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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 97

ANO DE 1959 23 DE ABRIL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 97 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 22 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira
António Calapez Gomes Garcia

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 8 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Duarte Amaral requereu elementos sobre a estagnação do comércio de vinhos verdes.

O Sr. Deputado Costa Ramalho agradeceu ao Secretariado Nacional da Informação a rapidez e eficiência com que lhe foram transmitidos os elementos solicitados sobre o Fundo de Teatro.
Os Srs. Deputados Afonso Pinto, Camilo de Mendonça e Virgílio Pereira da Crus falaram sobre a inauguração do aproveitamento hidroeléctrico do Picote e a extraordinária importância dessa obra.

Ordem do dia. - Na primeira parte foi posta à ratificação da Assembleia o Decreto-Lei n.º 42178, sobre o qual falou o Sr. Deputado Homem Ferreira.
Na segunda parte começou o debate acerca do aviso prévio relativo aos organismos de coordenação económica. Usou da palavra o Sr. Deputado João Dias Rosas.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 47 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.

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Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Crua.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 93 Srs. Deputados.

Eram 16 horas e 8 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Duarte do Amaral.

O Sr. Duarte do Amaral: - Sr. Presidente: muitos produtores da região dos vinhos verdes estão preocupados com a falta de procura do seu vinho, que dificilmente lhes sai das adegas.
E sem custo compreende tal estado de espirito quem sabe a importância que tem este produto na vida de agricultores com tão limitada capacidade económica.
Afirma-se, porém, que a menor procura não é de atribuir apenas à diminuição do consumo, mas principalmente à entrada de vinhos de outras origens na região demarcada em quantidades demasiadamente grandes. Entre estas aumentam todos os dias os que são vendidos em garrafões, tipo de comércio perfeitamente organizado e de inteira eficiência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Ora a legislação referente ao assunto, se autoriza a entrada e venda de vinhos comuns na região dos vinhos verdes, contém também disposições para regular essa entrada, que deve fazer-se de acordo com as necessidades de abastecimento e sem prejuízo dos vinhos produzidos naquela zona.
Para esclarecimento da forma como funciona o sistema e para conhecimento da verdade das razões apontadas como causadoras da estagnação do comércio dos vinhos verdes requeiro, pelo Ministério da Economia, os seguintes elementos:

Produção dos vinhos verdes das colheitas de 1957 e 1958;
Escoamento dessas colheitas, por meses;
Autorizações concedidas e entradas efectuadas, também por meses, de vinhos de outras regiões;
Informação, com a indicação de quantidades, da forma de acondicionamento dos vinhos entrados na região;
Quaisquer outros elementos julgados úteis para o esclarecimento deste assunto.

Tenho dito.

O Sr. Costa Ramalho: -Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer ao Secretariado Nacional da Informação a rapidez e a eficiência com que me foram transmitidos os elementos aqui solicitados sobre o Fundo de Teatro. Demais, a boa organização das respostas, segando as questões por mim formuladas, deixa uma boa impressão a respeito do funcionamento dos serviços daquele departamento do Estado.
Tenho dito.

O Sr. Afonso Pinto: - Sr. Presidente: Deputado pelo distrito de Bragança e natural da região do Leste trasmontano, julgo-me no dever, aliás gratíssimo, de dizer aqui uma palavra sobre dois acontecimentos recentes do mais alto relevo político: a inauguração do grande aproveitamento hidroeléctrico do Picote e a visita triunfal de S. Ex.ª o venerando Chefe do Estado a terras de Moncorvo, Mogadouro e Miranda do Douro.
Não é meu propósito apreciar, ainda que perfunctoriamente, os aspectos técnicos ou económicos desse grande empreendimento.
Outros o fizeram já com larga proficiência, objectividade e brilho.
A rádio, a televisão e a imprensa, no honroso cumprimento do dever de bem informar a opinião pública, já lhe deram o devido e merecido relevo.
O Pais, de lês a lês, já tomou conhecimento dos admiráveis depoimentos, tão cheios de verdade e de ciência certa, contidos nos notáveis discursos proferidos no acto dessa inauguração por SS. Exas. o venerando Chefe do Estado, os ilustres Ministros das Obras Públicas e da Economia e o distinto e dinâmico presidente (...)

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(...) do conselho de administração da Hidroeléctrica do Douro, Sr. Eng. Paulo Marques.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-A tão eloquentes depoimentos não teria eu que acrescentar agora nem mais uma palavra.
Há, porém, um aspecto de tais acontecimentos que pela sua repercussão no espirito dessa boa gente da minha região me julgo no direito e também no dever de focar aqui.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Refiro-me à impressão viva e bem vincada que eles deixaram nas almas simples e francas de toda essa gente do Leste trasmontano.
Sobre este aspecto posso depor sem receio de trair o pensamento linear e o vivo sentimento, dessa boa gente, antes interpretando-os fielmente e sem trair também o mandato de Deputado que ela me confiou.
É que a conheço intimamente e, mais do que isso, com ela e na mais perfeita comunhão tive a vivência do momento magnifico de exaltação, de fé, de esperança e de gratidão perante a afirmação incontestável de uma política de verdade, de ordem, de paz e de progresso, perante o rigoroso cumprimento da palavra dada pelo Governo de Salazar, perante a presença viva, prestigiosa e prestigiada de alguém que em si consubstancia e representa a alma da Nação, na máxima expressão da sua soberania, das suas aspirações e anseios em prol do comum...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-... a figura veneranda de S. Exa. o Chefe do Estado, Sr. Almirante Américo Tomás.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-S. Exa., pela sobriedade dos seus gestos e palavras, pela irradiante simpatia, pela serenidade e energia de vontade, pela seriedade e bondade claramente reflectidas no seu rosto aberto e franco de português de lei, logo aos primeiros contactos com o povo humilde e simples da minha região lhe conquistou a confiança, a veneração e o carinho.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Quando, vai para cerca de um ano, o vendaval de fúria e de insânia demagógicas, da triste e e subversiva campanha eleitoral das hostes da oposição ao Estado Novo, sacudiu e agitou o Pais também as almas simples dessas gentes do Leste trasmontano lhe sofreram o embate, também elas se agitaram e algumas, poucas, se perturbaram e confundiram.
Houve então alguns olhos que tanto pó levantado obscureceu.
É que ali também não faltaram as odiosas mentiras, as promessas vãs, a guizalhada truanesca.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Mas, ao fim e ao cabo, tudo o vento levou: mentiras, promessas vãs, ameaças e guizos de arlequim.
O tempo passou, a serenidade e a reflexão voltaram aos espíritos e com elas voltou a gratidão e o esquecimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Gratidão por aqueles para quem governar é servir devotadamente o bem comum, esquecimento e até desprezo pelos falsos profetas, pelos loucos ambiciosos, por todos os inimigos da Nação unidos no diabólico conúbio maçónico-comunista.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-É que esse povo humilde e simples tem uma alma autenticamente portuguesa, tem um carácter austero e sério, bem moldado pela influência transcendente da fé católica, pelas influências telúricas do meio em que vive: um Verão calcinante, um Inverno quase siberiano, montanhas altaneiras de face severa, largueza de planaltos, pobreza de um solo que é preciso regar com o suor do rosto para dar o pão de cada dia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Sim. Esse povo, que é honesto e sério, não podia ficar indiferente perante o homem bom e sério que é o ilustre almirante Américo Tomás.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Ora tudo isto foi o que jubilosamente observei, quer ouvindo os vivos comentários de alguns, quer lendo nos corações de todos a baterem a uníssono com o meu.
Lembro-me bem do efeito destas palavras justas e sóbrias com que o venerando Chefe do Estado, vestindo honradamente a característica «capa de honras»
mirandesa, respondeu à saudação que lhe fora feita pelo presidente da Câmara de Miranda do Douro. Disse S. Exa.: «Nada posso oferecer, porque nada costumo oferecer antecipadamente, mas, se de mim dependerem as vossas aspirações, podeis contar com a minha boa vontade».
Sr. Presidente: na verdade, nestas palavras está inteiro esse homem sério que é o almirante Américo Tomás, e está também, em síntese, a ética de bem servir da política de verdade de Salazar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: -Sr. Presidente: essa fala simples, clara e séria que acabo de referir, o povo, não só o da minha região, mas o povo autêntico de Portugal, entendeu-a e recebeu-a dignamente. Estou certo disso.
Muitas são as necessidades da boa gente da minha região e, por isso, muitos e bem legítimos são os seus anseios, as suas aspirações.
Mas esse povo, para quem o trabalho ainda é uma oração, pois benze-se sempre ao iniciá-lo, esse povo que aprendeu na dureza da vida a esperar pacientemente a época da colheita, sabe esperar confiadamente os benefícios de uma acção governativa que lhe inspira confiança, porque sabe que ela é toda devotadamente em prol do comum.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Ele bem sabe, porque os factos insofismáveis o comprovam com toda a evidência, que a Revolução Nacional continua sob a égide de Salazar, por mais que boategem, conspirem e protestem, até em ridículos abaixo-assinados, os energúmenos do diabólico conúbio maçónico-comunista.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: quando, no acto da inauguração a que me venho referindo, S. Exa. o venerando Chefe do Estado, num gesto de justiça e de gratidão, (...)

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evocou - como ele disse - a figura excelsa desse ilustre ausente, mas presente em todos os corações que naquele momento ali pulsavam vibrantes de entusiasmo -Salazar -, eu tive então a nítida impressão de que um coro de vozes se fazia ouvir, num murmúrio de oração, a aflorar em todos os lábios dos presentes: Salazar, Deus vos guarde, e obrigado, muito obrigado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: pelo que então vi e ouvi posso testemunhar que este é o voto sinceríssimo que está no coração da boa gente do Leste trasmontano.
Julgo ter interpretado fielmente as ideias e os sentimentos de um povo que soube vibrar de entusiasmo e de gratidão perante os dois acontecimentos notáveis que refiro e que jamais se apagarão na sua memória: a inauguração da barragem do Picote e a honrosa e triunfal visita do venerando Chefe do Estado a terras de Moncorvo, Mogadouro e Miranda.
S. Ex.ª, por uma circunstancia feliz, evocadora de um passado glorioso de descobertas de novos mundos, envergava a sua farda honrada de almirante. Refiro aqui o pormenor porque bem senti quanto ele impressionou o povo da minha região.
A mim, a nobre figura do Sr. Almirante, evocou-me, comovidamente, o sentido profundo dos bem conhecidos versos, marulhantes de epopeia, do poema de Fernando Pessoa:

Aqui, ao leme, sou mais do que eu
Sou um povo que quer o mar que é teu.

Sr. Presidente: termino o meu depoimento e, certo de que interpreto fielmente o sentimento do povo que represento e o meu, presto rendido preito de homenagem ao venerando Chefe do Estado, Sr. Almirante Américo Tomás, e ao chefe incontestável e incontestado da Revolução Nacional - Salazar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Como diria o mais humilde e o mais simples dos homens da minha região, numa linguagem simples mas aquecida pelo sentimento da gratidão, da esperança e da fé nos destinos da Pátria, também eu direi:
Sr. Almirante Américo Tomás, Salazar, Deus vos guarde, e obrigado, muito obrigado.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: com a presença honrosíssima do venerando Chefe do Estado inaugurou-se solenemente no passado domingo a barragem do Picote, primeiro dos aproveitamentos nacionais previstos no Douro internacional.
Foi um dia de festa, em que o escol e o povo destas duras terras se misturaram em sentida homenagem de respeito ao supremo magistrado da Nação, que por toda a parte, dos lugares modestos às vilas austeras, mas cheias de pergaminhos, se viu envolvido pelo carinho das gentes trasmontanas, testemunho a uma vez de fidelidade e gratidão, mas também de fundada esperança.
Creio, Sr. Presidente, que o Chefe do Estado se deve ter sentido compensado do incómodo e canseiras da visita a tão longínquas e inóspitas paragens, tanto pelo vulto do empreendimento, que há-de traduzir-se em mais pão e mais trabalho para os Portugueses, como pelos sentimentos de fé, devoção, esperança e lealdade que, na sua rude simplicidade, as gentes brigantinas insofismavelmente exprimiam por todas as formas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte posso dizer que a visita do venerando Chefe do Estado calou profundamente em todos, que a sua afabilidade deixou viva marca de simpatia nos corações dos Trasmontanos, que as suas palavras ficaram gravadas na memória de todos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: já se disse que a habitualidade com que se inauguram grandes obras banalizou o acontecimento. E em grande parte verdade. Para os Trasmontanos, porém, a inauguração da barragem do Picote não constitui, não podia constituir, um acontecimento banal.
Primeiro, pela presença do venerando Chefe do Estado, que assim deu à inauguração do empreendimento o indispensável cunho de acontecimento nacional.
A seguir, por ser a primeira obra susceptível de poder contribuir para o desenvolvimento económico destas desprotegidas gentes e agreste região que se inaugura na nossa terra.
Depois, porque o aproveitamento do Douro sempre constituiu para o Trasmontano, como para o engenheiro Ezequiel de Campos, uma tarefa ansiosamente esperada, longamente acalentada como meio decisivo e quase único de vencer o seu atraso, modificar as suas difíceis condições de vida, rasgar novos horizontes para o futuro dos seus filhos.
Da rudeza das suas margens e da impetuosidade das suas águas muito há na alma e temperamento trasmontanos, por isso que, além de geogràficamente ligado ao seu Douro, desde sempre o Trasmontano a ele está preso pelo sentimento.
Talvez por isso já alguém disse serem as arribas do Douro a poesia do Trasmontano.
Por fim, pela luzida embaixada que até nós se deslocou, a grande maioria da qual o terá feito, creio, pela primeira vez, apesar de se tratar de dirigentes qualificados da vida nacional, quer dos sectores públicos, quer do campo privado.
Quer tenham ido pela primeira vez ou pela segunda - seguramente sempre por poucos -, devo lamentar sinceramente os incómodos a que se obrigaram e o desconforto a que se sujeitaram em regiões tão agrestes e desfavorecidas. Não posso dizer, sem blasfémia, desfavorecidos da Providência Divina, mas posso dizer, sem dúvida, dos homens, desfavorecidas dos homens, do amparo do homem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se a rude franqueza dos Trasmontanos e a sua conhecida hospitalidade não bastou para os compensar de sacrifícios e canseiras, resta-me assegurar a todos que se prometerem visitar-nos mais vezes que não deixaremos de nos preparar, não direi para os receber melhor, mas em melhores condições e sempre com satisfação e sincera simpatia.
Sr. Presidente: a inauguração da borragem do Picote não foi para nós um acontecimento banal, nem pelo facto nem pelas circunstâncias.
Cumprida a aspiração quase lendária, dominado o gigante, satisfeita a ansiedade que pela demora quantas vezes esteve à beira de converter-se em desespero, aguardam agora os Trasmontanos - e com inteira legi-

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timidade - que do empreendimento decorram os esperados frutos: o desenvolvimento económico da região.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Doutra sorte sentir-se-ão os Trasmontanos frustrados e desiludidos nas suas esperanças persistentemente mantidas.
Todos os trasmontanos compreendem que a riqueza que os empreendimentos da poderosa fonte de energia com que a Providencia os dotou sirvam e tenham de servir o País e todos os portugueses, mas não perceberão de maneira nenhuma que os não sirva também e primeiro a eles - aliás os mais carecidos e de há mais tempo!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Utilizar uma das grandes riquezas trasmontanas, a primeira na ordem lógica do desenvolvimento económico, exclusivamente em beneficio directo de outros constituía para eles uma sensação de exploração colonial, que já nem em África se pratica, que só no Leste europeu se usa. Seria escamotear as suas esperanças, roubar as suas possibilidades, condenar o seu futuro.
Acontecerá que o destino seja irónico a ponto de criar sentimentos de revolta contra uma exploração colonial naqueles que, pela falta de condições de vida, mantêm mais vivo do que ninguém o espirito de colonização e vêm praticando-a em maior percentagem de que quaisquer outros? Acontecerá?
Carecemos urgentemente que indústrias se localizem na região, aproveitando as possibilidades da energia, o que para o homem da rua parece sensato e requerido por princípios de elementar economia.
Disse elementar economia porque a alta, às vezes, pretende demonstrar-nos o contrário.
Carecemos imediatamente de luz nas nossas terras e energia em condições de se poder utilizar, não vá acontecer que, pelo facto de o Douro estar ali mesmo ao lado e produzir a energia mais barata, por espirito de geometrismo estreito ou tecnicismo desligado das realidades, precisamente por isso, seja negada à maior parte a utilização teórica, pela falta de rede de distribuição, e a todos a utilização prática, pela usura dos preços.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Até agora assim acontece e nada prenuncia que seja diferente no futuro próximo. Porquê?
Sr. Presidente: o distrito de Bragança viveu dias de festa com a inauguração da barragem do Picote e o anúncio do adiantamento dos trabalhos do aproveitamento de Miranda.
Pelo que se refere ao de Bemposta, nada sabemos, mas algo nos inquieta. Não virá a acontecer que a execução desta obra seja preterida, ao contrário do que se previa no Plano de Fomento tal como foi elaborado pelo Governo?
A quem não tenha receio de se afogar em energia, tanto por conhecer as consequências que para todos resultaram desse errado temor em tempos, não muito recuados, como por saber ser a abundância a maneira mais segura de romper com os propósitos maltusianistas que costumam ser atributos de monopolismos ou feudalismos de ordem privada ou tecnocrática e ainda por não desconhecer estar em boa parte dependente do preço e abundância de energia a possibilidade de não poucos empreendimentos industriais, precisamente daqueles mais adaptados às nossas peculiares condições, a dúvida constitui forte preocupação.
Esperemos que assim não aconteça, até porque, para já, se dispensariam mais uns vultosos investimentos na rede de transporte, sempre cara, mas entre nós especialmente cara, que poderiam servir para a electrificação rural ou instalação de indústrias fortemente reprodutivas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O distrito de Bragança, dizia eu, viveu um dia de festa, em que comungaram grandes e pequenos, aldeões e citadinos, um dia que ficou gravado na sua memória, um dia que espera seja o começo do caminho do seu indispensável e urgentíssimo desenvolvimento económico.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Apenas uma nota nestes dias de festa e alegria ensombrou os espíritos dos meus conterrâneos. É que faltou uma palavra ao Sr. Ministro da- Economia, uma palavra por que todos esperavam, mas não foi dita.
A palavra diz respeito ao problema da electrificação da região e do incomportável regime tarifário a que está sujeita.
O Sr. Ministro da Economia deve saber bem que estas questões constituem um grave problema de Trás-os-Montes, pois sem a solução delas nem pode haver desenvolvimento económico, nem melhoria sensível das condições de vida, que estas questões se converteram em apaixonado problema político e sentimental dos Trasmontanos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ao técnico, qualquer que seja a sua envergadura, qualificação ou função que ocupe, por um defeituoso entendimento das coisas da vida podem ser indiferentes estas questões e pequenas (?) coisas, mas ao Ministro, isto é, ao político que todo o Ministro tem de ser antes de mais, é que não é licito fazê-lo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nem os povos aceitam, nem os homens deixam de reparar nessas omissões.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Proença Duarte: - V. Ex.ª não entende que o Sr. Ministro da Economia enunciou precisamente a resolução de todos esses problemas da distribuição da electricidade?
Esperemos que S. Ex.ª, pela sua alta competência, saber e conhecimentos, lhes dê as soluções adequadas.

O Orador: - O que eu estava a dizer é que, havendo, a este respeito, um problema político grave e agudo, deveria ter sido proferida uma palavra, que não foi dita, mas era esperada.

O Sr. Proença Duarte: - A mim parece-me que essa palavra política foi dita com a enunciação dos problemas que têm de ser resolvidos, e que hão-de sê-lo.

O Orador: - V. Ex.ª, como pessoa ligada ao Ribatejo, pode ter ficado satisfeito com o enunciado do Sr. Ministro da Economia, mas eu, como Trasmontano, com um problema concreto, localizado e agudo, é que não fiquei. Não fiquei eu nem nenhum dos meus conterrâneos.

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O Sr. Virgílio Cruz: - De todos os distritos do País é precisamente o distrito de Bragança aquele em que a percentagem de freguesias electrificadas e da população servida é a menor.

O Sr. Proença Duarte: - Sinto-me perfeitamente à vontade para fazer este aparte, porque tenho aqui posto por várias vezes o problema da electrificação rural. Mas, neste caso especial, repito, o Sr. Ministro da Economia disse que esse problema espera uma solução, e o seu passado é garantia de que a solução será encontrada.

O Orador: - Se V. Ex.ª tivesse aguardado um momento teria verificado que, não obstante o inteiro cabimento da minha observação, que continuaria a repetir agora, também estava contemplada a hipótese de o Sr. Ministro ter pecado apenas por omissão, o que nas circunstâncias de local e tempo já não seria pouco.
Com efeito, quem sabe se o Sr. Ministro da Economia, mais preocupado em realizar do que atender as ansiedades do povo, guarda a solução para execução breve?
Se assim acontecer, em vez do remoque de que me faço eco, deveria dirigir um antecipado agradecimento.
Entretanto, por mim, confio à Providencia Divina a solução do problema, já que poucos motivos vou tendo para esperar dos homens.
Sr. Presidente: não poderia deixar de concluir estas desataviadas palavras sem uma referência de muito apreço para a Hidroeléctrica do Douro, que, vencendo dificuldades que outros empreendimentos não tiveram, por tal forma se houve na sua árdua tarefa que o aproveitamento do Douro breve se converteu em forte e poderosa realidade ao serviço do Pais.
Para além da realização da obra que lhe cumpria não descurou a Hidroeléctrica do Douro a defesa e valorização social de quantos deram o melhor do seu esforço ao majestoso empreendimento, nem deixou de colaborar com a região, quer contribuindo para a melhoria das estradas de acesso, quer promovendo a construção de uma pousada, que começara a possibilitar algum turismo na região,
Por sobre tudo é conhecido o espirito que anima a empresa, ciente da missão que também lhe cabe de auxiliar, propiciar e colaborar no desenvolvimento da região trasmontana.
Sabem os Trasmontanos que podem contar com a boa vontade, diligência e cooperação da Hidroeléctrica do Douro para o fomento económico, a começar pela tarefa de electrificação a preços acessíveis.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Todos sabemos que não é da Hidroeléctrica que partem as dificuldades para que Trás-os-Montes tenha a energia de que carece a preços que permitam a expansão económica da região. Essa atitude não pode, sem grave injustiça, deixar de ser realçada e por ela somos todos credores de um sincero reconhecimento.
Uma saudação à Hidroeléctrica do Douro é, por tudo isso, neste momento não só cabida, mas necessária e justa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: sei bem que dias de festa não devem constituir oportunidade para lamúrias ou queixumes. Sei bem que algumas notas que fiz não são próprias nem dignas da grandeza da inauguração nem projecção do empreendimento e muito menos da alegria e fé que se viveu naquela jornada inolvidável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sei tudo isso e não obstante não resisti a fazê-las. Não resisti porque não podia calar sentimentos vivos nas gentes da minha terra, aspirações e ansiedades já mal contidas dos trasmontanos.
Trasmontano que se orgulha de o ser de muitas gerações que sempre amaram e serviram a sua terra, temperado pela rudeza da sua paisagem e pelo desconforto da região, vivendo com paixão as grandes dificuldades, as pesadíssimas limitações das gentes para angariarem magro e sacrificado sustento, sem quaisquer ambições pessoais de mando e muito menos de riqueza, rude e leal como as serranias da minha terra, tenho como mandato imperativo não perder um ensejo, uma oportunidade, uma ocasião para manifestar as inquietações, as esperanças dos Trasmontanos, para referir, sem rodeios, os meus sentimentos muito sensíveis às injustiças dos homens.
A Camará perdoar-me-á e V. Ex.ª, Sr. Presidente, com a sua conhecidade generosidade, desculpar-me-á.
Sr. Presidente: Trás-os-Montes viveu com intensa fé e insofismável alegria a jornada do passado domingo, das maiores da sua história recente.
Das arribas tremendas do seu Douro, da impetuosidade das suas águas, nasce agora mais riqueza, mais pão e mais trabalho para os Portugueses, que assim vão ganhando mais e mais confiança no futuro.
O povo de Bragança entendeu-o bem, o escol de Trás-os-Montes sentiu-o de forma clara, por isso todos viveram com entusiasmo e fé aquele dia e tudo fizeram para significar ao venerando Chefe do Estado o seu reconhecimento, a sua gratidão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nas homenagens que todos desejamos prestar, no carinho com que pretendemos envolver o Chefe do Estado, ia um sincero reconhecimento, um preito de homenagem sentida, uma manifestação de devoção e lealdade.
As simpatias que S. Ex.ª por toda a parte derramou, as palavras que do Chefe do Estado ouvimos em Picote, Miranda e Bemposta, ficaram a constituir motivo de profunda esperança, de renovada esperança para todos os trasmontanos.
Foi um dia grande, foi um dia de fé viva nos destinos da Pátria, na capacidade de realização dos Portugueses.
E agora ... até Miranda do Douro!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: os palavras dos Srs. Deputados Afonso Pinto e Camilo de Mendonça acabam de dar nesta Câmara o eco expressivo da inauguração solene do Picote, decorrida, em ambiente festivo e patriótico, no passado dia 19, sob a alta presidência do Chefe do Estado e com a presença do Sr. Bispo de Bragança e Miranda, de membros do Governo, do Sr. Embaixador de Espanha, de numerosos representantes das forças vivas nacionais e de muitos técnicos ligados à electrificação.
A bondade irradiante do Chefe do Estado e a sua honrosa deslocação às terras altas do Leste de Portugal calaram fundo na alma trasmontana (apoiados) e na sua gente leal e dedicada, que de há muito aguarda a solução dos problemas mais prementes e que confiadamente espera que esteja a chegar a sua hora.
A presença do Sr. Embaixador da nobre e fidalga nação espanhola na inauguração deste nosso aprovei-

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tamento no troço internacional do rio Douro veio testemunhar a exemplaridade de uma política de perfeito entendimento e real fraternidade das duas nações peninsulares, sempre patente no decurso das obras do Douro internacional e em outras ocasiões e latitudes e que esperamos continue a ser a pedra angular da política de sincera e recíproca amizade entre os dois Estados, com ampla colheita de frutos para todos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O aproveitamento a fio de água do Picote foi estudado e executado durante o I Plano de Fomento e a sua central, é, das que foram construídas até hoje em Portugal, a de maior potência instalada e a de maior capacidade de produção em ano de pluviosidade normal.
Embora a inauguração solene se tenha feito só agora, já há mais de um ano que a central do Picote contribui para o abastecimento da rede nacional, tendo em Janeiro de 1958 fornecido mais de 6 milhões de kWh, o que nessa altura permitiu reduzir o apoio térmico que estava a ser dado à rede nacional. Durante o passado ano de 1958 produziu 477 milhões de kWh, produção essa que, comparado com os nossos consumos totais de electricidade antes de lançadas as bases do plano de electrificação, representa mais do que foi o consumo anual do País até ao fim de 1945.
Este fornecimento proporcionou em 1958 maior elasticidade a exploração das centrais de albufeira e se não fosse ele teria havido apreciável redução nos abastecimentos à electroquímica.
Desde que se iniciou a electrificação do País dispôs-se pela primeira vez no ano transacto de meios de produção que permitiram encarar, sem qualquer preocupação, a total satisfação dos nossos consumos permanentes e temporários.
O aparecimento em 1958 deste período de tranquilidade, que marca uma nova era na política de produção de electricidade, resultou do acabamento da barragem de Paradela, no Cávado, com uma capacidade de armazenamento energético das maiores dos País, e da entrada em serviço do Picote, primeiro escalão do Douro internacional, que, conjugado com as grandes albufeiras da rede primaria, permite atingir elevados níveis de disponibilidades hidroeléctricas em anos normais.
A entrada em serviço do Picote, pelo seu grande peso, completa a garantia dos consumos durante o triénio 1958-1960, sem necessidade de nenhum outro escalão.
A sua capacidade de produção, que é da ordem dos 1060 milhões de kWh em ano normal e atinge os 1310 milhões de kWh em ano muito húmido, excede em ano médio a capacidade de produção de todo o sistema do Zêzere ou de todo o actual sistema do Cávado e Rabagão; mas para a atingir é preciso que haja, bem entendido, possibilidades de encaixe desta produção no diagrama de cargas da rede nacional.
A obra do Picote, por todas estas razões, fica aos olhos de todos como padrão glorioso desta época e símbolo do engrandecimento nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: o rio Douro e os seus afluentes representam o nosso maior manancial de energia. Dos aproveitamentos do rio Douro poderá ser obtida em ano médio a produção de mais de 5000 milhões de kWh, repartidos pelos diversos escalões, como mostra o quadro que segue.

[ver tabela na imagem]

Isto para o curso principal do rio, porque o inventário sobre os possíveis aproveitamentos nos afluentes e subafluentes do Douro mostra a possibilidade de produzir só neles cerca de 4000 milhões de kWh, o que prova que a bacia hidrográfica do Douro, onde se concentra mais de metade das disponibilidades potenciais hidroeléctricas da metrópole, está em condições de prestar grande e valiosa contribuição para a exploração compensada de toda a rede nacional.
Através da rede de transporte e de uma vasta rede de distribuição, deveremos dar às dispendiosas obras de produção as condições de marcha que lhes permitam a mais perfeita utilização das suas importantes disponibilidades de energia, que num país de modestos recursos, como o nosso, tem de ser económica e tanto quanto possível totalmente aproveitada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As condições energéticas das nossas fontes de produção e a conjugação do Picote com as grandes albufeiras da rede primaria permitem transferir no tempo - mesmo interanualmente - massas excedentárias de energia dos períodos húmidos para os períodos secos, assegurando maleabilidade de exploração e o domínio das situações meteorológicas de transição.
Assim, nos próximos anos vai passar a ser situação frequente que a grande indústria electroquímica tenha disponibilidades de energia para trabalhar todo o ano a plena carga, o que esperamos seja aproveitado para beneficiar a agricultura portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: o equipamento do Picote e das outras centrais do Douro internacional, situadas no extremo nordeste trasmontano, obrigou, pelo volume de energia a transportar e pela distância que a separa dos centros de consumo, a antecipar a construção de uma rede de 220 kV que até agora tem injectado na subestação de Pereiros, a 3 km de Coimbra, a energia do Douro na rede de transporte e interligação a 150 kV.
Está a trabalhar-se na interligação da rede portuguesa e espanhola, que se espera fique feita dentro de meio ano, à tensão de 220 kV, a partir do Pocinho. Esta interligação vai integrar a rede portuguesa na rede europeia, assegurando apoio e socorro em caso de necessidade e alguma compensação. Disporemos, assim, muito em breve do circuito físico que nos possibilitará

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trocas de energia entre Portugal e a Espanha e, através de um acordo tripartido entre Portugal, Espanha e França, poderemos vir a vender à França alguns excedentes da nossa produção.
Urge levar a bom termo as negociações oficiais para um acordo internacional e estudar em pormenor os espectos contratuais dessas trocas e movimentos de energia.
A indústria de produção, transporte e distribuição de electricidade constitui na época presente uma actividade de notável relevo, que tanto quanto hoje se sabe e se prevê não será deslocada da posição actual, mesmo com a utilização futura em grande escala de outras fontes de energia.
O advento da energia atómica e a sua crescente utilização na produção de electricidade criou em alguns espíritos a dúvida sobre o acerto e a conveniência de prosseguirmos na política de realizações dos grandes aproveitamentos hidroeléctricos.
As opiniões recentes dos especialistas sobre a matéria consideram ser necessário prosseguir no aproveitamento das fontes clássicas de energia eléctrica, por ainda não ser possível, mesmo que se quisesse, satisfazer somente por via atómica as novas e crescentes necessidades de electricidade.
A tendência geral é para aumentar o ritmo das obras, porque o consumo cresce em progressão geométrica.
A impossibilidade de satisfazer para já por via atómica as crescentes necessidades de electricidade resultam da carência de combustível atómico em qualidade e quantidade suficiente, da falta de uma indústria de equipamento nuclear suficientemente desenvolvida e da escassez de pessoal altamente qualificado para tratar dos vários assuntos ligados à indústria atómica.
Além disso, o kilowatt instalado atómico é actualmente mais caro que o das fontes clássicas de energia eléctrica, e quanto ao custo da produção atómica ainda há imprecisões no cálculo de vários elementos que a constituem.
Por tudo isto se pensa que ainda durante largos anos a energia atómica se conjugará e não substituirá a produção pelos métodos clássicos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: a existência de grandes centrais hidroeléctricas, passada a fase de construção, tem pequeno efeito na economia local e no nível de emprego regional. O Picote tem à volta de sessenta empregados permanentes, desde o engenheiro-chefe, electricistas, maquinistas, guarda-fios, etc., até aos porteiros e guardas, e as nossas outras grandes centrais andam pelas cinco dezenas de empregados nos seus quadros permanentes, muitos dos quais, por serem especializados, vêm de fora da região. Mas durante a construção estas obras de grande vulto, pelos operários que ocupam e pelos capitais que movimentam, são de muito favorável incidência nas economias regionais e até na economia nacional.
No aproveitamento do Picote foram investidos cerca de 670 000 contos, dos quais mais de 75 por cento ficaram no nosso país em salários e ordenados, em materiais e transportes, em trabalho e fornecimentos da indústria nacional, etc., com relevante incidência no nosso circuito económico.
Além dos trabalhos intrínsecos à própria obra, muitos outros houve que fazer, derivados da localização do estaleiro a 500 km da fábrica de cimento e a cerca de 350 km do porto de desembarque dos equipamentos pesados, das difíceis ligações rodo e ferroviárias da região com o resto do País e do atraso económico da zona onde as obras se desenvolveram.
Rasgaram-se estradas e caminhos, estabeleceu-se uma rede de transportes para alimentar o estaleiro com 200 t de cimento por dia, além de muitos outros materiais, ergueram-se edifícios nos morros adjacentes ao local da barragem, abasteceu-se a zona com água tratada e com energia eléctrica e criou-se no estaleiro toda a vasta gama de serviços, em que chegaram a trabalhar mais de 3000 homens.
O aglomerado populacional ligado ao estaleiro atingiu 7000 pessoas e, como o local era ermo e inóspito, foi preciso construir uma pequena cidade industrial, junto ao estaleiro da barragem, edificando, além das habitações, todas as instalações de interesse colectivo, tais como refeitórios, centro comercial, capela, posto de saúde, enfermaria, escola, cinema, parque de jogos, piscina, abastecimentos, etc.

O Sr. Alberto Cruz: - Esta é que é a boa doutrina!

O Orador: - Apesar da dificuldade da obra, conseguiu-se, com o esforço tenaz e perseverante de quantos trabalharam na Hidouro, de quantos trabalharam com os vários empreiteiros e com os fornecedores, percorrer em pouco tempo um caminho que se sabia de antemão longo e árduo, e hoje surge naquela paisagem, de grandiosa rudeza e de agricultura pobre, uma obra impressionante, uma poderosa fonte de energia, que o trabalho do homem soube arrancar das forças da natureza e está a converter em riqueza socialmente útil.
Por esse grande esforço, penso que todos os portugueses, desde os operários aos dirigentes, que deram o seu contributo à realização da obra são merecedores de que nesta Câmara se lhes dirija uma palavra de sincero reconhecimento e justo apreço.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E para que da obra feita e do dinheiro gasto no sector da produção a colectividade possa obter o maior proveito material e social é preciso levar os benefícios da electricidade a muitas regiões de economia rural ainda privadas do seu uso...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... e onde a dispersão das populações, as distâncias a vencer, os fracos consumos iniciais, etc., tornam a exploração das redes de distribuição necessárias de saldo negativo durante vários anos que se seguem à sua construção.
O distrito de Bragança, no qual se localiza o Picote e onde estão em curso de aproveitamento outras poderosas fontes de energia (Miranda, para conclusão em 1960, e Bemposta, que esperamos siga de perto Miranda), é de todos os distritos da metrópole aquele onde se registam as mais baixas percentagens de freguesias electrificadas e de população servida.
Urge melhorar essa situação precária e, através de uma vigorosa política de ordenamento regional, aproveitar da melhor forma possível em todas as suas possibilidades este valioso elemento de infra-estrutura económica, para valorizar e transformar a região trasmontana, extensa e de economia débil.
A realização do Picote constitui impressionante testemunho da capacidade criadora dos Portugueses e da vitalidade da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esta obra marca novo avanço na trajectória firme do engrandecimento da Nação, ela é o resultado de uma política de realizações fecundas

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que em várias regiões estão a valorizar o renovar Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito comprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - A primeira parte da ordem do dia da sessão de hoje é preenchida pela ratificação do Decreto-Lei n.º 42 178.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Homem Ferreira.

O Sr. Homem Ferreira: - Sr. Presidente: algumas palavras apenas sobre as razões que me levam a negar a ratificação, sem emendas, do Decreto-Lei n.º 42 178, de 9 de Março deste ano.
Não sei se irei magoar os tímpanos políticos dos partidários da intangibilidade das decisões governamentais.
Ultimamente reacendeu-se a ideia de que é desaconselhável, ou impolítico, criticar ou divergir das medidas do Governo, por mais espessas que se apresentem. Por isso, há dias, numa roda de Deputados, eu sustentei que, se os Russos tinham lançado o sputnik e os Americanos viviam a emoção nova dos foguetões interplanetários, certo sector da nossa vida pública me dava, amiúde, a impressão de ter feito uma descoberta maior e mais sensacional: a descoberta de um governo perfeito!
Daí o mau humor oficial que, não raras vezes, desaba sobre as críticas que se levantam nesta Assembleia e a surdez obstinada de certas entidades, repartições e responsáveis perante os problemas e anseios aqui expostos, aliás num total clima de franqueza, colaboração e boa fé.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para os espíritos fechados e empedernidos toda a discordância é uma desconsideração, toda a opinião divergente é uma hostilidade, toda a crítica é uma heresia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E não reparam, sequer, que nenhum de nós tem regateado ao Governo aquela sinceridade que todos lhe devemos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por mim, posso bem com o risco de ser classificado talvez de irreverente, porventura de separatista, com certeza de demagogo. Não importa.
Há deveres que não estão apenas dentro de nós, porque estão, sobretudo, acima de nós. Tenho o dever de ser leal com o Governo, com as minhas ideias e com a minha consciência.
E o espírito de lealdade não se compadece com o espírito de orfeão, nem com o culto dos preconceitos, nem com o veludo das conveniências.

onheço bem o círculo de giz das minhas limitações. Mas, se não sou obrigado a ter talento, sou obrigado a ser honesto. Sou capaz de obedecer conscientemente; não sou capaz de obedecer cegamente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, Sr. Presidente, as soluções políticas recentemente ensaiadas, e nas quais parecem filiar-se alguns aspectos do decreto em discussão, não têm sido felizes.
Creio que continuamos amarrados a certos equívocos, que tanto têm perturbado o desenvolvimento da nossa actividade política.
Um deles é o vício das grandes palavras, das grandes etiquetas com que temos cercado, iludido e, até, corrompido o verdadeiro pensamento de Salazar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Começámos por estigmatizar e excomungar a política, ignorando assim os aspectos mais elementares, o cimento básico dos fundamentos e alicerces de qualquer regime político.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Perdemos anos preciosos cantando hinos às obras e realizações materiais e alheios ao fluxo e refluxo do fenómeno político. Esta redoma em que encerrámos o regime veio a traduzir-se em algumas surpresas injustificáveis e em incompreensões difíceis de cicatrizar.
Depois, outra grande legenda que desvirtuámos: o princípio da autoridade. Em nome deste princípio foi possível sustentar em cargos de responsabilidade homens cujo traço característico era acumular erros!
Prestígio da autoridade, sem se reparar que se resvalava no desprestígio de toda uma linha hierárquica de autoridades, cujo vértice era a própria figura central do regime.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Agora entrámos no domínio de outra moderna etiqueta: o princípio da renovação.
E ao abrigo desta directriz vai por esses municípios fora um vento subversivo que altera posições; desintegra planos, ofende esforços e faz deflagrar as mais sérias dificuldades.
Defeito de se resolverem os problemas políticos em círculos fechados, em pequenas tertúlias, cuja inteligência respeito, mas cujo conhecimento das circunstâncias e realidades discuto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As soluções políticas não se encontram em serões mais ou menos bucólicos, nem na atmosfera rarefeita das abstracções, nem com fatias de compêndios de teoria política, por mais envernizados que se apresentem os conceitos e as palavras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estamos a ser vítimas de congeminações de gabinete que não encontram eco na vida real e que só criam obstáculos e atribulações aos homens que, ao longo do País, têm a responsabilidade da coisa pública.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É nesta moldura que me parece ser lícito dizer que a medida, contida no decreto, de exonerar todos os presidentes das câmaras em exercício há mais de doze anos não tem lógica, nem justiça, nem sentido das realidades políticas.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Com efeito, não se compreende a necessidade de automatizar uma solução para a qual o GoverNo já dispunha de poderes, de competência e, até, de lei própria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O simples exame dos artigos 71.º e 73.º do Código Administrativo leva-nos à conclusão de que esse preceito do decreto não passa de um pleonasmo legislativo.
Chega a ser estranho que se pretenda uma chave para abrir uma porta que está aberta! É claro que a dialéctica dirá que se desejou exactamente fechar uma porta.
Mas raciocinar assim é descrer da capacidade e da coragem das entidades superiores e é, sobretudo, esquecer as flutuações das circunstâncias e das hipóteses e a flexibilidade de que devem revestir-se as soluções políticas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A renovação não é um fim, mas um meio de atingir o objectivo de melhorar. Por isso, no caso dos presidentes das câmaras, só uma indagação vertebrada e minuciosa, através dos órgãos políticos qualificados e das entidades próprias, poderia justificar a medida drástica contida no decreto.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E sempre essa avaliação teria de processar-se dentro de um critério casuístico que ouvisse e atendesse os anseios dos povos, os quadros locais e, até, a arquitectura política dos concelhos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O presidente da câmara tem de ser a síntese destes factores convergentes, porque é a chave de todo o nosso sistema e, por consequência, a pedra basilar de toda a possível irradiação política.
Renovar por renovar, abrangendo nesta nivelação presidentes que serviram bem, com eficiência e devoção, é um impulso teórico, divorciado das «duras lições da experiência» e das nossas próprias preocupações políticas.
De resto, o decreto, ao abrir uma crise de dezenas e dezenas de dirigentes em todo o País, está em contradição com as palavras reflectidas do Sr. Presidente do Conselho, que, ainda em Julho de 1958, reconheceu e anotou a «deficiência geral de dirigentes com que lutamos em todos os sectores».
A volúpia do renovação, de que o decreto se fez eco, não atendeu às realidades políticas e, por isso, não trouxe apenas inconvenientes, mas também verdadeiros riscos.
Em primeiro lugar, a omissão de relatório no decreto privou-nos da generosidade de uma explicação das teorias, intenções e esperanças do legislador.
O facto só tem interesse por ter dado origem a interpretações capciosas, que chegaram a descair na imputação de cobardia política do Poder.
Depois, não se considerou que para a presidência das câmaras há cada vez maiores dificuldades de recrutamento, filiadas nos tarefas absorventes do município, incompatíveis com uma actividade política e administrativa não profissionalizada e derivadas também da crise de escol dos meios locais já assinalada pelo Prof. Marcello Caetano.
Diante das arrelias, obstáculos e incompreensões que o decreto, sem necessidade, veio criar a muitos de nós - a todos quantos têm de actuar no plano regional e vencer estas dificuldades em que os comandos são tão pródigos - não quero chegar à irreverência de perguntar, glosando o Prof. Lopes de Almeida, se haverá quem julgue que os presidentes das câmaras se fabricam nas Caldas!
Risos
Mas o aspecto mais grave de tudo isto resulta da inoportunidade flagrante da medida adoptada. É que o decreto, ao renovar um número apreciável de presidentes das câmaras, implicitamente remodelou orientações, alterou influências, abalou estruturas concelhias. Toda a gente sabe que a linha de uma administração municipal é desenhada e depende do seu presidente, em virtude das largas e essenciais atribuições que de direito e de facto lhe competem.
Ora um presidente da câmara não se improvisa. Há-de estruturar a sua própria orientação nas várias, diferentes e, por vezes, inúmeras freguesias; há-de penetrar em todos os ramais humanos do concelho; há-de alargar, progressivamente, a influência da sua autoridade política e social aos mais longínquos recantos.
Isto, porém, no que significa criação de estruturas e até de projecção pessoal, é o resultado de uma elaboração lenta e de um conhecimento mútuo, necessariamente demorado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E, no entanto, mercê do decreto, todos os novos presidentes das câmaras - muitos dos quais ainda não estão nomeados - terão de coordenar e vencer casos, problemas e situações açodadamente, improvisadamente, dada a proximidade do importante acto eleitoral - porque é a eleição-base - que a Situação vai atravessar. Por outro lado, o risco deriva, ainda, dos problemas pessoais que as novas nomeações sempre desencadeiam, ressuscitando divergências, renovando o choque de opiniões, trazendo à tona discordâncias adormecidas ou resignadas.
Sr. Presidente: a análise dos possíveis reflexos práticos da exoneração em massa dos presidentes das câmaras leva-nos a concluir que a determinação não tem vantagens visíveis.
Nem se diga que ela vem facilitar a revelação de dirigentes, isto é, o acesso à administração local de gente nova, cujo ímpeto e desinteresse pode dinamizar a vida regional.
Como foi sublinhado, as possibilidades de recrutamento são muito reduzidas. Acresce que o cargo, rodeado de agruras e premido pela escassez de recursos financeiros e técnicos, não é propício a treinar dirigentes, mas sim a queimar dirigentes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não foi sem uma parcela de verdade que eu, há tempos, num julgamento em que se pretendia visar um presidente da câmara, sustentei haver duas funções que não gostaria de desempenhar: a de presidente da câmara e a de árbitro de futebol!
Risos.
E creio que estas linhas de caricatura têm algumas gotas de realismo...
Mas, Sr. Presidente, talvez o decreto tenha procurado despedir, sem suscitar melindres, gente que merecia substituição.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Nada direi sobre esta nova fórmula de doçura política.
Simplesmente recordo que antigamente os governantes mediam-se pela maneira pessoal como defrontavam e venciam os problemas da sua jurisdição e pelo tacto e habilidade de que davam provas.
Agora, diante das dificuldades ou casos delicados, carrega-se no botão e aparecem pílulas legislativas que tudo aplainam.
Risos.
Já não se resolve, decreta-se. E, todavia, mecanizar as soluções é perder a noção do conteúdo pessoal e humano de toda a actividade política.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O pendor da lógica levar-me-ia u conclusão de que, se há necessidade de treinar dirigentes, esse treino tem de abranger, pelo que se vê, todos os escalões, mesmo os mais altos.
Sr. Presidente: já foi focado nesta Assembleia em termos vivos, pelo Sr. Dr. Homem de Melo, o que a vaga de demissões dos presidentes das câmaras representava de injustiça para tantos que se devotaram à vida pública do País, alheios a sacrifícios e prejuízos e superiores a amarguras, a incompreensões e, até, neste momento, bem superiores ao fel da ingratidão.
Eles surgem à minha imaginação como sobreviventes, como homens moldados no estilo moral de outras épocas, visto que hoje parece viver-se outro ciclo: o ciclo da moral atómica!
Mas não reivindico para esses homens aquela meia dúzia de palavras que, com sabor de epitáfio, tornam tão insossas e fatigadas as portarias de louvor.
Quero apenas deixar a todos quantos serviram com eficiência e isenção uma palavra de apreço e de solidariedade. Não posso esquecer que no número destes servidores estão altos valores que me habituei a ver nas primeiras linhas desta Assembleia e sempre na vanguarda das nossas fileiras.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Em face desta, injustiça é forçoso afirmar que a linha de renovação anunciada há tempos está distorcida e desfocada.
O que é preciso rever e renovar são certos aspectos que se prendem com a ética do regime e que -todos o sabemos- desanimam qualquer tentativa de persuasão política. São, exactamente, aqueles pontos abordados nos últimos requerimentos do Sr. Dr. Carlos Moreira e agora visados frontalmente no projecto de lei do engenheiro Camilo de Mendonça.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É no capítulo das acumulações, dos vencimentos principescos, das gratificações das empresas económicamente ligadas ao Estado que é preciso reformar, varrendo definitivamente esse clima de devorismo.

Vozes: - Apoiado!

O Orador: - Quando ouço certa gente qualificada fazer reclamo de esforços ou invocar sacrifícios, na ânsia de denegrir ou esvaziar críticas lúcidas e certeiras, já sei que todo esse sacrifício e esforço se resume em conseguir tempo para assinar os recibos de sucessivos cargos ou conselhos de administra cão.
E é neste ângulo, a que já uma vez chamei a toxicologia do regime, que tem de processar-se e singrar a verdadeira renovação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Chega, pois, a ser estranho que alguns responsáveis políticos, em vez de afirmarem o propósito de corrigir, pretendam, publicamente, justificar, ou atenuar, estas sombras, aliás confundindo combatividade com grosseria e ressuscitando uma linguagem há muito excluída do vocabulário político!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As entidades superiores não podem impor-nos certos dirigentes que, aos nossos olhos, só têm autoridade económica, mas não tem autoridade política, isto é, que não aceitamos, nem respeitamos.
Sr. Presidente: diante dos defensores do Regime que pretendem, com as mãos lavadas e o coração limpo, construir o futuro, levanta-se uma nova cidade de Cartago, onde se refugiam os egoísmos, os desvios e as ambições políticas e económicas de alguns devoradores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É neste aspecto que queremos a verdadeira renovação, ainda que para rever e edificar seja preciso repetir, com firmeza e intransigência, a voz eloquente do passado: Delenda est Cartago.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à outra parte da ordem do dia: a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Ferreira Barbosa, sobre organismos de coordenação económica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Dias Rosas.

O Sr. Dias Rosas: - Sr. Presidente: não é sem alguma preocupação que intervenho neste debate. Efectivamente, tenho feito a minha vida profissional ao serviço do Estado e, desde há largos anos, ela tem estado ligada à vida dos organismos de coordenação económica.
Esta circunstância levou-me a ponderar na oportunidade e legitimidade da minha intervenção na discussão em causa. Em problemas de tão grande importância na vida política e económica do País não admito, porém, que alguma, vez se pense que a posição das pessoas pode ser aferida por qualquer consideração pessoal; e é antes o desejo de poder contribuir para a análise do problema em debate com o produto de alguma experiência vivida preocupadamente no seu estudo que me decide a pedir agora a palavra.
Sr. Presidente: o Sr. Deputado Ferreira Barbosa, ao fazer este aviso prévio acerca da existência e funcionamento dos organismos de coordenação económica, trouxe à apreciação e discussão da Assembleia um ponto de doutrina e de política económica, cuja relevância no complexo das funções do Estado e na vida da Nação aviva a gravidade da incerteza da situação e do destino da organização corporativa em face das exigências da intervenção do Estado na vida económica moderna.
Este me pareceu o mérito do aviso, na medida em que chama a atenção para a necessidade de ser definida de vez doutrina que torne clara a política do Governo e indique à organização corporativa o âmbito da sua acção.

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Já não posso, porém, estar de acordo, quando se pretende caracterizar doutrinàriamente o nosso sistema Corporativo e, à luz de afirmações firmadas sobre a interpretação dos textos legais, se sustenta a existência de uma tese oficialmente adoptada, a que ultimamente vozes autorizarias terão contraposto «razões de permanência e até de predominância» dos organismos de coordenação económica, «no sentido de os considerar complementos absolutamente necessários à condução, por parte do Governo da Nação, de uma política de orientação e de coordenação económica, tornada cada vez mais indispensável em virtude do actual condicionalismo, interna e externamente existente».
Isto foram palavras do anúncio feito pelo Sr. Deputado avisante.
É que, justamente, o que não há é uma tese oficialmente adoptada; e é disso que, ao fim de tantos anos, todos nos temos a lamentar.
Mas vamos então ao assunto.
Desde logo, o primeiro ponto que importa esclarecer é a posição doutrinal do Estado perante a vida económica.
Não pode hoje pôr-se em causa com seriedade a legitimidade da intervenção do Estado na vida económica. É-lhe imposta pelo artigo 31.º da Constituição, quando diz que «O Estado tem o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social com os objectivos seguintes:
1.º Estabelecer o equilíbrio da população, das profissões, dos empregos, do capital e do trabalho;
2.º Defender a economia nacional das explorações agrícolas, industriais e comerciais de carácter parasitário ou incompatíveis com os interesses superiores da vida humana;
3.º Conseguir o menor preço e o maior salário compatíveis com a justa remuneração dos outros factores da «produção, pelo aperfeiçoamento da técnica, dos serviços e do crédito».
Estes objectivos do Estado, repetidos no artigo 7.º do Estatuto do Trabalho Nacional, que lhe definem u posição de árbitro na defesa do interesse nacional e na condução das actividades económicas no caminho Homem comum, exprimem-se, assim, na - organização utilização dos meios que se revelem mais adequados, em cada caso e conforme as circunstâncias e as situações, à manutenção do equilíbrio económico geral através da expansão harmónica da economia.
Isto quer dizer, em termos gerais, que o Estado, para estabelecer o equilíbrio da produção e dos seus factores, das profissões e dos empregos; para defender a economia nacional de explorações económicas parasitárias; para conseguir o menor preço dentro da justa remunerarão de todos os factores da produção, tem necessariamente de estar habilitado a intervir - o que não quer dizer que sempre tenha necessidade de o fazer- no processo económico ao longo de todo o circuito.
E isso implica a possibilidade de promover a melhoria das técnicas de produção, e o aperfeiçoamento da utilização dos factores produtivos, de disciplinar os mercados, evitando que sejam dominados por grupos em prejuízo do comum e de procurar defender o consumo, através do menor preço, e o trabalho, através do maior salário, em termos compatíveis com a justa distribuição dos resultados da produção.
E não se esqueça ainda que a direcção do comércio externo é hoje encargo muito importante e cada vez mais absorvente do Estado, em face do crescente poderio económica da oferta e da procura externas, organizadas, quantas vezes, em moldes que a iniciativa privada nacional, entregue a si própria, sem orientação e apoio que supram as suas insuficiências perante o poder de negociação de que aquelas aparecem investidas, não teria, as mais das vezes, condições para enfrentar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Mas para quê continuar nesta fundamentação, se ela está presente em todos nós - todos nós que aqui trazemos, todos os dias, pedidos para que o Governo promova a melhoria das condições das explorações agrícolas, defenda os preços e assegure uma boa distribuição dos produtos, crie condições de protecção às indústrias em crise, morigere práticas comerciais e regule as condições de funcionamento dos mercados, fomente as nossas exportações e defenda a produção interna da concorrência estrangeira, regule a distribuição dos rendimentos em termos que contribuam para. maior justiça na remuneração dos factores mais débeis?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Daqui, a coerência daquele preceito constitucional: ele está no pendor natural do nosso pensamento e da nossa concepção da acção do Estado na vida económica. Somente, se queremos que estes objectivos se harmonizem e possam traduzir o equilíbrio económico geral que ao Estado cabe salvaguardar, temos de consentir nos meios que lhe são adequados.
Sem dúvida que a caracterização destes meios, com a extensão dos poderes que hão-de corresponder-lhes, só pode fazer-se em função da sua idoneidade paru a realização daqueles objectivos, consoante as situações económicas quase processem, o que mostra bem a impraticabilidade de fixar, com precisão e generalidade, o grau e as formas da intervenção económica do Estado.
Neste campo da conduta económica um certo empirismo não é de modo nenhum um mal: querer reduzir a conduta humana a fórmulas rígidas seria querer reduzir os homens a unidades e o ambiente social a um espaço geométrico. - Contra tal atitude lutamos em nome da concepção que defendemos do homem. - Mas já tem de aceitar-se, na lógica desta doutrina que decorre dos preceitos constitucionais, que a organização daqueles meios supõe uma posição política que coloque o Estado acima da pressão dos interesses privados e - cabe à acção governativa, através da sua Administração, pela criação dos instrumentos de intervenção indispensáveis ao ordenamento de cada sector ao longo do respectivo ciclo económico e à coordenação è harmonização destes à luz dos interesses económicos nacionais.
Esta acção implica, todavia, uma cuidada análise dos fenómenos económicos e dos «eus encadeamentos, que possa .servir de orientação às escolhas que estão em causa em cada situação que se depare, o que está hoje possibilitado pelas perspectivas que a análise económica global abriu à política económica, sobretudo a partir da escola moderna.
Mas, dir-se-á que, de um ponto de vista técnico, esta actuação pode perfeitamente caber à organização corporativa, o que reconduz o problema à posição doutrinal e política dos organismos corporativas e das corporações, em face destas exigências da intervenção do Estado na vida económica moderna.
Vejamos então:
Num plano doutrinário, pode admitir-se que a organização corporativa tem apenas uma função representativa, que é da sua própria essência institucional; pode entender-se que lhe cabe ainda a disciplina pró-

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fissional das actividades; e pode também considerar-se que lhe pertence, além da representação das categorias económicas e da sua disciplina, a intervenção directa no campo económico.
Na realidade, a nossa organização corporativa das actividades económicas tem exercido funções que se enquadram em termos genéricos em qualquer destas modalidades, consoante os tipos de organismos e o processo da sua criação e, ainda, conforme o sector que abrangem é ou não coordenado economicamente.
Ora, a prática tem revelado, por um lado, que a atribuição de poderes de intervenção económica aos organismos corporativos é requerida nos períodos de depressão pelas actividades que mal suportam a sua disciplina nos períodos de euforia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, como já dizia o Sr. Deputado Dr. Mário de Figueiredo, ao fazer o seu aviso prévio sobre a organização corporativa, em Fevereiro de 1939, «os grémios apresentam-se externamente como formas de concentração económica. Desta sorte, se os agremiados não se associam animados de espírito de colaboração com .as outras forças económicas que fecham o ciclo da produção, mas com o espírito do lucro, nós, em vez de termos organização corporativa, teremos capitalismo liberal agravado».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ora, o que é normal, aliás insito aos elementos que definem o empresário, é o espírito de lucro. E, assim, o risco que o Sr. Dr. Mário de Figueiredo já então apontava é realmente muito grave e impõe todas as cautelas que impeçam que se transforme numa realidade.
Com efeito, a organização corporativa de categorias económicas em que seja marcado o desequilíbrio na grandeza e no poderio das empresas que as constituem, quando acompanhada de poderes de intervenção económica, agravará os perigos de se decair da representação profissional na de um grupo ou de grupos.

O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Santos da Cunha: - E então qual é a posição dos representantes do Governo junto desses organismos? O que é que eles lá estão a fazer, quando se verificam esses desvios?

O Orador: - É o Governo que pode responder a V. Ex.ª nos termos que vou dizer a seguir. Senão, vejamos: a história da nossa organização corporativa regista os casos de tutela, com as correntes de opinião que trouxeram atrás, imposta a organismos corporativos que, tendo poderes de intervenção económica, esqueceram a solidariedade e a hierarquização dos interesses que são, afinal, a sua base institucional.

O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª permita-me que diga que a lógica do discurso de V. Ex.ª não responde à minha observação, porque V. Ex.ª diz que quando esses desvios se dão se entre no regime de tutela. Então como é que se exerce a função orientadora do delegado do Governo nesses organismos para tornar assim inevitável e necessária a tutela? Quer dizer que não exercem convenientemente as suas funções e que as coisas correm por forma a chegar-se à tutela.

O Orador: - Está V. Ex.ª enganado, muito enganado. É que a delegação do Governo não é assistida por serviços que seriam indispensáveis a uma acção de correcção dos desvios que se esboçassem, de molde a habilitá-los a poderem ter uma actuação ex ante em relação às actuações dos organismos corporativos.

O Sr. Santos da Cunha: - Pois deve ser.

O Orador: - E, dentro desse critério, quando dispuserem desses serviços tem V. Ex.ª o embrião de um organismo de intervenção da natureza dos organismos de coordenação.

O Sr. Santos da Cunha: - É uma afirmação de V. Ex.ª desprovida de demonstração.

O Orador: - A de V. Ex.ª tem o mesmo valor lógico.

O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª vai consentir que eu diga que há diferença essencial entre uma acção orientadora e educadora exercida pelo Estado e a acção permanente, nem sempre branda, dos organismos de coordenação económica.

O Orador: - É uma afirmação de V. Ex.ª

O Sr. Santos da Cunha: - E não esqueça V. Ex.ª que no País todas as críticas que indiscriminadamente são feitas à organização corporativa são-no fundamentalmente aos organismos de coordenação-económica.

O Orador: - Aí é que V. Ex.ª diverge da minha opinião, porque não é realmente assim.

O Sr. Santos da Cunha: - Não vamos fazer recair sobre a organização corporativa males que não são próprios dela.

O Orador: - Se V. Ex.ª continuar a ouvir com atenção verá como esse ponto é expressamente tratado no que vou dizer.

O Sr. Santos da Cunha: - Não estou aqui senão para ouvir V. Ex.ª

O Orador: - Então peço que continue a ouvir-me com a atenção com que já me honrou.

O Sr. Pereira Jardim: - Parece-me que o maior número de acusações feitas organização corporativa, e em maior grau de ambiente político, foi quando houve de entregar à organização corporativa funções que eram de coordenação económica.

O Sr. Santos da Cunha: - Não me parece que seja assim. Aguardemos que V. Ex.ª faça a demonstração dessa tese, que me parece muito distante das realidades.

O Orador: - E tem de reconhecer que, enquanto as associações profissionais têm firmado o seu prestígio na natureza da sua actuação representativa, os organismos corporativos têm sido objecto de críticas e de reacções generalizadas, que, se quisermos procurar-lhes a origem, a encontraremos fundamentalmente no exercício desses poderes de intervenção.
E que anal pode censurar-se no desfavor da opinião pública, se foi o Estado o primeiro a denunciar, logo três anos após o início do movimento corporativo, na base I da Lei n.º 1936, o perigo da actuação dos organismos corporativos em sentido diverso do imposto pelos objectivos económicos próprios da organização corporativa, dando ao Governo aqueles poderes de tutela?

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Há todavia, um outro aspecto que importa assinalar para bem se poder compreender o mérito da função representativa da organização corporativa e da aceitação que possa encontrar na opinião pública: é o que se refere à persistência de um duplo sistema de criação dos organismos corporativos gremiais, donde decorrem condições de vida e de projecção na política económica bastante diferentes.
Uns, de criação facultativa, que pouco mais tem feito do que catalogar empresas e cobrar quotas - está deles completamente ausente, na generalidade dos casos, a expressão política da sua voz representativa; outros, do criação obrigatória, que, para além da sua actuação representativa, têm em muitos casos funcionado realmente como instrumentos da acção estadual.
Ora, esta dualidade não pode continuar, ainda quando de início o Governo tenha querido utilizar estes últimos como instrumentos seus, inclusivamente pelo processo heterodoxo do comando dos seus órgãos directivos.
A manutenção desta situação nega a autonomia que, entre nós, se diz ser apanágio da organização corporativa. Por isso, o relatório daquele diploma, em via de publicação, a que já se referiu, em intervenção nesta Câmara, o Sr. Deputado avisante denuncia o propósito de fazer cessar certas funções destes organismos que manifestamente devem estar fora do âmbito normal da sua actuação.
Por tudo isto parece bem claro que deve ser no revigoramento da sua função representativa e na definição das normas de disciplina profissional que devem encontrar a sua mais forte expressão política os organismos corporativos. E, para que assim seja, há que defender a autenticidade da representação corporativa e os desvios a que a pode levar uma exagerada presença estadual, e há que encaminhar o funcionamento dos organismos no sentido de estabelecerem as normas da disciplina das actividades neles organizadas, definindo-se princípios de deontologia profissional e condições gerais do seu exercício, e reforçando-se neste aspecto a, autoridade institucional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Isto implica, sem sombra de dúvida, a mais estreita colaboração entre os sectores governamentais da economia e das corporações.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Santos da Cunha: - Estava a seguir com toda a atenção o raciocínio de V. Ex.ª Julgo que, apesar de apoiar a linha de pensamento de V. Ex.ª quanto a função que deve ser dada aos organismos para se criar una verdadeira autenticidade de representação da organização corporativa, V. Ex.ª devia completar o seu raciocínio com outra face importantíssima do problema. É que é necessário que as instâncias oficiais estejam atentas com igual autenticidade ao sentido representativo da organização. Quer dizer: não basta que os organismos tenham esse sentido; é preciso que sejam escutados ...

O Orador: - V. Ex.ª Sr. Deputado, é muito vivo na sua intervenção, como, aliás, sempre. E isso leva-o a antecipar-se, impondo-me um método de raciocínio que não é o meu. Portanto, se tiver um bocadinho de paciência, lá chegaremos. O meu método de exposição é um pouco diferente, e gostaria de continuar a dominá-lo e a segui-lo.
E quanto às corporações ? Que posição e que atribuições devem assumir, de acordo com a nova lei que permitiu a sua institucionalização? E que luz nos pode trazer o ponto de vista doutrinário e político?
Quando nos detivemos na análise da função que a Constituição impõe ao Estado de intervir na vida económica da Nação com objectivos definidos, insistimos, propositadamente, em que a natureza desses objectivos impunha a criação de instrumentos de intervenção que servissem à coordenação dos sectores económicos ao longo de todo o ciclo produtivo - agrícola, industrial e comercial.
Cabe agora tirar desta conclusão uma primeira consequência. A institucionalização horizontal das corporações, segundo a função economia -comércio, indústria e lavoura- estabelecida pela Lei n.º 2086, de 22 de Agosto de 1956, tornou a sua estrutura e as condições do seu funcionamento normal desde logo inadequadas ao desempenho de atribuições que supõem órgãos de intervenção económica capazes de abranger todo o ciclo da produção.
É certo que se prevê que possam funcionar conjuntamente secções de diversas corporações. Mas este é já um processo excepcional de funcionamento que não se concilia com uma actuação permanente.
Por outro lado - e isto é da maior importância para o exame deste problema-, esta nova lei das corporações revogou uma primeira - o Decreto-Lei n.º 29 11

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zação horizontal das corporações torna o seu funcionamento normal inadequado à intervenção que aquelas atribuições supõem, por lhe faltar a perspectiva necessária para abarcar todas as relações de interdependência que se verificam no decurso do processo da produção agrícola e industrial dos produtos e da sua comercialização. Seriam múltiplos os exemplos que poderiam ilustrar este quadro.
Basta ter presente economias como as dos cereais, das oleaginosas, do vinho, das frutas e produtos hortícolas ou das fibras têxteis; e basta recordar a distribuição que se fez pelas Corporações da Lavoura, da Indústria e do Comércio dos organismos de coordenação económica, que, acompanhando o ciclo dos produtos, ficaram ligados a mais de uma e, por vezes, às três, embora também haja o caso de não terem ficado ligados a nenhuma, o que não revela a adopção de qualquer critério claro.
Mas admitamos que aquela possibilidade de reunião conjunta das secções das diversas, corporações, que não é da orgânica e funcionamento normal de cada uma destas instituições, pode, no entanto, assegurar aos seus órgãos, com a indispensável oportunidade, aquela perspectiva e que, por esta via, procuram acertar preços e salários.
O confronto dos interesses do capital e do trabalho há-de ditar um ponto de acordo que os satisfaça - o que é natural e humano; mas já pode haver dúvidas sobre se os preços resultantes, indiscutivelmente compatíveis com a remuneração dos factores, servirão efectivamente os interesses dos consumidores e não virão onerados com o que, para além do justo, houver de folgado nessa remuneração dos factores.
O consumidor, sem posição representativa autónoma, pode ser o vencido no funcionamento deste mecanismo. E não se esqueça que ele traduz a voz da opinião pública e do interesse geral.
Com efeito, em períodos de abundância, a resultante dos interesses em jogo poderá ser a limitação da produção -basta que a procura seja pouco elástica-, para manter um nível elevado de preços.
Em período de carência, este maltusianismo económico daria lugar à depreciação monetária e à inflação declarada, visto que então o choque seria, não entre capital e trabalho em cada sector, mas entre estas categorias nos diversos sectores, que passariam a actualizar constantemente, no tal círculo infernal, os preços dos respectivos produtos, de modo a não perderem vantagens no confronto que permanentemente estariam a fazer.
Perante tais situações, o Estado, depois do mal feito e de ferido o interesse geral, seria obrigado a retirar à corporação os poderes que lhe conferira e, com isto, a relegá-la ao descrédito público.
Já se tem sustentado, todavia, que o consumidor não tem uma posição autónoma, uma vez que é sempre interveniente no ciclo económico e participa nos seus resultados por qualquer das categorias de salário, lucro, juro ou renda.
A verdade, porém, é que quem sustenta esta opinião mostra desconhecer que não há nenhuma espécie de equilíbrio entre as diferentes posições dos consumidores e aquelas que têm como participantes do rendimento da produção.
E desconhece mais que quando a correcção deste desequilíbrio, que é da própria natureza da repartição, seja entregue às próprias forças económicas privadas, nomeadamente no seio das corporações, se corre aquele grave risco da inflação que se referiu, pela pressão que os interesses em confronto farão sobre os preços, ao quererem concorrer a uma parte maior de um produto social insuficiente.
For isso disse, e agora repito, que a lógica da doutrina que decorre dos preceitos constitucionais, e que o que acabo de dizer parece aclarar, leva a concluir que a organização dos meios de intervenção do Estado na vida económica supõe uma posição política que o coloque acima da pressão dos interesses privados.
A par desta posição, também a defesa do prestígio das corporações, nesta altura em que vão iniciar a sua vida nos quadros políticos da Nação, parece impor que as suas atribuições se limitem à representação e à disciplina dos interesses nelas organizados.
E nesta função representativa que as corporações hão-de ter a sua mais autêntica expressão política. E a legitimidade desta posição abre-lhes a maior audiência que à Nação organizada tem de dar o Estado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A função representativa assim entendida inclui a defesa dos interesses, a informação das situações e a obrigatoriedade da consulta. Tudo isto é reconhecido pela nossa legislação, que dá assento aos presidentes das corporações no Conselho Corporativo para os assuntos respeitantes às actividades por eles representadas, que as faz representar na Câmara Corporativa, que as faz participar nos órgãos consultivos os Ministérios e que manda constituir com as suas secções os elementos representativos dos órgãos directivos dos organismos de coordenação económica.
Importa, pois, que a esta estrutura representativa se dêem condições de funcionamento efectivo e que se crie a obrigatoriedade da consulta das corporações pelo Governo e pela sua Administração sempre que estejam em causa interesses que respeitem às actividades que aquelas representam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para além disto, cabe às corporações ainda uma larga função de disciplina corporativa das actividades capaz de as conduzir no caminho da solidariedade profissional e de aperfeiçoar o sentido da sua conduta pela consciencialização da hierarquia dos interesses e da subordinação ao interesse geral, que só o Estado tem posição de independência para poder defender.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Chegado a este ponto e caracterizada a posição doutrinal e política dos organismos corporativos e das corporações, em face das exigências do papel do Estado na vida económica moderna e à luz do que se contém nas nossas leis fundamentais, há que retomar a análise de todo este problema no ponto em que se considerara a necessidade da organização dos meios de intervenção estadual através da acção governativa e da sua Administração.
Dizia-se no relatório do Decreto-Lei n.º 29 no que a ao resolver-se o Estado a intervir nas relações da vida económica em obediência aos princípios da nova Constituição, logo se verificara que lhe falhavam, quase em absoluto, os meios de o fazer».
Na realidade, julgados insuficientes os meios da política económica clássica, o Estado teve necessidade de rodear-se de instrumentos que servissem à política conjuntural imposta pelas condições da vida económica e da sua ética constitucional.
E, perante uma organização corporativa que iniciava os seus primeiros passos e começava a tomar consciência dos problemas decorrentes da vida económica e à qual não se sabia ainda que funções deviam caber-lhe

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nesta matéria, o Estado criou uns organismos que, vinculando-se por um lado à organização corporativa com a indicação de organismos pré-corporativos, por outro lado eram e têm continuado a ser efectivamente de comando governativo, funcionando, na realidade, como órfãos descentralizados da Administração para a gestão económica - são os organismos de coordenação económica.
Esta incaracterização inicial é perfeitamente compreensível e mostra a prudência que houve, perante as dúvidas do Estado quanto à natureza e à extensão dos pç deres que devia chamar a si para desempenhar-se daquela missão constitucional. Esta incerteza reflecte-se no processo de criação desses organismos e nas condições do seu funcionamento.
Dotados de autonomia administrativa e financeira e de órgãos deliberativos constituídos com a participação de representantes de actividades privadas a par do dirigentes designados pelo Governo, eles são afinal os executores directos da político governativa, que neles tem encontrado o instrumento de mais fácil e maleável utilização.
Compreende-se daqui a vantagem que tinha o Governo em dispor de tais instrumentos e a preocupação de não os incluir nos quadros da sua Administração quando não estava seguro de que todas as funções e todos os poderes atribuídos a estes organismos cabiam na função governativa.
Esta situação, que bem se admite tivesse surgido ao encarar-se um quadro novo imposto à acção estadual, logo deveria ter sido clarificada com a definição do enquadramento administrativo dos organismos de coordenação económica, a partir da caracterização da organização corporativa e do seu destino e da delimitação cos poderes do Estado.
Acontece, porém, que a vida da organização corporativa ao longo deste vinte e cinco anos tem sofrido craves vicissitudes, que ora a atingiram no seu prestígio e possibilidade de expansão, ora a desviaram ou mantiveram desviada das finalidades que a experiência política parece indicar que lhe deveriam pertencer e que, de qualquer modo, melhor teriam ajudado à adesão das actividades e à sua receptividade na opinião pública.
De facto, logo ao nascer, a organização corporativa em carregada dos prejuízos de uma intervenção económica em certos sectores em que se organizam corporativamente as actividades económicas, que bem cedo começou a pesar sobre a independência que nunca devia ler deixado de ser-lhe assegurada. Com isto, os interessados começam a duvidar de que essa organização seja, realmente, uma sua legítima forma de expressão política.
Esta intervenção, sempre incómoda à iniciativa privada e só admitida quando invocada em nome de fins superiores, afirma-se, por um lado, como acto da organização, mas, efectivamente, é acto do Estado. E deste hibridismo inicial decorre todo um processo que muito tem contribuído para os males de que hoje sofre o nosso corporativismo.
Acresce que, ao abrigo dos poderes que ao Governo foram dados pela citada base I da Lei n.º 1936, se utilizou um sistema de tutela da organização - especificada na substituição das direcções dos organismos por comissões administrativas - não sei se exageradamente, talvez imposto pela necessidade de assegurar independência às práticas daquela intervenção, mas que, sem dúvida, abalou seriamente o seu crédito.
Surgem, a par, os organismos de coordenação económica, a que depois é dada a estrutura que se indicou, com o Decreto-Lei n.º 26 757. E, embora no relatório deste diploma se diga que se trata de organismos de natureza um tanto diversa da dos grémios, uniões e federações, «por neles predominar nitidamente a inspiração do Estado e serem oficiais as suas funções», a verdade é que a sua incaracterização subsiste, o Estado não os inclui nos quadros da sua Administração e com essa incaracterização alimenta-se a dúvida sobre os destinos e finalidades da organização corporativa, em vez de se procurar clarificá-la.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os particulares vêem, com efeito, na actuação dos organismos de coordenação económica, com o decorrer do tempo, um excesso de poderes que são levados a considerar que o Estado lhes não deu, a institucionalização corporativa torna-se confusa, e com este equívoco alimenta-se o desfavor com que é recebida a organização corporativa.
Por sua vez, o Estado, vendo nestes organismos um instrumento da acção governativa conducente à realização dos objectivos que lhe são impostos na ordem económica, do qual não pode já prescindir, mantém-nos sob o seu comando, mas inseguro, ainda, dos fins da organização corporativa, não lhes revê as funções e os poderes, e, por isso, continua a não definir o seu enquadramento administrativo.
Esta situação agrava-se, porque não lhe é dado remédio eficaz, com as repercussões que os debates sobre o aviso prévio apresentado nesta Câmara, em 1939, sobre a organização corporativa tiveram na opinião pública. Depois veio a guerra, com as exigências de uma intervenção aturada - que bem pôde dizer-se de defesa económica da Nação-, a que teve de servir em cheio este aparelho corporativo e de coordenação económica, tal como existia, com todas as suas imperfeições e desvios, que, por esta forma e por força das anormalidades da vida económica desse período, se acentuaram.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - De tudo isto resultou e tem-se mantido, ao longo destes anos, a estagnação da institucionalização corporativa, que não ganhou, entretanto, a adesão geral das actividades económicas, e a teimosa permanência nos organismos de coordenação económica de funções geradoras de ancilosamentos e de deformações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com a nova lei das corporações, de 1956, a institucionalização corporativa ganha novo vigor. Mas o certo é que o ganha sob o mesmo signo de uma crise conceptulógica, porque, afinal, ao fim de tantos anos continua a haver dúvidas, continuam a manifestar-se, aqui, nesta Assembleia, e fora dela, nos níveis mais responsáveis, opiniões divergentes sobre o destino e finalidades da organização corporativa e dos organismos de coordenação económica.
E tal estado de coisas só o pode admitir a falta de clareza da legislação que lhe respeita ou, então, a falta de firmeza nas decisões que a hão-de executar.
Pela minha parte procurei trazer a esta Câmara o meu entendimento sobre a posição dos organismos corporativos e das corporações perante a missão constitucional que o Estado tem de intervir na vida económica, u luz, quer dos preceitos legais, quer dos princípios doutrinários e das realidades políticas. Mas ainda cabe dizer mais alguma coisa.
É que pode acontecer que este revigoramento corporativo recente venha acompanhado de uma orientação arriscadamente comprometedora daquela missão do Estado: por um lado, a organização corporativa revigorada pode ter tendência para absorver funções, o que, aliás, é

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normal e característico de todos os movimentos de expansão e ao que apenas há que opor a reserva do apoio que a esta tendência sejam inclinadas a dar as grandes forças que rompem o equilíbrio dos sectores económicos quando, contrafeitas com a acção dos organismos de coordenação económica limitativa dos seus excessos, eventualmente vejam, numa organização que dominem, o processo de libertação desse constrangimento (apoiados); por outro lado, o poder governativo, se não estiver seguro doutrinária e politicamente da legitimidade da sua acção, pode correr o risco de ver diminuída a possibilidade de se assegurar os instrumentos de intervenção económica que lhe permitam o exercício pronto dos poderes que o desempenho desta função implica.
Ora, o revigoramento da organização corporativa, com a criação das corporações, não pode de modo algum colidir com a necessidade da presença actuante da acção governativa na vida económica.
Antes tem da servir à mais perfeita realização daquele objectivo de equilíbrio económico geral que incumbe ao Estado. E, nesta posição, cabe inteiramente à organização corporativa, como se afirmou, a função política da representação das actividades económicas, capaz de as defender e apoiar, e de a si própria trazer ou assegurar prestígio e, ao Estado, de o esclarecer sobre a vontade e sobre os interesses daqueles a quem tem de dirigir a sua acção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esclarecidos, portanto, estes pontos e demonstrada a necessidade indeclinável de o governo poder dispor, naquela acção, dos instrumentos que ao seu exercício se mostrem mais adequados, é o momento de pôr a seguinte pergunta: esses instrumentos são ou podem ser os organismos de coordenação económica, ou, pelo contrário, estes organismos não são os serviços económicos mais aptos e o Governo tem de organizar outros meios distintos destes e de feição diferente?
A resposta que o Governo deve dar a esta pergunta parece ter de ser encontrada na experiência colhida da actuação destes organismos, durante os vinte e tal anos da sua vida e do seu funcionamento.

O Sr. Ferreira Barbosa: - V. Ex.ª permite-me uma pergunta?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Estou perfeitamente de acordo com V. Ex.ª em que a importância e as condições da vida económica impõem ao Governo o dever e o direito de uma acção e uma vigilância cada vez mais fortes para o desenvolvimento da vida económica.
Por outro lado, as últimas palavras de V. Ex.ª sobre o desenvolvimento da vida económica dão-nos a entender que, para melhor eficiência dessa acção e até na conveniência dos próprios interessados, está muitíssimo certo que essa acção seja desenvolvida por organismos especializados, tais como são os de coordenação económica.

O Orador: - Lá chegarei. Mas até agora fiz apenas a pergunta; será ou não será?

O Sr. Ferreira Barbosa: - Creio que está no pensamento de V. Ex.ª Portanto, está muitíssimo certo que essa acção seja desenvolvida por organismos mais adequados, mais conhecedores das verdadeiras realidades e menos formalistas do que os organismos clássicos da Administração.
Ora eu desejaria fazer esta pergunta a V. Ex.ª: se não existisse em Portugal a organização corporativa, se nos limitássemos à existência de associações de
classes e de sindicatos não obrigatórios e privados, os quais não estivessem reconhecidos, pelo Estado, e se a sua capacidade e idoneidade jurídica não estivesse nos seus estatutos e suas leis constitutivas, entre outras funções, como de facto é atribuído às organizações corporativas, o exercício de serviços públicos...

O Orador: - Nem a todas.

O Sr. Ferreira Barbosa: - A todas: federações, uniões, etc.

O Orador: - É a opinião de V. Ex.ª

O Sr. Ferreira Barbosa: - Portanto,, perguntaria a V. Ex.ª: se não existisse toda essa organização corporativa nos seus vários graus, cumulada pelas corporações, a solução que V. Ex.ª encontraria, para a melhor intervenção do Estado na vida económica, seria a mesma, sem grandes a alterações?

O Orador: - Pelo lado do Estado seria quanto possível a mesma, com uma grande reserva: é que os órgãos colegiais não teriam a representação das actividades organizadas, se, até, fosse viável ainda a constituição de órgãos colegiais, e o Estado não poderia beneficiar da voz representativa das actividades privadas.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Nessas condições, permito-me dizer a V. Ex.ª que a organização corporativa, limitada a simples função de representação e a simples aspectos de acção de carácter social, sob determinadas formas é muito cara e muito complicada.

O Orador: - Se é cara, embaratece-se. Isso é um problema diferente. Se V. Ex.ª está a par o problema nesse pé, então o aviso prévio de V. Ex.ª não é sobre os organismos de coordenação económica, mas sobre a organização corporativa. V. Ex.ª está assim a pôr em causa a utilidade da organização corporativa.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Tirei esta ilação da resposta de V. Ex.ª...

O Orador: - Isso de maneira nenhuma V. Ex.ª pode concluir. Eu disse justamente que era uma diminuição à acção do Estado não haver organismos corporativos. Se V. Ex.ª quer pôr em causa a organização corporativa, isso é outra coisa.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Para os fins para que V. Ex.ª relega a organização corporativa, ela torna-se cara e complicada.

O Orador: - Assim V. Ex.ª está a pôr em causa a organização corporativa.

O Sr. Ferreira Barbosa: - O que desejo é que tenha mais eficiência e mais poderes.

O Orador: - E isso reconduz o problema a saber se a organização corporativa pode ou não ter esses poderes, que é, afinal, o que está em discussão.

O Sr. Santos da Cunha: - Se bem entendo esta troca de impressões, afinal o problema é este: a tese de V. Ex.ª afigura-se a alguns minimizante da organização corporativa. Eu penso que para as pessoas que escutam este pequeno incidente as coisas se passam assim: para V. Ex.ª, a tese minimizadora da acção da organização corporativa; para o Sr. Deputado avisante, uma tese de exaltação e de reforço dos seus poderes.

O Orador: - O que eu quero é a recondução da organização corporativa às suas finalidades institucionais.

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O Sr. Santos da Cunha; - O que falta demonstrar é se a tese de V. Ex.ª é ou não minimizadora da organização corporativa.

O Orador: - É a que pode reconduzir a organização corporativa à sua finalidade institucional, que ela nunca devia perder ou ter perdido.
E não se diga que a este problema do destino e enquadramento dos organismos de coordenação económica, foi definida orientação pela base IV da lei das corporações. Com efeito, aí se diz que, «enquanto forem, julgados necessários, os organismos de coordenação económica funcionam como elementos de ligação entre o Estado e as corporações, devendo os seus órgãos representativos ser constituídos, sempre que possível, pelas secções destas».
Ora, nada adianta afirmar-se que os organismos de coordenação económica funcionam enquanto forem necessários, visto que tem de ser sempre assim com todos os serviços públicos - é evidente que qualquer serviço só deve existir e funcionar enquanto for necessário.
E também o facto de se afirmar que eles funcionam como elementos de ligação entre o Estado e as corporações não ajuda muito à determinação das suas funções e do seu enquadramento jurídico, pois que continua a deixar em aberto, para ser tratado naquele plano doutrinário e político em que se procurou examiná-lo, o problema de saber se essas funções devem ou não ser do Estado e se esse enquadramento se deve ou não fazer no âmbito dos serviços da Administração.
É certo que pela via jurisprudencial se tem procurado determinar a natureza jurídica dos organismos de coordenação económica, tendo sempre o Supremo Tribunal Administrativo, quando o problema se levanta, nas questões submetidas a seu julgamento, considerado estes organismos serviços públicos personalizados. Mas nunca a lei esclareceu este ponto; e é precisamente o que se torna indispensável fazer.
Por isso se disse que a resposta é do Governo; e por isso se disse também que a deve encontrar na experiência da vida dos organismos de coordenação económica, examinada à luz daqueles princípios doutrinários e políticos que, segundo se deixou dito, devem nortear a missão do Estado na vida económica e delimitar as funções da organização corporativa.
Sendo assim, alguma coisa pode ainda dizer-se agora que ajude àquele exame, e respeita à caracterização da estrutura que foi dada a estes organismos e às condições gerais da sua actuação, confrontadas com as dos serviços clássicos da Administração.
Na realidade, enquanto os serviços económicos clássicos da Administração, designadamente as direcções-gerais, foram criados para exercer uma acção a largo prazo sobre as estruturas, no sentido do fomento económico, numa actuação horizontal, isto é, em determinada fase do ciclo produtivo, e constituem os serviços centrais dos departamentos dos Ministérios, sem necessidade de autonomia administrativa, os organismos de coordenação económica foram delineados para actuar em todo o ciclo, com aptidão funcional, sobretudo para uma acção de conjuntura, pronta e flexível, que lhe é permitida pelos seus poderes de decisão autónoma.
É possível que este sentido da intervenção destes organismos não tivesse surgido desde logo, mas o alargamento desta, estabelecido, quanto a alguns, pelo Governo, em face da necessidade de assegurar o equilíbrio de todo o sector económico, veio demonstrar que o caminho marcado inicialmente estava certo.
Os organismos de coordenação económica têm ainda possibilidade de tirar deliberações com a participação e representantes das actividades, o que permite não só uma ampla informação, como ainda que a vontade deliberativa se forme com a representação dos próprios interessados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esta forma de organizar as suas deliberações parece-me até o mais inspirado princípio que informou a criação destes organismos.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Os conselhos não têm funções deliberativas, mas sim consultivas.

O Orador: - Os órgãos colegiais têm, ou devem ter, funções deliberativas.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Pode V. Ex.ª dizer-me o que se passa em relação aos organismos denominados institutos?

O Orador: - A resposta que dei a V. Ex.ª parece-me que torna inútil, de um ponto de vista doutrinal, a pergunta de V. Ex.ª

O Sr. Ferreira Barbosa: - Têm funções consultivas, repito, e vou ver o que a lei diz a esse respeito.

O Orador: - Mas é fora de dúvida que desta orientação decorre a necessidade de caracterizar as diversas funções dos organismos de coordenação económica, com vista a distinguir aquelas que estes organismos têm mantido muitas vezes por falta de organização corporativa dos respectivos sectores que as encabece, e que, por isso, devem ser devolvidas à organização institucional das actividades, e aquelas que, traduzindo o exercício de poderes do Estado, neles devem ser mantidas, enquanto órgãos descentralizados da administração económica.
Para além disso, é indispensável que os organismos de coordenação económica, como, aliás, também a organização corporativa, larguem mão de funções de intervenção que ainda hoje persistem em manter e libertem as actividades privadas de exageros de regulamentação geradores de limitações e insegurança, que, embora inspiradas, de início, na preocupação de atalhar a situações criadas e de dar-lhes remédio - quantas rezes tardio -, pela mesma via, acabam por perder de vista um objectivo essencial de previsão económica e de fortalecimento da iniciativa privada. Com a garantia dos regimes em que trabalha, deve haver a preocupação de que seja ela a resolver os seus problemas, através da devolução que se lhe tem de fazer do risco empresarial que a legitima.
Neste sentido já se pronunciou o Sr. Secretário de Estado do Comércio, em despacho de 2 de Outubro de 1958, tornado público, ao afirmar que «haverá, porém, e como se disse já, que devolver à iniciativa privada a resolução de muitos dos seus problemas, indicando-lhe precisamente a lei em que deve viver e libertando-a de regulamentações excessivas e estiolantes, que representam a teimosa sobrevivência de um regime só justificável perante circunstancias felizmente ultrapassadas».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ao lado destas medidas de reforço da iniciativa privada torna-se, porém, conveniente estender a coordenação económica a todos os sectores fundamentais da nossa economia como condição do próprio equilíbrio económico geral. Uma das desarmonias da nossa expansão económica, nomeadamente quanto

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às exportações, pode estar na circunstância de a organização coordenadora estar ainda hoje muito incompleta.
Efectivamente, a análise da nossa exportação nos últimos dez anos revela a expansão mais que proporcional que, no seu total, têm tido os nossos produtos tradicionais de exportação, que justamente se incluem entre os sectores coordenados.
Esta situação pode revelar o esforço desenvolvido pela coordenação económica no fomento da exportação dos produtos que abrange, mas, ao mesmo tempo, pode mostrar que, talvez por falta de coordenação, a nossa exportação não tem visto reforçada a sua composição com a sua extensão, em escala apreciável, a produtos de outros sectores.
E, nestes termos, posta, por um lado, a necessidade da revisão das funções de cada um dos organismos de coordenação económica actualmente existentes, que urge, e, por outro, a extensão dessa coordenação a outros sectores, pode bem dizer-se que nenhum destes organismos tem condições para manter-se sem sofrer qualquer alteração.
Porque, entendamo-nos: não é a existência dos actuais organismos de coordenação económica, tal como hoje funcionam, que se defende; é, sim, a existência de organismos de coordenação económica como instrumentos adequados à acção governativa, com vista ao equilíbrio económico geral.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Com efeito, logo de início salientei que a intervenção estadual não pode vincular-se a fórmulas rígidas, que não se compadecem com a complexidade e a variabilidade das situações económicas, mas, pelo contrário, carece da organização de meios ajustados aos seus objectivos, com flexibilidade capaz de lhes permitirem responder prontamente, de acordo com as condições e circunstâncias que se vão deparando.
Um aspecto político, porém, tem de ser analisado, e com estas últimas palavras, Sr. Deputado Santos da Cunha, vou dar a resposta a uma das primeiras intervenções de V. Ex.ª

O Sr. Santos da Cunha: - Estou-lhe muito grato, Sr. Deputado.

O Orador: - Em vista da má vontade que se gerou contra os organismos de coordenação económica - umas vezes com razão, outras de envolta com a organização corporativa, numa associação a que a falta de esclarecimento doutrinário deu guarida, e outras ainda sem bem se saber como -, será aconselhável que o Governo tome a posição, que se indicou?
Sr. Presidente: sobre todas as atitudes políticas, a primeira tem de ser a de falar claro aos povos e esclarecê-los sobre o que tem de se lhes pedir e sobre as razões em nome das quais estes pedidos lhes são feitos. Tenho presentes estas palavras do já referido aviso prévio do Sr. Deputado Dr. Mário de Figueiredo:

E compreende-se que o público se queixe. Desabituado, em mais de um século de liberalismo, de qualquer espécie de disciplina económica, com uma noção muito arreigada do seu direito de propriedade e do poder que dele decorre de dispor do que é seu, só consente de boa mente que lhe tolham os movimentos quando nisso vê utilidade imediata.
É clara quo a organização há-de, necessariamente, tolher-lhe os movimentos e é, na verdade, preciso discipliná-lo; para isso, porém, é também preciso fazer-lhe compreender a necessidade da disciplina, e essa compreensão só se consegue pela verificação da sua utilidade.
E é assim, tal como então, ainda agora decorridos vinte anos sobre esse aviso prévio. Mas se essa utilidade existe - e o Governo, ao fim deste tempo, é o juiz de o dizer - que seja reconhecida e esclarecidos sejam todos aqueles que dela beneficiaram ou hão-de beneficiar, e todos aqueles que, em nome dela, suportarem ou terão de suportar sacrifícios.
Voltando, por isso, ao princípio, o que está afinal em causa é a necessidade de uma atitude clara do Governo que só o pode prestigiar.
É certo que, ainda há pouco tempo, o Sr. Ministro da Presidência no discurso inaugural da Semana ao Serviço da Exportação e o Sr. Secretário de Estado do Comércio no seu citado despacho de Outubro passado se fizeram eco da orientação que inculca a indicação da utilidade e da necessidade dos organismos de coordenação económica; mas, em certos estados de espírito, só uma clara definição legal pode ser esclarecedora e dar indiscutível força à posição doutrinal e política que está em causa.
Este que apontei me parece também ser o caminho; mas, mais do que seguir este caminho, o que é indispensável e urgente é definir um caminho seguro, que seja capaz de pôr termo à indecisão em que nos encontramos e para a qual, unanimemente, estou certo, todos desejamos o necessário esclarecimento doutrinário.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia da de hoje. Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.
José Dias de Araújo Correia.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Purxotoma Ramanata Quenin.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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