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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 90
ANO DE 1959 8 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 90, EM 7 DE ABRIL.
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões. n.º 89.
Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa o parecer da Câmara Corporativa acerca do projecto de lei de alteração ao Código de Processo Penal, que baixará à Comissão de Legislação e Redacção.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 100.º da Constituição foram recebidos na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os n.os 64, 65, 67, 69 a 71 tio Diário do Governo. l.ª série, contendo diversos decretos-leis.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa os elementos fornecidos pelos Ministérios das Obras Públicas o da Economia em satisfação de requerimentos do Sr. Deputado Camilo de Mendonça, que foram entregues a este Sr. Deputado.
O Sr. Presidente deu conhecimento à Câmara de haver sido entregue na Mesa um projecto de lei do Sr. Deputado Duarte Amaral de alterações a Constituição Política. Vai sor enviado à Câmara Corporativa e baixará às comissões às quais foi presente a proposta do Governo sobre o mesmo assunto.
Também se recebeu outro projecto de lei de alterações à Constituição Política, subscrito pelo Sr. Deputado Homem de Melo, o qual será igualmente remetido à Câmara Corporativa e às mesmas comissões.
Foi ainda recebido na Mesa um projecto de lei de alterações à Constituição Política, subscrito pelo Sr. Deputado Afonso Pinto, que vai ser enviado à Câmara Corporativa e baixará às mesmas comissões.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Rodrigo Canalha, que enviou um requerimento à Mesa, e Araújo Novo, acerca de assuntos de interesse para Viana, tia Castelo.
Ordem do dia. - Continuou a apreciação das Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público referentes a 1957. Usou da palavra o Sr. Deputado Nunes Barata. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
CAMARÁ CORPORATIVA. - Parecer n.º 9/VII, acerca do projecto de lei n.º 16 (alterações a alguns artigos do Código de Processo Penal).
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego
Agostinho Gonçalves
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
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António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: -Estão presentes 83 Srs Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 89.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Como nenhum Sr. Deputado pediu a palavra, considero aprovado aquele Diário.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofício
Da Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Baixa a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Amaral Neto em defesa da, lavoura daquela província.
Telegrama
De Aveiro, com várias assinaturas, de protesto contra o projecto de revisão constitucional tendente a eliminar o sufrágio popular.
O Sr. Presidente:-Está na Mesa o parecer da Coroara Corporativa acerca do projecto de lei sobre alterações ao Código de Processo Penal.
Vai baixar à Comissão de Legislação e Redacção.
Para cumprimento do disposto, no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontram-se na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os n.os 64, 65, 67, 69 e 71 do Diário do Governo, 1.ª série, de 21, 23, 25, 27 e 30 de Março próximo passado, que inserem os seguintes Decretos-Leis: n.º 42 190, que autoriza a Direcção-Geral da Fazenda Pública a ceder, a título definitivo, à Câmara Municipal de Sintra várias parcelas de terreno a destacar do prédio do Estado denominado Quinta Nova, situado em Queluz; n.º 42 191, que permite ao Ministério da Educação Nacional mandar colaborar em actividades de difusão da cultura popular funcionários de quaisquer serviços do Ministério, insere disposições atinentes ao funcionamento das referidas actividades, dá nova redacção ao artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 40 964, adita um parágrafo ao artigo 7.º do Decreto n.º 18 413 e revoga as disposições do artigo 83.º e seus §§ 1.º e 2.º do Decreto n.º 22 369; n.º 42 192, que insere disposições relativas ao Fundo de Defesa Militar do Ultramar, criado pelos Decretos n.os 28 263 e 30 117; n.º 42 194, que cria nas províncias ultramarinas centros de informação e turismo e define a sua competência e funcionamento; n.º 42 195, que reorganiza o Centro Nacional da Gripe, organismo especial de sanidade instalado no Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, e n.º 42 196, que fixa as remunerações mensais do pessoal equiparado a militar em serviço na Força Aérea.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 24 de Fevereiro próximo passado pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
Vão ser entregues àquele. Sr. Deputado.
Encontram-se também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 24 de Março próximo passado pelo mesmo Sr. Deputado.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado. _ Está na Mesa um projecto de lei de alterações a Constituição Política, subscrito pelo Sr. Deputado Duarte Amaral.
Vai ser enviado à Camará Corporativa e baixa ás mesmas comissões às quais foi mandada a proposta de lei apresentada pelo Governo sobre o mesmo assunto.
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Está também na Mesa um outro projecto, de lei de alterações à Constituição, subscrito pelo Sr. Deputado Manuel José Archer Homem de Melo.
Este projecto vai ser também enviado à Câmara Corporativa e às mesmas comissões desta Assembleia.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Rodrigo Carvalho.
O Sr. Rodrigo Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«A aplicação do Decreto n.º 41 . Diário do Governo de 23 de Abril de 1958, que estabeleceu as condições em que foi incluído no esquema normal das prestações do seguro-doença a cargo das caixas sindicais de previdência e das caixas de reforma ou de previdência o internamento hospitalar para efeitos de intervenções de cirurgia, tem causado graves preocupações e descontentamentos irremediáveis.
Através deste diploma foram fixadas as diárias estabelecidas entre os Serviços Médico-Sociais- Federação de Caixas de Previdência e a Direcção-Geral da Assistência, em representação dos estabelecimentos hospitalares oficiais. Fixaram-se em 60$, 50$ e 40$, respectivamente para hospitais centrais, regionais e sub-regionais.
Em relação a estas diárias, a comparticipação dos beneficiários no custo do internamento foi, de conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 13.º do Decreto n.º 37 762, fixada em 30 por cento das diárias aprovadas, com o limite máximo de 25 por cento do subsidio pecuniário por doença ou de 15 por cento do salário médio, na falta de direitos àquele subsidio.
Deste modo a comparticipação dos beneficiários no custo do internamento é a que consta do quadro seguinte:
[ ver tabela na imagem]
Os beneficiários serão assistidos nas condições de pensionistas de 3.ª classe ou equivalente, desde que sejam tidos como suficientes, salvo se. optarem por classe superior, competindo neste caso ao interessado o pagamento do acréscimo.
Acontece, porém, que, apôs a publicação deste decreto e ao abrigo das suas disposições, os internamentos se estão a fazer num ritmo de tal maneira lento que é vulgar haver demoras que vão entre quatro a oito meses, e por vezes mais.
Beneficiários há que optam por ser operados de sua conta, dada a urgência que o seu mal requer; outros, que o não podem fazer, quando são chamados têm necessidade de refazer parte da sua documentação clínica para o efeito, tais como análises, radiografias, etc., visto nesse momento terem já perdido oportunidade para o fim a que se destinavam.
Como é do conhecimento geral, o operário que baixa por doença tem depois de um ano de bom e efectivo serviço direito a um subsidio durante nove meses, que representa normalmente menos de dois terços do seu salário médio anual, com o qual tem de fazer face aos encargos familiares. Tem, portanto, necessidade de ver rapidamente resolvido o seu problema clinico, pois, à parte o mal, que em muitos casos toma aspectos graves, hão é menor o problema de estar impossibilitado de granjear o sen sustento e o dos seus.
Além desta circunstância, há que considerar também o facto de esta demora implicar para a previdência um avultado aumento de encargos e a iminência de alguns dos beneficiários, cuja espera para o internamento ultrapasse os nove meses assegurados pelo respectivo subsídio, terem de lançar mão da caridade da empresa onde trabalhavam ou da caridade pública para sustento da família, enquanto aguardam o internamento.
Tais factos colocam mal os Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência, a que cumpre a salvaguarda da saúde e defesa dos interesses dos seus beneficiários.
Em muitos concelhos do Norte do País, onde exercem a sua actividade para cima de 65 000 operários têxteis, é grande o descontentamento provocado por esta demora no internamento.
Não se compreende que, existindo era quase todos os concelhos hospitais regionais e sub-regionais devidamente equipados, os beneficiários da previdência não sejam aí internados e tenham de aguardar vez de internamento no hospital central.
Segundo informações que procurei recolher, deve-se à exiguidade das diárias fixadas para os hospitais regionais e sub-regionais, e ainda ao facto de não pagarem ao corpo clínico a assistência a prestar aos pensionistas, a recusa de colaboração desses estabelecimentos hospitalares, o que, por consequência, originou a principal dificuldade dos internamentos.
Estas anomalias têm suscitado profundas apreensões, sendo evidente o mal-estar social que têm causado entre a grande massa dos beneficiários da previdência.
No intuito de esclarecer este assunto e com vista a um estudo mais lato do problema, roqueiro que, pelo Ministério da Saúde e Assistência, me sejam fornecidos os seguintes .elementos:
1) Quantos estabelecimentos hospitalares aceitaram as condições propostas entre os Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência e a Direcção-Geral da Assistência, em representação dos estabelecimentos hospitalares oficiais;
2) Quantos nas mesmas condições não as aceitaram e a razão para tal invocada;
3) Se foram consultados todos os estabelecimentos hospitalares e convidados a colaborar com a previdência;
4) Se tinha o director-geral da Assistência poderes suficientes para representai- todos os estabelecimentos hospitalares do País e aceitar os condições impostas pela previdência;
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5) Qual o número de beneficiários até à presente data hospitalizados nos diversos estabelecimentos hospitalares que aceitaram o acordo;
a) Quantos doentes aguardam ainda ordem de internamento;
b) Qual a média de demora a que têm estado sujeitos desde o pedido de internamento até à sua admissão».
O Sr. Araújo Novo: - Sr. Presidente: dentro de uma louvável política de valorização do património turístico nacional, política que depois foi intensificada com o aparecimento de outros diplomas de mais ampla aplicação, publicou o Governo o Decreto-Lei n.º 36 055, de 21 de Dezembro de 1946.
Nesse decreto, que Viana do Castelo festejou jubilosamente, classificava-se o monte de Santa Luzia como suma das mais importantes estâncias nacionais de turismo».
O consenso unanime das pessoas que conheciam aquele formosíssimo local tinha-se antecipado já ao julgamento oficial e considerava-o, havia muito tempo, como estancia privilegiada, não só em Portugal mas no Mundo, onde o repouso faz moradia e os olhos se recreiam, recreando a alma.
Notava certo escritor norte-americano num magazine dos mais cotados de além-mar (boletim da National Geographic Society, Washington, 1927), a propósito de Santa Luzia e sua situação, o facto curioso de os três mais lindos pontos do globo serem em terra de fala portuguesa: Corcovado, Senhora do Monte, no Funchal, e Santa Luzia.
O eminente escritor Maurice Maeterlink, por exemplo, não pôde esconder a sua admiração pela beleza da paisagem, e considerou-a dadiva generosa da Providencia à terra portuguesa.
Efectivamente, Deus, sobre dar-lhe condições excepcionais de atracção, quis ainda emoldurar Santa Luzia numa das mais belas regiões de Portugal - o Minho -, onde a gente não sabe que mais admirar: se a variedade, grandeza e frescura das paisagens, se a profusão de atractivos de que está cheio aquele torrão abençoado de Portugal-velhos monumentos e numerosos solares, ricos de arte e reveladores de requintado gosto; folclore do mais puro; famosas e típicas romarias; obras de arte; culinária própria e apetecida; rios piscosos, onde a pesca desportiva atrai milhares de praticantes; praias extensas de areia fina; ameno clima na época calmosa; gente boa, acolhedora e alegre, que canta a trabalhar, como se a vida fosse uma canção sem fim e desconhecesse as dificuldades da mesma vida, as dores, as lágrimas, a luta sem tréguas, que a todos obriga a travar.
Não falam nisto tudo os considerandos do referido decreto-lei, mas no espírito de quem o concebeu e no de quem o aprovou e fez publicar certamente essas razões existiam.
Por isso ali se dizia que importava «promover a sua valorização de harmonia com o plano de arranjo urbanístico superiormente aprovado para o local».- Para tanto, o mesmo diploma concedia à Câmara Municipal um subsídio de 3500 contos, prevendo-se uma despesa de 8000 contos, que deveria ser suportada pelos cofres do Estado e do Município vianense.
Alguns anos decorridos depois da publicação daquele decreto-lei, foi possível dar execução à parte mais dispendiosa do plano. Adquiriu-se o velho hotel, cujo edifício foi profundamente remodelado e ampliado de forma a poder satisfazer as mais modernas exigências da indústria hoteleira, fazendo-se do desconfortável casarão um hotel digno do local que ocupa.
Não se limitaram, porém, as obras à remodelação e ampliação do edifício. Cuidou-se ainda do abastecimento de água à estancia, urbanizou-se uma porte considerável dos terrenos que coroam o monte, criaram-se atracções e acessos condignos.
A obra feita mereceu gerais elogios e aplausos de nacionais e estrangeiros que têm procurado Santa Luzia para repousar das suas fadigas ou em simples digressões turísticas mais ou menos demoradas.
Nunca se agradecerá de mais ao Governo da Nação a obra que, em colaboração com o Município, levou a cabo naquela estancia em prol do turismo nacional. Aqui fica o nosso modesto agradecimento em nome da região que representamos.
A obra, porém, não está completa, não obstante o muito que se fez. Uns pequenos senões põem uma nota discordante naquela beleza toda. Falta ainda completar o plano aprovado e, embora lentamente, estou certo de que, mais tarde ou mais cedo, ele chegará ao fim. Este é o primeiro senão, mas não é ele que faz com que hoje aqui levantemos a nossa voz. Não duvidamos de que em tempo oportuno ele se remediará. Outro senão nos obrigou a isso, e esse é urgente que seja removido.
A umas escassas cinco centenas de metros do Grande Hotel de Turismo existe uma barulhenta e incómoda carreira de tiro. A guarnição militar da cidade ali treino todos os anos os seus recrutas para a exigente e difícil arte da guerra. O sossego daquela maravilhosa estância perde-se assim com frequência, e as pessoas que a procuram para repousar lamentam que não seja possível mudar para local adequado aquela importuna carreira.
Além do sossego que se perde, outras razões não menos importantes a tornam indesejável ali. Não raros são os turistas que pretendem aventurar-se pela serra em cata de mais vastos e diferentes horizontes ou simplesmente em sadios e agradáveis passeios e alegres piqueniques. Logo têm de desistir pelo facto de recearem pontarias menos seguras ou traiçoeiros ricochetes das balas disparadas. Nem se diga que o perigo é imaginário. Imaginário ou não, o perigo serve para privar desses passeios os que temem pela vida e continuam a considerar a prudência como virtude estimável.
Por outro lado, a ideia de se construir um campo de golfe nas imediações teve até agora de ser adiada, e sê-lo-á enquanto a tal carreira subsistir onde está. Os serviços florestais, que tão boa vontade mostraram em colaborar na sua execução, ao serem abordados sobre a possibilidade de se construir o desejado campo de golfe, entenderam que essa carreira o tornava não só desaconselhável, mas perigoso.
Ora todos sabem que há turistas -e muitos são - que, além do sossego que procuram em Santa Luzia, não dispensam o seu desporto favorito - o golfe. Os Ingleses, sobretudo, que descobriram já aquela estância e todos os anos a procuram em grande número e em turnos sucessivos, são dos que mais reclamam a sua construção. Outros há que a pedem também com igual interesse.
Quando há tempo o Sr. Coronel Santos Costa, então Ministro interino do Exército, esteve em Santa Luzia, apercebeu-se da importância do problema, que então lhe foi posto, e prometeu mandar estudá-lo com todo o interesse e encarar a. sua solução. Pouco tempo depois, porém, deixou de fazer parte do Governo, e só isso deve tê-lo impedido de concretizar a sua promessa.
Subsiste, portanto, o problema e bom seria que rapidamente pudesse ser equacionado, se é que o não foi ainda, para ser resolvido com brevidade.
Daqui apelamos puro. S. Ex.a o Ministro do Exército, Sr. Coronel Afonso Magalhães de Almeida Fernandes, para que, com a urgência possível, mande estudar o caso, cie forma a remover para local apropriado - e alguns forniu sugeridos já - a incómoda carreira, cola-
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borando assim de forma preciosa na valorização turística daquele monte. Não é obra dispendiosa; mas, que o fosse, valeria a pena levá-la por diante. Cremos bem que umas magras dezenas de contos hão-de bastar para resolver o caso a contento de todos.
O Fundo de Turismo poderia colaborar decisivamente nessa obra e estou certo de que o Secretariado Nacional da Informação, à frente do qual está um homem que vive e sente os problemas do turismo, o Dr. César Moreira Baptista, não regateará a sua ajuda e até o seu apoio material, se tanto se tornar necessário.
Viana do Castelo, região turística por excelência - a capital do folclore, como já foi crismada - , ficará a dever mais um grande benefício ao Governo de Salazar, que tão avisada e inteligentemente andou quando fez publicar o citado Decreto-Lei n.º 36 055, mostrando compreender o alcance da valorização turística do monte de Santa Luzia.
Com a remoção daquela carreira para outro local mostrará o Governo que dá continuidade a uma obra que começou e quo, mais uma vez, não está no seu ânimo «desistir da empresa começada».
Disse.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimento.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um projecto de lei de alterações à Constituição, subscrito pelo Sr. Deputado Afonso Finto.
Este projecto, da mesma forma que os outros já hoje apresentados, vai ser enviado à Câmara Corporativa e às mesmas comissões a que foi mandada a proposta de lei de alteração à Constituição apresentada pelo Governo.
Pausa.
O Sr. Presidente : - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do, Estado e as da Junta do Crédito Público- referentes ao uno de 1957.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes Barata.
O Sr. Nunes Barata : - Sr. Presidente e Srs. Deputados: o debate sobre as contas públicas constitui um dos momentos mais salutares da nossa vida política.
Permite, por um lado, constatar ano após ano um equilíbrio financeiro que só não é saudado com mais júbilo porque já se tornou habitual. Possibilita, por outro, ampla discussão sobre os principais problemas da vida nacional, numa apreciação dos êxitos e dos insucessos, na justiça dos louvores ou na oportunidade das críticas, enfim, na seriação de medidas recomendadas para melhor acelerar o progresso da Nação.
Nestes, dias em que o esquecimento ou a ingratidão pretendem crescer em alguns corações mesquinhos, ânimos timoratos ou vontades oportunistas, talvez não seja despropositado reafirmar aqui o nosso reconhecimento ao Prof. Oliveira Salazar, distinguir a política do equilíbrio financeiro como uma das constantes mais notáveis na obra de reconstrução operada nos últimos trinta anos em Portugal.
Apraz-me, Sr. Presidente, repetir, numa convicção de verdade, justiça e actualidade, as palavras que o Prof. Oliveira Salazar proferiu a propósito da reorganização financeira quando deixou a pasta das Finanças:
Foi o ponto de partida de toda a reforma administrativa; influenciou benèficamente o moral da Nação; serviu de fundamento e garantiu à própria revolução política e social; permitiu o revigoramento da economia e verdadeira floração de obras de interesse geral; serviu entre as nações como carta de crédito da nossa capacidade; entre elas foi tomada como o sinal mais certo do nosso ressurgimento e sobre o prestígio que nos deu permitiu até se edificasse ou reconstruísse, tomando alento em seus voos, a nossa política externa.
Desejo igualmente testemunhar ao nosso colega engenheiro Araújo Correia o alto apreço que me mereceu o exaustivo parecer de 1957. Tão notável labor, que se repete desde 1937, constitui não só um título abonatório do prestígio desta Câmara, como ainda um instrumento pura melhoria da Administração e esclarecimento do público sobre as questões essenciais da nossa vida económico-social.
Sr. Presidente: restringirei a minha intervenção a questões relacionadas com quatro pontos: a evolução das receitas, o problema das concentrações, os movimentos demográficos e as reformas de estrutura.
Salienta o parecer que o aumento das receitas ordinárias em 1957 não foi tão grande quanto uma primeira análise poderia levar a concluir. E realça o facto considerando a natureza especial dos capítulos «Reembolsos e reposições» e «Consignações de receitas» ou mesmo o particular destino de parte dos réditos arrecadados em «Domínio privado, empresas e indústrias do Estado - Participação de lucros».
Esta realidade do diminuto crescimento das receitas ordinárias conduz-nos a duas questões:
Em que medida o orçamento do Estudo poderá suportar os encargos sempre crescentes da Administração?
Quais as possibilidades de aumento das receitas, dada a imperiosa tarefa de fomento em que o Estado é chamado a intervir activamente?
O relatório que precede o Decreto n.º 42 047, de 23 de Dezembro de 1958, revela como a primeira dificuldade surgiu com o orçamento para 1959.
Os maiores encargos resultantes da revisão dos vencimentos (600 000 contos) e os verbas destinadas à execução do primeiro ano do II Plano de Fomento (num total de l 011 241 contos, ou seja mais 331 041 contos do que em 1958) prevêem-se, contudo, suportados sem se afectar o princípio do equilíbrio orçamental.
Assim, quanto aos meios financeiros para fazer face aos 600 000 contos da revisão dos vencimentos, reservaram-se no orçamento de 1958 230000 contos de receitas ordinárias para cobertura das despesas extraordinárias, acompanhou-se atentamente a execução do orçamento de 1959, concedeu-se, do aumento natural das receitas, só o indispensável para novos despesas dos serviços e, finalmente, contou-se com o aumento da receita resultante da reforma da sisa e do imposto sucessório e do ajustamento do imposto complementar.
Todo este condicionalismo, em suas dificuldades e exigências, dá oportunidade a que dediquemos alguns minutos a quatro questões: a produtividade, a reforma fiscal, os impostos indirectos e o recurso ao crédito.
Parece-me avisado chamar a atenção para o seguinte , passo do parecer das contas públicas:
Só um substancial aumento na produção interna
e sua melhor distribuição pelas diversas zonas do
País e pelas várias classes sociais poderá trazer
alívio ao problema das receitas ordinárias. E não é
possível economicamente alargar muito a produção
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sem aplicar nos instrumentos produtores melhores métodos do trabalho, que assegurem produtividade bem mais acentuada do que a de agora.
Pesa sobre a nossa economia não sei que inibição, a qual tem impedido, não obstante o volume de investimentos realizados, que se alcancem resultados mais lisonjeiros do que aqueles que a modéstia das nossas estatísticas revelam.
Nem sempre temos sido fiéis, nos empreendimentos de fomento, a critérios de primazia segundo o grau de improdutividade.
Há, por outro lado, problemas de coordenação, educação ou mesmo reformas de estrutura que aguardam soluções convenientes.
Toda esta situação resultará também da idiossincrasia do Português, mais propenso ao ideal do que ao real, mais fiel à ostentação do que à utilidade imediata.
Não vemos, por exemplo, certos industriais despenderem o produto de empréstimos em vultosas obras de construção civil nas suas fábricas, esquecendo o essencial da maquinaria? Não nos seduzimos com a edificação de escolas quase monumentais, deixando de atender ao conveniente apetrechamento laboratorial dos centros de estudo?
A própria Administração terá necessidade de rever os seus gastos, mesmo em sectores relacionados com actividade do espírito, procurando tirar dos mesmos um proveito, em projecção social ou na economia da exploração, que hoje não se verifica. Exemplifico com dois casos que ressaltam do parecer de 1957: o Secretariado Nacional da Informação e o Teatro de S. Carlos.
As despesas do Secretariado Nacional da Informação subiram de 3928 contos em. 1938 para 59 392 em 1957. Esta última verba inclui gastos por causa do turismo, o que será altamente benéfico na medida em que tal indústria constitua um dos apoios da nossa economia. Mas a dúvida que persiste em mim é se os 60 000 contos que o Secretariado Nacional da Informação gastou em 1957 teriam uma projecção na vida portuguesa compensadora da sua magnitude, isto é, se não poderiam ter sido mais vastos e profundos os benefícios resultantes de tamanha despesa.
O Teatro Nacional de S. Carlos teve uma receita, entre 1949 e 1957, de 18 059 contos e uma despesa de 59 909 contos. Neste período o déficit foi assim de 38 850 contos.
Longe de mim minimizar a projecção cultural do nosso teatro lírico. Creio, contudo, que um contribuinte da chamada província julgará pouco lógico que se gaste tanto pura recreio de uma minoria citadina, quando as nossas aldeias estão carecidas de melhoramentos essenciais.
Sem prejuízo para os cultores da ópera ou mesmo para os ouvintes snobs, talvez se impusesse uma revisão das condições de exploração do Teatro de S. Carlos, de molde a atenuar os deficits crónicos, que em 1957 tiveram, com a importância de 5028 contos, nova confirmação.
E passamos à reforma fiscal.
Embora o seu objectivo imediato não seja o aumento das receitas, «prevê-se que venha a ser seu resultado, por virtude quer de a tributação se aproximar mais dos rendimentos reais, quer da mais correcta determinação dos rendimentos nominais».
Notamos já, de resto, como se contou com o aumento da receita resultante da reforma da sisa e do imposto sucessório e do ajustamento do imposto complementar no orçamento para 1959.
A reforma fiscal não poderá, por outro lado, ser neutral perante as exigências da economia. O imposto deverá estimular os aforros, incentivar os investimentos
e orientar a aplicação de capitais. Ora estou convencido de que as razões económicas se harmonizam com os imperativos sociais, que recomendam uma tributação mais progressiva em alguns grupos de rendimentos.
Os pareceres das contas públicas têm anotado, a propósito do imposto complementar, a evolução e gradual aumento nos altos escalões de rendimentos.
Assim, em 1957, nas pessoas singulares, foram 147 os rendimentos colectáveis acima de 1000 contos, no valor de 292 423 contos. Destes, 117 295 contos pertenciam ao escalão superior a 3000 contos, com doze contribuintes. Deu-se um aumento considerável, relativamente a 1956, ano em que eram oito os contribuintes no escalão superior a 3000 contos, com um rendimento colectável de 32 680 contos.
O alargamento da isenção-base e a revisão das taxas do imposto complementar, autorizadas nos termos da Lei n.º 2095, deverão ser, de facto, de carácter transitório. Logo que o estado da reforma fiscal o permita não deixará de se proceder à revisão do imposto complementar. Será então oportuno elevar o limite da isenção-base talvez para 100 contos e, sobretudo, agravar mais progressivamente os escalões superiores.
A taxa média entre 1150 contos e 1200 contos, .por exemplo, é apenas de 28,22 por cento, cessando mesmo a progressividade a partir deste último limite. Ora já em 1957 o número de pessoas singulares localizáveis em escalões superiores aos 1400 contos era de 53, com um rendimento colectável de 188 531 contos..
Os impostos indirectos arrecadados era 1957 representaram 37,3 por cento do total das receitas ordinárias. Se restringirmos a análise aos impostos propriamente ditos, já a percentagem dos impostos indirectos sobe para cerca de 56 por cento. Os rendimentos aduaneiros só por si constituíram 45 por cento de todos os impostos arrecadados.
Este aspecto da nossa estrutura financeira, como várias vezes se tem referido, não é muito lisonjeiro. Na verdade:
1.º Os impostos indirectos, onerando os consumos primários, fomentam a regressividade tributária, com os seus indiscutíveis inconvenientes económicos e sociais;
2.º Os rendimentos aduaneiros provenientes das taxas de exportação poderão ser pouco defensáveis, na medida em que prejudicam os êxitos e consequente expansão do nosso comércio;
3.º Mas são as taxas de importação que proporcionam o maior volume de receitas, obtido através dos impostos indirectos - l 788 500 contos em .1957, excluindo mesmo a taxa de salvação nacional.
As taxas de importação como fonte de receita encontram dois obstáculos:
a) O processo de integração europeia afectá-las-á;
b) A sua existência, em alguns sectores, prejudicará os consumos ou até uma conveniente utilização de matérias-primas e instrumentos de produção.
Em 1957 o nosso comércio externo ressentiu-se, no desequilíbrio verificado, da actuação de dois factores:
1) A importação de bens de consumo consequência do aumento do nível de vida originado pelo nosso desenvolvimento económico;
2) A importação de bens e mercadorias essenciais n» progresso do País.
Ora estes dois aspectos poderão, por razões económicas ou sociais, justificar possíveis abrandamentos nas tarifas.
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O mesmo não se dará relativamente aos consumos sumptuários. O Governo deve procurar a todo o transe contrariá-los, não só efectuando uma política de redis-tribuição de rendimentos, mas e é esse o aspecto aqui em causa- elevando as correspondentes tarifas aduaneiras. Ainda que a elasticidade da procura fosse pequena, lucrar-se-ia com o aumento fias receitas nus taxas de importação.
Alargamos insensivelmente as nossas considerações no comércio externo.
A economia portuguesa reflecte notavelmente as variações da procura externa, encontrando-se o seu progresso ou estagnação intimamente relacionado com a feição favorável ou desfavorável dos mercados internacionais.
Mas todo este assunto tem sido debatido com tamanha largueza que serão supérfluas quaisquer considerações da minha parte. Repetirei apenas duas ou três observações que resultam da análise do comércio extreno em 1957:
a) Acentuou-se n evolução desfavorável da balança comercial da metrópole (responsável, aliás, pelo déficit esporádico da balança de pagamentos) e verificou-se uma melhoria na balança de serviços e rendimentos.
A balança comercial continua, de resto, a ser a parte mais importante da balança de pagamentos;
b) Manteve-se a concentração quanto à natureza dos produtos exportados (cortiça, conservas de peixe, tecidos de algodão, vinhos, madeiras, volfrâmio e resinosos constituíram, em valor, 58,5 por cento das mercadorias vendidas pela metrópole) e quanto aos países de destino (68,6 por cento para as áreas da U. E. P: e 15,8 por cento para a área do dólar);
c) Man teve-se a concentração quanto aos mercados estrangeiros abastecedores do País (Alemanha, 2 408 000 contos; Inglaterra, l 909 000 contos; França, l 190 000 contos; Bélgica, 896 000 contos - entre os países da área da U. E. P.; Estados Unidos, l 561 000 contos - na área do dólar) e a dispersão na composição das importações.
Penso que entre os remédios para debelar esta situação deficitária figurarão sempre:
Um imprescindível aumento da produtividade. (Encontramo-nos de novo com esta questão essencial);
Uma conveniente política de comercialização, da qual temos andado bem desviados;
Um melhor aproveitamento das matérias-primas, tanto da metrópole como do ultramar.
A propósito desta última, questão o parecer volta a insistir no aproveitamento de grés, calcários betuminosos e carvões asfálticos de Angola, como ainda refere, noutro passo, a cultura do tabaco em Angola e Moçambique.
É na verdade de grande interesse nacional que o Governo atenda cuidadosa e urgentemente a estas duas possibilidades económicas.
Poderemos concluir do exposto que, a verificar-se qualquer das alterações possíveis no nosso comércio externo, uma coisa parece útil: a revisão das tarifas.
Aos inconvenientes da actual tributação indirecta não ocorre a reforma em curso,-«salvo -como se escreve no parecer da Câmara Corporativa sobre a Lei de Meios para 1959 - na medida em que, proporcionando mais exacta captação dos rendimentos por via directa, possibilita amanhã a eventual substituição dos direitos alfandegários por um imposto sobre o valor das transacções, o qual, embora porventura menos produtivo do que aqueles direitos, permita atenuar decisivamente o carácter regressivo do actual sistema, operando uma discriminação tributária em função da natureza dos bens de consumo ou de produção a ele sujeitos».
As conclusões do parecer evidenciam a prática seguida de cobrir parte das despesas extraordinárias com receitas ordinárias. Esta política poderá ter a recomendá-la, além do mais, uma compressão nos encargos da dívida pública, permitindo, assim, maiores possibilidades no recurso a empréstimos futuros.
Parece, contudo, oportuno salientar o seguinte:
1) O aumento das despesas ordinárias provocado pela revisão nos vencimentos ou por uma indispensável dotação de serviços afectará as disponibilidades nos excessos das receitas ordinárias.
2) É necessário atender, no sector das despesas ordinárias, com uma extensão e profundidade que não se tem verificado, às necessidades das nossas regiões mais atrasadas. Trata-se de gastar proveitosamente maiores somas em melhoramentos rurais, comunicações, saúde e assistência, etc., o que também cerceará a possibilidade de destinar maiores quantitativos das receitas ordinárias às despesas extraordinárias.
3) Finalmente, a execução do II Plano de Fomento e a necessidade imprescindível de acelerar o nosso desenvolvimento económico conduzirão a maiores despesas extraordinárias.
Do exposto, afigura-se-me concludente a necessidade de um recurso mais intenso ao crédito para financiamento, nos termos constitucionais, da política de fomento. Se ó indiscutível que o recurso ao crédito está condicionado, em sua oportunidade, viabilidade e êxito, por factores de natureza vária e complexa, não deixará de ser útil encarar a sua utilização em maior escala do que se fez em 1957.
Sr. Presidente: a vida portuguesa tem decorrido, nus últimas décadas, em ambiente de relativo equilíbrio. A paz interna, as finanças saneadas, a moeda estável, o crédito acessível, etc., são outros tantos factores desta realidade.
Ora a defesa de tal harmonia recomenda que se evitem a todo o transe certas concentrações. O termo pode ter uma compreensão lata, de molde a abranger aspectos variados, mas que, em última análise, não serão difíceis de enfeixar, se considerarmos as causas que os originam ou as consequências perturbadoras que podem gerar: concentração de rendimentos ou de empresas; excessiva localização industrial; urbanismo e desequilíbrio demográfico; hipertrofia na administração central e intervencionismo exagerado; acumulação de empregos, etc.
O Estado terá todo o interesse em se opor à concentração do capital, até para que não venha a sentir-se prisioneiro de certos grupos. Deve contrariar a excessiva localização industrial e o urbanismo, não só por razões económicas de desequilíbrio regional ou de custo de congestionamento, mas pela conveniência que há em evitar a inquietante presença de cinturas vermelhas.
A hipertrofia da Administração opõe-se a um limito óptimo na capacidade de chefia, ao mesmo tempo que estimula o fraco rendimento do trabalho. Finalmente, o intervencionismo exagerado,, além de gerar atritos entre as administrações, é deseducativo ou até despersonalizante.
Deve, pois, o Governo empregar todos os esforços para contrariar, na medida em que se verifiquem entre nós, estes inconvenientes, o que será altamente benéfico, não só pelas razões económicas, sociais ou políticas expostas, como, de resto, por corresponder, em casos como o das acumulações de lugares, a um legítimo anseio da opinião pública.
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Sr. Presidente: também a análise dos movimentos demográficos em 1957 é imprescindível para uma apreciação do estado do País.
1 O mapa que se segue, extraído das publicações estatísticas oficiais, procura dar uma visão dos movimentos naturais e artificiais da população portuguesa.
[ ver tabela na imagem]
Se quisermos comparar algumas das nossas taxas com as de outros países europeus, poderíamos considerar o seguinte mapa:
[ ver tabela na imagem]
(a) Até Setembro do 1067.
A análise dos números relativos a 1957 (cf. Anuário Demográfico) permite-nos salientar:
a) O excedente de vidas (109 710) ultrapassou o número de óbitos. Para tal resultado contribuiu não só a relativa estabilidade da taxa da natalidade (o número de nados vivos foi de 211494) como a baixa na taxa da mortalidade global;
b) Regista-se com agrado u subida da taxa da nupcialidade. Tal facto poderá indicar melhores condições de vida, constituindo, por outro lado, apoio da taxa de natalidade nos anos próximos.
Aumentou a proporção de casamentos católicos (88,63 por cento) e diminuiu a taxa de casamentos dissolvidos por divórcio (1,13 por cem casamentos celebrados).
A taxa média de cônjuges analfabetos diminuiu de 39,63 por cento, em 1941, para 21,27 por cento, em 1957.
A duração média dos casamentos dissolvidos por morte foi de 30,81 anos e o número médio de filhos nesses casamentos foi de 3,28;
c) A taxa da natalidade foi superior à de 1956, para o que contribuiu a alta de nupcialidade verificada nos anos anteriores a 1957.
No total de partos (217 168), 23 162 foram de filhos ilegítimos.
As taxas de filhos legítimos e ilegítimos, relativamente a 1000 mulheres casadas e a 1000 mulheres não casadas, foram de 116,66 e 13,63;
d) A baixa na taxa de mortalidade permite desejar que se acentue ainda mais, de forma a conseguirmos valores idênticos aos de países afins do nosso.
A taxa de nado-mortalidade confirmou os resultados de 1956: o número de nados mortos voltou a ser inferior a 8000, o valor que se não registava depois de 1920.
A taxa de óbitos por tuberculose voltou a descer, enquanto em 1938 foi de 152,78 por 1.00 000 habitantes, em 1957 foi de 58,38 por 100 000.
A mortalidade infantil e neonatal consta dos seguintes números (taxa por mil nados vivos):
[ ver tabela na imagem]
e) O total dos saldos dos passageiros com o ultramar totalizou, de 1948 a 1957, 106 547, o que representa pouco mais de 10 000 por ano e cerca 10 por cento dos nossos excedentes de vidas.
O mapa que se segue ilustra em movimentos:
[ ver tabela na imagem ]
f) A emigração, voltando a atingir alto valor, contrabalançou, no movimento migratório, a redução no saldo com o ultramar.
Os números que se seguem exprimem a emigração nos últimos dez anos:
[ ver tabela na imagem ]
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Os indicadores transcritos permitem que se insista no seguinte:
1) A melhoria das condições de vida realizada através de modalidades de salários directos e indirectos fomentará ainda mais o acréscimo da taxa de nupcialidade;
2) A estima do espírito religioso, a defesa da moralidade pública, o salário familiar e a desconcentração poderão favorecer a natalidade;
3) A taxa de mortalidade deve baixar ainda mais, o que é possível, se considerarmos, por exemplo, os indicadores da Espanha e da Itália.
A nossa situação é sobretudo desagradável quanto à mortalidade infantil.
Não restam dúvidas de que o Estado deve intensificar a política de saúde e assistência, mormente nos meios rurais, o que permitirá novos êxitos na luta contra a mortalidade infantil;
4) É desagradável que tenha diminuído o saldo anual do movimento da população metropolitana para o ultramar! Devem conjugar-se todos os esforços para
canalizar os nossos excessos demográficos para as províncias de África;
5) Na verdade, a emigração tem contra si, na conjuntura portuguesa, alguns inconvenientes, oportunamente salientados- nesta Câmara. Acresce que ao novo aumento de emigrantes em 1957 se juntou uma acentuada dispersão no seu destino.
O que é fundamental, repetimos, é orientar as nossas gentes para o ultramar.
Sr. Presidente: o equilíbrio demográfico revela-se ainda numa conveniente repartição regional dos portugueses residentes na metrópole.
Ora o êxito deste propósito está condicionado por certa; estruturas em que se apoia.
Quando da discussão do II Plano de Fomento renovou-se a enumeração de algumas destas deficiências e propuseram-se medidas julgadas convenientes para as remediar. Não se trata de reformar por reformar, mas de corresponder a exigências postas pelo equilíbrio e progresso da Nação.
Exemplifico, quanto à agricultura, com os instrumentos jurídicos indispensáveis a uma política de fomento: lei do emparcelamento, lei da colonização, lei do arrendamento da propriedade rústica, regime jurídico relativo a exploração e amortização das obras de rega.
A ideia de renovação, tão presente nas preocupações actuais, não se pode divorciar dos instrumentos em que se apoia a acção dos homens ou à sombra dos quais decorre a sua vida. Tenho esperanças de que não faltarão às tarefas em curso do fomento do País aquelas infra-estruturas sem as quais os resultados do nosso esforço ficarão aquém do desejável. Eis o principal voto que formulo nesta discussão das contas públicas de 1957.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia da de hoje. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco José rasques Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João de Brito e Cunha.
João Maria Porto.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Mana de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Projectos de lei o que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão:
Projecto de lei de alteração da Constituição Política
Artigo 1.º É eliminado o § único do artigo 84.º Art. 2.º O § 3.º do artigo 95,º é substituído pelo seguinte:
§ 3." Os Ministros, Secretários e Subsecretários de Estado podem tomar parte nas sessões dos comissões, e nas sessões em que sejam apreciadas alterações sugeridas pela Câmara Corporativa tomará parte um delegado desta.
Art. 3.º O artigo 96.º é substituído pelo seguinte:
Art. 96.º Os Deputados podem:
1.º Formular, por escrito, perguntas, para esclarecimento da opinião pública, sobre quaisquer actos do Governo ou da Administração;
2.º Independentemente do funcionamento efectivo da Assembleia Nacional, ouvir, consultar ou solicitar informações de qualquer corporação ou estação oficial acerca de assuntos de administração pública; as estações oficiais, porém, não podem responder sem prévia autorização do respectivo Ministro.
§ único. Em ambos os casos previstos nos n.os 1.º e 2.º só é lícito recusar a resposta com fundamento um segredo de Estado.
Art. 4.º São acrescentados ao corpo do artigo 97.º os parágrafos seguintes:
§ 1.º As alterações sugeridas nas conclusões dos pareceres da Câmara Corporativa enviados à Assembleia Nacional serão consideradas propostas de eliminação, substituição ou emenda, conforme os casos, para efeitos de discussão e votação dos projectos
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ou propostas de Lei, independentemente iniciativa.
§ 2.º (O actual § único).
Art. 5.º É adicionada uma nova alínea ao artigo 101.º, com a seguinte redacção:
c) Às condições da formulação das perguntas previstas no n.º 1.º do artigo 96.º
Art. 6.º No § 2.º do artigo 110.º as palavras «Ministro ou Subsecretário de Estado» são substituídos por «Ministro, Secretário ou Subsecretário de Estado».
Art. 7.º O § único do artigo 113.º é substituído pelo seguinte:
§ único. Tratando-se de assuntos de reconhecido interesse nacional, poderá o Presidente do Conselho ou um Ministro ou Secretário de Estado seu delegado comparecer na Assembleia Nacional para deles se ocupar.
O Deputado, Duarte ao Amaral.
Projecto de lei de alteração da Constituição Política
Artigo 1.º O corpo do artigo 85.º e substituído pelo seguinte:
Art. 85.º A Assembleia Nacional é composta de cento e cinquenta deputados, eleitos por sufrágio directo dos cidadãos eleitores, e o seu mandato terá a duração de quatro anos improrrogáveis, salvo o caso de acontecimentos que tornem impossível a realização do acto eleitoral.
Art. 2.º O § 3.º do artigo 89.º é substituído pelo seguinte:
§ 3.º O direito a que se refere a alínea e) subsiste apenas durante o exercício efectivo das funções legislativas e as deliberações a que se referem as alíneas b) e d) serão substituídas, fora do exercício efectivo das funções legislativas, pela autorização ou decisão do presidente.
Art. 3.º O artigo 93.º é substituído pelo seguinte:
Art. 93.º Constitui matéria da exclusiva competência da Assembleia Nacional a aprovação das bases gerais sobre:
a) A organização da defesa nacional;
b) O peso, valor e denominação das moedas principais ;
c) O padrão dos pesos e medidas;
d) A criação dos bancos ou institutos de emissão;
e) A organização dos tribunais;
f) A criação de impostos e taxas;
g) O regime e a organização eleitoral que respeitarem à eleição do Chefe do Estado e dos membros da Assembleia Nacional;
h) A perda e aquisição da nacionalidade portuguesa ;
i) As leis especiais a que se refere o § 2.º do artigo 8.º e aquelas que tratam da providência excepcional do habeas corpus, referida no § 4.º do mesmo artigo;
j) A classificação dos crimes e delitos, bem como os penas que lhes são aplicáveis.
§ único. Fora do funcionamento efectivo da Assembleia Nacional e em caso de urgência e necessidade, pública, poderá o Governo criar impostos e taxas por decreto-lei, sem prejuízo, porém, da respectiva sujeição a ratificação, nos termos do § 3.º do artigo 109.º
Art. 4.º O § 3.º do artigo 95.º é substituído pelo seguinte:
§ 3.º Os Ministros, Secretários e Subsecretários
de Estado podem tomar parte nas sessões das comissões, e nas sessões em que sejam apreciadas alterações sugeridas pela Câmara Corporativa pode tomar parte um delegado desta Câmara; mas será obrigatória a presença de um membro do Governo nas sessões das comissões desde que a maioria dos seus membros o requeira.
Art. 5.º O § único do artigo 113.º é substituído pelo seguinte:
§ único. Tratando-se de assuntos respeitantes a altos interesses nacionais, poderá o Presidente do Conselho ou um membro do Governo seu delegado comparecer na Assembleia Nacional para deles se ocupar, sendo, todavia, obrigatória a presença de um representante do Governo na Assembleia Nacional se um terço dos Deputados em exercício efectivo assim o requerer.
Do requerimento constará obrigatoriamente a matéria sobre a qual a Assembleia Nacional deseja ser ouvida.
O Presidente da Assembleia Nacional enviará o requerimento ao Presidente do Conselho, que decidirá qual o membro do Governo que deverá comparecer na Assembleia Nacional.
No prazo máximo de quinze dias o Presidente do Conselho informará o da Assembleia sobre qual a sessão em que ao Governo se afigura mais conveniente a presença do seu representante, sendo então marcada ordem do dia, que constará da comunicação à Assembleia Nacional que o Governo sobre o assunto entenda fazer.
A intervenção de Ministro, Secretário ou Subsecretário de Estado regular-se-á pelo Regimento da Assembleia, mas se o Governo se fizer representar pelo Presidente do Conselho este não poderá ser interrompido, seja pela Mesa, seja pelos Deputados.
Sobre a comunicação governamental não poderá incidir qualquer votação da Assembleia.
Art. 6.º O n.º 1.º do artigo 150.º é substituído pelo seguinte;
Art. 150.º Os órgãos metropolitanos com atribuições legislativas para o ultramar são:
1.º A Assembleia Nacional, nos assuntos que devam constituir necessariamente matéria de lei segundo o artigo 93.º e ainda nos seguintes:
a) Regime geral do governo das províncias ultramarinas ;
b) Definição da competência do Governo da metrópole e dos governos ultramarinos quanto à área e ao tempo das concessões de terrenos ou outras que envolvam exclusivo ou privilégio especial;
c) Autorização de contratos que não sejam de empréstimo quando exijam caução ou garantias especiais.
Art. 7.º O § 2.º do n.º 3.º do artigo 150.º é substituído pelo seguinte:
§ 2." Todos os diplomas para vigorar nas províncias ultramarinas carecem de conter a menção, aposta pelo Ministro do Ultramar, de que devem
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ser publicados no Boletim Oficial da província ultramarina ou províncias ultramarinas onde hajam de executar-se.
Exceptuam-se os diplomas emanados da Assembleia Nacional, que serão, por direito próprio, obrigatoriamente publicados no Boletim Oficial de todas as províncias ultramarinas.
Art. 8.º E adicionado um § 4.º ao artigo 176.º :
§ 4.º Só podem apresentar propostas ou projectos de revisão constitucional o Governo, a Comissão de Legislação e Redacção da Assembleia Nacional, por intermédio do respectivo presidente ou secretário, e os Deputados, sendo obrigatório, neste último caso, que o projecto seja subscrito, pelo menos, por cinco membros da Assembleia Nacional em exercício efectivo.
Lisboa, 7 de Abril de 1959. - O Deputado, Manuel Jota Archer Homem de Melo.
Projecto de lei de alteração da Constituição Política
Artigo 1.º O n.º 4.º do artigo 109.º da Constituição Política é substituído pelo seguinte:
4.º Superintender no conjunto da administração pública, fazendo executar as leis e resoluções da Assembleia Nacional, fiscalizando superiormente os actos dos corpos administrativos e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e praticando todos os actos respeitantes à nomeação, transferência, exoneração, reforma, aposentação, demissão ou reintegração do funcionalismo civil ou militar.
Art. 2.º Ao artigo 109.º é adicionado o seguinte parágrafo:
§ 7.º Todos os actos de conteúdo essencialmente administrativo, definitivos e executórios, dos órgãos da administração pública são susceptíveis de apreciação contenciosa, nos termos da lei, pelos tribunais competentes.
Art. 3.º O corpo do artigo 123.º é substituído pelo seguinte:
Art. 123.º Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar leis, decretos ou quaisquer outros diplomas feridos de inconstitucionalidade material, por infracção do disposto nesta Constituição ou ofensa dos princípios nela consignados, devendo, para esse efeito, ser apreciada tal inconstitucionalidade pelo. Supremo Tribunal, nos termos da lei.
O Deputado, Afonso Augusto Pinto.
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CÂMARA CORPORATIVA
VII LEGISLATURA
RARECER N.º 9/VII
Projecto de lei n.º 16
Alterações a alguns artigos do Código de Processo Penal
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º 16, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Justiça), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Afonso de Melo Pinto Veloso e Augusto Cancella de Abreu, sob a presidência de S. Ex.a o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade .
1. A matéria do projecto de lei sobre que este parecer recai refere-se às condições do exercício da advocacia no foro criminal e as alterações que nele se sugerem vêm ao encontro do que tem sido reclamado, com uma persistência inabalável, pela Ordem dos Advogados e por cada um dos seus membros desde a publicação do Decreto-Lei n.º 36 387, de l de Julho de 1947.
Bastaria a continuidade dessas reclamações da Ordem, que tem preenchido os seus fins legais com uma nobreza, uma isenção e uma lealdade por todos reconhecidas, para logo se verificar que os preceitos referidos no projecto não satisfazem as necessidades da boa administração da justiça nem asseguram aos advogados a independência e a- liberdade de que 'carecem para poderem útil e dignamente exercer a sua função.
Prescreve-se no artigo 518.º do Estatuto Judiciário que à Ordem compete contribuir para o aperfeiçoamento da legislação, e em especial da concernente às instituições judiciárias e forenses; diz-se no relatório do mesmo estatuto, citando-se Appleton, que o advogado concorre, de uma maneira muito importante, para a administração da justiça.
Exige-se do advogado que possua «uma cultura jurídica susceptível de lhe permitir penetrar nos segredos dos mais intrincados e variados problemas que ao seu patrocínio judiciário e ao seu conselho possam vir a ser submetidos».
Esta formação do advogado e a atribuição daquela competência à Ordem aconselhariam que não se legislasse sobre assuntos respeitantes à profissão de advogado sem audiência da respectiva corporação.
Assim fez sempre o grande legislador que foi Manuel Rodrigues. Depois a tradição perdeu-se; e da circunstância de ela se haver perdido não pode dizer-se que se tenham colhido bons resultados.
Os preceitos considerados no projecto aí estão a ilustrar o asserto: foram precisamente dos promulgados sem que se ouvisse a Ordem, que facilmente haveria mostrado os seus inconvenientes.
O projecto não põe problemas que devam ser tratados com mais extensão na generalidade, e por isso a Câmara passa à apreciação do articulado pela forma seguinte.
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II
Exame na especialidade
2. No artigo 1.º do projecto estabelece-se que «o artigo 411.º do Código de Processo Penal não é aplicável nos advogados no exercício das suas funções, devendo proceder-se quanto a eles, pelas infracções cometidas em audiência, de harmonia com o disposto no artigo 412.º do mesmo diploma».
Visa-se, essencialmente, a interpretação do citado artigo 411.º, em torno do qual recentemente surgiram dúvidas, a que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1958, aliás tirado apenas por maioria, deu uma solução que ao problema atribuiu particular acuidade.
A questão expõe-se assim:
Na primitiva redacção dos artigos 411.º, 412.º e 413.º do Código de Processo Penal, as pessoas que assistissem à audiência sem guardarem o maior acatamento e respeito ou manifestando aprovação ou reprovação por sinais públicos, excitando tumultos ou violências e perturbando, por qualquer outra forma, o seu regular funcionamento, ficariam sujeitas às sanções do artigo 93.º: prisão até três dias, imposta sem outra forma de processo mais que a nota do facto na acta da audiência. Se a falta cometida constituísse crime, seriam autuadas e presas (artigo 411.º).
Nos termos do artigo 412.º, se os advogados ou defensores nas suas alegações ou requerimentos se afastassem do respeito devido ao tribunal ou, manifesta e abusivamente, procurassem protelar ou embaraçar o regular andamento da causa, usassem, de expressões injuriosas, violentas ou agressivas contra a autoridade pública ou quaisquer outras pessoas ou fizessem explanações ou comentários sobre assuntos alheios ao processo e que de modo algum servissem para esclarecê-lo, seriam advertidos com urbanidade pelo presidente do tribunal; se, depois de advertidos, continuassem, poderia ser-lhes retirada a palavra e a defesa ser confiada a outro advogado ou pessoa idónea, sem prejuízo de procedimento criminal e disciplinar, se houvesse lugar a ele.
E, nos termos do artigo 413.º e seu § único, se o réu faltasse ao respeito devido ao tribunal, seria advertido, e, se reincidisse, poderia ser mandado recolher, sob custódia, a qualquer dependência do tribunal ou à cadeia. O tribunal poderia fazê-lo comparecer de novo na sala da audiência para ouvir ler a decisão final ou mandar-lha comunicar à prisão. Se fosse indispensável que o réu voltasse ao tribunal antes da decisão, viria sob custódia. Se a falta cometida pelo réu constituísse infracção penal, ser-lhe-ia levantado o competente auto, nos termos dos artigos 166.º e 169.º
3. Publicado o Decreto-Lei n.º 36 387, manteve-se em absoluto a redacção do artigo 412.º, mas o artigo 411.º ficou com o seguinte texto:
Se for cometida qualquer infracção em audiência, será levantado auto de notícia e ordenada a prisão do infractor.
§ 1.º Se a infracção for punível com pena correccional e o infractor não tiver foro especial, o Ministério Público requererá que se proceda a julgamento sumário do arguido.
§ 2.º O julgamento será feito pelo tribunal perante o qual se cometeu a infracção e imediatamente depois de terminar a audiência em curso.
§ 3.º Só haverá recurso da decisão final nos termos gerais de direito e não se escreverão os depoimentos se o julgamento for efectuado por tribunal colectivo.
Ora, porque neste artigo se alude à prática de qualquer infracção em audiência, daí se concluiu ser ele aplicável também aos advogados, podendo estes, quando acusados do infractores, passar a réus e vir a ser julgados sumariamente pelo tribunal que assim os considerou, imediatamente depois de terminar a audiência em curso.
4. O desprestígio, o risco e o alarme a que este entendimento deu origem escusam de ser realçados.
A vida do advogado é uma vida de combate.
Ser advogado é ter o direito de profligar todos os abusos, de afrontar todas as violências, de denunciar todos os crimes, de defender os oprimidos, os perseguidos e os fracos, de dar apoio aos que dele carecem, de propugnar pelo direito - em cuja existência assenta a própria vida da humanidade; é, afinal, manter aceso o facho da legalidade, sem a qual o Mundo se subverte na mais atroz confusão; é empunhar um gládio e lutar com ele pela ordem jurídica.
Só homens livres podem, por isso, exercer com honra a profissão. E a liberdade é coarctada pelo facto simples - mas trágico - de cada advogado se ver sob a ameaça de passar a réu, ficando à mercê do critério puramente subjectivo dos juizes, às vezes perturbado pelo calor- da discussão da causa, pelo choque das opiniões que nela se defrontam, pela própria paixão inerente à defesa do que se julga ser o direito.
Um advogado colocado no temor de sanções drásticas como as que o artigo 411.º impõe fica totalmente diminuído para exercer a profissão; ou se acomoda, aceita o que se lha afigura injusto, renuncia a conduzir a luta viril, e por vezes heróica, que é o patrocínio de uma causa, e então não é digno da honra de ser advogado; ou corre todos os riscos e coloca-se na situação «chocante» (para empregarmos as expressões do conselheiro Eduardo Coimbra no voto de vencido com que subscreveu o já referido Acórdão do Supremo Tribunal de. Justiça de 5 de Novembro de 1958) «de poder ser forçado a descer, acto contínuo, da sua bancada para o banco dos réus», a pretexto de que se desmandou na defesa.
Daí que muitos fujam dos tribunais criminais para não ficarem reduzidos à situação de espectadores acomodatícios e pacíficos de verdadeiros dramas judiciários.
O panorama é perturbador.
5. Decerto não está no propósito de ninguém (e já o escreveu o actual presidente da Ordem) «sustentar o direito de qualquer advogado ofender um tribunal ou os juizes que o componham»;.mas, para evitar que isso aconteça ou para impor sanções aos que lamentavelmente o façam, não há necessidade de aplicar o artigo 411.º, visto que para esse efeito existe uma disposição própria, que é o artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Este problema, aliás, já fora considerado, discutido e resolvido antes da publicação do Decreto-Lei n.º 36 387.
Efectivamente, na vigência, dos anteriores artigos 411.º, 412.º e 413.º do Código de Processo Penal, discutira-se se ao advogado podiam ser aplicadas as sanções do artigo 411.º quando perturbasse o regular funcionamento da audiência; e o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 11 de Novembro de 1930, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, vol. 64, p. 13, pronunciara-se sem hesitações pela negativa, com o fundamento exactíssimo de que o legislador quisera «sujeitar os advogados a uma disposição especial», que é a do artigo 412.º
Em anotação a este acórdão, a Revista (decerto pela pena do Prof. Beleza dos Santos, autor do código, que
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viria a defender a mesma opinião em artigo doutrinário, a p. 49 do referido volume) escreveu que:
... a regra do artigo 411.º é uma disposição especial para a audiência de julgamento, mas que se aplica, em geral, às pessoas que a ela assistirem.
No artigo 412.º, porém, o código tem uma regra especial para os advogados ou defensores, que lhes proíbe certos actos e atitudes: isto é, que em suas alegações e requerimentos se afastem do respeito devido ao tribunal ou, manifesta e abusivamente, procurem protelar ou embaraçar o regular andamento da causa ou usar de expressões violentas ou agressivas contra a autoridade pública ou quaisquer outras pessoas ou fazer explanações e comentários sobre assuntos alheios ao processo e que de modo algum sirvam para esclarecê-lo.
Se o advogado ou defensor ofende esta norma proibitiva, o presidente do tribunal primeiro adverti-lo-á, e se depois de advertido continuar, poderá retirar-lhe a palavra e confiar a outrem a defesa, sem prejuízo de procedimento criminal ou disciplinar, se houver lugar a ele (artigo 412.º).
E manifesto que o código distinguiu entre actos de perturbação de ordem ou desrespeito ao tribunal praticados na audiência do julgamento por qualquer pessoa que a ela assista e os que forem cometidos pelo advogado ou defensor oficioso no exercício das suas funções.
E ao passo que para os primeiros o juiz dispõe dos poderes do artigo 93.º, para os segundos só pode usar dos que lhe são cometidos pelo artigo 412.º, enquanto o advogado ou defensor estiverem no exercício das suas funções.
For forma idêntica se pronunciou a Revista dos Tribunais (vol. 48, p. 164):
Mesmo que o artigo 411.º não se interprete como restrito aos assistentes propriamente ditos, ele não pode abranger os advogados que intervenham no julgamento.
E que, quanto aos advogados, há uma disposição especial - o artigo 412.º - que prevalece sobre o preceito genérico do artigo anterior, com o qual não pode conciliar-se. Demais, o artigo 65.º, n.º 1.º, do estatuto estabelece a distinção entre o advogado e outros assistentes, distinção essa que já vinha da Novíssima Reforma Judiciária, artigos 1089.º, 1143.º e 1253.º, § único.
Só depois de advertidos com urbanidade e de continuarem a praticar qualquer das faltas enumeradas no artigo 412.º é que aos advogados pode ser retirada a palavra, confiando o juiz a defesa a outro advogado ou pessoa idónea.
A lei inspirou-se na ideia de não deixar o réu sem patrocínio; por isso mesmo o defensor não pode, sob pretexto algum, abandonar a defesa - artigo 27.º Ora, se o artigo 411.º fosse aplicável aos advogados, se eles pudessem ser presos enquanto não lhes fosse retirada a palavra, o réu ficaria sem- defesa, o que a lei não consente.
For outro lado, o juiz não se encontra desarmado perante o advogado contumaz: tem a faculdade de lhe retirar a palavra e, se o advogado permanecer na sala do tribunal e continuar a exceder-se, então, como simples assistente que é, está inteiramente sob a alçada do artigo 411.º
Antes de ser retirada a palavra ao advogado a sujeição deste ao artigo 411.º seria tão absurda como a aplicação desse preceito ao réu, para o qual existe a disposição, também especial, do artigo 413.º
E esta era ainda a lição dos comentadores, conselheiros José Mourisca e Luís Osório, respectivamente no Código de Processo Penal Anotado, vol. 2.º, p. 7, e vol. 3.º, pp. 256 e seguintes, e no Comentário ao Código de Processo Penal Português, vol. 2.º, p. 155, e vol. 5.º, p. 57. O primeiro, com a maior clareza e concisão, explicava bem que aos advogados e defensores que na causa estavam exercendo as suas funções se aplicava o artigo 412.º; o artigo 411.º aplicava-se aos espectadores, e o artigo 413.º ao réu.
6. O autor do Decreto-Lei n.º 36 387 não podia ignorar nem a jurisprudência nem a doutrina que ficam referidas, e tão-pouco podia ter querido sujeitar os advogados à situação vexatória de os fazer cair na alçada do artigo 411.º
E, por isso, quando, para dar maior eficácia à polícia da audiência, se alterou este artigo, deixou-se intacta a disposição do artigo 412.º -único preceito, como já vimos, aplicável aos advogados.
A amplitude da redacção do artigo 411.º deu, porém, lugar a critérios de interpretação perigosos, como o que fez vencimento no aludido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1958.
Daí merecer o mais franco aplauso da Câmara Corporativa uma medida legislativa que restabeleça o equilíbrio das soluções legais, como a preconizada no artigo 1.º do projecto em apreciação.
7. Sucede, no entanto, que o artigo 5.º do Decreto n.º 16 489, de 15 de Fevereiro de 1929, que aprovou o Código de Processo Penal, estabelece que todas as modificações que de futuro se fizerem sobre matéria nele contida serão mandadas inserir no próprio código pelo Ministro da Justiça.
Esta circunstância e a de ser tecnicamente mais perfeito o sistema de incluir no código as disposições que esclareçam a interpretação e o alcance de qualquer dos seus artigos aconselham que se procure atingir a finalidade visada pelo artigo 1.º do projecto, não com a promulgação de um diploma avulso, mas com uma disposição que complete o preceito que suscita dúvidas.
E, por isso, a Câmara Corporativa é de parecer que a matéria do artigo 1.º do projecto deve ser incluída no artigo 411.º do Código de Processo Penal, acrescentando-se a este o seguinte:
§ 4." Se a infracção for cometida por advogado no exercício das suas funções, não se aplicará o disposto neste artigo e observar-se-ão os termos prescritos no artigo 412.º
Foi este, aliás, o método seguido pelo próprio legislador que elaborou o Decreto-Lei n.º 36 387: para tornar aplicável também nos réus a disposição do artigo 411.º do Código de Processo Penal, aditou ao artigo 413.º ura § único, com a seguinte redacção:
Se a falta cometida pelo réu constituir infracção penal, observar-se-ão os termos prescritos no artigo 411.º
No artigo 412.º é que não1 introduziu igual aditamento, o que bem mostra não ter querido que o artigo 411.º se aplicasse aos advogados.
Com o texto que se sugere para um § 4.º do artigo 411.º atinge-se a louvável finalidade do projecto e põe-se termo à inquietante situação atrás descrita.
8. No artigo 2.º do projecto propõe-se nova redacção para os artigos 435.º e 458.º do Código de Processo Penal.
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O primeiro refere-se à inquirição de testemunhas em audiência de julgamento; o segundo, à transcrição na acta da audiência dos requerimentos e protestos verbais.
Já o Instituto da Conferência da Ordem dos Advogados, após larga e proficiente discussão, entendeu que devia insistir-se junto do Sr. Ministro da Justiça para que fosse deferida a exposição anteriormente feita pelo conselho geral da Ordem no sentido do reconhecimento dos direitos de interrogar directamente as testemunhas e de requerer sem peias, nomeadamente com o regresso ao sistema anterior ao Decreto-Lei n.º 36 387 (Revista da Ordem dos Advogados, vol. 18.º, p. 423).
E essa, precisamente, a finalidade do artigo 2.º ao projecto.
De modo geral, pretende-se - e bem - o regresso ao regime vigente antes da publicação do citado Decreto-Lei n.º 36 387.
9. O primitivo texto do artigo 435.º dispunha:
As testemunhas serão perguntadas, sobre os factos que tiverem sido alegados, pelo representante da acusação ou da defesa que as tiver produzido e, finda ela, poderão os representantes da parte contrária, o presidente do tribunal e os jurados ou juizes que compuserem o tribunal fazer-lhes as perguntas que entenderem necessárias para o esclarecimento da verdade.
§ 1.º Se, para esclarecimento da verdade, se mostrar necessário interrogar qualquer testemunha sobre um facto novo, não alegado, poderá ser perguntada sobre ele, se o presidente do tribunal o autorizar.
§ 2.º Quando acusarem conjuntamente o Ministério Público e a parte acusadora, qualquer deles pode fazer às testemunhas que não tiver oferecido, depois de inquiridas, as perguntas que entender necessárias para o esclarecimento da verdade.
O texto actual estabelece:
As testemunhas serão perguntadas sobre os factos que tiverem sido alegados pelos representantes da acusação e da defesa que as tiverem produzido, podendo o presidente e os juizes que compuserem o tribunal fazer-lhes as perguntas que entenderem necessárias para o esclarecimento da verdade.
§ 1.º Se, para o esclarecimento da verdade, se mostrar necessário interrogar qualquer testemunha sobre um facto novo não alegado, poderá ser perguntada sobre ele se o presidente do tribunal o autorizar.
§ 2.º Os representantes da parte contrária à que tiver produzido a testemunha poderão solicitar ao presidente do tribunal que faça a esta as perguntas necessárias ao esclarecimento da verdade. O presidente do tribunal pode autorizá-los a fazer essas perguntas directamente.
A diferença fundamental é esta: ao passo que as instâncias às testemunhas, antes da reforma, eram feitas directamente pelo Ministério Público ou pelo advogado da parte contra quem tinham sido produzidas, estes só têm hoje a faculdade de rogar ao juiz que peça esclarecimentos a essas testemunhas.
A instância directa, que era uma prerrogativa, passou a ser mera concessão.
O sistema é francamente mau.
A prova testemunhal é um dos mais importantes elementos de informação judiciária. As testemunhas, disso Bentham, são os olhos e os ouvidos da justiça.
Todavia, este meio de prova é porventura o mais perigoso e falível de todos que a lei regula.
Aceita-se como um mal necessário, mas não há quem não aponte os seus defeitos, os seus riscos, a sua insegurança.
A melhor defesa contra o depoimento falso, tendencioso, apaixonado, deformador da verdade, é ainda a instância da testemunha, destinada a esclarecer ou completar os afirmações por ela produzidas. Mas a instância, para ser útil, tem de ser directa.
Por isso, já o artigo 1057.º da Novíssima Reforma Judiciária permitia que findos os depoimentos «assim o juiz, como as partes, ou seus procuradores», podiam «directamente fazer» às testemunhas «todas as perguntas que julgarem necessárias para o descobrimento da verdade»; e o mesmo se determinava no artigo 435.º do Código de Processo Penal, redacção primitiva.
O direito de instar as testemunhas estava, portanto, nus tradições do foro português; e, exercendo-o, os advogados puderam, muitas vezes, pulverizar uma prova preparada, restabelecer a verdade, contribuir para a boa administração da justiça, que lhes cumpre auxiliar, segundo o comando legal (artigo 518.º do Estatuto Judiciário).
Subitamente, porém, a situação modificou-se radicalmente; e a instância só por graça dos juizes ficou a ser feita pelos próprios advogados, a quem se concedeu a mera faculdade de pedir ao presidente do tribunal que faça às testemunhas as perguntas necessárias ao esclarecimento da verdade.
Desta forma, conseguiu-se simultaneamente tirar aos advogados uma prerrogativa e tornar mais arriscada ainda a administração da justiça com base na prova testemunhal.
A presente- situação não é plausível e não deve manter-se.
Quem já lidou nos tribunais sabe que ninguém como o advogado está integrado nas questões em que intervém, para poder fazer os instâncias, de que tantas vezes resulta o apuramento da verdade.
É mister, por isso, que ao advogado se restitua o direito de instar directamente, para que ele não fique reduzido quase ao papel de espectador, que nenhum profissional digno pode aceitar.
Além disso, para o próprio iluminar dos factos, o regime vigente é altamente desvantajoso, pois, como se acentua num relatório apresentado ao Instituto da Conferência da Ordem dos Advogados pelo Dr. Angelo de Almeida Ribeiro:
... a pergunta feita por intermédio do presidente perde imediatamente 50 por cento da oportunidade: decorrem segundos preciosos que a testemunha, porventura depondo sem isenção ou com menos verdade, aproveita para se entrincheirar na
paixão com que depõe ou na mentira que engendra, elemento surpresa esvai-se. O brilho do interrogatório hábil desaparece.
Por vezes, o presidente não apreende o sentido ou alcance da pergunta, até porque não está informado de qualquer circunstância que invalide o depoimento da testemunha.
E outras vezes - pior ainda - diz que tal pergunta não interessa, que nada adianta ao esclarecimento da verdade ou, pura e simplesmente, que já está esclarecido ou já tem a sua ideia feita. (Revista da Ordem dos Advogados, vol. 18.º, p. 225).
10. A redacção .proposta no artigo 2.º. do projecto para o artigo 435.º do Código de Processo Penal reproduz quase em absoluto o texto inicial, melhorando-lhe a forma, que na verdade não era feliz.
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Todavia, convém precisar em que altura podem ser formuladas as perguntas necessárias para o esclarecimento da verdade, pelos representantes da parte contrária, pelo presidente e pelos juizes que compuserem o tribunal.
Assim evitar-se-ão dúvidas a tal respeito e impedir-se-á que decorra desordenadamente a produção da prova testemunhal.
Sugere-se, por isso, o seguinte texto:
Art. 435.º As testemunhas serão perguntadas pelos representantes da acusação e da defesa que as houverem produzido sobre os factos que tiverem alegado, e, findo o interrogatório, poderão os representantes da parte contrária, o presidente e os juizes que compuserem o tribunal fazer-lhes as perguntas que entenderem necessárias para o esclarecimento da verdade.
§ 1.º (O do projecto, sem alteração).
Quanto ao § 2.º, como pelo Decreto-Lei n.º 35 007, de 13 de Outubro de 1945, deixou de haver parte acusadora, passando os ofendidos e outras entidades a poder intervir no processo apenas como auxiliares do Ministério Público e na qualidade de assistentes, a Câmara entende que deve ficar assim redigido:
§ 2.º Quando acusarem conjuntamente o Ministério Público e assistentes, qualquer dos respectivos representantes poderá fazer às testemunhas que não tiver oferecido, depois de inquiridas, as perguntas necessárias ao esclarecimento da verdade.
11. Resta considerar o que se projecta em relação ao artigo 458.º
Dizia o texto anterior:
Todos os requerimentos ou protestos verbais constarão da acta da audiência, mas serão feitos directamente ao presidente do tribunal, que poderá ordenar que a transcrição na acta se faça somente depois da sentença, se entender que se tem por fim protelar o andamento da causa.
Diz o texto vigente:
Todos os requerimentos ou protestos verbais serão dirigidos ao presidente do tribunal, que os fará referir sumariamente na acta, bem como a decisão adoptada.
Retorna-se, pelo projecto, ao sistema de fazer inserir na acta da audiência todos os requerimentos e protestos verbais, em vez de nela se lhes fazer apenas uma referência sumária, confiando-se a respectiva redacção ao presidente do tribunal.
E manifesto que não pode pôr-se em dúvida a competência deste para se desempenhar de tal encargo. Os méritos e as virtudes da nobre magistratura portuguesa podem ser louvados sem hesitações.
Mas, de um lado, requerer e protestar compete aos advogados, e não aos juizes, cuja função é decidir; de outro, é sempre desagradável, e quase sempre inconveniente, confiar a outrem a tradução dos nossos próprios pensamentos e expressões; e, finalmente:
... se, com os requerimentos, muitas vezes o julgador não apreende inteiramente aquilo que o advogado pretende, e por isso a redacção do resumo ressente-se disso, pior se passará com os protestos, até porque os mesmos são feitos, e apresentados, em condições de alta tensão nervosa, para quem os
faz e para quem tem de os aceitar. Um juiz, alvejado num protesto, precisa de ser quase extra-humano pára resumir com perfeito equilíbrio palavras que são dirigidas, as mais das vezes, contra ele próprio.
O contrário aconteceria se fosse o advogado a efectuar o protesto, ditando-o integralmente para a acta. A própria decisão sobre ele ganha em serenidade, pois o juiz tem tempo de ler o protesto, depois de o ter ouvido proferir, amarra o advogado à responsabilidade das razões invocadas ou expressões empregadas e despacha calmamente, como se fora um vulgar requerimento que lhe vai concluso ao gabinete. (Dr. Almeida Ribeiro, relatório citado na Revista da Ordem dos Advogados, vol. 18.º, p. 227).
Por todas estas razões, a Câmara Corporativa adere ao texto proposto.
III
Conclusões
12. A Câmara Corporativa entende que o projecto de lei n.º 16 merece aprovação, mas ao texto desse projecto prefere estoutro:
Artigo 1.º É aditado ao artigo 411.º do Código de Processo Penal o seguinte:
§ 4.º Se a infracção for cometida por advogado no exercício das suas funções, não se aplicará o disposto neste artigo e observar-se-ão os termos prescritos no artigo 412.º
Art. 2.º Os artigos 435.º e 458.º do Código de Processo Penal passam a ter a seguinte redacção:
Art. 435.º As testemunhas serão perguntadas pelos representantes da acusação e da defesa que as houverem produzido sobre os factos que tiverem
alegado, e, findo o interrogatório, poderão os representantes da parte contrária, o presidente, e os juizes que compuserem o tribunal fazer-lhes as perguntas que entenderem necessárias para o esclarecimento da verdade.
§ 1.º Se, para o esclarecimento da verdade, se mostrar necessário interrogar qualquer testemunha sobre um facto novo, não alegado, poderá ser perguntada sobre ele, se o presidente do tribunal o autorizar.
§ 2.º Quando acusarem conjuntamente o Ministério Público e assistentes, qualquer dos respectivos representantes poderá fazer às testemunhas que não tiver oferecido, depois de inquiridas, as perguntas necessárias ao esclarecimento da verdade.
Art. 458.º Todos os requerimentos ou protestos verbais constarão da acta da ausência, podendo o presidente do tribunal ordenar que a transcrição na acta se faça somente depois da sentença, da entender que se tem por fim protelar o andamento da causa.
Palácio de S. Bento, l de Abril de 1959.
João Mota Pereira de Campos.
José Augusto Voz Pinto.
José Gabriel Pinto Coelho.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Augusto Cancella de Abreu.
Adelino da Palma Carlos, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA