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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 89

ANO DE 1959 4 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 89, EM 3 DE ABRIL.

Presidente: Ex.mo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a. sessão às_ 10 horas e 85 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 88. O Sr. Deputado Carlos Lima enviou um requerimento para a Mesa.
Com referência ao 10.º aniversário da constituição da N. A. T. O., que amanhã se comemora, usaram da palavra os Srs. Deputados Sebastião Ramires, Venâncio Deslandes e Sarmento Rodrigues.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa um projecto de lei de alterações à Constituição, que foi apresentado pela Sr. Deputado Carlos Lima, o qual vai à Câmara Corporativa e às Comissões de Legislação e Redacção e de Política, e Administração Geral e Local.

Ordem do dia - Continuou a apreciação das Contas Gerais do listado e da Junta, do Crédito Publico referentes ao ano de 1957. Usou da palavra o Sr. Deputado Dias Rosas.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam o» seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge .Ferreira.
António Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.

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Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Manuel da Gosta.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Beis.
Luís de Arriaga dê Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes. ,
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 73 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:- Sessões n.º 88.
Pausa

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre este número do Diário, considero-o aprovado.
Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Carlos Lima.

O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Nos termos das disposições constitucionais aplicáveis, requeiro que pelos Ministérios da Economia e do Ultramar me sejam fornecidos, com referencia aos trás últimos anos e discriminadamente em relação às províncias de Moçambique e Angola, os seguintes elementos:

1.º Preços médios, consoante as qualidades, de venda de algodão pelo produtor indígena;
2.º Preços, consoante as qualidades, de venda do mesmo algodão aos fiandeiros do ultramar e da metrópole;
3.º Encargos, seja qual for a sua natureza, que interferem na formação dos preços referidos no número anterior, e designadamente os resultantes de impostos, taxas, fretes, seguros, etc.;
4.º Preços médios C. I. F. nos portos portugueses metropolitanos dos- algodões de origem estrangeira no último ano e, tanto quanto possível, em confronto e correlação com as várias qualidades dos algodões nacionais».

O Sr. Presidente:-Passa amanhã o 10.º aniversário da constituição da N. A. T. O.
Alguns Srs. Deputados desejam na sessão de hoje, visto que amanhã não haverá sessão, fazer referência a esse aniversário.
Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Sebastião Ramires e, dada a transcendência do assunto,. convido-o a subir à tribuna.
O Sr. Sebastião Ramires: - Sr. Presidente: terminada a guerra, com a derrota total da Alemanha, e apenas algumas semanas antes da capitulação do Japão, os representantes de cinquenta nações assinaram em 26 de Junho de 1945, em S. Francisco da Califórnia, a Carta das Nações Unidas.
Ou sacrifícios suportados durante a guerra deram lugar a uma repugnância universal pela violência .e logo os idealistas e os melhores intencionados procuraram criar uma organização mundial com o propósito de evitar no futuro qualquer recurso à força e de resolverem, com espirito de ampla colaboração e de solidariedade, as suas dificuldades por meio de organização pacifica.
Todos recordam como foi difícil a vida da Sociedade das Nações, criada depois da primeira grande guerra, e dos obstáculos e das dificuldades que se levantaram ao sen regular funcionamento.
Os vencedores da última guerra encontravam-se em 1945 em situação semelhante aos de 1919, mas estavam convencidos de que uma das razões fundamentais dos fracassos no campo político da Sociedade das Nações resultara da ausência dos Estados Unidos da América. Uma vez que as circunstâncias se tinham modificado em sentido favorável, já que partia da América a iniciativa da criação da nova organização, todos confiavam que os resultados haviam de ser diferentes.
Como quando da criação da Sociedade das Nações, a. nova organização procurava estabelecer uma nova ordem mundial, que a todas aproveitasse, subordinada a universalidade. As nações ocidentais, designadamente as que fazem parte da Europa, que têm vivido e sofrido os horrores de várias' guerras, entregavam-se, embora penosamente, a reparar as ruínas e a cicatrizar as feridas, que continuavam a sangrar, e a tactear os caminhos para a reconstrução das suas abaladas economias.
Acreditaram firmemente que a Organização das Nações Unidas realizaria os objectivos que dominaram a sua criação e que a paz ficaria assegurada no futuro.
A Carta assentava, em duas bases fundamentais: em primeiro lugar as cinco grandes potências com lugar permanente no Conselho - a China, os Estados Unidos, a França, o- Reino Unido e a União Soviética- resolveriam todos os problemas e as dificuldades que pelo Mundo fossem surgindo por meio de negociação, e com repúdio integral à guerra; depois todas as signatárias da Carta renunciavam, para sempre, a ganhos territoriais.
As potências ocidentais estavam convencidas de que com o esmagamento total da Alemanha se conseguira terminar com as guerras na Europa.
Desmobilizaram-se os exércitos, os soldados regressaram a seus lares e os armamentos foram arrecadados nos armazéns e nos depósitos.
Ia finalmente abrir-se uma era de paz e de melhor entendimento entre os povos.

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Quase toda a Europa lotou e se arruinou para se opor à nova ordem de concepção germânica, mas sobre as suas ruínas e por cima da terra ensopada com o sangue dos seus heróis e mártires expandia-se a nova ordem comunista.
A derrota das duas grandes potências militares e industriais - a Alemanha e o Japão - abria largas possibilidades de expansão a Este e a Oeste à União Soviética e as exigências das operações militares do fim da guerra ou os erros dos homens e da sua política puseram em mãos da Rússia a direcção efectiva de algumas nações que eram posições fundamentais para a conquista do continente europeu e abrir caminho para a revolução mundial.
Dentro da organização dás Nações Unidas procurou-se encontrar fórmulas ou soluções que afastassem os receios, as animosidades ou as más intenções, mas à medida que o tempo corria muitos reconheciam que pouco valiam as boas intenções de alguns perante as exigências inadmissíveis dos outros.
O uso e o abuso do direito do veto acabou por paralisar a marcha normal da Organização das Nações Unidas.
A Rússia, indiferente aos compromissos assumidos e sem respeito pela sua própria assinatura, prossegue na expansão territorial já iniciada durante a guerra com a anexação da Estónia, Letónia e da Lituânia.
A Finlândia, a Polónia, a Roménia, o Nordeste da Alemanha e a Checoslováquia caiam sucessivamente sob o domínio militar e económico dos Sovietes. Sem guerra, e fazendo propaganda da paz, a Rússia vai invadindo um a um os países vizinhos das suas fronteiras, e a Albânia, a Bulgária e a Hungria caíram igualmente sob o sen domínio.
Os poises conquistados, absorvidos ou ocupados ficam subordinados a Moscovo por uma densa rede de acordos políticos, económicos e militares. Sobre uma muito vasta zona da velha Europa, com cerca de l 500 000 km2 e mais de 85 milhões de habitantes, desce uma verdadeira cortina de ferro e o Ocidente ignora completamente tudo quanto se passa no interior.
Todos os esforços realizados pelas entidades responsáveis dentro da Carta das Nações Unidas resultam inúteis ou estéreis.
A Rússia, alheia a qualquer subordinação moral e estimulada pelos êxitos conseguidos, caminha na sua política expansionista.
A Grécia, privada de ajuda militar e financeira da Grã-Bretanha, vai ser o. próximo objectivo das ambições da Rússia, que fomenta uma revolta civil, e quando vencedora colocaria a Turquia sob o seu domínio e arrombaria as portas de penetração para todo o Médio Oriente.
A Grécia luta com o maior patriotismo contra as forças de desagregação da unidade nacional e vence.
É então que os Estados Unidos se apercebem da gravidade da situação que a Europa atravessa e se declaram decididos a ajudar qualquer povo livre que se decida a resistir às tentativas de dominação contra eles exercidas por minorias armadas ou quaisquer países estrangeiros. Procurava-se, essencialmente, travar a ameaça que pesava sobre a Grécia e sobre a Turquia.
Em 5 de Junho de 1947 o general Marshall, então Secretário de Estado dos Estados Unidos da América, lança as bases de uma ajuda económica e substancial para o revigoramento da Europa.
Com a maior nobreza de sentimentos, Marshall declara que a nova política americana não se «dirige contra qualquer pais ou contra qualquer doutrina política, mas apenas contra a fome, a pobreza, o desespero e o caos». Declara também que a ajuda americana seria extensiva à Rússia e aos países satélites, situados para além da cortina de ferro.
Alguns destes países mostraram-se, embora timidamente, favoráveis à ajuda americana, mas logo Staline declarou ostensivamente que recusava toda e qualquer espécie de ajuda ou auxilio dos Estados Unidos da América. Sem perda de tempo, e como réplica, criou o Cominform, destinado a agrupar os partidos comunistas de nove países do continente europeu, com o objectivo de inutilizar a execução do plano Marshall, classificado como instrumento do imperialismo americano.
A ajuda americana dá efectivas possibilidades ao começo da reconstrução material da Europa, fomenta a instalação e o desenvolvimento de grande número de novas indústrias e abre o caminho para maior garantia de trabalho, melhores condições de vida às populações e mais confiança nos caminhos do futuro.
Perante a paralisia, senão o fracasso da Organização das Nações Unidas, devido fundamentalmente à tenaz intransigência dos delegados soviéticos e ao abuso inconsiderado do direito do veto, as nações livres procuram, no regime tradicional das alianças, criar os elementos fundamentais para a sua melhor defesa. Assim, é assinado, em Março de 1947, o tratado de Dunquerque entre a Grã-Bretanha e a França, por cinquenta anos, pelo qual os dois países se obrigam a unir os seus esforços no caso de a Alemanha tentar nova agressão.
No mesmo ano é assinado o tratado do Rio de Janeiro, que constitui, essencialmente, uma aliança defensiva, com respeito aos princípios e disposições contidos na Carta das Nações Unidas.
Nos começos de 1948 a Rússia dá o golpe de estado em Praga.
As nações do Ocidente lançam-se então na realização de acordos regionais, para uma melhor coordenação de esforços e aumentar as possibilidades de sobrevivência.
Em Março de 1948 é assinado o tratado de Bruxelas, que é, nos seus objectivos e propósitos, como que uma antecipação do futuro Pacto do Atlântico Norte.
Mal tinha sido assinado o tratado de Bruxelas, os Sovietes iniciam o bloqueio de Berlim, que iria durar quase um ano.
A pronta decisão das potências ocidentais inutilizou os objectivos comunistas e estava feita a demonstração de que era inútil aguardar qualquer modificação nos processos e métodos de que a Rússia se servia.
De resto, a conferência de Moscovo realizada em 1947 já marcara, por forma evidente, que não era possível qualquer cooperação entre a Rússia e as nações ocidentais.
Iniciam-se então amplas negociações, entre algumas nações do Ocidente, para a elaboração de um novo acordo, no qual se repudiaria expressamente, por um lado, o recurso à força nas relações internacionais e se procuraria conseguir uma assistência mútua entre as nações signatárias, tornando-as solidárias entre si em caso de guerra ou agressão de qualquer potência.
O pacto abrangeria de começo as nações do Atlântico Norte, mas previa o convite e a admissão de qualquer país que fortalecesse a aliança em projecto.
Moscovo mobiliza uma forte propaganda contra o Pacto de Bruxelas, afirmando que ele constitui um instrumento do imperialismo anglo-saxão, e tenta evitar a assinatura do Pacto do Atlântico Norte, acusando os negociadores de que as suas cláusulas são contrárias às disposições da Carta das Nações Unidas e às decisões do Conselho dos Ministros Estrangeiros.
As doze nações signatárias respondem, em nota única, repelindo a acusação e afirmando que a nova aliança não se dirige contra nenhuma nação, ou grupo de nações, e apenas contra qualquer espécie de agressão.
As realidades vinham demonstrando que, como disse Salazar, «se a glória pertenceu a uns, a vitória coube efectivamente a outros».

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Em 15 de Março de 1949 as potências signatárias do Pacto de Bruxelas, o Canadá e os Estados Unidos da América convidam oficialmente a Dinamarca, a Islândia, a Itália, a Noruega e Portugal a aderirem ao projectado Tratado do Atlântico Norte, que é finalmente assinado em Washington, em 4 de Abril de 1949, pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros.
Portugal esteve representado por SS. Ex.as o Prof. Doutor Caeiro da Mata, na sua qualidade de Ministro dos Negócios Estrangeiros, e Doutor Pedro Teotónio Pereira, nosso Embaixador em Washington.
Além das doze nações que inicialmente assinaram o Pacto, aderiram mais tarde a Grécia, a Turquia e a Alemanha Ocidental.
Honra aos homens de Estado que nesse dia memorável afirmaram a sua fé e sua unidade na. defesa dos princípios em que assentam mais de dez séculos de direito político e vinte séculos de pensamento e de civilização cristã.
Criou-se uma verdadeira comunidade de nações livres e que livres querem continuar a viver.
O Tratado do Atlântico Norte é o ponto de partida para uma nova evolução de política mundial.
Quando tudo parecia perdido e a Europa se encontrava arruinada e sem defesa, à mercê de um golpe de audácia, servido pela força, foi possível dizer alto às desmedidas ambições e a criminosos empreendimentos.
É largo o caminho percorrido nestes últimos dez anos e sejam quais forem as dúvidas, as hesitações havidas ou as demoras em algumas das realizações necessárias e indispensáveis, o certo é que se conseguiu a manutenção da paz e da segurança colectiva.
Adensam-se sobre o mundo livre pesadas nuvens geradoras de inquietações e de receios.
A Rússia não se mostra decidida a abandonar o seu sistema e procura conservar o Mundo em estado de alarme, pela desordem, pela intriga, pelo suborno e. pelo crime.
À pressão militar soma-se uma ofensiva política, procurando enfraquecer a coesão e a resistência em cada pais.
Mais do que nunca é indispensável que se fortaleça a unidade nacional e que sejam cada vez mais intimas as relações entre as nações livres.
No 10.º aniversário da assinatura do Pacto do .Atlântico formulamos os votos móis sinceros para que haja maior compreensão entre os homens de boa vontade, seja cada dia mais estreita a solidariedade internacional e se afastem para sempre os horrores de uma nova guerra, onde não haveria vencidos, mas apenas ruínas, e talvez o fim de uma civilização milenária.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Venâncio Deslandes: - Sr. Presidente.: .comemorar o aniversário da assinatura do Tratado do Atlântico Norte é festejar a data feliz da primeira reacção à avalancha comunista quando esta estava pronta a reduzir o Ocidente da Europa à condição de escravo da sua política.
Recordemos. Uma louca ambição atirara o Mundo para a guerra e a própria evolução do conflito levara os aliados a pactuar com a Rússia Soviética quando esta se. encontrava na delicada posição de pais meio ocupado pelo inimigo comum.
Com a derrota nazi e na euforia da vitória, numa insensatez inconcebível, o ditador vermelho foi deixado sozinho, no meio de uma Europa cansada e devastada, tendo nas suas mãos três armas de tremenda, eficácia: 175 divisões de infantaria num mundo desarmado, o direito de veto numa assembleia já de si inoperante, a ausência total de escrúpulos no campo do direito e das relações entre os povos.
Os resultados não se fizeram esperar. De acordo com a mais perfeita ética comunista e a nunca desmentida sagacidade dos seus condutores, vários- daqueles países que haviam sofrido durante anos a dura lei da ocupação e dá guerra e haviam esperado com alvoroçado fervor a alvorada da libertação mal tiveram tempo para a vislumbrar: de novo lhes foi imposta a submissão a ferro e fogo.
Só a força reconduziu Hitler para o interior das suas fronteiras; só a guerra, com o seu cortejo de devastações e de misérias teria obrigado a Rússia a igual retrocesso.
Não a querendo, e talvez não a podendo fazer, às nações do Ocidente ficou como último recurso unirem-se perante o perigo comum, criando um bloco contra o qual se desfizessem as arremetidos de intimidação e de chantagem do adversário.
Assim nasceu a N. A. T. O., antes de mais afirmação peremptória de um estado de espírito, de uma determinação firme: a de que os países que nela se agruparam desejavam viver, lutariam por viver e haviam de viver.
Olhado â distância de dez anos, o momento em que a aliança atlântica foi criada afigura-se-nos o último em que tal era possível. Mais um passo que o inimigo tivesse podido dar e a Europa encontrar-se-ia para sempre desmembrada.
É certo, que diante de um adversário que não desarma, as preocupações que nos assaltam não diminuíram, os meios que se nos opõem são ainda mais potentes e o estado de tensão a que estamos sujeitos parece sempre ponto de provocar uma explosão. Mas a posição em que hoje nos encontramos é totalmente diversa. Uma sólida e vasta organização defensiva está a todo o momento pronta a enfrentar o- inimigo e poderosas forças de represália aptas a fazer-lhe sentir rapidamente o preço de um ataque.
É evidente que onde há ausência de escrúpulos, só a ameaça da força é capaz de conter em respeito a própria força. Foram por isso, sem dúvida, as providências militares que antes de mais concorreram para que os objectivos da Aliança' - a manutenção da paz e da segurança na área do Atlântico Norte - tivessem sido alcançados.
No entanto, também no campo do entendimento é da coordenação política alguma coisa se caminhou para que um dia se atinja a unidade de pensamento e de acção que impossibilite ao inimigo introduzir uma cunha ou explorar um desacordo e lhe faça reconhecer para sempre a inutilidade das suas investidas:
No dia em que a paz e a segurança atlânticas tenham por fundamento o entendimento político, e só acessória, mente a organização militar, a aliança terá alcançado a plena maturidade.
Entretanto congratulemo-nos no dia do 10.º aniversário, pelo muito que se progrediu e se alcançou.
No tablado político substituíram-se as vedetas. Depois do lobo, a raposa. Mas nem a astúcia sorridente nem o destempere violento podem já abalar a estrutura da fortaleza do Atlântico, transformada em. baluarte da nossa civilização milenária.
Sr. Presidente: Portugal está presente na Aliança desde a primeira hora. ou não tivesse partido da sua voz mais representativa o primeiro apelo à união da Europa perante o perigo oriental!
Creio por isso não ser despropositado recordar neste momento histórico o que foi e o que é o seu contributo, para a organização comum.
Debruçados sobre p mar, sobre esse mesmo Atlântico que é o próprio sangue que corre nas nossas veias de

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nação-império, oferecemos em primeiro lugar à aliança a, nossa posição privilegiada, verdadeiro traço de união entre as duas parcelas de territórios que a compõem.
Esta circunstancia é só por si razão de incontestável mérito a valorizar a nossa presença.
Concorremos, seguidamente com o nosso esforço puramente militar. Não será muito em valor absoluto, mas em relação aos nossos recursos de nação pequena e às nossas responsabilidades espalhadas pelo Mundo e não cobertas pelo pacto defensivo é talvez mais do que seria licito esperar-se. O precioso auxilio que temos recebido e o nosso próprio esforço permitiram-nos alcançar um grau de treino militar que não teríamos julgado possível anos atrás.
Concorremos ainda para a defesa comum com os nossos tratados e ligações peninsulares. Durante longo tempo só eles garantiram a unidade geográfica e estratégica da Europa Ocidental e, para nossa honra, sempre soubemos lutar para que esta situação de facto fosse reconhecida de direito, tão anacrónicos e inconsequentes são no Mundo de hoje os pruridos que. ainda se lhe opõem.
Concorremos, por fim, com a nossa frente interna intransigentemente anticomunista. A Península é a retaguarda imediata do dispositivo militar europeu. Daqui o interesse extraordinário que para o inimigo representaria a transferência da nossa área geográfica para a sua esfera de influencia. Não admira portanto que a massa da Nação seja permanentemente solicitada nesse sentido e que o inimigo procure por todos os meios explorar a, ingenuidade de uns, as necessidades de outros e os baixos sentimentos de terceiros para, nas alfurjas ou sob a capa da legalidade política, corroer a paz entre os Portugueses. E não admira também que a organização comunista clandestina seja efectivamente uma força política estruturada e operante, sendo, como afinal é, um elemento da máquina de guerra adversária.
É tão natural que tal inimigo procure por todos os meios subverter a confiança, quando não a própria ordem e a própria paz, como é natural que o Estado dele se defenda como pode e como deve, expurgando da sociedade os seus agentes, para manter a Nação na saudável vitalidade que lhe é essencial para lutar e progredir.
O que, porém, não é natural, o que é de estranhar, é que pessoas tidas por sensatas, de aparente boa formação e com responsabilidades e obrigações, se deixem arrastar pela dúvida, sem .verem como é maldosamente levantada, e cheguem por vezes a tomar atitudes de irreflectida e desonesta conivência, que roçam a alta traição.
Seja porém como for, a frente nacional será mantida, e só mantendo-a continuaremos a dar p melhor de todos os contributos para a defesa da civilização ocidental.
Sr. Presidente: no momento, em que o inimigo do Ocidente faz nova finta na frente europeia para, fixando aqui as nossas preocupações, alcançar mais ampla liberdade de acção na grandiosa manobra envolvente em que se empenha, bom é que demos o melhor brilho às comemorações do 10.º aniversário da aliança atlântica, mas também que não percamos de vista as limitações da realidade que representa. Se inscrevermos no mesmo planisfério a área abrangida pelo Pacto e as manchas dos territórios que constituem o Mundo Português, ver-se-á que só uma pequena parte de nós próprios está ao abrigo efectivo da segurança que o mesmo Pacto confere. Reconhecer-se-á também . que, colocados. nas grandes linhas de força da manobra comunista, todos os nossos territórios extra-europeus ficarão à merco das mesmas insidiosas infiltrações com que por toda a parte se procura minar, com vista ao seu aniquilamento, as potencialidades ocidentais. ..
Portugal, o velho Portugal das Descobertas, que, levando por esses mares além' não tanto a ambição domo a caridade, se constituiu para sempre num só corpo e
numa só alma com essas terras e essas gentes dos longínquos lugares onde aportou, tem as por isso como carne da Sua carne e só ambiciona continuar em paz a moldá-las pura uma vida melhor e mais integralmente nossa; tem plena confiança no seu portuguesismo, no portuguesismo dos nossos irmãos brancos filhos dos filhos dos filhos dos que um dia partiram de distantes aldeias para ai se fixarem .e dos nossos irmãos de cor que os receberam, que com. eles sempre viveram lado a lado em paz e harmonia, e que em momentos cruciais souberam também morrer com eles, honrando a bandeira e a Pátria comuns.
Do incêndio que por vezes já alastra em territórios vizinhos podem, no entanto, saltar faúlhas e, que não saltem, alguém poderá do exterior vir ateá-las. E assim indispensável que todos nós, homens moralmente válidos, estejamos prontos a bater-nos, presentes com a nossa determinação, com a nossa firmeza, com a nossa fé no Portugal eterno de aquém e além-mar..
Ás pátrias, como as pessoas, necessitam de uma consciência de missão que lhes dê um rumo e uma fé. A missão da nossa pátria é realizar-se integralmente nos territórios que constituem o todo nacional. Para a cumprir, se todos formos aproveitados, seremos suficientes e se, para que assim seja, for necessário esquecer o que pode desunir-nos, esqueçamos e demos as mãos para nos dedicarmos ao esforço ingente de criarmos riqueza e prosperidade em todo o agregado nacional.
Temos um instrumento que não foi idealizado para enriquecer alguns, mas para lazer prosperar a comunidade : o Plano de Fomento. •
Se é ainda pequeno para a nossa ambição e para a pressa que temos em realizá-la, exija-se mais! Mas não deixemos estiolarem-se as energias nacionais em más compreensões que desígnios inconfessáveis exploram, quando tanto temos de trabalhar para garantir com honra a grandeza e a continuidade de Portugal.
Aproveitamos para tanto a circunstancia feliz de estarmos na Europa a coberto desse instrumento efectivo de paz o de segurança que é o Tratado do Atlântico Norte.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sarmento Rodrigues: - Sr. Presidente: decorrem nesta quadra, e com índole vária, as celebrações do 10.º. aniversário da assinatura do Tratado do Atlântico Norte. Portugal é um dos países que estão desde o inicio na aliança. Foi um dos seus fundadores, contribuiu decidida e valiosamente para a sua organização, a sua estrutura activa, aquilo a que se chama a O.T. A. N. ou a N. A. T. O.
Na minha modesta mas sincera opinião entendo que podemos e devemos orgulhar-nos disso. Porque esta associação, que ajudámos a levantar, corresponde a mais um triunfo das ideias que presidem à orientação da política portuguesa através dos tempos. Ideias e atitudes que por vezes têm sido combatidas, menosprezadas, condenadas mas que o andar dos anos o juízo dos homens e, sobretudo, as duras realidades dos acontecimentos acabam por justificar e até enaltecer.
Tudo isto porque a nossa política, que visa o mais alto interesse nacional, não se confunde com simples interesses de negócio, seja de que espécie for; nem se serve de métodos oportunistas, daqueles que sacrificam às conveniências transitórias os princípios basilares. As suas constantes derivam da formação cristã do povo português, da civilização greco-latina fundamental e do sentido marítimo e missionário que acabou por caracte-

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rizar a expansão portuguesa, graças à qual se consolidou a nacionalidade.
Temos atravessado, bem o sabemos, períodos históricos que nos foram adversos e que nos deixaram algumas consequências perniciosas. Mas fiéis aos princípios, que nunca podemos renegar ou sequer relegar para um segundo plano, também temos assistido à vitória das nossas ideias, ou, melhor, à sobrevivência da nossa razão, por entre o desmoronar catastrófico de sistemas artificiais ou utilitários.
Não é o momento de desenvolver estes pontos: basta-me, para os justificar, lembrar o que foi durante décadas, talvez séculos, a condenação quase geral, e nem por isso menos insensata, da política portuguesa de assimilação. Dessa política que gerou o Brasil; que deixou pegadas de emoção nas comunidades ditas portuguesas, essencialmente saudosistas, que se encontram em várias partes do Mundo, e tão expressivamente, na Malásia; que aglutina com cimento indestrutível esta Nação Portuguesa, que é sempre a mesma nos diversos continentes em que se distribui.
Neste aspecto já todos nos rendem justiça e, porventura, muitos lamentarão não terem compreendido e até seguido os nossos métodos.
Mas as dúvidas ainda continuam. No próprio areópago das Nações Unidas processam-se movimentos de incompreensão para connosco. Não podemos; sem atraiçoar as constantes da. política nacional, abandonar princípios em que assenta a nossa própria existência para acompanhar orientações infundadas- ou tendenciosas. Só nos resta ser firmes e esperar.

Sr. Presidente: queria eu dizer que a aliança atlântica era um passo dado no caminho da nossa velha orientação política. E assim é.
Na verdade, não foram simples conveniências de momento que determinaram a adesão do nosso país. Fomos para ela com resolução e entusiasmo, porque a aliança marítima está na alma do povo português; é a nossa história que a recomenda; é a própria razão de ser da nacionalidade que a exige.
Alegramo-nos por ver que nesta grande e natural aliança se encontram quase todas as nações livres da velha Europa e alguns dos seus filhos de além-mar; e estão com ela outras nações de espírito pacifico e que querem defender a liberdade de viver, de pensar e de trabalhar em paz.
Alegra-nos ainda a ideia de que no presente momento histórico, tão carregado de sombras, em que verdadeiramente se pode dizer, com alguma propriedade, que estão em potência, prontas a ser desencadeadas, forças que só pelas do Apocalipse poderiam ser excedidas, alegra-nos ver como esta aliança defensiva se fortifica e se prepara para desenvolver maior coesão na grande família ocidental, especialmente nesta velha Europa, que, por desentendimento entre os sen membros, tem perdido todas as guerras dos últimos tempos, com graves consequências para a humanidade. União que, a consolidar-se, lhe permitirá o pleno florescimento do seu incomparável génio criador, desse espírito que u consagra como pátria incontestada da cultura, nas suas formas mais altas da ciência, das artes e até da técnica.
Falo na Europa mais em respeito por esse espírito ocidental, de que ela é mãe gloriosa e que nos embalou na origem, do que por vinculo nacional. Em boa verdade, Portugal não é exclusivamente europeu. Verdadeiramente nunca o foi. Os homens que empreenderam a fundação da nacionalidade cedo compreenderam que ela não poderia ser apenas europeia. Tinha de ser grande se queria existir. Fez-se ao mar. Foi ao mar e além do mar firmar a sua independência. Tornou-se, desta sorte, uma nação marítima e missionária. É o que fomos, o que somos e o que seremos. Nação tanto europeia como africana ou asiática. E se quiséssemos perscrutar o futuro não hesitaria em prever a predominância africana na. orientação da vida da nacionalidade, pelo menos enquanto a comunidade luso-brasileira não atingir a sua inevitável evolução e se afirmar como um bloco, como força de primeira grandeza no Mundo de amanha.
Esta a razão por que os nossos interesses não estão amarrados, manietados pela Europa. Todavia, porque nunca hostilizámos e, móis, esquecemos os agravos que dela recebemos, contemplamos com agrado a garantia que esta aliança traz para a velha e às vezes desorientada Europa.
Portugal está assim, pelo seu espirito, pelas determinantes históricas, pelas suas conveniências contemporâneas e pelas perspectivas de futuro, francamente devotado a esta aliança e é dela um firme, dedicado e,, porque não dizer, intimorato defensor.
Este é um aspecto que convém ainda realçar no seu mais lato significado. É a Nação inteira, na sua diversidade geográfica ou ideológica, que esta unida; é uma. plataforma comum em que todos nos encontramos - os Portugueses amantes da sua pátria. Não nos faltam, felizmente, motivos de união, planos em que não haja divergências. Não se torna necessário descobri-los ou criá-los. Eles estão à vista. O que é essencial é por as razões que nos podem dividir no sen devido lugar, num lugar muito mais que secundário, porque desprezível perante os grandes, os absorventes problemas nacionais.
Mas voltarei à aliança. Qual a contribuição que damos, qual o seu valor?
Sem dúvida que ao dispor da sua organização estão permanentemente aquelas forças militares que os estudo» aconselharam e os acordos fixaram. Dir-se-ia todo o potencial militar, se na verdade a letra do Pacto não o circunscrevesse a determinada área geográfica, fora da qual, de resto, a Nação Portuguesa também existe.
Não tenho ilusões eufóricas sobre a grandeza do contributo militar que assim estamos obrigados a prestar, se bem que considere de grande valor a participação que poderíamos dar na luta anti-submarina, para a qual sistematicamente preparamos eficientes forças aeronavais. Pode de facto a contribuição não ter relevo perante o fantástico arsenal que se apresta, de um e outro lado do Atlântico, na terra e no mar.
Os sacrifícios que fazemos, esses, sim, são enormes, são pesados para as nossas finanças, para a nossa economia. Mas também não hesito em classificar da mais alta importância a participação que se traduz na concessão de bases e pontos de apoio para as forças aliadas, para a protecção das rotas marítimas e aéreas e ainda como postos avançados para acções defensivas. Essas posições valem, certamente, como situação geográfica; mas valem, sobretudo, porque se encontram em mãos leais, de uma nação que não mercadeja as suas alianças, que não especula com os valores que lhe pertencem, que não pensa no proveito material quando se lança numa causa em que sobrelevam os valores morais, que está de alma e coração com o poder marítimo que a aliança representa, porque ele significa a liberdade dos mares e da convivência internacional.
E damos lhe também os nossos recursos económicos. E neste aspecto ninguém se lembraria de subestimar o valor da nossa contribuição, alargada, como não poderia deixar de ser, a todo o vasto mundo português.
É certo que neste momento, na paz em que nos encontramos, só do chamado Atlântico norte se trata. Mas não sei como havia de limitar-se um conflito a uma zona restrita, truncando, inclusivamente, nações que se repartem por várias latitudes. Seria impossível. Num prélio em que se debateriam os maiores valores de uma civilização, nunca um país empenharia nele apenas uma parte dos seus recursos ou poderia ter a pretensão de

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isolar ama parte do seu território dos malefícios da guerra.
Por isso me parece que, quanto a nós, a exclusão de parte da Nação da área do tratado só nós deve trazer desvantagens. Se, por um lado, logicamente nos obrigamos a tudo, a todo o esforço nacional, por outro, não nos encontramos suficientemente cobertos pelas garantias do pacto, perante problemas que para nós podem ser vitais.
O artigo 4.º, não sendo perfeitamente positivo, é apenas uma promessa, e não uma garantia.
Quero nisto apenas ver que o Facto do Atlântico ainda não atingiu a sua evolução final. Primeiro, porque- melhor seria definir e estruturar na paz as condições de funcionamento que o estado de guerra tornará inevitáveis. Além disso, a defesa da nossa civilização ou dos valores que ela representa exigiria que o pacto evoluísse no sentido de ser uma verdadeira aliança atlântica, abrangendo as nações de formação original atlântica e ainda as que desabrocharam ao contacto das aragens atlânticas que as caravelas e as naus. do Ocidente lhes levaram, e, finalmente, os povos que na civilização atlântica contemplam o maior penhor da sua liberdade, de uma liberdade baseada numa aliança que não precisa de fazer tábua rasa de nacionalidades, porque justamente o que ela defende são as liberdades nacionais.
Sr. Presidente: apenas quis trazer uma palavra de louvor aos que conceberam, estruturaram e estão cumprindo o tratado e manifestar a confiança de que a política de defesa do nosso pais siga as linhas de rumo, linhas mestras, traçadas aqui, nesta mesma Assembleia, pelo eminente Chefe do Governo, quando em 25 de Julho _ de 1949 definiu a posição do Governo em relação ao 'Pacto do Atlântico: «face ao mar, costas a terra», palavras que são a tradução fiel de uma realidade histórica, mas que nem todas as gerações souberam respeitar.
É ver como os Portugueses - que exuberantemente se orgulham das glórias marítimas, se consideram atlânticos, se sentem marinheiros -, é ver como eles por _ vezes actuam no campo das realidades contemporâneas. Basta olhar para os monumentos desta formosa capital, onde os temas de estadistas modernos dominam o panorama, com esquecimento dos navegadores e obreiros da grandeza histórica nacional. Nomes que o mundo inteiro admira e respeita - o infante D. Henrique, Vasco da Gama, Bartolomeu Dias-, nomes de portugueses que são alto património da humanidade, esta soberana capital da Nação parece que os ignora ou os quer esquecer. Nem um museu sequer para os catalogar.
E olho depois para o ultramar através dos oceanos, «cuja segurança ó elemento essencial da vida portuguesa». Contemplo esse outro grande plano nacional em que todos nos temos de encontrar, se quisermos continuar a viver livres e independentes. E confio. Cheio de fé, confio em que tudo se faça com a celeridade e intensidade que as circunstancias impõem, para que Portugal se afirme sempre, nas palavras como nas obras, a nação atlântica, a nação marítima e missionária que fomos, que somos e que teremos de ser.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente:-Comunico â Assembleia que está na Mesa um projecto de lei de alterações à Constituição, apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Lima.
Esse projecto vai baixar à Câmara Corporativa e às Comissões de Legislação e Redacção e de Política e Administração Geral e Local, comissões estas que convoco para se reunirem depois de terminada a sessão de hoje, exactamente para se ocuparem das alterações à Constituição.
Dada a importância do assunto, devo dizer aos Srs. Deputados que às reuniões dessas duas comissões pôde assistir qualquer Sr. Deputado que assim o deseje e que é até conveniente que todos os membros desta Assembleia que se interessem pelo assunto compareçam a essas sessões.

Pauta.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado e as da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1957. •
Tem a palavra o Sr. Deputado Dias Rosas.

Sr. Dias Rosas: -Sr. Presidente: o juízo político das contas públicas, que, nos termos constitucionais, incumbe à Assembleia, abre sempre à discussão problemas fundamentais á vida nacional.
Verdadeiramente, é a Conta Geral do Estado que oferece campo a apreciação desta Câmara, uma vez que, assegurado firmemente o crédito público pelo prestígio das finanças do Estado, não parece merecer autonomia uma apreciação da gestão da Junta do Crédito Público, no Âmbito da fiscalização desta Assembleia, como lhe cabia quando a este organismo estava entregue o encargo de garantir aquele crédito, nomeadamente pôr força de receitas que lhe eram consignadas. E parece que o serviço da divida, nestas circunstancias, bem podia constituir um departamento do Ministério das Finanças.
Trata-se, assim, neste julgamento da Assembleia de .apreciar a conformação da administração pública com os fins que constitucionalmente são apontados ao Estado na actividade governativa e a adequação às condições da vida do agregado nacional dos meios que hão-de servir à sua prossecução.
Mas na gestão da coisa pública a linha orientadora que nela há-de reflectir-se está ainda condicionada pela perfeita consciência do quadro social em que aquela acção se processa, o que quer dizer que à conduta administrativa tem de ser dada uma expressão política que, com clareza, a identifique, e aos seus efeitos, com os princípios que informam a nossa lei fundamental e se recolhem da vida da Nação.
De certa maneira, pode, portanto, dizer-se que na base da acção governativa está um objectivo geral de promoção humana, capaz de corresponder ao nosso condicionalismo social; e é no' processo da realização desse objectivo, com a sua expressão social, cultural e económica, que tem especial significado a política das despesas e das receitas públicas - aquelas, pela natureza e eficiência dos seus resultados susceptíveis de as valorar; estas, por projectarem um conceito de justiça e de solidariedade social na repartição de encargos pelas forças da Nação.
Sr. Presidente: quando se confronta a despesa pública com o produto nacional, logo se nos revela a sua importância no complexo da actividade global do Pais e como pode ser instrumento poderoso na condução da nossa vida económica e social.
A evolução das despesas ordinárias e extraordinárias mostra-nos, por outro lado, que tem sido muito mais pronunciado o aumento daquelas do que o destas, mas a sua comparação com as receitas ainda vem salientar os grandes excessos das receitas ordinárias sobre as despesas do mesmo tipo, a assinalar uma significativa cobertura das despesas extraordinárias por força daqueles excessos.

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Esta situação, vista à luz quer das insuficientes dotações de alguns serviços públicos, que, em certos casos, até estão profundamente carecidos de reforma que os revigore e torne eficiente a sua actividade, quer do novo encargo que adveio para as finanças públicas dos aumentos dos vencimentos do funcionalismo, estabelecidos no ano em curso, e que -justiça é dize-lo tão grande projecção tiveram nas condições de vida de uma parcela importante da população activa do Bala, permite pensar que a despesa ordinária tem tendência para um mais acentuado crescimento, o que conduz, como se salienta no parecer, ou a menores despesas extraordinárias ou a maior recurso ao empréstimo. E a verdade é que, sem prejuízo das conclusões a que pode levar a apreciação do encargo global dos impostos -principal rubrica das receitas ordinárias--, o fraco peso da nossa divida pública, quando confrontada com o produto nacional, entre nós e noutros países ainda que ressalvadas as diferenças de evolução económica de cada um-, parece permitir afirmar que o recurso a esta receita extraordinária, nos termos e para os fins constitucionalmente admitidos, sobretudo para satisfação de despesas extraordinárias directamente reprodutivas, ainda está longe de ter atingido os seus limites razoáveis.
O estudo exaustivo feito no parecer revela-nos, com nitidez, um panorama geral da despesa pública -8230000 contos - e da importância que nela tem a despesa extraordinária - 1832 000 contos. Nela avultam, com um pouco menos de um terço, os gastos com a defesa nacional, incluindo as forças expedicionárias no ultramar, havendo, no entanto, um ligeiro decréscimo em relação a 1956.
Entre ás iniciativas prosseguidas com objectivos económicos e sociais -que tão ligados tom de andar nas preocupações dos governantes em bem servir os povos que não seria realista agora separá-los - evidencia-se. o fomento rural ligado à expansão e melhoramento agrícola, em que se distinguem as rubricas da hidráulica agrícola, da arborização de serras e dunas, da colonização interna, dos melhoramentos rurais e da electricidade.
Nada se utilizou em obras nas áreas de fomento hidro-agrícola para que havia verba, e convém que este aspecto seja analisado cuidadosamente pelos serviços competentes, pois é largo o campo do melhoramento agrícola que se abre com obras deste tipo.. Isto mesmo leva a salientar que seria da maior vantagem que se intensificasse o auxílio, inclusivamente pela promoção do estudo directo, das pequenas obras de melhoramento agrícola e da pequena hidráulica agrícola, que se tom como eficazes propulsores de maior produtividade da nossa agricultura.
Apenas merece aqui reparo um aspecto desta matéria, que é afinal uma concretização das implicações íntimas que sempre tem de haver entre as dotações extraordinárias e as dotações ordinárias que hão-de servir de apoio funcional permanente às iniciativas que aquelas permitem; refiro-me à anotação do parecer de que

Na verdade, até agora tem-se feito sentir fraca assistência técnica às actividades agrícolas, que é uma das funções primaciais destes serviços. Parece não haver ajustamento das verbas de pessoal e de pagamento de serviços, como a de transportes e de ajudas de custo, o que significa _ imobilização do pessoal técnico nas cidades. Será assim ?
Se, na verdade, a falta de assistência deriva deste facto, há desperdícios de pessoal, por impossibilidade de deslocações.
Com o parecer, também julgo que as novas ,medidas, já promulgadas e em execução, hão-de tender a melhorar mas actuais condições, conforme o exige esta necessidade premente de extensão da assistência técnica à lavoura.
Em confronto com a atenção dedicada aos problemas da expansão agrícola, nota-se, porém, uma grande exiguidade da verba extraordinária utilizada no fomento industrial. Impressiona, efectivamente, o contraste entre a obra de desenvolvimento industrial que acertadamente tem sido apontada pelo Governo e programada nos planos de fomento e a expressão prática do apoio que lhe deve ser dado através do impulso dos serviços à realização dos trabalhos de estudo, ensaio e investigação que hão-de preparar e abrir o caminho às iniciativas económicas em que a expansão das indústrias1 terá de traduzir-se.
Como se salienta no parecer, não se fez ainda o inquérito industrial, estão longe de ser conhecidas as reservas mineiras, não está completo o inventário dos recursos hidráulicos è os estudos de matérias-primas poucos resultados nos facultam.
Aqui, ainda, é. outra vez flagrante a influência que os critérios das despesas ordinárias têm, não digo já na previsão, mas na possibilidade da realização de certas despesas extraordinárias.
É que, para que seja possível efectivar aqueles estudos, ensaios e investigações, para que possa levar-se por diante, com plena utilidade, um inquérito industrial ou uma investigação séria sobre as nossas reservas mineiras, é indispensável contar com serviços bem dotados - apetrechados de pessoal e de instrumentos de trabalho -, que assim fiquem habilitados a enfrentar e a desempenhar-se das tarefas que lhes sejam traçadas, com a consciência de que elas estão ao alcance das suas forças e não ficarão a aguardar condições da execução, para magoa de quem ordena e de quem teria de cumprir.
Só uma decidida política industrial, atenta aos objectivos em causa - e nesse aspecto a crédito do Governo .estão as pessoas que por ele respondem neste sector e os trabalhos que já efectivou relativamente ao II Plano de Fomento-, mas que encare também frontalmente a necessidade de organizar os instrumentos técnicos e administrativos que são indispensáveis ao Governo para conduzir e apoiar a sua realização, será capaz de dar corpo à rápida industrialização, viável e harmonizada, que a nossa expansão, económica exige.
Nomeadamente, o inquérito industrial reveste-se da maior urgência, e a iniciativa que o Instituto Nacional de Estatística tomou, de o promover, merece que o Governo, como frisa o parecer, lhe dê todo o apoio. E não é só com vista à reorganização industrial e à expansão de novas indústrias que o inquérito tem interesse.
Também o exige a própria expansão das nossas exportações, que sempre tem lutado contra uma pertinaz ignorância das suas possibilidades, a partir da produção industrial, fora dos sectores conhecidos da exportação mais ou menos tradicional sujeitos a coordenação económica.
Mas um inquérito industrial completo vai para além das possibilidades funcionais do Instituto Nacional de Estatística e impõe a colaboração de outros serviços.
Tudo isto nos leva a desejar que sejam criadas, com brevidade, as condições para a realização daqueles trabalhos, o que põe em causa a reorganização de alguns serviços, apetrechando-os e dotando-os convenientemente, em termos que os adeqúem às funções que têm de exercer, e faz chamar a atenção para a grande importância da tarefa que cabe ao Instituto Nacional de Investigação Industrial. Este esforço tem de conjugar-se Intimamente com as realizações do II Plano de Fomento, que agora se iniciam, de modo a assegurar-lhes a maior reprodutividade e a facilitar a mais equilibrada distribuição dos seus benefícios.

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Todavia; o prosseguimento eficiente destes objectivos, condicionado, como está, à capacidade realizadora dos homens, cada vez nos obriga mais a ter presente o progressivo alargamento da missão educativa do Estado, a que as próprias circunstancias da evolução da nossa vida social tom vindo a apontar uma finalidade de promoção cultural que se não confine a uma expressão técnica ou humanista, mas inquebrantàvelmente se afirme numa conduta - àquela que foi capaz de nos fazer Portugueses.
É preciso formar mais professores em todos os graus do ensino, mais investigadores, mais técnicos, mais trabalhadores qualificados; mas é preciso também que um principio de acção os anime, que um sentido ético marque o rumo da sua conduta - esse mesmo que nos identifica na história e que nos une num conceito normativo do homem, que deve reger a sua vida moral e social. .
É importante o esforço que pelo Ministério da Educação Nacional tem vindo a ser feito neste campo nos últimos anos, no que tem sido apoiado pelo das Obras Públicas, com a construção e reparação de instalações escolares. Parecem disso expressivos os gastos superiores a 900 000 contos do ano de 1957.
Mas já o parecer nos volta a alertar - e digo alertar porque, por vezes, o entusiasmo da materialização das obras parece obnubilar a sua função de valorização humana - quanto à importância que a qualidade do ensino e o seu sentido realista têm na eficiente preparação dos educandos e na sua capacidade para a utilização prática dos ensinamentos.
Isto torna aguda a necessidade de olhar de frente, com prontidão, uma profunda melhoria nas deficientes condições do ensino experimental, como também tem sido assinalado nos pareceres das contas, mormente para ir de encontro às necessidades que a execução do II Plano de Fomento vai fazer sentir.
Aliás, todo este problema tem sido trazido à esta Câmara nos seus múltiplos aspectos; e não me pertence a mim, que não tenho preparação que o legitime, ir além deste breve apontamento.
Sr. Presidente: esta discussão das contas públicas abre-se ainda no outro aspecto das receitas, para aferir critério quanto à repartição do peso dos encargos da administração pública pelas forças do agregado nacional e para jullgar do modo da sua aplicação
Desde logo o exame das contas evidencia-nos a pequena importância das receitas extraordinárias, em que apenas tem interesse o recurso ao empréstimo no conjunto das receitas públicas, donde resulta que é pelos excessos das receitas ordinárias sobre as despesas ordinárias que, fundamentalmente, tom sido cobertas as despesas extraordinárias - cerca de 84 por cento em 1957.
Isto mostra o esforço maior que se está a pedir ao imposto sobre o empréstimo no custeio da despesa extraordinária, ainda quando para investimento reprodutivo.
Ora já vimos como alguns aspectos da acção governativa estão a assinalar uma tendência para a intensificação do acréscimo das despesas ordinárias.
Por outro lado, como se anotou no parecer sobre as contas da Junta do Crédito Público, pode considerar-se fraco o peso da divida pública no conjunto da vida económica nacional e, certamente, aquém das potencialidades do recurso que admitirá, ainda quando considerado o estado do nosso desenvolvimento como fonte de financiamento público do fomento da economia portuguesa - o que perfeitamente se conforma com as exigências constitucionais.
Por isso, nesse parecer se diz que cesta política financeira, assegurando crédito forte ao Estado, criou condições que permitem alinhar, agora, consoante as necessidades e, mais ainda, consoante, as possibilidades de
utilização, uma política flexível que abranja um mais amplo financiamento, por esta fonte, dos investimentos directamente reprodutivos, que o Estado tem promovido ou em que tem participado, no conjunto da obra de expansão económica».
É claro que isto, em si mesmo, não envolve qualquer apreciação quanto à política tributária, ou, especificamente, quanto ao peso do montante global da carga fiscal. Antes parece ter de aceitar-se que esta, no seu todo, confrontada com o rendimento nacional, não pode considerar-se excessiva, reserva feita às onerações de vária ordem que, à margem do Orçamento Geral do Estado, recaem sobre alguns tipos de contribuintes e de actividades.
Embora, com efeito, a incidência tributária tenha vindo a acentuar-se nos últimos anos, ainda se está longe das percentagens suportadas por outros países, mesmo que se atenda a diferenças de evolução económica. .
Mas, isto mesmo obriga a ter bem presente que, na medição do imposto e na sua distribuição pelos contribuintes, é elemento de indispensável ponderação a utilidade marginal dos rendimentos de cada um, dentro de limites objectivamente legitimados. E, neste aspecto, é que o nosso sistema tributário já é passível de algumas críticas. Que é assim evidencia-o o propósito do Governo, que a Lei de Meios para 1959 consagrou, de promover a reforma fiscal durante o ano em curso, e de que são já manifestações a lei do imposto de sisa e sobre as sucessões e doações e algumas alterações ao regime do imposto complementar.
No nosso quadro tributário tem particular relevo os impostos indirectos, grandemente representados pelos direitos de importação. A sua natureza de impostos sobre o consumo implica o máximo cuidado na discriminação dos consumos que devem ser onerados, já que são completamente diferentes os efeitos da tributação de consumos primários ou da de consumos supérfluos.
Mas aqui mesmo surgem já duas dificuldades à luz do principio de que a utilidade marginal dos rendimentos deve influir na medida da tributação: é que os mesmos bens podem destinar-se directa ou indirectamente - através, por exemplo, de transformação industrial - à satisfação de necessidades diversas, mais ou menos essenciais,- e podem também ser consumidos por pessoas de diferentes níveis de rendimentos.
À primeira dificuldade ainda obviará um imposto sobre as transacções que incida sobre os produtos finais. E é de desejar que seja criado como correctivo dos direitos de importação, embora a sua técnica tenha, por sua vez, algumas dificuldades. Mas .já se não vê como será possível remover a segunda dificuldade e atenuar as injustiças na distribuição do imposto a que ela dá lugar. De outras dificuldades se dá também conta no parecer em apreciação.
Ora a reforma dos impostos indirectos não está prevista para já; mas estes aspectos parecem mostrar que é indispensável considerá-la tão depressa quanto possível. E uma orientação será a de procurar reduzir a sua preponderância no conjunto dos impostos arrecadados, sobretudo a dos direitos de importação. Quando estes tenham feição fortemente proteccionista parece justificável condicionar a sua manutenção à fiscalização das indústrias que beneficiam desse proteccionismo.
Esta orientação quanto aos impostos indirectos só pode admitir-se, porém, dentro da economia geral de toda a reforma tributária e a circunstância de a sua revisão não estar agora prevista pode vir a criar, no futuro, grandes dificuldades à sua efectivação.
Por mais estranho que pareça num país que tem como desiderato a exportação, ainda figuram entre as receitas públicas os direitos que incidem sobre a- exportação de mercadorias.

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Não são muito pesados esses direitos: 1,5 por cento ad valorem, mais umas pequenas alcavalas.
Mas creio que, numa altura em que tanto se tem falado ha necessidade de criar um espirito exportador, não é propriamente o agravamento que está em causa - e esse, assim mesmo, tem já significado, em face do choque da mais dura concorrência externa, nem sempre em moldes legítimos e muitas vezes directamente apoiada pelos respectivos governos; é, antes, a influência desencorajante que a persistência dos direitos exerce sobre o exportador, a quem não pode legitimamente exigir-se que entenda atitudes contraditórias.
Estes direitos devem, por isso, ser abolidos, mais que não seja para exemplo desse espirito exportador, que, sem dúvida, é vital à nossa expansão económica.
Um outro aspecto do nosso sistema tributário que tem sido objecto de larga controvérsia, pelas anomalias e injustiças a que tem dado lugar, é o da determinação da matéria colectável dos impostos sobre o rendimento.
Já no relatório da proposta de lei de meios para 1959 se indicava uma opção pelo rendimento real, o que virá alterar o critério vigente, que assenta no cálculo do rendimento normal dos contribuintes. São procedentes as razões invocadas e esta correcção virá pôr termo, com certeza, a anomalias que têm vindo a verificar-se e de que no parecer se dá conta.
Uma, certamente, é a que registam os números que o parecer publica quanto à contribuição predial rústica, em que se vê que ao distrito de Braga, com o seu minifúndio, é atribuída a mais alta capitação do rendimento colectável rústico por hectare - 247$ -, enquanto os distritos de grande propriedade tem das mais baixas capitações - Beja com 966 e Évora com 133$.
Esta situação ainda vem agravada no cálculo da contribuição por hectare, cuja capitação, segundo aqueles mesmos números, é de 41$ para o distrito de Braga e de 10$ e 16$, respectivamente, para os de Beja e Évora. E não é de crer, efectivamente, que as diferenças de qualidade das terras sejam capazes de explicar toda esta situação, que, assim, poderá vir a ser corrigida, ainda que é certo que na agricultura sempre terá de prevalecer um rendimento médio, por esta via mais próximo, porém, das Realidades.
Outra anomalia é a que, por exemplo, se verifica na tributação da indústria algodoeira. Na realidade, só a esta indústria coube mais de um quinto do total da contribuição paga pelas indústrias transformadoras em 1957, quando a sua participação para o produto nacional não deve ter chegado a um oitavo da contribuição global daquelas indústrias.
Esta situação explica-se, no entanto, se se tiver presente que, enquanto as actividades industriais, no sen conjunto,, viram aumentadas as suas contribuições de 287 por cento, desde 1940 até 1957, a indústria algodoeira sofreu, nesse mesmo período, um aumento de 707 por cento. E isto apesar de esta indústria atravessar, desde há alguns anos, uma situação difícil, que até já do ponto de vista fiscal está a produzir os seus efeitos, como resulta da regressão que se deu, de 1956 para 1957, no montante da contribuição industrial arrecadada no distrito de Braga, referida no parecer, sabendo-se que a indústria algodoeira é a actividade dominante deste distrito.
Contra a manutenção de anomalias como esta poderá funcionar, eficazmente, o critério do rendimento real, que ainda terá a vantagem de permitir cobrar maiores valores de impostos nos períodos conjunturais mais favoráveis, o que, em certa medida, ajuda a uma política anticíclica, e terá o grande mérito de reduzir a discricionariedade dos serviços do fisco.
Finalmente, a determinação da matéria colectável pelo rendimento real, uma vez apoiada em meios que facilitem o seu conhecimento directo ou a vinculação a uma declaração verdadeira, permitirá que a aplicação do imposto complementar assente numa base séria, pondo-se cobro, tanto quanto possível, às injustiças que hoje resultam das fugas à colecta de certos rendimentos.
Mostra ainda o parecer que a percentagem global dos rendimentos das pessoas singulares e das pessoas colectivas correspondentes a mais de 1000 contos por cada pessoa e por ano, bem como a percentagem destas, aumentaram, de 1956 para 1957, no total dos rendimentos .e das pessoas tributadas por este imposto. Isto faz pensar na conveniência de utilizar este imposto mais eficazmente contra a concentração da riqueza.
Sr. Presidente: o que acabo de dizer não diminui a gestão governativa na sua capacidade e no seu valimento administrativo;. antes pretente assinalar a preocupação de quê se impõe defini-la por aquele sentido político de clareza e de convencimento que cria e consolida nos povos a confiança no poder realizador dos governos e é o mais seguro penhor da unidade nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-É que, Sr. Presidente, a acção dos governos sofre sempre os desgastes de certas resistências: resistências daqueles que, por não estarem esclarecidos sobre os objectivos da sua 'política, não podem prestar-lhe a mais útil colaboração; resistências daqueles que, consciente e intencionalmente, tentam todos os meios de subverte-la juntamente com as instituições que a servem, e resistências, não menos intencionais, daqueles que, considerando-se por ela directamente atingidos nos seus interesses, encobrem, com uma aparente atitude de adesão, a falta de autenticidade de uma conduta que, verdadeiramente, só quer ser de obstrução e de retardamento.

Vozes: -Muito bem!

O Orador:-Pois são estas resistências que têm de ser enfrentadas e vencidas, com uma política segura dos princípios que a informam, à luz da concepção que postulamos do homem, para que os seus frutos lhe doem o crédito que consegue a adesão dos povos e a sua convicta colaboração; clara nas decisões, para fazê-la respeitar e impor contra a subversão tentada por todos os meios de corrupção; firme execução, que se não compadeça com interesses materiais ou com estruturas sociais ou económicas caducas, a que falta legitimidade para se oporem a uma acção que tem sempre de nortear-se pelo bem-estar e pela elevação moral de todos os portugueses.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente:-Vou encerrar a sessão. A próxima sessão será na terça-feira, dia 7 do corrente, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

Sn. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.

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Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
D. Maria Irene Leite da Costa:
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

Projecto de lei a que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão:

Projecto de lei de alteração a Constituição Política .

Artigo 1.º São adicionadas três alíneas e um § único ao artigo 93.º da Constituição Política, com a seguinte redacção:

f) A criação de impostos e taxas;
g} Restrições aos direitos, liberdades e garantias individuais dos cidadãos portugueses consignados nesta Constituição;
h) O carácter vitalício, inamovibilidade e irresponsabilidade dos juizes dos tribunais ordinários e os termos em que pode ser feita a respectiva requisição para comissões permanentes e temporárias.
§ único. Fora do funcionamento efectivo da Assembleia Nacional e em caso de urgência e necessidade pública reconhecidas como existente pelo Presidente Assembleia, poderá o Governo criar impostos e taxas por decreto-lei, sem prejuízo, porém, da respectiva sujeição a ratificação, nos termos do § 3.º do artigo 109.º

Art. 2.º O corpo do artigo 94.º e seu § único são substituídos pelo seguinte:

Art. 94.º A Assembleia Nacional realiza as suas sessões com a duração de cinco meses, a principiar em 25 de Novembro de cada ano, salvo o disposto nos artigos 75.º, 76.º e 81.º, n.º 5.º
§ único. O Presidente da Assembleia Nacional, quando o julgar conveniente, pode prorrogar até um mós o funcionamento efectivo desta e interrompa-lo, sem prejuízo, porém, da duração fixada neste artigo para a sessão legislativa.

Art. 3.º O § 3.º do artigo 109.º é substituído pelo que segue, sendo ainda ao mesmo artigo adicionado um outro parágrafo:

§ 3.º Os decretos-leis publicados pelo Governo fora dos casos de autorização legislativa serão sujeitos a ratificação, que se considerará concedida quando nas primeiras dez sessões posteriores à publicação cinco Deputados, pelo menos, não requeiram que tais decretos-leis sejam submetidos à apreciação da Assembleia.
No caso de ser recusada a ratificação, o decreto-lei deixará de vigorar desde o dia em que sair no Diário do. Governo o respectivo aviso, expedido pelo Presidente da Assembleia.
A ratificação pode ser concedida com emendas; neste caso o decreto-lei será enviado à Câmara Corporativa, se esta não tiver sido já consultada, mas continuará em vigor, salvo se a Assembleia Nacional, por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções, suspender a sua execução quanto à criação ou reorganização de serviços que envolvam aumento de pessoal ou alteração das respectivas categorias em relação aos quadros existentes.
§ 3.º-A. Quando se trate, porém, de decretos-leis que revoguem, total ou parcialmente, leis emanadas da Assembleia Nacional, pode apenas um Deputado requerer que sejam submetidos à apreciação da Assembleia, nos termos do parágrafo anterior.

Art. 4.º O § único do artigo 123.º é substituído pelo seguinte:

§ único. A inconstitucionalidade orgânica ou formal da regra de direito constante de diplomas promulgados pelo Presidente da República, quando não resulte da violação do disposto no artigo 93.º e sen § único, só poderá ser apreciada pela Assembleia Nacional e por sua iniciativa ou do Governo, determinando a mesma Assembleia os efeitos da inconstitucionalidade, sem ofensa, porém, das situações criadas pelos casos julgados.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 3 de Abril de 1959. - O Deputado, António Carlos dos Santos Fernandes Lima.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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