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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 95
ANO DE 1959 17 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 95, EM 16 DE ABRIL.
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 94.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sarmento Rodrigues, para se referir à personalidade e à obra do Secretário de Estado americano Sr. Póster Dulles, e a que se associou, em nome da Câmara, o Sr. Presidente; Alberto Cruz, que afirmou ser necessário manter permanentemente esclarecida a opinião pública, combatendo-se o boato, e Nunes Barata, para um requerimento.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa, para os efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, enviados pela Presidência do Conselho, os n.ºs 72, 73 e 74, 1.ª série, do Diário do Governo, contendo diversos decretos-leis.
Ordem do dia. - Discutiu-se na generalidade o projecto de lei do Sr. Deputado Manuel Homem Ferreira sobre alterações ao Código de Processo Penal.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Manuel Homem Ferreira, Paulo Cancella de Abreu, Carlos Lima e Colares Pereira.
Aprovado o projecto de lei na generalidade, passou-se à discussão na especialidade, incidindo a votação sobre o texto da Câmara Corporativa, por proposta do Sr. Deputado Homem Ferreira.
Feita a votação, verificou-se que os dois artigos que constituem o projecto de lei foram aprovados por unanimidade pela Assembleia.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
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Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Arpão.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Gosta.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 96 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 94.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre este número do Diário, considero-o aprovado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Sarmento Rodrigues.
Solicito, porém, deste Sr. Deputado o favor de me informar de que assunto deseja ocupar-se antes da ordem do dia.
O Sr. Sarmento Rodrigues: - Desejava pronunciar algumas palavras acerca do Secretário de Estado americano Foster Dulles.
O Sr. Presidente: -Convido V. Exa. a subir à tribuna.
O Sr. Sarmento Rodrigues: - Sr. Presidente: traz-me a esta tribuna um assomo de justiça. Perante o afastamento da actividade do seu cargo de Secretário de Estado para os Negócios Estrangeiros de John Foster Dulles, que os jornais desta manhã anunciaram, sinto que nenhum de nós, aqui nesta Casa, pode deixar de lamentar que a fatalidade de uma doença implacável tivesse sido a causa determinante da sua demissão.
Ao recordar agora o seu nome não quero, nem por sombras, apreciar o homem de Estado americano no aspecto da sua actuação na política do seu pais. Nem por sombras. Não temos por hábito intrometermo-nos na vida interna das outras nações...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- ... quer tenhamos ou não com elas relações de amizade. É uma virtude nossa, que podemos dizer pertence à generalidade dos Portugueses, que nem sempre é correspondida.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador:-Noutros países com frequência se fazem apreciações e comentários a vida portuguesa, num espirito de critica prejudicial, que não pode deixar de significar interferência nos problemas que só a nós próprios dizem respeito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-São assuntos que devem ser da exclusiva competência de cada nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-É certo que a forte personalidade do ilustre Secretário de Estado tem de merecer a admiração de todos, amigos ou inimigos. A sua indómita coragem física e moral ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: -... manifestada nas suas atitudes desassombradas perante situações internacionais difíceis ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -... a sua admirável tenacidade em resistir a ameaças e pressões ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-... a sua infatigável actividade à testa de um departamento que é a verdadeira chave da política mundial; o sacrifício total da sua vida ao serviço da causa do seu pais e dos seus aliados - não podem deixar insensível seja quem for.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Nós podíamos admirá-lo ainda porque na sua mão se encontraram, em larga escala, os rumos da aliança atlântica a que pertencemos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Podíamos e devíamos, os que à sua firmeza e resolução teremos certamente de agradecer, em certa medida, os benefícios desta paz e desta liberdade em que vivemos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Mas não é esse o aspecto por que desejaria hoje lembrar o seu nome. Foster Dulles foi o estadista isento e honrado que, num dado momento, não teve receio de aceitar e compreender a definição portuguesa da unidade da nossa nação, tal como a Constituição a consigna e a realidade consagra.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- E fê-lo publicamente, respondendo a perguntas que lhe eram feitas. E no célebre comunicado conjunto, publicado em 2 de Dezembro de 1955, em Washington, assinado por ele e pelo nosso insigne Ministro dos Negócios Estrangeiros de então, o Prof. Paulo Cunha, o Governo dos Estados Unidos desassombradamente perfilhou a tese portuguesa da interdependência da África e do mundo ocidental e desaprovou as declarações que acabavam de ser feitas na União Indiana, pelos dirigentes soviéticos que visitavam aquele país, acerca das províncias portuguesas do Oriente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-«Consideraram - diz ainda o comunicado - que tais declarações não representam uma contribuição para a cansa da paz. Os dois Ministros, cujos países compreendem povos de várias raças, deploraram todos os esforços para fomentar o ódio entre o Oriente e o Ocidente».
Pertence, decerto, ao ilustre Ministro Paulo Cunha - a quem o País deve o inestimável serviço do esclarecimento e da mobilização da opinião pública do mundo civilizado perante as insólitas ameaças da União Indiana- o mérito de ter especialmente advogado e explicado, junto do Secretário de Estado americano, a razão da nossa posição no mundo, perante essa corrente malévola do anticolonialismo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Foi sem dúvida o eminente estadista português quem mais contribuiu para a perfeita compreensão da justiça que nos assistia. Mas nem por isso é menos de admirar e de apreciar a decidida atitude de Foster Dulles, não tendo receio de publicamente apoiar as nossas razões.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-E fê-lo arrostando com as críticas e ataques dos que em outros países estrangeiros porfiavam em desacreditar a nossa unidade, sofrendo as criticas e ataques dos que no seu próprio pais em tudo queriam cegamente ver manifestações de colonialismo. Fê-lo no preciso momento em que na própria União Indiana os dirigentes soviéticos se associavam a uma declaração tendenciosa contra a integridade de Portugal na índia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Eis porque sinceramente me associo ao desgosto da grande nação americana, amiga e aliada, ao ver afastado de um posto de combate, na primeira linha, um dos seus mais esforçados lutadores, que era ao mesmo tempo, não digo um amigo nosso, porque prefiro chamar-lhe um honrado e corajoso amigo da verdade e da razão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: nada temos com a política interna da grande nação americana, mas, independentemente disso, nada nos impede de reconhecer em Foster Dulles, cuja figura, neste momento, se esbate nos horizontes da política internacional, uma das personalidades mais representativas da defesa da política do mundo e da civilização ocidentais, e, no aspecto dos interesses e da posição de Portugal, a compreensão da nossa razão e a coragem de assumir as responsabilidades de a afirmar.
A Câmara sentiu que nas palavras do Sr. Deputado Sarmento Rodrigues havia a interpretação do seu pensamento e do seu patriotismo reconhecido e, em nome dela, é-me grato associar-me a essas palavras de justiça.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: não é segredo para ninguém, e pode ser dito aqui nesta Assembleia, que a última campanha eleitoral, culminada com a estrondosa derrota do candidato de todas as oposições reunidas, em eleição seriamente fiscalizada, e hoje, por sua exclusiva determinação ou por conselho dos seus actuais correligionários, hospedado no edifício de uma embaixada de país amigo e irmão, vítima, talvez, de alucinação persecutória que os factos, sem sombra de dúvida, desmentem categoricamente, deixou no ambiente da Nação uma nova epidemia, transmitida por terrível micróbio, cujo nome científico se desconhece, mas que vulgarmente é designado pôr «boato», transmissível pela palavra escrita e falada, e com incrível rapidez, aos mais recônditos cantos do País.
O medicamento especifico dessa doença, que só é nova aparentemente, pois existiu sempre em estado latente e só agora adquiriu maior virulência, também já há muito tempo foi descoberto por um sábio chamado Jesus Cristo, que o propiciou à humanidade, e chama-se a «verdade», que é necessário fornecer em larga escala, por mais caro
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que fique, pois o desaparecimento de tão terrível epidemia traz ao Pais e aos seus habitantes uma euforia, um bem-estar, traduzido em paz, sossego de espírito e tranquilidade, trilogia tão necessária para trabalho útil e profícuo em prol de todos e de cada um, que o mesmo é dizer: a bem da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Quando, há tempos, abordei aqui o mesmo tema - «boatos» -, lastimei que determinados organismos do Estado não agissem como era mister; mas assim como, com a independência de que faço largo uso, acusei, venho agora louvar, pois ouço já muitas vezes na rádio, leio nos jornais e ultimamente em conferências e colóquios da União Nacional e em entrevistas com categorizados membros do Governo esclarecimentos à opinião pública sobre aquilo em que ela deve e necessita ser bem esclarecida.
Sr. Presidente: esta minha breve intervenção tem por finalidade louvar o que com essa orientação se tem feito, mas é mais ainda para pedir muito mais e melhor nesse sentido, espalhando a verdade por esse País além, em folhetos e pela rádio, nas Casas do Povo e dos Pescadores, «até nos das águas turvas», nos sindicatos, nos grémios, nas associações, enfim, em toda a parte onde ela possa e deva entrar.
É necessário aproveitar a campanha contra o analfabetismo, em boa hora encetada e que tão belos resultados tem dado, para por diante dos olhos dos que já hoje sabem ler a obra de ressurgimento operada pelos Governos da Revolução Nacional.
O Estado Novo só pede aos que já sabem ler que procurem informar-se nas bibliotecas espalhadas pelo Pais, onde se guarda por escrito tudo o que nos diz respeito, o que fomos no longínquo e glorioso passado e o que fomos no passado de miséria e vergonha que antecedeu a Revolução Nacional e o confrontem com o que somos hoje, depois de curto lapso de trinta anos (que nada é na vida de um povo), para assim avaliarem melhor o esforço gigantesco e quase inacreditável da transformação do Pais, que lhe acarretou o prestígio de que orgulhosamente goza e a admiração do mundo, excluindo os bárbaros do Oriente e os seus apaniguados do Ocidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Continuo, pois, a pedir a todos os organismos do Estado Novo a quem cabem funções de esclarecimento que intensifiquem a propaganda da verdade de tudo o que se tem feito, se projecta fazer e das correcções que se impõem, e que nos salões de cinema se faça passar com larga profusão as imagens das grandes obras já realizadas, das novas indústrias e de tudo o que se tem feito em prol da saúde e desenvolvimento do nosso povo, e só assim a actual e virulenta epidemia, já em declínio, que tem afectado e infectado a atmosfera, se varrerá de vez, trazendo de novo a paz e a tranquilidade, tão necessárias, à execução do grandioso II Plano de Fomento, que levará este nosso querido Portugal a tratar por tu os países mais adiantados na civilização.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Nunes Barata.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Requeiro que pelos respectivos departamentos do Governo me sejam prestadas, as seguintes informações:
1.º Considerando a importância que o ultramar assume na vida nacional, a conveniência em fortificar uma mentalidade fiel às constantes da nossa projecção civilizadora e as imposições que condicionalismos externos e internos impõem à defesa e fomento das nossas províncias de além-mar, desejo saber se o Governo projecta alterações nos planos de estudo do ensino primário e secundário, em ordem a apoiar estas exigências.
2.º Considerando que a religião católica é reconhecida na Constituição Política como religião da Nação Portuguesa (artigo 45.º), facto aliás confirmado pelas estatísticas, que a nossa afeição ao Ocidente pressupõe a defesa dos valores espirituais desta civilização e que o equilíbrio do homem, num mundo dominado pela técnica, impõe um revigoramento da cultura, desejo saber se o Governo projecta, em futuro próximo, instituir no ensino superior cadeiras de Religião e cursos de natureza deontológica.
3.º Considerando que a opinião pública é elemento fundamental da política e administração do País (artigo 22.º da Constituição), que a imprensa exerce uma função de carácter público e que o prestigio da imprensa portuguesa é uma realidade justamente estimada que convém manter ou mesmo valorizar, desejo saber se o Governo projecta criar uma escola superior de Jornalismo.
Verificada a afirmativa, pretendo ainda saber se foi ponderada a possível localização desta escola no Porto, cidade de gloriosas tradições jornalísticas e justas aspirações a um recrudescimento, ai, dos estudos humanísticos.
4.º Considerando a importância universal dos estudos de sociologia, a carência de tais estudos em Portugal, o especial condicionalismo da Nação Portuguesa, na vida múltipla e gloriosa do passado lusíada e na variedade das províncias actualmente espalhadas pelo mundo, desejo saber se se encara a possibilidade de criação de uma Faculdade de Sociologia em Portugal ou uma revisão dos planos de estudo em vigor, prevendo-se a criação de cadeiras de Sociologia noutras Faculdades.
5.º Considerando a carência de técnicos para a execução das tarefas de fomento na metrópole e no ultramar, a harmonia entre a desejável desconcentração na vida portuguesa e um melhor aproveitamento das possibilidades das escolas existentes, a vantagem em facilitar aos diplomados pelas escolas médias o acesso a cursos superiores e as justas aspirações, várias vezes manifestadas, das gentes das Beiras, pretendo ser esclarecido:
a) Das diligências efectuadas para a criação, em Coimbra, de um instituto comercial e industrial e do actual estado desta questão;
b) Das possibilidades de criação, na capital do Mondego, de uma Faculdade de Agronomia ou, pelo menos, da viabilidade de «estudos preparatórios» na Universidade de Coimbra, com vista à obtenção dos cursos de agronomia».
0 Sr. Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os n.ºs 72 a 74 e 77 a 80, 1.ª série, do Diário do Governo, respectivamente de 31 de Março, 1, 2, 6, 7, 8 e 9 do corrente, que inserem os Decretos-Leis: n.º 42 198, que aprova, para ratificação, o Acordo Internacional do Azeite, de 1956,
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com as modificações constantes do Protocolo de 3 de Abril de 1958; n.º 42 199, que permite a atribuição de ' uma compensação das despesas de representação dos respectivos cargos ao chefe do Estado-Maior da Armada, ao superintendente dos Serviços da Armada, ao comandante naval do continente e ao comandante naval dos Açores, revogando o Decreto-Lei n.º 40 976; n.º 42 200, que dá nova redacção aos artigos 5.º e seu § único e 10.º o Decreto-Lei n.º 40 623, que cria a Comissão de Inscrição e Classificação dos Empreiteiros de Obras Públicas; n.º 42 201, que regula o que a base XXVI da Lei n.º 2084 (Organização Geral da Nação para o Tempo de Guerra) e estabelece como princípios para a protecção de invenções portuguesas que interessem à defesa nacional e das informações ou de inventos de origem estrangeira que lhe sejam fornecidos ou confiados em regime de segredo; n.º 42 203, que- regula a situação dos funcionários destacados dos quadros da Direcção-Geral da Aeronáutica Civil para o desempenho, tanto na metrópole como no ultramar, de outras funções públicas, revogando o § 2.º do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 39 640; n.º 42 204, que autoriza o Ministério das Obras Públicas a conceder à Câmara Municipal de Guimarães um subsidio não reembolsável como participação do Estado nos encargos inerentes ao .arranjo urbanístico da zona envolvente do .Paço Ducal de Guimarães; n.º 42 205, que dá nova redacção a várias disposições do Decreto n.º 18 713 (legislação mineira) e atribui à Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos competência para o licenciamento e fiscalização de todas as instalações e oficinas de tratamento ou transformação de produtos de origem mineral extraídos no País exploradas por entidades não concessionárias de minas, revogando o Decreto-Lei n.º 32 105; n.º 42 207, que regula as condições em que os serviços do Ministério das Obras Públicas habilitados a adquirirem ou a expropriarem os terrenos destinados às obras a seu cargo ficam autorizados a incluir nas áreas a adquirir ou a expropriar os terrenos indispensáveis para os trabalhos de urbanização circundante cuja execução imediata se torne necessária; e n.º 42 208, que cria em cada província ultramarina o conselho aeronáutico provincial e define a sua competência e constituição, revogando os artigos 9.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 39 645.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade o projecto de lei do Sr. Deputado Manuel Homem Ferreira sobre alterações ao Código de Processo Penal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Homem Ferreira.
O Sr. Homem Ferreira: - Sr. Presidente: há emoções que as palavras arrefecem e não podem traduzir. A que me domina neste minuto é desse género.
Sou um humilde advogado, com a única virtude de amar a profissão e com a angústia verdadeira de não ter qualidades para a honrar como era meu desejo. (Não apoiados).
Bem pálida seria a minha voz para sustentar um diploma tão fundamental para a advocacia, se a não aquecesse a chama da justiça e se não palpitasse a meu lado a solidariedade esclarecida de todas as togas deste País.
E bem desanimado me sentiria, diante dá responsabilidade, se não me lembrasse de ter lido e aprendido que Deus nos dá, permanentemente, uma lição de humildade: para obter a árvore começa pela semente; para chegar ao Universo começa pelo átomo; e, até, para a tarefa ingente e formidável de mudar o coração dos homens enviou uma criança.
Só esta lição de pequenez humana, que diariamente observamos e recebemos, poderá justificar que a defesa oficiosa das garantias mínimas da profissão tivesse resvalado sobre os meus ombros.
Todos a podiam fazer melhor. Nenhum, porém, a podia realizar com mais coração e com maior esperança no espirito de justiça desta Câmara.
Ao fim de dez anos de advocacia, através de vários e diferentes tribunais, vivendo rente aos factos e colhendo, dia a dia, a lição profunda da seriedade e dureza da vida, das angústias, paixões, violências, interesses, sonhos e derrotas que povoam e devoram o coração dos homens, o meu primeiro impulso é para prestar homenagem à magistratura, sobre cujo prestígio, honradez e isenção tem repousado o edifício da justiça portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Ninguém como o advogado, porque começa na mesma tarefa, pode avaliar como é amarga e torturante a missão do julgador. Ninguém como o advogado, porque vive e sofre os mesmos problemas, sabe medir, com nitidez, o que há de terrível e doloroso na responsabilidade de resolver sobre valores tão preciosos como a fazenda, a liberdade e a honra. Ninguém como o advogado, porque partilha dos mesmos anseios, pode, com tanta verdade, prestar justiça à Justiça.
Foi sempre velha tradição da convivência forense uma atmosfera de cordialidade nas relações dos advogados com os magistrados.
Os abcessos de incompreensão que aqui e além afloram nunca chegaram para quebrar a regra, pela mesma razão que uma árvore não faz a floresta.
Ainda agora, a propósito deste projecto de lei, o primeiro deputado que me afirmou dar-lhe o voto foi um magistrado. E, há poucos dias, numa roda de juizes, todos unanimemente e sobre este tema concordaram e afirmaram que «os advogados tinham razão». O próprio parecer da Câmara Corporativa, que trouxe franco aplauso às soluções preconizadas no projecto, vem subscrito por dois distintos magistrados.
A defesa, da dignidade profissional dos advogados podia, na realidade, ser feita com a transcrição das palavras e conceitos de inúmeros juizes que, ao longo da sua carreira, tanto honraram e embelezaram a magistratura.
Não há dissídios nem incidentes que possam separar duas classes tão fraternalmente ligadas pelos laços da mesma vida, do mesmo destino e da mesma fé no valor moral do direito.
Sr. Presidente: o aperfeiçoamento da organização da justiça não se processa apenas em torno das condições materiais do seu exercício. Deriva também das linhas morais do seu esquema e há-de resultar sobretudo da colaboração harmónica de todos os elementos que intervêm na sua aplicação.
Diminuir ou ofuscar o papel convergente de qualquer deles, é quebrar o equilíbrio humano e funcional dos tribunais e ofender a própria estrutura da instituição.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -Ora, nos termos do artigo 545.º do Estatuto Judiciário, o advogado é exactamente um destes elementos, porque tem de se considerar, por definição geral, um servidor do direito e um colaborador da justiça.
Simplesmente, não pode haver advocacia, límpida e eficiente, sem aquela parcela de liberdade, no exercício da profissão, que se traduz em três aspectos fundamen-
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tais: liberdade de alegar, liberdade de interrogar, liberdade de requerer.
Já o Prof. Alberto dos Reis ensinara que «o direito rasgado e franco de o advogado exprimir o seu pensamento, de apreciar, discutir e criticar tudo quanto julgue conveniente ao bom desempenho do sen mandato e até onde lhe pareça necessário ao triunfo da causa que está a seu cargo, é uma garantia absolutamente imprescindível ao exercício da advocacia».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -É este, de facto, o objectivo essencial do projecto de lei, que está dividido em duas partes: uma de natureza interpretativa e outra que propõe alterações.
No artigo 1.º do projecto fixou-se uma interpretação do artigo 411.º do Código de Processo Penal de molde a dissolver as dúvidas desencadeadas ultimamente e que adquiriram graduado relevo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 1958, reflectindo-se até no notável voto de vencido do próprio conselheiro relator.
As linhas gerais do problema cabem no seguinte apontamento:
Pelo regime do Código de Processo Penal anterior ao Decreto n.º 36 387 a terapêutica jurídica das infracções cometidas em audiência encontrava-se regulada em três artigos, com diferente campo de aplicação: o artigo 411.º, que abrangia a generalidade das pessoas presentes na audiência; o artigo 412.º, que era uma disposição própria para os advogados, e o artigo 413.º, que contemplava as infracções do réu.
Apesar da clareza do esquema legal, levantou-se e foi debatido o problema de saber se o artigo 411.º era extensível aos advogados.
Mas a doutrina e a jurisprudência, com entendimento unânime, fecharam a dúvida, considerando que as infracções cometidas pelos advogados na audiência estavam especialmente previstas no artigo 412.º
Com efeito, era este o ensinamento do Prof. Beleza dos Santos, no ano 64 da Revista de Legislação e Jurisprudência, e no mesmo sentido se pronunciou a Revista dos Tribunais, a pp. 164 do vol. 48.
Por outro lado, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1930 decidia também que os advogados só estavam sujeitos ao quadro de sanções desenhado no referido artigo 412.º
Finalmente, os comentadores do Código de Processo Penal, conselheiros José Mourisca e Luis Osório, sustentavam idêntica opinião.
Era este o panorama da questão quando entrou era vigor o Decreto n.º 36 387, que veio dar nova redacção ao artigo 411.º
A modificação veio sujeitar o autor de qualquer infracção cometida em audiência - punível com pena correccional e desde que o infractor não goze de foro especial - a imediato julgamento sumário, após a audiência em curso e pelo próprio tribunal constituído.
Simultaneamente, o decreto alterou o § único do artigo 413.º, para submeter as infracções do réu, em audiência ao regime do artigo 411.º
Manteve-se, porém, inalterável o artigo 412.º, que era a única disposição que abrangia os advogados.
Quer dizer: o regime das referidas infracções passou a constar, não já de três disposições, como anteriormente, mas apenas de duas - o artigo 411.º para a generalidade das pessoas, agora, inclusive o réu, e o artigo 412.º para os advogados.
Sr. Presidente: ao conservar intacto o artigo 412.º, o autor do decreto não podia, razoavelmente, desconhecer a lição unânime da jurisprudência e da doutrina, fixando e delimitando a interpretação do preceito.
Não se trata, pois, de uma omissão, mas de um acto de compreensão.
Atendeu-se à posição que o advogado ocupa como colaborador da justiça e ao clima especial em que decorre e se desenvolve a sua intervenção.
A vida do advogado, como frisa o parecer da Camará Corporativa, é uma vida de combate. Envolve-a um mundo permanente de sobressaltos e ansiedades. É difícil, aos que estão de fora, avaliar o que é sentir, noite após noite, martelar no coração a angústia de um caso complexo, o desespero do argumento que não surge, as encruzilhadas de um problema difícil, os responsabilidades do julgamento que se prepara.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Dizia eu, há tempos, a um ilustre corregedor, que a minha úlcera gástrica não era de origem nervosa, era de origem judicial!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-A vida do advogado é, de facto, feita de sombras, de arrebatamentos, de agonias; numa palavra: de forte tensão emocional.
Ao encaminhar-se para a audiência, nunca sabe se terá de verberar a violação de uma lei, de combater os que se desviam dos seus deveres, de indignar-se diante da injustiça e até, por vezes, de repelir a amputação flagrante dos seus direitos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Colocá-lo, pois, na possibilidade de passar sumariamente à situação de réu, na dependência imediata da visão subjectiva da hipersensibilidade...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- ... ou até de um equívoco dos julgadores, não permitindo a margem de arrefecimento aconselhável para as coisas humanas ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- ... não podia estar no intuito do legislador, sob pena de ficar divorciado do sentido das realidades.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- O contrário seria admitir para o advogado o estranho acidente de trabalho de, com frequência, ir parar à cadeia!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-O julgamento sumário, nas condições enunciadas, é um espectáculo inútil, que -dado o ambiente de choque, exaltação e velocidade que necessariamente o rodeia nada acrescenta ao prestígio dos tribunais e acaba, afinal, por atingir a própria árvore da justiça.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Por outro lado, não é por acaso que o profissional do foro enverga uma toga. É exactamente para o diferenciar, para o identificar com a alta missão que lhe incumbe, para solenizar a posição que tem no tribunal.
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E se há uma diferença e um símbolo próprio a distinguir o servidor do direito, essa diferença devo, logicamente, reflectir-se na lei e esse símbolo tem de merecer especial tratamento do sistema jurídico, para não ser humilhado nem diminuído.
Claro que os advogados não podem, nem devem, cometer infracções penais no exercício da profissão. Se o fizerem, têm de ser punidos, mas de acordo com o preceito especial que lhes é aplicável, isto é, de acordo com o artigo 412.º do Código de Processo Penal.
De resto, é isto que os advogados pretendem. Não pedem imunidades. Pedem apenas que os julguem devagar, isto é, com a serenidade inerente à verdadeira justiça.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: no artigo 2.º do projecto propõe-se a modificação dos artigos 435.º e 458.º do Código de Processo Penal no sentido de assegurar aos advogados os direitos de instarem directamente as testemunhas e de ditarem para a acta da audiência os seus requerimentos e protestos verbais.
Defende-se, assim, o regresso, puro e simples, ao regime anterior ao Decreto n.º 36 387.
Tem sido preocupação constante da Ordem dos Advogados, reivindicar o reconhecimento destes direitos. E compreende-se.
O sistema, imposto por aquele decreto, de as perguntas às testemunhas da parte contrária serem formuladas através do presidente do tribunal, é altamente inconveniente.
Quebra-se a força do interrogatório, amortece-se a própria intuição da verdade e o estranho triálogo só serve, como salienta o Dr. Angelo de Almeida Ribeiro, para permitir à testemunha falsa ou tendenciosa «entrincheirar-se na paixão com que depõe ou na mentira que engendra».
Sem a instancia directa, a actuação do advogado esvazia-se de um contributo precioso para a própria administração da justiça.
E não se diga que o interrogatório directo acarreta a demora do julgamento. A matemática ensina que demora menos tempo formular um certo número de perguntas directamente do que fazer o mesmo número de perguntas através de um intermediário, que tem de as repetir, isto é, de as duplicar.
O certo é que a grande maioria dos magistrados tem permitido n, instância directa, com inegáveis vantagens de tempo e, principalmente, com inegáveis vantagens para a indagação da verdade.
Porque, se há prova que precise de ser fiscalizada e submetida à pedra de toque de interrogatórios disparados de ângulos diferentes, essa é, de facto, a prova testemunhal, dada a sua fluidez, vícios e insegurança. Já um magistrado ilustre a classificou de «um crime à solta».
Ora, quem está em condições mais eficientes para vencer e descarnar um perjúrio ou a paixão de um depoimento é o advogado, que, mercê das informações e zelo do cliente, conhece os seus fios interiores e a rede de hábitos, ligações e influências que, porventura, cercara, , determinam e inspiram a testemunha.
O advogado está, assim, mais perto dos factos, mais próximo da própria respiração humana do caso. O advogado está dentro do processo, o juiz está acima do processo.
A alteração que o projecto propõe ao texto do artigo 458.º visa a atribuir aos advogados o direito de ditarem directamente para a acta os seus requerimentos e protestos, como, aliás, acontecia anteriormente ao Decreto n.º 36 387.
O sistema vigente de confiar a redacção aos presidente do tribunal tem gerado mal-entendidos, inúmeros atritos e alguns vexames.
Ainda há pouco tempo, um dos mais notáveis advogados deste país, nosso colega nesta Assembleia, no decurso de uma inquirição de testemunhas em carta precatória, ao pedir a palavra para um requerimento recebeu do juiz esta singular expressão: «Esteja caladinho», não sei se acompanhada do clássico dedo no nariz, com que ó costume abafar uma impertinência infantil.
A multiplicação destes casos e incidentes demonstra a necessidade de alterar o sistema e de se consagrar uma solução que conduza ao equilíbrio requerido.
O parecer da Câmara Corporativa observa, com propriedade, que «requerer e protestar compete aos advogados, e não aos juizes, cuja função é decidir».
Não se compreende, de resto, que seja o juiz a resumir e redigir um requerimento que lhe é dirigido e sobre o qual tem de pronunciar-se.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Insensivelmente, pela própria deformação de julgar, a selecção que a síntese implica vai já distorcida, canalizada para a decisão, quando não espelha, até, a hostilidade ou incompreensão ao que se requer.
Acresce que, como frisa o Dr. Almeida Ribeiro num passo da magnífica conferencia proferida na Ordem dos Advogados e que o parecer também cita, «um juiz alvejado num protesto precisa de ser quase extra-humano para resumir com perfeito equilíbrio palavras que são dirigidas, as mais das vezes, contra ele próprio».
Por estes motivos, o texto proposto no projecto é da maior conveniência para os advogados, para os juizes e, sobretudo, para o prestigio da justiça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o parecer da Câmara Corporativa é um documento exaustivo, minucioso e revestido daquele brilho que é timbre do alto espírito que o relatou.
As emendas que preconiza resumem-se a uma arrumação, uma intercalação e a substituição de duas palavras.
Como não tenho qualquer espécie de orgulho gramatical e permanece inalterável a substancia do projecto, concordo com elas e nada me custa, nos termos do artigo 37.º do Regimento, fazê-las minhas.
É sem dúvida mais aconselhável, sob o ponto de vista da técnica processual, incluir no próprio artigo do Código um preceito que dissipe as dúvidas de interpretação, do que deixar o intérprete em face de um diploma avulso.
A solução de artigo um parágrafo ao artigo 411.º, com o conteúdo do artigo 1.º do projecto, oferece maior utilidade e segurança. No fundo, vai-se ao encontro do próprio princípio da codificação, evitando dispersões e a quebra da unidade sistemática do ordenamento legislativo.
Não pode, todavia, sustentar-se que foi este o método seguido pelo legislador do Decreto n.º 36 387.
Só por mero lapso se afirma no parecer da Câmara Corporativa que este decreto aditou um § único ao artigo 413.º, quando a verdade é que apenas alterou b § único que. já existia no referido preceito!
Também já hoje não é líquido o princípio da titularidade exclusiva do Ministério Público na acção penal que o parecer refere a propósito do § 2.º do artigo 435.º
Basta relembrar que nos crimes particulares o exercício da acção penal pelo Ministério Público depende da acusação particular. E nem pode mesmo prosseguir nela
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no caso de perdão, desistência ou outra forma de abstenção do acusador particular.
Sublinha-se finalmente que «parte acusadoras e assistente» são conceitos que coincidem, são expressões da mesma posição processual, e que, a despeito do Decreto n.º 35 007, têm de usar-se indistintamente enquanto estiverem em vigor disposições como, por exemplo, as dos artigos 350.º, 357.º, § 1.º, 360.º, § 2.º, 370.º, 384.º, etc., em que permanece e funciona a designação de «parte acusadora».
Mas não se vê desvantagem em substitui-la pela palavra «assistentes», já consagrada na legislação moderna, como pretende o parecer.
Sr. Presidente: a advocacia está cercada de algumas anedotas e de muita incompreensão.
E, no entanto, como observa Calamandrei, no coração dos advogados está sempre presente aquela caridade cristã que manda não deixar o inocente sozinho com a sua dor ou o culpado sozinho com a sua vergonha.
Não é sem um estremecimento de. orgulho que o homem do foro contempla algumas páginas da história da sua profissão. Ela refulge, exactamente, nos momentos escuros da humanidade, quando é preciso erguer, acima dos mais ardentes desvarios, a voz implacável da justiça.
Quando se trata de afrontar o ódio, seja qual for a cor com que transborda - vermelho, branco ou azul -, ou a hostilidade das multidões, no exacto minuto em que tudo é abandono e cobardia, sempre ao lado da vitima rebrilha a coragem de uma toga.
É Malesherbes a levar à Convenção a sua cabeça e a sua vida para defender Luis XVI; é Martignac a desafiar a Câmara dos Pares na defesa do ministro de Carlos X; é Diaz Cobeña, diante da tempestade da opinião pública, a proteger a honra de Millan Astray; é Collignon, o grande advogado belga, a defender a cabeça do Dr. Rinchart, o médico que traíra os seus compatriotas, envolvido pela, excitação e indignação do toda a Bélgica.
E tantos, tantos outros, cuja glória, heroísmo ou sacrifício redimem as sombras, as calúnias e, até, as fraquezas que atingem a profissão.
Sr. Presidente: a aprovação do projecto de lei, com as emendas sugeridas pela Câmara Corporativa, representa para os advogados uma mera restituição dos direitos que tradicionalmente a legislação portuguesa sempre lhes reconheceu.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-E porque se trata de um acto justo, a Assembleia há-de querer comungar nele por unanimidade.
Sem aquele mínimo de direitos a profissão fica diminuída é obscurece-se o próprio equilíbrio que deve presidir à administração da justiça.
É este o ensinamento que se recolhe de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que anda no peito de todos os advogados e deixo à meditação desta Câmara:
Não queiramos nunca nesta terra uma advocacia subserviente e tímida ante o atropelo da lei ou a prepotência dos que têm o dever de a aplicar. É de altas consciências que o futuro dos povos depende, e desgraçados deles se a reclamação da justiça não puder ser veemente e livre.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: a saúde abalada obriga-me a ser muito breve, e os termos brilhantes em que o nosso colega Dr. Manuel Homem Ferreira fundamentou o seu projecto de lei são suficientes para justificá-lo largamente e mostrá-lo digno de aprovação da Assembleia Nacional. E havemos de considerar também o douto parecer unanime da Camará Corporativa, subscrito por três professores de Direito, dois juizes conselheiros e um advogado.
De resto, o projecto restabelece o espirito, a doutrina e, em parte, o texto inicial dos artigos do Código, tal como o publicou em 1929 o Ministro da Justiça, Prof. Mário de Figueiredo.
Nada mais é, pois, necessário acrescentar, a não ser duas palavras destinadas a explicar as razões que me levaram à iniciativa da urgência que requeri, nos termos regimentais, e a Assembleia aprovou unanimemente.
É que há muitos anos não exerço a advocacia no foro criminal, e, portanto, não há actualmente qualquer interesse pessoal ou profissional que possa actuar no meu espírito, influir na minha vontade ou orientar a minha, acção a respeito de assuntos desta natureza que não seja a natural solidariedade devida à Ordem dos Advogados nas suas legitimas reivindicações.
Senti-me, pois, à vontade e mesmo em condições especiais não só para apoiar o projecto de lei em discussão, mas também para requerer, como requeri, a sua urgência, único meio de discuti-lo e votá-lo ainda na presente sessão legislativa.
E, note-se bem, fi-lo na certeza que tinha e me foi oficiosamente confirmada de não estar pendente actualmente nos tribunais qualquer questão ou processo relacionados com a aplicação dos artigos do Código de Processo Penal a que diz respeito o projecto do Dr. Homem Ferreira. De contrário, o seu autor, segundo me afirmou, não o apresentaria, por o julgar inoportuno, nem tão-pouco eu requereria a sua urgência.
Procedemos sempre assim, e proceder deste modo não é virtude: é devei* que a consciência nos impõe.
O Sr. Dr. Manuel Homem Ferreira e os que o secundamos não somos mais do que os intérpretes de legitimas reivindicações de uma classe inteira, ou sejam perto de dois mil advogados inscritos na Ordem, que não pretendem favor ou privilégio, mas tão-sòmente a segurança do seu prestigio, a garantia absoluta do livre exercício da sua nobre profissão e a possibilidade de colaboração eficaz com os tribunais no completo apuramento da verdade que a justiça impõe e, na família judicial, todos desejam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Há advogados que se excedem? Sim: a paixão ou as emoções podem originar abusos; mas, felizmente, a raridade destes confirma a regra que se lhes opõe.
Acresce que não faltam nas leis sanções disciplinares e mesmo penais que, se pecam, é por rigor e até por uma duplicidade de jurisdições, raramente justificável e sempre minimizante, quando não vexatória.
E, Sr. Presidente, a Ordem dos Advogados - onde, graças a Deus, não tem havido nem haverá acesso para a política, nem para favor ou brandura quando o rigor se imponha- tem dado, desde que Manuel Rodrigues a fundou, público testemunho da notável eficiência da sua acção disciplinar sempre que os preceitos da lei e a deontologia profissional a recomendam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Diz o Estatuto Judiciário que o advogado deve considerar-se um servidor do direito e cola-
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borador numa alta função social. Ora, para que seja relevante tão elevada missão qne à magistratura e à advocacia está confiada, é indispensável quebrar as arestas que, na lei, perturbem o fim comum das duas profissões e de algum modo afectem o seu prestigio e o livre exercício da sua actividade.
É isto o que se pretende com o projecto de lei em discussão ao qual — estou certo — não falta a concordância e mesmo o apoio da honrada magistratura portuguesa, bem digna das nossas homenagens.
Antes de terminar, desejo, com vénia de V. Ex.a, informar a Assembleia de que o nosso colega Dr. Simeão Finto de Mesquita me pediu que fosse intérprete do sen pesar por não poder estar hoje presente, a fim de, como era seu propósito, intervir no debato e aplaudir sem reservas o projecto em discussão.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bom! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Lima: — Sr. Presidente: como já aqui se acentuou, foi o Decreto-Lei n.º 36 387, de l de Ju--Iho de 1947, que, com as alterações introduzidas nos artigos .411.º, 435.º e 458.º do Código de Processo Penal, deu incontestável actualidade e particular relevo aos problemas que o projecto de lei em discussão, penetrado por esclarecido sentido das realidades e exacta noção das verdadeiras exigências da boa administração da justiça, pretende resolver em termos razoáveis e adequados.
Explica-se, assim, qne desde a publicação de tal de-creto-lei tenham os problemas que o projecto enfrenta prendido a atenção e suscitado'a legitima preocupação de quantos, designadamente os advogados, podem, pelo contacto com os tribunais, ajuizar do grande alcance e significado desses problemas.
É que, na verdade, são inegáveis os reflexos que a respectiva solução tem, não só no equilibrado e eficiente funcionamento das engrenagens judiciárias e no próprio prestigio da função judicial, más também no condicionalismo qne deve assegurar, porventura de um modo mais vincado em processo penal, a indagação, em matéria de facto, da verdade real.
Não é, por isso, de estranhar que, quer no plano do direito vigente, quer no da política legislativa, tenham tais questões sido objecto de atenta análise e cuidado estudo.
Acresce, particularmente quanto à questão que o artigo 1.º do projecto em discussão se propõe resolver, qne, se qualquer das suas facetas havia que ainda pudesse considerar-se menos esclarecida, um recente caso ocorrido nos nossos tribunais, qne justificadamente chocou e alarmou os homens do foro, estimulou o respectivo estudo em termos de permitir qne as posições sobre o assunto ficassem claramente estremadas e as razoes em que se alicerçam devidamente postas à luz.
Por isso é que talvez pudesse pretender-se, pelo menos à primeira vista, não ser muito explicável a minha presença nesta tribuna, uma vez que nada de novo tenho a acrescentar ao muito que, aqui e em outros lugares e emergências, já foi dito e escrito.
Entendi, porém, que, conquanto nada de novo pudesse trazer ao debate como contribuição atendlvel e relevante para a resolnção dos problemas em cansa, sempre me cumpria, como advogado, dizer uma palavra de apoio firme às soluções propostas no projecto para questões que tão de perto e Intimamente tocam e implicam com a minha profissão.
Para além disso, a verdade é que, antes mesmo de pensar qne devia fazê-lo, já o muito qne quero à profissão e o verdadeiro carinho com que aprecio todas as
iniciativas qne visem prestigiá-la e valorizá-la tinham determinado em mim como que uma forte e vincada necessidade de exteriorizar esse apoio e, simultaneamente, felicitar, como felicito, o autor do projecto.
Satisfeitos deste modo os objectivos que determinaram a minha vinda a esta tribuna, por aqui, parece, deveria ficar, até para não correr o risco de uma repetição maçadora e redundante de considerações já feitas.
No entanto, dada a circunstancia de o projecto implicar com problemas de direito processual com feição acentnadamente técnica, em termos de os não versados na matéria poderem ser levados a olhar o assunto sem lhe atribuir a importância e relevo qne realmente tem, sempre me vou expor a' essa repetição, ainda qne só na medida em que a mesma é envolvida pelo ligeiro apontamento que passo a traçar.
O problema pressuposto pelo artigo 1.º do projecto de lei em discussão pode enunciar-se assim: quando o advogado, no exercício das suas funçOes e em audiência de julgamento, praticar qualquer acto criminalmente punível deverá ser julgado sumária e imediatamente após a mesma audiência, nos termos do artigo' 411.º do Código de Processo Penal, ou, ao contrário, deverá ser julgado de harmonia com o artigo 412.º do mesmo código, ou seja mediante o funcionamento e aplicação das normas gerais de processo sobre a matéria?
Reconheço qne a questão é discutível à face do direito vigente. Inclino-me, porém, no sentido de que a consideração directa e conjunta dos textos dos artigos 411.º, 412.º e 413.º do Código de Processo Penal, iluminada pelo elemento histórico de interpretação, conduz à solução clara e expressamente consignada agora no artigo 1.º do projecto de lei em discussão.
Deste modo, mesmo à face do direito constituído, também a mim me parece qne deve responder-se negativamente ao primeiro e afirmativamente ao segundo dos termos da alternativa em que se traduz a formulação do problema tal como há pouco ó enunciei, devendo assim entender-se não ser aplicável aos advogados o principio do julgamento imediato e sumário por virtude de infracções praticadas na audiência de julgamento.
Este entendimento surge porventura ainda reforçado quando olhado à luz dos princípios que informam a nossa . estrutura judiciária, e designadamente à luz do principio consagrado no Estatuto Jndiciário segundo o qual o advogado é um colaborador da alta função social em qne se traduz a administração da justiça, bem como do principio de que, em processo penal, o advogado, para além de ser — quando é — defensor do arguido, exerce uma verdadeira função pública.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador:—Realmente, não me parece ajustar-se em condições aceitáveis ao espírito que envolve os princípios que ficaram apontados a interpretação do artigo 411.º em causa que implica, sem atendlveis exigências qne o justifiquem, poder o advogado transitar sem solução de continuidade da respectiva banca para o banco dos réus.
O que isso tem de deprimente e vexatório não se reflecte apenas na pessoa do advogado, mas também na função, que por força da lei tem, de colaborar na administração da justiça, cuja dignidade e prestigio há por isso qne defender, inclusive decidindo as dúvidas deixadas em aberto pela utilização de outros elementos mais concretos de interpretação no sentido qne melhor se harmoniza com as exigências dessa dignidade.
Vozes: — Muito bem, muito bem !
O Orador:—Independente, porém, da questão de saber qual a posição que deve reputar-se correcta e exacta em
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face das citadas disposições legais, o certo é que tenho para mim como solução de iure condendo mais defensável a de não sujeitar o advogado e aquilo que como tal representa à situação equivoca e desprestigiante que resulta da sua sujeição ao regime jurídico do artigo 411.º do Código de Processo Penal.
Creio bem que, para além das razões invocadas em abono desta maneira de ver, todos, mesmo os menos ligados às actividades judiciárias, não deixarão de sentir o que tem de chocante e pouco razoável a solução contrária.
Seria sofismar as realidades não reconhecer que, por vezes, também os advogados cometem, no exercício das suas funções, injustificáveis excessos, a todos os títulos reprováveis.
Por um lado, porém, trata-se sempre de casos muito raros, que, como excepções, apenas servem para confirmar a regra.
Por outro lado, também é exacto depararem-se ao advogado -e isto então, segundo parece, com perturbadora e significativa frequência- hipersensibilidades particularmente predispostas a descobrir excessos e actos menos respeitosos em simples e naturais afirmações de personalidade e firmeza na intransigente defesa dos interesses que lhe são confiados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Pelo que pessoalmente me diz respeito, salvo uma, ou outra excepção, não tenho razões de queixa, tendo, em regra, encontrado da parte dos magistrados com quem tenho trabalhado uma exacta compreensão da difícil e delicada tarefa do advogado.
Todavia, pelos elementos de que disponho, sou levado a crer que o fenómeno dessas sensibilidades demasiadamente à flor da pele tem evoluído no sentido de se alargar cada vez mais.
A advocacia é uma luta constante, árdua e dura, tensa e esgotante. De tais características da actividade do advogado resulta não poder este extrair-se a uma explicável emotividade e resulta também ter de agir muitas vezes sem rodeios e com incisiva firmeza. Além disso, são tão graves as responsabilidades do advogado -as que emergem da lei e as que lhe impõe a própria consciência-, que só lhes pode fazer frente capazmente desde que aja com inteiro desassombro e independência, sem tibiezas nem respeito humanos no mau sentido da expressão.
Ora, muitos dos pretensos excessos dos advogados nada mais são do que actos que naturalmente se enquadram e explicam dentro do ambiente e condicionalismo que resumidamente ficaram apontados, em termos de apenas de excessos poderem ser qualificados quando artificial? mente desintegrados desse condicionalismo e, portanto, amputados dos dados indispensáveis para lhes dar o verdadeiro alcance e dimensão.
Em todo o caso, há sem dúvida, por vezes, incontestáveis excessos da parte dos advogados.
Porém, para lutar contra eles dispõem os tribunais dos necessários poderes disciplinares, bem como dá possibilidade de, tratando-se de actos criminalmente puníveis, fazer com que por eles prestem as devidas contas.
O que se não afigura defensável como processo de tornar efectiva essa punição é a utilização de formas processuais - como a prevista no já várias vezes referido artigo 411.º- que atingem desnecessariamente o advogado e acabam afinal por fazer acrescer ao mal consistente nos excessos condenáveis o mal não menor que resulta de serem postas em cansa, demasiado ostensivamente, IV própria dignidade e prestígio da função.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-E quanto à proposta à alteração do artigo 411.º do Código de Processo Penal, creio não ser preciso acrescentar mais nada para justificar o apoio que dou a tal proposta.
Idêntica posição tomo no que respeita às alterações dos artigos 435.º e 438.º do mesmo código.
Com a nova redacção proposta para o artigo 435.º confere-se ao advogado a faculdade de interrogar directamente as testemunhas oferecidas pela parte contrária, suprimindo-se, portanto, o papel de intermediário no interrogatório que o juiz actualmente desempenha.
A experiência -não será muita, mas oito anos de advocacia já podem contar alguma coisa- ensina-me que sob a aparência daquilo que a pessoas não ligadas ao foro poderá apresentar-se como um mero pormenor reside um problema de grande importância, cuja solução pode ter efeitos decisivos na eficiência da produção da prova testemunhal.
A falibilidade desta espécie de prova, as variadíssimas circunstancias que perturbam a objectividade e isenção dos depoimentos, são a cada passo postas em relevo e lamentadas por todos aqueles que com testemunhas têm de lidar.
Também todos, porém, reconhecem - é uma imposição de realidades inafastáveis - que a prova testemunhal continua, e continuará, a ser o principal meio de prova com que tem de contar-se.
E para além dos casos em que a falibilidade dos depoimentos resulta de deficiente capacidade ou possibilidade de apreender os acontecimentos, retê-los e relatá-los, são de uma frequência triste e confrangedora os casos em que as testemunhas, pura e simplesmente, mentem, faltam conscientemente à, verdade.
Não raro o advogado dispõe de elementos seguros reveladores de que determinado depoimento é falso.
Mas, precisamente porque sabe estar perante um mentiroso, estar, portanto, perante alguém bem consciente do miserável papel que desempenha, não pode, sob pena de flagrante insucesso, dirigir um ataque frontal e directo ao depoimento. Tal espécie de ataque falharia face às primeiras linhas de defesa e resguardo de antemão arquitectadas por testemunhas em tais condições.
Resta, então, ao advogado o interrogatório enviesado e discreto, ordenado e escalonado através de um jogo de perguntas, muitas delas aparentemente incaracterísticas e sem interesse, para, cautelosa e pacientemente, tentar perfurar por onde for mais vulnerável o parapeito da mentira, e assim acabar, para bem da justiça e da moral, por pôr a luz e patente a falsidade daquilo que como verdadeiro se apresentava e aparentava ser.
É este um dos trabalhos mais difíceis e melindrosos do advogado, e talvez mesmo dos mais. meritórios sob todos os aspectos, o qual exige uma concentração constante, nina capacidade rápida de coordenar dados e elementos, uma cuidada maleabilidade e oportunidade nas perguntas, que só ele, pelas informações de que dispõe e pelo conhecimento dos objectivos que visa, pode, interrogando directamente, levar a cabo de maneira eficiente.
Se as perguntas forem feitas através do juiz, não raro se inutiliza a teia meditada e esforçadamente urdida para desmascarar a mentira, quando esta realmente existe.
Muitas das perguntas, justamente porque vistas isoladamente nada parecem significar, embora tenham real alcance, são com frequência consideradas impertinentes pelo juiz, a quem se não pode explicar na presença da testemunha o fim que se pretende atingir, o dado de facto que em definitivo se pretende apurar.
Em outras emergências é o juiz que, ficando aquém, ultrapassando ou alterando a forma das perguntas, frustra os resultados que se tinha em vista obter, revelando, ou pelo menos fazendo pressentir, à testemunha o perigo
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que se avizinha de ser desmascarada, a qual, por isso, imediatamente reforça a sua cadeia de mentiras, se esquiva, responde com evasivas, ou revela uma repentina falta de memória.
Só quem nos tribunais, de nervos tensos, sofrendo, se vai encaminhando, numa luta em que o terreno o disputado palmo a palmo, para a descoberta da verdade, e, prestes a trazê-la à superfície, vê ruir todo o seu esforço perante uma inadvertência ou insuficiência implicada pela necessidade de transmitir as perguntas através do juiz, ó que pode aquilatar o que isso representa do doloroso e desanimador e ajuizar quanto significa e vale para o advogado a possibilidade de interrogar directamente.
Já vivi situações como as que ficam assinaladas. Voto, por isso, a proposta de alteração ao artigo 435.º do Código de Processo Penal, com a certeza de que, fazendo-o, contribuo para facilitar a áspera e difícil tarefa dos advogados e, acima de tudo, contribuo para uma melhor, administração da justiça.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: este apontamento já vai um tanto longo, podendo até ter-se a sensação de que levei a repetição de ideias já aqui expostas mais longe do que seria para desejar.
Vou, por isso, terminar e faço-o como comecei: felicitando o Dr. Homem Ferreira pela feliz e louvável iniciativa que teve em apresentar o projecto de lei em discussão, o qual, cifrando-se essencialmente num regresso, ao regime jurídico anteriormente vigente, ilustra bem a afirmação de que nem sempre nova legislação quer dizer boa ou melhor legislação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Colares Pereira: - Sr. Presidente e Srs. Deputados : têm VV. Exas. hoje ouvido aqui falar muito de juizes, de advogados, de justiça e da sua administração, e, assim, certamente neste momento já nada há de novo no problema, nem o podia haver depois de tudo o que se disse, e tão bem dito o foi pelos oradores que me precederam. Mas a mim aconteceu-me, pela primeira vez, não saber vencer-me como devia, porque, realmente, se o tivesse sabido, não devias usar da palavra, uma vez que, depois da doença que ma tirou, é esta a primeira vez, aqui, nesta Casa, que vou tentar usar dela de novo.
Fi-lo porque sinto dentro de mim que o ser advogado é qualquer coisa de grande e sério, e também porque me lembro de que, além de ser advogado, sou pai de advogados. Senti que não era capaz, como advogado, num momento em que se discute o que se está a discutir, de deixar de falar, pois devia também dizer em voz alta o motivo por que dou o meu pleno, completo e absoluto acordo ao projecto apresentado pelo nosso ilustre colega Dr. Homem Ferreira, tão advogado como eu, e que tão bem soube vibrar, esclarecer e discutir aquilo que, não tendo sequer discussão, mereceu, sem duvida, a convicção e brilho de que a revestiu.
Porém, sem querer, quando se é advogado e quando se discute assunto de tão grande importância para a nossa classe, não se pode deixar de sentir emoção, e todos a sentimos através do talento com que a soube comunicar o nosso ilustre colega.
Como advogado, senti que não era capaz de me limitar a votar em silêncio este projecto, sem ter dito porque o considero, para a magistratura, para a advocacia, em suma, para a administração da justiça, tal como o pão
para a boca, pois ele era absolutamente necessário para que essa administração da justiça seja a que todos desejam e a que cada um merece.
É por ele que a família judicial portuguesa novamente se encontra. O objectivo da família judicial deve ser assegurar, em comum, a melhor justiça, e isso só pode ser feito melhor depois de aprovado o projecto que se está discutindo.
Estão de parabéns os juizes e os advogados, está de parabéns a própria Nação.
A nossa profissão é a mais livre das porfiasses dos homens, e damos a nossa aprovação a este projecto para o advogado ter a liberdade necessária como colaborador da justiça, para melhor assegurar a todos os portugueses a sua eficiência e distribuição.
É com o advogado, com o seu trabalho, dedicação e diligência, que o juiz tem o caminho mais aberto, mais livre e mais confiante na busca da verdade, e o tribunal o que quer é sempre a verdade, pois só com ela pode fazer justiça. E a Pátria, que é de todos, deve ter os melhores meios de a todos fazer justiça!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito para a discussão na generalidade deste projecto de lei, nem durante ela foi apresentada questão prévia sobre que tenha de recair qualquer votação da Assembleia.
Considero, portanto, aprovado na generalidade o projecto de lei.
Vai passar-se à discussão na especialidade.
O Sr. Homem Ferreira: - Requeira que a votação incida sobre o texto proposto pela Câmara Corporativa.
O Sr. Presidente:-O Sr. Deputado Homem Ferreira requereu que a votação incidisse sobre o texto proposto pela Câmara Corporativa. Submeto esse requerimento à apreciação da Câmara.
Submetido â votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente:-Vai ler-se o artigo 1.º do projecto de lei tal como consta do parecer da Câmara Corporativa.
Foi lido. É o seguinte:
Artigo 1.º É aditado ao artigo 411.º do Código de Processo Penal o seguinte:
§ 4.º Se a infracção for cometida por advogado no exercício das suas funções, não se aplicará o disposto neste artigo e observar-se-ão os termos prescritos no artigo 412.º
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: -Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai passar-se à votação.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai ler-së o artigo 2.º
Foi lido. E o seguinte:
Art. 2.º Os artigos 435.º e 458.º do Código de Processo Penal passam a ter a seguinte redacção:
Art. 435.º As testemunhas serão perguntadas pelos representantes da acusação e da defesa que as houverem produzido sobre os factos que tiverem alegado, e, findo o interrogatório,
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poderão os representantes da parte contrária, o presidente e os juizes que compuserem o tribunal fazer-lhes as perguntas que entenderem necessárias para o esclarecimento da verdade.
§ 1.º Se, para o esclarecimento da verdade, se mostrar necessário interrogar qualquer testemunha sobre um facto novo, não alegado, poderá ser perguntada sobre ele, se o presidente do tribunal o autorizar.
§ 2.º Quando acusarem conjuntamente o Ministério Público e assistentes, qualquer dos respectivos representantes poderá fazer às testemunhas que não tiver oferecido, depois de inquiridas, as perguntas necessárias ao esclarecimento da verdade.
Art. 458.º Todos os requerimentos ou protestos verbais constarão da acta da ausência, podendo o presidente do tribunal ordenar que a transcrição na acta se faça somente depois da sentença, se entender que se tem por fim protelar o andamento da causa.
O Sr. Presidente: - No texto do artigo 2.º que acaba de ser lido, relativamente ao artigo 458.º do Código de Processo Penal, há, manifestamente, um erro de tipografia; onde se diz que todos os requerimentos ou protestos verbais constarão da «acta da ausência», quer dizer-se da «acta da audiência».
Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai proceder-se à votação.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Requeiro a V. Exa. que fique consignado no Diário das Sessões que este projecto, quer na generalidade, quer na especialidade, foi aprovado por unanimidade pela Assembleia.
O Sr. Presidente:-Ficará a constar do Diário da sessão de hoje que o projecto que acaba- de ser votado foi aprovado por unanimidade, quer na generalidade, quer na especialidade.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Vou encerrai* a sessão, marcando a próxima para terça-feira, dia 21 do corrente, tendo como ordem do dia o aviso prévio do Sr. Deputado Ferreira Barbosa sobre organismos de coordenação económica e, ainda, a ratificação do decreto-lei relativo ao período do mandato dos presidentes das câmaras municipais.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Sn. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Pacheco Jorge.
Américo da Costa Ramalho.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
ntónio Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
João de Brito e Cunha.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA