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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 80
ANO DE 1959 6 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 80, EM 5 DE MARÇO
Presidente: Ex.º Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista
SUMARIO: - O SR. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 18.
Deu-se conta do expediente.
O SR. Deputado Santos da Cunha falou sobre a viagem do Sr. Ministro do Interior ao Porto.
O Sr. Deputado Nunes Barata ocupou-se de turismo e da valorização da praia de Mira.
O Sr. Deputado Teixeira da Mota tratou da cultura da cana-de-açúcar na província da Guiné.
O Sr. Deputado Ernesto de Lacerda solicitou a reparação das estradas nacionais.
O Sr. Deputado José Saraiva solicitou a criação de uma escola técnica no Fundão.
O Sr. Deputado Augusto Simões louvou a Fundação Mário da Cunha Brito.
Ordem do dia. - Na primeira parte concluiu-se a discussão na especialidade e votação da proposta de lei sobre a nacionalidade portuguesa. Foram aprovadas as bases XLVUT a LXII e eliminada a base LXIII, por proposta da Comissão de Legislação e Redacção.
Na segunda parte começou o debate na generalidade sobre a proposta de lei relativa ao fomento piscícola nas águas interiores do País. Falou o Sr. Deputado João Carneira Pinto.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 16 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, á qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins. .
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henrique Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira..
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
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Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Finto.
João Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Luís Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente:- Estão presentes 92 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 78.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre este Diário, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da Federação dos Grémios da Lavoura do Porto a apoiar as considerações do Sr. Deputado Belchior da Costa sobre o abastecimento de leite à cidade do Porto. . Da Câmara Municipal da Régua a apoiar a intervenção do Sr. Deputado José Sarmento sobre problemas do vinho do Porto.
Do Grémio dos Vinicultores de Vila Real no mesmo sentido.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra, antes da ordem do dia o Sr. Deputado Santos da Cunha.
O Sr. Santos da Cunha: - Sr. Presidente: pedi a palavra a V. Ex.ª para fazer um breve apontamento sobre a recente visita do ilustre Ministro do Interior ao Porto.
Esta visita efectuou-se por feliz iniciativa do Sr. Governador Civil, o nosso antigo colega Dr. Elísio Pimenta, que no exercício do seu alto cargo tem demonstrado toda ã sua excelente formação moral e 'doutrinária, representando, com perfeita dignidade, acertada visão política, merecida simpatia e inultrapassável devoção pública, o Governo da Nação em distrito de tamanha importância.
A presença do Sr. Coronel Arnaldo Schulz em terras do Norte constituiu um acontecimento de alta relevância política, que me parece útil salientar nesta Câmara.
Com efeito, e para além do carácter festivo que as visitas governamentais revestem, por natural pendor da nossa boa gente, a visita do Sr. Ministro do Interior ao Porto na semana passada tomou características especiais, que é de justiça anotar e comentar.
Não sabemos que impressões colheu aquele ilustre membro do Governo, recebido no Porto e nos concelhos do seu distrito com provas de estima, respeito e carinho devidos, certamente, ao Ministro, mas também a quem, decorridos poucos meses de vida pública actuante, soube, pela firmeza das suas convicções, pela serenidade das suas atitudes, pelo tom confiante e optimista das suas palavras e pela segurança de uma autoridade forte e esclarecida, granjear a adesão dos seus camaradas de ideal e o respeito de todos os portugueses amantes da ordem e da paz.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Mas sabemos, Sr. Presidente, que o convívio daqueles dois dias, coincidente com outros acontecimentos de significado político relevante, tornou possível uma estreita camaradagem entre os elementos nacionalistas do Norte, fez nascer novas esperanças, despertou novas energias e permitiu um diálogo caloroso, mas amigo, entre governantes e governados, diálogo de que a nossa vida política anda bem carecida.
Para além dos melhoramentos inaugurados ou das grandes realizações materiais visitadas, uns e outras ' fonte e condição de progresso e bem-estar, mas só possíveis pelo sopro criador de uma doutrina, puderam, no decurso de algumas cerimónias, fazer-se afirmações doutrinárias e políticas que, por andarem na inteligência e no coração dos melhores, bom seria que tivessem na acção prática, na própria vida governativa, a projecção que bem merecem.
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Vozes altamente qualificadas e outras que por o não serem nem por isso deixam de ter jus a audiência superior apreciaram alguns aspectos actuais da vida política portuguesa e salientaram a necessidade e a urgência de a fortalecer ao calor dos ideais da Revolução Nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Não houve transigências doutrinárias, nem cobardes renúncias, nem aquela excessiva prudência que vive paredes meias com o medo, a deserção ou a derrota.
Vozes: - Muito bem, muito bem I
O Orador:-Pois foi no Porto - cidade e gente às vezes tão mal julgadas e compreendidas - que elementos do seu escol ergueram alto a bandeira das nossas reivindicações políticas, sociais e económicas, bandeira que nada e ninguém conseguirá abater, tão certos estamos do acerto e possibilidades das nossas soluções doutrinárias e orgulhosos da obra que, dentro delas, pudemos realizar.
De cabeça erguida, com inteira liberdade e independência, se reclamou o robustecimento da nossa .acção política, que tem de ser confiada a quem, pela sua formação moral e doutrinária, pela sua devoção patriótica, se identifique com os objectivos da Revolução.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Ninguém pode dar aquilo que não tem.
Por isso se não pode esperar acção válida e profícua, no terreno político e no plano da administração pública, dos que não vivem os nossos princípios, dos que não sentem as nossas inquietações, dos que não sofrem com os nossos erros ou insucessos.
Vozes: - Muito bem I
O Orador:-A vida política dos nossos dias, e perante as arremetidas de adversários e inimigos de diversos matizes, não se compadece com tibiezas e indecisões, com complacências e compromissos.
Reclama o ardor do mais puro entusiasmo, uma fé que arraste os mais fracos e vença os mais incrédulos, a coragem das atitudes claras e bem definidas.
À aridez de uma técnica, meio secundário, havemos de contrapor, não para a negar mas para a superar, uma política, meio principal e superior, a que tudo temos de subordinar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Não vemos que outro caminho possa dar-nos a vitória total que desejamos.
Sr. Presidente: se a política deve estar sempre presente no Governo e na Administração, reconheceu-se também que havemos de empenhar-nos em a instaurar por toda a porte, não como instrumento de interesses pequeninos, mas como condição necessária para a realização dos nossos ideais.
Este sentido de orientação postula, antes de mais, uma larga obra de apostolado político e doutrinário, que leve à inteligência dos portugueses de todas as idades e condições as verdades da nossa doutrina, que são, afinal, elemento indispensável para as conquistas de ordem espiritual e material por que, e justamente, todos ansiamos.
A paz, o progresso, o bem-estar colectivo e individual não surgem do nada: filiam-se directamente em determinados conceitos doutrinários, como a guerra, a desordem, a estagnação, a miséria e a fome resultam de outros.
Torna-se, assim, mister levar por diante, mas com decisão, uma obra de esclarecimento e educação que torne compreendida e aceite esta verdade essencial. .
Temos de ganhar novos adeptos, não para que sejam meros guardiões dos objectivos já alcançados, mas obreiros interessados e insatisfeitos do muito que temos para realizar.
Abrem-se largas perspectivas ao nosso labor futuro se soubermos ser autênticos em nossos anseios de justiça social, sobretudo se soubermos, para além do desejo legitimo de melhorias materiais, dor um sentido alto à vida, enchê-la de um ideal superior.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: a obra da nossa Revolução tem de ser continuada com a compreensão e ajuda de muitos - já que alguns se excluem dessa glória -, de muitos portugueses.
Repete-se o que há bem pouco foi dito: não basta governar para o Pais, é preciso governar com ele.
Temos, pois, de encontrar fórmulas adequadas de representação nacional...
Vozes: - Muito bem, muito bem I
O Orador:-... que dêem expressão autêntica e viva às legitimas aspirações dos povos, aos seus interesses maiores.
Este problema, de evidente complexidade e transcendência, desdobra-se em dois aspectos muito importantes: um, directamente ligado à orgânica constitucional; outro, ao espirito com que a acção governativa se exerce.
O primeiro a seu tempo se tratará.
O segundo bem poderia desde já definir-se num sentido mais aberto às sugestões e reclamações que das populações sobem até ao Poder, se não para as entender, ao' menos para as escutar e esclarecer.
A autoritarite de burocracia e de técnica é uma doença da autoridade...
Saneemos o ambiente da nossa administração pública pelo exercício de uma autoridade revestida dos seus atributos naturais, e por isso firme e resoluta, mas compreensiva e humana.
Não é pedir de mais.
Sr. Presidente: todos quantos servem a Revolução Nacional estão naturalmente interessados na sua continuidade, pelo que devem a Pátria e ao sen futuro.
Este sério problema esteve também presente, como os já enunciados, nas reuniões políticas que vimos comentando.
Antes de mais, afirmou-se com toda a veemência uma inquebrantável fidelidade à chefia política de Salazar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-É que dela depende, na hora presente, tão cheia de preocupantes incertezas, a continuidade da própria Revolução.
Simplesmente, tem-se a convicção segura de que Salazar merece de nós mais do que a fidelidade .à sua chefia indiscutível.
Salazar tem de criar connosco as condições necessárias à continuidade da sua obra.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Devemos-lhe este serviço. Isto quer dizer que os nacionalistas esclarecidos devem a Salazar mais do que uma adesão pessoal e uma gra-
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tidão bem merecida: devem-lhe uma identificação plena com os seus princípios doutrinários, com o seu magistério político, com o sen nobilíssimo exemplo de total devoção ao bem comum.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Aos portugueses do nosso tempo está confiada uma tremenda tarefa, cheia de responsabilidades, mas cheia também de glória: a de saberem criar o condicionalismo político necessário à continuidade e projecção histórica da obra de Salazar.
Vozes: - Muito bem, .muito bem'!
O Orador:-Trata-se de um singelo, acto de inteligência, que temos de praticar já.
São os destinos da Revolução que estão confiados aos elementos responsáveis nesta hora, e sabe Deus se da sua clarividência e coragem não dependerão também os destinos da própria Pátria.
E porque não são tranquilos os tempos que vivemos, mormente para uma nação como a nossa, que se alarga por esse mundo de Cristo, hoje mais do que nunca se torna necessário, por todos os meios, salvaguardar e robustecer a unidade nacional.
Nessa tarefa, com a teimosa incompreensão de alguns, nos vimos empenhando há mais de trinta anos.
Temos plena consciência de que nesta hora o interesse nacional se identifica com o nosso ideário e com a nossa acção.
Por isso nos propomos continuar, com renovada fé e redobrado entusiasmo.
Foi neste clima de sadio patriotismo, de nacionalismo actuante, de. inalterável lealdade a Salazar, que se desenrolou a visita do Sr. Ministro do Interior ao Porto, e o mesmo clima inspirou os actos políticos que ali se realizaram.
Agradecendo ao Sr. Ministro a visita que nos fez, que foi para os nacionalistas do Norte motivo de grande honra e aprazimento, formulo sinceros votos pelo êxito do seu consulado, que esperamos coincida com um imprescindível e urgente revigoramento da nossa vida política, escolhendo melhor os homens, ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-... revendo, quando preciso e em todos os escalões, os métodos, mas sempre ao serviço intimorato dos altos princípios da Revolução Nacional portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Barata: -Sr. Presidente, Srs. Deputados : é pacífica, entre os homens do nosso tempo, a importância atribuída ao turismo.
No plano económico o turismo justifica-se, não só pelo caudal de divisas estrangeiras que origina, como ainda por constituir, internamente, apoio das mais variadas actividades, desde a indústria hoteleira aos transportes. Nesta conformidade, será uma indústria - base, fomentadora de novas actividades, pronta a contribuir para a solução dos problemas do emprego, ao mesmo tempo que proporciona ao fisco apreciáveis vantagens.
Mas o turismo poderá constituir apoio de outros interesses humanos, independentemente da sua expressão monetária. Na medida em que, por exemplo, aproxima os homens poderá servir a cansa da paz e da solidariedade entre as nações. Com ele abrem-se os povos a um conhecimento recíproco, cujos frutos se revelam no enriquecimento do património cultural da humanidade.
Finalmente, constituindo uma fonte de evasão, será mesmo um tonificante da vida social.
Sr. Presidente: os elementos tornados públicos revelam um sensível acréscimo no número de turistas estrangeiros que têm visitado Portugal.
Enquanto a média anual se cifrava há pouco em 50 000, atingiu já, nos últimos anos, 250 000. Assim, a percentagem do aumento entre 1949 e 1958 foi de 520 por cento, calculando-se, igualmente, que no período de 1949-1957 o rendimento económico do turismo atingiu cerca de 4 milhões de contos.
Os resultados são animadores se considerarmos a modéstia do ponto de partida. Já no que respeita a um confronto com os países do Ocidente europeu, tradicionalmente votados à exploração do turismo, a nossa posição é bem comedida.
Quando da discussão do II Plano de Fomento salientei o interesse que haveria em considerar no planeamento o sector do turismo.
Os planos oficiais poderão, aliás, diferir quanto ao âmbito territorial
(nacionais, regionais ou locais) ou quanto aos sectores abrangidos (totais ou parciais). De qualquer modo, é largo o campo de acção aberto ao Estado para protecção e estímulo dos interesses turísticos de Portugal. Os meios de política turística desdobrar-se-ão sempre em aspectos internos (controle, auxílio, execução directa, investigação e ensino, etc.) ou externos (propaganda e informação), cuja conveniente articulação será indispensável ao êxito dos propósitos projectados.
Concretizo, salientando dois conjuntos, cuja importância resulta, não só das relações entre os seus elementos constitutivos, mas ainda da posição funcional que um assume perante o outro: os serviços turísticos e os bens turísticos.
Os serviços turísticos dependem essencialmente das infra-estruturas materiais ou burocráticas em que se apoiam'. Teremos no primeiro caso a política dos transportes ou dos alojamentos e no segundo os serviços propriamente ditos, desde as agências de viagens aos guias - intérpretes.
Ora, será todo este conjunto que condicionará o êxito da política relacionada com os bens turísticos - política cultural (turismo artístico, histórico, científico ou docente), política de espectáculos ou diversões, política de negócios (exposições, feiras ou congressos), política balnearia ou, até, política desportiva.
O lema será, no caso português, prosseguir sem desfalecimentos, de forma a esgotar as possíveis vantagens que o turismo nos possa trazer. Mas este propósito recomenda que se adaptem ao sector do turismo, dentro do possível, as fases já clássicas num processo de programação : diagnóstico, elaboração do programa e execução.
Sr. Presidente: discutem-se â volta do turismo três questões que se me afiguram de interesse: o dilema quantidade - qualidade, a distribuição geográfica e a distribuição anual dos turistas.
Não será, de resto, difícil estabelecer ligações entre estes aspectos. Quem nos meses de Inverno, por exemplo, se desloca do Norte da Europa para os climas mais temperados das estâncias da costa do Mediterrâneo não será habitualmente turista pobre. Pelo que transpareceu da imprensa, o Carnaval do Estoril teria em seus propósitos, além do mais, chamar a atenção dos estrangeiros ricos para as doçuras do Inverno na Costa do Sol. Antecipar-se-ia assim o slogan do« Abril em Portugal» ...
Que pensar destas três questões no caso português?
1.º Tem-se defendido entre nós o critério da qualidade sobre a quantidade. No entanto, as legiões de franceses
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que nos últimos anos desceram a Portugal têm contrariado os desejos de quem advoga tal critério.
Quanto a mim, penso que todos, ricos e menos ricos, cabem em Portugal. Nem poderá ter pretensões excessivamente selectivas o pais que se inicia no turismo. De resto, este, como acentuámos, não é comandado por razões exclusivamente económicas.
Este acesso de gente de diferente situação económica poderá servir de apoio a uma melhor distribuição regional.
2.º Na verdade tem-se fomentado entre nós uma certa concentração turística. Isto é natural se considerarmos o ponto de partida e as possibilidades disponíveis.
O que será desejável agora é que ainda aqui sé processe um descongestionamento compatível com a atracção turística e, por outro lado, harmónico com possíveis pólos de desenvolvimento, não despiciendos, aliás, nas tarefas de planeamento regional.
Tal caminho não me parece vedado: Os grandes cartazes de atracção turística são em Portugal os elementos naturais - o céu, o sol, o mar, os areais imensos, onde as ondas recortam filigranas de espuma.
Aqueles que durante dez ou vinte dias procuram evadir-se da pressão das metrópoles, onde a vida os força a permanecer no resto do ano, apreciam este contacto directo com a natureza. Esta é uma razão por que grande número de estrangeiros menos ricos aflui hoje a Portugal.
3.º Mas será este clima doce que ajudará igualmente a uma melhor distribuição temporal dos turistas. Este facto deve, aliás, conjugar-se com o engenho do homem, o qual poderá, por exemplo, estar patente no calendário das manifestações de interesse turístico ou na própria política de redução de preços.
Ocorre-me a este propósito a recomendação da O. E. C. E. de Outubro de 1950.
Sr. Presidente: o meu interesse pelo problema do turismo em Portugal, se por um lado deriva das razões genéricas expostas, tem por outro justificações particulares, resultantes do circulo que represento nesta Assembleia.
Não será presumido bairrismo enaltecer as potencialidades turísticas da formosa região de Coimbra, ou mesmo salientar, em preito de justiça, o que se tem feito para a sua valorização.
Se restringirmos mesmo as nossas atenções á região da beira-mar, avultam aí dois centros de notório relevo: a Figueira da Foz e a praia de Mira.
A Figueira da Foz, já hoje de larga projecção internacional, merece-nos neste momento um rasgado elogio.
O azul dos céus, a rever-se na toalha líquida, a intensa claridade, a passear pelos areais cristalinos, a silhueta de uma serra, onde a luz se compraz em tons de doçura e de nostalgia, aliaram-se ao engenho e à persistência dos íncolas, o que permitiu erguer ali majestoso cartaz turístico, principal entre os primeiros da nossa terra.
Mas são os interesses da praia de Mira que constituem o objectivo desta minha intervenção.
Foi ela, com sua paisagem natural e humana, o motivo de inspiração para algumas páginas dessa «elegia diáfana» que Raul Brandão compôs - Os Pescadores. Por tal prosa límpida, cheia de luz e de maresia, aprendemos a amar esta terra antes de a conhecermos. E, quando a conhecemos, redobramos na admiração pelo realismo pictural de quem no-la tinha revelado.
Ora a praia de Mira poderá ilustrar dois aspectos atrás referidos:
a) Servir o turismo português, proporcionando acolhimento mais largo àqueles estrangeiros que já hoje procuram as nossas praias para
aí se refazerem, numa permanência de duas ou três semanas;
b) Constituir um pólo de desenvolvimento num programa de revigoramento regional.
Mesmo que se quisessem alcançar tais objectivos através de processos normais, muito haveria que caminhar. Assim:
1.º Conviria considerar as possibilidades de definição de uma zona de turismo e constituição do correspondente organismo administrativo. '
qui estaria não só uma base da futura propaganda a fazer da praia, como ainda um meio adjuvante para a solução de problemas maiores, de que é exemplo o hoteleiro.
2.º Impõe-se, por outro lado, larga tarefa de urbanização e saneamento:
O actual plano de urbanização necessita de ser revisto, considerando a necessidade de novas expansões urbanísticas e a salvaguarda, quanto possível, da fisionomia tradicional das habitações.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:-Seria, de resto, bem desejável a construção de um bairro de casas para pescadores, a exemplo do que tão louvavelmente se tem feito noutros centros piscatórios.
O abastecimento domiciliário de água e a correspondente rede "de esgotos completariam esta valorização.
3.º Mas a principal tarefa seria a de proporcionar o maior desafogo possível aos 1350 habitantes da praia. As realizações e as conquistas atrás referidas constituiriam marco fundamental nesta caminhada.
Complementarmente, porém, impor-se-ia uma valorização das actividades piscatórias ou até uma criação de novas fontes de riqueza agrícola, através de um conveniente aproveitamento para as populações locais dos baldios da Videira do Norte, Areão e Videira do Sul.
Ora tais tarefas não poderão ser realizadas com os minguados recursos locais ou municipais. impõe-se que o Governo olhe com particular interesse para todas estas necessidades e às mesmas dê rápida resposta, considerando o condicionalismo da praia de Mira e as justas razões que justificam uma especial e efectiva solução dos seus problemas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr.. Teixeira da Mota: - Sr. Presidente: por duas vezes já, em 22 de Abril e 14 de Outubro do ano findo, tive ocasião nesta Assembleia de chamar a atenção para o problema do açúcar na Guiné e necessidade de rever o tratamento que neste aspecto tem sido dado à província.
Foi motivo das minhas intervenções, sobretudo, a promulgação do Decreto-Lei n.º 41 573, de 29 de Março de 1958, por nele se estabelecer que só Angola e Moçambique continuam a ter direito a colocar contingentes de açúcar na metrópole.
Exprimi então o desejo de que o Governo revisse rapidamente o assunto, de modo a considerar a justiça das pretensões da Guiné neste domínio, como repetidamente haviam proposto nos últimos anos sucessivos Ministros do Ultramar.
Foi por isso com a maior satisfação que, no período de interrupção das sessões desta Assembleia, tomei conhecimento da portaria de 24 de Janeiro último, pela qual o Sr. Ministro da Economia manda nomear uma comissão com o encargo de estudar nos seus múltiplos
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aspectos os problemas da cultora e industrialização do produto no espaço económico nacional, de forma a poder-se definir uma política portuguesa do açúcar.
Entre os motivos determinantes de tal decisão citou o Sr. Ministro da. Economia que «há uma pretensão para que se receba no continente açúcar da Guiné.
Estou certo de que manifestando agora a minha gratidão por este acto do Governo exprimo igualmente o sentimento unânime com que foi acolhido entre a população da Guiné o propósito de não olvidar uma pretensão da província que a todos se afigura legítima.
Vai a referida comissão iniciar os seus trabalhos e não se esquecerá por isso certamente de considerar os desejos da Guiné. Nas intervenções atrás referidas tive ocasião de abordar alguns aspectos actuais da economia guineense mais relacionados com a questão do açúcar, pelo que me dispenso de os repetir agora.
Cumpre no entanto salientar sempre que a Guiné vem vivendo li á cerca de um século num ciclo económico em que predominam quase totalmente as oleaginosas, e estas limitadas apenas ao amendoim e aos produtos da palmeira do azeite. A produção vem aumentando, principalmente no que se refere ao primeiro, e as medidas em curso acarretarão fatalmente um maior ritmo nesse incremento.
O mercado metropolitano parece encontrar-se saturado e a concorrência nos mercados estrangeiros reveste aspectos que poderão ser de difícil solução. Há necessidade inadiável de diversificar a produção* agrícola, para fazer face à crise que se avizinha.
Ora a cana-de-açúcar é cultivada há muito com êxito na Guiné, e os técnicos parece serem da opinião de que a província tem condições naturais excelentes para tal cultura.
Tudo se conjuga, portanto, no sentido de aconselhar o seu desenvolvimento, e não se afigura justo que a pequena e débil Guiné o faça sem contar igualmente com a ajuda da concessão de um contingente, tal como se fez para as bem maiores e mais poderosas Angola e Moçambique. A justiça tem de ser uma realidade, para que a unidade económica do espaço português não seja uma utopia ou uma frase bonita.
Acresce ainda que se encara a possibilidade de iniciar uma obra de colonização agrícola nas terras baixas da Guiné, estudando-se agora, sobretudo neste aspecto, o caso do vale do Geba, dado que os empreendimentos considerados no II Plano de Fomento para a melhoria das condições de navegação do rio acarretarão consequências úteis no aspecto do aproveitamento agrícola.
Na fase actual de conhecimentos, prevê-se precisamente que a base de tal aproveitamento possa ser a cultura da cana-de-açúcar. Tal facto não pode ser ignorado ao estabelecer uma política económica coerente.
Enquanto por largas partes da África Negra se assiste a uma crescente agitação e se desenrolam conflitos vários, que trazem a perturbação e a inquietação a muitos espíritos, toda a população da Guiné, civilizada e indígena, reunida à volta do seu ilustre governador, continua a trabalhar denodadamente, com a mesma calma e confiança, por um futuro melhor.
Para mim, que me honro de representar tal população nesta Assembleia, não constitui o facto motivo de espanto, pois de há muito compreendi que esta presença portuguesa na complexa e agitada África Sudanesa era produto não da imposição de uma força, que nós, sempre fracos material e militarmente, nunca lá tivemos, antes o resultado de um comportamento humano que aí atingiu um dos seus mais elevados aspectos. .
Nessa parte da África vemos agora desenrolar-se uma declarada luta de influências, onde não faltam os investimentos e capitais dos economicamente poderosos.
São as nossas possibilidades nesse domínio limitadas, é certo, mas a sua utilização com inteligência e espírito de inteira justiça permitirá que perdurem os sentimentos de afecto e lealdade que por nós nutrem os guineense.
É nossa obrigação, portanto, não descurar nenhum factor que possa contribuir para o progresso económico no território, até para que as suas gentes não se sintam amanhã perturbadas por uma desfavorável comparação do seu nível de vida e de instrução com o dos habitantes de áreas vizinhas.
São estas breves reflexões que me pareceu oportuno apresentar neste momento, certo do que merecerão a consideração do Sr. Ministro da Economia e do Governo quando for finalmente definida uma política nacional do açúcar em que sejam devidamente atendidos todos os justos interesses em causa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ernesto de Lacerda: - Sr. Presidente: é facto incontroverso que as estradas desempenham ura papel do maior relevo nas comunicações terrestres dos nossos dias. São vias autónomas, com finalidade própria, que há muito deixaram de considerar-se meras adjuvantes do caminho de ferro - falsa noção que fez escola quando do advento da combinação carril-locomotiva.
Por isso, penso caber-me o dever de pedir a esclarecida atenção e o nunca desmentido interesse do Sr. Ministro das Obras Públicas para um momentoso problema que lhes diz respeito e cuja solução está afecta à sua pasta: a conservação da rede de estradas do continente.
Baseando-me em elementos estatísticos recentes, aquela rede é da ordem dos 27 000 km, a que corresponde uma densidade média de 30 km por 100 km3, ou sejam 3,41 km por cada 1000 habitantes.
Longe de nos podermos considerar na culminância dos países amplamente servidos pelas chamadas «vias ordinárias», cumpre referir que a nossa mediania actual é fruto sazonado de uma obra notável levada a cabo pelo Estado Novo nos últimos trinta anos.
O Governo não descurou a necessidade de adaptar aquelas estradas às exigências do crescente movimento que o desenvolvimento dos transportes em veículos automóveis originou. Mas, pelo contrário, pode afirmar-se, sem receio de contradita, que uma das coroas de glória por tantas e tão valiosas obras planeadas e executadas desde 1926 deve competir, sem sombra de favor, à Junta Autónoma de Estradas.
Organismo superiormente dirigido e dispondo de um corpo de técnicos de rara e comprovada distinção, tem tido, além do mais, a felicidade de ser orientada por Ministros de invulgares dotes de inteligência, saber e acção.
Assim, foi-lhe possível incrementar de forma tão notória e em relativo curto espaço de tempo a rede de vias de comunicação a seu cargo, substituindo por outras mais largas e de pavimentos betuminosos ou a paralelepípedos as acanhadas, velhas e gastas que possuíamos, ao mesmo tempo que novas estradas e novas pontes foram construídas de lés-a-lés.
Prestado este curto, mas significativo acto de justiça, peço, portanto, Sr. Presidente, para que às minhas palavras a proferir agora não seja atribuída a mínima intenção de crítica destrutiva, condenatória ou indiferente á política seguida neste sector da governação pública, quando é meu desejo que elas venham a traduzir, tão somente, a urgência de evitar um estado de coisas impróprio e imerecido que, repercutindo-se por todo o Pais e prejudicando a Nação, venha também a servir de
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factor desprestigiante para o departamento que tanto e tão acertadamente tem operado.
O facto concreto para que solicito, e desde já agradeço, os bons ofícios do Sr. Ministro das Obras Públicas não surgia hoje, produto repentino duma causa próxima. Remonta a um lapso de tempo já razoável; agora, porém, ganhou foros de acuidade impressionante que a todos deve ferir a atenção, tal como nos últimos dias me aconteceu ao percorrer de automóvel largas centenas de quilómetros.
As recentes chuvas vieram por mais em foco a necessidade inadiável de remendagem das covas abertas nas estradas nacionais, tanto nas alcatroadas como nas macadamizadas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Para o estado em que se encontram muitas delas só admito duas causas: falta de zelo dos dirigentes e pessoal encarregado da conservação ou exiguidade de verbas para as pequenas reparações de que carecem.
O Sr. Melo Machado: - Aí è que V. Ex.ª deve decalcar. Ai é que estão as cansas; há cada vez menos dinheiro e sem dinheiro não há mais trabalho.
O Orador: - Quanto à primeira das causas possíveis, excluo-a de pronto, dado que o interesse, dedicação e competência dos responsáveis não admitem sequer a suposição da menor suspeita. Logo, a segunda cansa possível é a única verdadeira.
Avalio nitidamente as dificuldades financeiras que assoberbam o Governo e compreendo, facilmente, que nem pode acudir simultaneamente a quantas pretensões lhe sejam apresentadas - ainda que todas justas -, nem, ao menos, satisfazer algumas no padrão desejado pelos peticionários.
Sei também que a nossa recuperação financeira e consequente renascimento económico do Pais, a criação de muitas fontes de riqueza que a Nação requeria há muito, a era de progresso que vivemos, tudo se ficou a dever ao acentuado espirito de economia que presidiu - e preside- à execução dos melhoramentos almejados, como estes, aliás, estiveram e estão ainda na mais estreita dependência com a prioridade que os superiores interesses públicos determinaram e continuam a indicar.
Contudo, julgo-me obrigado a não perder esta oportunidade - que se me antolha a tábua de salvação para obstar a um mal de graves e dispendiosos reflexos-, apelando para o Sr. Ministro das Obras Públicas no sentido de autorizar e ordenar imediatas pequenas reparações isoladas, aqui e ali, nos pavimentos deteriorados, mas que, vistas no conjunto, constituem tarefa a desenvolver no mais elevado escalão viável para já, estendendo-se o beneficio à quase totalidade das estradas.
O Sr. Melo Machado: - Apele paru o Sr. Ministro das Finanças quê apela melhor.
O Orador:- Eu apelo para os dois em conjunto. Tenho a convicção de que, não se aproveitando os dias e meses mais próximos para estes trabalhos, a chegada de outro Inverno aniquilará, impiedosamente, uma obra que levou anos a erguer-se...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- ... e consumiu volume considerável de receitas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Na generalidade, as estradas alcatroadas reclamam betume e sarrisca, areão ou areia; as macadamizadas têm falta de brita e saibro.
Reconheço que a Junta Autónoma de Estradas tem na sua frente um vastíssimo programa: a auto-estrada Lisboa-Carregado, a construção de pontes -entre elas a da Arrábida, com os seus acessos-, o alargamento, bem como a abertura de novas estradas, a reperfilagem de outros, as supressões de curvas e passagens de nível, são realizações que carecem de grande soma de trabalho e absorvem capitais avultadíssimos. Apesar de tudo, ignorando o montante em que se cifrará o encargo com as reparações apontadas, mas prevendo-o vultoso, não fujo a garantir que tal dispêndio será diminuto, se for cotejado com a verba que uma grande reparação em todas essas estradas acarretará, mais ano, menos 'ano, desde que não sejam tomadas imediatas providências.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Insisto, pois, Sr. Presidente, junto do Sr. Ministro das Obras Públicas pelo deferimento rápido desta pretensão, permitindo-me lembrar que a boa economia, neste caso, manda que se gastem hoje 10 para que amanhã não sejamos coagidos a despender 100 ou 1000.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Saraiva: - Sr. Presidente: pedi a V. Ex.ª o uso da palavra para chamar a atenção do Governo para uma questão do maior interesse para o concelho do Fundão: a necessidade da criação de uma escola de ensino técnico na sede do concelho. Desde há muito que tal criação figura entre as mais vivas aspirações dos povos da Cova da Beira; e, na verdade, é pretensão de tão evidente justiça e do tal urgência que se pode dizer que todo o adiamento na sua satisfação constituiria imerecido agravo.
Trata-se de um concelho com população de aproximadamente 55 000 habitantes. Este número seria só por si suficiente para justificar a necessidade, visto que todos os outros concelhos com tão elevada expressão demográfica se encontram já dotados de, pelo menos, um estabelecimento oficial de estudos secundários.
Mas são, sobretudo, as condições de vida dessa população o que impõe a- urgente criação de uma escola técnica.
A área do concelho é de cerca de 680 km2. Na sua maioria -a proporção é de dois para um- trata-se de solos inúteis para a agricultura: ásperas vertentes, cabeços rochosos, serranias onde o trabalho dos homens não encontra, ainda quando o busca, a indispensável retribuição. As leivas úberes da Cova da Beira e dos vales do Zêzere e das ribeiras do seu sistema são intensamente cultivadas. Mas a proporção entre a terra e os homens que nela vivem dá-nos um resultado absolutamente insuficiente para manutenção dos habitantes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É, todavia, da agricultura que a maior parte da população tem de viver. Os chefes de família e homens válidos que se mantêm pelo trabalho das jornas atingem cerca de 7000. Os cultivos tendem a trepar pelas encostas dos montes, onde vão surgindo em cada ano novas arroteias em solos magros, que absorvem o trabalho das famílias numa iníqua proporção entre o esforço que reclamam e o fruto que produzem.
A vida é por isso, na maior parte das freguesias, de uma extrema dureza, que o crescimento da população
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vai lentamente agravando. Ainda não há muito procedeu-se numa povoação do noroeste do concelho a um inquérito para determinar quantas das crianças que frequentavam a escola primária careciam de alimentação gratuita a fornecer pela cantina escolar: o resultado foi que nenhuma podia deixar de ser assistida.
E na própria sede do concelho verificou-se que muitas crianças comiam a sopa que a escola dava, mas guardavam o quarto de pão que com ela se lhes servia. A explicação era que, por indicação dos pais, o levavam para casa, para o repartir com os irmãos.
Esta situação origina um intenso movimento emigratório. A gente da região é em geral industriosa, activa e inteligente. Fora da terra trabalham denodadamente e procuram, às vezes através de vidas que são verdadeiras epopeias de sacrifício, pertinácia e luta, valorizar-se em todos os campos de actividade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É um facto conhecido que os homens do Fundão e do seu termo se encontram um pouco por toda a parte, muitas vezes nas posições de relevo que souberam merecer: nas cátedras das Universidades, nos mais altos postos da magistratura, nos centros de investigação portugueses e estrangeiros, na advocacia, na medicina, na chefia de empresas comerciais e industriais.
São muito numerosos os que no ultramar se têm notabilizado como missionários, funcionários, comerciantes, arroteadores de terras, fundadores de indústrias. Mas a maior parte dos que saem das aldeias, falhos de toda a preparação técnica indispensável para o trabalho qualificado, dirige-se à Venezuela, Canadá e França, e ocupa-se ai nos labores mais humildes, naqueles em que mais rudemente se trabalha e onde menos se recolhe.
E são estas últimas direcções da emigração as que estão a acentuar-se e vão sendo origem da situação paradoxal de, por um lado, o solo não chegar para ocupar a gente e de, por outro, os homens jovens e válidos irem rareando no mercado do trabalho rural.
A taxa de escolaridade é muito elevada. Mesmo os camponeses que vivem longe das povoações mandam os filhos à escola. No último ano, 1025 crianças fizeram os seus exames de 1.º e 2.º graus. Aprendem pois tudo o que podem aprender. Mas, concluída a 4.º classe, fecham-se todas as possibilidades de promoção cultural aos que não têm meios para suportar as despesas do ensino particular ou os encargos da deslocação para uma cidade onde exista estabelecimento oficial.
Durante alguns anos os jovens ficam quase completamente desocupados e inteiramente privados de qualquer acção formativa. Logo que tenham a idade que a lei reputa bastante procurarão entrar no comércio, nos caminhos de ferro, ou buscarão em Lisboa qualquer pequeno emprego.
Muito raros permanecerão nas aldeias; os tempos mudaram muito e o ideal, romântico das cadeias de gerações secularmente agarradas aos mesmos solos pouco pode contra as duras recordações da infância, do trabalho intermitente, das invernias durante as quais o pai ficou fechado em casa, dos salários incertos e extremamente baixos, do desemprego completo durante os meses que decorrem entre a apanha da azeitona e as primeiras sementeiras.
São assim muitas centenas de rapazes os que em cada ano sobram dos quadros da vida rural e aspiram ao prosseguimento de estudos que os tornem aptos a trabalhar, em condições dignas. Ura índice que me parece muito expressivo dessa necessidade de valorização é o facto de serem disputados os lugares de aprendizes nas oficinas locais.
Todos os anos recebo pedidos de pais que pretendem ver os filhos a trabalhar - ainda que sem' qualquer salário - nos estabelecimentos e oficinas da vila. Mas a colocação é cada vez mais difícil; passam de seiscentos os menores de 18 anos que se encontram a trabalhar em fábricas e oficinas. E tenho conhecimento de que já se chegou ao extremo de pagar os lugares de aprendiz. O preço varia, mas vai até 5.000% o que os pais têm de ir pedir para que os filhos encontrem ensejo de aprender algum ofício.
A criação de uma - escola técnica viria resolver directamente este problema e contribuiria para a elevação das condições de vida da população, para a fixação de muita gente à terra, para o progresso dos métodos agrícolas e, especialmente, da rega, hoje embaraçada pela falta de operários mecânicos que instalem os motores e que lhes assistam, e, em suma, para uma maior produtividade do trabalho e uma melhor valorização dos elementos humanos.
Creio que não são precisas mais considerações para justificar a aspiração que enunciei. O Município dispõe-se a fornecer casa para a escola; mas é ao Ministério que compete criá-la.
As razoes não faltam; e elas são tão fortes que não posso acreditar que o Ministro e o Subsecretário de Estado da Educação Nacional permaneçam surdos ao apelo que, em nome do povo da minha terra, acabo de dirigir ao Governo da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: seja-me lícito deixar aqui meia dúzia de singelas e despretensiosas palavras para realce do significado do acto importante da homologação dos estatutos da Fundação Mário da Cunha Brito, estabelecida na vila de S. Pedro de Alva, do concelho de Penacova, ontem concedida pelo Sr. Ministro da Saúde e Assistência, em cerimónia de tocante simplicidade formal, sem embargo da sua grandeza de transcendente significado moral e social.
Ao fazê-lo, Sr. Presidente, tenho os olhos postos nos radiosos ângulos de inultrapassável beleza de toda a gama de caridade provinda da forte lufada de benemerência que ultimamente se derramou no nosso país e nomeadamente no meu distrito.
E que ainda há pouco o em altura de não funcionamento desta Assembleia se instituiu na cidade de Coimbra uma outra benemérita fundação.
Refiro-me à Fundação Bissaia Barreto, instituição do mais saliente valor, que se destina a prolongar e a dilatar a obra do notável homem de bem e do professor eminente, que se desenvolve nos vastíssimos sectores que todo o Portugal conhece e admira como merece.
Integradas no sopro ardente dessa lufada bendita, como a referida, esta Fundação Mário da Cunha Brito propõe-se conceder aos povos de S. Pedro de Alva e aos seus vizinhos mais próximos todo o cortejo de socorros de assegurada estabilidade, que se define e contém no sumário impressionante das obras da Misericórdia.
Assim, a infância, a adolescência e a velhice ficarão larga e eficientemente protegidas através de uma obra de plurifacetada valência, criada por coração magnânimo, profundamente enamorado e enfeitiçado pela perenidade do bem!
Lágrimas, anseios,, sofrimentos e carências, todo esse cortejo de trágicas inibições que desfilava pelas casas e pelos caminhos dessa região do Alva, berço de homens ilustres, rincão bonito e asseado do meu distrito de
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Coimbra, como, infelizmente, ainda caminha impressionantemente em outras latitudes da terra portuguesa, jamais ali o veremos em marcha, porque contra ele, em apoteose de bem, se levantou o baluarte de caridade da Fundação Mário da Cunha Brito.
Novos horizontes se abrem agora para todas essas só fredoras gentes, cujos ais magoados encontraram compreensivo eco na alma e no coração bondoso do conterrâneo que um dia partiu em busca da fortuna com plena aos fatalismos inertes e que, alma incendiada de idealismo, trabalhou indòmitamente, lutou bravamente e venceu ...
Prematuramente desaparecido, quando já vivia o encantamento da felicidade dos seus conterrâneos, que nunca esquecera, e a grandeza e dignificação da sua terra-mãe, Mário da Cunha Brito prolonga-se nesta obra de puro altruísmo, a cujo serviço se encontra o devotamento integral de sen ilustre filho, o Sr. Eng. Maurício , Vieira de Brito, que, integrado numa dinastia de benfeitores - foram hoje também homologados os estatutos da Fundação Adolfo Vieira de Brito, para socorrer e amparar os deficientes motores e os infelizes atacados de paralisia cerebral-,' é a móis alta segurança da continuidade e engrandecimento desta Fundação tão valiosa, onde estará sempre presente e a comandar a alma eleita de sen pai.
Representante do distrito de Coimbra e, dentro dele, inteiramente dominado pelas aspirações e agruras do seu vasto sector rural, não me era licito, Sr. Presidente, pelos laços fortes de inquebrantável afectividade que me ligam aos problemas dos humildes, deixar de proferir estas singelas palavras.
É que esta Fundação ó verdadeiramente um forte pilar de progresso e de dignificação das gentes rurais e ao mesmo tempo um facho de luz viva a irradiar caridade e compreensão.
Jóia preciosa do diadema de caridade que no meu distrito se vem formando, mercê de um espirito cristão que é penhor seguro do nosso engrandecimento moral, ela merece a nossa homenagem, e com ela o agradecimento sincero aos seus benfeitores, que é igualmente o agradecimento que merecem todos aqueles, que do alto dos seus triunfos não quiseram esquecer o que devem à sua terra-mãe e ao bem-estar e felicidade dos seus concidadãos, conferindo assim ao sen avultado pecúlio o significado de utilidade social que lhe pertence e que é, afinal, a sua melhor justificação.
Faço votos, Sr. Presidente, faço votos ardentes para que tais exemplos de ampla beleza moral sejam seguidos, e por amor deles os que podem - e são tantos - não se deixem envolver pelo negro sentimento da indiferença perante as dores e os sofrimentos, quaisquer que eles sejam, da legião dos muitos que precisam. Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - A primeira parte da ordem do dia é a continuação da discussão na especialidade da proposta de lei sobre a nacionalidade portuguesa.
Encerrámos ontem a sessão com a discussão da base XLVII. Passamos agora ao capitulo VII «Da prova da nacionalidade».
Ponho à discussão a base XLVIII, que vai ler-se.
Foi lida.
É a seguinte:
BASE XLVIII
A nacionalidade portuguesa de indivíduos nascidos em território português prova-se pelas menções constantes do assento de nascimento.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobre esta base, vai votasse.
Submetida à votação, foi aprovada a base
O Sr. Presidente: - Ponho em seguida à discussão a base XLI, que igualmente vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
BASE XLIX
A nacionalidade portuguesa de indivíduos nascidos nó estrangeiro prova-se, consoante os casos, pelo registo das declarações de que depende a sua atribuição ou pelas menções constantes do assento de nascimento realizado nos termos previstos na alínea b) da base IV.
O Sr. Presidente : - Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai votar-se esta base.
Submetida à votação, foi aprovada a base XLLX.
O Sr. Presidente : - Ponho agora em discussão a base L. Vai ler-se.
Foi lida. É a seguinte:
BASE L
A aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade provam-se, nos casos de registo obrigatório, pelos respectivos registos ou pelos consequentes averbamentos lavrados à margem do assento de nascimento.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada a base L.
O Sr. Presidente: - Ponho em discussão a base LI.
Vai ler-se.
Foi lida. E a seguinte:
BASE LI
A aquisição e a perda da nacionalidade que resultem de actos cujo registo não seja obrigatório provam-se pelo registo ou pelos documentos comprovativos dos actos de que dependem. Para fins de identificação, é aplicável, porém, à prova destes actos o disposto na base anterior.
O Sr. Presidente : - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada a base LII
O Sr. Presidente: - Ponho em discussão a base LI.
Vai ler-se.
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Foi lida. E a seguinte:
BASE LII
Fora efeito de inscrição ou matricula consular, a prova da nacionalidade poderá ser feita nos termos previstos na respectiva legislação.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada a bate LII.
O Sr. Presidente: - Ponho em discussão a base LIII.
Vai ler-se.
Foi lida. É a seguinte:
BASE LIII
Em caso de dúvida sobre a nacionalidade portuguesa do impetrante, os agentes consulares só deverão proceder à respectiva matricula ou inscrição mediante prévia consulta a Conservatória dos Registos Centrais.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada a base LIII
O Sr. Presidente: - Ponho em discussão a base LIV.
Vai ler-se.
Foi lida. É a seguinte:
BASE LIV
1. Independentemente da existência do registo, poderão ser passados, a requerimento do interessado, certificados da nacionalidade portuguesa.
2. A força probatória do certificado poderá, porém, ser ilidida por qualquer meio sempre que não exista registo da nacionalidade do respectivo titular.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada a base LIV.
O Sr. Presidente:-Passemos agora ao capitulo VIII «Do contencioso da nacionalidades. Ponho em discussão as bases LV e LVI, que constituem este capitulo.
Vão ler-se.
Foram, lidas. São as seguintes:
BASE LV
1. Exceptuado o caso da naturalização e os previstos nas bases XIX e XX, é da competência do Ministro da Justiça decidir sobre as questões relativas à legalidade da atribuição, aquisição, perda ou reaquisição da nacionalidade e, bem assim, esclarecer as dúvidas que nessa matéria se suscitem.
2. Das decisões do Ministro cabe recurso, nos termos da lei geral, para o Supremo Tribunal Administrativo.
BASE LVI
Para averiguação da matéria de facto nas questões relativas à atribuição, aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade portuguesa funcionará junto da Conservatória dos Registos Centrais o contencioso da nacionalidade.
O Sr. Presidente: - Estuo em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra sobre estas bases, vai passar-se à votação.
Submetidas à votação, foram aprovadas as bases LV e LVI.
O Sr. Presidente: - Vamos passar ao capitulo IX «Dos conflitos de leis sobre a nacionalidade. Ponho agora em discussão as bases LVII, LVIII e LIX, que constituem este capitulo.
Vão ler-se.
Foram lidas. São as seguintes:
BASE: LVII
Se um indivíduo tiver duas ou mais nacionalidades e uma delas for a portuguesa, prevalecerá sempre esta, salvo o disposto na base seguinte.
BASE LVIII
O português havido também como nacional de outro Estado não poderá, enquanto estiver no território desse Estado, invocar a nacionalidade portuguesa perante as autoridades locais, nem reclamar a protecção diplomática ou consular portuguesa.
BASE LIX
No caso de conflito positivo de duas ou mais nacionalidades estrangeiros, prevalecerá a nacionalidade do Estado em cujo território o plurinacional tiver domicílio.
O Sr. Presidente: - Estuo em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: -Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra sobre estas bases, vai passar-se à votação.
Submetidas à votação, foram aprovadas as bases LVII LVIII e LIX.
O Sr. Presidente:-Passemos agora ao capitulo X «Disposições diversas».
Ponho em discussão as bases LX, LXI e LXII, que vão ser lidas.
Foram, lidas. São as seguintes:
BASE LX
A mulher portuguesa que renuncie à nacionalidade do marido estrangeiro, nos casos em que a respectiva lei admita u renúncia e dentro do prazo, subsequente à celebração do casamento, para o eleito estipulado, não perderá a nacionalidade portuguesa.
BASE LXI
A inscrição ou matricula realizada nos consulados portugueses, nos termos do respectivo regulamento, não constitui, de per si, titulo atributivo da nacionalidade portuguesa.
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BASE LXII
Em todos os casos de aquisição de nacionalidade e, bem assim, nos de atribuição dependente de facto posterior ao nascimento o interessado deverá registar os actos do estado civil a ele respeitantes que, segando a lei portuguesa, devam obrigatoriamente constar do registo civil.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Eu queria usar da palavra apenas para um esclarecimento relativo à base LX.
Assim, esta base deve de certa maneira considerar-se ligada ou, melhor, deve ser complementar das ressalvas previstas na alínea c) da base XVIII.
Se eu compreendi bem o alcance desta base, parece que a mulher portuguesa que casa com um estrangeiro, normalmente, perde a nacionalidade portuguesa, para adquirir a nacionalidade da pessoa com quem ela casar.
Mas essa alínea c) da base XVIII estabelece uma primeira ressalva: o caso de, pela legislação da nacionalidade do indivíduo com quem ela casar, a mulher portuguesa não adquirir pelo casamento essa nacionalidade, e portanto manter a nacionalidade portuguesa.
Realmente, é uma posição clara em relação & legislação anterior. Além desta ressalva, prevê a dita alínea c) uma outra: a de a mulher portuguesa, não obstante adquirir a nacionalidade do marido pela lei deste, querer manter a nacionalidade de origem.
Ora, parece que pela base XVIII, já aprovada, ela mantém esta nacionalidade, embora pelo casamento ela possa vir a adquirir também a nacionalidade do marido.
Parece que a mulher nessas condições passará a ter duas nacionalidades. Para que isso se dg, segundo os termos da aprovada alínea c), é preciso que ela declare previamente o facto.
Na cláusula LX, a que nos estamos referindo, vê-se que a mulher ainda depois de casada - e a hipótese é diferente da primeira porque aqui prevê-se a hipótese do casamento já realizado - pode renunciar à nacionalidade do marido estrangeiro nos casos em que, segando a legislação desse marido, ela o possa fazer.
Nesse caso, renunciando a essa nacionalidade, ela não perderá a nacionalidade portuguesa. Neste caso, parece, se deverá dizer, nos termos da respectiva letra,
que a readquire) embora, interpretando-se o pensamento o projecto desta base, deva considerar-se que a não perde ab initio; quer dizer: renunciando posteriormente ao casamento, parece que durante esse período, ou até essa renúncia, adquire a- nacionalidade do marido, e depois readquire a portuguesa, por isso mesmo que a declaração de renúncia é posterior ao casamento.
Já se vê que me parece, por isso, nesta última base, que será talvez melhor esclarecer-se que nunca a perdeu, no sentido de que, formulando essa renúncia dentro do prazo, efectivamente se considera que nunca perdeu essa nacionalidade, retrotraindo-se os efeitos desta ao momento do casamento. Isto é uma observação que eu faço à Comissão de Redacção, pois ela atinge, não propriamente a orientação da base, com que eu concordo inteiramente, mas tão-somente o facto de se poder esclarecer melhor.
Em todo o caso, não é isso que naturalmente, no futuro, perturbará o intérprete da lei.
Quanto à última cláusula, parece-me que seria bom esclarecer que a mulher portuguesa renunciando & nacionalidade do marido dentro do prazo estabelecido de certa maneira, automaticamente, readquire a nacionalidade portuguesa, retroactivando-a desde o inicio do casamento.
No entanto, trata-se apenas de um pormenor de redacção, para o qual me permito chamar a atenção da Comissão de Legislação e Redacção.
Tenho dito.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: ouvi atentamente as observações que acaba de fazer, relativamente à base LX, o Sr. Deputado Simeão Pinto de Mesquita. E confesso que me não parece que a hipótese a! prevista se relacione com a contemplada na base XVIII, alínea c).
A mulher portuguesa que case com um estrangeiro perde a nacionalidade portuguesa se não declarar antes do casamento que quer conservá-la, ou se pelo casamento não adquirir a nacionalidade do marido com quem case.
Mas a hipótese que está prevista na base LX não é esta. É a seguinte: a mulher portuguesa que case com um estrangeiro perde pelo facto a nacionalidade portuguesa se adquirir a nacionalidade do estrangeiro com quem casa, salvo se renunciar à nacionalidade estrangeira num prazo determinado, de harmonia com a permissão da lei estrangeira.
É o que se pretende com esta disposição da base LX.
Pretende-se que tudo se passe como se, realmente, pelo casamento e renúncia ulterior esta mulher não perdesse a nacionalidade portuguesa. Não se trata, portanto, de uma aquisição ou reaquisição da nacionalidade portuguesa. Trata-se da não perda da nacionalidade portuguesa, pela renúncia, dentro de certo prazo, à aquisição da nacionalidade estrangeira, permitida pela lei estrangeira.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Se V. EX.ª mo dá licença, passo a aproximar desta hipótese o caso da transcrição do casamento para o respectivo registo de casamentos celebrados no estrangeiro, em que a jurisprudência predominante os considera subsistentes desde a origem e não desde o momento em que se faz o registo da transcrição.
O Orador: - Não me parece que as situações sejam análogas...
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita; - Não serão, mas tom certo paralelismo.
O Orador: - Creio poder dizer que, segundo a legislação belga, uma portuguesa casada com um belga adquire a nacionalidade belga, mas, de acordo com a mesma legislação, pode renunciar à nova nacionalidade dentro do prazo de seis meses. Ora bem; segundo a base LX, a portuguesa que casa com um belga e dentro de seis meses depois do casamento renuncia à nacionalidade belga é como se nunca tivesse deixado de ser portuguesa.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Muito obrigado a V. Ex.ª, já estou esclarecido.
O Sr. Presidente : - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai votar-se.
Submetidas à votação, foram aprovadas as bases LX, LXI LXII.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a base LXIII, sobre a qual há na Mesa uma proposta de eliminação. Vão ser lidas.
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Foram lidas. São as seguintes:
BASE LXIII
O preceituado neste diploma não prejudica o disposto nos regras especiais do regime de indigenato em vigor nas províncias ultramarinas da Guiné, de Angola e do Moçambique, nos termos do Decreto-Lei n.º 39 666, de 20 de Maio de 1954.
BASE XLIII
Propomos a eliminação desta base.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 26 de Fevereiro de 1959. - Mário de Figueiredo, José Soares da Fonseca, João do Amaral, Carlos Alberto Lopes Moreira, Manuel Lopes de Almeida, José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues e Fernando Cid Oliveira Proença.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: é só para dizer que a Comissão de Legislação e Redacção entendeu propor a eliminação desta base com fundamento nas razões que foram produzidas na ocasião do debate na generalidade pelo Sr. Deputado Abranches Soveral e que não vale a pena estar a repetir.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se a proposta de eliminação.
Submetida à votação, foi aprovada a proposta de eliminação.
O Sr. Presidente: - Está concluída a discussão desta proposta de lei.
Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia: discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao fomento piscícola nas águas interiores do Pais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cerveira Pinto.
O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: na sessão de 19 de Abril de 1955 - são decorridos quase quatro anos! - efectivei nesta Câmara um aviso prévio sobre fomento piscícola e pesca fluvial.
Dentro do curto espaço de tempo concedido pelo Regimento demonstrei o estado catastrófico a que tinham chegado os águas interiores do Pais no que diz respeito à sua fauna ictiológica.
Sugeri remédios para este grande mal e apelei para o Governo no sentido de, sem demora, se dar inicio à obra nacional de recuperação dos nossos cursos de água.
Generalizado o debate, com a intervenção valiosíssima, de alguns Srs. Deputados, terminou ele com uma moção, aprovada por unanimidade, na qual esta Guinara formulou «o voto de que o Governo actualize e aperfeiçoe a legislação sobre a matéria, intensifique o fomento piscícola e eficazmente o guarde e defenda por meio de fiscalização apropriada, que, como a técnica e a lógica aconselham, deverá ficar a cargo da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas».
Passados cerca de nove meses - período de tempo que a muitos se afigurará exagerado, mas que, sob certo aspecto, se poderá considerar natural e normal - foi publicada pelo Ministério do Economia uma portaria a nomear uma comissão encarregada de estudar o assunto.
A comissão reuniu, estudou, discutiu e, passado algum tempo, apresentou o resultado dos seus trabalhos.
Quase logo a seguir foi elaborado no Gabinete do Sr. Ministro um decreto-lei, que, segundo toda a gente supunha, iria ser publicado no Diário do Governo.
Mas o Sr. Ministro, ou porque não se julgasse suficientemente esclarecido sobre a matéria, ou porque entendesse que o problema, dada a sua relevância nacional, não podia dispensar o parecer dos técnicos mais categorizados do Pais, enviou o projecto do decreto-lei à Câmara Corporativa, o qual ficou a ter o n.º 527 e vem publicado nas Actas com o n.º 123, de 10 de Julho de 1957.
Nas Actas com o n.º 128, de 11 de Novembro de 1957, veio a lume o notável parecer da Câmara Corporativa, onde o problema foi tratado com a altura em que aquela instituição costuma pôr todos os assuntos submetidos à sua apreciação.
Desta vez é que todos os que se interessam pela pesca desportiva - e que são em muito maior número do que vulgarmente se supõe - ficaram com a certeza de que o projecto viria a ter a categoria de decreto-lei nas colunas do Diário do Governo.
Porém, mais de um ano passou sem que a folha oficial desse notícia do acontecimento.
Aparece agora o projecto de decreto-lei sob a forma de proposta de lei para ser discutida e votada na Assembleia Nacional.
E embora nesta sua metamorfose de projecto de decreto-lei o texto tivesse sofrido mutilação na- sua parte mais principal, visto dele haverem sido expurgadas as disposições que diziam respeito à poluição das águas, por mim festejo a proposta com o mais vivo entusiasmo, por ficar com a certeza de que vai dar-se um passo decisivo na recuperação da grande riqueza nacional que o Todo-Poderoso pôs gratuitamente à nossa disposição e que nós, por desatenção e incúria, quase deixámos extinguir.
Como, aliás, se acentua no parecer da Câmara Corporativa, a poluição das águas é o mais nefasto agente do despovoamento dos nossos rios e, em muitos casos, da completa extinção da fauna útil em vários cursos de água.
Ainda mais do que a pesca criminosa, é a poluição das águas a causa primacial do estado vergonhoso a que chegaram os antigamente maravilhosos rios deste pais.
Com desrespeito total dos preceitos legais vigentes - vigentes apenas no Diário do Governo, claro está -, os industriais, os concessionários de minas e até os corpos administrativos, no saneamento- das povoações, não se coíbem de lançar nos cursos de água resíduos, dejectos, esgotos, matarias tóxicas e toda a classe de porcarias, que tornam os rios e ribeiras não só inabitáveis para as espécies ictiológiças, outrora tão abundantes, mas os convertem em nauseabundos focos de infecção.
E não são apenas os peixes os vítimas desta criminosa poluição, pois muitas vezes os águas de certos rios, em cujas margens se operou maior concentração industrial, não servem nem para irrigar as terras, nem para os rústicos se banharem, nem para os animais agrícolas se poderem dessedentar.
O Sr. Melo Machado: - O pior é que não se sabe como se hão-de purificar as águas e que, procurando-se junto das instancias oficiais alguns conselhos, também ninguém os sabe dar.
O Orador: - Mas devem dar. É questão de estudar a matéria, e para isso não é preciso ir muito longe: basta passar a fronteira, que já têm muito que aprender na Espanha. Mas se houver alguns cursos de água que pela concentração industrial se tenham de considerar perdidos, pronto. O que não há o direito é uma simples fabriqueta fazer desaparecer um curso de água.
O Sr. Melo Machado: - Em todo o caso, impressiona que, no desejo de cumprir estritamente a lei, as próprias instancias oficiais não saibam encontrar as soluções requeridas.
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O Orador: - Se não sabem que aprendam, como é de sua obrigação.
O Sr. Carlos Moreira: - Mas talvez saibam e não queiram...
O Orador: - Pois têm de querer; para isso o País lhes paga.
O Sr. Augusto Simões: - Já não é muito cedo para aprenderem.
O Orador: - A todo o tempo é tempo. A questão é que queiram.
Este grave problema, que ocupa o lugar número um, não é atacado na proposta de lei em discussão.
No entanto, e segundo se vê da declaração oficial feita à imprensa e publicada nos jornais diários de 14 do mês findo, como o Sr. Ministro da Economia está já a tratar da execução dos estudos prévios quê servirão de base a diploma especial sobre esta matéria e cuja publicação é prometida para breve, todos nós ficamos confiantes na sua palavra honrada.
O mal vem já de longe e a ele se pretendeu obviar com variadíssimas disposições legais, que, infelizmente, nunca passaram do papel em que foram impressas.
Aqui há anos tentou-se novamente atacar o problema, e assim é que, por portaria do Ministério das Obras Públicas, com data de 21 de Dezembro de 1948, foi nomeada uma comissão para «estudar e codificar as medidas destinadas a evitar a poluição dos cursos de água do Pais».
Essa comissão, composta de vários técnicos dos Ministérios interessados, houve-se tão bem ou tão mal no desempenho da missão que lhe foi confiada que teve de ser dissolvida sem nada ter produzido que de utilidade fosse.
O Sr. Melo Machado: - As vezes também costuma acontecer!
O Orador: - Esperemos que a acção enérgica dos Srs. Ministro da Economia e Secretário de Estado da Agricultura faça com que os técnicos que vão executar os estudos prévios sobre a poluição das águas se comportem de maneira diversa e forneçam, com celeridade, contributo útil à feitura do diploma especial cuja publicação está prometida para breve.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Até aqui os industriais e concessionários de minas têm tripudiado impunemente sobre as leis, perante a total passividade das autoridades encarregadas de as fazer cumprir, por certamente se entender que neste conflito de interesses os das indústrias e das minas deveriam ter absoluta prevalência sobre os da piscicultura.
Não pretendem agora os pescadores profissionais e desportivos que se vire o sinal ao contrário; muito longe disso.
O que se pretende é que nesta matéria se prossiga e defenda o interesse nacional, e este não está consubstanciado exclusivamente no dos estabelecimentos fabris e mineiros.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A riqueza ictiológica das águas interiores do País tem ali uma destacada posição, e por isso mesmo não pode continuar no desprezo a que até agora tem sido votada.
Mas as alevantadas palavras que sobre este ponto se escreveram- na mencionada declaração oficial à imprensa dão-nos a certeza de que o problema da poluição das águas vai ser equacionado numa visão do conjunto de todos os interesses em causa e será resolvido de forma a que prevaleça o interesse nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esperemos então confiadamente, pois que, segundo a promessa ministerial, não teremos de esperar durante muito tempo.
Mas, muito embora a proposta de lei em discussão não afronte o problema da poluição das águas e apenas vise a regulação das práticas da pesca, sua fiscalização, fomento e defesa das espécies piscícolas, ela merece o apoio e o aplauso decidido desta Câmara.
Com a lei em que se transformará esta proposta vai iniciar-se -iniciar-se, digo bem, porque até aqui nada se tem feito de prático nesta matéria - o processo de recuperação de uma grande riqueza nacional quase desaparecida. E vai também tornar-se possível e apetecível o magnifico e maravilhoso exercício da pesca desportiva para nacionais e para os estrangeiros que, com esse fito, de certeza virão visitar o nosso belo pais.
Aquelas palavras: «À parte a equitação, as touradas e principalmente o futebol, os Portugueses não gostam de praticar o desporto; por isso, a destruição das trutas nos seus cursos de água; não provoca nem particular nem público sentimento de desgosto ou indignação, que, sob o pseudónimo de Ann Bridge, a antiga embaixatriz de Inglaterra em Lisboa Lady O'Malley escreveu num belo livro sobre Portugal deixarão de ter significado.
A destruição da riqueza ictiológica nos nossos cursos de água passou a provocar público sentimento de desgosto e indignação, e a prova de que assim é está no facto de o Governo ter enviado à Assembleia Nacional a presente proposta de lei.
O Sr. Melo Machado: - V. Exa. dá-me licença ... Com o desenvolvimento industrial do País é natural que esses centros de poluição se multipliquem e, por consequência, teremos muitos mais rios nessas condições.
O Orador: - Essas indústrias que deitam para as águas resíduos contra as espécies não cumprem a lei. É justo, portanto, que sejam obrigadas a fazer tratar os resíduos, de modo a que não atinjam o limite tóxicológico a partir do qual a vida dos peixes é impossível.
O Sr. Melo Machado: - Experimente V. Exa. fazer um requerimento à Hidráulica para fazer cumprir essa lei e verá.
O Orador: - Sei que é essa a desgraçada situação em que se vive. Mas é preciso pôr-lhe termo, custe o que custar e doa a quem doer.
O Sr. Virgílio Cruz: - Há processos técnicos para tornar completamente inócuos os caudais lançados nos cursos de água, e é necessário que esses processos sejam impostos às novas indústrias a instalar.
O Orador: - Evidentemente que sim; e mais uma vez quero manifestar a esperança de que assim sucederá com a medida legislativa que o Sr. Ministro da Economia está a preparar e cuja publicação é prometida para breve.
Os desportistas da pesca portugueses - e são legião - deixarão de ter necessidade de passar a fronteira para
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o exercício do sen desporto favorito, pois irão, dentro em breve, ter no seu país o que só na terra alheia têm conseguido encontrar.
É claro que estas palavras de esperança assentam no pressuposto, que tenho como certo, de que a lei irá ser devidamente regulamentada.
Da presente proposta de lei foram retirados muitos preceitos que constavam do antigo projecto de decreto-lei, naturalmente por se entender que esses preceitos tinham carácter regulamentar.
Ficou assim a proposta reduzida à definição de meia dúzia de princípios, todos certos, e à fixação das penalidades para os delitos e contravenções que se pratiquem nos cursos de água.
Mas isto basta para já, desde que a regulamentação da lei seja perfeita.
e assim não for, não valeria a pena estar a perder tempo com a discussão e aprovação da proposta de lei.
O meu entusiasmo pela proposta assenta também na certeza de que, depois de devidamente regulamentada, será aplicada inflexivelmente e de que os seus mandamentos serão fiscalizados com todo o rigor.
Se assim não acontecer, será também tempo perdido o que se gastar a inserir textos no Diário do Governo.
O grande mal não tem sido a falta de diplomas legais, mas principalmente, e sobretudo, a sua não aplicação por deficiência ou, melhor, por inexistência de fiscalização dos seus dispositivos.
Como de todos é sabido, até aqui o fomento piscícola estava a cargo da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, do Ministério da Economia, competindo a fiscalização à Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, do Ministério das Obras Públicas.
É esta uma anomalia que com a nova lei vai ter o seu termo.
Embora a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos continue a ter competência em matéria de polícia e fiscalização dos rios, essa função vai competir especìficamente à Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, como a técnica, a lógica e o simples bom senso aconselham.
Pelo que tenho ouvido dizer, parece que a Direcção-Geral dos Serviços Florestais Aquícolas não vê com agrado esta ampliação da sua competência, certamente porque prevê as dificuldades de ordem financeira que irá ter para contratar guardas florestais em número suficiente ao efectivo policiamento e fiscalização das cursos de água.
Estou, porém, convencido de que o Governo, pelo Ministério das Finanças, usará da necessária generosidade nesta matéria, demais a mais porque se trata da efectivação de uma obra grandemente reprodutiva.
O exemplo alheio deve ser incentivo suficiente pura na recuperação dos nossos cursos de água se investirem os capitais indispensáveis.
Em que pese à Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, o que não pode ser é as coisas continuarem como até aqui.
Gastar somas consideráveis de dinheiro com estações aquícolas, viveiros e postos de desova, para depois vir dizer a público que, em vinte anos, lançou nas ribeiras 7 milhões de trutas e que só nos últimos dois anos se depositaram nos cursos de água mais propícios 500 000 é pouco menos do que nada, visto que a quase totalidade desses alevins foi implacàvelmente destruída por falta de fiscalização.
No dia em que a Direcção-Geral puder mostrar que lançou nos cursos de água alevins de trutas e de outras espécies e que desses lançamentos resultou efectivo aumento de riqueza ictiológica, então, e só então, é que terá produzido trabalho útil. Até lá, não.
O Sr. Júlio Evangelista: - V. Exa. conhece o caso do posto de Monção para repovoamento de salmões, onde se gastaram muitas centenas de contos com inutilidade manifesta, pois o posto serve apenas para os espanhóis se rirem de nós?
O Orador: - Conheço perfeitamente; gastaram-se 700 contos num sitio onde não pode viver um salmão, pois a temperatura da agua atinge 18 graus. É uma coisa inconcebível, mas é assim mesmo.
O Sr. Júlio Evangelista: - Aquilo está muito bonito para se lhe tirar o retrato.
O Orador: - Para se poder tirar o retrato e para espanhol rir.
O dinheiro gasto e a energia despendida no fomento piscícola têm sido, até hoje, em pura perda.
Para que as coisas não continuem assim é que, além do fomento piscícola que já estava a seu cargo, foi cometida à Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas a defesa e guarda desse fomento.
Com os meios materiais que serão postos à sua disposição e com muita devoção o entusiasmo pela tarefa que lhe vai ser cometida, estou convencido de que a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas realizará obra verdadeiramente nacional.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - V. Exa. é um optimista!
O Orador: - Mas eu agora quero ser optimista. Teremos de aguardar, e depois se verá!
Um problema gravíssimo que a proposta de lei não resolve nem poderia, aliás, resolver é o do rio Minho. Não posso, no entanto, deixar de me referir a esta questão, dada a sua relevância e importância.
É sabido que, há algumas dezenas de anos, o Lima e o Cávado eram grandes rios salmoneiros.
O Sr. Júlio Evangelista: - Apareceu um, há anos ...
O Orador: - Mas, perdido!
Como V. Exas. sabem o salmão - segredos maravilhosos da natureza! - vai sempre desovar onde nasceu, e aquele, certamente, perdeu-se! Foi apanhado meio morto já, devido às dificuldades que teve em atravessar os numerosos pesqueiros, por um pescador com a maior das facilidades. Coitado, ele já estava tão combalido! ...
Por virtude das obras levadas a efeito nestes dois rios, sem se curar de precaver a livre migração dos peixes e, em consequência, com inteiro desrespeito pela lei, então já vigente, os salmões desertaram daquelas linhas de água.
Esperemos que da nova lei resulte que, ao menos, o Lima volte a ser o que já foi outrora: um grande rio salmoneiro.
Mas, dentro do actual condicionalismo, o único rio do País com possibilidades de ter salmões é o rio Minho.
Várias vozes se levantaram nesta Gamara, através dos anos, a lançar o grito de alarme sobre a próxima extinção dos salmões naquele curso de água.
Em 1955, intervindo no debate sobre o meu aviso prévio, o antigo Deputado e meu prezado amigo Dr. Baptista Felgueiras afirmou que o número de salmões pescados naquele ano no rio Minho não ultrapassara a meia dúzia. Não tenho notícia de que no ano passado se tenha pescado algum.
A esta desgraçada situação se chegou por culpa dos homens, por exclusiva culpa dos homens.
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No rio Minho pesca-se por todas as formas, ainda as mais condenáveis. Não há defeso, não há fiscalização e nem sequer é necessária licença para pescar.
Impera naquele maravilhoso rio a autêntica lei da selva.
As próprias trutas mariscas, em que aquele rio foi sempre tão abundante, vão a caminho do desaparecimento, em virtude dos vandalismos que se praticam com as redes varredouras nos poços onde aqueles peixes se acolhem para desovar.
A este estado chegou um curso de água que poderia ser um dos melhores rios salmoneiros do Mundo, com possibilidades de possuir, segundo os cálculos de um perito norueguês que aí esteve, um coeficiente biológico de sessenta mil a noventa mil salmões por ano!
E chegou-se a esta situação porquê?
Porque a velha convenção existente entre Portugal e Espanha foi denunciada, julgo que em 1912, e não foi até hoje substituída por outra.
Dizem-me que há uma comissão nomeada, há bastantes anos, para a celebração de uma nova convenção. Mas informam-me também de que essa comissão já há muito se não reúne, sendo incerto que os seus componentes ainda se lembrem dê que fazem parte dela.
Parece-me que é tempo de a acordar do pesado sono em que jaz e fazer com que rapidamente produza trabalho útil, que conduza à celebração de um novo convénio sobre a pesca no rio Minho.
Sei que da parte da Espanha existe o mais vivo empenho em que essa nova convenção se celebre. E sei-o por várias vias, inclusive pela imprensa, não só a especializada mas também a de grande informação, com o grande diário de Madrid A B C à frente.
E se a Espanha, que possui dezassete grandes rios salmoneiros, mostra o seu decidido empenho em que se solve o rio Minho, como é que nós, Portugueses, que não temos mais nenhum curso de água desta natureza, não nos apressamos a celebrar com a nação vizinha uma convenção da qual advirão benefícios certos para o nosso pais?
Por isso formulo desta tribuna o mais veemente apelo ao Governo para que se empenhe em resolver a questão deste rio internacional por meio de um convénio com a nação que nele é comparte.
Sr. Presidente: feita esta pequena digressão fora do âmbito da proposta de lei em discussão, termino declarando que dou a minha inteira aprovação à proposta na generalidade.
Reservar-me-ei para aqui voltar na discussão na especialidade, se de tanto houver mister.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A discussão na generalidade desta proposta de lei continuará na próxima sessão, que se realizará no dia 10 do corrente.
Antes de encerrar a sessão, quero dizer à Câmara que foram recebidos hoje com volumes do parecer das Contas Gerais do Estado relativas a 1957 e respeitantes à metrópole. Outros volumes ainda serão enviados à Assembleia.
Aguarda-se a chegada da declaração do Tribunal de Contas, que está na Imprensa Nacional. Chamo a atenção da Gamara para este facto, a fim de que ela possa entrar na discussão das Contas Gerais do Estado no momento oportuno.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
Artur Proença Duarte.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Mendes da Costa Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA