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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 85
ANO DE 1959 19 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
Sessão N.º 74, em 18 de MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmo. Srs. :
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista
SUMARIO:,- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou que recebera de vários Srs. Deputados um requerimento para que o Decreto-Lei n.º 42 178 seja submetido à ratificação da Assembleia.
O Sr. Deputado Alberto Cruz referiu-se à próxima comemoração do 70.º aniversário natalício do Sr. Presidente do Conselho.
O Sr. Deputado José Sarmento ocupou-se da projectada reforma das Faculdades de Ciências.
O Sr. Deputado Manuel Nunes Fernandes falou sobre a viticultura do Douro.
O Sr. Deputado Amaral Neto pediu informações sobre a Fundação do Grémio doe Armazenistas de Mercearia.
O Sr. Deputado Dias Rosas solicitou esclarecimentos sobre a regulamentação das Leis n.º 1936 e 1995.
O Sr. Deputado Cerveira Pinto louvou a acção da Orquestra do Conservatório de Música do Porto com os concertos para a juventude.
O Sr. Deputado Urgel Horta voltou a tratar do encerramento da fábrica de tabacos do Porto.
O Sr. Deputado Jorge Ferreira congratulou-se com a Fundação Mário Vieira de Brito.
O Sr. Deputado Sousa Rosal falou sobre os encargo» que as Câmaras Municipais da Figueira da Foz, Covilhã e Portimão tom com a manutenção dos seus liceus.
Ordem do dia. - Concluiu-se o debate na generalidade sobre a proposta de lei referente ao fomento piscícola nas águas interiores do País.
Falaram os Srs. Deputados D. Maria Irene Leite da Costa e João Neves Clara.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Gaiteiros Lopes.
António Carlos doa Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortas Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
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Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 93 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 10 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-te conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De Matos Gomes a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Armando Cândido sobre a necessidade de se manter a unidade nacional.
Vários a apoiar as considerações do Sr. Deputado Rocha Peixoto sobre a situação das câmaras municipais.
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Homem de Melo sobre problemas de natureza política ligados à administração municipal.
O Sr. Presidente: -Está na Mesa o ofício n.º 708, de 16 do corrente, da Presidência do Conselho, a enviar os elementos solicitados pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça na sessão de 24 de Fevereiro findo.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Encontra-se também na Mesa o oficio n.º 691, de 12 do corrente, da Presidência do Conselho, a remeter o Diário do Governo n.º 47, l.ª série, de 2 do mesmo mês, que insere os Decretos-Leis n.º 42 169, 42 171 e 42172, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição.
Está igualmente na Mesa o oficio n.º 4226, da Subdirectoria da Policia Judiciária do Porto, a pedir a comparência, no próximo dia 20, do Sr. Deputado Cerveira Pinto, a fim de prestar declarações.
Informo a Câmara de que aquele Sr. Deputado julga inconveniente para a sua actuação parlamentar a prestação da declaração solicitada.
Consultada a Assembleia, foi negada a autorização.
O Sr. Presidente:-Comunico, ainda, encontrar-se na Mesa, subscrito por vários Srs. Deputados, um requerimento, que vai ser lido à Câmara.
Foi lido. É o seguinte:
«Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional - Excelência. - Os Deputados signatários requerem, ao abrigo do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, que o Decreto n.º 42178, publicado no Diário do Governo de 9 de Março de 1959, seja submetido à apreciação desta Assembleia Nacional.
Lisboa, 18 de Março de 1959. - Os Deputados: Manuel Homem Albuquerque Ferreira - José Gonçalves de Araújo Novo - Manuel Nunes Fernandes - Urgel Abílio Horta - João Carlos de Sá Alves-- João Pedro Neves Clara - Manuel José Archer Homem de Melo - Paulo Cancella de Abreu - Frederico Bagorro da Sequeira - Carlos Alberto Lopes Moreira - José António Ferreira Barbosa - Antão Santos da Cunha- Fernando António Muñoz de Oliveira-António Carlos dos Santos Fernandes Lima.-».
O Sr. Presidente: - Como o requerimento que acaba de ser lido foi apresentado dentro do prazo regulamentar e está subscrito por catorze Srs. Deputados, oportunamente a ratificação será submetida à Assembleia.
Pausa.
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O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Alberto Cruz.
O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: o assunto da presente intervenção, pela transcendência do sen significado, tem de ser proferido com singeleza e brevidade.
É o que vou fazer.
Nos fins do próximo mês de Abril faz 70 anos de idade o Sr. Presidente do Conselho, o Prof. Doutor António de Oliveira Salazar.
Manda o grande e humano sentimento da gratidão assinalar essa data, com o maior júbilo, em todas as parcelas territoriais que constituem o grande Império Português, que, por mercê do gigantesco esforço desse homem e da sua total renúncia aos prazeres da vida, engrandeceu e tornou respeitado, como outrora, no concerto mundial das nações.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador:-Nem por sombras vou apreciar a grandiosa obra do renascimento português operada por esse estadista, obra que nem os seus mais ambiciosos e encarniçados inimigos contestam.
Quero somente, como revolucionário do 28 de Maio, dessa revolução que, como já aqui disse, foi feita sem sangue, sem ódios e sem rancores, e só com o pensamento na grandeza da Pátria ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- ... contribuir para ser prestada inteira justiça ao providencial estadista que conseguiu materializar os anseios dos revolucionários idealistas, intérpretes, por seu turno, dos anseios de todos os bons portugueses dignos desse nome.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador:-É a altura também de todos os pais de família agradecerem a Salazar as horas de preocupação, incerteza, angústia e vigília constante que passou para preservar os seus filhos, essa nossa querida e generosa mocidade, da hecatombe da última grande guerra e evitar a destruição dos nossos lares e fazendas nesse cataclismo mundial.
Vozes: - Muito bem, muito bem I
O Orador:-A juventude dos anos de 1939 a 1945 jamais poderá esquecer esses factos e a gratidão devida ao estadista que presidia então ao Governo da Nação e que, por desígnios providenciais e vontade dos homens, ainda preside, e presidirá por largos anos, aos destinos de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Sugiro, pois, aos Srs. Governadores Civis que reunam nos seus distritos todos os seus presidentes de camarás municipais e com eles elaborarem o programa dessa homenagem, que deve ser simultaneamente simples mas do maior significado.
A mesma sugestão faço aos Exmos. Governadores de todas as nossas províncias ultramarinas.
Estendo ainda a sugestão da homenagem a todos os núcleos de portugueses espalhados pelo Mundo, especialmente à patriótica e grande colónia portuguesa do Brasil, que de Salazar receberam o orgulho de proclamar bem alto a sua nacionalidade bem portuguesa (apoiados), cujo prestigio no momento presente não receia confrontos com o de qualquer pais do Mundo.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - A manifestação de todos os portugueses, espalhados por todos os continentes, será também a prova real da nossa unidade, em face da gravidade da hora presente, em volta da Pátria e do grande obreiro do seu ressurgimento.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Aqui fica a sugestão, com a certeza e profunda convicção de não necessitar de um pedido aos ilustres representantes da imprensa aqui presentes para darem a esta ideia todo o relevo que ela merece e impõe.
Por mim, só peço a Deus que continue a proteger a vida e saúde de tal estadista, a fim de continuar por muitos anos a prodigiosa e formidável revolução já feita em todos os sectores da vida nacional, até à materialização completa do seu o nosso sonho de grandeza e prestigio deste tão amado Portugal.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: somente duas palavras, para louvar. Na passada quinta-feira, 12 do corrente, foi nomeada, por portaria, uma comissão para elaborar um projecto de reforma das Faculdades de Ciências.
Bem haja o Governo por em boa hora se ter decidido finalmente a atacar este magno problema. A referida reforma, que hoje mais do que nunca se impõe, será, portanto, uma realidade num futuro que espero não seja muito remoto.
Como tantas vezes aqui disse, muito particularmente na parte que diz respeito à física, o actual plano de estudos das Faculdades de Ciências é aproximadamente o mesmo que era quando, em 1911, elas foram criadas. Isto é, oficialmente o nosso ensino não tomou conhecimento do extraordinário e exclusivo crescimento deste ramo da ciência.
Nesta época, em que o desenvolvimento económico do Pais está Intimamente dependente do seu grau de cultura cientifica - haja em vista o que aqui foi dito quando do debate sobre a lei que criou o Instituto Nacional de Investigação Industrial -, não se pode menosprezar o ensino científico e a criação de investigadores sem se comprometer o desenvolvimento económico.
Vozes: - Muito bem !
Q Orador:-Como é sabido, o crescimento de um país, como o de um indivíduo, deve ser harmónico. Todas as suas partes devem ser cuidadosamente acompanhadas. O deficiente crescimento de uma delas pode comprometer todo o conjunto. Por isso, o Governo, através da futura reforma das Faculdades de Ciências, vai tentar acelerar o ritmo do desenvolvimento do sector cientifico, para que este possa acompanhar o rápido crescimento que se nota em todos os outros sectores.
Há já alguns anos, Sr. Presidente, que tenho vindo a chamar a atenção do Governo sobre este magno problema.
A primeira vez foi em Fevereiro de 1904, ao felicitar o Governo pelas criações da Junta e da Comissão de Estudos de Energia Nuclear.
A segunda foi em Abril de 1955, ao discutirem-se as Contas Gerais do Estado de 1953. Nessa altura destaquei as graves deficiências do nosso ensino cientifico e apontei como algumas delas se poderiam atenuar.
A terceira foi em Janeiro de 1956, ao louvar o Governo pela promulgação dos Decretos-Leis n.os 40 360, 40 364 e 40 378, que aprovaram, respectivamente, os planos de estudo das Faculdades de Medicina, Instituto Superior
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de Agronomia e Escolas de Engenharia. Apontei então as precárias condições em que se encontravam as Faculdades de Ciências.
A quarta foi em Março de 1957, por ocasião do debate sobre a proposta de lei de criação do Instituto Nacional de Investigação Industrial. Disse então: «A reforma das Faculdades de Ciências não se pode fazer esperar mais».
Finalmente, em 1958, por nada se ter feito ainda sobre este momentoso problema, apesar de sobre ele ter repetidas vezes chamado a atenção do Governo, novamente insisti sobre a necessidade de se reformarem as Faculdades de Ciências.
Vários Srs. Deputados nesta Assembleia não só concordaram com os pontos de vista que defendi como, independentemente também, mostraram a necessidade de se intensificar e elevar o nível do nosso ensino científico e técnico de grau superior.
Além disso, numa das moções aprovadas por unanimidade por esta Assembleia, quando do debate sobre o II Plano de Fomento, chamou-se a atenção do Governo para que na política económica e educativa gerais se atenda muito particularmente às necessidades prementes do nosso ensino técnico de grau superior e cientifico, ministrado muito particularmente nas nossas Faculdades de Ciências.
Sr. Presidente: como a reforma destas Faculdades é um dos passos necessários paru que o Governo possa dar satisfação àquilo que a Assembleia Nacional lhe sugeriu, parece-me que interpreto bem o seu sentir destacando o seu regozijo por o Poder Executivo ter iniciado aquilo que a Assembleia lhe recomendou.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Para que das medidas agora propostas pelo Governo se possam colher os melhores resultados será necessário que a comissão acabada de nomear meta rapidamente mãos à obra e, com espirito rasgado e largo, apresente um projecto de reforma que coloque as Faculdades de Ciências no lugar de destaque que lhes é devido.
Como é bem sabido, bosta olhar para os países de aquém e de além da «cortina de ferros para se aquilatar do papel primordial e fundamental que elas hoje desempenham em todo o Mundo, bem diferente do velho papel que em 1911 tinham de desempenhar.
A alta competência dos nomes ilustres que constituem a referida comissão é penhor seguro de que o seu trabalho corresponderá; com certeza, às esperanças que nela depositamos.
Para concluir, acrescentarei que o aumento de despesas que a referida reforma, com certeza, vai originar não deverá atemorizar os membros da comissão, nem o próprio Governo. Como muito bem disse um ilustre membro, que foi, desta Assembleia, «as despesas com o casino são de todas as mais produtivas».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Fernandes: - Sr. Presidente: o ilustre Deputado a esta Assembleia Sr. Dr. José Sarmento tratou há dias, com extremado carinho e feliz oportunidade, o problema do vinho do Porto.
Acompanhei, interessado, a sua brilhante exposição e propus-me abordar também alguns aspectos da vida económica do Douro, região que é ciosa dos seus pergaminhos, algumas vezes esquecidos no turbilhão da vida moderna.
Certo é que não nos é possível viver o saudosismo das glórias do passado, mas não deixa de se impor o reatamento do fio da tradição, reconduzindo os factos à sua pureza primitiva, embora amoldados às exigências da vida moderna.
O Douro, berço do vinho, região de maravilha, de panoramas variados e atraentes, constata, com desgosto, que pouco a pouco vai sendo diminuído no seu prestigio e na sua economia.
Pressente que as justas regalias conquistadas através dos séculos se vão cerceando, apertando a região num circulo impiedoso que a lança no desalento.
De facto, Sr. Presidente, tem-se acentuado, de há largos anos a esta parte, um decréscimo na exportação do vinho do Porto, com manifesto prejuízo para a economia da região, que o mesmo é dizer para a economia nacional e, até, para a região tradicionalmente tributária de aguardente.
É certo que a concorrência de outros vinhos nos mercados estrangeiros será um dos factores mais predominantes nesta quebra de exportação e que só uma propaganda racional e intensiva poderá travar o passo a essa concorrência e reconduzir o vinho do Porto ao lugar que lhe pertence.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Entretanto, outros factores terão contribuído para que tal acontecesse, uns resultantes do condicionalismo económico que as nações adoptaram no pós-guerra, outros provenientes de inales do interior, e talvez não sejam poucos.
Há um aspecto na economia do Douro que desejo especialmente focar nesta minha ligeira intervenção. Por virtude de reduzidos contingentes de beneficio fica em consumo uma larga quantidade de vinho produzido no Douro.
E se atendermos a que são cerca de 27 000 os lavradores do Douro e cerca de 19000 os que produzem menos de cinco pipas, logo se concluirá pela situação angustiosa dos pequenos lavradores da região quando o seu produto não tenha a conveniente valorização que atenue a pobreza dourada em que vivem.
Na verdade, no Douro, a média da produção por milheiro de cepas anda à roda de 600 l.
Se for levado em consideração o seu custo de produção, tem de se concluir, forçosamente, que se impõe a necessidade de valorizar o vinho do Douro para que a região possa sobreviver, já que não tem possibilidades de outras culturas lucrativas, tanto mais que, como já aqui foi afirmado pelo ilustre Deputado Dr. Carlos Moreira, no Douro ou se produz excelente vinho ou nada.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ora, na actual conjuntura assiste-se a um fenómeno aflitivo, que muito preocupa a lavoura duriense.
A última colheita foi extraordinariamente reduzida, pois sofreu uma quebra de produção da ordem das 50 000 pipas, sendo a produção total de cerca de 150 000.
Foi posta a circular a informação de que o preço do vinho na lavoura seria devidamente controlado, com vista à defesa do consumidor.
Tal informação, aproveitada pelo intermediário, fez baixar o preço de cada pipa de vinho de consumo em mais de 200$.
Entretanto, o retalhista continua a vender o vinho sem qualquer alteração de preço.
O consumidor não beneficiou, e deu-se rude golpe na lavoura durieuse, à mercê de todas as experiências e ensaios de que o lavrador é vitima inocente, imolada à satisfação dos interesses alheios.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Presentemente assiste-se ao paradoxo de os vinhos de consumo do Douro se encontrarem cotados com preços inferiores aos da área da Junta, embora se reconheça que tais vinhos são os mais aptos para a exportação e, som dúvida, os melhores para o consumo interno, o que lhes atribui o direito da mais-valia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É, pois, compreensível o desespero dos lavradores do Douro, vivendo uma vida de permanentes devedores para suprimirem a deficiência da valorização do seu produto.
Para demonstrar o que se afirma apresenta-se o exemplo de uma caixa agrícola de que sou presidente, criada há pouco mais de três anos, emprestar aos vinicultores do seu concelho o melhor de 7000 contos, concretizados em cerca de trezentos empréstimos, número suficientemente elucidativo para comprovar o depauperamento económico da região.
Certo é que a Casa do Douro, dentro das suas limitadas possibilidades e disponibilidades, tem feito tudo quanto pode no sentido de atenuar a desesperada situação económica dos seus associados, curando da valorização do seu produto e orientando a sua actividade no aperfeiçoamento da qualidade dos vinhos, para os tornar dignos da mais-valia.
E a sua preocupação, neste particular, vai ao ponto de ir desvalorizando os vinhos entregues, desde que as produções por milheiro de cepas excedam 600 l, convencida, como está, de que a qualidade é inimiga da quantidade.
O Sr. José Sarmento: V. Ex.ª dá-me licença de que interrompa?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. José Sarmento: - V. Ex.ª pude informar-me se nas outras áreas do País se segue esse critério?
O Orador: - Não. E posso até informar V. Ex.ª de que esse critério é uniforme para todas as vinhas, quer elas produzam cinco pipas por milheiro de cepas, quer uma.
E com esta política pretende obstar a que se plante nas várzeas ou em terrenos fundos, que podem ser destinados a outras culturas.
Tenho a impressão de que, se tal política fosse seguida, uniformemente, no Pala, talvez que a crise do vinho não tivesse expressão de vulto e que a sua valorização desse ao seu produtor uma maior soma de tranquilidade quanto à colocação e valorização do seu produto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Douro, Sr. Presidente, é uma região de características especiais, que provêm da nobreza dos seus vinhos, e com um condicionalismo quê não pode ser esquecido.
E, assim, só os homens do Douro poderão sentir os anseios estuantes da sua região e só eles poderão prover às suas necessidades mais prementes, com as medidas que eles saberão tomar em defesa do rico património a sen cargo, embora não enjeitem a necessária colaboração, no plano nacional, para que a economia do vinho possa ser uma grande e compensadora realidade económica.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ele necessita o amparo carinhoso, que possa dar pão aos seus sacrificados habitantes, que, escravos da terra, a regam com o seu suor e sangue, num esforço ingente de fazerem brotar das suas áridas encostas o produto admirável do vinho do Porto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Tendo a imprensa anunciado que foi instituída uma Fundação do Grémio dos Armazenistas de Mercearia, dotada por este organismo corporativo com sessenta e quatro prédios urbanos, adquiridos, desde o ano de 1952, nas cidades de Lisboa e Porto, requeiro que pelo Ministério da Economia me seja esclarecido como se reuniram tão consideráveis capitais e se não será possível, no futuro, desonerar os géneros alimentícios de primeira necessidade pela redução destas possibilidades de entesouramento».
O Sr. Dias Rosas: - Sr. Presidente: pedi a palavra, para mandar pura a Mesa o seguinte:
Requerimento
«Considerando que as Leis n.ºs 1936, de 18 de Março de 1936, e 1995, de 17 de Maio de 1943, que, respectivamente, estabelecem as bases dos regimes relativos à fiscalização, dissolução e repressão das coligações económicas e à fiscalização dos sociedades por acções, não foram regulamentadas pelo Governo, não obstante o disposto no § 4.º do artigo 109.º da Constituição, pelo que nunca tiveram aplicação;
Considerando que as condições da vida económica actual têm natural e racionalmente encaminhado, cada vez mais, a organização das empresas no sentido das estruturas de poderio, que aquelas leis pretenderam abranger na sua disciplina;
Considerando que, nestes termos e como ainda há pouco tempo a Câmara Corporativa se pronunciou em parecer que deu sobre o II Plano de Fomento, se torna conveniente a fiscalização de tais organizações, sobretudo no campo das disposições de natureza preventiva contra o poderio, com vista à defesa dos superiores interesses nacionais, ainda que tenha de admitir-se que esta defesa deve efectivar-se por processos diferentes, consoante as circunstâncias;
Considerando, ainda, que o Sr. Ministro das Finanças já anunciou, em discurso público do ano transacto, estarem em curso trabalhos para pôr em prática a fiscalização das sociedades anónimas e que o Decreto-Lei n.º 41 403, de 27 de Novembro de 1957, já contém disposições que parece implicarem, para alguns aspectos que contempla, disciplina diferente daquela que as citadas leis prevêem:
Requeira, ao abrigo da Constituição e nos termos regimentais, que o Governo, pelos Ministérios competentes, me informe:
1.º Se tenciona regulamentar e pôr em execução porá breve as Leis n.ºs 1936 e 1995;
2.º Se, no caso de entender que, decorridos que são bastantes anos sobre a publicação daquelas leis, na bases que nelas se contêm não correspondem actualmente aos regimes jurídicos que mais se adequam às situações que constituem o seu objecto, tenciona apresentar à Assembleia Nacional proposta ou propostas de lei no sentido da respectiva alteração».
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O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: venho falar de música. Venho fala r da Orquestra do Conservatório de Música do Porto, agrupamento artístico cuja existência se deve aos melómanos que constituem n respectiva Associação (entre os quais é de justiça destacar, pela sua acção benemérita, a Sr.ª D. Maria Borges), ao Município portuense, no Instituto de Alta Cultura e à Emissora Nacional de Radiodifusão.
Após algumas fases de vária fortuna, n Orquestra do Conservatório de Música do Porto subiu, graças no talento e á tenacidade do maestro Silva Pereira, a um nível artístico tão elevado que, com justiça, se pode considerar lio j e p primeiro agrupamento sinfónico do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Da múltipla, intensiva e brilhante actuação da Orquestra e do seu ilustre maestro apenas quero salientar agora um ponto, precisamente aquele que de mais perto toca a minha inteligência e a minha sensibilidade.
Pretendo somente referir-me, Sr. Presidente, nesta minha breve intervenção, aos concertos culturais para a juventude.
Um dos fins que, nos respectivos estatutos, a Associação da Orquestra do Conservatório de Música do Porto a si própria se assinalou consiste na realização de concertos sinfónicos, aos domingos, de manhã.
Ao pretender-se dar realidade a este preceito estatutário, o maestro Silva Pereira quis que estes concertos dominicais fossem exclusivamente dedicados u juventude, sobretudo à juventude escolar do Porto.
Mas para que assim pudesse suceder mister seria que esses concertos fossem inteiramente gratuitos.
Exposta tão bela e generosa ideia, logo ela foi alcançada pela direcção dá Associação da Orquestra e pelas entidades sob cuja égide vive e actua este agrupamento sinfónico.
Verificava- 30, porém, serem incomportáveis para o apertado orçamento da Orquestra os encargos que » os concertos gratuitos fatalmente acarretariam e, por isso, necessário era
Precedidos de breves 'palestras apropriadas, levadas a efeito pelo maestro Silva Pereira, por artistas de nomeada o por eminentes homens de letras, os concertos têm-se realizado com toda a regularidade e u cies hão sido executadas algumas das minis belas obras que o génio musical tem produzido no Mundo.
E coisa maravilhosa de ver é, Sr. Presidente, o espectáculo que oferecem os milhares de adolescentes que no»domingo», de manhã, acorrem ao Teatro Sá da Bandeira e aí, fascinados pela música, libram as suas almas ú» alturas imarcescíveis do sonho e da beleza.
Se na hierarquia das belas-artes a poesia ocupa o primeiro lugar, por ter como meio de expressão a palavra - o [...]; primeira imagem de Deus-, a música é. pela sua profunda humanidade, a arte que desperta as emoções puras, afina as almas, requinta q sensibilidade, dá maior harmonia à vida, torna as dores mais suportáreis, faz os li ornes melhores, anais belos os seus gestos e mais nobres as suas atitudes.
Por isso, Sr. Presidente, tenho para mim que , com os concertos sinfónicos para a juventude, a Orquestra do Conservatório de Música do Porto o seu
director estão a realizar uma acção educativa eminentemente nacional, que, ipor isso mesmo, há-de alastrar ao Puís inteiro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, porque esta bela iniciativa partiu do Porto, eu, que fui eleito pelo círculo que tem o velho burgo por cabeça, ao .pedir a palavra V. Ex." apenas quis cumprir o dever honesto de prestar a minha respeitosa homenagem aos que a conceberam e lhe deram vida e fazer que no Diário desta Casa fique memória de tão transcendente sucesso.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: na sessão de 11 do mês corrente realizei aqui uma intervenção em que me ocupei, com certa largueza e devidamente documentado, de um problema de alto valor social, económico o até moral, ao qual se havia prendido a minha atenção: o problema do encerramento da fábrica de Xabregas e da Fábrica Portuense do Tabacos, esta, possivelmente, a mais antiga do País, com fundas raízes na vida industrial, social e económica do Porto e do Norte.
Essa intervenção, efectuada dentro do espírito de isenção que sempre e através de tudo orientou as minhas atitudes, sem outro intuito que não fosse o de impedir e obstar à consumação de um facto de perniciosos efeitos e nefastas consequências no meio industrial e operário, contrário a todos os preceitos de justiça social e humanidade, sempre tão defendidas, despertou o mais justificado interesse em diferentes sectores, muito especialmente no Norte do País.
Facilmente se compreende que assim fosse, visto tratar-se do desaparecimento de uma unidade fabril com Larga existência, empregando na sua laboração muitas centenas de operários especializados nas tarefas tabaqueiras, ali ganhando o sustento necessário u manutenção das suas famílias em períodos de actividade constante, que se estendem desde quinze a trinta e cinco anos de bons serviços.
E se o interesse pelas minhas afirmações cansou justificado alarme nos meios indicados, fez-se igualmente sentir na. administração da Companhia Portuguesa de Tabacos, que, numa demonstração de consideração e respeito pela Assembleia Nacional, me procurou, a fim de mu dar explicações sobre o seu pensamento acerca da minha intervenção, considerando-a justa, perfeita e completa, apenas com o senão de lhe atribuir culpas e responsabilidades (pie lhe J ião pertencem.
Nessa conformidade, o administrador - delegado da Companhia Portuguesa de Tabacos, alta figura do regime e personalidade por quem mantenho a mais elevada consideração, teve comigo uma larga entrevista, expondo motivos e razões justificativos da atitude assumida pela Companhia, atitude que, um tanto contrariada., era forçado a tomar por imperativo de razões de Estado defendidas pela legislação posta em vigor polo Governo.
E , nessa ordem de ideias, foi-mo enviada a comunicação que passo a ler, assinada pulo presidente do conselho de administração da Companhia Portuguesa de Tabacos:
«Ex. mo Sr. Dr. Urgel Horta. - Ilustre Deputado à Assembleia Nacional. - Ex.mo Senhor. - Em relação à intervenção do V. Ex.º na sessão da Assembleia Nacional
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mal do dia 11 do corrente cumpre-me informar o seguinte:
Conforme consta da determinação relativa ú dispensa de pessoal da Fábrica Portuense, resulta esta medida e a fornia como ela será efectivada de princípios expressos na legislação que criou e regulamentou o actual regime dos tabacos no continente e na orientação que sobre n matéria esta administração recebeu do Governo.
Quando a esta orientação, consiste ela em levar a efeito a referida dispensa por forma gradual, mima cadência tanto quanto possível uniforme, ao longo dós cinco anos - 1958-1962 - concedidos para n edificação da nova fábrica que a empresa tem, por lei, obrigação de construir, isto com o objectivo de evitar licenciamentos em massa, que tornariam muito mais difícil a reabsorção do pessoal dispensado. De resto, ao fixar a diferença ad valorem, de 0,5 por cento a favor desta empresa durante cinco anos teve o Governo expressamente em conta tal diminuição sucessiva dos encargos de mão-de-obra na Fábrica Portuense.
Mesmo assim, embora sofrendo com isso prejuízo, acedeu a 'Companhia ao desejo expresso pelo Governo de só dar início à referida dispensa de pessoal no ano corrente, quando, dentro da mencionada orientação, a deveria ter já principiado em 1958. Por outro lado, propõe-se conceder a cada uma das operárias que for licenciando, para além dos direitos que por lei lhes pertencem, um subsídio correspondente a dois meses de vencimento - encargo que, aliás, foi considerado pelo Governo ao autorizar a recente actualização dos preços de venda dos tabacos manipulados por esta Companhia.
Para terminar, afirmo a V. Ex.ª que este conselho de administração sente, e muito, o ter de dispensar os serviços de empregados antigos que têm servido a Companhia com dedicação; sente, também, ter de encerrar uma unidade fabril que há muitos anos labora no Porto. Mas tem-se por certo que não faltará o apoio das entidades oficiais para que aquele pessoal venha a encontrar trabalho noutras indústrias, à medida que for sendo dispensado no nosso serviço.
Apresento a V. Ex. os meus melhores cumprimentos.
Lisboa, 13 de Março de 1959. - O Presidente do Conselho de Administração riu Companhia Portuguesa de Tabacos, Companhia dos Tabacos de Portugal, representada por (assinatura ilegível) ».
Sr. Presidente: o que acaba de ouvir-se é uma verdade que não admite dúvidas, mas custa a acreditar que seja aquele o espírito do Governo. A Companhia está no uso do seu pleno direito, defendendo os seus interesses. E pergunto, perante o que se passa: quem defende os interesses dos operários, os interesses de uma, cidade, os interesses ligados a diversos sectores de actividade do Porto?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esta carta ó um notável documento, que dignifica a minha intervenção em favor de uma causa que se apresenta como inteiramente justa e profundamente humana, defendendo com sinceridade e energia, liberta de qualquer paixão ou de qualquer interesse pessoal, o que muito me enobrece, a manutenção de uma unidade industrial cuja falta se vai fazer sentir penosamente no meio comercial e industrial da grande cidade capital da zona norte.
A Companhia Portuguesa de Tabacos, baseada no contrato de arrendamento realizado com o Estado em Novembro de 1957, diz-nos, sentindo muito o facto que é obrigada a realizar, que a sua determinação de 31 de Janeiro de 1959 vai ser cumprida, como o Governo pretende, iniciando-se o licenciamento do pessoal, por escalões, no princípio do próximo mês de Abril, não se realizando mais cedo por motivos que são do nosso conhecimento, mas que me dispenso de citar.
E é pena, Sr. Presidente, e eu dolorosamente lamento que assim seja, pois considero o acto da extinção da fábrica como erro de funestas consequências, seja qual for o prisma por que se encare o desaparecimento dessa unidade, de tanta importância e de tanta projecção.
Não tenho mais que repetir, confirmando o que aqui disse há poucos dias, pondo nas minhas palavras toda a sinceridade e toda a verdade, bem impregnadas de amargo sentimento, considerando a questão em debate sob o seu verdadeiro aspecto, social, moral e político.
Não se compreende nem se justifica, nu época que vivemos, época de realizações, fontes de energia e de trabalho; no momento que atravessamos, em que tanto se defendem os princípios de defesa familiar, a elevação dos níveis de vida, u celebração de contratos colectivos de trabalho e tantas outras medidas, que se faça a adopção de providencias altamente contrariantes dos postulados que defendemos, o que irá negar trabalho a mais de quatrocentos indivíduos especializados na manipulação tabaqueira, chefes de famílias numerosas, que há largos anos empregam toda a sua actividade nessa indústria e não poderão, por múltiplas e bem compreensíveis circunstâncias, ser transferidos para outra após o seu despedimento.
E o remédio para evitar tão grande mal, situação tão delicada, seria bem simples, e a própria .Companhia o poderia defender e perfilhar. O benefício de 0,5 por cento referente no imposto ad valorem poderia elevar-se para .1 por cento, e isso era bastante para resolver dificuldades que parecem querer tomar um aspecto de insuperáveis.
Mas se assim não acontecer, ouso perguntar: que necessidade imediata houve em adoptar legislação da qual resulta o encerramento de uma grande unidade industrial, esquecendo os direitos dos trabalhadores, os direitos do uma cidade e de uma população, e, na hora presente, o encarecimento do produto, o tabaco, de que resultará para a Companhia um imperavit sobre os lucros, em relação ao exercício anterior, da ordem de 25 OOÜ contos, como o demonstra um relatório que acaba de me ser enviado?
Nada vale ou representa esse aumento de receitas, à face de problema tão preocupante, fonte de desemprego, motivo de agitação e de desequilíbrio social?
Tenho na minha frente um mapa elucidativo, eloquente na sua expressão numérica, da verdade em que as minhas palavras se fundamentam. Mas, fazendo justiça à administração da Companhia, que dentro do seu papel cumpre, zelando vigorosamente os interesses dos seus associados e obrigacionistas, dirijo novo apelo ao Governo, chamando a sua esclarecida atenção para problema de tão alta repercussão e gravidade, como é aquele de que estou tratando.
Mais do que nunca, compreendo a situação delicada que na hora presente atravessamos; mas, mais do que nunca, é indispensável a promulgação de medidas que satisfaçam, justas aspirações do povo.
Já o disse e repito: comete-se grave falta, verdadeiro atentado, consentindo no desaparecimento da Fábrica Portuense de Tabacos, para concentrar na capital mais uma indústria, como forte motivo de desfalque na economia do Norte.
Vozes: - Muito bem, muito bom!
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O Orador: - Sr. Presidente: nada vai e nem representa a minha débil e humilde voz, que se perde no alto ambiente da Assembleia Nacional, mas representa muito o justo apoio que lhe conferem razões e argumentos que todos, quantos me escutam compreendem em toda a sua, clareza.
Há direitos que têm de ser reconhecidos, direitos que não podem negar-se, e toda a legislação contrária a esses direitos, inerentes à dignificação dos Estados, modifica-se ou substitui-se.
Acima do interesse particular há que colocar o interesse geral, o verdadeiro interesse nacional.
E o caso presente, exigindo novas fórmulas legislativas, impõe procedimento consentâneo com as necessidades apontadas, para bem dos que pretendem trabalhar com dignidade e nobreza, ganhando honradamente o seu pão, a bem da comunidade e, acima de tudo, a bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado .
O Sr. Jorge Ferreira: - Sr. Presidente: depois de uma conversa com pessoa amiga , que com admiração o desvanecimento me falou do homem e da obra fundada, ainda há poucos dias, por Adolfo Vieira de Brito, pareceu-me que não deixariam de ter oportunidade e cabimento nesta Assembleia duas palavras de apreço e de louvor por propósitos tão altos como aqueles que presidiram s concretização, em obra de tão elevado alcance, de sentimentos de tamanha transcendência espiritual.
Em poucas e singelas palavras, como é das nossas possibilidades, e ainda porque, como tão bem disse . Ex.º o Sr. Ministro da Educação Nacional no acto inaugural, tais iniciativas dispensam palavras, porque por si falam, quero, deste lugar, dizer um pouco da íntima satisfação que sentimos também com atitude tão encantadora como foi a do Ex.mo Sr. Adolfo Vieira de Brito, instituindo a Fundação que perpetuará, através dos tempos, com o seu nome, a beleza da sua alma.
Destina-se essa obra ao tratamento de vinte e sete mil deficientes motores, especialmente paralíticos cerebrais, tantos são, aproximadamente e de momento, os beneficiários desta criação.
Foram .10:000.000$ que este grande benemérito, para já, pôs à disposição de tão elevado número de enfermos.
Sabendo nós que destes doentes são recuperáveis OU a 70 por cento, daqui se pode concluir do alcance de tal iniciativa.
Perante as apreensões do nosso espírito ao verificarmos n onda avassaladora de egoísmo que parece querer subverter a humanidade, gestos desta transcendência moral representam como que oásis de beleza e de bondade no deserto materialista da vida que vivemos.
E profundamente reconfortante para a nossa alma de português verificar que nesta terra de cristianíssimas virtudes - ou não fosse a nossa querida pátria a pátria da Cristandade - desabrocham a i nua hoje, como sempre, como no tempo da Rainha Santa, rosas de tão delicada cor e de tão sublime perfume.
São vinte e sete mil pessoas, para quem o resto da existência se antolhava de espinhos, que as vão colher, e que em espírito, agradecidos, beijam as mãos de quem, como estrela cadente em noite escura de Inverno, iluminou de esperanças e de alegria a vida que, de resignação e tristeza, lhes restava.
Nesta grande manifestação de benemerência Adolfo Vieira de Brito não se vê a si, não o faz por si, antes e, transcendendo-se a si próprio, tem unicamente por fim prestar homenagem u veneranda memória de seu saudoso pai, Mário da Cunha Brito, que foi sempre mu carácter são e forte, um exemplo vivo de trabalho indómito o de rara verticalidade moral.
Com os votos dos beneficiados, aqui deixamos os nossos: que Deus dê ao Sr. Adolfo Vieira de Brito e a sua Ex.ma Esposa, que tão carinhosamente o acompanhou nesta sublime cruzado, saúde e longa vida, para que muitos anos ainda possam colher os deliciosos, frutos da obra que tão cristãmente fundaram.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: aqui por muitas vozes e lá fora por várias vias e modos tem sido posta uni evidência a difícil vida administrativa dos municípios e focado o abastardamento de fecundas tradições.
A isso se deve grande parte do enfraquecimento da estrutura do regime e diminuição da autoridade dos homens responsáveis pela administração local, que deixou de ser fonte de recrutamento seguro dos quadros da nossa política.
Não pedi a palavra para abordar o geral e o fundo dos problemas municipais , não só por insuficiência pessoal, mas também porque seria fastidioso depois do que aqui foi dito na última semana, com tanto senso político e propriedade, pelos nossos colegas Dr. Carlos Moreira e coronel Rocha Peixoto, e ainda ontem, com eloquência e vibração, pela juventude insatisfeita, e com razão, do Dr. Homem de Melo.
Deste modo, a Cumaru faz sentir ao Governo e presta uni serviço ao regime afirmando que. na» desconhece e se preocupa com as incidências que estão tendo as fraquejas da administração municipal na marcha da política.
Se não julgo de qualquer utilidade repetir argumentos sobre o mesmo tema, não penso que seja de todo inútil testemunhar que as palavra» proferidas acerca das agruras municipais no distrito de Vila Real pelo colega e, meu camarada Bocha Peixoto se revestem da mesma acuidade e verdade para os municípios do distrito de Faro, e que está no sentimento geral a preconizada reforma do Código Administrativo, para o ajustai- às realidades da administração pública, do modo a ser guarda e fonte de prestígio do lar municipal.
Esta minha intervenção destina-se particularmente- a chamar a atenção do Governo para um caso de agravamento do mal geral de que enfermam os municípios e que pesa apenas sobre três câmaras municipais.
Trata-se da situação criada às Câmaras Municipais da Figueira da Foz, Covilhã e Portimão com a continuação dos encargos de manutenção dos liceus ditos municipais localizados naquelas cidades e que, pela natureza da frequência e sua importância, perderam há muito a característica municipal.
Nos termos do Decreto n.º 40 827, de 1956, passou-se a leccionar nos Liceus da Figueira da Foz, Covilhã e Portimão o 2.º ciclo, por força da expansão natural do ensino nas regiões onde se localizam.
Assim categorizados e funcionando no mesmo regime dos liceus nacionais, não se compreende a razão por que não foram, automaticamente, desobrigadas as Câmaras dos seus encargos liceais.
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Encargos assumidos voluntariamente, é certo, com o intuito de facilitar aos seus filhos menos favorecidos o acesso ao ensino liceal ; porém, no rodar dos tempos os acontecimentos fizeram ultrapassar os limites fixados e a feição inicial.
Aquilo que era de restrito interesse local tomou vulto e projectou-se nos domínios do nacional, mas continuou-se a atribuir às câmaras as mesmas n ]idades de manutenção.
0 Sr. Muñoz de Oliveira: -V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr'. Muñoz de Oliveira:-Não quero deixar de aplaudir inteiramente V. Ex." e disser que no caso da Figueira da Foz, onde o liceu, que se espera seja de facto brevemente nacional e que no entanto funciona como se tal fosse, é procurado pelas gentes daquelas regiões do Centro do País, que encontrara os liceus de Coimbra superlotados, é & Camarada Figueira da Foz que suporta 'a despesa inerente aos habitantes dos concelhos limítrofes. E, se não estou em erro, a despesa e superior a 300 cantos anuais, montante que afecta outros sectores da própria instrução, como seja a instrução primária.
De resto, se V. Ex.º me der licença para continuar as minhas considerações ...
O Orador: - Estou, a ouvi-lo com muito gosto.
O Sr. Muñoz de Oliveira: - ... eu lembrava que, se ao Sr. Ministro da Educação Nacional, que com tanto carinho pretende resolver, e resolveu já em porte, os 'problemas O Sr. José Saraiva: - Para as câmaras e, através delas, para todas as outras localidades e regiões. O caso da Covilhã, que é um dos três em causa, é um caso gritante, em que, por um lado, a Câmara está cooperando, na mediria de todas as suas possibilidades, na manutenção do liceu com' um pesado sacrifício e, por outro lado, não obstante todos os seus esforços, não pode manter naquela cidade um estabelecimento de ensino que as necessidades locais exigiriam. A Câmara está a pagar mais do que deve e a cidade tem menos do que aquilo que devia. O Orador: - Agradeço aos 'Srs. Deputados Muñoz de Oliveira r- José Saraiva os esclarecimentos que prestaram e que valorizaram a minha intervenção, por trazerem até ela elementos que eu não conhecia, por dizerem respeito aos Liceus da Figueira da Foz e da Covilhã, situados nas regiões que aqui representam, e que colocam as respectivas Câmaras no mesmo plano de dificuldades da de Portimão. Quanto a Portimão, que está na área da minha jurisdição política, posso com conhecimento de causa alongar e fundamentar o depoimento. A administração municipal de há vinte e seis anos sofreu tal evolução que não permite comparações. Os argumentos de então perderam o seu sabor e substância. A Câmara de Portimão tem hoje de fazer face ú uma política de urbanização, comunicações e salubridade de largo vulto, que lhe é imposta pelo desenvolvimento tomado pela cidade, uma das' mais progressivos povoações da província, e pelas exigências do seu importante concelho. Vozes: - Muito bem, muito bem ! O orador foi muito cumprimentado.
A Covilhã é hoje uma grande cidade, com dezenas de milhares de habitantes ávidos d« cultura, e os filhos dos Covilhanenses não encontram no estabelecimento de ensino a legítima satisfação das suas aspirações culturais. Estou convencido também de que o Ministério da Educação Nacional, que' tem resolvido, até certo ponto, o problema dos liceus, não deixará de levar até ao fim essa resolução nesta cidade. Ë isso que todos nós desejamos.
Não se afigura justo o procedimento pelas razões que apontei e pelos efeitos perniciosos que está tendo quando impede a satisfação das correntes e inadiáveis obrigações municipais.
Cerca de 10 por cento da sua receita ordinária é para o liceu.
No corrente ano o encargo s da ordem dos 500 contos e desde a sua fundação totaliza mais de 3000 contos.
Ainda por serviços de instrução o Município foi onerado com o ensino primário, a partir de 1950, em mais . de 800 contos.
Se não se pode contar para breve com o alívio de encargos resultantes do ensino primário, s10 menos que se encare desde já a possibilidade de isentar as câmaras que excepcionalmente estão sobrecarregadas com o ensino liceal, que só a força do hábito justifica.
A perfilhação pelo Governo desta despesa seria apenas uma gota de água no mar portentoso das despesas do Ministério da Educação Nacional, mas suficiente para fazer flutuar certos melhoramentos desde há muito em seco na pobre lagoa dás aspirações municipais.
Não desejo referir-me ao sacrifício que tem representado até aqui - para o concelho de Portimão u sustentação do seu liceu, nem aquilo que se poderia ter efectuado com os 3000 contos despendidos.
A deliberação tomada teve a sua razão de ser e a sua oportunidade.
A libertação da verba cativa para o liceu é a única disponibilidade mobilizável para garantia de uma operação financeira que lhe permita acudir às suas instantes preocupações administrativas, no número das quais se encontra, com particular relevo, a urbanização- da Praia da Bocha, se bem que seja de considerar para ela uma substancial ajuda rio Governo, atendendo a que se trata de valorizar a zona do País que oferece melhores condições naturais para chamar e deter uma corrente turística internacional em todas as épocas do ano, como bem o demonstra n concorrência assinalada, não por efeito de largos e dispendioso reclamos, mas pula propaganda directa e entusiástica que lhe. fazem quantos têm a sorte de a conhecer.
Aos Srs. Ministros da Educação Nacional e das Finanças endereço estas minhas sentidas palavras, que, juntas a tantas outras que lhes tom sido dirigidas no mesmo sentido e com as que agora foram pronunciadas pelos Srs. Deputados Muñoz de Oliveira e José Saraiva, ao bem a razão do nosso apelo para uma pronta e salutar providência. Tenho dito.
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O Sr. Presidente: - Vai passar-se
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade u proposta de lei relativa ao fomento piscícola lias águas interiores do País.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Maria Irene Leite da Costa.
A Sr.ª D. Maria Irene Leite da Costa: - Sr. Presidente: acompanhei atentamente as intervenções dos ilustres Deputados que me precederam na apreciação da proposta de lei sobre fomento pisei cola.
Parece-me, todavia, que não foram ainda focados devidamente alguns aspectos que reputo importantes relativos a este assunto, Refiro-me, sobretudo, ao lado biológico do problema, insuficientemente, considerado, a meu ver, 110 diploma submetido à apreciação da Assembleia. E compreensível que a minha intervenção se oriente neste sentido, pois, como diplomada em Ciências Histórico - Naturais, s esse o aspecto que melhor posso analisar.
Juntando aos conhecimentos próprios informações colhidas junto de especialistas na matéria, reuni elementos cuja consideração me parece fundamental para o estudo do fomento piscícola nas águas interiores do País.
O problema é, sem dúvida, vasto e difícil e apresenta múltiplas facetas. Tem, por isso, de ser estudado no conjunto, atendendo nos vários aspectos em que se subdivide, desde as condições bioecológicas das águas à regulamentação e fiscalização da pesca, à defesa contra a poluição dos rios, à própria educação das populações, etc.
Antes de tudo, há que procurar manter ou criar de novo, se tiverem sido destruídas ou modificadas, as condições naturais propícias no desenvolvimento das faunas dulçaquícolas consideradas de interesse, o que pressupõe o conhecimento minucioso das referidas faunas e do seu comportamento biológico.
A primeira parte do estudo referido cabe, deste modo, ao biologista.
Na natureza, as espécies animais e vegetais constituem complexos de tal modo interdependentes e segregados em meios com uniformidade de condições mesológicas (rios, lagos, estuários, florestas, desertos, cavernas, etc.) que qualquer alteração num dos elos da cadeia biológica vai repercutir-se, mais ou menos profundamente, nos outros elementos do conjunto.
Deste modo, a conservação e protecção de espécies consideradas economicamente úteis têm de ser planeadas à luz destes factos cientificamente comprovados.
Do ponto de vista das leis que regem a dinâmica das populações bióticas , não há espécies úteis, inúteis ou nocivas. O conceito é subjectivo e apenas traduz uma visão unilateral do problema que se pretende solucionar.
No que respeita às águas interiores (rios, lagos, rias, estuários, etc.), os métodos científicos de protecção não diferem essencialmente dos que se utilizam nos outros sectores da biosfera, visto que os complexos biológicos naturais (alimentares, adaptados ás mesmas condições de habitat, etc.) obedecem, no fundo, aos mesmos princípios de interdependência e de equilíbrio dinâmico, exceptuando, evidentemente, as divergências resultantes das características que definem o ambiente físico das águas interiores.
Dado o estado de exaustão ou de extrema pobreza biológica das nossa» águas interiores, o repovoamento delas torna-se, pelas considerações nelas mencionadas
tarefa extremamente difícil, .mesmo que tenham solução satisfatória -o que pareço ser muito duvidoso - os problemas da poluição resultantes da multiplicação de indústrias e de áreas urbanas (para não falar dos vandalismos ), que se instalam sem qualquer respeito pelos princípios da protecção da natureza.
Para as nossas águas interiores trata-se, na essência, de obter as condições bióticas e físicas convenientes para a instalação de complexos biológicos equilibrados e com autonomia porá se manterem no espaço e no tempo. Pretende-se com a lei em discussão fomentar, muito louvavelmente, o enriquecimento das nossas águas em espécies ictiológicas úteis. Todavia, isso não pode fazer-se com êxito (deixando ignorados os outros sectores da fauna e da flora dulcaquícolas.
O simples repovoamento com alevins de peixes estará condenado a malogro se não se atender às condições ecológicas próprias para que esse repovoamento se faça com sucesso, as quais podem talvez repartir-se pelos pontos seguintes, embora não sejam todos os que o problema comporta:
1) Condições favoráveis do meio físico ao desenvolvimento dos alevins. (temperatura, luz, composição das águas, sua mobilidade, regime, etc.);
2) Conhecimento da fisiologia da reprodução e do desenvolvimento nas fluas dependências ecológicas (como sejam limites de temperatura e luz, taxa de oxigénio, etc.;
3) Conhecimento biossistemático e ecológico dos outros complexos da fauna (pelágica e de fundo) e sua distribuição;
4) Estimativas qualitativas e quantitativos dos depredadores certos ou prováveis dos alevins e adultos; e, sobretudo,
5) Estudo das preferências nutritivas, modo de nutrição, etc., das espécies ictiológicas (alevins jovens e adultos) e da riqueza da microfauna e microflora, que constitui importante fonte nutritiva das larvas jovens e adultas e que varia da nascente à foz, no decurso do ano;
6) Estudo dos problemas da biologia da adaptação, que surgem quando se introduzem indivíduos de determinada espécie provenientes de populações de outra região. Por exemplo, a grande variabilidade intra-específica da truta, quando se tenta aclimatá-la a novos meios, tom dado lugar a modificações nas formas introduzidas , que são respostas diversas (traduzidas pela morfologia, cor, costumes, comportamento, etc.) a ambientes e fontes alimentares diferentes; é, por isso, legítimo salientar a necessidade de estudos experimentais neste e noutros domínios da ictiologia;
7) Conhecimento das influências resultantes da introdução de espécies ictiológicas, que, se for feita dentro de um empirismo grosseiro, pode alterar os equilíbrio» existentes, em detrimento das espécies indígenas, provocando:
a) A exaustão da fauna e da flora, que, por sua vez, irá prejudicar as espécies introduzidas (falta de alimento, etc.);
b) A destruição de espécies dulçaquícolas de valor científico ou a alteração das características biogeográficas da região.
8) Criação de reservas naturais onde os complexos dulçaquícolas se desenvolvam livres de qualquer interferência humana, (indústria, urbanização, poluição, caça e pesca, etc.).
Um exemplo elucidativo de como a introdução de uma espécie pode modificar radicalmente uma associação biótica foi observado no Wisconsin (Estados Unidos da América). Foram introduzidas carpas numa lagoa,
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que dezoito anos depois foi comparada com outra idêntica, mas sem carpas. Eis os resultados:
[ver a tabela na imagem]
As carpas, com as preferências alimentares que lhes são peculiares, destruíram a flora aquática e o fundo ficou praticamente em condições desérticas. Isto conduziu a uma alteração quase total da associação ictiológica primitiva:
a) Cinco espécies, em onze, desapareceram;
b) Apareceram quatro espécies novas;
c) Dos indivíduos pertencentes u antiga associação apenas restam U,5 por cento;
d) Finalmente, na fauna actual quase só há carpas (98,1 por cento).
A biologia das espécies de água doce nas suas relações nutritivas merece uns momentos de atenção.
Na natureza a alimentação realiza-se segundo ordem precisa, que regula-as relações predador - presa , em que intervêm relações de tamanho e de número entre as várias espécies, com as quais se estabelecem nichos alimentares mais ou menos fechados. A truta castanha de Inglaterra come qualquer animal de pequenas dimensões existente no seu habitat; o principal factor limitante nestas formas polífagas é o tamanho da presa. Assim, a truta só come jovens e lagostins de água doce» (espécie que, praticamente, não existe em Portugal), e não • os indivíduos mais idosos. Há também peixes de água doce que só comem o crustáceo Gammarus pulez da segunda e terceira muda.
De igual modo, a dependência dos peixes em relação à microfauna e à microflora suscita problemas variados. As águas interiores ocupam espaços limitados pelas margens e pelo fundo, de modo que/as possibilidades alimentares suo, de maneira paralela, finitas.
O plâncton nutritivo é a massa que satisfaz as exigências de vitalidade do complexo ictiológico - e regula a sua quantidade. Desta maneira, toda a. água interior possui uma capacidade de- alimentação que J lie é característica (com variações anuais por vezes drásticas)e que fixa a população média de peixes e
Esta pobreza de plâncton dulçaquícola é, provavelmente, responsável pela exiguidade de tamanho das nossas espécies (a que se junta a pesca prematura, etc.).
Se se recordar que as carpas e as trutas, mesmo abundantemente alimentadas, levam dois ou três anos para atingir o peso de l' kg, compreende-se a importância fundamental que tem a/riqueza das águas interiores quanto aos outros componentes - dda fauna e da flora
Pelo que diz respeito à reprodução das espécies piscícolas, muitos são os factos que é necessário conhecer e analisar, por via experimental, relacionados com as condições físicas das águas que se pretende repovoar. Por exemplo, o meio exerce influência marcante sobre a postura e a fecundação.
A carpa precisa de uma temperatura ambiente da água de aproximadamente 20ºC para se dar a expulsão dos elementos reprodutores; sem estas condições os ovos entram em necrose no abdómen da fêmea o os ovários regressam. Para a truta o factor primacial é a quantidade de oxigénio dissolvida nu água.
Poderiam citar-se neste sentido muitos outros fenómenos, como os relacionados com a deposição ou flutuação das posturas, nidificação, etc.
E ainda um facto biológico conhecido que uma população excessiva de indivíduos de determinadas espécies ictiológicas provoca o declínio da mesma. A causa pode residir na ausência de depredadores habituais (pobreza faunística do biótopo), que eliminam os indivíduos doentes ou de menor vitalidade. A depuração assim operada impede a propagação de epidemias e dos factores genéticos responsáveis por numerosas anomalias.
A grave poluição das nossas águas interiores, fenómeno de que se ocuparam já largamente alguns dos ilustres Deputados que me precederam na discussão deste projecto do lei, actua directa e indirectamente sobre a fauna ictiológica, neste último caso pela destruição operada na microfauna e na microflora.
A alimentação fundamental de muitas espécies ictiológicas é constituída por vermes, moluscos (com seus ovos e larvas), posturas e girinos de batráquios, larvas de insectos, posturas e alevins de peixes, crustáceos e suas larvas, etc.
É óbvio que o aniquilamento ou rarefacção destes complexos biológicos não pode deixar de ter responsabilidade importante na pobreza ictiológica dos nossos rios.
Perdoem-me VV. Ex.ª se alonguei de mais esta explanação biológica, mas assim era necessário para poder tirar dos factos apontados as conclusões a que eles conduzem.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
A Oradora: Sr. Presidente: do exposto conclui-se que toda a legislação que vise a protecção ou o repovoamento ictiológico das águas interiores terá de comportar, necessariamente, a participação de biologistas especializados na matéria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Deste modo : o conselho técnico da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas (base vnr, n.º 3) não pode deixar de incluir um ou mais especialistas em hidrobiologia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: Igualmente se justifica a presença neste organismo de um representante do Instituto de Biolo-
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gia Marítima, do Ministério da .Marinha, pois lia problemas que são comuns aos dois departamentos. São muitas, como se sobe, as espécies de interesse piscícola que passam parte da vida no mar e parte nos rios, onde vêm fazer u desova.
E de defender ainda que façam parte do referido conselho representantes dos institutos zoológicos universitários, escolhidos de entre os professores, assistentes ou naturalistas.
O Sr. José Sarmento: - V. Ex.ª dá-me licença que a interrompa ?
A Oradora: - Faz o obséquio!
O Sr. José Sarmento: - Acho interessantíssimas todas as considerações que V. Ex.ª tem feito até aqui.
Não e de mais insistir sobre o papel que a investigação científica tem na maior parte dos nossos problemas. Quantos empreendimentos não fracassaram poios seus problemas não terem sido estudados a fundo, isto é, estudados cientificamente por aqueles indivíduos que maior competência técnica tinham nesses assuntos.
Agradeço a V. Ex.ª ter-me permitido que pronunciasse estas palavras.
A Oradora: - Estamos perfeitamente de acordo. A propósito, para mostrar ainda quanto estes trabalhos necessitam de ser apoiados em bases científicas, vou socorrer-me de um mapa que te alio presente, tirado de uma publicação recente da F. A. O. Israel, por exemplo, partindo do nada (a região era desértica, como se sabe), possui hoje águas interiores (lagos artificiais, barragens, etc.) de que tira 77 por cento do peixe que consome. .
Quer dizer: foi o trabalho realizado cientificamente que conduziu a esses resultados.
O Sr. Cerveira Pinto: - Lá tratam aã águas, para que as espécies se multipliquem; aqui temos águas boas, e destrói-se a fauna.
A Oradora: - Ë que lá acreditam na investigação científica e, portanto, fazem-na, com investigadores.
O Sr. Cerveira Pinto: - Aqui, cientificamente, aplica-se a cal, o sulfato, a celulose, etc., para destruir toda a fauna que existe nos rios.
A Oradora: - As comissões regionais terão, igualmente, de incluir hidrobiologistas, visto não se compreender que os pareceres que as referidas comissões venham a emitir (base XE) passam ser da exclusiva responsabilidade de individualidades sem formação biológica especializada.
Vozes: - Muito bem , muito bem!
A Oradora. - Os assuntos em questão, pela sua complexidade, não podem ser atribuídos sem grave prejuízo às comissões regionais, tal como aparecem constituídas na proposta de lei.
Deveria assegurar-se ao mesmo tempo a colaboração da Sociedade de Ciências Naturais e da Liga de Protecção d u Natureza.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
A Oradora: - Finalmente, a instalação e a manutenção dos laboratórios e estabelecimentos de investigação, referidos na base XIII , alínea e), só poderão ser feitas
com êxito se à sua frente estiverem diplomados em Ciências Biológicas especializados em Hidrobiologia e dispuserem de investigadores nas mesmas condições. E dos laboratórios e dos estudos conduzidos pelos hidrobiologistas que dependem essencialmente os resultados finais da campanha de repovoamento dos nossos rios e lagos.
O Sr. Cerveira Pinto: - Mas, com a falta de fiscalização que tem havido, tanto faz haver investigação científica como não.
A Oradora: - Sim, u investigação científica é precisa e u fiscalização também.
O Sr. Cerveira Pinto: - Sem fiscalização a investigação constituiria uma despesa a mais e o resultado era o mesmo. Portanto, investigação com fiscalização.
A Oradora: - E com a educação do povo ...
A resolução de problemas como estes não pode deixar de assentar em bases científicas. Sem pessoal devidamente conhecedor dos métodos e das técnicas científicas não é possível realizar com sucesso qualquer plano de desenvolvimento económico, seja ele de que natureza for. Ë, por isso, à investigação biológica que têm de ir buscar-se os elementos fundamentais que hão-de orientar a acção a empreender no sentido do repovoamento metódico dos nossos rios.
Não somos, infelizmente, um povo de recursos ilimitados. Por isso mesmo, tudo tem de ser feito com método, com segurança, com certeza com medida.
E, sem dúvida, de louvar o esforço meritório desenvolvido pelos serviços florestais para o repovoamento das águas- interiores do País. Aqui desejo deixar-lhes uma. palavra de justiça e de homenagem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Todavia, por motivos vários, e sobretudo por falta notória de apoio científico especialiazado os resultados, como foi acentuado por alguns dos ilustres Deputados que me precederam na análise do diploma em discussão, nem sempre têm sido coroados de êxito. A rotina e a. improvisação são, no fim de coutas, pelas consequências desastrosas a que conduzem, muitíssimo mais dispendiosas do que a investigação científica, quando feita nas devidas condições e com os meios de que necessita.
O problema do repovoamento dos nossos rios comporta ainda um aspecto que não quero deixar de frisar: e o da educação das populações, que têm, necessariamente, de colaborar na obra a realizar.
Os temas referentes à protecção da natureza, mormente os que dizem respeito às riquezas florestais e aquícolas e à sua conservação, deverão, por isso, figurar nos programas escolares, ser explicados as crianças e divulgados por publicações e outros meios apropriados, sobretudo as populações rurais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! .4 oradora foi muito cumprimentado.
O Sr. Neves Clara: - Sr. Presidente: entendeu o Governo, e com acerto, que era tempo de dar satisfação à moção aprovada e votada em 1955 pela Assembleia Nacional para que fosse actualizada a legislação sobre fomento piscícola e pesca fluvial.
O facto de ter já sido objecto de aviso prévio e durante a sua discussão se ter verificado o interesse da Câmara pelo assunto demonstra a importância do pró-
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blema, quer sob u aspecto económico, quer sob o não menos os relevante, que é o desportivo.
Esperemos que a recuperação de uma riqueza que a incúria e o desleixo deixaram perder possa ser um facto e seja realizada uma verdadeira política de tríplice objectivo: aumento de riqueza pelo fomento piscícola, saneamento das águas interiores e desenvolvimento da pesca desportiva.
Quanto aos dois primeiros aspectos, é por du mais evidente o interesse nacional de que se revestem, em contraste com a morosidade da solução por parte do Governo, e dispensam os comentários, por superabundantes. Impõe-se, no entanto, a maior prudência quando se proceder ao estudo urgente da poluição das águas, pois que, como em parte já foi acentuado, há por vezes indústrias que não encontram em si, nem nos serviços públicos, remédios .para tratamento das suas águas, e essa situação abranda justamente o rigor da fiscalização.
Daí a aplicação de uma justiça relativa, de que resulta amolecimento exagerado, que faz letra morta dos diplomas legais fiscalização.
Por outro lado, temos o direito de esperar que em regulamentação apropriada não se sacrifique a indústria, que muito nos interessa, a pseudocondições de riqueza piscícola. O problema é de melindrosa situação e sobre ele deve recair a cuidadosa atenção de quem do assunto vier
O aspecto desportivo que entendemos defender não é de menor interesse, já que empenhados estamos em fazer afluir ao País divisas estrangeiras, através de uma indústria, para nós de recente exploração, que é o turismo. £ não li á dúvida de que, muito embora não adoptemos em absoluto a tese de Schiller: «o homem só é inteiramente homem quando brinca», o desporto constitui uni magnífico complemento, d« natureza fisiológica e psíquica, u vida de todos os dias.
Nessas circunstâncias, não admira que o homem moderno procure no desporto a sua evasão 'da vida sedentária ou altamente desgastante doa nossos tempos. Para isso, e em busca de condições para a realização da prática desportiva de seu gosto, estabelecem-se anualmente correntes de circulação de turistas, que, á milhares de quilómetros das suas residências, procuram n montanha, a pista gelada ou n parque de gol f.
Portugal pode na pesca encontrar cartaz de atracção turística, se for amparada esta modalidade de desporto.
Embora seja de aprovar a estruturação proposta, para os órgãos orientadores e fomentadores da política da pesca, não se confie em absoluto na excelência da solução indicada. Há que acautelar o espírito da lei no regulamento que vier a ser publicado, e parece-nos de sugerir nesta tribuna que aia altura se declarem com certa largueza as zonas de reserva nacionais de pesca, tomando em consideração:
a) Albufeiras que armazenem águas públicas;
b) Aguas compreendidas numa extensão de 4,5 km a jusante das barragens, pela concentração de peixes que nessas zonas se verifica.
Esta última alínea tem a sua justificação nas seguintes razões:
1) Tendência natural das espécies em subir as correntes;
2) Oxigenação das águas provocada pela descarga violenta do caudal aquático através das turbinas, que constitui excepcional motivo de atracção dos peixes;
3) O facto de a maioria das barragens não dispor de escadas que permitam o livre movimento migratório dos peixes, obrigando estes, em épocas de arribação, a concentrarem-se forçadamente na zona situada a jusante dessas barragens.
Igual preocupação nos deve merecer a regulamentação da base XII , em que se preconiza a fixação de épocas de defeso da pesca. Convém recordar que já em 27 de Julho de 1949 a Federação Portuguesa da Pesca, em exposição dirigida ao Ministro das Obras Públicas, falava na vantagem de não ser fixado período de defeso para a pesca dos ciprinídeos, e supomos de atender, quando for oportuno, esta sugestão, que alarga, com vantagem turística, o i empo da prática do desporto. A Espanha só proíbe esta pesca no tempo e em áreas onde há conveniência de defender a pesca de variedades superiores.
Podemos ainda fazer fracassar o objectivo se não soubermos colocar nos lugares próprios os organismos :i criar, muito especialmente as comissões regionais de pesca, a que se refere a base XI.
Não se deve esperar que a importância administrativa corresponda sempre à importância de todos os interesses múltiplos do País.
Instalar as comissões regionais de pesca em locais embora administrativamente importantes, mas desinteressados pelo desporto em causa, pode simplificar politicamente as coisas, mas ocasionar o atrofiamento o que se pretende desenvolver. Em matéria de desporto, como de turismo, é preciso não menosprezar as boas vontades locais e, pelo contrário, ampará-las e orientá-las, para que não desanimem, pela convicção, por vezes legítima, de que os seus esforços só teriam' mérito e ajuda se fossem realizados em localidades onde houvesse um absorvente Terreiro do Paço.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A ingerência de comissões situadas a larga distância, ignorantes bastas vezes dos problemas locais que lhes deviam interessar, teimosamente ciosas de um poder que desviam e prestigiadas pelo esforço e carolice de elementos locais, que perigosamente ignoram, pensamos que não constitui medida aceitável de orientação.
Tememos que ao proceder-se ao estudo da localização dessas comissões se parta do erro de que a Nação está virgem de esforços sérios de valorização da sua riqueza piscícola e se planifique como se partíssemos do zero e não fôssemos a corrigir o que de mal está feito.
Devemos contar, porém, que por esse País, aqui e além, em época própria, se vai dando notícia da realização de concursos nacionais e internacionais de pesca desportiva. Seja-me lícito considerar em lugar destacado o caso do aproveitamento do rio Almonda , que mereceu a honra de ter sido citado nesta tribuna durante este debate e no parecer da Câmara Corporativa.
Muito embora a riqueza ictiológica tenha sido afectada pela poluição das águas e esteia longe de ser o rio abundantíssimo que na época de D. Peruando permitia a pesca em todo o tempo, a verdade é que, mercê dos esforços da Câmara Municipal e do interesse revelado por grupos desportivos, é tradicional a realização ali de concursos internacionais de pesca desportiva.
Com a ajuda do Secretariado Nacional da Informação, do Ministério da Educação Nacional e de outros serviços públicos tem sido possível interessar numerosas equipas representativas de países europeus .na disputa de um prémio designado Taça das Nações».
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Ignorar amanhã estas boas vontades e localizar comissões regionais sem atender a estes esforços é desservir o País e o turismo nacional. Pelo contrário, a localização de comissões regionais em localidades como Turres Novas, onde o interesse pela pesca tem sido evidenciado pelos factos atrás mencionados, é estimulante e justo, pelo que significa de reconhecimento.
Ainda sobre a lei em discussão permito - me chamar a atenção para o n.º 2 da base IV, em que se definem as entidades com direito às concessões de pesca.
Na alínea, c) estabelece-se que os órgãos du Administração com competência em matéria de turismo têm direito às DOU cessões de pesca.
A base- V da Lei n.º 2082 considera como órgãos da Administração com aquela competencia as câmaras municipais, quando assistidas das comissões municipais de turismo.
Quer isto dizer que uma câmara municipal de um concelho que Deus ou os homens não dotaram de motivos de atracção turística, justificativos ida existência do comissões municipais de turismo, fica impedida de valorizar, sob esse aspecto, os cursos de água da sua área.
A câmara municipal passará a ter menores direitos sobre um bem público ido que um grupo desportivo, o que não nos parece muito certo e correcto. A perspectiva da criação das comissões municipais de turismo mio s de modo algum fácil e muito sensata, visto que à hipótese incerta de resultados opõe-se a realidade concreta dos impostos.
Parece-nos, portanto, mais prudente modificar o referido n.º 2 da base IV nesse sentido enviaremos a respectiva proposta paru a Mesa, que alterará a redacção alínea e) para:
As câmaras municipais e os resultantes órgãos da Administração com competência em matéria de turismo, a que se refrão a base v da Lei n.º 2082, de 4 de Junho de 1950.
Há talvez uma redundância, mas preferimo-la como clarificadora, fiéis ao princípio de que puod abundai mm nocet.
Terminados o» comentários que a proposta de lei nos ofereceu formular, damos na generalidade a nossa aprovação ao texto em discussão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Durante a discussão na generalidade foram apresentadas algumas propostas de alteração, que vão ser lidas à Câmara.
Foram lidas. São as seguintes:
Proposta de alteração
«Proponho que a alínea e) do n.º 2 da base IV da proposta de lei n.º 13 passe a ter a seguinte redacção:
c) As câmaras municipais e os restantes órgãos da Administração com competência em matéria de turismo, a que se refere a base v da Lei u." 2082, de 4 de Junho de 1956.
Palácio da Assembleia Nacional, 18 de Março de 1939. -O Deputado, João Pedro Neves Clara».
Proposta de alteração ú proposta de lei n.º 13, sobre fomento piscícola nas águas interiores do País
« Proponho que as bases VII, XVII, XXIV, e XXVII sejam alteradas nos termos que seguem:
BASE VII
1.º É lícito a todos os pescadores a passagem e estacionamento nas margens das águas públicas e ainda, de harmonia com o regime jurídico de respectiva utilização, nos terrenos do domínio público e comum que lhes sejam contíguos.
2.º Sem prejuízo da inviolabilidade dos prédios urbanos ou rústicos vedados, poderão, contudo, a passagem e estacionamento nos prédios particulares ser feitos fora das margens, mas só quando seja impossível ou muito difícil fazerem-se nestas.
3.º Em qualquer caso, porém, são os pescadores obrigados a indemnizar os proprietários lesados dos danos que causaram.
BASE XVIII
1.º (Idêntico ao da proposta).
2.º Silo considerados autores morais do crime punido nesta disposição todos os que acompanharem os seus agentes materiais ou que, conhecendo as circunstâncias da prática do acto, dele tirem proveito.
BASE XXIV
1.º (Idêntico ao da proposta).
2.º (Idêntico ao da proposta).
3.º A infracção do disposto na base VII será punida com multa de 100$ a 2.000$.
BASE XXVII
1.º Independentemente das penalidades previstas nas bases anteriores, os agentes das infracções serão civilmente responsáveis pelos danos que causarem.
2.º (Idêntico ao da proposta).
3.º (idêntico ao da proposta).
4.º Os pais, patrões e tutores serão, respectivamente, responsáveis pelos danos causados pelos filhos e criados, quando menores, e pelos tutelados.
Palácio do S. Bento, 18 de Março de 1950. - António Carlos dos Santos Fernandes Lima».
Proposta de emendas
Proponho as seguintes emendas à proposta de lei em discussão:
BASE XVII
(Nova redacção)
No esgoto ou esvaziamento das linhas de água, albufeiras, valas, canais mi outras obras de hidráulica os respectivos empresários deverão tomar todas as providências compatíveis com a sua exploração normal, para que sejam asseguradas as condições indispensáveis para u sobrevivência dos peixes nelas existentes, cumprindo, designadamente, as prescrições que para esse fim forem determinadas pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas ou constem das condires de licenciamento da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos.
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(Nova redacção)
2. Os concessionários das obras ou linhas de água referidas avisarão a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas da data prevista para o esvaziamento ou esgoto, com a antecedência e pela forma que forem regulamentadas. Este aviso é, porém, dispensado nos casos em que o esvaziamento ou esgoto se operem regularmente ou em épocas determinadas, como consequência da utilização normal e devidamente licenciada das obras ou linhas de água.
BASE XXIV
(Nova redacção)
1. A pesca sem a necessária licença será punida: nas águas livres, com a multa de 20$, elevada para 100$ em caso de reincidência; nas águas proibidas, reservadas ou sujeitas ti concessão, com a mui t u de 1.000$.
BASE XXVII
(Nova redacção)
4. Os pais ou tutores serão sempre responsáveis pelos danos causados pelos filhos ou tutelados, quando menores.
Lisboa e Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 18 de Março de 1959. - O Deputado, Carlos Monteiro do Amaral Netto»
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito para a discussão na generalidade da presente proposta de lei, nem durante a mesma foi levantada qualquer questão prévia sobre a 'qual tenha de incidir uma votação especial. Considero, portanto, encerrado o debate na generalidade da proposta de lei sobre o fomento piscícola nas águas interiores do País.
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A discussão na especialidade da mesma proposta de lei fará parte da ordem do dia de amanhã, juntamente com a eleição de um membro para a Comissão de Legislação e Redacção e de outro para a Comissão de Contas Públicas.
Amanhã, portanto, li a verá sessão, u li ora regimental, com a ordem do dia indicada.
Está encerrado sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Sr. Deputado que entrou durante a sessão:
Américo Cortês Pinto.
Srs. Deputado que faltaram à sessão:
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Jorge Pereira Jardim.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Luís Fernandes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
NACIONAL DE LISBOA