518 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 96
(Decreto n.º 58-1459, in Journal Officiel, de 4 de Janeiro de 1909).
Como mais uma vez se confirma, os problemas do urbanismo ganharam tamanha latitude e projecção nacional que não podem já desligar-se -porque ali integrados em alto grau- dessa ingente tarefa do «desenvolvimento» económico ou «crescimento» económico, hoje pedra de toque na política de todos os povos.
9. Para se avaliar bem do alcance que hoje devem comportar os planos urbanísticos («m França mais correctamente denominados «programmes d`aménagement du territoire»), bastará dizer que eles incidem sobre três escalões: a estrutura rural, a estrutura urbana e o conjunto do território nacional.
O urbanismo, na acepção já universalmente consagrada de «arranjo do espaço» (aménagement du territoire), confinava-se inicialmente ao segundo daqueles escalões - a estrutura urbana.
O seu escopo essencial reduzia-se à elaboração dos traçados racionais para a edificação de novas zonas urbanas ou para a remodelação das já existentes. A sua função principal consistia em delimitar as zonas residenciais, comerciais e industriais, fixar a altura e densidade dos edifícios, a sua arquitectura e o traçado das ruas, bem como fazer o aproveitamento da superfície necessária para o delineamento de parques, campos de jogos e outros espaços livres.
Para se conseguirem tais objectivos, o urbanismo teria de ocupar-se também de muitos problemas com eles relacionados, nomeadamente a salubridade pública, a localização mais vantajosa para as escolas e outros edifícios de interesse geral, o estudo dos meios de transporte e do trânsito para o traçado das vias de comunicação e seus acessos, etc.
Só mais tarde, contudo, entrou na esfera do urbanismo o primeiro escalão apontado - o espaço rural. Na Inglaterra, o movimento em prol do «arranjo dos campos» começa a partir de 1930, com o fim de defender as melhores terras de cultura e de criação pecuária contra a fúria dos construtores, impedindo a desarborização e regulamentando a utilização do «espaço». Era já a extensão a todas as zonas campesinas dos princípios até então aplicados apenas aos centres urbanos e, no máximo, às cinturas agrícolas que os envolvem (G. D. H. Gole, «Rapports entre la planification générale et l'habitation, l'urbanisme et l'aménagement dês campagnes», in vol. cit., Nações Unidas, 1948).
Ainda antes deste movimento contemporâneo, que se concretiza, no domínio urbanístico, pelo regresso à terra, o famoso Lê Corbusier, que muitos conhecem só pela sua tese da «construção em altura», afirmou ser necessário que «a vida rural, estiolada, exangue, que não subsiste senão mediante a seiva já desgastada de uma civilização caída, renasça esplendidamente, reintroduzindo na civilização da máquina a presença bendita da natureza: não somente os seus produtos, mas ainda a sua profunda influência sobre os homens». E, olhando o problema pelo seu ângulo profissional de urbanista, rematava formulando este vaticínio:
A civilização da máquina, no seu segundo período, só poderá ser fundada sobre um ruralismo vivo, porque, mais uma vez, não poderá reformar-se a cidade senão pelo amónagement do campo (Sur lês guatre routes).
E para se aquilatar do círculo vasto em que se coloca a mise en valeur das zonas rurais é preciso dizer que ele se não circunscreve ao âmbito da agricultura, mas ascende a outros domínios do económico, do social e do espiritual. Em livro muito recente (1958), que se enquadra no espírito da actual e abundante bibliografia francesa sobre aménagement du territoire, considera-se como pilar fundamental daquela mise en valeur «o desenvolvimento das actividades do sector terciário na zona rural: turismo, vilegiaturas de Verão, casas de repouso, estabelecimentos culturais, hospitalares, etc.». (Louis Leroy, Exode ou mise en valeur dês campagnes - título bem expressivo, que põe em destaque um sério dilema).
Aliás, não pode esquecer-se que, segundo a fórmula já radicada em França, o aménagement du territoire - esse novo «urbanismo», que interessa tanto á cidade como ao campo - tem em vista «a procura da melhor repartição dos homens em função dos recursos naturais e das actividades económicas, investigação não apenas para fins económicos, mas sobretudo para o bem-estar e florescimento da população», digamos -quanto a esta finalidade, de ordem cultural e espiritual- aquele «suplemento de alma» de que nos fala Bergson.
Nesta linha de orientação, está a Franca actualmente empenhada em descongestionar as suas grandes cidades, a semelhança do procedimento que analisámos em relação a Londres, descentralizando a sua indústria, era benefício das zonas rurais. Hás não bastam tais medidas de finalidade prevalentemente económica: é preciso descentralizar também a vida administrativa e intelectual, em benefício dos centros urbanos médios ou pequenos. Assim o preconizam muitos; e a opinião vai ganhando terreno dia a dia, como que para desmentir essa definição da França que J.-F. Gravier pôs a correr na capa do seu livro: Paris et lê désert français. Caricatura realmente exagerada e a cores demasiado escuros, por certo, mas exactamente por isso bem sugestiva e até inteiramente louvável como grito de alarme.
E que há sobejas razões para alarme provam-no, em relação a cidade de Paris o sua zona suburbana, os números trazidos a público, em Fevereiro do corrente ano, por dois membros do Governo, Jean Berthoin, Ministro do Interior, e Maurice-Bokanowski, Secretário de Estado, ao anunciarem numa «conferência de imprensa» a criação do distrito da região de Paris.
Depois de referirem o ritmo acelerado no crescimento da região parisiense, «mas também muito anárquico», salientaram o facto de aquela região cobrir apenas uma superfície de 2,3 por cento do território nacional, abrigando, todavia, 17 por cento da população francesa: 7 840 000 habitantes no fim de 1957. E sobre o cruciante problema habitacional, além da notória carência de casas, dão-nos este quadro edificante: 50 por cento de habitações do aglomerado parisiense não têm água, 17 por cento não possuem instalações sanitárias, 60 por cento não excedem duas divisões.
Quanto à zona urbana propriamente dita, a sua densidade populacional média é de 275 pessoas por hectare (chegando a atingir 800 e 1000 em certos bairros); muito superior às outras capitais: Roma, 16; Berlim 38; Nova Iorque, 99; Londres, 109; Moscovo, 149. E, só na cidade de Paris, publicam-se 83 por cento, dos jornais e periódicos franceses, ali se encontrando 71 por cento dos empregados de seguros de toda a França, 66 por cento dos homens de letras, 61 por cento dos artistas, 51 por cento dos empregados dos bancos e bolsas, 42 por cento dos estudantes, 25 por cento dos funcionários. E não só esta grande concentração intelectual, comercial e administrativa, mas ainda uma proporção considerável de indústrias: óptica, 77 por cento; automóvel, 67 por cento; aeronáutica, 60 por cento; construções eléctricas, 55 por cento; indústrias químicas, 44 por cento, etc. (vide o jornal Lê Monde - Sélection Hebdomadaire- 12-18 de Fevereiro de 1959).