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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 91

ANO DE 1959 9 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO IN.º 91, EM 8 DE ABRIL.

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
José Venâncio Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.

Antas da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 90.
A Câmara, sob proposta do Sr. Presidente, aprovou um voto do pesar pelo falecimento da mãe do Sr. Deputado André Navarro.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Urgel Horta, acerca da localização das instalações da Siderurgia Nacional; Peres Claro, sobre a criação de uma região de turismo no Alto Alentejo; José Sarmento, para se congratular com uma decisão do Conselho Corporativo acerca do Instituto do Vinho do Porto, e Paulo Cancella de Abreu, para se referir à vida e obra do Prof. Barbosa de Magalhães, recentemente falecido.
Foram recebidos na Mesa projectos de alteração à Constituição Política, subscritos pelos Srs. Deputados Carlos Moreira e outros Srs. Deputados, Américo Cortês Pinto e outros Srs. Deputados, Adriano Duarte Silva e Augusto Cerqueira Gomes.
Estes quatro projectos de lei vão ser enviados imediamente à Câmara Corporativa e às Comissões de Legislação e Redacção e de Política e Administração Geral e Local da Assembleia.

Ordem dó dia. - Continuou a apreciação dag Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público referentes a 1957. Usou da palavra o Sr. Deputado Sebastião Ramires. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: -Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados: .

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Finto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Gaiteiros Lopes.
António Carlos doa Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda. '
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.

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Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 92 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:-Está era reclamação o Diário tias Sessões n.º 90.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja, fazer qualquer reclamação sobre o referido Diário, considero-o aprovado.
No dia 4 do corrente mês faleceu a mãe do Sr. Deputado André Navarro. Creio interpretar os sentimentos da Assembleia exprimindo ao nosso ilustre colega o pesar desta Câmara.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Urgel Horta.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: a importância e o interesse por mim manifestados na Assembleia Nacional sobre o estabelecimento da indústria siderúrgica, fixado pelo alvará n.º 13, concedido nos termos da base VII da Lei n.º 2052, de 11 de Março de 1952, ficaram claramente demonstrados através de uma série de intervenções que realizei sobre matéria de tanta projecção na vida social e económica do Pais.
Dedicando ao estado do problema siderúrgico nacional uma particular atenção, recorri a publicações estrangeiras e nacionais que se ocupavam da indústria do aço; consultei relatórios elaborados sobre assunto de tão magna importância por técnicos, economistas e engenheiros de reconhecida competência de diversas origens ; ouvi grandes autoridades sobre a matéria, e, assim, pude orientar o meu espirito, fundamentar o meu juízo, que me levou a formar opinião sobre assunto de tão grande relevância.
Dentro da mais completa independência, liberto de qualquer influência estranha e afastado de qualquer interesse pessoal, bati-me corajosamente nesta bancada em defesa da instalação em Portugal de uma grande oficina de siderurgia dentro de determinado condicionalismo, que, então como hoje, julgo ser o que maior soma de garantias ofereceria à defesa do verdadeiro interesso nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-E não fui único nesta Casa a sustentar esta defesa, sendo de inteira justiça recordar alguns Deputados que, não fazendo presentemente parte desta Camará, comigo sustentaram decididamente esse combate, o que muito me apraz lembrar, saudando-os enternecidamente: o professor Daniel Barbosa e o Dr. Manuel Vaz, que em brilhantes intervenções trataram o problema nos seus mais variados aspectos, dando-lhe contributo valioso para a sua mais proveitosa efectivação dentro de conceitos que todos perfilhávamos. E cometeria falta imperdoável e grave se, por razão igual, não envolvesse na mesma homenagem- o antigo Ministro, ilustre e respeitável homem público, Dr.- Águedo de Oliveira e o engenheiro Camilo de Mendonça, inteligência robusta ao serviço da Nação, um e outro dignos da maior admiração e respeito em todos os meios.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: continuo vendo o problema com a mesma objectividade afirmada nas intervenções realizadas, que o Diário das Sessões encerra. E através do prisma que sempre orientou as considera-

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coes produzidas permito-me abordá-lo hoje novamente, embora saiba que as minhas palavras nada valem ou nada representam em face dos realizadores de empreendimento de tanta grandeza, cujo esquema técnico definidor da indústria de siderurgia se encontra presentemente bem distanciado do esquema contido no despacho ministerial de 15 de Setembro de 1956.
Desta bancada e como Deputado da Nação pedi, em variadas ocasiões, como imperativo da opinião pública, esclarecimentos que não tinham outra finalidade que não fosse afastar dúvidas e justificar decisões, criando no espirito da grei o ambiente de simpatia e confiança favorável, mas preciso, indispensável à realização de um plano de tão altas, consequências para a vida da Nação. E os esclarecimentos pedidos por quem possuía credenciais para o fazer, visto tratar-se de problema de verdadeiro interesse nacional, nunca chegaram, como se esse pedido envolvesse desígnios prejudiciais ou contrários à causa em debate. Está o assunto arrumado em determinados aspectos. Bem ou mal, o tempo se encarregará de o demonstrar. Mas o meu desejo e os meus votos, repassados da maior sinceridade e do melhor empenho, vão para que a Siderurgia Nacional triunfe e ganhe direitos, motivos e razões para se tornar admirada e louvada por todos os portugueses, na soma dos benefícios proporcionados ao progresso e à melhoria da vida económica da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: foi com o mais vivo interesse que através da imprensa tomei conhecimento de um estudo profundo, assim o classificam os comunicados, indicativo do caminho que estavam seguindo os trabalhos respeitantes à instalação da Siderurgia Nacional. E posto existirem no meu espirito muitas dúvidas, dúvidas filhas dos acontecimentos, regozijo-me com certas expressões contidas nessa comunicação, muito especialmente com aquelas que se apresentam com cunho de verdadeira fé e confiança no futuro do maior dos empreendimentos industriais a caminho da realização neste país.
Tive assim oportunidade de ficar a conhecer determinados factos até ali ignorados e a justificação dos mesmos, que só neste momento se tornaram públicos. Evidentemente que tudo quanto se passa à volta da Siderurgia Nacional interessa ao Pais conhecê-lo, visto o valor de que se reveste a importação do ferro e do aço indispensáveis nas nossas indústrias, cujo consumo em futuro próximo - e permita Deus que seja breve - virá a ser satisfeito, numa grande parcela, pela Siderurgia Nacional, o que representará uma notável melhoria na nossa balança de pagamentos, beneficiando-nos extraordinariamente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente e Srs. Deputados: a Siderurgia Nacional, S. A. R. L., entendeu que só agora poderia tornar inteiramente conhecidas as razões que a levaram a tornar efectiva a escolha do Seixal para localização da unidade fabril destinada a indústria do ferro e do aço. E ao justificar os motivos a que obedeceu essa escolha não se esquece de afirmar - e fá-lo através de caracteres bem visíveis no comunicado respeitante à sua assembleia geral - que no Comité de Siderurgia da Organização Europeia de Cooperação Económica teve o melhor acolhimento o Seixal por parte dos técnicos dos diversos países da organização que compõem aquele Comité.
Nada nos custa a acreditar que assim sucedesse, mas não atinamos, sinceramente o confessamos, com as razões que pudessem levar esse Comité a discordar dessa
localização ou doutra, visto que nenhum prejuízo lhe adviria dessa escolha ou de qualquer outra, com boa justificação. Estamos absolutamente seguros de que esse voto de jubilosa aprovação nada mais significa quo uma manifestação de cortesia pela Siderurgia Nacional, manifestação que seria a mesma ou igual se a escolha recaísse no Norte do País, como durante muito tempo se pensou e dentro de fortes razões.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:-Para nós, Portugueses, o facto de ser aqui ou ser ali, à vista de Lisboa ou distanciada dela algumas centenas de quilómetros, muitos quilómetros, é que se reveste de uma importância digna de melhor atenção, pois o produto acabado - o ferro e o aço - sofrerá alterações de preço dentro de circunstancias e factores referenciados ao lugar onde se situe a Siderurgia Nacional e se encontrem ou existam as matérias indispensáveis à sua laboração.
Ora até hoje- nada se conhece do preço do metal que a Siderurgia Nacional oferecerá no mercado, ponto que adquire alta importância para as indústrias e para o País. O conhecimento desse valor - preço de custo - deveria a empresa, após estudos convenientemente efectuados -e não lhe faltou tempo para os realizar-, torná-lo público, demonstrando através desse preço de custo as vantagens obtidas pela Nação com a montagem da grande oficina siderúrgica a que se está procedendo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A sua localização tem marcada influência no valor dado à unidade de ferro e aço, e esse valor - o seu preço - é que importa. O resto não passa de jogo de retórica ou imagem literária de pura ficção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Demais, as razões justificativas apresentadas são, em parte, algumas das que foram apresentadas como defesa da montagem no Norte do País, visto caberem a qualquer localização; e as que mais valem são as que acusam valor especifico e que não podem ser destruídas.
Do comunicado que a imprensa publicou sobre a assembleia geral da Siderurgia Nacional, S. A. R. L., respigo o seguinte:

A localização do Seixal oferece tudo isto, pois as matérias-primas utilizadas em maior percentagem provêm ou de vários pontos da região que circunda a fábrica ou chegam, por via marítima, do Norte do Pais e do estrangeiro, talvez das províncias ultramarinas.

E pergunto eu, depois do que V. Exa. Sr. Presidente, e Srs. Deputados acabam de ouvir: onde se encontram essas matérias-primas que circundam a região onde está a construir-se a fábrica?
Não tentemos deturpar os factos. São as cinzas de pirites ou os minérios existentes no Sul do País suficientemente bastantes para manter a indústria do ferro no nível que é indispensável?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quero aqui lembrar verdades que não oferecem desmentido, quando se afirma que aproximadamente 90 por cento das reservas de ferro existentes no nosso país se encontram nos jazigos situados em Roboredo e Cabeço da Mua, no concelho de Moncorvo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: -O restante partilha-se por Vila Cova, Guadramil, Cercal, Orada e pouco mais, constituídos aqueles por magnetites e estes por hematites e limo-nites. Mas há um facto que urge registar: novos jazigos de magnetites foram descobertos em diferentes zonas do Marão, calculados em 31 000 000t, embora não tão ricas como as dos jazigos de Vila Cova, mas notável reserva que confere ao Norte do Pais incomparável vantagem sobre o Sul na sua riqueza em minérios de ferro.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-E este facto não envolve fantasia, estando a atestá-lo como resultado das suas explorações o professor da Universidade de Coimbra Dr. Cutelo Neiva, notável geologista, mestre na matéria.
Sendo o minério de ferro a fonte abastecedora indispensável da siderurgia e situando-se os seus jazigos a uma distancia aproximada de 500 km da grande oficina em construção no Seixal, como se explica a escolha feita?
Nada pesam ou nada representam economicamente os transportes maciços a efectuar de tão longas distancias?
Assim parece ser, pois, por via marítima ou terrestre, do Norte, do estrangeiro e das províncias ultramarinas virá tudo quanto seja indispensável à siderurgia e para tal oferece as maiores garantias a escolha do Seixal. E essas andanças de materiais não irão alterar o preço do produto acabado, da unidade do ferro, tornando-o insuportavelmente caro ?
Mas se esses motivos não bastam -proximidade da zona do abastecimento de minérios-, porque se esqueceu a proximidade das fontes de energia eléctrica, o subdesenvolvimento das regiões do Norte, o baixo custo da mão-de-obra naquelas zonas, a protecção devida ao Nordeste transmontano, tão cheio de riquezas ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: -... :agora a explorar, e tão esquecido nas necessidades da sua população pacifica e sofredora, e outros factores, como sejam até as recomendações feitas pela N.A. T. O., dentro dos princípios estabelecidos pela defesa civil do território?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E ainda a situação criada à capital do País, à sua população, pela instalação de uma indústria que pode gerar grandes motivos de inquietação, sérios inconvenientes, malefícios e prejuízos contrários à sua salubridade?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Nada faltava no Norte para ali justificar a instalação da Siderurgia Nacional, facto que indubitavelmente traria as maiores vantagens, favorecendo os preços de venda. E a O. E. C. E. não negaria a sua concordância, por parte dos seus técnicos, a implantação do grande empreendimento em terras distantes de Lisboa oferecendo condições naturais e facilidades de toda a ordem para a execução do esquema, que tantas modificações tem sofrido.
Mas, Sr. Presidente, o facto está consumado e há que aceitá-lo como se apresenta. O que se torna necessário nas circunstâncias que se nos oferecem é o aproveitamento de tudo que represente valor e possa influir marcadamente sobre o custo da matéria acabada. Há rubricas, como a da importação do coque, cuja constância terá de prevalecer através dos tempos, se a criação do novas energias não vier modificá-la. A outras rubricas é indispensável ligar uma atenção especial, de forma a evitar despesas supérfluas, gravames escusados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: é Moncorvo o nosso grande centro mineiro, como todos sabem, um dos mais ricos da Europa; e nada a seu respeito e ao seu futuro nos diz agora a Siderurgia Nacional, o que se torna motivo de justificada inquietação para aqueles a quem só o interesse público preocupa.
Há que dar destino aos seus minérios, dentro da riqueza e do valor que eles representam.
Honestamente podemos classificar esses minérios em dois grandes grupos: ricos e pobres, estes com uma quantidade de sílica que pode atingir os 20 por cento ou até mais e aqueles com uma percentagem inferior a 10 por cento.
Os mais ricos têm o seu lugar marcado dentro dos leitos de fusão estabelecidos ou a estabelecer para serem utilizados nos altos fornos a coque levantados no Seixal e que funcionarão graças a importação maciça de carvões coquetizáveis, de alto preço, que colocam a indústria numa subalternidade que pode conduzir-nos a situações bastante delicadas.
Os minérios pobres, com grande percentagem de sílica, poderão e deverão ser aproveitados pelos fornos Krupp Renn ou eléctricos, em que tantas vezes se tem falado, com as vantagens inerentes a este processo, que em determinado esquema foi aprovado por despacho ministerial, localizando-os junto dos jazigos de Moncorvo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Nada nos é revelado através do estudo profundo já realizado. O Pais, que se mostra bem atento ao desenvolver de empreendimento de tão alto interesse público, espera - e assiste-lhe esse direito - que o esclareçam sobre matéria de tanta magnitude.
Sr. Presidente: num dos capítulos da comunicação feita à imprensa pela Siderurgia Nacional, S. A. R. L., alude-se a matérias-primas vindas de variadas proveniências, e talvez das províncias ultramarinas,, como lá se diz, levando-nos este facto a pôr nova interrogação.
O que pensa a Siderurgia Nacional sobre as hematites da nossa província de Angola, onde no monte Saia existem grandes jazigos, cuja exploração actual atinge um número superior a 100000 t?
Todos estes esclarecimentos são bem necessários, visto representar o empreendimento siderúrgico um valor global extraordinariamente volumoso, demonstrativo de um notável esforço financeiro que há necessidade de cercar de todas as cautelas, para assim a Nação colher aquela soma de benefícios inerentes aos sacrifícios exigidos numa obra de tão grande alcance social e económico.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: é em verdade cheia de dificuldades e de responsabilidades a empresa a que a Siderurgia Nacional meteu ombros, e só dentro de um esforço comum, em clima, de confiança e da melhor compreensão, poderão resolver-se as dificuldades que vão surgindo. Um empreendimento de tanta grandeza, dispondo de vastos recursos, orçamentado na sua realização em cifras que devem atingir 3 milhões de contos, apoiado financeiramente pelo Estado, que lhe concedeu o aval de 800 000 contos, tem de ser concebido e realizado com olhos postos no interesse da comunidade, verdadeiro interesse de todos nós.

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Se tecnicamente soubermos vencer os obstáculos que possam surgir, não perdendo tempo, eliminando tudo quanto represento desperdício ou inferioridade técnica, combatendo erros e vícios, que se pagam caros, aproveitando com conta e medida os recursos que abundantemente possuímos, não desprezando factores de natureza económica e superiorizando-nos a todos os interesses particulares, a grande batalha da Siderurgia Nacional será ganha e as consequências dessa vitória far-se-ão sentir em profundidade e extensão na melhoria de condições de vida do nosso povo.
Na defesa constante e na aplicação rigorosa destes princípios, por vezes esquecidos, reside o triunfo de uma causa, o triunfo de uma grande indústria, que talvez não haja sido encarada com aquele espírito de objectiva decisão e isenção que é mister adoptar, seleccionando e preparando os seus elementos básicos, sejam de que natureza forem, e obedecendo a planos maduramente estudados, dos quais depende na sua totalidade a realização de tão grandiosa como ingente tarefa.
O ferro e o aço são indispensáveis à nossa economia e ao seu progresso.
Façamos tudo quanto é possível para os obtermos em quantidade precisa e em preço compatível com os nossos recursos e as nossas necessidades, dentro das condições mais favoráveis. Não nos deixemos dominar por miragens tão enganosas como prejudiciais.
O triunfo de uma causa só se consegue à custa de sacrifícios, e bem os merece, dentro de marcados limites, a causa da siderurgia, que é motivo forte de engrandecimento para a Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: tem nesta Casa sido demonstrado, por mais de uma vez, com a eloquência dos números, ser o turismo uma das nossas principais indústrias, a mais susceptível talvez de tal futuro desenvolvimento que não será ousado supor-se vir ela a ser em breve a mais responsável pela entrada de divisas estrangeiras.
Para ela contribuiu Deus, espalhando às mãos pródigas, por esta ocidental faixa europeia, de reduzido tamanho, belezas incomparáveis - um céu suavemente azul; o mar manso ou irado, mas sempre convidativo, das suas praias; um sol que, sem queimar no Verão, aquece os corpos no Inverno; montes e vales, rios e lagos, verdes matizados e em profusão; e até neve, na sua brancura imaculada ... Tudo temos, graças a Deus, tão variado e tão farto em tão pouca terra!
A isso, durante séculos, juntaram os nossos antepassados, no orgulho dos seus feitos ou no ardor da sua fé, castelos, palácios e igrejas, a que uma arte discreta soube dar, mais do que o arreganho dos homens, a espiritualidade das almas. Arquitectos e construtores, pintores e decoradores, a massa anonimato povo operário, todos contribuíram para este património de hoje, atracção também de quem de fora nos procura.
Com tal matéria-prima não falhará a indústria, mas o seu conselho de administração tem de ser cauteloso, sem deixar de ter vistas largas; tem de andar depressa, mas sem precipitações; tem de saber olhar em conjunto, sem perder o pormenor.
Sr. Presidente: parece não ser ideia original a da . criação de uma região de turismo no Alto Alentejo. Que está no pensamento e no desejo das câmaras municipais -representantes dos povos- posso afirmá-lo, pelos testemunhos em meu poder. A minha intervenção é apenas no sentido de fornecer algumas achegas que ajudem o Secretariado Nacional da Informação a documentar-se melhor, pura poder mais rapidamente deliberar.
Na nossa história militar o Alto Alentejo, pela sua vizinhança com a fronteira de Espanha, desempenhou prolongada tarefa de defesa e de ataque, atestada pelos castelos que se espalham por todo ele. Tomando como ponto de referência a cidade de Estremoz, que em todas as emergências serviu de quartel-general pela sua privilegiada posição estratégica o onde se encontra o primeiro castelo que D. Dinis, seu pai e seu filho mandaram construir e D. João V reconstruiu para nele instalar um museu militar, deparamos no perímetro máximo de 80 km com o castelo de Évora Monte, originalíssimo na sua torre de menagem de três pisos assentes sobre atarracadas, mas elegantes, colunas de mármore; o de Veiros, enorme, berço do 1.º duque de Bragança; o de Vila Viçosa, com a igreja onde se venera Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal; o de Alandroal, de sete torres, construído pelos cavaleiros de Avis; o de Redondo, assente sobre antigo dólmen, por D. Dinis, com curiosas inscrições; o de Terena, essa antiquíssima vila onde se venerou um deus lusitano; o de Juromenha, com o Guadiana aos pós; o de Elvas, com Badajoz à vista; o de Arraiolos, sobre o seu monte cónico, dominando terras sem fim; o de Avis, de que restam apenas três torres e um naco de muralha; o de Campo Maior, guarda avançada sobre a fronteira com a Espanha; o de Arronches, cidadela de armas, «a forte Arronches», no dizer de Camões; o de Monforte, com alguma muralha e um terraço apenas, miradouro magnífico; o do Crato,. ainda no estado de ruína em que o deixou D. João de Áustria, esse devastador das nossas fortalezas; o de Montemor-o-Novo, que exuberante mata circunda e alinda; o de Monsaraz, incrustado nessa jóia do nosso património que é a medieval vila de Monsaraz; o de Mourão, reconstruído pela rainha mulher de D. João IV; o de Marvão, enquadrado no medievalismo do burgo, de vistas alucinantes; o de Alter do Chão, em bela praça pública, e o de Castelo de Vide, num conjunto arquitectónico único no Pais.
Vinte e um castelos, num círculo de 80 km, todos pesados de recordações, cada um na originalidade da sua construção, serão eles só motivo suficiente de propaganda de unia zona turística. Sem querer estabelecer comparações, não posso deixar de lembrar como em França se exploram, inteligentemente, os castelos do Loire.
Tomando ainda como referência, pela sua posição geográfica, a luminosa cidade de Estremoz, queda-se o espírito na recordação de alguns momentos históricos, assinalados com o sangue dos nossos campos de batalha, que se estendem em volta a não mais de 50 km: Atoleiros, Veiros, Ameixial, Canal, Montes Claros; Linhas de Elvas e, enfim, de certo modo, Évora Monte, onde D. Miguel sepultou as suas pretensões. Romagem a fazer a estes campos, mais para, portugueses do que para estranhos, eis outro motivo forte de atracção de uma zona turística.
Mas esta presença do passado não é apenas castelos e campos de batalha.
Vindos de Lisboa, façamos um dia, de novo, quartel-general em Estremoz: é uma terra acolhedora, onde a demora nunca é de mais.
Entretanto, tínhamos passado já, aproveitando a estrada internacional, por Arraiolos, nas alturas - a dos tapetes célebres-, com o convento da «Sempre Noiva» ao pé, e por Montemor-o-Novo, terra de S. João de Deus e onde o seu espirito permanece.
Em circuitos estudados pode-se então percorrer Vila Viçosa, onde avultam o palácio-museu da Casa de Bragança e as pedreiras de famoso mármore; o Alandroal; com as suas curiosas portas e onde Cupido teve templo,

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e a freguesia de Terena, onde o culto a Endovélico
- deus lusitano- teve raízes; Mourão, a que o prior da Ordem de S. João de Jerusalém deu foral em 1226; Monsaraz, vila medieval, onde ainda há pouco foi descoberto um painel quatrocentista, a juntar a tantas raridades ali existentes; Évora, onde cada recanto, conservado com entranhado amor e solicito cuidado, é página aberta sobre o passado; Elvas, de antiquíssimas igrejas e conventos e o sou aqueduto seiscentista de 7 km; Campo Maior, de que Beresford tomou o titulo e a quem Walter Scott cantou pelos seus feitos guerreiros; Arronches, que tantos privilégios reais teve e tão sacrificada foi na sua posição do guarda avançada, com o exemplar de gótico primitivo que é a Igreja de Nossa
Senhora da Assunção; Portalegre, também tão cheia de belos imóveis e de cujo gasalhado D. Afonso V levou tão gratas recordações e saudades, a testemunhar a lhaneza das gentes; Marvão, ninho de águias, de sabor medieval; Castelo de Vide, com as suas termas e um conjunto de tortuosas ruas medievais, único no Pais; Alter do Chão, onde se apuram cavalos e onde os romanos deixaram bela ponte, hoje intacta; Grato, sede da Ordem do Hospital desde 1336; Fronteira, com a sua igreja paroquial de 1594; Sousel, com a Igreja de Nossa Senhora da Orada, construída no local onde o condestável D.- Nuno acampou antes de Atoleiros, ali perto; Monforte, com o seu centro de lavoura romano; Redondo, das mais ricas regiões pré-históricas.
Eis, Sr. Presidente, nas palavras ditas atrás, a sugestão das visitas a aconselhar aos que procurarem um. dia a região turística do Alto Alentejo, cujo pedido de criação aqui reforço, com o apoio das autarquias locais.
Sei, porém, que propostas destas requerem estudo previdente e advogo mesmo o principio de que não deve atirar-se sobre os ombros das comissões regionais a preocupação dos grandes problemas ligados ao turismo, com risco de as alhearmos do pormenor, que particularmente lhes incumbe.
Crie-se, de facto, por justa razão e proveito futuro, a região turística do Alto Alentejo, mas só depois de se ter devidamente estruturado e dotado o plano de valorização da zona, com a colaboração dos vários departamentos: do Estado a que os melhoramentos estejam afectos.
Levar turistas a ruínas ou bens desprezados é confessar-lhes a nossa incúria ou a nossa penúria. O Alto Alentejo está cheio dessas mazelas. Cito ao acaso: o belo conjunto que em Estremoz é constituído pela sala em que D. Dinis dava as suas audiências, pela torre quadrada e majestosa do sou castelo, metida no palácio de que D. João V fizera armaria; pela igreja matriz reconstruída pelo cardeal-rei e pela capela em que D. Luisa de Gusmão mandou transformar o quarto onde morrera a rainha Santa Isabel, tem de tal forma abandonado o seu largo fronteiro (para falar só nisso) que forçoso é reparar nele.
Monsaraz, a que um historiador suíço ainda há pouco chamou gentilmente «a mais bela povoação do Mundo», com um projecto de obras aprovado em 1956, apenas conseguiu ver reparado um lanço de muralha. O antigo Mosteiro de Flor da Rosa, nos subúrbios do Crato, que o pai de D. Nuno mandou edificar parti os cavaleiros do Hospital, ele que foi o primeiro prior do Crato, desde 1949 que tem paradas as obras de restauro, tal como as do castelo de Évora Monte, cujos empreiteiros ainda ali têm materiais com alguns anos de descanso.
A parte superior da torre de menagem do vetusto castelo de Arraiolos ameaça desmoronar-se, sem esperanças de remédio pronto. Aliás, já em 1613 os oficiais da Câmara se queixavam de que a fortaleza se desfazia ...
0 castelo de Mourão, doado à Câmara por um particular que não podia restaurá-lo, não será já lavrado por dentro, mas continua no mesmo abandono.
A cidade luso-romana de Amaia, em Marvão, que promete furta colheita de recordações, está ainda em terrenos particulares, inexplorados. A igreja, de singular torre, de Monforte, que é pertença dos Monumentos Nacionais, está fechada ao culto pelo estado de ruína em que se encontra. Do castelo de Montemor só foi restaurada pequena parte.
Ao citar ao acaso estas mazelas o meu pensamento está ainda naqueles grupos «pró» que em cada terra poderiam lutar em defesa do seu património, como o de Évora, a que a cidade-museu do nosso Alentejo deve a conservação de tudo quanto nela lembra um passado rico de história e de cultura.
Mas valorizar uma zona de turismo, hoje mais do que ontem, não é apenas conservar as relíquias do passado, mas ainda criar condições de boa estada e criar motivos de atracção, que os turistas não são hoje apenas
- talvez nunca o tenham sido - velhos amantes de coisas velhas.
Casos como o de Avis, que à beira das águas da barragem do Maranhão, com um. regolfo de 25 km e larguras de 3 km, fundou já o seu clube náutico -o primeiro clube náutico no coração do Alentejo- e que poderá transformar-se ainda em zona de pesca, merecem atenção especial. E, falando de zona de pesca, melhor se falaria de zonas de caça. em região onde algumas tapadas suo verdadeiramente ricas, mesmo em espécies quase extintas.
Lembro a da Casa de Bragança, onde o veado não é peça rara. E não será também descabido falar da necessária instalação de um campo de trabalho e de estudo
em Marvão, que tem já a sua carta arqueológica e cuja cidade romana de Amaia, na freguesia de Aramenha, de área superior à de Conímbriga, promete espólio valioso, como os trabalhos preliminares dos saudosos Dr. Leite de Vasconcelos e padre Jallay anunciaram. Valorizar uma região de turismo é ainda lutar pela
conservação do que nela s típico - desde as casas às pessoas-, agora mais sujeito do que nunca a influencias estranhas.
O monte alentejano, o artesanato, a doçaria, os trajes e os costumes, as danças e os cantares, de que os ranchos do Cano e de Casa Branca, no concelho de Sousel, e o de Estremoz são depositários fiéis, tudo tem de ser realçado e acautelado.
Valorizar uma região de turismo é igualmente, sem fazer natureza, defender as riquezas de Deus, aproveitando-as para deleite dos homens. Lembro a serra de Portalegre, esse encantador e salutar logradouro, onde a iniciativa particular, desapoiada, tentou já criar condições de plano internacional, e a serra de Ossa, com o seu antigo convento dos capuchinhos, donde o pôr do sol ganha inusitados cambiantes e que a iniciativa particular também saberá tornar acessível.
Valorizar uma região de turismo é, outrossim, abrir-lhe portas e rasgar-lhe janelas. As portas são as nossas estradas, todas alcatroadas nos percursos que anunciei, mas em alguns troços, sobretudo entre Montemor e Estremoz, a necessitarem de revisão, e são a nossa fronteira terrestre, que se deseja aberta no Retiro, a 9 Km de Campo Maior, e melhorada em Galegos, junto a Marvão. As janelas são esses miradouros naturais com que Deus tão profusamente dotou a região e que permitem embeber os olhos na extensão plana, a esfumar-se sem fim. Sobre eles se erguem castelos e ermidas e num até, em Sousel, na serra de S. Miguel, uma das mais velhas praças de touros da Península, a dominar a maior extensão de olival que é dado abarcar, entre nós, de um só olhar.

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Terra de profundas tradições tauromáquicas, que continua a dar à lide os seus representantes mais nacionais - cavaleiros e forcados, o Alto Alentejo poderá ainda ter nos seus espectáculos de touros a mesma forte atracção que leva a Badajoz e Sevilha, em tempo próprio, alguns anilhares de alentejanos.
Sr. Presidente: mais e muito mais poderia dizer em favor da criação da região de turismo do Alto Alentejo; mas, receando que as palavras, por muitas, fossem menos ouvidas, por aqui me fico neste resumo cauteloso, não vá o as poucas que disse mesmo assim terem sido de mais ao essencial: o Alto Alentejo deseja e merece ter uma região de turismo, mas não a quer sem que primeiro o Governo acautele, em plano fie conjunto, a sua valorização.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: somente duas palavras: na sessão n.º 87, de 1 do corrente, foi-me remetida uma copia do ofício n.º 704 do Ministério das Corporações e Previdência Social, que completa a resposta ao meu requerimento de 33 de Outubro do ano passado.
Como o seu conteúdo interessa o sector do vinho do Porto - pena tenho de não poder dizer Corporação do Vinho do Porto, premente e permanente anseio de todos os que a esta actividade se encontram ligados, tomo a liberdade de ler as seguintes linhas:
O Conselho Corporativo, em sua sessão de 25 de Fevereiro último, resolveu, sob proposta de S. Ex. o Ministro das Corporações e Previdência Social, considerar incluído o Instituto do Vinho do Porto entre os organismos de coordenação económica previstos no artigo 7.º do Decreto n.º 41 876, de 23 de Setembro de 1958.
Agradeço ao Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social a atenção que lhe mereceu o meu requerimento de 13 de Outubro do ano findo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: faleceu alguém que na jurisprudência, no foro e na política ocupou lugar de relevo, digno de registo nos anais da Assembleia Nacional.
Refiro-me ao Prof. Dr. Barbosa de Magalhães.
Foi Deputado e Ministro, e o facto de, por vezes, ter criticado nesta Câmara factos da sua actividade governativa não me impediu de encontrar nele um adversário leal e tolerante e um homem digno.
Revelou-se especialmente no foro e na jurisprudência, sendo numerosas as causas importantes onde interveio e larga a sua bibliografia jurídica, nomeadamente nos ramos civil e comercial. Como bastonário da Ordem dos Advogados assinalou a sua passagem com interesse e independência.
Colaborou na elaboração de vários diplomas importantes e nomeadamente, com o grande mestre José Alberto dos Reis, no projecto do Código de Processo Civil de 1939, agora em vigor.
Estas circunstâncias e também a de o falecido ser natural de Aveiro, capital do meu distrito e do círculo que represento levam-me a assinalar aqui a sincera homenagem devida à sua memória. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um projecto de lei de alterações à constituição, apresentado pelos Srs. Deputados Carlos Moreira, Pinto de Mesquita, Américo Cortês Pinto, Abranches de Soveral, Nunes Fernandes, António Jorge Ferreira, Sócrates da Costa, Sousa Rosal, Aires Martins, Gonçalves Gomes e Cid Proença.
Está também na Mesa um outro projecto de lei de alterações à Constituição, subscrito pelo Sr. Deputado Adriano Duarte Silva.
Está ainda na Mesa um outro projecto de lei, também de alterações à Constituição, apresentado pelos Srs. Deputados Américo Cortês Pinto, Abranches de Soveral, Cid Proença e Júlio Evangelista. - Finalmente, está na Mesa outro projecto de lei de alterações à Constituição, subscrito pelo Sr. Deputado Augusto Cerqueira Gomes.
Estes projectos de lei vão ser enviados imediatamente à Câmara Corporativa e às Comissões de Legislação e Redacção e de Política e Administração Geral e Local desta Assembleia.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado e as da Junta do Crédito Público relativas a 1957.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sebastião Ramires.

O Sr. Sebastião Ramires: - Sr. Presidente: o nosso ilustre colega Sr. Engenheiro Araújo Correia apresenta habitualmente, e desde há muitos anos, notáveis pareceres sobre as Contas Gerais do Estado, aquando da sua discussão na Assembleia.
Representa sempre um trabalho sério, em que se aprecia com a maior objectividade e a maior extensão toda a administração do Estado e a sua gerência financeira. Nestes pareceres são também ventiladas as grandes questões que imediatamente interessam ao progresso económico nacional e concorrem para um aumento de produtividade!
Além de comprovada competência técnica, o autor dos pareceres insiste, teimosamente, por que em todos os sectores da vida nacional se trabalhe para um melhor futuro.
Os problemas hidroagrícolas têm merecido cuidadoso estudo e larga meditação ao engenheiro Araújo Correia, e por isso julgo que a discussão das Contas Gerais do Estado suscita alguns comentários sobre a valorização da terra e designadamente sobre a política da rega.
Espero que V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a Assembleia os não tomarão como impertinentes.
E já vasta a legislação que no nosso país tem sido promulgada sobre a execução das obras do fomento hidroagrícola, compreendendo as obras de rega, de drenagem, de enxugo e de defesa contra a invasão das marés, e também em aproveitamentos hidroeléctricos, associados às obras de rega.
Foi publicado em 1892 o Decreto n.º 8, que atribuía ao Estado, directamente ou por intermédio da associação de proprietários, a maior latitude no estudo e na execução das obras hidroagrícolas.

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As realizações foram, porém, muito limitadas e a intervenção do Estado ficou reduzida à elaboração de alguns estudos sobre aproveitamentos hidráulicos em algumas bacias hidrográficas e para a conservação e defesa de alguns rios e enxugo dos terrenos marginais.
Em Maio de 1919 foi publicado o Decreto n.º 5787, mais conhecido pela "Lei de Águas", que regulamentou o regime estabelecido no Decreto n.º 8 sobre a concessão da comparticipação do Estado nas obras hidroagrícolas.
Esta Lei- de Aguas revelava o propósito do Governo de dar grande impulso às obras de rega e a outros melhoramentos hidroagrícolas.
Segundo a lei, o Estado podia conceder isenção de contribuições, dar (garantias de juro e subvenções gratuitas até 40 por cento ou 50 por cento do custo das obras, consoante se tratasse de entidades não proprietárias das terras a regar ou de associações ou sindicatos de agricultores. Além disso, o Estado adiantaria aos sindicatos 25 por cento do valor do custo das obras, com o reembolso em vinte e cinco anos, à taxa anual de 3,6 por cento. O montante do reembolso seria rateado pelos beneficiários em proporção das respectivas áreas e cobrado conjuntamente com a contribuição predial rústica.
A lei previa ainda a concessão de subvenções gratuitas aos agricultores que transformassem em regadio os prédios que cultivavam.
Apesar das boas vontades e propósitos do legislador e das substanciais facilidades concedidas, pouco ou nada se fez.
Não estava ainda criada a necessária compreensão sobre os benefícios da rega e talvez também não tivesse sido possível dar um começo de execução às disposições legais, por penúria financeira do Tesouro.
Constituíram-se mais tarde umas trinta associações de proprietários, que se lançaram, embora timidamente, em alguns empreendimentos de limitada envergadura. Estas associações têm, entretanto, demonstrado a sua utilidade e vantagem, e podem servir de exemplo e de estímulo para que a sua acção se desenvolva em várias regiões do País.
Só em 1935, sob o impulso criador de Duarte Pacheco, é publicado o Decreto-Lei n.º 25 049, que remodela amplamente as anteriores disposições, e se dá efectivamente atribuições à Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola para a realização de uma política nacional de aproveitamentos hidroagrícolas.
Continua na presidência da Junta o engenheiro António Trigo de Morais, que a ela consagra toda a sua capacidade de realizador, com a doação integral da sua vida. Projecta as primeiras obras, orienta e superiormente dirige a sua execução. Cria uma escola de técnicos e a todos incute a sua fé; mais tarde, como se fosse acanhando o ambiente para a sua ânsia de realizar, desloca-se para as nossas províncias no ultramar e toma sobre os seus ombros a responsabilidade dos grandes empreendimentos hidroagrícolas.
O Governo prestou-lhe pública homenagem, dando o seu nome a uma das barragens do vale do Sado.
Dois anos mais tarde, em 15 de Fevereiro de 1937, é promulgada a Lei n.º 1949 (Lei da Hidráulica Agrícola), pela qual se deu um grande impulso à política do fomento hidroagrícola.
Esta lei, na sua estrutura e objectivos, veio corresponder aos legítimos anseios dos que sentem que é pelo melhor manuseamento da água que se conseguirá uma valorização substancial, em largas zonas, da nossa estrutura agrícola.
A Lei n.º 1949 se devem as grandes obras já executadas e em curso no continente.
Há que referir, com louvor, a Lei n.º 2017, de 25 de Junho de 1946 (Lei dos Melhoramentos Agrícolas), que veio dar a possibilidade de realização de inúmeros melhoramentos agrícolas e, entre eles, de um grande número de pequenos aproveitamentos hidroagrícolas, realizados pelos particulares, através da concessão de empréstimos, amortizáveis no máximo de trinta anos, ao juro anual de 2 por cento, por intermédio da Junta de Colonização Interna. Encontram-se já submetidos ao regadio, nos últimos dez anos, mais de 12 000 ha.
Estes melhoramentos, de iniciativa privada, não se devem considerar concorrentes das grandes obras de rega realizadas, mas, ao contrário, complementares. Embora com objectivos diferentes, uns e outras são necessários.
O Algarve, defendido do norte por uma cadeia de ásperas serranias, em todo. o seu comprimento nascente-poente, e todo virado ao mar, constitui como que uma unidade geográfica, com aspectos étnicos e climáticos peculiares.
A precipitação das chuvas varia sensivelmente do norte para o sul do País.
Alcança o máximo de 2314 mm nas Penhas Douradas, desce para 633 mm em Évora, para 561 mm em Beja, 490 mm em Lagos e apenas 363 mm em Faro.
Além de uma fraca pluviosidade, no Algarve a chuva distribui-se muito irregularmente no decorrer do ano.
E frequente haver chuvas torrenciais no Inverno, que arrastam culturas e as terras e obrigam a custosas despesas com a drenagem e o enxugo ou a defesa.
Quando as culturas têm maior exigência de água, para que se processe o seu desenvolvimento, as chuvas são insignificantes, quando não secas pertinazes.
Considerando o semestre húmido o que decorre de Outubro a Março, verifica-se que frequentemente em Outubro ainda há deficiência de água e apenas chove, quando chove, com certa irregularidade, nos meses que si; seguem. Em Abril, quando as culturas mais necessitam de água, a chuva escasseia e a seca prolonga-se normalmente até fins de Setembro.
A excessiva luminosidade no Algarve obriga a uma grande evaporação, o que vem agravar a fraca precipitação de chuvas.
Daí o culto tradicional do Algarvio pela água e pela árvore.
Em toda a zona litoral a propriedade encontra-se dividida, por vezes em excesso.
O Algarve possui assim excelentes condições para nele se estabelecer e desenvolver uma política de rega. É certo que o povoamento no litoral se fez graças à nora mourisca.
No plano elaborado pela Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola em 1937 previu-se o aproveitamento pela rega dos terrenos marginais das ribeiras de Arade e de Ode louca e das várzeas de Lagoa, com a construção de uma albufeira de armazenamento, com barragem de terra, a instalar na ribeira de Arade, a cerca de 10 km a montante da cidade de Silves.
A barragem deveria ficar 461 III acima do leito da ribeira, com 246 III ide desenvolvimento no coroamento, e disporia de uma capacidade de armazenamento suficiente para a rega de 1900 ha.
A tomada de água é feita através de um túnel, com conduta forçada, ligando directamente a albufeira à central eléctrica.
A água segue para a turbina da central e daí para a rede secundária de distribuição ou, pela tubagem independente, directamente ao condutor principal.

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O aproveitamento hidroeléctrico destina-se, essencialmente, ao accionamento dos grupos electrobombas instalados na central elevatória.
A construção da barragem de Silves foi iniciada antes da última guerra e sofreu longos períodos de paralisação de trabalhos, além de várias outras contrariedades.
Em 1945 houve uma grave crise de desemprego na cidade de Silves, por paralisação de grande parte da indústria de cortiça, que afectou grandemente a fabricação de rolhas. Entendeu-se que, para atenuar o desemprego industrial, os trabalhos da barragem deveriam absorver o maior número de braços, dando preferência aos operários corticeiros. Houve necessidade de se estabelecerem turnos. Esta situação prolongou-se até 1950.
Atenuaram-se, certamente, graves dificuldades de carácter social mas é evidente que era fraco o rendimento do trabalho, não só porque se tratava de operários habituados a outras actividades, como o regime de turnos impossibilitava uma conveniente adaptação. Daí terem-se agravado, e substancialmente, os custos dos diferentes trabalhos.
Assim não se estranhará que a obra de Silves tenha sido das mais caras de quantas se têm realizado e que o custo por hectare beneficiado ultrapasse 60.000$.
A partir de 1950 os trabalhos desenvolvem-se em ritmo normal e em 1955 pôde dar-se início ao regadio, com a rega de 403 ha em 1956. Em 1957 a área regada sobe para 577 ha e em 1958 já foi possível regar mais de 1250 ha, ou mais de 65 por cento da área prevista no projecto inicial.
Vencidas as naturais hesitações que inicialmente surgem em qualquer grande obra de rega, não tardaram os proprietários a realizar os trabalhos necessários e a adaptar as suas propriedades ao regadio.
Plantam-se activamente novos pomares, principalmente de citrinos, e em algumas terras intensifica-se a exploração, conseguindo-se três culturas no decurso do ano.
Numa estimativa sobre o rendimento dos 1250 ha regados em 1958 - e considerando apenas as culturas de Primavera e de Verão - apurou-se que o rendimento bruto alcançara o multiplicador 4,42 em relação aos rendimentos médios antes do início da rega.
O rendimento líquido alcança o multiplicador 4,05. As valorizações previstas no projecto eram de 2,86 para o rendimento bruto e 3,27 para o líquido.
A diferença justifica-se não só porque na determinação da valorização do rendimento líquido se considerou o custo das despesas com a exploração e conservação da obra, na importância de 600$ por hectare irrigado, como porque também se verificou uma maior exigência de mão-de-obra, maiores encargos na mecanização e utilização de maiores volumes de água em muitos pomares que existiam antes da obra e que sofriam de falta de água. Os anos de 1957 e 1958, excessivamente secos, vieram demonstrar e convencer dos benefícios económicos da rega, tornando as explorações agrícolas quase independentes das prolongadas estiagens, aliás tão frequentes no Algarve.
Em anos excepcionais, os pomares de citrinos são regados em pleno Inverno, como aconteceu em 1956, para se atenuarem os efeitos da geada.
Além dos resultados evidentes na mais conveniente exploração das terras, na obra de Silves começa já a sentir-se larga repercussão social. Surgem dezenas de novas construções rurais, permitindo melhores condições de vida aos seus modestos proprietários, aumentaram os salários e quase desapareceu o desemprego rural.
Nos 1900 ha de terras dominadas pela barragem há cerca de 1700 prédios, o que corresponde a 1,20 ha, em média, por cada prédio e demonstra a divisão da propriedade rústica naquela zona.
Terminada, e em funcionamento, a barragem de Silves, iniciaram-se as obras para a valorização das várzeas e encostas dos cursos inferiores das ribeiras de Odiáxere, Arão, Farelo e Torre, entre Portimão e Lagos, com uma superfície de 1800 ha, dos quais cerca de 700 ha são de terrenos alagados, salgados ou de sapal.
Sob a superior direcção do ilustre Ministro das Obras Públicas, engenheiro Arantes e Oliveira, que no exercício da função não só tem confirmado a sua excepcional competência técnica, como se tem revelado um fraude Ministro, a quem o País, de norte a sul, é já devedor de inúmeras e muito valiosas realizações, ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- ... foi mandada construir uma barragem na ribeira de Odiáxere, no sítio denominado "Bravura".
Uma vez iniciados os trabalhos, estes prosseguiram sem soluções de continuidade e a, obra encontra-se quase terminada, devendo ser inaugurada no próximo mês de Maio.
Os trabalhos de enxugo e de defesa contra a invasão das marés nas terras baixas encontram-se ainda por acabar, embora em fase adiantada.
A albufeira tem uma capacidade útil de 33 000 000 m3 e a barragem é do tipo de abóbada de betão, com 41 III de altura sobre o leito da ribeira.
A água é conduzida através de uma conduta com mais de 2000 III de comprimento, parte construída em túnel, até à central de bombagem.
A central eléctrica utiliza uma queda útil de 28,5 m, com o caudal máximo de 2600 [...]. O seu equipamento compreende um grupo turbo-alternador de 720 kVA.
O condutor geral, a jusante da central, tem o desenvolvimento de cerca de 18 500 m.
O custo final da obra não deverá exceder 80 OUO coutos, correspondendo a 44 contos o custo médio por hectare beneficiado.
Na zona dominada pela barragem a propriedade encontra-se muito dividida, com mais de 1205 prédios, ou 1,5 ha, em média, por cada prédio.
As propriedades são exploradas por conta própria em mais de 67,5 por cento e em regime de parceria 29 por cento. Só quanto a menos de 3,5 por cento do número total dos prédios a exploração é feita por arrendamento. Antes da construção da nova barragem havia inúmeros pequenos regadios, com elevados custos na elevação de água, e como esta, em geral, é salobra, porque grande parte do subsolo das várzeas é salgado, isso obrigava a multiplicar o número de regas, de que resultava aumento de salinidade, nas terras.
Sempre que se lhe oferece a oportunidade, o Algarvio planta nas terras de várzea pomares, principalmente de citrinos, e não raramente consegue rendimentos líquidos vizinhos de ]5 contos por hectare.
Em terras de meia encosta de formação pliocénica ou triásica cultiva-se a vinha, conseguindo-se igualmente altos rendimentos.
Os terrenos alagados e normalmente salgados exigem grandes gastos com a construção de muros de defesa, de dessalgas, e há que aguardar alguns anos para deles se conseguirem razoáveis rendimentos..
Serão, entretanto, dos que mais virão a beneficiar com a rega, já que se encontravam praticamente incultos e, consequentemente, com fraco ou nulo valor.
As obras de dessalgamento, de defesa e de enxugo em 700 ha de sapais, na zona do Alvor, possibilitarão

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uma orientação para que se possa caminhar com mais segurança na recuperação de mais de 5000 ha de sapais, que se estendem ao longo do litoral algarvio, principalmente na zona compreendida entre os concelhos de Loulé e Tavira e também nas proximidades da desembocadura do Guadiana.
A exemplo do que se verificou com a barragem de Silves, não se duvida de que os resultados que se obterão com a nova barragem da Bravura excederão igualmente as previsões do estudo económico inicial.
Assim o faz prever o entusiasmo de grande número de proprietários na zona que vai ser beneficiada pela rega, que não se tem poupado a despesas com o nivelamento e a preparação dos terrenos e demais trabalhos necessários à conveniente utilização da água.
As duas grandes obras já construídas no Algarve -as barragens de Silves e da Bravura - possibilitam a beneficiação de cerca de 3700 ha, abrangendo mais de 3000 prédios independentes, e vão assegurar maior estabilidade no trabalho rural, aumento apreciável no valor dos salários e melhor rendimento nas explorações agrícolas. Elas servirão de exemplo e também de estímulo para que se prossiga no desenvolvimento da política hidroagrícola.
E certo que o Algarve possui uma técnica tradicional no conveniente manuseamento da água e condições climáticas - peculiares, que nem sempre se verificam em muitas outras regiões do País. É, portanto, necessário que a política dos aproveitamentos hidroagrícolas seja seguida com a necessária prudência e ajustada às reais possibilidades regionais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O regime jurídico legalmente estabelecido sobre as grandes obras de fomento hidroagrícola apresenta algumas anomalias, de que têm resultado avultados prejuízos para o Tesouro e que têm dificultado o desenvolvimento da política da rega.
Segundo a estrutura da Lei n.º 1949 (Lei de Hidráulica Agrícola), os custos das obras de fomento hidroagrícola deverão ser integralmente pagos pelos beneficiários, mediante o pagamento de uma taxa fixa de reembolso por cada hectare beneficiado, denominada "Taxa de rega e de beneficiação".
A anuidade corresponde à amortização, em cinquenta anos, do custo da obra, acrescido da taxa de juro de 4 por cento, 3 por cento ou 2 por cento, conforme se tratar de terra de 1.ª, 2.ª ou 3.ª classe.
A sua importância deveria ser paga conjuntamente com a contribuição predial rústica.
O valor da taxa de reembolso nunca poderá exceder a mais valia, definida como a diferença de rendimento, para cada prédio, antes e depois da respectiva beneficiação pela rega.
Em 18 de Junho de 1944 foi publicada a Lei n.º 2072, que limitou a taxa de juro de 3 por cento, para as terras de 1.ª classe.
Por outro lado, as despesas com a exploração e a conservação das obras de fomento hidroagrícola são integralmente pagas pelos beneficiários, com o produto de uma taxa anual, denominada a Taxa de exploração e de conservação".
O valor desta taxa resulta da divisão das despesas anuais com a exploração e a conservação de cada obra pelo número de hectares regados, sem se atender à qualidade das terras.
A cobrança será feita por intermédio de associações de regantes, que serão constituídas imediatamente após a conclusão das obras.
A utilização de água é obrigatória para todos os prédios dominados pelos canais de rega em exploração, reservando-se o Estado o direito à expropriação quando os proprietários não utilizarem a água. O valor da expropriação será aquele que corresponde ao valor dos terrenos antes das obras, acrescido das importâncias correspondentes às anuidades já pagas.
Os saldos da exploração das centrais hidroeléctricas são repartidos pelos beneficiários, em proporção das respectivas áreas.
A aplicação de algumas disposições da Lei n. 1949 tem levantado inúmeras dificuldades.
Não se regateiam louvores à estrutura geral da lei, mas sente-se a necessidade de se proceder a uma cuidadosa revisão.
O princípio de que o valor da taxa de reembolso está limitado à mais valia dos terrenos beneficiados é de justiça elementar.
O valor do rendimento da produção de cada prédio é, pela sua própria condição, variável e contingente.
Não depende apenas do valor da terra, mas essencialmente das culturas que se realizam, dos processos técnicos que se utilizam, da valorização dos produtos nos mercados consumidores, da qualidade do proprietário e de muitas outras circunstâncias, por vezes alheias à vontade dos proprietários ou ao valor das terras. Além do mais, sempre se realizarão inteiramente as previsões - projecto inicial e até poderá diminuir, no futuro, a quantidade da água disponível.
Daí a dificuldade de uma justa determinação de mais valia por parte das entidades oficiais e o justificado receio dos beneficiários.
Mas ainda que o valor da mais valia se apresentasse como indiscutível, a circunstância de poder ser integralmente absorvido pelo pagamento da taxa de reembolso logo retira ao beneficiário qualquer interesse na transformação de uma exploração em regime de sequeiro para de regadio.
As terras dominadas por qualquer obra de rega diferente umas das outras, como diferente será o regime em que vinham sendo exploradas antes da obra. Há prédios que já eram regados, e os benefícios poderão, ser sensivelmente menores do que em outros, que passarão da exploração extensiva em sequeiro, de largos .pousios ou de incultos para um regime de regadio perfeito.
Se assim acontecerá em cada obra, individualmente considerada, o problema sofrerá outras implicações se se compararem os rendimentos de determinada obra com os de outras em funcionamento. Poderá acontecer que terras de igual qualidade, com ás mesmas culturas e idênticos processos de exploração, se encontrem diversamente oneradas e, consequentemente, em posição diferente da concorrência nos mercados consumidores.
Não há na legislação em vigor maneira de se corrigirem quaisquer situações que se reconheçam injustas no que se refere à determinação da mais valia, para além do período inicial fixado, para o início do pagamento da taxa de reembolso.
É certo que pelo Decreto n.º 28 652 se dá a faculdade de revisão quinquenal dos rendimentos dos prédios beneficiados pela rega, mas ela só produzirá efeito em relação à determinação da contribuição predial e em nada influirá no montante atribuído à taxa de reembolso. Esta, uma vez fixada, será inalteravelmente mantida para o futuro.
As grandes obras de fomento hidroagrícola são estudadas, projectadas e realizadas pelos serviços competentes do Estado sem qualquer audiência dos futuros beneficiários.
É evidente que nem de outra forma se asseguraria a sua efectivação, mas é de justiça reconhecer que

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os beneficiários não têm qualquer responsabilidade nos bons ou maus resultados que se alcançarem.
Estabelece a legislação em vigor que o início de cobrança da taxa de reembolso só terá lugar quando toda a obra reunir os requisitos legais para incidência da taxa, e pela Lei n.º 2028, de 4 de Março de 1948:
A declaração da passagem das terras ao regadio, assim como o início da cobrança da taxa de rega e de beneficiação e as novas contribuições pelas obras, não poderá verificar-se em nenhum caso antes de decorrido o período mínimo de cinco anos sobre a conclusão das obras.
Compreende-se a disposição legal, mas ela poderá ser uma fonte de perturbações.
Em muitos prédios, ou em parte deles, os benefícios alcançados pela rega poderão ser quase imediatos e até espectaculares, enquanto em muitos outros se tornará indispensável realizar demorados e custosos trabalhos para a sua adaptação ao regadio. Aos primeiros concede-se um privilégio gratuito e o Estado verá adiar-se quase indefinidamente o momento em que se inicie a cobrança da taxa de reembolso.
Muitas terras incultas, salgadas ou em regime de exploração extensiva, antes da realização das obras, poderão melhorar sensivelmente os rendimentos dentro dos cinco primeiros anos, mas muitas outras haverá que necessitem de períodos mais longos.
Encontram-se presentemente concluídas obras de fomento hidroagrícola que possibilitam o regadio, em regime mais ou menos perfeito, de cerca de 15 000 ha.
De acordo com as disposições legais, mais de 7000 ha encontram-se nas condições requeridas para que sobre ele se inicie a cobrança da taxa de reembolso.
Todavia, só em relação a 729 ha, das obras do paul de Magos e dos campos de Alvega, a cobrança tem sido efectivada. Se atendermos a que, quanto a 450 ha, do paul de Magos, as taxas de reembolso foram voluntariamente remidas pelos beneficiários, conclui-se que apenas sobre 279 ha tem sido possível efectivar a cobrança da taxa.
Estes números dispensam quaisquer comentários e demonstram que o actual regime jurídico das obras de rega não se ajusta às realidades.
O adiamento sucessivo do início da cobrança das anuidades de reembolso, pelo Estado, cria naturalmente o hábito da gratuitidade do serviço e dificultará o natural desenvolvimento da política da rega.
O prazo mínimo de cinco anos para o início da cobrança da taxa de rega e beneficiação pode também criar situações injustas.
Os proprietários mais competentes e mais aptos não se pouparão a esforços nem a despesas para procurarem, no mais curto prazo, o melhor aproveitamento da água nas suas propriedades. Terminando o prazo mínimo fixado na lei, não poderão recusar-se ao pagamento da taxa de rega e beneficiação, sempre que o seu valor não ultrapasse a mais-valia.
Haverá outros proprietários que deixarão correr a água pelos canais de rega, pouco ou nada fazendo para melhorarem as condições da exploração durante o prazo em que não são obrigados ao pagamento da taxa.
Quando esta vier a ser fixada, requererão a determinação da mais-valia, que poderá ser nula ou quase, do que resultará a aplicação de uma taxa naturalmente baixa, e assim se manterá no futuro, sem alteração.
A lei trabalha, assim, contra os melhores e compromete o objectivo essencial da política da rega, que assenta na valorização do rendimento das propriedades dominadas pela obra da rega.
A Lei n.º 1049 estabelece que os encargos com a exploração e a conservação das obras serão distribuídos uniformemente pela área total beneficiada, sem se atender, nem à grandeza do benefício, nem à qualidade das terras, nem à diversidade das culturas ou condições de exploração.
Afasta-se assim o estímulo para a mais conveniente utilização da água.
Parece evidente que não deveriam ser oneradas com as despesas com o enxugo as terras baixas, que sem essas obras continuariam alagadas e com fraco ou nulo rendimento, e as terras de meia encosta, que sofrem apenas inundações acidentais e temporárias e nem sempre lesivas de um bom rendimento.
Pode haver, e geralmente há, nas zonas dominadas pelas obras da hidráulica agrícola, grande número de propriedades que já eram regadas antes das obras; e outras que, embora exploradas em regime de sequeiro, produziam rendimentos, por unidade de superfície, que nem sempre a rega consegue ultrapassar.
São, por exemplo, algumas terras excepcionais aptas para a cultura da vinha e algumas terras argilosas, como os barros das vizinhanças de Beja ou do concelho de Serpa, que, exploradas em regime de sequeiro, produzem altos rendimentos e que são especialmente aptas para a cultura de trigo e de leguminosas para grão.
O princípio legal do reembolso integral do custo das obras de hidráulica agrícola realizadas pelo Estado, nas condições invariáveis de prazo, de anuidades e de taxas de juro, pode nem sempre ser compatível com a valorização alcançada nas explorações agrícolas e cria, por outro lado, o convencimento de que, uma vez integralmente amortizadas, as terras deveriam reverter à posse definitiva dos beneficiários, com suspensão do pagamento de quaisquer taxas.
Sabe-se que nunca se conseguirá atingir a perfeição, mas sente-se a necessidade de uma cuidadosa revisão do regime legal em vigor, ajustando-o às realidades.
As obras de fomento hidroagrícola não têm como único objectivo o lucro imediato e directo dos proprietários por elas beneficiados.
Procura-se essencialmente uma modificação na estrutura agrícola tradicional, para se conseguir uma maior ocupação de mão-de-obra, maior regularidade nos trabalhos agrícolas e melhoria nos salários.
As obras hidroagrícolas possibilitam ainda, em muitos casos, o abastecimento de água para consumo em numerosos agrupamentos populacionais; fomentam a melhoria das comunicações; ajudam o desenvolvimento da electrificação rural e da respectiva distribuição; visam a um aumento de produtividade agrícola, permitindo reduzir algumas importações; regularizam os rios e ribeiras, dando possibilidade à sua navegação e reduzindo os gastos com as dragagens dos leitos dos rios e das respectivas barras; ajudam a resolver graves crises de desemprego rural, etc.
O Tesouro não se limitará a cobrar a taxa de reembolso e os encargos com a exploração e conservação das obras, pois verá sensivelmente acrescidas as suas receitas, resultantes do aumento das contribuições e de encargos fiscais de variada natureza.
As dificuldades que se têm deparado entre nós não diferem grandemente das verificadas em outros países que se lançaram na política de fomento da rega.
Não é fácil modificar rapidamente velhos hábitos, por vezes seculares, e é humano não confiar em resultados que só se verificam - e quando se verificam - em épocas diferentes do momento em que vivemos.
Por isso na maioria dos países se entendeu que o Tesouro deverá comparticipar, e substancialmente, nos custos de grandes obras de fomento hidroagrícola.

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Em Espanha a comparticipação do Estado varia entre 40 por cento a 50 por cento do custo das obras, com ou sem incidência de juros, nas comparticipações a cargo dos beneficiários.
A comparticipação do Estado nas obras de hidráulica agrícola em Itália varia segundo as regiões do país, alcançando 92 por cento quando se trata de terrenos pantanosos, como é o caso da Toscana. Em obras não subordinadas aos planos gerais organizados pelo Governo a contribuição do Estado poderá alcançar 75 por cento do custo das obras.
A legislação francesa, aplicável ao Norte de África, considera como encargo exclusivo do Estado o custo das obras da hidráulica agrícola de interesse geral.
Nos Estados Unidos da América as despesas, com o enxugo e com a correcção das cheias, da navegação, da pesca e circulação rodoviária são inteiramente pagas pelo Estado.
Nos diferentes países a que se fez referência as despesas com a exploração e conservação das obras são encargos exclusivos dos beneficiários.
Normalmente as - taxas resultam, de uma conjugação do sistema de reembolso, na parte dó custo a cargo dos beneficiários, e da água consumida.
As anuidades de reembolso variam segundo escalões de valor crescente, isto é, em correspondência com os benefícios que efectivamente se forem realizando.
O princípio da comparticipação do Estado no custo das obras de fomento hidroagrícola não constitui novidade entre nós. Nele assentava a Lei de Águas, promulgada em 1919, e já constava das disposições do Decreto n.º 8 de Janeiro de 1892.
O princípio geral que domina a legislação estrangeira quanto ao pagamento das taxas, fixando-as, conforme os casos, em função da área beneficiada, da água consumida, ou pela conjugação dos dois factores, também não é novo entre nós.
Nele assenta a legislação que regulamenta o funcionamento! dos aproveitamentos hidráulicos na ilha da Madeira!, que constitui, aliás, uma velha tradição e não tem levantado embaraços nem contrariedades.
Se o Estado comparticipar no custo das obras de fomento hidroagrícola, e evidente que as mesmas ficarão integralmente no seu património e a cobrança da taxa de; rega e beneficiação será o pagamento de um serviço, e não o valor de um reembolso.
Os saldos da exploração das centrais hidroeléctricas deveriam ser destinados à constituição de um fundo de financiamento das obras e destinado a fazer face a despesas extraordinárias com a exploração e a conservação das obras.
Sei que S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas tem muito adiantado um estudo sobre alguns dos problemas relativos ao regime jurídico das obras de fomento hidroagrícola, que me permito ventilar, pelo que estou certo de que muito em breve o Governo lhe dará adequada solução.
Qualquer obra de hidráulica agrícola não termina com a construção da barragem e dos canais principais e secundários para a distribuição da água, nem mesmo quando toda a zona dominada se encontra explorada em regime de regadio perfeito.
Se numa determinada bacia hidrográfica não se realizarem as obras indispensáveis parti a defesa contra a erosão, é certo que a capacidade de armazenamento das albufeiras irá progressivamente diminuindo, com directa repercussão na área inicialmente prevista para uma conveniente exploração.
Uni estudo cuidadoso realizado nos Estados Unidos da América conclui pela afirmação de que dentro de trinta anos algumas- das maiores albufeiras que se encontram em serviço estarão completamente assoreadas.
A perda de 50 por cento da capacidade útil de determinada albufeira torna-a praticamente inútil, na maioria dos casos.
As grandes obras de rega realizadas no Algarve terão uma vida muito limitada, se não se avançar, e rapidamente, no povoamento das descarnadas serranias que as envolvem.

O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª, quando diz povoamento florestal, subentende as obras acessórias da conservação do solo?

O Orador: - É evidente que com o povoamento florestal se procura igualmente conservar o solo.
Ao norte do Algarve, constituindo fronteira com o Alentejo, existem mais de 350 000 ha, ou cerca de 70 por cento da superfície total da província, de terras nuas, quase esqueléticas, de fraco ou nulo rendimento para as culturas arvenses, que reclamam o povoamento muito florestal.
Os propósitos da Lei n.º 2069, publicada em 24 de Abril de 1954, no sentido de fomentar a arborização dos terrenos particulares, não tiveram ainda um começo de aplicação no Algarve.
Quando, tive a honra de intervir, nesta Assembleia, na discussão do. I Plano de Fomento, fiz demorada referência à urgente necessidade do povoamento florestal da serra do Algarve, que é um problema do mais alto interesse nacional.
Sem floresta não haverá água nos poços e nas fontes do litoral algarvio, nem se encherão as albufeiras, nem haverá terra nas encostas inclinadas ou declivosas.
Continuarão a caminhar para o mar, ininterruptamente, milhões de metros cúbicos de terra em cada ano, assoreando as ribeiras, os rios e as barras, transformando as serranias em campos abandonados e em deserto de almas e criando graves problemas de carácter social.
O homem e a floresta tem de viver associados.
No Algarve a maior parte das várzeas dominadas pela rega vão sendo transformadas em pomares, designadamente de citrinos,- dadas as condições peculiares do clima.
Impõe-se, porém, lançar quanto antes as bases do fomento frutícola, para o qual se prevê no II Plano de Fomento larga dotação.
Devem existir no País mais de 21 milhões de citrinos, mas na sua maior parte com fracos rendimentos.
As plantações não obedeceram, nem obedecem em geral, à necessária orientação técnica, e com o desconhecimento das exigências do consumo.
Há um grande número de fruteiras, mas com a maior diversidade de tipos e de qualidades, e muitas delas doentes e decrépitas, ou com muito fraco rendimento. Existe, porém, reduzido número de pomares industriais.
Tem aumentado largamente, no Mundo, o consumo de sumos e de concentrados de laranja, e o mercado inglês, porventura dos mais exigentes, considera os nossos produtos entre os de mais alta qualidade. Não temos, entretanto, um comércio devidamente organizado, nem talvez o possamos ter, em face da desorganização que domina a produção.
Um exemplo: aplicam-se, normalmente, na fabricação de sumos e de concentrados de laranja os frutos de segunda escolha, reservando-se os frutos escolhidos para o consumo interno ou para a exportação.
Vendem-se, anualmente, no País mais de 150 milhões de garrafas de refrigerantes com a designação de

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laranjadas, e a indústria movimenta mais de 300 000 contos. Como no fabrico honesto se deverá utilizar o mínimo de 1 g de pasta, a indústria deveria absorver anualmente 100 t, o que corresponde ao consumo de mais de 1000 t de frutos dê segunda escolha.
Segundo um inquérito, cuidadosamente conduzido, a indústria de refrigerantes não absorve, em média e em cada ano, mais de 15 t de pasta, o que logo demonstra que mais de 90 por cento das laranjadas consumidas no País- são fabricadas artificialmente.
E nem se argumente que a obrigatoriedade do emprego da pasta criaria dificuldades, económicas à indústria, já que o custo de 1 g é da ordem de $05 por garrafa, cujo preço de venda ao público oscila entre 2$ e 2$50. -
O Regulamento dos Serviços da Inspecção e Fiscalização dos Géneros Alimentícios, publicado em Agosto de 1902, determina:
É proibido vender, expor à venda ou ter em depósito qualquer género alimentício cuja natureza, composição ou qualidade não corresponda à designação com que é posta à venda ... sem prejuízo de responsabilidade criminal.
É esta a lei e os factos são aqueles que referi. O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Faz favor.

O Sr. Melo Machado: - Estou inteiramente de acordo com as considerações de V. Ex. Lembro-lhe, todavia, que, efectivamente,- as obras de hidráulica agrícola não deveriam ser iniciadas sem se saber o que vão produzir. V. Ex.ª deu uma saída ...

O Orador: - Isso preocupa-me secundariamente.

O Sr. Melo Machado: - Mas a mim preocupa-me primariamente.

O Orador: - E digo porque é que me preocupa secundariamente. Se estamos sempre à espera desse condicionalismo, não se faz nada. O problema da rega não tem solução com adiamentos. Os problemas mudam com o tempo, e não vale a pena raciocinar desse modo. Temos de valorizar o património nacional, e a rega pode dar uma grande e eficiente ajuda.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª conhece o problema do arroz; sabe que a água tem servido para produzir mais arroz ...

O Orador: - Eu conheço esse problem-a. É que o arroz tem dado um rendimento mais espectacular. São problemas de ordem individual, que não implicam com o problema da valorização da terra.

O Sr. Melo Machado: - E a opinião de V. Ex.

O Orador: - É, de facto.

Sr. Presidente: abusei excessivamente dá benevolência de V. Ex.ª e da atenção da Assembleia com uma longa e desataviada exposição, pelo que apresento as minhas desculpas. Vou terminar;
A política da rega pertence à nossa geração, e não há que desanimar perante alguns atrasos na execução das obras, nem porque num ou noutro caso- não se tenham alcançado, os objectivos que se pretendiam, ao menos por enquanto. Não deveremos exagerar os erros, quase sempre inevitáveis, nem subestimar os benefícios. Ganhamos uma técnica e uma maior consciência sobre a necessidade de regar.
Quase fechada a emigração para os países americanos, instalaremos a miséria em nossa casa se não nos entregarmos devotadamente a um trabalho sério de valorização do território nacional, possibilitando maior ocupação de braços e melhoria nas condições da vida para todo o agregado nacional. A valorização da terra poderá ajudar a atenuar, se não a resolver, alguns dos embaraços que se prevêem para o futuro.
E muito longo o caminho percorrido nestes trinta e dois anos da Revolução Nacional, vividos na ordem, em paz e com segurança.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Encontram-se amplamente ultrapassadas muitas das melhores aspirações das gerações que nos antecederam. Havemos de continuar, sob a chefia providencial de Salazar, e realizar novos e maiores empreendimentos, se conseguirmos manter a necessária unidade nacional, para que haja mais pão em cada lar e maior alegria de viver nos corações.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia da de hoje. Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
Belchior Cardoso da Gosta.
Francisco José Vasques Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Jorge Pereira Jardim.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dós Reis.
Purxotoma Ramanata Quenin.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

Projectos de lei a que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão:
Projecto de lei de alteração à Constituição Política
Artigo 1.º A Constituição deve ser precedida de um preâmbulo que afirme a fé que vive na alma da Nação, e que será:
A Nação Portuguesa, fiel à fé em que nasceu e em que se engrandeceu, invoca o nome de Deus ao

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votar, pelos seus representantes eleitos, a lei fundamental que segue.

Art. 2.º O § 2.º .do artigo 8.º é substituído pelo seguinte:

Leis especiais regularão o exercício da liberdade de expressão de pensamento, de ensino, de reunião e de associação, por forma a tão-sòmente impedir, preventiva ou repressivamente, a perversão da opinião pública e a salvaguardar a integridade moral dos cidadãos; a inobservância deste preceito fundamental implicará a responsabilidade prevista no n.º 4.º do artigo 115.º

Art. 3.º O actual artigo 23.º passará a ser o seguinte:

A imprensa exerce função de carácter público, por virtude da qual não poderá recusar, em assuntos de interesse nacional, a inserção de notas oficiosas que lhe sejam enviadas pelo Governo. Lei especial definirá os direitos e os deveres, quer das empresas, quer dos profissionais do jornalismo, por forma a salvaguardar a independência e dignidade de umas e outros.

Art. 4.º O corpo do artigo 27.º será substituído pelo seguinte:

Salvo em casos excepcionais a prever, em lei, é expressamente proibido acumular empregos do Estado, ou das entidades enumeradas no artigo 25.º, e, bem assim, empregos daquele com os destas e os destas entre si.

Art. 5.º O n.º 3.º do actual artigo 31.º será:

Conseguir o menor preço e o maior salário compatíveis com a justa remuneração dos outros factores da produção, pelo desenvolvimento da técnica, dos serviços e do crédito, impedindo, porém, que estes se desviem dag finalidades sociais e humanas para cuja satisfação existem.

Art. 6.º A seguir ao n.º 3.º do artigo 31.º será incluído um número novo, a saber:

4.º Tomar as providências necessárias e eficientes para impedir os lucros exagerados e anómalos do capital, restituindo este ao seu sentido humano e cristão.

Art. 7.º O actual n.º 4.º do artigo 31.º passará a ser o seu n.º 5.º
Art. 8.º O corpo do actual artigo 70.º passará a ser:

É da competência da Assembleia Nacional fixar em lei os princípios gerais relativos:

Art. 9. É suprimido o § 2.º do artigo 109.º; e o actual § 3.º passará a ser o § 2.º, com a seguinte modificação lia redacção da sua primeira frase:

Os decretos-leis publicados pelo Governo durante o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional serão sujeitos a ratificação, que se considerará concedida quando, nas primeiras dez sessões posteriores à publicação, dez Deputados, pelo menos, não requeiram, que tais decretos-leis sejam submetidos à apreciação da Assembleia.

Art. 10.º O artigo 134.º é substituído pelo seguinte:

Os territórios ultramarinos indicados nos n.ºs 2.º a 5.º do artigo 1.º denominam-se genericamente «províncias» e estão em perfeita igualdade e paridade com os demais territórios nacionais.

Art. 11.º O artigo 135.º passa a ser:

As províncias ultramarinas mantêm íntima solidariedade entre si e com o continente e terão a mesma estrutura deste, salvas as diferenças impostas pela sua situação geográfica, natureza das suas populações e características próprias de cada uma delas.

Lisboa e Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 8 de Abril de 1959. - Os Deputados: Carlos Alberto Lopes Moreira - Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães - Américo Cortês Pinto - António Barbosa Abranches de Soveral - Manuel Nunes Fernandes - António Jorge Ferreira - Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa - Manuel de Sousa Rosal Júnior- Aires Fernandes Martins - Agostinho Gonçalves Gomes - Fernando Cid Oliveira Proença.

Projecto de lei de alterações à Constituição Política

I

O artigo 1.º passa a ser redigido nos seguintes termos:

O território de Portugal é o que actualmente lhe pertence e compreende:

1.º Na Europa: o continente;
2.º No Atlântico Norte: os arquipélagos dos Açores, da Madeira e de Gabo Verde;
3.º Na África Ocidental: Guiné, S. Tomé e Príncipe e suas dependências, incluindo S. João Baptista de Ajuda, e Angola, incluindo Cabinda;
4.º Na África Oriental: Moçambique;
5.º Na Ásia: Estado da Índia e Macau e respectivas dependências;
6.º Na Oceânia: Timor e suas dependências. § único. A Nação não renuncia aos direitos que tenha ou possa vir a ter sobre qualquer outro território.

II

No artigo 134.º elimina-se a expressão «indicados nos n.ºs 2.º a 5.º do artigo 1.º».

III

O § único do artigo 148.º passa a ser assim redigido:

Sem prejuízo do disposto na parte final do artigo 134.º, em cada uma das províncias ultramarinas será mantida a unidade política, pela existência, de uma só capital e do governo da província.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 8 de Abril de 1959. - O Deputado,
Adriano Duarte Silva.

Projecto de lei de alteração á Constituição Política

Artigo único. No actual artigo 12.º propõe-se a substituição da palavra «raça» pela palavra «etnia».

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 8 de Abril de 1959. - Os Deputados: Américo Cortês

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Pinto - António Barbosa Abronches de Soveral - Fernando Cid Oliveira Proença - Júlio Alberto da Conta Evangelista.

Projecto de lei de alteração á Constituição Política
Artigo 1.º O corpo do artigo 72.º é substituído pelo seguinte:
Art. 72.º O Chefe do Estado è eleito por um colégio eleitoral constituído pelos membros em exercício efectivo da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa não designados pelo Governo, por membros da hierarquia, eclesiástica (cardeais, arcebispos e bispos de cidades da metrópole e províncias ultramarinas a designar por lei), representantes da magistratura, comandos superiores do Exercito, da Armada e da Aeronáutica e representantes do ensino superior e das instituições de alta cultura.

Art. 2.º O corpo do artigo 85.º é substituído pelo seguinte:
Art. 85.º A Assembleia Nacional é composta de cento e cinquenta Deputados, eleitos por cinco anos, improrrogáveis, 'por círculos distritais, por um colégio eleitoral constituído pelos representantes dos municípios de cada distrito da metrópole e das províncias ultramarinas e de cada província ultramarina não dividida em distritos, dos membros das juntas distritais e dos representantes dos organismos e instituições morais, culturais e económicas a designar por lei, de acordo com as realidades locais de cada distrito.

Lisboa 8 de Abril de 1959. - O Deputado, Augusto César Cerqueira Gomes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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