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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 81
ANO DE 1959 II DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 81, EM 10 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - foram aprovados os n.º 79 e 80 do Diário das Sessões.
Leu-se o expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Henrique Tenreiro, que chamou a atenção para a necessidade de se fomentar a criação de cantinas escolares, colónias de férias, etc., Carlos Moreira, sobre a urgência em ser revisto o Código Administrativo, e Vasques Tenreiro, acerca do problemas de interesse para o ultramar.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao fomento piscicola nas águas interiores Ao Pais.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Paulo Cancella de Abreu e Sequeira de Medeiros.-
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, á qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Finto dos Bei» Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Avelino Teixeira da Mota.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
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José Garcia Nunes Mexia.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Gosta Evangelista.
Laurénio Cota Morais aos Beis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Gosta.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: -Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem, do dia
O Sr. Presidente:- Estão em reclamação os n.º 79 e 80 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre estes números do Diário, considero-os aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De Américo Ribeiro Maçarico, a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Nunes Barata relativa á valorização da praia de Mira.
Da Associação Regional do Norte de Pesca Desportiva a pedir a aprovação da proposta de lei relativa ao fomento piscícola nas águas interiores do Pais.
De Alberto Proença Gomes a apoiar a intervenção do Sr. Deputado José Saraiva a solicitar a criação de uma escola técnica no Fundão.
Do Grémio do Comércio do concelho do Fundão de mesmo sentido.
Do Grémio dos Vinicultores de S. João da Pesqueira a apoiar as considerações do Sr. Deputado José Sarmento sobre o problema do vinho do Porto.
De auxiliares de limpeza das escolas, da Póvoa de, Varzim a apoiar as considerações do Sr. Deputado Silva Mendes sobre os vencimentos de modestos funcionários.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Henrique Tenreiro.
O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente: pretendo chamar hoje a atenção dos Srs. Deputados e do Governo para importantes aspectos da assistência social que, não obstante terem recebido desvelado carinho de mintais entidades oficiais e particulares, precisam de ser fomentados por forma a exercerem uma acção, cada vez mais ampla e profunda.
Refiro-me, Sr. Presidente, à sua obra das cantinas.
escolares, às colónias infantis de mar e serra e as colónias de férias destinadas a trabalhadores.
Constitui, na verdade, tarefa difícil, mas imperiosa,, considerar os reflexos sociais de actividade económica, por forma a evitar desequilíbrios sempre possíveis, designadamente na ocasiões em que se assiste ao desenvolvimento em ritmo acelerado do progresso industrial dos povos. Inconvenientes múltiplos são, algumas vezes,, doloroso resultado das grandes concentrações humanas, e ainda não há muito o problema foi justamente considerado pelo Governo.
O homem paga, algumas vezes, por elevado preço certo avanço do progresso, embora este seja naturalmente indispensável e iodos, evidentemente, estejamos ao seu serviço.
E assim um pouco por toda a parte, e não terá que surpreender-nos um tal fenómeno se recordarmos ser o progresso um processo de acumulação lento e contínuo de factores s conhecimentos e que não poucas vezes pode provocar uma regressão neste ou naquele ramo de actividade.
É contudo, possível actuar e intervir sobre muitas dessas forcas desagregadoras se os povos dispuserem de instituições sociais que eficazmente satisfaçam as necessidades do homem, contribuam para a realização de um ideal cia vida e a todos garantem o acesso aos benefícios do progresso e da civilização.
Não oferece dúvidas que o nosso sistema político não tem descurado os problemas que se prendem com a elevação rio nível de vida, designadamente no relativo a previdência, à, saúde, não grau de conforto e à utilização- do tempo livre dos trabalhadores.
O País empenha-se numa política de progresso económico e social e pode dizer-se que, só pelo facto de não se ter permitido o excessivo desequilíbrio dos dois. elementos em presença, se não registamos êxitos espectaculares no domínio das realizações materiais de que alguns países fazem bandeira, também não consentimos a servidão a que sujeitam os seus trabalhadores.
Para nós, para o nosso regime bem mais importante sua protecção da criança, e a harmoniosa formação do trabalhador do que apresentar em tempo record elevados índices de produção.
Foi da acção conjunta do Justado, da organização corporativa e das iniciativas particulares que foram surgindo as caixas de assistência e previdência, as colónias de férias, as creches, os bairros, as cantinas, os centros, recreativos e culturais, que são bem o testemunho de uma acção profícua, tendente a evitar que a técnica se volte, contara: ó homem, e, pelo contrário, promova a elevação do salário real, aperfeiçoamento da personalidade do trabalhador, a desproletariação das famílias e, em resumo, a melhoria das condições de vida.
Não será de mais tudo quanto fizermos para facultar comodidades aos trabalhadores e suas famílias em matéria de educação, de saúde, previdência, habitação barata e facilidades de recreio.
Temos no campo das obras sociais muitas realizações verdadeiramente modelares que podem servir de incentivo a novos empreendimentos.
A Obra das Mães pela Educação Nacional, por exemplo, com uma generosidade e uma dedicação sem limites rins ilustres senhoras que a constituem, vem realizando
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missão de elevado mérito, muito especialmente na criação e manutenção das cantinas escolares.
Bastará a circunstância de estas obras subtraírem as
crianças aos inconvenientes da subalimentação- uma refeição quente a quantas vivem longe da escola e cujos pais, ocupados nas fainas rurais ou nas fábricas, não lhes podem ministrar os indispensáveis cuidados - paru pugnarmos pela sua difusão em todas as escolas do País. A cantina tem, pois, a função de assistência social, que o tempo poderá tornar dispensável, mas que hoje é absolutamente necessária ao desenvolvimento da criança.
Quero deixar aqui uma palavra de simpatia para muitos portugueses que, vivendo e triunfando em terras estranhas, nunca esqueceram a pequena vila ou aldeia que lhes serviu de berço e amiúde concorrem com a sua iniciativa generosa para construção de cantinas escolares.
Este acto de humanidade e de amor pelas crianças deterá servir de incentivo à multiplicação- das cantinas, que, se não podem viver do auxílio do Estado, em grande parte se deverão sustentar do entusiasmo, dedicação e contribuição de todos nós.
E passarei, Sr. Presidente, a ocupar-me das colónias balneares infantis.
Foi o bom coração desse homem inteligente, generoso e modesto que se chama João Pereira da Rosa ...
Vozes: - Muito- bem !
O Orador: - que, há quase trinta anos, e pela primeira vez em Portugal, instituiu uma colónia balnear. Seria injusto deixar de enaltecer a louvar o esforço deste pioneiro, ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -... a sua perseverança, entusiasmo e sacrifício e esquecer essa jóia de valor incomparável que criou na Costa do Sol.
Ela terá efectivamente servido de modelo e inspiração a quantas se construíram no País por iniciativa pública ou privada. -
Mas precisamos de construir mais. Há ainda milhares de crianças que aspiram brincar na areia dessas belas praias do norte a sul do País, que precisam de sol e iodo, das médias e grandes altitudes, onde quer que haja
condições favoráveis à saúde da criança.
Quem não se enternece com a alegria esfusiante desses miúdos quando na época própria podem gozar amplamente os benefícios da luz, do ar livre e do sol?
As colónias de férias para trabalhadores, essas surgiram após a promulgação do Estatuto do Trabalho Nacional, com o entusiasmo moço e sadio do Dr. Pedro Teptónio Pereira. Foi a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, que na expressão é uma das mais belas criações do regime, ti grande animadora destas realizações, de que hoje beneficiam mais de dez mil trabalhadores.
Presto a minha homenagem à direcção da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho pela excelência das suas instalações e também aos organismos e empresas que lhe têm dado o melhor da sua colaboração, construindo pavilhões para os seus empregados.
Há também neste sector que prosseguir na realização de novos empreendimentos, pois, permitindo-se ao trabalhador o gozo de férias fora do centro em que reside
e a preços acessíveis, teremos encontrado um processo de lhe proporcionar a recuperação de energias, defendendo simultaneamente o seu salário.
Pareceu-me, pois, de toda a justiça agitar este problema. Direi até que é imperioso prosseguir e animar o desenvolvimento destas obras, dotando-as dos meios necessários, venham eles do Estado, dos organismos ou das iniciativas particulares.
São obras que só podem viver do entusiasmo, da dedicação e do apoio de nós todos.
As crianças, os trabalhadores e as suas famílias merecem amplamente o sacrifício, porque obras como estas consolidam o progresso, a prosperidade, o bem-estar e a alegria de viver das nossas populações.
Foi para falar destes problemas que pedi a palavra, para os quais chamo a atenção do Governo, com as desculpas de ter roubado, por t unto tempo, a atenção de V. Ex.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: uma simples anotação. Anunciou a imprensa dê ontem que havia sido enviado para o Diário do Governo um diploma que introduz algumas alterações no Código Administrativo vigente.
Todas elas se justificam; impunham-se fundamentalmente no que da respeito a serviços de saúde, em face da criação recente do novo Ministério da Saúde e Assistência.
O dinamismo e acerto de medidas tomadas que desde a primeira hora o País vem admirando, com toda a justiça, no ilustre Ministro que chefia aquela Secretaria de Estado, ...
Vozes: - Muito bem !
O Orador: -... impõem, certamente, não só a necessidade de tais alterações, mas ainda de outras fundamentais para o desenvolvimento de institutos e serviços que se prendem com a saúde e assistência do povo português.
Da mesma forma, a decisão ponderada, mas viva, de renovação e prestígio que de há muito se impunha, no departamento do Ministério do Interior e que vem sendo marcada pelo ilustre titular da mesma pasta justifica igualmente que às medidas agora tomadas venham a acrescentar-se outras que as circunstâncias políticas e de administração aconselham.
E que, Sr. Presidente e Sr s. Deputados, o Código Administrativo em vigor, embora actual em muitos aspectos de doutrina, necessita, todavia, não só de melhor arrumo técnico-jurídico, mas ainda de alterações substanciais. Não me proponho nesta ligeira intervenção (ficará para outra altura) analisar os diversos aspectos sobre os quais se impõe uma revisão da nossa lei basilar de administração pública local.
Julgo, no entanto, poder desde já chamar-se a atenção para algumas matérias fundamentais.
Não falarei, por agora, do melhor arrumo técnico-jurídico, por ser questão a considerar posteriormente à apreciação daquelas matérias. Tal arrumo depende até, como é óbvio, das soluções que vierem a ser adoptadas quanto às matérias essenciais.
Sr. Presidente: as instituições municipais de hoje têm-se naturalmente vindo a afastar de certa construção clássica e tradicional do município.
Está na lógica de tudo o que é transitório, por maiores condições de relativa permanência que em dados casos e certas épocas se ofereçam. É o resultado forçoso da evolução, lei natural das sociedade e dos povos.
Certo é, porém, que se produziram, em meu entender, afastamentos da tradicional doutrina, os quais se traduziram em resultados, por vezes, de consequências mais ou menos graves.
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Citarei, como exemplo, um caso de grande relevância, que o diploma a que me tenho referido, aliás, mantém.
Já em tempos -vai fazer oito anos- tive ocasião de dizer nesta Assembleia que o cerceamento de prerrogativas e de elementos de vida e as imposições de serviços e despesas ameaçam transformar os municípios mais em órgãos do Poder Central do que autarquias livres. E o erro continua. Não há, pois que estranhar certos resultados nada desejáveis, tanto no que respeita a Administração propriamente dita, como aos efeitos políticos que daí procedem em grande parte.
A Constituição Política considera o concelho como primeira autarquia.
Sucede, porém, que as leis nem sempre têm tido presente este salutar princípio constitucional.
Faltou, além do mais, o reconhecimento -e a grande falta persiste - do direito da sufrágio dos eleitores da área do concelho como meio de escolha do presidente da câmara.
E nesses tradicionais acantonamentos populares que foram entre nós os municípios a liberdade de escolha sempre se afirmou como o melhor esteio de unidade entre os munícipes e a base do prestígio e acatamento dos seus magistrados e órgãos de administração.
Daí deriva uma mais fiel colaboração com o Poder Central. Ë lição da história.
Compreendo e defendo que o Poder Central exerça a sua acção orientadora e fiscalizadora, sobretudo nos campos da administração financeira e da técnica, mas não posso concordar que o mesmo se substitua à administração local, suprimindo-lhe iniciativas, liberdades e anseios que constituíram no seu passado a razão mais operosa e moas bela de uma unidade nacional que pretendemos ver séria e eficazmente restabelecida em todas as terras do nosso património colectivo e entre todos os portugueses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Outro aspecto que me permito destacar hoje toca no contencioso administrativo.
Tem esta matéria estado sujeita u sucessivas alterações, sistema que vem dos primórdios do regime republicano (e que se explica em mudança de regimes políticos) com a promulgação de sucessivas dois avulsas antes que se tenha chegado u primeira codificação administrativa posterior ao Código Administrativo de 1896, promulgada quatro décadas depois.
Convém, pois, integrar na parte IV do actual código todos es .preceitos de natureza essencial ou orgânica referentes a essa matéria, expurgando dos textos muitos preceitos de natureza regulamentar e enviando-os para o regimento ou regimentos dos tribunais administrativos.
E do turismo? E do ensino: escolas, museus, bibliotecas, arquivos?!
Quanto há a aproveitar do que está feito, a rectificar, a coligir, a codificar num texto que seja verdadeiramente a lei fundamental das actividades locais e regionais! . .
Torna-se indispensável que se outorguem ao concelho e à província as condições e prerrogativas necessárias para que possam desempenhar a sua acção verdadeiramente relevante na constituição orgânica do País.
Creio que não virá longe o dia em que estas minhas palavras fiquem revestidas de plena razão e oportunidade.
Sr. Presidente: de tudo que deixo dito e do mais
que fica por dizer sobre matéria tão vasta e profunda
(porque não devo nem quero alongar-me por mais
tempo) uma conclusão pretendo tirar e ao mesmo
tempo formular um voto.A conclusão é a de que precisa cie, ser revisto profundamente, tanto no aspecto substancial, como no melhor arrumo das matérias, o Código Administrativo vigente.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é obra que deve ser resultado não só do estudo de algum ou alguns juristas, mas também da experiência de outros homens que vivam e sintam o ambiente local, homens dos nossos concelhos e das nossas províncias. É que a especialização excessiva e a tecnocracia são o maior mal do nosso século.
O voto é que o Governo, e particularmente os Srs. Ministros do Interior e da Saúde, tomem em suas mãos decididas a iniciativa de promover esse estudo e essa revisão, dando assim, disso estou convencido, um grande passo na renovação que se impõe realizar.
Em tempos conturbados como os que se vivem, precisamos de manter a fé nos grandes anseios que dominaram todos os que desde a primeira hora servimos a Revolução Nacional; precisamos de entusiasmo na acção colectiva dos Portugueses para defesa eficiente da paz pública e da unidade nacional.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Vasques Tenreiro: - Sr. Presidente: assiste-se, nos últimos tempos, a lento tomar de consciência perante os problemas que importam aos territórios de soberania portuguesa em África.
Sai-se bem de posição de doce e cómoda letargia por via de conjuntura que tomou por centro de preocupações dominantes a vida de relação em regiões que apresentam a particularidade de serem constituídas por populações a plurais», em que o sector quantitativamente relevante comporta no campo económico como e minoria B pouco significativa.
Neste desajustamento entre o económico e o sociológico poderiam procurar-se as razões do ambiente que fez da África fonte de perturbadoras dissenções.
Por isso, Sr. Presidente, quer na Europa, quer nos Estados Unidos, através de organizações à escala mundial que se multiplicam por núcleos de estudo, conferências internacionais e comissões permanentes, os responsáveis pela paz tentam medidas que, permitindo a satisfação das aspirações tidas como legítimas das massas nativas, salvaguardem futuro de entendimento entre duas culturas em contacto: neste caso a europeia e a África.
Não é este o momento para se adiantarem quaisquer considerações acerca da justiça das soluções preconizadas, quer por europeus, quer mesmo por africanos.
O que deve acentuar-se é a variedade de esforços despendidos não sentido de encontrar-se saída equilibrada e humana entre dois mundos que, vivendo concepções culturais diferentes, se opõem hoje em igual linguagem política de reivindicações sociais.
Se é certo que a posição portuguesa em África se reveste de originalidade, em parte devido a franco passado de convívio com os povos de além-mar, cujo balanço só com timidez se tem bordado, é também verdade que por motivos geográficos e políticos os afluxos e refluxos das complicações sociais africanas, que podem ou mio repercutir-se em Angola e em Moçambique ou até mesmo na Guiné, não permitem que os Portugueses se alheiem destes problemas.
Estamos também metidos no desenrolar dos acontecimentos daquele continente; pensar o contrário seria correr o risco de suicídio ou amputação cultural. Urge, pois, a mobilização e o apelo aos padrões mais firmes
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e nobres da cultura que os Portugueses desenvolveram em África susceptíveis de elevarem a nível de vida harmónico das populações globais das províncias ultramarinas, tendo, contudo, em particular carinho os nativos, por serem os menos afortunados.
Vara tal há que recrutar com critério os humanistas e os técnicos que, pela existência e estudo dos locais o dos homens, saibam das suas carências e aspirações, impondo-se, outrossim, acção de esclarecimento junto da população metropolitana, pois que, em boa verdade, o movimento de renovação não deve ser exclusivo de alguns, mas sim de todos, sejam eles pretos, brancos os pardos.
Quem, como eu, passa de ouvido atento ao rumorejar das coisas africanas não pode deixar de assinalar que neste sentido algo se vem fazendo já.
Os artigos da imprensa diária, onde especialistas equacionam os vários elementos presentes nas preocupações africanas, os ciclos de conferências e colóquios, em instituições por vezes de índole tão diferente, encontram sempre público que mostra grande curiosidade o entusiasmo por aqueles problemas.
Nos debates Coloquiais do Centro de Estudos Políticos u Sociais da Junta de Investigações do Ultramar, do ciclo de conferências promovido pelo C. A. D. C. de Coimbra, nas trocas de impressões no Centro Nacional de Cultura, em «fundos» do Diário de Lisboa, Diário de Notícias e Diário Popular, só para citar alguns casos, tem-se apresentado o problema africano com cautelosa franqueza, levantando-se sugestões que promovem a consciencialização das gentes perante o que se passa em África.
Apesar da timidez com que ainda se trabalha em assuntos africanos, há muito que estes não acicatavam a curiosidade de tantos portugueses; é isto prova de que o devir da África repercute já em nós aspectos da sua confusa e melindrosa conjuntura.
Penso ainda que o sucesso na execução do planeamento para o ultramar, largamente discutido nesta Assembleia, depende em grande porto da compreensão e debate que as Portugueses lhe prestarem; já afirmei que o problema africano, tal qual ele se põe, não pode restringir-se a um grupo de homens, a um governo, antes, pelo contrário, deve apelar porá toda a Nação.
Vozes.: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: para se definir uma linha de rumo importa, em meu entender, conhecer a diversidade de aspectos particulares que, funcionando como alavancas, humanizem as paisagens, consciencializem os homens, promovam a revalorização da culturas e o engrandecimento do ultramar. pois, para um caso particular -o tio ensino no seu escalão mais elevado- que ouso chamar a atenção de VV. Ex. o caso do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos.
Criado há mais de meio século como simples escola colonial, em iniciativa a que- se encontra ligada a Sociedade de Geografia de Lisboa, tinha por finalidade animar o gosto pelos problemas de colonização e o conhecimento das potencialidades das regiões e dos povos de além-mar.
Compreende-se que a então Escola Colonial iniciasse caminho ao abrigo das vetustas paredes daquela Sociedade, que, no passado, fora alfobre de pioneiros despertos para a aventura política e também científica dos sertões africanos.
A criação da Escola correspondia assim a ideal que, ultrapassado hoje em alguns aspectos, ficou a atestar um dos mais inteligentes serviços prestados pela Sociedade de Geografia de Lisboa ao País.
Naquela Escola se reuniam jovens oficiais da Marinha e do Exército, universitários, simples cidadãos que despertavam para as lides do ultramar, em convívio com personalidades experimentadas nas mesmas.
Cedo se compreendeu que haveria vantagem em que aqueles que se destinavam aos quadros administrativos pôr ali passassem, e através de formação de base científica viessem a desempenhar cabalmente as funções melindrosas que resultam de contacto com populações numerosas submetidas a enquadramento económico, político e social de estilo europeu.
As crescentes dificuldades do processo de contacto exigiam que os administrativos fossem recrutados, na medida do possível, entre gente consciente de uma missão que se pretendia fosse humana e assimiladora.
A Escola, criada em 1906, deveria alargar o âmbito da sua actividade à formação de quadros especializados. Nenhum outro estabelecimento do País exercia essa ampla função.
Graças a feliz convergência de tão salutares intenções entre a Sociedade de Geografia de Lisboa e o Governo, foi possível, em 1927, reestruturar o plano de estudos da antiga Escola Colonial.
Ao travejamento, que desta forma abria novas perspectivas ao ensino das matérias ultramarinas, ficou para sempre ligado o nome do Ministro de espírito claro que foi João Belo.
Com esta reforma nascia a Escola Superior Colonial, a dependência do Ministério do Ultramar, como então se afigurava mais lógico, com um curso de quatro anos, que para todos os efeitos legais a colocam ao nível das Faculdades portuguesas.
Por, com o correr dos anos, o novo curso não estar à altura das finalidades propostas, por as matérias versadas e o próprio ensino não seguirem a forma mais perfeita, por estes ou outros motivos de cuja consciência os seus diplomados tomavam conhecimento nas dificuldades de campo, teve-se por bem proceder, ao fim de vinte e um anos, a nova reforma.
Em boa hora se compreendeu a necessidade de pedir aos diplomado pela Escola Superior Colonial novas e penosas responsabilidades, alargando-se ainda a sua acção educativa a todos aqueles que, não dedicados n carreira administrativa, poderiam interessar-se pelos problemas do ultramar.
Remodelou-se o curso de administração e estabeleceu-se ao mesmo tempo o curso de altos estudos, que, não sendo, no rigor da palavra, o coroamento daquele outro curso regular, representava para muitos a possibilidade de contacto íntimo com disciplinas e aspectos de importância nacional. Teve esta reforma o mérito de colocar a Escola Superior Colonial em conformidade com a acelerada conjuntura do continente africano.
Embora a experiência dê dez unos me permitisse análise crítica e amarga se tivesse em consideração a situação em que se encontram os seus diplomados, que no campo material da vida em nada foram beneficiados, o, verdade é que aqueles factos trouxeram à Escola, que logo ganhou jus de Instituto, perspectivas que alargaram o seu horizonte cultural. Por este alargamento aqui rendo homenagem ao Prof. Marcelo Caetano, então Ministro das Colónias.
Com a nova reforma chamaram-se ao Instituto alguns dos melhores nomes do ensino superior em Portugal, como, por exemplo, o do Prof. Mendes Correia, cujos títulos e devoção às coisas do ultramar o impuseram como director; deu-se a aproximação com a Junta de Investigações do Ultramar, e professores e até alunos tornaram-se seus colaboradores; sob os auspícios da mesma Junta, criaram-se centros de investigação dentro do próprio Instituto, cuja actividade é já visível e muito
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valiosa; finalmente - e o que não é menos importante -, gente nova e estudiosa, embora não muito experimentada ainda em temas tropicais, ocupava vagas de professores, trazendo para o ensino preocupações que, sendo já antigas em programas de estabelecimentos congéneres da França, da Bélgica e da Inglaterra, pareciam viver no esquecimento dos Portugueses.
Deste esquecimento têm ainda recordação dolorosa aqueles que no pós-guerra foram destacados para conferências internacionais, onde só com grande espírito de sacrifício, perante investigadores e sábios estrangeiros, conseguiram manter com dignidade o bom nome de Portugal.
Que dizer ainda das dificuldades sentidas pelos nossos administrativos, olhados com superior amabilidade pelos seus colegas do Congo Belga, da África Equatorial Francesa e dos territórios sob domínio inglês? Sem títulos a imporem-nos, com preparação que, não sendo deficiente, era por vezes antiquada nos métodos e processos, sentiam a amargura de quem é considerado por tolerância ...
Porém, o que importa frisar é que desde o ano de. 1948 os acontecimentos em África evoluíram a ritmo tão imprevisto, carregando o ambiente de tantas interrogações, que as respostas, sendo rápidas, têm de imbuir-se de bom senso, amplo significado humano e apresentar capacidade de realização plena.
Entre nós, pondo de parte algumas leis fundamentais atinentes a maior aproximação do ultramar com a metrópole (e não desta com o ultramar), só no campo da investigação científica vejo, na realidade, intensa actividade; neste sector não faltam bons investigadores, dinheiro e trabalho realizado. Também o planeamento, se nem sempre mostra uma concepção realista dos factos, é contudo rumo de acção que, a ser cumprido e melhorado no seu desenvolvimento, trará benefícios para as populações a globais das províncias ultramarinas portuguesas.
A problemática africana exige a preparação de muita gente qualificada, consciente da mesma, eivada de espírito, tão humanista quanto técnico. Com base num entendimento humano, antigo de mais de quatro séculos, há nas províncias ultramarinas portuguesas lugar para brancos e para pretos; manter esse entendimento e estar atento a todos os vícios, gerados num etnocentrismo aberrante, é dever de todos os portugueses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E precisamente neste aspecto que o Instituto Superior de Estudos Ultramarinos deverá desempenhar a sua, principal acção, tanto mais que a reforma de há dez anos lançou este estabelecimento em sendas que atingem três objectivos correlacionados: formação de funcionários especializados, investigação no domínio da cultura, do sociológico e do político e promoção de consciência pro-ultramarina entre as elites formadas em outras escolas1 superiores do País.
Tais caminhos, apesar do denodado esforço de um corpo docente empreendedor, nem sempre se realizam sem grande esforço e espírito de sacrifício; é por isso que se torna necessário, mais uma vez, pôr em conformidade com a situação africana, a estrutura daquela instituição.
O desenvolvimento recente das actividades do Instituto, o sentimento e a boa vontade em acertar dos seus diplomados, o despertar da consciência da Nação para os problemas do ultramar assim o exigem.
Sr. Presidente: julgo não ser abusivo da minha parte afirmar que algumas das considerações atrás expostas estavam na mente do actual Ministro do Ultramar quando na reabertura solene do presente ano lectivo deu a entender estar dentro das suas preocupações a dignificação e a integração do Instituto em mais largas e realizadoras funções.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Palavras tão consoladoras para quem então ouviu S. Ex.ª fazem-me acreditar que algo neste sentido estará já em andamento, isto é, a reestruturação do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, cuja actividade e fins o deverão levar ao convívio alto da Universidade portuguesa. Para um país cujo passado e cujo futuro não se podem compreender sem o ultramar, o lugar deste estabelecimento de ensino, que tem por fulcro o estudo da comunidade portuguesa  espalhada pelo Mundo, deve ser ali. Já lá vai o tempo, meigo e silencioso, em que os diplomados se limitavam, como já ouvi algures afirmar, a ser meros "capatazes da ordem pública", em terras do "bom selvagem"! Nesta hora ambígua, da África, S. Ex.ª o Ministro do Ultramar prestará um dos serviços mais relevantes à Nação se promover a actualização dos programas, fornecer meios de realização dos fins propostos e levar à dignificação universitária o Instituto Superior de Estudos Ultramarinos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao fomento piscícola nas águas interiores do País.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: devem VV. Ex.ªs estranhar a minha intervenção neste debate, pois de ictiologia nada entendo e não sou pescador profissional ou desportivo de águas salgadas ou de águas doces, e muito menos o sou de águas turvas, embora sejam precisamente estas que justificam a minha presença nesta tribuna. Mas sei, como todos sabem, que a pesca é uma das grandes fontes de riqueza neste país e um dos seus maiores recursos alimentares, tanto para o rico como para o pobre.
Exercida numa orla marítima de 840 km, rica de espécies, e no mar alto, com todos os perigos e vicissitudes que a tornam, decerto, das indústrias mais arriscadas e contingentes, a pesca oceânica é, no entanto, das que ocupam maior número de braços. E são verdadeiros heróis os nossos pescadores do mar!
A não ser nos extensos e amplos braços que, como os da rica e formosa ria de Aveiro, penetram a terra numa extensão de muitas léguas, a pesca nas águas interiores, sem deixar de ser profissional, é, principalmente, desportiva e turística, mas, sem embargo, atribui-se-lhe um apreciável valor económico, não obstante ser escassa a fauna piscícola dos nossos rios, lagoas e albufeiras. E, além dos profissionais, é muito elevado o número de amadores que à cultivam com engenho e arte, com paixão e também com a invejável paciência imprescindível.
Podemos bem toma-la como símbolo de temperamentos calmos, metódicos, resignados e meditativos, que não a
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incompatibilizam com a vida apensionada de advogados, de médicos, de engenheiros e de outros profissionais ilustres, que assim repousam e se retemperam das fadigas e ou preenchem lazeres da vida.
Ora eu, como não tenho a felicidade de conhecer esta arte nem - ai de mim! - o dom de todas aquelas virtudes tão raras e preciosas nestes tempos agitados e de euforia, careço, como é lógico, também de autoridade para apreciar a proposta em discussão, nomeadamente nos pormenores referentes à classificação das águas e exercício da pesca, à organização e competência dos serviços, ao fomento piscícola, à responsabilidade penal e civil, que constituem outros tantos dos seus objectivos.
Por isso nestes capítulos limito-me a breves apontamentos.
O primeiro resulta da circunstância de, nos casos do n.º 3.º da base III e nos das bases XXVIII e outras, não ser mandado ouvir o Conselho Técnico dos Serviços Florestais e Aquícolas -cuja composição, aliás, o n.º 3.º da base viu aumenta em condições justificadas -, quando é certo que o Decreto n.º 40 721, que o criou, entre outras, lhe confere precisamente as atribuições consultivas.
Reparo me merece também a forma imprecisa da segunda parte da base VII, que contraria a liberdade ampla, concedida na primeira parte, de passagem e estacionamento nos prédios marginais da? águas públicas, sem indicar especificamente qual o testemunho dos casos de inviolabilidade dos prédios que excepcionar
Bastam pequenos muros, que apenas delimitem estremas ou arbustos, cancelas ou outras formas vulgares de vedação, ou quis-se referir apenas muros altos, que isolam quintas, hortas, pátios, instalações fabris, etc.?
Embora grande respeitador do direito de propriedade, tenho para mim que, tratando-se de águas públicas, a primeira daquelas soluções é inaceitável, tanto mais que a mesma base VI ressalva a indemnização por perdas e danos e se trata, em última análise, de um direito já assegurado, embora com restrições relacionadas com a natureza e estado das culturas, no artigo 384.º e seguintes do Código Civil, por referência ao artigo 396.º Direito de que se pode usar, mas não abusar, convertendo-o em invasão de propriedade, como sucede, por exemplo, se o pescador, desnecessariamente, com o fim de vencer obstáculos ou encurtar distâncias, não transitar junto às margens.
Todos sabem que a pobreza ictiológica dos nossos rios força os pacientes pescadores a percorrerem muitas vezes inúmeros quilómetros em procura de lugares onde encontrem probabilidades de algum êxito; e se para isto tiverem de tornejar grandes propriedades, sempre que encontrem - como sucede a cada passo - vedações facilmente transponíveis, a jornada tornar-se-á excessivamente longa e penosa ou restar-lhes-á o prático expediente do caçador que guarnece o cinto no mercado que lhe fique mais próximo ...
Também me ofereciam reparos os termos imprecisos do n.º 1.º da base XXVII, pois podiam conduzir a uma interpretação genérica e mais larga do que a que estaria no espírito e na intenção que a ditaram. E, sendo lata a interpretação a dar-lhe, mais resultaria o inconveniente de se estabelecer para todos os casos uma jurisdição especial no n.º 2.º da mesma base.
Não me foi possível assistir à última reunião da Comissão de que faço parte, e onde fizeram o reparo; mas neste momento já sei que será apresentada uma proposta destinada a esclarecer esta base no sentido que suponho conveniente, e por isso sirva este breve comentário de começo da sua justificação.
Finalmente, ainda no âmbito de breves nótulas, direi que me parece conveniente acrescentar expressamente na base XVII e seguintes que as multas não pagas são convertiveis em prisão.
Deixo, porém, o esclarecimento das dúvidas e a apreciação e justificação das disposições a que fiz uma breve referência e de outras que, porventura, o mereçam aos entendidos que me escutam, para assim formar a consciência do meu voto na especialidade; e passo ao assunto que mais influiu na minha intervenção num debate tão estranho à minha actividade e aos meus conhecimentos e embora sobre esse melindroso aspecto já se tivesse pronunciado o Dr. Cerveira Finto, com a autoridade e o saber da experiência feita no culto apaixonado da pesca desportiva.
Quero referir-me, Sr. Presidente, à base cujo conteúdo interessa, e muito, à pesca desportiva e turística, como interessa também à pesca profissional, exercida com fins lucrativos, no curso das correntes de água, e, a jusante, até ao limite onde o fluxo e refluxo das marés, dadas a sua extensão e demora, não sejam suficientes para renová-las.
Mas a base interessa também muitas vezes, e muito, à agricultura, à pecuária e aos consumos domésticos.
Trata-se da base XXXI.
Diz a Câmara Corporativa no seu parecer sobre o projecto de decreto donde derivou esta proposta, referindo-se à poluição das águas interiores:
Todos reconhecem que a riqueza piscicola do País está em declínio e que neste declínio pesa enormente o efeito destruidor da descarga dos produtos residuais nos rios, quer industriais, quer das minas, quer dos esgotos das povoações, a ponto de muitos rios estarem a caminho da esterilização pela perda de condições biológicas e mesológicas indispensáveis à vida dos peixes.
E acentuou que a poluição constitui, como já disse também o Sr. Dr. Cerveira Pinto, o agente número um do despovoamento das nossas águas interiores, excedendo, portanto, os prejuízos causados pela própria pesca criminosa, apesar de esta - acrescento eu e todos sabemos - ser exercida largamente por todos os modos e  feitios, por falta e dificuldade de fiscalização, que quase garante a impunidade, ficando assim letra morta as sanções penais em vigor.
O mal não é de hoje. O mal vem de longe, devido àquela razão e à incompreensível falta de cumprimento da lei, e vai-se agravando vertiginosamente. E o interesse nacional impõe que não seja irremediavelmente por influência de indesculpável desprezo que tem havido, ou pelo respeito por pretensos direitos adquiridos.
Não deve haver prescrição em factos que importem infracção de preceitos legais de interesse e ordem pública. Não a há quanto à permanência perpétua do facto delituoso corrigível; pode havê-la sómente quanto à sanção penal.
E o mal, que tão pernicioso tem sido, continua a agravar-se cada vez mais e tornar-se-á irremovível se providências urgentes e drásticas não forem adoptadas para compulsiva e inexorável repressão, em prazo certo e curto, das origens desse mal, prevenindo em cada caso e para cada caso a continuação da infracção de leis que existem e não se cumprem. Se assim não suceder, não tardará a completa esterilidade das águas interiores, e - o que é pior - a sua inadaptação aos usos agrícolas, pecuários e domésticos; e no futuro cada vez mais e mais rapidamente, à medida que aumentem a urbanização e as instalações industriais nos terrenos marginais.
Mas, repito, não obstante não ser um mal necessário - pois é um mal evitável no que venha e remediável no que está, custe o que custar, doa a quem doer-, ele vem de longe e, por isso, se chegou à actual escassez na fauna dos rios, lagoas e albufeiras.
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Ocorre-me, por exemplo, um caso antigo que alarmou os povos de uma rica região. Foi o das minas das Talhadas, cujos resíduos poluíam os águas do rio Alfus-queiro, afluente do Águeda, nas vertentes do Caramulo, sacrificando a fauna piscicola destes rios, e, se bem me recordo, tornaram as suas águas inaproveitáveis então para a agricultura, gados, etc. Estas minas estão paradas há muitos anos, mas constante que ainda se verificam no local infiltrações tóxicas em nascentes ou fontes.
Aponta a Câmara Corporativa os exemplos referidos pela própria Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, como a impossibilidade de se manter o posto de Torno, no Marão, e os casos dos rios Ave, Almonda e Leça, tornados praticamente quase estéreis pelos esgotos industriais e urbanos não depurados.
E o Sr. Dr. Cerveira Finto especializou o clamoroso caso do despovoamento dos rios Minho e Lima, aliás também por influência de outras causas graves, que revelou.
Também flagrante pela sua actualidade e pela importância que o reveste é o que se passa com as águas do rio Vouga, poluídas a. jusante pelos resíduos emanados da laboração da industria de celulose, em Cacia.
Refere-o também o parecer da Camará Corporativa, pois o grave problema continua por solucionar, apesar dos protestos e reclamações dá Junta Autónoma do Porto de Aveiro, de outras entidades e das populações, e também, e por mais de uma vez, dos Deputados pelo circulo.
Ao que me consta, o assunto não está esquecido e continua a ser objecto do estudo de uma comissão competente; mas, sem deixarmos de reconhecer a dificuldade do problema, u verdade ó que se faz mister abreviar a sua solução.
É certo que a Celulose, que utiliza diariamente milhões de litros de água, já a recebe inquinada ou turvada pelos produtos os detritos de outras pequenas instalações fabris e mineiras existentes a montante do Vouga, tanto que ela faz o tratamento prévio das águas que utiliza; mas devolve-as ao Vouga ainda mais intoxicadas pelos seus próprios resíduos, que destroem a fauna do rio e, em parte, da própria ria de Aveiro, onde ele desagua, e com prejuízo também para a agricultura, para a pecuária e para os usos domésticos.
Não se imagine que estamos em presença de um caso irremediável, pois é difícil, mas não impossível, resolvê-lo.
Diz a Câmara Corporativa:
Acresce que presentemente, seja qual for o grau de insalubridade e toxicidade dos produtos residuais, é possível torná-los inócuos para a vida aquática dos rios interiores, recorrendo a processos adequados de tratamento, depuração e diluição..
De resto, se assim não fosse, o caminho a seguir era impedir a restituição das águas poluídas ao seu curso ou o vazamento nele de outras de diversa proveniência, por mais difícil e dispendioso que fosse o processo a empregar.
Desenvolver as indústrias muito e cada vez mais está certo e é necessário, mas não o lazer com o sacrifício de outras actividades legitimas e também produtivas e necessárias.
E não se diga que não havia leis que o prevenissem e estabelecessem sanções.
Já as velhas Ordenações do Reino determinavam:
E pessoa alguma não lance nos rios e lagoas, era qualquer tempo do ano, trovisco, barbasco, coca, cal, nem outro algum material com que se o peixe mata...
O que assim havemos por bem, para que se não mate a criação do peixe, nem se corrompam as águas dos rios e lagoas que o gado bebe.
A pena ia desde o degredo em África ao açoite com baraço e pregão, conforme se tratasse de fidalgo, de escudeiro ou de infractor de «menor qualidade».
E temos sobre o assunto os regulamentos sexagenários de 1892 e 1893 e a chamada Lei de Águas, também citada pela Câmara Corporativa, bem expressa na parte final do seu artigo 31.º
Aprovou-a o Decreto n. 5787-III, que, pelo recurso ao alfabeto quadruplicado, não é difícil adivinhar tratar-se de um dos do alfobre dos fumosos trinta suplementos ao Diário do Governo de 10 de Maio de 1919 ...
E menciona-se como medida mais recente o Decreto n.º 22 758, que obriga a Junta Sanitária de Águas a promover a adopção de medidas sanitárias para se evitar que as aguas residuais, industriais e de esgotos causem prejuízo à saúde pública e aos cursos de águas.
Não é suficiente essa legislação? Não o creio. Tem de ser actualizada? Neste caso, por que se espera?
A triste realidade é esta: a abundante legislação caiu praticamente em desuso!
Nestas circunstancias, convinha que, para se corrigirem os casos presentes e se evitarem outros no futuro, a proposta de lei em discussão reproduzisse o conteúdo dos artigos 20.º e 21.º incluídos pela Câmara Corporativa no aludido parecer sobre o projecto de decreto inicialmente sujeito à sua apreciação, pois as disposições ai sugeridas confirmavam e actualizavam a legislação anterior e seriam relevantes se não ficassem também letra morta.
Pois bem: a proposta não incluiu os artigos sugeridos pela Camará Corporativa nem qualquer disposição equivalente ! Apenas se refere ao assunto na base XXXI, e em termos que podem servir de pretexto para que se vá consentindo a continuação dos casos presentes o não se providencie, já e rigorosamente, para o futuro, embora seja certo que não revoga nem suspendo, a legislação anterior.
Está bem que, sendo necessário, se nomeie uma comissão técnica paru. estudar urgentemente as providências a tomar, tendo-se em vista a sua eficácia. Mas não sirva isto do razão paru esta situação clamorosa continuar indefinidamente.
Porém, será possível estabelecer processos e regras concretos gerais pura tratamento ou desvio de águas poluídos, desde que se tom de variar para cada caso, conforme a sua natureza, a localização das instalações, a composição química dos seus detritos, o grau dos prejuízos da poluição, a terapêutica a aplicar, etc. ?
Seja como for, aceito a base, porque vale mais ela do que nada. Mas para que fique bem entendido que ela não importa retrocesso, paragem ou tolerância da lei para o que se fez e para o que se faça em prejuízo da salubridade das águas interiores, mando para a Mesa uma proposta destinada a preceder o texto desta base das seguintes palavras, destinadas a vincar bem o pensamento da Assembleia expresso no debate:
Sem prejuízo da aplicação da legislação vigente sobre a salubridade das águas interiores ...
E aproveito a oportunidade para também propor a substituição, na mesma base, das expressões abstractas: «os critérios segundo os quais ...», que ficariam à mercê do critério de cada um, pelas seguintes expressões concretas: «os casos em que ...»
Finalizo, Sr. Presidente, exprimindo o voto de que esta nova lei não caia também em ponto morto ou fique no
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rol dos esquecimentos e de que aos serviços florestais e aquícolas, que tão competentes, solícitos e eficazes se tom revelado noutras actividades, sejam assegurados o pessoal e as condições materiais suficientes para poderem exercer a fiscalização e actuar rigorosa e eficazmente na repressão da pesca criminosa e da destruição dos viveiros e cardumes das espécies, abrangendo também desde já a prevenção, a repressão ou a denúncia das causas da poluição das águas interiores, seja qual for a sua proveniência, em conformidade com a legislação em vigor.
Dirijamos daqui um apelo ao Governo, nomeadamente ao Ministro da Economia e ao Secretário de Estado da Agricultura, Srs. Engenheiros Ferreira Dias e Quartin Graça.
Fazendo-o, mais uma vez somos os intérpretes da vontade da Nação. E se não recebermos mercê, então ... a poluição continua !
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sequeira de Medeiros: - Sr. Presidente: encontro-se em apreciação a proposta de lei n.º 13, que visa o fomento piscícola das águas interiores do País. Contém esta proposta de lei matéria que, de certo modo, muito interessa ao distrito de Ponta Delgada, do qual sou um dos representantes nesta Assembleia.
Resulta este interesse mais da importância que se atribui u piscicultura, nas águas interiores da ilha do S. Miguel, como motivo de atracção turística do que propriamente como fonte de matéria-prima proteica destinada li alimentação da população.
Esta vive numa ilha rodeada pela imensidade do oceano Atlântico e é deste mar que extrai o peixe para a sua alimentação e para garantir a laboração das fábricas da indústria de conservas, que hoje em dia já representa algum valor na economia do distrito. Dizem os entendidos na matéria que as possibilidades de pesca desportiva nos Açores, praticada, quer no mar, quer nas águas interiores, constituem factor valioso para o futuro desenvolvimento da indústria do turismo naquele arquipélago.
Há quem não creia nesse desenvolvimento e considere tempo perdido tudo quanto se faça e diligencie em tal sentido, alegando faltar o elemento primacial - um  bom clima.
De facto, não temos nem o sol radioso de Lisboa nem a suavidade do clima da Madeira, que tão apreciados são pelo turista europeu. Todavia, temos quadras do ano, como o Verão e Outono, em que o clima é agradável, por haver maior luminosidade, menos humidade e temperaturas amenas.
Em contrapartida, possuímos: a exuberância das belezas naturais, filiadas na origem vulcânica das ilhas e nas características especiais que lhes confere a insularidade; o modo de viver simples do nosso povo, de índole tão portuguesa como as melhores, tudo formando um conjunto de motivos que justificam plenamente a esperança de que a indústria do turismo tenha possibilidade de se tornar real naquela região do território nacional .
Com este fito, nos últimos tempos a administração local, amparada pelo Poder Central, tem orientado a sua actuação, pugnando pela criação de infra-estruturas que permitam estimular e desenvolver a indústria do turismo.
Têm-se rasgado estradas de acesso às regiões de melhores vistas panorâmicas, embelezando-as com flores e árvores, procura-se uma instalação condigna das ter-
mas do vale das Fumas, criaram-se taxas especiais destinadas ao fundo de turismo e nomearam-se as respectivas comissões distritais.
Começa a esboçar-se o interesse pela construção de hotéis, pousadas e albergarias, apesar de uma iniciativa micaelense, de carácter particular, já há anos vir realizando alguma coisa de importante neste ramo, que tão bons serviços tem prestado e que merece mais louvores do quê críticas.
Não podemos deixar de concordar com a orientação seguida pelas autarquias locais, mesmo na dúvida se a indústria do turismo nos Açores tem potencial de expansão futura, de modo a tornar-se importante factor económico.
Assim dizemos porque julgamos que é a própria economia açoriana que exige que se lance mão de todos os recursos susceptíveis de trazer algum equilíbrio à sua desequilibrada balança comercial.
A economia dos Açores, como já tem sido dito nesta Câmara, é pobre, essencialmente agrícola e de produção cara, vítima da sua situação geográfica e da dispersão do seu território por nove ilhas distantes.
Não oferece resistência às perturbações do comércio com os habituais mercados consumidores dos seus produtos de exportação, o que, aliado à densidade de população nalgumas ilhas, origina por ocasião das crises económicas problemas* de grande gravidade e acuidade.
Numa economia deste tipo, julgamos que o integral aproveitamento de todos os recursos susceptíveis de fomentar a entrada ,d e moeda, ainda que sob a forma de participação modesta, nunca são de mais para serem utilizados e devidamente estimulados. Assim tem acontecido com a tentativa de fomento de turismo. Mas, para que. este se transforme nalguma realidade, torna-se indispensável s urgente modificar as actuais condições de transportes marítimos e aéreos para os Açores, proporcionando economia, rapidez, comodidade e conforto a quem os utilizar.
Julgamo-nos dispensados de insistir nas más condições dos transportes marítimos para os Açores, que tão justas reclamações provocam e que por várias vezes têm sido relatadas nesta Caruaru por vozes mais autorizadas e experientes do que a nossa e que supomos já terem encontrado o eco necessário na superior atenção do Governo.
Tanto assim que no Relatório Preparatório do II Plano de Fomento o problema é focado com real conhecimento de causa e no Plano está prevista a melhoria das carreiras marítimas dos Açores, dispondo-se de verba, para a aquisição de um novo barco.
Temos a noção da complexidade deste problema; resta-nos aguardar com fé que um dia será encontrada a devida- solução, fazendo votos para que se não deixe perder esta fé entre os  «novos», já que alguns a velhos» se lamentam de a terem perdido.
Quanto aos transportes aéreos, continua por resolver a questão do aeroporto da ilha de S. Miguel, cuja falta de condições exigida» pela navegação aérea causa interrupções frequentes do serviço aéreo de ligação entre as ilhas e quê não permite a utilização de aviões de maior rendimento, originando, deste modo, grandes transtornos à vida dos populações do arquipélago.
Após várias visitas de missões técnicas àquele campo
de aviação e de estudos vários, parece que se assentou agora na forma definitiva ide o melhorar. Encontra-se concluído o projecto da nova pista do campo de Santana, tendo os terrenos que a ela se destinam de ser adquiridos pela Junta Geral do Distrito, que, para o efeito, se acha já habilitada, juridicamente, a efectuar a compra.
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Receávamos que a precária situação financeira que presentemente a Junta Geral atravessa, resultante da sobrecarga de despesa no seu orçamento com os recentes aumentos dos vencimentos ao funcionalismo, viesse protelar a execução do projecto elaborado.
Porém, tranquiliza-nos a informação de que o assunto está a ser estudado e ponderado pelo Governo. Resolvidas as bases técnicas » jurídicas da questão, tudo leva a crer que o problema está em vias de solução definitiva. Constitui ambição geral dos Micaelenses que se não faça demorar a construção dessa nova pista do canino de aviação de Santana, não só pela enorme melhoria que acarreta às comunicações entre as ilhas, mas também para se resolver definitivamente a injusta situação em que se encontram os donos dos terrenos do actual campo de aviação, que de um momento para o outro se viram inibidos de usar do legítimo direito de dispor do seu património. Muito embora essa situação no início tivesse a justificá-la imperativos ponderosos, ditados por circunstâncias especiais do momento que se vivia, a verdade é que esse período transitório já passou e há toda a vantagem em fazer desaparecer descrenças que se geraram e que à colectividade em nada aproveitam.
Alimentamos a esperança de que, á semelhança de tantos outros problemas de importância básica e de muito maior envergadura -julgados insolúveis durante gerações, e que nos nossos tempos estão solucionados, constituindo realidade indiscutível e glória do Governo do Prof. Salazar, também a aspiração geral dos Açorianos de verem melhorados os transportes para os Açores acabará por ser satisfeita.
Esta melhoria tem vantagens nacionais e vem promover uni mais amplo e útil intercâmbio com o continente, tornando os Açores mais conhecidos e melhor compreendidos, além de valorizar a sua depauperada economia e permitir a base essencial do turismo.
Com o pensamento no futuro turístico dos Açores e também na importância da prática do são desporto da pesca, e suas reflexas na saúde física e mental da nossa juventude, é que reputamos de interesse para o distrito de Ponta Delgada a presente proposta de lei sobre o fomento piscícola.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: no distrito de Ponta Delgada não existem rios, nem cursos de água de caudal volumoso. Nas ilhas de Santa Maria e S. Miguel a maioria das ribeiras existentes não têm curso permanente; só no Inverno a água corre e, por isso, imo tem possibilidade de povoamento pisei cola.
Apenas a zona oriental da ilha de S. Miguel é que está sulcada por algumas, ribeiras de caudal já apreciável, mesmo nos períodos de estiagem.
A água que os alimenta provém de nascentes ou minas, sendo as mais. importantes alimentadas por pequenos lagos ou lagoas, formados pela acumulação da água das chuvas do Inverno nas crateras de extintos vulcões.
Essas ribeiras de curso permanente, descendo rochas atiladas cobertas de vegetação até às suas margens, são de uma extraordinária beleza no seu trajecto. As suas águas são cristalinas, não se encontram poluídas, pois não existe indústria que as conspurque.
Somente uma ou outra ribeira é aproveitada para a produção de energia hidroeléctrica ou para movimentar alguma velha azenha, que singular encanto empresta à paisagem.
Estes cursos de água aliciaram, logo no início do desembarque, os primitivos povoadores, pois as primeiras aldeias foram edificadas nas suas margens, junto dos locais em que desaguam no mar.
Inicialmente, as águas interiores da ilha de S. Miguel, tanto das lagoas como das ribeiras, não estavam povoadas de peixes; não possuem espécies ictiológicas autóctones.
O único peixe que presumimos existisse nas águas interiores dos Açores devia ser nina variedade ou espécie de enguia, que lá designam por e «eiró». Mas esta espécie é migratória entre os rios e o mar e não pode, portanto, ser considerada espécie ictiológica com habitat definido em águas não salinas.
Provavelmente as enguias, nas suas migrações através do Atlântico para p mar dos Sargaços, passaram Selos Açores e encontraram cursos de água com condições biológicas que lhes foram favoráveis e aí se fixaram. A curiosidade e interesse de alguns antigos micaelenses levou-os certamente a povoarem as águas interiores com espécies ictiológicas decorativas e também com carpas, perches, blackbests, etc., mas todas elas de fraco valor para o exercício do desporto da pesca.
Porém, há anos, a Junta Geral do Distrito - num rasgo de visão e inteligência, consciente da importância da pesca desportiva como factor de atracção turística - tomou a louvável iniciativa, através dos seus serviços florestais privativos, de montar um posto aquícola no vale das Fumas. Importaram-se ovos de salmonedos da Suíça, da Holanda, da França e da Dinamarca.
Com cuidados e carinhos, conseguiram-se as primeiras, trutas, que foram lançadas nas lagoas e ribeiras susceptíveis de povoamento. Decorridos alguns anos, verificou-se, com satisfação, que o ensaio fora coroado de êxito; as lagoas e ribeiras da ilha de S. Miguel estavam povoadas de trutas, que se adaptaram, desenvolveram e procriaram.
Assim ficaram enriquecidas aquelas águas com tão apreciada espécie ictiológica, não só permitindo o desenvolvimento do desporto da pesca, mas também enriquecendo as ementas da culinária regional.
Com a publicação do Decreto-Lei n.º 36 966, de 13 de Julho de 1043, passaram as atribuições dos serviços florestais da Junta Geral para u Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas do Ministério da Economia, entidade encarregada da execução do plano de repovoamento florestal do distrito de Ponta Delgada - plano este da mais alta projecção no futuro económico do distrito.
Esses serviços têm realizado uma obra magnífica e meritória no aproveitamento dos incultos e baldios, criando uma riqueza extraordinária, plantando anualmente milhares de árvores, abrindo caminhos vicinais, disciplinando a economia da floresta, ocupando braços até então caídos e sem trabalho, revolvendo a terra virgem e transformando-a em ubérrimas pastagens.
Como se tudo isto não bastasse, ainda têm fomentado a piscicultura. Ampliaram o posto aquícola existente, continuaram a importar trutas do estrangeiro e, desde 1952 até 1958, mais de 20 000 salmonídeos das espécies Salino fano, Salmo fontenalis e Salmo irideus foram lançados em lagoas e ribeiras, que ficaram enriquecidas com uma espécie ictiológica própria para a pesca desportiva.
Hoje, vários pescadores desportivos, nacionais e estrangeiros, que têm visitado S. Miguel, quase com a finalidade exclusiva da pesca, têm manifestado, de viva voz e por escrito, o seu entusiasmo e encanto pelo exercício da pesca naquela ilha.
Quer dizer: consagrou-se a obra de fomento piscícola nas águas interiores da ilha de S. Miguel, levada a cabo pela Junta Geral e pela circunscrição da Direcção-Geral dos Serviços Florestais. Logo que se generalizou o conhecimento da existência de trutas nas lagoas
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e ribeiras, surgiu a natural curiosidade pela pesca de tão valioso salmonídeo
A pesca tomou foros de grande entusiasmo e passou a ser praticada não só por pessoas conscientes do que representava tal regalia, e que pescavam dentro da boa ética e normas desportivas, mas também por toda a série de pescadores sem qualquer noção e escrúpulo pelo esforço e trabalho despendidos no povoamento piscícola daquelas águas, até então estéreis.
Não havia qualquer regulamentação nem fiscalização que defendesse convenientemente a importante obra de fomento já realizada.
Não se respeitavam períodos defeso, pescava-se em qualquer época e de qualquer forma; nem sequer se olhava ao número e tamanho dos peixes capturados.
Assistiu-se a verdadeiros netos de vandalismo, não por intenção criminosa, mas simplesmente por ignorância e falta de educação, pois as trutas, lançadas com tanto dispêndio e destinadas à pesca desportiva, segundo consta até chegaram a ser pescadas à rede, com o fim de servirem para confeccionar engodo para a pesca no mar; ou então para serem vendidas como peixes decorativos, embora sem possibilidade de sobrevivência em regime de clausura.
Em conclusão: uma indisciplina total, que teve como consequência ficarem algumas águas, como dantes, quase despovoadas de peixe.
Felizmente que nos últimos anos se pôs cobro a estes desmandos. Pelo menos, passou a haver períodos de defeso e épocas de pesca, exigiu-se a apresentação de licenças e aplicaram-se medidas de repressão e fiscalização, que vieram pôr termo ao descalabro que se anunciava.
Apesar dos esforços dos serviços florestais, estes não podiam impor uma verdadeira disciplina, como era requerido, por falta de legislação adequada, que permitisse a elaboração de um autêntico regulamento, para de forma eficiente se defender a obra de fomento piscícola em realização.
Idêntica falta de legislação e regulamentação se tem feito sentir no distrito de Ponta Delgada, acerca do exercício da caça e da defesa do património cinegético local.
A ilha de Santa Maria era, há bem poucos anos, a única dos Açores em que havia perdizes. Por falta de protecção devida, hoje aquela ilha está praticamente despovoada de tão rica espécie cinegética. A codorniz
introduzida em S. Miguel no século XVI pelo 5.º capitão-donatário, Rui Gonçalves da Câmara, avô do 1.º conde de Vila Franca- adaptou-se de tal forma ao meio ambiente que conseguiu chegar ate aos nossos dias.
Oferece a particularidade de não efectuar migração, é prolífera e existia em grande abundância. Presentemente, também caminha para o extermínio se, com brevidade, não for defendida.
Neste sector da caça, os serviços florestais e as comissões venatórias - que, tão louvavelmente, já tentaram o ensaio de repovoamento de perdizes cinzentas; importadas da França, que não chegaram a frutificar apenas por carência de regulamentação sobre a caça - têm planos interessantes sobre defesa e repovoamento cinegético, mas nada põem em prática sem a garantia de uma lei que lhes assegure o êxito.
Por isso se recomenda a quem de direito que seria da maior conveniência para defesa do património cinegético do distrito de Ponta Delgada a existência de um texto legal em bases semelhantes às constantes da proposta de lei em apreciação.
Sr. Presidente: pelo que se acaba de relatar, julgamos ter ficado demonstrado, embora polidamente, n importância e oportunidade do assunto versado nesta
Proposta de lei, que vem preencher uma lacuna que á muito tempo urgia fazer desaparecer.
A dispersão da legislação existente não permitia, lima conveniente actuação doa serviços de fiscalização; de forma a defender eficazmente o património aquícola e a acção desenvolvida no seu fomento.
A leitura da proposta de lei, com as suas trinta ó duas bases, bem como o parecer da Câmara Corporativa, só merecem da nossa parte concordância e louvores pela forma da sua elaboração.
Pondo de parte um ou outro pormenor de natureza meramente jurídica que escape à nossa falta de preparação, mas que admitimos possa existir, e até por desconhecermos directamente certos pormenores, visto não existirem no nosso distrito problemas de poluição de água, pesqueiras, etc., estamos certos de que os princípios legais essenciais, tão necessários à conveniente defesa da obra de fomento piscícola a que nos referimos, se acham bem estabelecidos na doutrina fixada na proposta de lei e no parecer da Câmara Corporativa.
Como a aplicação prática dessa doutrina, pela base XXIX da lei, está dependente das providências que o Sr. Secretário de Estado da Agricultura entender encarregar a Direcção dos Serviços Florestais do estudo da subsequente regulamentação, só nos resta fazer um apelo àquele ilustre Sr. Secretário de Estado paxá que o regulamento referente ao distrito de Ponta Delgada seja publicado o mais breve possível. Deste modo, damos o nosso voto aberto à proposta de lei em discussão e na generalidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que faltaram, à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Maria Vasconcelos de Morais- Sarmento.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Gosta.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória. Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Pedro Neves Claro.
O Sr. Presidente: - Vai Proceder-se a chamada
Eram 18 horas e 20 minutos.
Avelino Teixeira da Mota.
Página 302
302 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 81
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Rodrigo Carvalho.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Luís Fernandes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Tarujo de Almeida.
Rogério Noel Peres Claro.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Propostas enviadas para a Mesa no decorrer da sessão:
Proposta de substituição
BASE XXXI
Proponho que nesta base as palavras: cos critérios segundo os quais ...", sejam substituídas por: "os casos em que ...".
Lisboa, 10 de Março de 1959. - O Deputado, Paulo Cancella de Abreu.
Proposta de aditamento
BASE XXXI
Proponho que no início desta base sejam aditadas as seguintes palavras: ".Sem prejuízo da aplicação da legislação vigente sobre a defesa da salubridade das águas interiores ...".
Lisboa, 10 de Março de 1959. - O Deputado, Paulo Cancella de Abreu.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA