelar a escassez de candidatos ao professorado, principalmente nos grupos técnicos, atrair às carreiras docentes e conservar nelas os melhores, por meio de recompensas materiais, prestigiando e dignificando a função e reconhecendo à docência a importância social da alta função que desempenha.
Na valorização da nossa gente, no alargamento da infra-estrutura humana necessária às grandes tarefas do futuro, muito terão a fazer as nossas Universidades e escolas, as instituições especializadas como o Instituto Nacional de Investigação Industrial e a indústria em geral, colaborando na formação profissional.
A indústria pode e deve, no seu próprio interesse, ter um papel relevante, facilitando estágios e contribuindo para o apetrechamento de laboratórios. A elevação do nível profissional e cultural da Nação terá fortes reflexos no desenvolvimento geral do País. A Universidade não pode ser apenas cátedra de ensino teórico, mas carece também de centros onde a investigação se pratique como actividade normal com fins pedagógicos, para a formação de investigadores, difusão do espírito de investigação e aperfeiçoamento dos métodos e das técnicas de investigação.
A Universidade formará investigadores e fará investigação fundamental.

O Sr. José Sarmento: - V. Ex.ª permite que novamente o interrompa?
Os assuntos que V. Ex.ª tão brilhantemente está a tratar estão tão de perto relacionados com alguns que aqui tenho tratado que me vejo obrigado a acrescentar mais uma nota, socorrendo-me das afirmações feitas recentemente pelo magnifico reitor da Universidade de Lisboa.
Disse o reitor: «Na Universidade moderna é impossível deixar de praticar a investigação como actividade normal e intrínseca animada de fins pedagógicos. Trata--se, em geral, de uma pesquisa desinteressada, mas nada impede que tenha fins utilitários; o que a caracteriza é o facto de nela se dar uma importância capital à formação de investigadores».
Estas palavras sintetizam lapidarmente qual deve ser o papel das Universidades nesse domínio.

O Orador:-Agradeço o seu brilhante depoimento e sobre isso posso dizer que esse problema foi cuidadosamente examinado pela O. E. C., que para o sen estudo nomeou duas comissões: uma visitou várias instituições na Alemanha, França, Itália, Bélgica, Dinamarca, Holanda, Suécia e Grã-Bretanha; a outra visitou os Estados Unidos da América e o Canadá.
Nas suas, conclusões foi considerado que a investigação aplicada era de interesse nas escolas tecnológicas e nas Universidades, para estimular a inteligência dos mestres e preparar os estudantes para as futuras profissões. Mas recomendava a necessidade de limitar tal intervenção da Universidade, sem perder de vista que a sua função-base consiste no ensino, na formação de investigadores e na investigação fundamental.
É preciso que as nossas Universidades recebam novos meios de acção, para que consigam, com a dedicação e esforço do sen pessoal docente, formar profissionais qualificados e interessados na investigação.
O novo Instituto constituirá precioso meio onde, pacientemente, dia a dia, com base no mais largo estudo, ponderação e investigação, serão atacados os diferentes problemas que interessam à vida das diferentes indústrias - problemas científicos e tecnológicos- e até às questões das relações humanas no trabalho, para poder servir igualmente a grande, a média e a pequena empresa. A escola da vida, aliada a uma formação profissional intensa, mostrará as melhores soluções para as necessidades objectivas e práticas das nossas empresas.
Na formação dos quadros é preciso ter sempre presente que a produtividade de quadros eficientes, embora

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caros, excede em muito a eficiência de quadros baratos mas que não produzam.
Para que a nova instituição conquiste alto prestigio em poucos anos, interessa que encare com espirito objectivo e prático os múltiplos problemas e que as estruturas e os programas de investigação aplicados às indústrias correspondam verdadeiramente às suas necessidades e às da Nação, em que aquelas se integram.
Os temas de trabalho de interesse prático em que se veja um beneficio para a economia nacional e que sirvam insofismavelmente o Pais prestigiarão o Instituto e criar-lhe-ão autoridade. O seu papel na economia nacional será dia a dia mais importante.
Irá o Instituto Nacional de Investigação Industrial coordenar as actividades de vários dos nossos centros de investigação; sem esquecer o que existe e sem pretender fazer tudo de novo, evitará duplicações de equipamento, de temas de estudo, de esforços individuais, orientando-os de harmonia com os superiores interesses da economia nacional.
A coordenação geral dos esforços de investigação aplicada requer um conhecimento profundo da tecnologia industrial e uma apreciação muito lata dos problemas, das tendências e dos caminhos proveitosos às actividades industriais, profundidade de conhecimentos, a que se chegará com a experiência em íntima ligação com as actividades industriais e com os problemas práticos que lhe dizem respeito, profundidade de conhecimentos que levará a uma mútua compreensão e respeito e à criação de aberto, leal e interessado espirito de colaboração, para que todo o trabalho realizado nos diversos departamentos convirja para o mesmo objectivo.
Uma coordenação com vistas largas e sem asfixia ou supressão de iniciativas de vários centros portugueses de investigação dispersos promoverá e aperfeiçoará a cooperação entre centros de investigação e empresas afins e estreitará as relações entre a ciência e a indústria.
A larga divulgação e utilização dos resultados conseguidos pelas equipas de trabalho do Instituto fará dele um foco de irradiação e tornará a instituição conhecida e prestigiada; embora já se actue entre nós com certa eficiência na divulgação dos trabalhos dos nossos centros de investigação, convirá alargar e beneficiar essa divulgação, para tornar mais proveitosos e de mais fácil apreensão os elementos publicados.
A investigação cientifica é a força mais importante e mais dinâmica que está mudando a face da Terra.
Nos Estados Unidos da América a despesa anual com a investigação de todos os tipos aumentou bruscamente de menos de 1 bilião de dólares antes da última guerra para mais de 10 biliões em 1957, ano em que só na investigação industrial despenderam mais de 7 biliões de dólares.
Há todo o interesse em que a política fiscal do Governo oriente os investimentos para a investigação. Com essa finalidade, deveriam ser isentas de impostos as importâncias a gastai- na investigação pura e aplicada, quer pelos industriais, quer pelos particulares que se disponham contribuir com doações ou legados para o progresso cientifico e económico dê Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Alguns países, para estimular a investigação, reduzem a taxa de imposto sobre os rendimentos resultantes de inventos industriais de manifesto interesse público.
A política fiscal do Governo deve estimular um crescimento das despesas na investigação e facilitar a formação de capitais, para que sejam postos em prática os resultados dessa investigação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- A criação do Instituto Nacional de Investigação Industrial, pela alta importância e vincada projecção que virá a ter no nosso desenvolvimento industrial, ficará como padrão de glória de uma época, marca um gigantesco passo em frente no caminho seguro para o nosso progresso.
Tento dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Belchior da Costa: - Sr. Presidente: creio não ser aqui descabida uma palavra a sublinhar um acontecimento do maior interesse e da mais alta importância para as populações a que diz respeito, especialmente pura a lavoura das províncias de Entre Douro e Minho, a que pertencem alguns concelhos do norte do meu distrito e, nomeadamente, o meu próprio.
Quero referir-me, Sr. Presidente, à recente entrada em vigor do novo serviço de abastecimento de leite à cidade do Porto e concelhos vizinhos, da iniciativa dos grémios da- lavoura das zonas naturalmente interessadas nesse serviço, através da Federação dos Grémios da Lavoura de Entre Douro e Minho, conforme foi oportunamente anunciado e tornado público pela imprensa e demais órgãos de informação.
Vigora esse novo serviço de abastecimento apenas desde o dia 1 deste mês; e, apesar do pouco tempo decorrido, apesar de durar apenas há escassos dias, pode, no entanto, afirmar-se que já constitui um êxito.
Êxito para o Governo, que oportunamente publicou as medidas legislativas convenientes e necessárias a possibilitar a adopção do sistema e a sua entrada em funcionamento.
Êxito também para os serviços, que, desde a primeira hora, incentivaram e acompanharam o desenvolvimento progressivo dos esforços da produção em ordem ao estabelecimento definitivo da nova modalidade.
Êxito ainda para ã lavoura, que por essa forma vê realizada uma das suas mais antigas aspirações, qual seja a de eliminar intermediários que lhe sugam uma apreciável parte do seu trabalho e do seu lucro, ao mesmo tempo que vê valorizado e prestigiado um produto sobre que fundara, até então baldadamente, legítimas esperanças - o leite.
Êxito, finalmente, para as populações consumidoras de leite em natureza, nomeadamente para a população da. cidade do Porto e concelhos urbanos vizinhos, pela notável melhoria de condições de higiene e de salubridade, se não mesmo de preço, em que actualmente é feito o abastecimento e o fornecimento do leite para consumo público.
Seguramente, este último sucesso não é dos que devem ser menos encarecidos.
Sabe-se, com efeito, em que precárias condições de higiene e salubridade era, na sua generalidade, fornecido o leite & cidade do Porto e aglomerados urbanos vizinhos e como ainda hoje o é em vastas regiões do País.
Com excepção do leite fornecido em recipientes apropriados por algumas empresas de lacticínios, todo o restante leite consumido na cidade e concelhos limítrofes, porventura puro na sua origem, estava continuamente sujeito a todas as viciações, por vezes, com certeza, às mais grosseiras fraudes e sempre à absoluta carência de cuidados de tratamento e de higienização, constituindo, por isso mesmo, um permanente atentado contra a saúde dos consumidores.
Transportado este leite dessa sua origem em bilhas ou canados totalmente violáveis, e, por certo, muitas vezes violados, e depois desde improvisados postos de con-

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ceatração até às portas dos consumidores em recipientes igualmente violáveis da mais diversa natureza e feitio; trocado, baldeado e caldeado de uns canados para outros em plena rua, a todo o tempo; sujeito até, mercê das possibilidades de tais manobras, a todas as adulterações - é óbvio que em tão precárias condições nenhuma prova de confiança poderia merecer aos que houvessem que o consumir.
Sr. Presidente: passaram sob os meus olhos ainda há pouco algumas expressivas fotografias, obtidas ao acaso nas ruas da cidade, que nos mostram, por exemplo, este espectáculo deplorável:
Sobre o pavimento da rua, uma manhã, diversos canados, panelas e outros recipientes. A volta deste estendal juntam-se diversas «leiteiras», baldeando leite de umas vasilhas para outras, e uma dessas mulheres para fazer tal operação empunha nem mais nem menos que um regador ...
Este espectáculo degradante deixou de se observar desde que entrou em vigor o novo serviço de abastecimento de leite à cidade e seus arredores, mercê da adopção do sistema de que me estou ocupando, possibilitado pelo decreto-Lei n.º 39 178, de 20 de Abril de 1953, mandado aplicar à área do Porto e Concelhos vizinhos por despache ministerial de 19 de Dezembro de 1956.
Mas se V. Ex.ª permite que me alongue um pouco mais atrever-me-ei a dar à Assembleia uma resenha mais detalhada do novo sistema, já em franca execução.
Não vou, no entretanto, fazer a história das vicissitudes ou dos percalços por que têm passado, entre nós, a produção e o comércio do leite.
Isso levar-me-ia muito longe e até me faria afastar do objectivo que me propus.
Farei, pois, tão-sòmente breves considerações para melhor compreensão da forma como foi possível instalar e pôr em execução esse novo sistema,- que, embora apenas iniciado, já constitui hoje uma realidade digna de nota e de elogio.
Sr. Presidente: os êxitos e progressos a que venho aludindo devem-se, inicialmente, a uma acertada e corajosa medida do Governo, constituída pelo Decreto-Lei n.º 39 178, de 20 de Abril de 1953, a que acabo de me referir, que modificou profundamente as condições em que até então se fazia a recolha e o comércio do leite e, do mesmo passo, estabeleceu salutares normas de disciplina e de higiene quanto & recolha, industrialização ou tratamento e venda daquele precioso produto.
Para o efeito, e com vista à consecução dê tão importantes objectivos, cometeu-se, em boa hora, pelo mesmo decreto aos grémios da lavoura, em representação dos seus associados, a manutenção e exploração dos postos de recolha e de concentração do leite e bem assim a faculdade de os mesmos grémios montarem e explorarem postos de distribuição e, numa palavra, procederem à venda colectiva do leite e das natas para a indústria e à veada do leite em natureza para o consumo público, depois de devidamente tratado e higienizado em estações tecnicamente apetrechadas para o desempenho de tais operações.
Perante a forma atrabiliária, desconexa e verdadeiramente caótica como funcionava até então todo o serviço de recolha, transporte e comércio do leite, o novo sistema instituído pelo Decreto-Lei n.º 39 178 constitui uma verdadeira, revolução contra os nossos reiterados vícios da inércia e da rotina.
Porém, posto que com este sentido acentuadamente progressivo, procurou, todavia, o Governo agir com prudência e com cautela; e por isso mesmo logo se estabeleceu que o decreto só entraria em vigor nas diversas regiões do País à medida que tal fosse determinado por despacho do Ministro da Economia.
Estava, no entanto, lançada a base legal donde haveria que se partir para a conquista dos objectivos propostos nesse diploma fundamental. Por isso mesmo, pouco tempo depois da publicação desse decreto-lei, logo os grémios da lavoura da região do Douro Litoral, reunidos em assembleia geral, deliberaram solicitar do Governo a imediata entrada em vigor nessa mesma região do dispositivo daquele decreto; e essa deliberação era logo após sancionada e corroborada pela assembleia geral da Federação dos Grémios da Lavoura de Entre Douro e Minho, instituição que viria a desempenhar um papel da mais marcada relevância para a organização e montagem do sistema.
Foi o começo.
Desde então por diante nunca mais a Federação dos Grémios da Lavoura de Entre Douro e Minho deixou de prosseguir nos seus esforços para que viesse a ser instituído na região o novo sistema de recolha, tratamento e comércio de leite criado por aquele decreto-lei.
Com o desenvolvimento desses esforços ou, antes e melhor, por via deles, coincidiu a nomeação, por portaria do Subsecretário de Estado da Agricultura de 24 de Maio de 1955, de uma comissão, composta pelas mais representativas personalidades, encarregada de elaborar o estudo que se reputou indispensável a execução daquele Decreto-Lei n.º 39 178 na zona abastecedora de leite à cidade do Porto e centros limítrofes.
Essa comissão, composta pelos Ex.mos Srs. Dr. José Frazão Nazaré, como representante da Câmara Municipal do Porto; Dr. Joaquim Correia da Costa, como delegado da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários; engenheiro agrónomo Manuel Simões Pontes, como delegado da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas; Dr. Vasco Maria Pereira Pinto Costa Ramos, como delegado da Junta Nacional, dos Produtos Pecuários, e António da Cunha Melo, como representante dos grémios da lavoura interessados, tomou posse do seu mandato em 15 de Julho de 1955 e deu por concluído o seu relatório em 5 de Junho de 1956.
Em suas conclusões foi essa comissão de, parecer que era possível dar-se execução rápida ao Decreto-Lei n.º 39 178, «com incalculáveis vantagens para produtores e para consumidores», sendo uma das principais n melhoria da qualidade do leite e o seu fornecimento em condições de inteira segurança e salubridade, pela adopção do sistema que se preconizou dass bilhas invioláveis
Não haveria agravamento do preço do consumo, do preço de venda ao público, e haveria, por outro lado, uma possibilidade de substancial aumento de valorização do leite, pela supressão de um sem número de intermediários, que arrecadavam o lucro de cerca de 1$ em cada litro de leite vendido ao público.
Para melhor execução do programa proposto preconizou a comissão o estabelecimento de uma zona abastecedora da cidade, formada pelos concelhos do Porto, Matosinhos e Maia e por algumas freguesias dos concelhos de Vila do Conde, Valongo, Gondomar, Gaia e Feira, e o estabelecimento de uma subzona de abastecimento - de reforço e socorro daquela zona, sempre que necessário, e também da prevista extensão e alargamento do sistema a outros centros urbanos e nomeadamente às praias da região-, constituída esta subzona pelas restantes freguesias dos concelhos citados e mais os concelhos da Póvoa de Varzim, Santo Tirso e Paços de Ferreira.
Mereceu este estudo a melhor colaboração dos serviços interessados e. particular atenção por parto do Governo.
Assim é que, por despacho ministerial de 19 de Dezembro de 1956, foi mandado pôr em execução naquelas

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zona e subzona o sistema instituído pelo Decreto-Lei n.º 39 178.
Dessa execução se ocupou decidida e decisivamente a Federação dos Grémios da Lavoura de Entre Douro e Minho, por delegação dos grémios interessados, assistido por uma nova comissão, também nomeada por despacho ministerial, composta pelas individualidades que já formavam a comissão de estudo a que aludi e por outras personalidades ligadas aos problemas em equação.
Esta comissão deu, sem dúvida, o contributo mais louvável u execução e montagem do novo- serviço de abastecimento de leite à cidade e aglomerados urbanos vizinhos, assim como a primeira comissão dera o contributo do seu proficiente estudo em ordem à melhor solução dos problemas sobre que se deteve.
Mas a grande força impulsionadora deste movimento foi seguramente aquela Federação dos Grémios, à qual destacadamente preside a inteligência, a energia e & .perseverança de António Martins da Cunha Melo, devotado e esclarecido lavrador, verdadeiro servidor ria causa da lavoura, que se revelou um realizador e organizador altamente capaz, eficiente e construtivo, nunca se poupando a esforços nem a canseiras para que a instauração do novo sistema viesse a ser um facto. Honra lhe seja.
Foi, decerto, necessário remover muitos obstáculos; promover colaboração activa- e concitar boas vontades; afirmar perseverança nos propósitos, esperanças nos objectivos e inabalável fé nos resultados; vencer a própria inércia s lutar tenazmente contra a rotina, a incompreensão e, por certo, contra a má vontade de alguns; foi, em suma, preciso lançar as bases de todo um edifício novo, pôr em execução todo um sistema, montar todo um serviço, partindo-se, praticamente, do nada.
Pois bem:
Mercê do proficiente trabalho das comissões e dos esforços tão perseverantemente prosseguidos pela Federação, e especialmente pelo seu presidente, venceram-se todas as relutâncias, removeram-se todos os obstáculos, realizaram-se os objectivos propostos, conquistaram-se os primeiros, resultados previstos, numa palavra, ganhou-se a batalha.
Presentemente os produtores de leite daquelas áreas, por intermédio dos seus grémios da lavoura, são quem «comanda» o destino dessa valiosa mercadoria, se bem que com o melhor espírito de colaboração com os consumidores de leite em natureza e com os industriais de lacticínios.
Onde não havia postos de recepção (na zona havia apenas três e na subzona uns vinte e nove) montaram-se esses postos, que ao todo atingem hoje o número de duzentos e trinta.
Montaram-se s equiparam-se igualmente na cidade e concelhos vizinhos vinte e dois postos de distribuição, estando previstos outros.
Estabeleceu-se um serviço de transportes rápidos e eficientes.
Adequaram-se e equiparam-se devidamente as necessárias estações de tratamento, higienização e refrigeração do leite, tudo por forma a que este valioso produto seja recolhido, transportado è fornecido ao consumo público nas melhores condições de segurança quanto à sua qualidade, com rapidez e sem aumento de preço para o consumidor.
Sr. Presidente: com o estabelecimento deste novo sistema de abastecimento de leite à cidade do Porto e concelhos vizinhos, de cujo acontecimento, bem digno de registo, aqui me estou ocupando, já se mostram sensíveis melhorias para produtores e consumidores das áreas respectivas, nomeadamente, quanto àqueles, no que concerne ao preço desse produto e, quanto a estes, no que respeita essencialmente à sua qualidade. Visando-se & forma como é assegurada a qualidade e genuinidade do leite destinado ao consumo público (e até, e também, do destinado à indústria), importa referir que todo o leite da produção, nas referidas áreas, é recolhido nos postos de recepção, em número já assinalado, disseminados pela zona e pela subzona em consideração dos efectivos pecuários' leiteiros dos respectivos aglomerados agrícolas. O transporto até esses postos é feito pelos próprios produtores ou seus familiares em bilhas apropriadas.
Sofre aí o leite uma primeira análise, para verificação do seu estado, qualidade e teor de gordura, estando prevista a recusa de leite que se não apresente em condições satisfatórias.
Em seguida é rapidamente transportado aos postos de tratamento e higienização, colocados um em Vila do Conde, outro no Porto e outro na Feira.
Aí é de novo analisado, classificado e normalizado e imediatamente sujeito a operações de higienização e de refrigeração em depósitos isotérmicos adequados, até à temperatura de 4ºC.
Após estas operações de tratamento é sem demora conduzido aos postos de distribuição espalhados pela cidade e arredores; e daí, finalmente, distribuído aos consumidores; directamente ao balcão ou indirectamente por intermédio das leiteiras, Mas por meio de bilhas absolutamente invioláveis, estudadas e mandadas construir especialmente para este serviço.
Manteve-se o preço da venda ao público, e, assim, já deste primeiro ponto de vista, sem se alterar o preço de venda do leite aos consumidores, conseguiu-se, melhorar sensivelmente a sua qualidade e, sobretudo, promover o seu consumo em condições capazes de assegurar a higiene e genuinidade do produto.
Isto representa, sem dúvida, uma reconfortante conquista e um grande passo dado em defesa do consumidor.
No que diz respeito a produtores e quanto as melhorias por estes obtidas com este novo condicionamento relativo à recolha e ao comércio do leite, sem falar já no natural interesse que têm os produtores de ver defendida a genuinidade e pureza do seu produto, conseguiu-se, para já, elevar o preço médio de cada litro de leite pago à produção de 1$60 para 1$70, sendo ainda certo que, pagando-se anteriormente, em muitos casos cada litro de leite ao preço de 1$40, presentemente o preço mínimo pago é de 1$60.
É uma melhoria modesta, mas espera-se vir a valorizar esse preço, sem, no entretanto, se encarecer o preço da venda ao público.
Modesta, embora, ainda esse pequeno diferencial representa para a lavoura interessada uma melhoria anual de mais de 1600 contos, isto sem fazer conta à produção da subzona, que é sensivelmente superior à produção da zona.
Com efeito, a produção da zona orça pelos 45 000 l de leite diários, em média, orçando a produção da subzona, também em média, pelos 50 000 l diários.
Assim, e logo que entre em execução também na subzona o condicionamento estabelecido pelo referido Decreto-Lei n.º 39 178, prevê-se para já, quanto à produção das duas áreas, uma melhoria de preço à lavoura da ordem dos 3500 contos anualmente.
Sobre isto acresce a prontidão com. que na zona está sendo feito, o pagamento do leite a produção.
Na 1.º quinzena deste mês a Federação dos Grémios da Lavoura de Entre Douro e Minho, em representação dos respectivos grémios, recolheu e movimentou 570 000 l de leite, no valor aproximado de 1000 contos, que pagou

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pontualmente entre os dias 17 e 21 deste mês a cerca de 4000 produtores.

Foi um recorde um êxito.
Só este facto é bastante para acreditar e prestigiar uma organização.
Sr. Presidente: como presidente de um grémio da lavoura largamente comparticipante e interessado na montagem e execução deste novo sistema de abastecimento e distribuição de leite à cidade do Porto s aglomerados urbanos circunvizinhos, é-me sumamente grato trazer à consideração da Assembleia e, através dela, à consideração do País este breve apontamento com que desejei fosse registado aqui tão feliz acontecimento. Para a sua plena realização muito contribuiu o esforço, a dedicação e a perseverança nos propósitos dos grémios interessados e da sua Federação, cujo exemplo pode e deve ser apontado como demonstração do que a lavoura devidamente associada s unida é capaz de fazer e conseguir em ordem à valorização dos seus produtos, à satisfação dos seus objectivos e à defesa do bem comum.
Mas é evidente que tal finalidade nunca seria atingida sem o apoio, o incitamento, a orientação e a colaboração efectiva dos diversos departamentos do Estado ligados ao- assunto, nomeadamente da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários, da Junta de Colonização Interna, da Junta Nacional dos Produtos Pecuários e, muito especialmente, da Secretaria de Estado da Agricultura.
Todos os louvores são, pois, devidos aos ilustres servidores desses importantes departamentos, nomeadamente ao Sr. Secretário de Estado da Agricultura, a quem, deste lugar, me permito render as minhas respeitosas homenagens.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre a nacionalidade portuguesa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Simeão Pinto de Mesquita.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: não cause estranheza a V. Ex.º que antes de falar sobre a ordem dia lhe enderece desta tribuna, como faço, as minhas saudações sempre respeitosas quanto cordiais, saudações que á da praxe lhe dirija por cortesia orador que pela primeira vez suba estes degraus em legislatura nova. Assumiu esta Assembleia poderes constituintes - e a unanimidade com que os votou é eloquente prova de que, bem ou mal, o fez convicta de agir dentro das suas prerrogativas. Ora essa como que inversão de título, transformando este corpo político, de certo modo, numa Assembleia nova, será, quero crê-lo, boa razão, aos olhos benevolentes de V. Ex.º, de que estas saudações as não julgue supérfluas ou fora de propósito. E se erro -estamos na Quaresma-, V. Ex.º me .absolverá.
Está em discussão a proposta de lei sobre a nacionalidade portuguesa. Vamos dedicar-lhe sumárias considerações; sumárias, não porque se repute a matéria exígua ou de limitado interesse - quanto pelo contrário ! -, mas sobretudo porque, à parte a nossa insuficiência, nos não sobrou o tempo de a aprofundar.
O lúcido relatório ministerial que a precede e o consciencioso parecer da Câmara Corporativa, a propósito ouvida, assaz poderão contribuir para esclarecimento da Assembleia sobre o objecto da proposta. Por mim penso que quanto à generalidade ela merece essencial aprovação.
Já em anterior sessão desta Assembleia o ilustre Deputado Sr. Alberto de Araújo, em bela dedução jurídica histórico-doutrinária, justificou aqui a conveniência da reforma a promulgar. Outro tanto o fizeram na sessão de ontem, e com igual elevação, os Srs. Deputados Soveral e Barata, este de forma também predominantemente doutrinaria e aquele antes de crítica construtiva. Partilho genericamente da sua maneira de ver, e, assim, me dispensarei, para economia da paciência da Câmara, de repeti-los.
De facto, defrontamo-nos com umas bases de lei que mantém, quanto àquela que se propõe substituir, as linhas estruturais do respectivo direito substantivo. Apenas pretende regulamentar e sistematizar com mais ajustado pormenor aquilo para que a crescente complexidade da vida actual solicita maior perfeição jurídica.
Alteração de forma mais que de fundo; é-nos disso garantia a recordação do que já ensinava, a propósito de nacionalidade, o saudoso Prof. Machado Vilela, ao expor no seu Direito Internacional Primado como a maior diversidade de casos imagináveis era possível integrá-la na disciplina dos concisos artigos do nosso Código Civil. Tanto nos basta para alívio de consciência quanto à responsabilidade pelo voto que nos é solicitado.
Além do facto da manutenção .da orientação fundamental do nosso direito vigente, é-nos deveras grato sentir - sentir recolhidamente, sem pretensões de jactância vernácula - que a linguagem do texto a aprovar reflecte simplicidade e clareza de fornia, com suficiente concisão, não desmerecendo, assim, da pureza de estilo a que nos havia habituado o legislador do velho Código.
Sendo virtudes essas, de redacção, por vezes esquecidas, mesmo em diplomas jurídicos de larga projecção, eis aqui ainda novo motivo para a nossa tranquilidade de espírito e de louvor e incitamento para S. Ex.ª o Ministro da Justiça, responsável pela iniciativa da proposta.
Tratando-se de nacionalidade portuguesa, será particularmente feliz que o português -o português língua - seja natural e não naturalizado ...
Assim, animo calmo, passemos a concretizar algumas das observações que a leitura do texto da proposta com a do correspondente relatório nos foi sugerindo.
Mas, preliminarmente, para qualquer efeito prático que destas observações possa vir a tirar-se, não nos parece ocioso reflectir sobre os passos itinerantes da proposta. De início redigida por artigos, como projecto de decreto-lei, e como tal submetida a consulta da Câmara Corporativa. Obtido o parecer desta, aparece agora transformada, com a melhoria de leves retoques, em proposta de lei, articulada sob a designação de banes, para efeito de ser presente a esta Assembleia
Tal circunstância - a desta designação - permitirá que, mesmo sem a Assembleia alterar sensivelmente os textos, u Comissão de Redacção, com poderes delegados desta Assembleia, seja lícito, pois de bases formalmente se trata, aproveitar no articulado definitivo da lei aquelas observações ou sugestões nossas que entenda dignas de aproveitamento; isto, já se vê, quando as mesmas possam admitir-se como esclarecedoras dos textos, sem se alterar o pensamento votado

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E neste pressuposto que formularei as seguintes observações à proposta, já agora na generalidade, quer, depois, na especialidade.
Primeira: a da localização da lei reguladora da nacionalidade, e esta formulada à margem da proposta e não quanto ao seu texto, pois concerne ao relatório.
Neste se pretende justificar a necessidade de se destacar do Código Civil a matéria a aprovar. Quanto à posição actual da nossa legislação civilista acho aceitável fazer-se a propósito, provisoriamente, um. diploma autónomo.
Já, outrossim, me não convencem os argumentos expendidos para que se consagre afinal como definitiva a autonomia de tal instituto com diploma próprio, tal como no referido relatório se patrocina; orientação esta que ali se defende por razões, sobretudo, de predomínio os vínculos do direito público que hierarquicamente devem manter-se sobre as do foro privado em matéria de nacionalidade. A Câmara Corporativa, no seu contemporizador parecer, conclui por conformar-se com tal directiva, recordando que essa foi a orientação adoptada em França com a recente publicação do Code de la Nationalité Française. Transparece, no entanto, tê-lo feito sem radicada convicção jurídica - com mais convicção formularam os Sr s. Deputados Araújo e Barata. Seja como for, perdoe-se-nos divergir desta maneira de ver um problema, aliás com possível projecção no futuro quando vier a publicar-se novo Código Civil, pois actualmente concordo, como atrás disse, com a conversão em lei autónoma da proposta em discussão.
Acompanhando opiniões tão sábias como as dos saudosos mestres José Tavares, no vol. n dos seus Princípios Fundamentais, s Guilherme Moreira, no vol. I das suas Instituições, entendemos que a matéria, embora de natureza mista de direito público e civil, ó decerto no comércio da vida real de interesse prático e de frequência quotidiana predominantemente privatística. A nacionalidade constitui um dos elementos da personalidade e estado das pessoas, do sujeito natural, primitivo e ainda principal das relações jurídicas, pois à sua imagem é que se foram abstractamente construindo os outros sujeitos de direito, de natureza pública ou privada, mesmo quando destacados no mais alto vértice político, como o Estado.
Do homem ser pensante, da sua unidade de consciência, deduziu o próprio homem, cartesianamente, o conceito de existência - a sua e a do mundo contrastante e circum-jacente. Até deste confronto do eu pensante com o universo que o limita se consolidou na pequenez do- espírito humano a revelação da ideia de Deus. Aqui são bem de recordar os platonizantes versos camonianos referidos à alma:

Que voa da própria casa
É sobe à pátria divina

Aliás, essa ideia de Deus se nos revela e representa como simples expoente infinito das fundamentais potências anímicas da nossa personalidade: a razão, a vontade, o amor, em suporte insecável de unidade.
A personalidade jurídica - Estado, inclusive - é apenas o transporte para o campo do direito destes postulados filosóficos essenciais. E isto deve estar sempre presente na lembrança do legislador.
A pessoa humana, como sujeito da relação jurídica, tem de ser sempre, directa ou indirectamente, o ponto de partida e de chegada de todas as relações e vínculos de direito. Emanação da personalidade natural, sem quebra das facetas quê possa revestir na complexidade das situações concretas, terá a essa personalidade no campo jurídico de atribuir-se sempre, qualquer que seja a modalidade por que se encare, um suporte fundamental de unidade. Dentro desta unidade integram-se, como elementos e aspectos diversos ou correlativos da personalidade e estado definidos nos artigos 1.º e 6.º do Código Civil, inicialmente o fenómeno fisiológico do nascimento referido no artigo 110.º, pelo qual se fixa o sexo e a idade, e depois a nacionalidade, o domicílio, a capacidade ou incapacidade, o estado familiar de solteiro, casado, viúvo ou divorciado ...
E serão as razões de ordem técnica e prática aduzidas no relatório da proposta suficientemente fortes para quebrar o princípio desta unidade real e integrante e se relegar para diploma à parte o reger-se isoladamente um apenas dos elementos constitutivos da personalidade jurídica do homem?
Sr. presidente, Srs. Deputados: em nome dos princípios que acabamos de deduzir, creio bem que não! Se no campo largo do direito civil haja algo atinente à personalidade de se reger por instituto jurídico autónomo, então que este abranja tudo o que essencialmente respeita à personalidade.
Mas quando se chega a este ponto não ocorre a solução de no futuro Código Civil vir a constituir matéria de um livro preliminar introdutório quanto tenha por propósito a disciplina jurídica da personalidade natural, ou física?
Sugestões que ficam esboçadas. De resto, não deixa de comportar perigosas consequências a legislação parcelar e avulsa de tudo quanto respeite, com a matéria que lhe ande ligada, à personalidade e estado.
Em primeiro lugar, fazê-lo em nome dos vínculos de ordem e interesse público - ou seja sobretudo do do Estado - inclina perigosamente logo a uma concepção antes colectivista do que personalista do direito.
Em segundo lugar, os funcionários ou juízes que especialmente hajam de intervir em matéria destacada da lei geral inclinarão naturalmente a resolver os casos segundo o diploma que tiverem normalmente defronte, sem o relacionarem com a devida frequência e prontidão com a restante legislação sistematizada que com tal diploma especializado tem por força de relacionar-se.
E, no presente caso, não é de excluir a ideia de que, se não foi determinante da útil iniciativa da proposta, não deixaria de ser dela coadjuvante a criação do previsto registo central e do contencioso da nacionalidade.
Como sempre em casos destes, cumpre evitar o perigo de o acidente se sobrepor e comandar a essência.
Seria ainda uma vez a bíblica troca da primogenitura por um prato de lentilhas.
É certo que neste sentido se poderão invocar precedentes: os dos códigos do notariado e registo» civil e predial.
Embora menos grave a autonomia do direito regulado nas correspondentes matérias do que na da nacionalidade, os diplomas referidos mão deixam de comportar inconvenientes, pela facilidade com que neles se introduz matéria fundamental de direito privado, que deveria ter o seu lugar próprio na respectiva codificação geral; isto embora essa matéria fosse regulamentada, além de transcrita, em diplomas subordinados, que nada impede chamar-se-lhes também códigos - e porque não? Tutti marchesi!
Outro perigo existe na exterpolação dos preceitos de direito substantivo para essa legislação parcelar: o da facilidade com que os mesmos preceitos se alteram em. sucessivas reformas, o que não sucederia tanto se integrados no respeito de um majestoso monumento jurídico como sempre é um código civil.
Sobre este ponto julgo ter dito o bastante para justificar a minha conclusão teórica no sentido de não aceitar como definitiva a deslocação deste capítulo de direito para diploma autónomo. Como disse, isto não

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significa que, provisoriamente, até publicação de novo Código Civil, assim se faça. Em todo o caso, mesmo nesta orientação, parece-nos seria de conveniência que, uma vez promulgada a nova lei de nacionalidade, o Governo providenciasse para que esta fosse publicada normalmente como apêndice, em futuras edições oficiais, do vigente Código Civil. De resto, ela nem tão extensa é!
Sr. Presidente: a segunda observação que me ocorre formular quanto à generalidade da proposta é a de não ver nela -nem no relatório se alude ao motivo da omissão - qualquer base atinente à regulamentação da nacionalidade portuguesa ou estrangeira das pessoas morais, ou colectivas, ou jurídicas - é indiferente o nome por que se qualifiquem.
Nesta época da maior intensificação nas relações internacionais públicas ou privadas e de aproximação e contacto físico dos povos - e só a esta aproximação nos referimos -, a matéria da nacionalidade das pessoas morais é do mais premente interesse. E, assim, tem sido objecto, além de numerosos estudos doutrinários, de larga elaboração legislativa e jurisprudência!.
Reconhecemos que a matéria se encontra ainda em fase assaz fluida, como ora sói dizer-se, quer no plano interno, quer no externo; e que, em consequência, convenha mante-la, quanto h «casuística», ainda passiva da regulamentação fragmentária por que hoje se rege.
Naturalmente, por idênticas razões o código francês da nacionalidade a omitiu também do seu âmbito.
No entanto, desde que se pretende regular, sob forma vertical, tudo quanto respeita a nacionalidade, não seria - penso - despropósito esboçar na lei a aprovar um princípio da ordenação jurídica da matéria, pelo menos para a afirmação de que tal matéria entra dentro do seu âmbito.
E se se entende prematura até tal definição de princípio no texto, ao menos não ficaria mal no relatório ministerial fundamentar-se a razão da omissão.
A terceira nossa observação a fazer ao projecto, na generalidade, relaciona-se com o texto da base m, quando interpreta o da base II.
Embora atinente, sob o ponto de vista formal, antes ; à especialidade, envolvem as citadas bases aspectos de relevância de princípios que dificilmente se poderiam dirimir convenientemente no estrito campo da especialidade, como é praxe desta Assembleia entendê-lo.
Aqui, o critério desta Câmara legislativa não me parece coincidir perfeitamente com o da Câmara Corporativa, que costuma interpretar mais amplamente a especialidade.
Porventura explique a inclinação divergente destas tendências à primeira, a nossa, convir o princípio da oralidade e à segunda, a Corporativa, o da redacção escrita.
Fechado este parêntese, voltemos à linha da nossa exposição:
Interpreta a base III o que seja o e serviço do Estado Português no estrangeiro», de que fala a base II, relativo ao filho de pai português nas ditas condições. É a transposição do n.º 5 do artigo 18.º do Código Civil na sua actual redacção, e que fala, para essa hipótese, de «pai português que ali -no estrangeiro- resida ao serviço da Nação Portuguesa».
Não ignoramos certa tendência da nossa jurisprudência a restringir a aplicação de tal disposição quase só a agentes especificadamente diplomáticos, e que porventura através da base III se procure dar-lhe uma interpretação menos restrita.
Em todo o caso, parece-nos que, mesmo assim, tal interpretação seja demasiado restrita, em relação com as necessidades do mundo actual, quando especifica que
a ausência em território estranho só seja atendida, para o efeito da base II, se se tratar de serviço «em missão oficial» do Estado Português.
Essa limitação parece-me brigar com a tradição jurídica portuguesa, que não ficaria mal repor nos termos que nos vinham das Ordenações.
Seria realmente imprevista incongruência com o afirmado no relatório ministerial, da maior preponderância do regime da lei do sangue, nos princípios da proposta, em contraste com maior preponderância dos princípios do jus soli, atribuída ao nosso direito pré-constitucional, verificar-se que na espécie em causa isso se não dá. As Ordenações Filipinas, ao tratarem no titulo 55 do livro 2.º: «Das pessoas que devem ser havidas por naturais destes Reinos», depois de no respectivo § 1.º terem efectivamente postulado o princípio geral do jus soli, logo ressalvavam no § 2.º: «E sucedendo que alguns naturais do Reino, sendo mandados por nós ou pelos reis nossos sucessores, ou sendo ocupados em nosso serviço, ou do mesmo Reino, ou indo de caminho para o tal serviço, hajam filhos fora do Reino, estes tais serão havidos por naturais, como se no Reino nascessem».
Princípio positivo logo melhor esclarecido pelo subsequente § 3.º, que refere: «Mas se alguns naturais se saírem do Reino e Senhorios dele por sua vontade ... os filhos que nascerem fora do Reino ... não são havidos por naturais ...».
O simples cotejar dos dois textos -o das Ordenações e o da proposta- nos mostra quem neste particular seja mais aferrado ao critério do lugar de nascimento: se o legislador filipino se o actual!
E a este propósito de conceitos abstractos de direito -jus sanguinis e jus soli- seja-nos permitido outro parêntese.
É o de que esses conceitos abstractos se não podem apreciar devidamente, como sempre, fora- do conjunto do meio, tempo e demais legislação vigente. E se assim encararmos tais conceitos, logo salta à vista que, com a política interna da pureza do sangue, o legislador de antanho, aplicando o jus soli, só estava defendendo, de facto - e com que exagero, a luz dos critérios de hoje - o jus sanguinis!
Pensamos, por isso, que a base III não deve subsistir como restritiva da base II. Deverá, porventura, manter-se a base III, mas antes como interpretando em sentido mais ampliativo os termos da base II, estendendo-a a todos os que se acham fora do País em missão reconhecida de interesse público nacional, como bolseiros de estudo, em missão de institutos oficiais, ou técnicos nas mesmas circunstâncias, e até outros delegados em serviço da Nação, e que não podem figurar como seus agentes oficiais.
Eis aqui, porventura, uma sugestão a concretizar, acrescentando-se ao texto que diz: «. .-. aqueles que se encontram fora do respectivo território em consequência de missão oficial do mesmo Estado», a seguinte expressão complementar: «ou actividade por este reconhecida antes da respectiva ausência como de serviço nacional».
Outras observações nos ocorrem- atinentes em particular à alínea c) da base IV, à base IX e à alínea c) da base XVIII.
Pensamos que a localização da sua apreciação melhor se ajusta à discussão do diploma na especialidade.
Para então nos reservamos fazê-lo. Sr.
Presidente: vou terminar.
Em nada afectam as reservas e sugestões supraformuladas a economia da proposta; poderão representar meras achegas de crítica construtiva. Entendo, por isso, que a proposta representa actualização e aperfeiçoa-

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mento legislativo e que merece, consequentemente, na generalidade o nosso voto. Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito pára a discussão na generalidade, nem durante ela foi levantada qualquer questão prévia sobre a qual tenha de incidir uma votação especial. Considero, portanto, aprovada na generalidade a proposta de lei em discussão. Passar-se-á, por conseguinte, à discussão na especialidade, que terá lugar na sessão de amanha, à hora regimental.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

Sr s. Deputados que faltaram à sessão:

Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Cruz. Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Augusto Duarte Henrique Simões.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
César Henrique Moreira Baptista.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João de Brito e Cunha.
João Maria Porto.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR- Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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