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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 94
ANO DE 1959 16 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 94, EM 15 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aborta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - foi aprovado o Diário das Sessões n.º 93.
Usaram da palavra, os Srs. Deputados Camilo ao Mendonça, que enviou um projecto de lei para a Mesa acerca da remuneração dos corpos gerentes de varias empresas, por ele subscrito e por mais outros Srs. Deputados; Amaral Neto, sobre os trabalhos de conservação dos solos nos montados; Urgel Horta, para, se referir à visita, que recentemente teve lugar, do Ministro da Educação Nacional ao Porto; Silva Mendes, que chamou a atenção ao Governo para a necessidade de serem enviados, no maior número possível, professores primários para o ultramar; e José Saraiva, sobre problemas de interesse para o ensino.
Ordem do dia. - Concluiu-se a, discussão das Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Publico referentes a 1957.
Usou da palavra o Sr. Deputado Sarmento Rodrigues.
Postas à votação as propostas de resolução quanto às Contas florais do Estado da metrópole e das provindas ultramarinas e às da Junta, do Crédito Público, foram ambas aprovadas.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 25 minutas.
Fez-te a chamada, â qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Finto.
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
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Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 93 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 80 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:-Está em reclamação o Diário dou Sessões n.º 93, de 15 do corrente.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre este número do Diário, considero-o aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para apresentar um projecto de lei o Sr. Deputado Camilo do Mendonça.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: vou enviar paru u Mesa, nos termos regimentais, o seguinte
Projecto de lei
«Artigo 1.º Os corpos gerentes dos estabelecimentos do Estado e das sociedades, companhias ou empresas:
a) Concessionárias ou arrendatárias;
b) Em que o Estado tenha direito a participação nos lucros ou seja accionista com, pelo meãos, 10 por cento do capital social;
c) Que explorem actividades em regime de exclusivo ou com beneficio ou privilégio não fixados em lei geral;
d) Em que se verifique o previsto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 40 833;
independentemente de terem a sede social no continente, nas ilhas adjacentes ou no ultramar, quer se revistam da forma de administração, direcção, comissão executiva, fiscalização ou qualquer outra, não podem perceber remuneração superior à atribuída aos Ministros de Estado, desde que residam ou exerçam a actividade na metrópole.
§ único. Considera-se pára o efeito deste artigo:
a) Como remuneração dos Ministros, não só o vencimento como qualquer, subsídio a que tenham direito a titulo permanente;
b) Como remuneração dos corpos gerentes, não só todas as retribuições fixas, seja qual for a sua natureza, como a eventual participação nos lucros, gratificações de qualquer espécie por funções de administração, consulta, fiscalização ou outras, bem como o montante dos impostos pessoais dos corpos gerentes pagos pela sociedade, companhia ou empresa e as importâncias atribuídas para despesas de deslocação ou representação pessoal, na parte que excedam as ajudas de custo atribuídas aos Ministros.
Art. 2.º Consideram-se igualmente submetidos ao regime estabelecido nesta lei as sociedades, companhias ou empresas que mantenham perante as abrangidas pelo artigo 1.º qualquer das relações da natureza das definidas para estas relativamente ao Estado.
Art. 3.º A fiscalização do disposto nos artigos 1.º e 2.º incumbe aos delegados ou comissários do Governo, ou, na sua falta, a delegados a designar pela Inspecção-Geral de Finanças, à qual cabe, em todos os casos, a superintendência e orientação da fiscalização.
§ único. Ficam a constituir encargo da sociedade, companhia ou empresa quaisquer despesas efectuados ou gratificações que o Ministro das Finanças entenda dever atribuir pelo exercício da fiscalização.
Art. 4.º A acumulação de cargos nos corpos gerentes das sociedades, companhias ou empresas abrangidas pelos artigos 1.º e 2.º desta lei e, bem assim, com os de quaisquer outras sociedades civis ou comerciais só será consentida quando a remuneração, nos termos da alínea b) do § único do artigo 1.º, em cada um, for inferior ao vencimento dos Subsecretários de Estado, mas
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em qualquer caso o conjunto das remunerações totais não poderá exceder a atribuída aos Ministros de listado.
Art. 5.º Todos aqueles que hajam exercido as funções de Ministro, Secretário ou Subsecretário de Estado ou de governador das províncias ultramarinas não poderão, durante os cinco anos posteriores à exoneração do cargo, exercer quaisquer funções administrativas, executivas, directivas ou fiscais, por escolha ou eleição, nas sociedades, companhias ou empresas abrangidas por esta lei, sempre que estas sejam, ou tenham sido, dependentes dos respectivos Ministérios ou governos ultramarinos ou sujeitas à fiscalização dos mesmos.
Art. 6.º Exceptuam-se do disposto nesta lei os representantes eleitos de organizações económicas estrangeiras, quando não tenham a nacionalidade portuguesa de origem, em todos os casos em que o Conselho de Ministros, em despacho fundamentado, considero a participação dessas organizações de muito interesse para o desenvolvimento económico do Pais.
Art. 7.º Para todos os efeitos desta lei, consideram-se os serviços autónomos, os organismos corporativos ou de coordenação económica, bom como as instituições de previdência e os capitais de qualquer deles, equiparados, respectivamente, ao Estado ou a capitais do listado.
Art. 8.º São revogados o artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 26 115 e o § 1.º do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 40 833, bem como todas as leis especiais que disponham diferentemente.
Art.º 9.º Esta lei aplica-se:
a) Quanto aos vencimentos fixos, desde o mós imediato ao da sua publicarão;
b) Quanto às demais retribuições, desde o começo do ano social em curso naquela data.
Os Deputados: Venâncio Augusto Deslandes - José Freitas Soares - José Guilherme de Melo e Castro- Paulo Cancella da Abreu- Carlos Monteiro do Amaral Neto - António Carlos dos Santos Fernandes Liana- José Hermano Saraiva - Manuel Lopes de Almeida- João Augusto Dias Rosas - Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça».
O Sr. Presidente: - O projecto de lei de V. Exa. vai baixar à Comissão de Legislação e Redacção e será depois enviado à Camará Corporativa, para esta dar o sou parecer.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Amaral Neto.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para uma intervenção breve, que, todavia, me é particularmente grata, porque tem por fim trazer ao conhecimento da Câmara e a atenção do Governo um serviço que, embora com um objectivo estritamente definido, tem potencialidades que não se podem dizer estreitas.
E é-me grato fazê-lo porque, entendendo geralmente que a função desta Assembleia e a minha dentro dela me obrigam a apontar o que está errado ou o que está certo, para se emendar ou louvar, é-me muito mais à feição do espirito,- inconformista, todavia, como ele é, e contrário a tudo que represente desleixo, erro ou egoísmo, trazer uma boa nova e apontar ao elogio e reconhecimento comuns uma boa actividade do que anotar defeitos ou censurar desvios.
Quero referir-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, aos trabalhos, ainda incipientes, da conservação dos solos nos nossos montados. A obra do fomento suberícola, que se processa à sombra da colaboração da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas e da Junta Nacional da Cortiça, foi instituída, há pouco menos de meia dúzia de anos, com o fim de criar e estudar as condições de valorização do que ainda é hoje uma das primeiras riquezas do nosso país, não só no volume dos bens que cria e permite exportar, como pela importância com que concorre para o peso favorável da nossa balança de comércio, mas também porque representa ainda a melhor, possibilidade de aproveitamento de partes extensíssimas do território português.
O fomento subericola desenvolve os seus esforços e encaminha os seus estudos em campos diferentes, como o do combate às doenças, o do melhoramento das qualidades de cortiça e outros ainda, e por último, para mim agora, o da defesa e conservação dos solos dos montados, onde os sobreiros crescem e medram.
Nos seus trabalhos de conservação dos solos, os serviços de fomento suberícola encetaram desde há dois anos práticas simples, que, pela sua facilidade de aplicação, independentemente do sucesso que atingem - e por enquanto leva bons prenúncios -, merecem atenção pelas possibilidades que há de as estender a campos mais vastos no domínio primordial da conservação do solo agrícola.
A conservação do solo é, como VV. Exas. não ignoram, talvez o aspecto mais interessante do problema da conservação das riquezas naturais, cuja delapidação há mais de cem anos se vem acelerando e já mereceu a esta Assembleia, por mais de uma vez, exame, como quando da discussão da Lei n.º 2069, que visa a arborização dos encostas sujeitas à erosão, e ainda recentemente nos pode ter sido lembrado através do estudo feito Sela Gamara Corporativa do primeiro plano de execução a dita lei - o parecer sobre as bacias hidrográficas das ribeiras de Terges e de Cobres.
No extenso parecer, assinado por uma autoridade por todos reconhecida - o Prof. Castro Caldas -, faz-se notar que a tarefa da conservação dos solos parece desmedida para as possibilidades da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas, tal como se encontra organizada, o que me levou a pensar no trabalho discreto dos serviços de fomento suberícola e em como se poderia integrar numa grande obra comum.
A prática que os serviços do fomento subericola estão seguindo consiste na construção de ralas ou banquetas feitas com vulgares charruas ou por máquinas mais apropriadas, mas todavia simples, em termos de permitirem, pela redução dos taludes e retenção das águas, a renovação da vegetação e o estabelecimento de condições mais favoráveis ao desenvolvimento das espécies florestais que têm o sobreiro como o seu móis rico expoente, nos domínios próprios da acção do fomento suberícola.
Eu bem sei que não ó novidade para ninguém a prática de lavrar encostas segundo linhas de nível, mas é também verdade que quando essa lavoura é confiada ao jeito do lavrador, seja ele o homem que conduz o tractor, seja o homem que empunha a rábica, o arado desvia-se constantemente para jusante e tende a transformar o que deviam ser curvas de nível em regos poligonais caindo com o declive.
O trabalho começa ao estabelecer-se a implantação das linhas das valas nas encostas, e isto exige experiência, pois deve ser feito de harmonia com critérios atentos tanto á topografia como aos múltiplos fins das obras.
Só um organismo devidamente organizado, com pessoal treinado, capaz de fazer a escolha judiciosa das distâncias das curvas de nível, dos pontos a trancar e até das obras acessórias, pode assegurar esse trabalho.
Só um corpo experimentado pode assegurar essa tarefa, só o Estado, com os seus serviços oficializados, pode manter tal organismo.
Parece-me que o grande interesse da obra -ainda que modesta pareça - está em pôr em destaque a possi-
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bilidade de a estender, aproveitando-se a armadura técnica do serviço público e associando-lhe as possibilidades próprias dos agricultores em máquinas e trabalho.
Até agora, a Comissão de Fomento Subericola tem agido fornecendo toda a assistência técnica e às vezes fornecendo as máquinas e as sementes para as florestações necessárias, mas eu entendo que não ô preciso sobrecarregar tanto o Estado e que os proprietários de mais posses podem, devem e hão-de querer comparticipar na iniciativa, estabelecendo os núcleos de demonstração e chamando pela forca tio seu exemplo os empresários menores, esses mais largamente assistidos, ao prolongamento e generalização da obra, que é do interesse de cada um e do interesse comum de todos.
É no sentido, pois, de pedir a atenção do Governo para a obra encetada há dois anos apenas, para a sua potencialidade, para o exame de quanto se pode fazer se for somente alargado o quadro dos técnicos, para poderem assegurar nos terrenos de encostas onde for necessário proceder à conservação do traçado das obras, pois que nenhum particular poderá manter serviços privativos de piquetagem, mas muitos particulares podem associar-se ao Estado para executar as obras petos seus técnicos delineadas, que hoje vim importunar VV. Exas.
Já me foi dado ouvir da boca de um velho feitor, todavia descrente, esta nota: na terra de tal, a primeira onde o serviço se encetou, deixaram de morrer sobreiros, que antes por ali secavam com relativa frequência.
Pode assim haver uma melhoria nessas zonas próprias para a cultura do sobreiro, e, ainda que apareçam agora nuvens menos rosadas sobre o futuro da cortiça, a espécie oferece-se-nos, todavia, como continuando a merecer a atenção do todos quantos se debruçam sobre a economia agrícola do nosso pais, pois o seu principal produto poderá porventura ainda defender-se na concorrência dos preços com o aumento das produções.
Tudo quanto se prenda com a conservação do solo tem, porém, interesse mais amplo e mais geral, o eu creio que, a par dos métodos exclusivamente florestais ou de métodos mais complexos, mais dispendiosos, deve dar-se todo o alargamento à obra eficientemente encetada pela colaboração dos organismos especializados.
Quis apenas chamar a atenção para o interesse deste problema; foi este o objectivo da presente nota.
É difícil por enquanto afirmar em termos muito concretos até onde chegam os resultados destas obras de conservação do solo, desta espécie de jogo em que o homem anda constantemente a embater contra as reacções da terra; o aproveitamento das forças naturais da revegetação e do assentamento dos solos tem de ser feito pelos processos mais económicos e mais práticos, porque é um domínio onde o óptimo sai caro e o bom requer prudência e cuidado.
Esta prudência na consideração dos aspectos económicos, parece-me encontrá-la nas práticas encetadas pelos serviços do fomento subericola. É para a sua prática que quero pedir a atenção do Governo, no sentido de dar a essa actividade o apoio e o desenvolvimento que se entenda merecido.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Urgel Horta:- Sr. Presidente: reconhecimento, gratidão e justiça formaram a tríade de sentimentos que projectou, fundamentou e realizou essa inesquecível jornada que ficará na vida ministerial do ilustre titular da pasta da Educação Nacional como data inapagável do mais alto significado.
Há acontecimentos que pela sua projecção no domínio social e no domínio político, projecção altamente representativa, não podem cair no olvido público, visto a sua repercussão dever sentir-se para além da hora em que se produziram. Rememorá-los e enaltecê-los, no seu magnifico significado, dentro da verdade que encerram, é dever dos que, como eu, na qualidade de Deputado, os presenciaram, sabendo avaliar e admirar o entusiasmo expressivo e eloquente, no justo motivo que os originou, na plena razão em que assentaram.
A manifestação que o professorado primário do distrito do Porto dedicou ao Sr. Ministro da Educação Nacional marcou sentimento de inteira justiça, gratidão e admiração pelo homem e pela sua obra, que bem merece ser enaltecida, pelo que valeu e pelo que representa.
Na verdade, a personalidade eminente do engenheiro Leite Pinto, vincadamente marcada e distinta nos diferentes sectores da sua prodigiosa actividade ministerial, atento às necessidades e aos anseios do ensino, na actualização e na resolução de problemas que tanto interessam a sociedade em que vivemos, é bem credora das homenagens que lhe foram tributadas.
Reunidos a sua volta mais de um milhar de professores primários, em viva e agradecida demonstração de fé e de respeito que não se apagará tão cedo, souberam fazer demonstração de confiança plena na acção exercida pelo mestre ilustre que os orienta e os guia.
Espirito integrado nos sistemas de formação educativa mais completos e mais actualizados, servido por uma inteligência enriquecida no estudo das ciências o na convivência dos homens, demonstra a cada instante o valor da sua cultura técnica o da sua educação humanística.
Observador do mais tino quilate, atento às necessidades do ensino, deve sentir-se profundamente satisfeito com a homenagem que teve por teatro a invicta cidade do Porto, onde os valores são reconhecidos e apreciados na sua justa medida e onde a gratidão não é palavra vã, mantendo o professorado com inteira consciência a noção dos seus deveres perante o interesse nacional, dentro do campo em que é exercida a sua tão generosa como salutar actividade.
Daqui, desta tribuna, quero associar-me a essa homenagem, que o Sr. Ministro da Educação Nacional valorizou substancialmente com o discurso produzido, onde, ao lado do sensibilizante agradecimento, expresso em termos inteiramente justos, traça com objectividade e com grandeza largo programa de educação e cultura, repositório vasto e brilhante de actividades e conceitos magistrais, rematado por um hino de confiança e de fé nos destinos da Pátria e no futuro do magistério primário, que, através de todas as incompreensões e vicissitudes, soube cumprir os deveres que esse sacerdócio lhe impunha.
Sr. Presidente: a obrigatoriedade do ensino primário em seis classes, num acréscimo de escolaridade com reconhecida vantagem para aquisição de conhecimentos indispensáveis à vida; o conceito de educação permanente, realizado através de um esforço comum, com a colaboração de organismos usando meios actualizados de divulgação de conhecimentos, com actividade intensa nos meios rurais, dentro de uma noção de especificidade inerente à terra; a defesa da cultura popular levada a cabo através de processos didácticos próprios e adequados ; a projectada fusão dos ciclos preparatórios dos liceus e das escolas técnicas e outras múltiplas iniciativas, umas programadas e outras realizadas, foram objecto de larga e completa dissertação, onde as tarefas respeitantes ao progresso da educação e cultura intelectual e moral são apresentadas e serão realizadas, numa finalidade de aproveitamento máximo realizado pela escola, em colaboração permanente com a família e com a Igreja.
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Sr. Presidente: associando-me mais uma vez às homenagens tributadas ao Sr. Ministro da Educação Nacional, quero neste instante saudar também o professorado primário, que teve sempre o meu apoio nas suas justas reivindicações e que soube na hora presente dar um alio exemplo de disciplina e de afecto pela terra onde nascemos e pela pátria que servimos com abnegação e com entusiasmo.
Sr. Presidente: anunciou o Sr. Ministro da Educação Nacional a construção, no ano que decorre, de mais 2950 salas de aula, em ritmo de oito salas por dia, espalhadas pelo Pais inteiro; a edificação, em período que não vem distante, da Cidade Universitária, para o que se encontram em estado de certo adiantamento os respectivos estudos, e anunciou ainda a construção de um liceu feminino no Porto, substitutivo desse pardieiro onde se aloja o Liceu da Bainha Santa Isabel, a pior instalação de ensino secundário existente no País, sem nenhuma das condições de higiene e segurança, indispensáveis a um funcionamento normal.
Não foi ainda possível nesta visita, que tão gratas recordações lhe deve ter deixado, o participar à cidade do Porto o restabelecimento da sua Faculdade de Letras, que vive constantemente no pensamento do velho burgo, que aguarda com impaciência, mas ainda com fé e confiança, o dia em que essa boa nova lhe seja transmitida.
Na verdade, Sr. Presidente, não se compreende nem se justifica essa falta, bem sentida pela Universidade do Porto e por todos quantos sabem o que representa semelhante lacuna dentro do ensino. Se a boa preparação técnica é indispensável à realização de empreendimentos de progresso material, a cultura do espírito, a cultura humanística, é manancial de conhecimentos indispensável àqueles que nas Universidades procuram a elevação do sen intelecto, visto a técnica se valorizar associada às humanidades, como premente necessidade espiritual.
Quais, as razões contrariantes ao seu restabelecimento?
Tenho indicado motivos e razões, invocado fundamentos, exposto opiniões cheias de autoridade e apresentado argumentos, como factores demonstrativos da necessidade da existência da Faculdade de Letras, e até hoje não foram escutados os meus clamores, e, posto que a fé não esmoreça, não posso deixar de continuar na defesa de uma causa considerada inteiramente justa.
O Senado Universitário do Porto recebeu há dias algumas centenas de antigos alunos da extinta Faculdade, que ali se reuniram em manifestação de amor pelo passado que viveram e do futuro que esperam viver após o restabelecimento do instituto onde adquiriram grande parte da cultura que possuem.
Em memorável sessão, fui generosamente saudado, e alguém me classificou como paladino do renascimento da Faculdade de Letras. Essa distinção, de sen estrénuo defensor, tão grata ao meu espírito, foi-me depois confirmada em telegrama por essa plêiade admirável que ali estudou ciências humanísticas. Facto tão sensibilizante vem reforçar o meu velho propósito de lutar por empresa que bem merece ser acarinhada.
Sr. Presidente: apontam-se os mais diversos motivos para manter a Universidade do Porto amputada da sua Faculdade de Letras. Mas a razão posta impeditiva agora com mais frequência é a carência de professores com preparação, e cultura indispensável à manutenção do ensino, em alto nível, nesse instituto universitário.
Se tal direito nos é concedido, discordamos inteiramente dessa razão, visto estarmos absolutamente convencidos de que, espalhados pelo País, abundam valores marcantes, trabalhando em diversos estabelecimentos de educação e cultura, personalidades eminentes, com mentalidade e bagagem mais que bastante para o desempenho de funções docentes no ensino superior de Letras.
E como a primeira nomeação do corpo docente não poderá obedecer aos cânones estabelecidos pelas Universidades (a prova já foi feita em 1919, com os mais esplêndidos resultados), o Governo, dentro do melhor propósito, seleccionaria, por intermédio dos seus diferentes órgãos consultivos, os elementos julgados com idoneidade, competência e autoridade para o exercício das suas funções docentes.
O exemplo fornecido pela antiga Faculdade de Letras, que possuía um notável grupo de mestres, a quem hoje se rendem as maiores homenagens, repetiu-se com a criação de novas Faculdades, donde se tiram resultados que podem classificar-se como brilhantes. Quero referir-me à Faculdade de Economia do Porto, dirigida por um mestre de alto merecimento e onde de dia para dia se vão afirmando novos valores.
Sr. Presidente: o Sr. Ministro da Educação Nacional, homem de notável envergadura, acaba de receber a consagração das suas qualidades e das suas virtudes numa manifestação promovida pelos mestres de ensino primário no distrito do Porto, facto que nenhum outro possui no seu currículo. Nós continuamos mantendo fé e confiança nos seus desígnios, aplaudindo essa homenagem, tão eloquente como merecida, que ficará como luzeiro forte e rutilante, balizando a sua passagem por pasta tão distinta, onde marcou e atingiu posição difícil de igualar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Silva Mendes: - Sr. Presidente: no final da minha última intervenção nesta Assembleia fiz uma rápida referencia à necessidade de se mandarem urgentemente para as nossas províncias ultramarinas professores e professoras de instrução primária, que ensinassem a língua portuguesa com a necessária correcção e pureza.
Apresentei à consideração do Governo e da Assembleia um assunto que me parece verdadeiramente aliciante e digno de ser estudado e tratado, com muito maior amplitude, por pessoas possuidoras de conhecimentos adequados e competência superior à rainha, especialmente pelos ilustres colegas que aqui representam as nossas províncias do ultramar.
Penso que é necessário construir muitas escolas e mandar para lá um número cada vez maior de professores, que ensinem o português puro em todas as cidades, vilas e aldeias mais importantes. Só assim, indiscutivelmente,, poderemos conseguir a ambicionada ligação e unidade de todos os povos que constituem a grande Nação Lusitana, sabendo-se, como se sabe, que a identidade de língua é o elemento máximo de ligação entre povos de várias raças e origens, que só por intermédio de uma língua comum podem conviver, uniformizar os seus pensamentos e compreender-se mutuamente.
Pensemos bem na enorme força que representa no mundo a união do imenso Brasil com as nossas grandes províncias de Angola e Moçambique e com as outras mais pequenas, todas ligadas à velha e culta Europa por intermédio do pequenino Portugal, tão pequenino em extensão, mas tão grande pelo seu incomparável génio civilizador e pela coragem, audácia, energia inquebrantável, espírito missionário, ciência e patriotismo com que se lançou à descoberta e conquista do mundo então desconhecido.
Para que essa união se mantenha e avigore, cada vez mais, é incontestavelmente necessário que haja uma língua comum, falada em todo o mundo da mesma forma, empregando-se as mesmas palavras com igual significação e a mesma sintaxe.
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Até no Brasil isto se torna necessário, para se manter a admirável união que existe entre todos os estados que compõem essa poderosa nação luso-americana.
Sr. Presidente: actualmente, o ensino da língua portuguesa está confiado, em grande parte, às missões religiosas portuguesas, a cuja benemérita e patriótica acção presto respeitosamente as minhas homenagens, manifestando nesta Assembleia a minha muita admiração pelos relevantes serviços que tom prestado à Pátria.
verdade, porém, é que nas missões estrangeiras raramente aparece quem seja capaz de ensinar e fazer compreender a língua portuguesa com a devida eficiência e correcta pronúncia, pelo que me parece que tem oportunidade e é digno de ser tomado em consideração pelo Governo - e, em especial, por S. Exa. o Ministro do Ultramar e até pelos governadores das províncias ultramarinas - o apelo que lhes dirijo, no sentido de ser consideràvelmente aumentado o número de escolas primárias existentes em todo o ultramar.
Sei até que residem em algumas localidades de Angola e Moçambique professores e professoras de instrução primária que não exercem a sua benemérita acção educativa por falta de escolas e de lugares onde possam exercer oficialmente a sua profissão. Se fossem criadas novas escolas oficiais, que tanta falta estilo fazendo, esses educadores poderiam começar a prestar os seus serviços, com bem evidente vantagem, pelo conhecimento que já têm do meio em que têm vivido.
Sr. Presidente: pode causar uma certa admiração que eu, nunca tendo estado no ultramar, me atreva a pronunciar-me a respeito de um assunto de tanta importância, mas a verdade é que este problema já me preocupa desde 1918, quando um camarada africano me chamou para ele a atenção.
Esse camarada era o quartanista de Direito e alferes miliciano de infantaria 22 António Carreira, filho de pai português e de mãe de raça vátua.
O Carreira era um bom oficial. Sempre o primeiro nos trabalhos e perigos e o último a ir descansar, amigo dos soldados, sacrificando-se por eles, chegando a levar às costas as mochilas de dois soldados doentes para que pudessem marchar, era muito estimado pelos seus subordinados e pelos oficiais que melhor o conheciam.
Além disso, era forte e corajoso, sereno e calmo durante os combates, utilizando sobriamente as suas qualidades naturais para fazer patrulhas de reconhecimento, e um destemido e sincero patriota, orgulhoso do seu sangue português, que, misturado com o de sua mãe, lhe transmitira as melhores qualidades que possuem as duas raças de que descendia.
Defendendo sectores vizinhos nas trincheiras de primeira linha da frente de combate confiada aos Portugueses durante a guerra de 1914-1918, conversávamos muito a respeito de assuntos ultramarinos, procurando adivinhar qual seria a situação do nosso país quando terminasse a imensa tragédia que estávamos vivendo e o que se passaria no mundo nos anos seguintes.
Na opinião do Carreira os possessões portuguesas ficariam para sempre ligadas à Mãe-Pátria, porque, tendo os Portugueses um espírito superior ao dos outros povos de raça branca, que lhes permitia acamaradar com povos de outras raças, sem discriminações que os humilhassem e sem os dominarem pelo terror, estes os respeitariam e estimariam sempre, vindo a constituir uma nação única na história do mundo, com uma formidável força económica e bases estratégicas que lhe permitiriam valorizar-se como potência militar de primeira ordem.
Para isso, dizia-me o Carreira, há mais de quarenta anos, «é preciso ensinar o português puro, o mais depressa possível, em todas as províncias ultramarinas», e hoje sou da mesma opinião.
Honra-nos com a sua presença nesta Assembleia o Sr. Comodoro Sarmento Rodrigues, que à frente do Ministério do Ultramar prestou à Nação incontestáveis e relevantes serviços, que o impuseram à admiração de todos os portugueses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - S. Exa., que prestou assinalados serviços nas nossas províncias ultramarinas, que visitou como Ministro e cujas necessidades bem conhece, poderá dizer, melhor do que ninguém, se o africano Carreira tinha ou não razão no que me dizia há já tantos anos.
Creio que sim e que também não éramos excessivamente optimistas quando, ouvindo troar o canhão, rebentar as granarias e silvar as balas de espingarda e metralhadora, sonhávamos com um grande mundo lusitano em que Angola e Moçambique fossem novos Brasis, sempre ligados à pequena casa lusitana e ao grande Brasil e constituindo uma imensa nação, com ramificações em iodas as partes do mundo, e em que a velha Lusitânia fosse a transmissora de novas e sempre vivas energias e do seu alto espírito europeu e cristão aos seus irmãos das terras de além-mar, povoando-as com o excesso da sua população e sendo a terra linda e saudável onde os portugueses de todo o seu mundo viessem restaurar a sua saúde, ganhar novas forças e avigorar o seu legítimo orgulho e a nobreza do seu espírito, contemplando e aprendendo a amar os monumentos que consagraram o esforço desta raça sonhadora, valente, compreendedora e inteligente, que, desde os tempos da velha Lusitânia, tem marcado sempre com altivez o seu lugar distinto entre os outros povos da terra.
Nesse tempo era um sonho, nada mais do que um sonho, mas que, a pouco e pouco, se vai transformando numa encantadora realidade. Para que p seja completamente parece-me que é necessário, indiscutivelmente, que se intensifique o ensino da língua portuguesa em iodas as nossas províncias ultramarinas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Saraiva: - Sr. Presidente: por ocasião da sua recente visita à cidade do Porto e no decurso de uma reunião de professores do ensino primário, o Sr. Ministro da Educação Nacional proferiu um discurso, no qual se contêm afirmações extremamente importantes, tanto pelo que denotam de clara visão do conjunto do problema educacional português, como pelo que julgo revelarem sobre a posição do Governo em face daquele mesmo problema.
Reconheceu-se claramente a necessidade do aumento do tempo da escolaridade obrigatória e afirmou-se que manter o limite actual de quatro classes pode constituir um erro grave, em face do anseio de educação permanente. Definiu-se como objectivo a atingir, no sentido de acertar o passo com os outros, povos europeus, o ensino obrigatório de seis classes.
Reconheceu-se que o nível cultural e sanitário condicionam a produtividade e que, sob o ponto de vista económico, as primeiras preocupações de um Estado são a saúde pública e a instrução de todos a um nível tão elevado quanto possível. E, por último, creio que houve a intenção de aludir a uma questão de importância vital para a sobrevivência do mundo e da alma portugueses, quando se ligou o plano de acção que acabava de se esboçar com a certeza, que todos precisamos de ter, de que nos quatro cantos do mundo português feito pelos nossos avós os nossos netos falarão sempre a lín-
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gua que as nossas mães e os nossos primeiros professores nos ensinaram a falar e a escrever.
Não faltou o ilustre Ministro ao seu dever de expor também que enormes dificuldades de pessoal e de instalação impedem que uma reforma profunda do ensino primário seja desde já decretada e posta em prática.
É manifesto que com quadros de professores 'que não chegam para fazer face às necessidades presentes, com uma rede escolar que ainda se não pode considerar completa e com um número de salas de aula que, apesar de todos os consideráveis progressos dos últimos anos, está longe ainda de corresponder às necessidades de instalação do actual regime das quatro classes, não se pude entrar para um regime que, para já, viria aumentar a população escolar primária em cerca de 200 000 estudantes.
Mas reconhecer o obstáculo nau pode significar que se fique à espera de que haja salas e professores bastantes para depois se proceder ao aumento do período de escolaridade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As salas novas vão sendo construídas à medida em que se vão tomando indispensáveis, isto é, quando as velhas casas das escolas se mostram de todo em todo insuficientes para as necessidades actuais do ensino.
É, portanto, claro -e resulta, aliás, das disposições legais em vigor- que o número de salas existentes nunca ultrapassará o limite das necessidades actuais das quatro classes, e isto equivale a dizer que condicionar a oportunidade da reforma à possibilidade de uma instalação imediata corresponderia a adiar indefinidamente a resolução da questão.
Mas, quaisquer que sejam as dificuldades a vencer, não duvido de que elas não deixarão de ser removidas. O facto de o Ministro da Educação Nacional ter em declaração oficial reconhecido a importância e a necessidade de uma reforma dessa natureza e de ter afirmado que dela estão dependentes interesses tão decisivos como aqueles a que se referiu é a garantia de que a questão vai finalmente ser encarada com a amplidão de vistas e resolvida com a mobilização de meios que a sua evidente gravidade reclama.
O valor do homem como membro da comunidade depende fundamentalmente do seu grau de cultura e vai-se tornando cada vez mais claro que o valor e a capacidade, produtiva das nações dependem do grau da cultura colectiva.
É, aliás, uma antiga lição da história a de que os povos de cultura mais forte estiveram sempre em posições dominantes, os de cultura mais débil sempre na posição de dominados.
A transformação das condições gerais da vida contemporânea e a exigência de uma cada vez mais alta preparação geral e específica para toda a actividade económica tiveram o efeito de aumentar a atenção que os Estados prestam HO índice geral da cultura, reconhecido hoje em toda a parte como elemento da qualificação do trabalho e, portanto, como factor humano da produtividade e alicerce da riqueza e bem-estar nacionais.
Por isso mesmo, o aumento do período de escolaridade obrigatória tem constituído, especialmente depois da última guerra, uma preocupação dominante em muitos países da Europa.
O antigo esquema dos estudos primários - ler, escrever e contar, num período de aprendizagem que devia achar-se concluído quando se entrava na adolescência - foi posto de parte por se ter reconhecido que não garantia o mínimo cultural indispensável. Estão hoje em vigor, em vários países, esquemas de sete, oito, dez e mais classes obrigatórias; em França, onde desde há muitos anos funciona o regime das sete classes, estuda-se presentemente um esquema que traz o limite do estudo obrigatório para os dezoito anos.
Poderá cada qual, no sabor do seu gosto, conveniência ou critério, entender que isto é demasiado, ou está curto, ou ainda é pouco. Mas qualquer que seja a opinião pessoal que se possa a esse respeito formular, devemos prever que a coexistência no espaço europeu de povos com índices culturais muito diferentes é susceptível de ocasionar consequências cuja gravidade só poderá ser medida quando já não puder ser evitada.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Xás estreitas relações de complementaridade que os grupos nacionais mantêm entre si não poderá deixar de se operar uma especialização de funções, uma hierarquização na qual o grau de cultura colectiva terá papel dominante. Quero dizer: o problema actual da educação repercute no futuro em termos de dignidade do lugar que cada povo há-de ocupar no conjunto internacional.
O caso português assume, porém, características especiais, que são os que resultam da nossa essência histórica de nação educadora de povos. Está sobre nós, definida na lei fundamental do Estado e entranhada no mais fundo da alma portuguesa, a responsabilidade da colonização das terras dos Descobrimentos sob a nossa soberania e o dever de comunicar e difundir, entre as populações das províncias do ultramar, os benefícios da civilização.
Daqui decorrem, inevitavelmente, características especiais para a definição do problema cultural português. Nós somos, nós temos de ser, sob pena de nos demitirmos da nossa missão no mundo, uma nação de quadros.
Os trabalhadores qualificados e os técnicos de todos os ramos serão necessários ao desenvolvimento das nossas províncias, e por serem necessários hão-de afluir ali portugueses, se os houver, ou estrangeiros, se os portugueses faltarem.
A presença do simples colono implica um problema de cultura; o colono é um agente de civilização, e civilizar não é outra coisa senão transmitir cultura. Vai bastante longe o tempo em que a simples presença do homem branco era factor de civilização.
Hoje não se pode esquecer que o homem saído das nossas províncias metropolitanas para o ultramar tem de exercer ali a sua acção em concorrência com os naturais de outras nações e que a sua acção ficaria seriamente diminuída quando se verificasse ser ele normalmente menos culto que os seus concorrentes.
Ainda dentro da projecção que a nossa função colonizadora terá de ter numa programação geral da política de educação, não pode deixar de se lembrar que todas as províncias de Portugal são, por definição, províncias de língua portuguesa e que todos os portugueses, onde quer que tenham nascido, têm de saber falar correctamente a língua da sua Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É indeclinável dever de todos o assegurar essa unidade de idioma, elemento basilar da unidade espiritual do mundo português. Isto é, aliás, tão evidente que basta aludir ao assunto para que todos lhe sintamos a importância crucial.
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Estas repercussões dos problemas educativos são suficientes para os trazerem ao primeiro plano das nossas preocupações e justificam a aspiração, sentida pelo Ministério da Educação Nacional e afirmada pela voz do ilustre Ministro, de uma elevação substancial do nível da cultura mínima obrigatória. Àquele departamento do Estado são já devidos reais progressos no que se refere ao domínio da instrução primária.
A situação material dos professores foi recentemente revista, dando-se assim o primeiro passo num caminho onde todavia ainda resta muito que fazer.
No prosseguimento da verdadeira cruzada nacional que foi a Campanha de Educação de Adultos conseguiu-se reduzir sensivelmente a taxa de analfabetismo e trouxe-se a totalidade das crianças em idade escolar à frequência da escola, criando-se assim fundada esperança de que o analfabetismo desapareça quase por completo dentro de um período de tempo que se pode determinar.
Aumentou-se a escolaridade obrigatória de três para quatro classes no referente aos rapazes e o mesmo progresso se anuncia para as raparigas já no próximo ano. Criaram-se murtas centenas de cantinas e construíram-se milhares de novas salas de aula.
As actividades de difusão cultural têm prosseguido; merecem particular referência os serviços de bibliotecas, que têm interessado na leitura muitos milhares de pessoas, fornecendo-lhes possibilidades de ampliação cultural.
O aperfeiçoamento dos métodos didácticos tem igualmente merecido atenção. E não deve deixar de se acrescentar que este meritório esforço de renovação tem sido conduzido num ambiente de aplauso unanime, diria mesmo de calorosa simpatia pública; é mérito que deve ser salientado, porque a adesão psicológica os governados faz redobrar a eficiência da acção dos governantes.
Tem, porém, de reconhecer-se que nenhuma iniciativa de difusão cultural ou de extensão da acção escolar poderá suprir a reforma profunda que resultará do aumento da escolaridade obrigatória. E essa a reforma que tem de ser encarada de frente.
Terá de ser preparada chamando às fileiras do ensino um número muito elevado de professores; e para isso não será de mais nada do que se faça para dignificar a profissão. Há, sobretudo, que criar aos professores estímulos de valorização e oportunidades de promoção que presentemente lhes faltam.
A possibilidade de passagem do magistério primário ao Secundário, depois de alguns anos de bom serviço e mediante a prestação das provas de Exame de Estado, seria uma medida de justiça para muitos professores que não podem frequentar a Universidade, mas que dão prova da sua capacidade para aquele grau de ensino no magistério particular. E teria, a utilidade de transformar o beco sem saída, que a sua profissão presentemente é, num caminho aberto, onde cada qual saberia que o valor pessoal poderia ser recompensado.
A abertura de escolas do magistério primário um todas as capitais de distrito, o envio a miai dos professores que mais se salientassem a especializar-se em estabelecimentos pedagógicos estrangeiros, a escolha por concurso de provas públicas para os cargos superiores da inspecção e da hierarquia escolar, a construção cia moradia do professor, a abertura de escolas de magistério onde se preparassem professores para o ultramar, seriam outras tantas medidas que poderiam contribuir para aumentar o número de obreiros que a grandeza da seara reclama.
São certamente pesados os sacrifícios que a magnitude desta obra exige; mas a Nação, Sr. Presidente, nunca recuou diante dos sacrifícios que sentiu serem impostos pela sua dignidade, pelo seu futuro.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado e as da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1957.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sarmento Rodrigues.
O Sr. Sarmento Rodrigues: - Sr. Presidente: honraram-me os eleitores de Moçambique com a sua confiança; e esta Assembleia distinguiu-me elegendo-me para a Comissão do Ultramar. Estas duas razões impõem-me deveres a que não poderia faltar sem risco de menosprezar os mandatos. Por isso aqui venho hoje fazer um breve depoimento sobre o processo das contas do ultramar.
Acerca da maneira com tem vindo a ser aperfeiçoada a apresentação das coutas das províncias ultramarinas, é com todo o gosto que reforço o louvor que o distinto colega Araújo Correia consignou no seu desenvolvido relatório e que mereceu a aprovação da nossa Comissão das Contas Públicas.
Nada mais justo do que exprimir uma palavra de estímulo a esses esforçados obreiros, que nos serviços de Fazenda, desde a Direcção-Geral, em Lisboa, as direcções provinciais, arrostam com toda a espécie de incompreensões - não só dos contribuintes, que, é fácil de entender, não se sentem inclinados a tecei- louvores a quem os. tributa., como também dos serviços públicos, que dependem dos orçamentos e desejariam as suas dotações cada vez maiores.
A Fazenda é culpada de tudo, dos vencimentos, que não são o que queríamos, dos impostos, que são excessivos, das verbas, sempre exíguas. E, contudo, não há corpo de funcionários que mais do que os da Fazenda seja digno da confiança, do reconhecimento dos governantes. Sem a sua probidade, a sua isenção, a sua coragem moral, bem diferente poderia ser, com consequências funestas, a administração do ultramar. Por isso novamente lhes presto, associando-me ao parecer da Comissão de Contas, as homenagens de verdadeiro apreço.
Torna-se bastante difícil, se não quase impossível, fazer uma apreciação global dos resultados do exercício de 1957 para o conjunto das províncias ultramarinas. Só por sorte se podem extrair algumas conclusões comuns, dada a grande diversidade de condições económicas, as vicissitudes do seu comércio, as exigências da sua vida.
Limitando-me às conclusões do relatório quanto a evolução das receitas e despesas, verifico, com algumas preocupações, a diminuição geral dos saldos. Não se pense ser a política dos saldos, saldos a todo o custo, preferível à da boa aplicação imediata das receitas. Pelo contrário, o retardo que com tanta frequência se observa na execução das obras de utilidade e urgência reconhecidas tem cansado prejuízos irreparáveis e comprometida as melhores intenções de uma política. Saldos a todo o custo, não.
Mas o fenómeno da sua diminuição tem origem em razões que não são animadoras. E que, tendo sido bem modesto o crescimento das despesas, ainda mesmo assim fui muito menor o acréscimo verificado nas receitas.
Ora este facto, se mesmo para territórios de maturidade populacional, como Cabo Verde, índia e Macau,
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não seria consolador, dado o natural e constante progresso económico e social, torna-se mais destacado para as províncias caracteristicamente um regime de sustento e que tanto carecem de um rápido desenvolvimento, sobretudo no período em que nos encontramos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estes sintomas -que as contam traduzem- não marram, não consagram, evidentemente, uma estagnação. Certamente há-de procurar-se o remédio por todos os meios, de modo que as províncias tenham, nesta momento decisivo para a sua evolução, o impulso criador de que precisam. Isto é que é, de facto, indispensável.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Na verdade, podemos orgulhar-nos de imensa, obra que tem sido feita no ultramar em todos os sectores. Foram as escolas que aumentaram em proporções impressionantes; as cidades que cresceram; as estradas e caminhos de ferro que se desenvolveram; os portos que só apetrecharam ; as barragens; os hospitais; as missões; os quartéis; as fábricas.
Podemos orgulhar-nos, mas não podemos parar. Num dizer que encontrámos um ritmo, uma toada para caminhar. Não podemos ficar tranquilos dó porque reconhecemos que o avanço que se alcançou sobre o passado foi grande. Nem sequer nos bastará acompanhar os progressos que à nossa volta se verificam, por vezes impressionantes em vários sectores e só possíveis graças a condições privilegiadas. Cotejar o nosso esforço com o dos outros é aconselhável, mas não suficiente.
O que sobretudo nos deve inspirar nos nossos planos são as imperiosas exigências da valorizarão humana e económica dos nossos territórios, exigências inadiáveis, prementes, perante a necessidade cada vez mais aguda de engrandecer um património, de garantir a existência da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: São estas perspectivas que têm de comandar um formidável esforço colectivo, único, no qual participe todo o povo português, com todas as energias nacionais; esforço só comparável ao que a Nação deve ter realizado nesse distante e glorioso século XVI, em que só se vivia, só se respirava, ultramar, a expansão.
Meus caros colegas: eu sinto-me mal a dizer sempre a mesma coisa, a repisar estes motivos, por vezes de uma maneira enfática, que a mim próprio desagrada, para quem tenha tido a sorte - boa ou má, não sei - de andar absorvido noutras tarefas, para quem não lida de perto com estes problemas do ultramar, pode parecer doentio que se lancem estes apelos, com seus tons dramáticos, talvez deslocados do nosso tempo, de frias realidades.
Por isso mo sinto um pouco comprometido. Oiço, é certo, às vezes alguns ecos das minhas palavras que mereceram a atenção da gente moça, ecos que muito me confortam e animam, pela esperança que me dão sobre o futuro. E prossigo. Prossigo, animado e convencido de que nesta empresa, que a todas as mais sobrelevo, se podiam e deviam unir todos os portugueses, sem distinções, no mesmo ideal, de engrandecimento da Nação. E que a obra a que temos de lançar-nos não pode ser de simples rotina, mas cheia de iniciativas, de entusiasmo, de espírito de sacrifício, de exaltação nacional.
Sr. Presidente: as contas que estamos apreciando, proficientemente comentadas, como já é tradicional, polo nosso ilustre colega Araújo Correia, causam-nos, de facto, alguma inquietação. Se através delas admiramos uma estabilidade que salutarmente afirma uma segurança administrativa que contrasta com a perigosa situação de descalabro financeiro de outros tempos, nem por isso ficamos sossegados perante o futuro.
«As contas -diz-nos o parecer- acusam o desenrolar pacífico e normal de uma administração financeira que procura aperfeiçoar os seus métodos de trabalho».
E assim é. Mas eu queria ver nelas um estremecimento de vida nova, alguma coisa mais do que um fenómeno de rotina, porque não se compadece com a hora que passa o simples funcionamento normal dos órgãos da vida nacional.
Impulsos novos, seiva nova, decisão e audácia para enfrentar os grandes problemas, desprezo de risco e sacrifício de interesses.
Pois não é isso o que as contas revelam. Nem as contas, nem as realidades que elas traduzem.
Não se diga que tudo depende da acção do Estado. A iniciativa e a realização dos planos de fomento merecem, sem reservas, o maior elogio. Mas precisamos de corrigir, tanto quanto possível, esta nossa mentalidade de confiar ao Estado a resolução de todos os nossos problemas. Há muito tempo que esta ideia deveria ter sido substituída por uma maior consciência dos nossos deveres individuais, uma consciência das responsabilidades de cada um no progresso e no desenvolvimento da Nação. Mas não; e se aqui, na metrópole, já se abusa da sistemática muleta do Estado, no ultramar não há responsabilidade que se lhe não arrogue. É, de resto, um fenómeno que se compreende, sabendo-se a maneira como a administração ultramarina tem evolucionado, sobretudo nas províncias de África, desde o final do século passado, em que pràticamente tudo estava nas mãos das autoridades militares. Daí resultou o sentimento, ainda muito arreigado em todos nós, de que o Estado é senhor de tudo e é devedor de tudo. Aceitamos - e até no fundo desejamos - que o Estado deve fazer as barragens, os caminhos de ferro, as escolas, os missões e tudo o mais, quando seria mais razoável que o Estado apenas interviesse para orientar e fiscalizar, ou animar e dar confiança a iniciativas de utilidade colectiva.
Tenho assistido, é verdade, a um aumento de interesse pelos investimentos no ultramar. Nada mais aconselhável, neste momento. A necessidade urgente de criar ali novas actividades nas indústrias mineiras, nas indústrias de transformação, na agricultura, na criação de gados, no aperfeiçoamento das condições de pesca e seus aproveitamentos, etc., justifica plenamente a atenção geral do País para um campo de acção tão proveitoso no presente como prometedor no futuro. Impõe-se encaminhar os capitais e os técnicos para o ultramar, dando-lhes facilidades adequadas, porventura aliviando os encargos e as formalidades iniciais para o estabelecimento de novas empresas.
Nenhum de nós, Estado ou particulares, poderá tirar do seu pensamento constante a valorização do ultramar, e, neste momento, o povoamento intenso das duas grandes províncias africanas. Pode-se discutir -como se tem discutido, com as mais respeitáveis razões - a melhor forma de o fazer. Há os que trazem uma ideia e há os que trazem só críticas. Há os que têm um plano e os que condenam todos os planos, isto é, tudo o que os outros fazem.
Neste aspecto, o povoamento agrícola tem merecido persistentes e também injustíssimas críticas. Uns porque consideravam um mau exemplo, esse da Cela, de se dispensar o concurso da mão-de-obra contratada. Ia contra sistemas inveterados, era um exemplo que não convinha. Outros porque entendiam que o prestígio do Branco, etc., etc.
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Outros porque, sem outras razões, se faziam eco das críticas fáceis; outros porque gostam de agradar a quem diz mal, e poucos com fundamentos dignos de atenção.
Aqui, nesta Assembleia, já houve ocasião de debater esse dominante assunto e se puderam esclarecer algumas dúvidas. Mas o processo não para. E eu não saio do meu eterno ponto de vista: discutam; mas não embaracem; ouça o Governo, mas não pare: o que é preciso é povoar, ocupar, ocupar.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: - Povoamento e ocuparão que são benéficos para todos, sobretudo para a elevação da mossa indígena, que mais depressa ascenderá dos benefícios da civilização. Povoamento que é a mais sólida defesa dos direitos incontestáveis; civilização que ó a mais segura garantia da nossa unidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esclarecidos os problemas, basilares, da adaptabilidade da raça branca, a qualquer clima dos nossos trópicos e definida a igualdade de direitos ao trabalho e à elevação social, já não temos que esporar para intensificar esse movimento povoador e nacionalizador.
Esperar que se calem as críticas? Não!
Não pudemos deter-nos perante mais discussões. Não se pode esperar. E cada um actue como souber e puder, que cumprirá o seu dever.
Que levantem fábricas onde não impere só a ideia do lucro imediato e transitório; que ponham barcos no mar; que ergam barragens; que abram oficinas; que rasguem novas terras para colonos; que plantem café, chá, tabaco, milho; que criem gado; que se faça o povoamento à maneira da Gela, do Cunene, do Cuanza, do Limpopo, da Rodésia ou do que quiserem, mas que cada um de nós, aqui e no ultramar, faça alguma coisa, acrescentando algum valor permanente ao que as gerações nos deixaram feito por essas terras portuguesas de além-mar.
E há muito nesta nação predominantemente ultramarina quem possa, quem deva dar a sua contribuição, o seu esforço, para o bem comum, que não exclui o próprio. Não se encontra outro povo quê como o nosso tivesse realizado tamanha obra com tão pouca gente. Estamos em condições, temos obrigação de prosseguir.
Sr. Presidente: poderia alguém achar estranho que nesta Assembleia, ao tratar-se de problemas africanos, dos nossos problemas nacionais africanos, se não dissesse uma palavra sobre o que de extraordinário se passa naquele continente. Não há a menor razão para qualquer constrangimento ou inibição da nossa parte em falar nesses temas, que tanto têm apaixonado a opinião pública de todo o mundo, especialmente do chamado mundo ocidental.
A explicação para tudo o que de aparentemente anormal se tem verificado em África -as efervescências políticas, as independências, os tumultos- deve buscar-se, creio eu, em duas razões principais: a orientação da política ultramarina de algumas nações europeias e a intromissão na vida das populações africanas de propaganda que tende a minar a influência ocidental no continente negro.
Não há que estranhar, por exemplo, que algumas das antigas colónias inglesas proclamem a sua independência, porquanto foi o próprio Governo Britânico que diligenciou prepará-las para esse desfecho político.
Pode apenas estranhar-se; a maneira turbulenta como por vezes se fez.
Quanto a propaganda revolucionária, a essa deve procurar-se-lhe a origem nos inimigos do Ocidente, que são muitos e vários. Não só vem ela do campo comunista, porque outras influências orientais tendem a substituir-se ao predomínio europeu. Para esse efeito procura-se exacerbar ou até fazer germinar um nacionalismo africano, que neste primeiro acto significaria apenas a expulsão do Europeu.
Mas tudo isso não nos diz respeito.
Nós somos uma nação que tem uma grande paru: do seu povo em África, somos uma nação africana. A nossa pátria está em África como está aqui, na Europa. Está lá há mais de quinhentos anos.
O velho continente lusitano não foi lá estabelecer feitorias num empresas, comerciais ou de outra natureza. Temos lá o nosso povo, admiravelmente estruturado, sem diferenças religiosas, raciais ou geográficas.
Como poderia, nestas condições, qualquer movimento nacionalista africano dizer-nos respeito?
Não digo que não pudesse ter havido, ou que não possa haver ainda, em qualquer parte do território nacional, alterações de ordem pública instigadas por agentes perturbadores. Mas que haja a recear movimentos semelhantes aos de outros territórios africanos, determinadas por semelhantes razões, isso não.
Os nossos princípios continuam a estar certos e a corresponder às naturais aspirações de todos os portugueses idas várias partes do mundo.
A nossa unidade é a força, é a independência de cada um de nós, é a força, é a independência de nós todos. E essa unidade temos sabido afirmá-la e defendê-la através dos séculos.
Não é preciso referir o que foi a epopeia da libertação de Angola na restauração e outros exemplos do passado. Bastam-nos os exemplos eloquentes dos últimos anos: a emocionante patriotismo de Timor durante a passada guerra e a resistência heróica da índia, ainda mais recente.
Esses portugueses foram dignos de tal nome, sem dúvida; mas também sabiam que com eles estavam todos os outros portugueses da Europa, da África, da Ásia ou da Oceânia, prontos a tudo sacrificar pela independência e pela unidade da Nação.
Ontem como hoje e como sempre.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não está mais nenhum orador inscrito. Considero, portanto, encerrado o debate sobre as Contas Gerais do Estado e as da Junta de Crédito Público relativas ao ano de 1957.
Está na Mesa a proposta de resolução sobre as Contas Gerais do Estado. Vai ser lida.
Foi lida É a seguinte:
Proposta de resolução
Tenho a honra de submeter à Assembleia, Nacional as seguintes bases de resolução:
A) Quanto à metrópole:
A Assembleia Nacional, depois de examinado o acórdão do Tribunal de Contas e o parecer da sua comissão; verificando que:
a) A cobrança das receitas públicas durante a gerência decorrida entre 1 de Janeiro e 31 de
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Dezembro de 1957 fui feita de harmonia com os termos votados na Assembleia Nacional;
b) As despesas públicas, tanto ordinárias como extraordinárias, foram efectuadas em obediência à lei;
c) O produto de empréstimos teve a aplicação estatuída nos preceitos constitucionais;
d) Foi mantido durante o ano económico o equilíbrio orçamental, como dispõe a Constituição, e que é legítimo e verdadeiro o saldo de 35:860.392$90 apresentado nas contas respeitantes a 1957;
resolve dar-lhes a sua aprovação.
B) Quanto ao ultramar:
A Assembleia Nacional, depois de tomar conhecimento do parecer da Comissão de Contas Públicas, resolve dar a sua aprovação às contas das províncias ultramarinas relativas ao ano económico de 1957.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 14 de Abril de 1959. -O Deputado, José Dias He Araújo Correia.
O Sr. Presidente: - Vou submeter à votação a proposta de resolução que acaba de ser lida.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: -: Está na Mesa a proposta de resolução referente às contas da Junta do Crédito Público.
Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte.
Proposta de Resolução
A Comissão de Contas tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional a conclusão seguinte:
Durante a gerência de 1957 a política do Governo relativamente a dívida, pública respeitou os preceitos constitucionais, continuando a revelar um critério administrativo que prestigia o crédito do Estado e é conforme satisfação dos superiores interesses da Nação, pelo que merece a aprovação desta Assembleia.
Assembleia Nacional, 14 de Abril de 1959. - O Deputado, João Dias Rosas.
O Sr. Presidente: - Vou submeter à votação esta proposta de resolução.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A ordem do dia da sessão de amanhã será a discussão do projecto de lei do Sr. Deputado Homem Ferreiro alterando algumas disposições do Código de Processo Penal.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Purxotoma Ramanata Quenin.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA