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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 98

ANO DE 1959 24 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 98, EM 23 DE ABRIL

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.
José Gonçalves de Araújo Novo
José Hermano Saraiva

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 96.
Foi lido um oficio do Sr. Embaixador dos Estados Unidos da América.
O Sr. Deputado Augusto Simões requereu elementos aos Ministérios da Economia, Finanças e Interior.
O Sr. Deputado José Sarmento requereu informações aos Ministérios das Finanças e da Educação Nacional.
O Sr. Deputado Sarmento Rodrigues falou sobre os progressos económicos no Estado da Índia Portuguesa.
O Sr. Deputado Lacerda Aroso ocupou-se das províncias africanas portuguesas.
O Sr. Deputado Freitas Soares tratou das ligações marítimas entre Lisboa e a Madeira.

Ordem do dia. - Na discussão do aviso prévio sobre os organismos de coordenação económica intervieram os Srs. Deputados Mário de Oliveira e Pereira Jardim.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.

Nota. - Por lapso, no sumário do Diário das Sessões n.º 97 não foi mencionada a intervenção do Sr. Deputado Costa Ramalho acerca de um programa da Emissora Nacional.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Ornelas do Rego.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.

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Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Ângelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 99 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 96.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, considero aprovado aquele Diário.
Está na Mesa um oficio da Embaixada dos Estados Unidos da América a agradecer a manifestação feita por esta Assembleia ao Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Foster Dulles. Vai ser lido à Câmara.

Foi lido. É o seguinte:

«Lisboa, 21 de Abril de 1959. - Ex.mo Senhor: - Ao regressar da minha viagem ao Norte de Portugal encontrei o ofício de V. Ex.ª de 16 de Abril de 1959 pelo qual teve a gentileza de transmitir o discurso do Senhor Deputado Sarmento Rodrigues e as palavras de V. Ex.ª relativas ao afastamento do Senhor Foster Dulles das suas funções como Secretário de Estado.
Sensibilizado pelos sentimentos expressos pelo Senhor Deputado Sarmento Rodrigues, aos quais a Assembleia Nacional se associou por intermédio de V. Ex.ª, venho em meu nome e em nome do Governo que represento expressar os meus sinceros agradecimentos.
Tive muito prazer em comunicar ao Departamento de Estado, em Washington, a atitude da Assembleia Nacional perante o afastamento do Senhor Foster Dulles.
Aproveito esta oportunidade para renovar a V. Ex.ª os meus sinceros protestos de elevada consideração.

C. Burke Elbrick, Embaixador Americano.

Excelentíssimo Senhor Albino Soares Pinto dos Reis Júnior - Presidente da Assembleia Nacional - Lisboa - Portugal.»

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um requerimento do Sr. Deputado Augusto Simões a pedir esclarecimentos aos Ministérios da Economia, das Finanças e do Interior. Vai ser publicado no Diário das Sessões.
Encontra-se também na Mesa um requerimento do Sr. Deputado José Sarmento de Vasconcelos e Castro a pedir esclarecimentos aos Ministérios das Finanças e da Educação Nacional. Igualmente vai ser publicado no Diário.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Sarmento Rodrigues.

O Sr. Sarmento Rodrigues: - Sr. Presidente: tivemos conhecimento, através da leitura dos jornais da manhã, da chegada do Sr. Subsecretário de Estado do Fomento Ultramarino, de regresso da sua visita ao Estado da Índia.
Nos dez dias, que durou essa visita de estudo aos três distritos da Índia Portuguesa, S. Ex.ª pode verificar os enormes progressos económicos realizados nos últimos anos. As suas declarações, confiadas à Emissora Nacional no momento da chegada e hoje reproduzidas nos jornais, dão bem a medida da sua satisfação, que não podia deixar de ser também satisfação de todos nós.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Na verdade, Sr. Presidente, aquilo que se tem feito nos últimos anos no Estado da Índia para elevar o nível de vida do povo português é digno do maior elogio.

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A situação que se desfrutava antes do litígio em que o Estado da Índia se viu envolvido, por motivo de ideias injustificadas e malévolas dos nossos vizinhos da União Indiana, era bem diferente do que é hoje. Poderíamos dizer que a independência económica do Estado da índia não existia.
De facto, o nosso desejo de sempre manter e desenvolver as relações de boa vizinhança contribuiu, em grande parte, para que o desenvolvimento económico em muitos sectores da vida daquela província se não operasse, dadas as facilidades de comércio existentes.
Depois dos acontecimentos dramáticos que tanto apaixonaram a opinião portuguesa, todos os portugueses, teve do modificar-se aquela situação - e modificou-se, felizmente.
As relações comerciais, que até então eram mantidas e dirigidas para os territórios vizinhos, evoluíram para melhor.
Hoje há uma enorme corrente estabelecida em condições económicas muitíssimo mais favoráveis.
Não havia ligações marítimas entre Portugal europeu e a Índia Portuguesa. Essas ligações estão hoje estabelecidas não só com carreiras de longo curso mantidas graças à Companhia Nacional de Navegação, ao mesmo tempo que foram construídos, nos três distritos, aeroportos, um deles de categoria internacional, como seja o de Goa. Os outros aeroportos também podem suportar quadrimotores, como os que estão neste momento fazendo viagens para Damão e Diu.
Além disso, tem-se procurado desenvolver as culturas e o aproveitamento de grande parte das terras, até então incultas e hoje a produzir vegetais e cereais, de que tanto carece a economia da índia Portuguesa.
Como bem se vê das declarações do Sr. Subsecretário de Estado, o maior dos progressos verificou-se, contudo, na exploração mineira e também no desenvolvimento do caminho de ferro e porto de Mormugão.
É-me grato dizer que foi, em grande parte, devido à intervenção do ilustre homem público, ainda antes de entrar para o Governo e de ter a seu cargo o sector da economia ultramarina, que foi em boa parte devido a sua intervenção como técnico ilustre que nós pudemos ter o relatório excelente que pôde servir de base para todas as diligências e negociações futuras, que viriam a transformar completamente a situação e o estado do caminho de ferro e porto de Mormugão.
Um caminho de ferro que estava sendo explorado por uma companhia indiana, a Southern Maratha Railways, que foi mais tarde nacionalizada pelo Governo Indiano, como todos os caminhos de ferro, e que se arrastava penosamente, apesar de ter todo o imenso hinterland da União Indiana e que hoje, apesar da sua pequena extensão, visto que não sai das nossas fronteiras, vive, desafogada e eficientemente.
Um porto onde os navios se demoravam oitenta dias para carregar minério, e onde hoje, graças às modernas instalações, se pode carregar, em vinte e quatro horas, um navio de 10 000 t.
A exploração mineira, que em 1950 não ultrapassava 50 000 t anuais, ascende já a 1 500 000 t e prepara-se para, segundo os prognósticos de S. Ex.ª, em próximos anos atingir o elevado número de 6 000 000 t. Tudo isto é devido à intervenção, sobretudo, de técnicos portugueses e à orientação decisiva que o Governo tem dado ao desenvolvimento económico do Estado da índia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, neste momento, não quero deixar de felicitar o ilustre homem de Estado que é o Subsecretário de Estado Carlos Abecasis pela sua valiosa intervenção no desenvolvimento da economia do Estado da índia e ainda como representante de um Governo que soube criar novos dias de prosperidade para aqueles territórios. E queria ainda saudar os portugueses da índia, que bem merecem, pelo seu valor e pela sua coragem, os benefícios que lhes são outorgados.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Sr. Lacerda Aroso: - Sr. Presidente: acontecimentos recentes, cujos ecos ainda se não extinguiram e cujas consequências ainda se não evidenciaram por completo, fizeram volver para África as atenções preocupadas do Ocidente, que vê ali desenvolver-se a conhecida estratégia subversiva, agitando os povos menos evoluídos sob o signo aliciante da liberdade e da auto-governação.
Sabendo-se, todavia, como a concretização dessas reivindicações conduz ao ingresso na órbita do mais opressor colonialismo de novo estilo, sacrificando as liberdades basilares e impondo a submissão aos ditames de governo distante, o certo é que o movimento na sua fase revolucionária conquista facilmente adeptos e conduz à prática dos mais violentos excessos, impondo uma repressão que prontamente se converte em tema de ataque às nações civilizadoras, conduzido pelos mesmos que fomentaram a desordem, através do recurso às tribunas dos areópagos internacionais.
Explorando erros administrativos, utilizando reivindicações locais ou sociais, inventando propósitos das autoridades ou deturpando as realidades quando necessário, os movimentos nativistas crepitam nalguns territórios e aproximam-se preocupantemente das nossas fronteiras no continente africano.
A estrutura que, felizmente, construímos, levados pelo nosso sentido civilizador e pelo respeito à nossa vocação tradicional de assimilar a nós os povos ultramarinos a que oferecemos a protecção da nossa bandeira, tem consentido que aos nossos territórios de África se não propague o movimento de agitação, que, por vezes, tão de perto nos cerca, convertendo as províncias portuguesas em zonas de paz e tranquilidade nas quais prosseguimos serenamente a nossa política de valorização das populações nativas, visando integrá-las no agregado nacional que lhes assegura perspectivas de progresso humano e as defende das enganosas ilusões de que outras vão sendo vitimas.
Seguimos, assim, o nosso caminho próprio e pelos nossos próprios métodos, que não vemos motivo para alterar, nem estamos dispostos a modificar, até porque outros se nos não apresentam oferecendo maior garantia de êxito para o cumprimento dos deveres civilizadores que se nos impõem.
Nesse caminho prosseguimos, sem atrasar o ritmo que é possível, mas sem o acelerar, sacrificando uma longa acção, na miragem de conseguir em dias o que sabemos carecer de séculos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Devemos isso a nós próprios e devemo-lo, sobretudo, àqueles que libertámos das tiranias e do obscurantismo tribal e não podemos devolver, sem os atraiçoar, a velhos mitos e a nova degradação.
Ingénuos e insensatos seriamos, porém, se aceitássemos a ideia de que o nosso labor pacifico e o respeito confiante das populações nativas se oferecem como suficientes para nos tornarem imunes à agitação que nos rodeia.

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É que, Sr. Presidente, o facto de constituirmos zonas de paz e concórdia racial torna mais aguda a cobiça dos agentes subversivos, que despudoradamente nos apontam, numa intensiva e bem organizada propaganda, como últimos redutos do colonialismo imperalista, buscando, no jogo das palavras, contundir perante os observadores menos esclarecidos a realidade de uma nação única e unida, apesar da descontinuidade do território e da diversidade de raças.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E não será de estranhar se de fora das fronteiras quiserem fazer tentar penetrar a agitação nos nossos territórios, importando uma acção que sabem não ter possibilidade de ser fomentada ou originada entre as nossas populações nativas, que bem têm demonstrado - e disso demos recentes exemplos - o seu respeito e apreço pela soberania portuguesa, em que são, afinal, participantes.
Impõe-se-nos, assim, uma vigilância atenta contra essas manobras organizáveis, eventualmente, de fora das nossas províncias e uma preparação cuidada e eficiente para reprimir com a necessária energia e firmeza quaisquer tentativas que visem desrespeitar a nossa soberania e as nossas fronteiras.
A actuação firme e pronta exige, porém, uma rapidez de movimentos e um potencial de acção que os acontecimentos recentes do Congo Belga e da Niassalândia parecem ter demonstrado, a quantos os acompanharam de perto e atentamente, só serem viáveis pela utilização decidida de um apoio aéreo na vigilância das zonas ameaçadas e na imediata intervenção quando, porventura, nos mais dispersos e longínquos pontos fronteiriços a integridade do território nacional o imponha.
A força aérea - aviação e caçadores pára-quedistas - inscreveu nos recentes acontecimentos de África a seu favor o decidido contributo para o restabelecimento da ordem alterada e à sua acção se ficou a dever a possibilidade de restringir actos subversivos, que de outra forma se apresentariam bem mais graves, na perda de vidas e na destruição de bens, materiais e morais, cuja perda afectaria decisivamente o património civilizador.
Sr. Presidente: a experiência alheia, em que sempre é útil meditar, constitui para nós elemento da maior valia e vem afinal integrar-se no trabalho meticuloso, inteligente e sereno que de há anos a esta parte o Subsecretariado de Estado da Aeronáutica tem vindo a desenvolver, preparando os meios e estudando as características de uma eventual acção que a soberania e segurança pudesse exigir da Força Aérea portuguesa no ultramar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A missão que recentemente visitou para esse efeito as nossas províncias de África, sob a direcção em tão boa hora confiada ao nosso ilustre colega general Venâncio Deslandes,...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... recolheu os elementos que permitem prever para breve a concretização do estabelecimento das regiões aéreas tão desejadas no ultramar e tornou viável a deslocação presente aos territórios da nossa África Ocidental de um conjunto de meios aéreos que realiza, em meu entender, uma missão de soberania e de apoio, portanto, à nossa acção civilizadora, que desejo, nesta Câmara, registar com o merecido louvor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seis quadrimotores e oito bimotores estacionam neste momento em Angola, depois de haverem visitado a Guiné e S. Tomé, transportando pessoal de voo, técnicos das diversas especialidades aeronáuticas e caçadores pára-quedistas, numa demonstração do maior interesse, não só do potencial militar que, sem prejuízo das missões normais confiadas à Força Aérea, é hoje possível dedicar ao serviço do ultramar, como, ainda e sobretudo, da atenção com que o Governo Central acompanha os acontecimentos e afirma a sua vontade de manter, sem alardes deslocados e desnecessários, a tranquilidade e segurança naqueles nossos territórios.
Ao ilustre Subsecretário de Estado da Aeronáutica, tenente-coronel Kaulza de Arriaga, se deve esta acção inteligente de longos anos de estruturação da Força Aérea portuguesa, em que soube aliar à indispensável organização técnica, apoiada em elementos de direcção e acção cuja eficiência nos tem sido patenteada, uma aguda percepção das realidades e uma notável visão de oportunidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como Deputado eleito por Moçambique quero aqui patentear o meu apreço por essa inteligente orientação e formular os meus votos para que, no seguimento do esquema delineado, possa em breve a Força Aérea levar a sua presença, em missão de soberania, até essa outra grande província de África, que igualmente a merece e identicamente a deseja.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que a sombra amiga das asas da Força Aérea portuguesa vá ali cobrir a paz do nosso trabalho civilizador, que sem sobressaltos realizámos e queremos em paz continuar.
Para todos os portugueses de Moçambique, sem distinção de raças, será essa presença mais um decisivo factor na defesa da soberania e segurança que a todos reúne, acima de outros sentimentos, na disposição intransigente de continuarmos pelos séculos o nosso labor que dos séculos vem.
E mais nos afirmaremos perante vizinhos ou estranhos que interessadamente acompanham o nosso exemplo, como elementos construtivos sempre dispostos a colaborar para manter a paz e tranquilidade no, continente africano contra as ameaças que de fora de África para ali se pretendem soprar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Freitas Soares: - Sr. Presidente: como de todos os portugueses é sabido, os territórios de Portugal espalhados pelo Mundo ocupam uma superfície total de 2 000 000 km2.
Entre uns e outros medem-se distâncias que assumem, nalguns casos, valores da ordem dos 20 000 km - sessenta e seis vezes o percurso Lisboa-Porto.
Num daqueles territórios - a ilha da Madeira -, com uma superfície pouco superior a 1:2000 do total, vivem 300 000 dos 2 milhões de portugueses, tão portugueses como os demais, embora mais apertados.
Vai já para cima de quatro séculos, pelo menos um ano era preciso para de Lisboa ir a Goa e de lá voltar, sujeitando-se os viajantes a todos os riscos que os mares e os ventos impunham. Mas, mesmo assim, nunca tais riscos nem tais distancias constituíram afastamento ou reverteram em esquecimento.

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Numa tarde de Março do ano de 1500 estava aparelhada no Tejo «a mais formosa e poderosa armada que até àquele tempo pera tão longe destes Reinos partira». Pedro Álvares Cabral era o seu capitão.
No dia 9 daquele mesmo mês a frota largou do Tejo a caminho do Brasil, ainda por descobrir à cristandade. A 12 do mesmo mês os navios estavam à vista da Madeira, que era a base avançada do sonho português em curso de realização, prosseguindo sem parar até às Canárias.
Três dias demorara aquela viagem até às alturas da minha ilha.
Desde os dias de 1500 até aos nossos decorreram quatro séculos - quase cinco.
Agora, um mês basta para pelo mar levar à Índia uma carta de Lisboa; algumas horas demorará se pelo ar se enviar.
Bem pode pois dizer-se que as várias parcelas de Portugal no Mundo se aproximaram umas das outras e, mais e mais, da Mãe-Pátria.
Porém, por mais paradoxal que pareça, para ir de Lisboa à Madeira ainda são precisos, para os que embarcam num dos velhos navios da carreira das ilhas, como por vezes se chama aos que em busca de proventos suplementares pelo Funchal passam a caminho dos Açores, ainda são precisos, repito, dois dias.
Em quatro séculos a viagem reduziu-se de três para dois dias.
Deste modo, a parcela portuguesa que antes era a mais próxima é agora, apesar de todas as vitórias do homem contra as distâncias, a mais afastada.
Esta é sempre a duração do percurso feito por todos os portugueses que, contrariados, conseguem adaptar-se à ideia da fatalidade, mais ou menos geográfica, que impende sobre a formosa ilha.
Porém, aqueles que se atrevem a pensar em vir a Lisboa, ou de Lisboa ir ao Funchal, utilizando um dos modernos navios, esses raramente o conseguem, e quase sempre verificam que só à custa de muitas andanças e muitos empenhes pelas companhias de navegação respectivas obtêm um lugar precário e de favor. E nisso gastam tanto tempo e tantos dias, até que ganhem a certeza de que podem fazer a viagem - o que muitas vezes só acontece poucas horas antes da partida -, que, somados estes aos que realmente dura a jornada, por uma ou mais semanas se pode medir a duração desta. E assim ficam todos com a impressão de que a Madeira está, não muito longe, mas sim no cabo do Mundo.
Para mais, consigam ou não arranjar uma passagem num bom navio, ficam também sempre com a amargura que sentiria um continental a quem sempre se vendesse um bilhete para Coimbra no rápido do Porto dez minutos antes da partida e, mesmo assim, com a condição de viajar no estribo de uma das carruagens e com um favor em aberto para com o expedidor que lho consentira.
É verdade que talvez dentro de dois anos - e digo talvez dentro de dois anos porque ainda anda pelas mãos dos técnicos e em acabamentos o projecto do aeródromo previsto no último Plano de Fomento - poder-se-á chegar à Madeira em pouco mais de duas horas.
Mas só o farão quantos possam despender quase 3.000$ para percorrer, à razão de 1$50 o quilómetro, os 1800 km de ida e volta, que entre Lisboa e Porto se pagam a $50 cada um.
E por cá e por lá ficarão, sem fazerem viagem, os muitos a quem não sobram as férias para esperar por uma passagem mais barata de navio durante semanas, nem abundam os cabedais para se meterem num avião.
Pelo Mundo ficarão também, esperando melhor oportunidade, os numerosos estrangeiros a quem o dinheiro e o tempo não permitem e o animo não consente a aventura de um passeio sem principio nem fim antecipadamente determinados.
A situação, como a descrevo, não é de agora.
É de há muitos anos, no decorrer dos quais alguns Deputados pela Madeira dela se têm ocupado nesta Assembleia. Além de outros, juntando a acção à palavra, justo é destacar o actual presidente da Junta Geral do distrito do Funchal, engenheiro Teixeira de Sousa.
Mas a situação não evoluiu para melhor, antes piorou.
Sinto que, sem perder a fé nos destinos da minha ilha e nos homens, não sei apontar as razões por que a Madeira está, neste aspecto, e continua a estar, no cabo do Mundo, nem o tento fazer.
Cuido, porém, que, dando da situação e deste lugar conhecimento a quantos com méritos e com poderes a podem resolver, legitimamente posso esperar, e comigo todos os madeirenses, pela solução mais adequada aos interesses da Madeira do que a quaisquer outros.
Sem mais motivos de atracção que não sejam as suas belezas, até agora tão fora de mão, por ali não se encontram ainda fundamentos sérios para o estabelecimento de uma carreira exclusiva de navegação. Mas, por outro lado, enquanto esta se não estabelecer, ainda que precariamente de inicio, ali levando quantos desejam deslumbrar-se mirando a ilha sem correrem os riscos de demoradas e incertas viagens, no termo das quais alguns encontram cerradas as portas do seu antigo emprego, consequência da sua excessiva ausência para além da licença concedida, não se pode esperar que esses fundamentos surjam.
Não sei porque está ainda tão longe a minha ilha, porque se tornou tão inacessível.
Mas sei que quantos nela ponham os olhos chorarão de emoção, porque ela ainda tem sinais de vir da mão de Deus, como ao infante um dia dizia um dos marinheiros das suas audaciosas caravelas, que ali logravam chegar, algumas vezes, ao sopro de vento de feição, no fim de tantas horas quantas as que agora se contam para vencer nos velhos navios a mesma distancia.
E é uma pena que assim ainda suceda.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

(Assumiu a presidência o Sr. Deputado Cota Morais).

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Ferreira Barbosa acerca dos organismos de coordenação económica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário de Oliveira.

O Sr. Mário de Oliveira: - Sr. Presidente: a questão posta no aviso prévio do nosso ilustre colega, Ferreira Barbosa traz à evidência problemas de transcendente importância e melindre.
O caso dos organismos de coordenação económica é, a meu ver, a simples expressão externa e circunstancial de um tema bem mais profundo. Em boa verdade, o que se pretende observar é o próprio fundamento do sistema de intervenção do Estado na ordem económica, em face da recente instituição das primeiras corporações.

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O problema posto situa-se, assim, em plano superior àquele que o simples enunciado da nota do aviso poderia sugerir.
Só por este motivo, portanto, é que intervenho neste debate, uma vez que a posição funcional que ocupo extrairia todo o sentido objectivo ao meu depoimento.
Além disso, o exercício da ingratíssima função que desempenho, mercê de honrosa e reiterada confiança do Governo, não é apetecível a ninguém que a queira efectivamente exercer com dignidade e independência e que da sua verdadeira natureza tenha a exacta noção.
A minha intervenção na matéria baseia-se, por isso, na consciência de que, estando em causa conceitos de ordem puramente doutrinária, posso e devo porventura manifestar sobre eles a minha opinião, firmada e estruturada na dura experiência e vivência de longo exercício de funções directivas num organismo que, actuando no estrito domínio da Administração e em nome do interesse que esta prossegue, tem por objectivo projectar-se na esfera da vida activa para captar e interpretar as suas mais íntimas expressões e incidências, sem, contudo, com ela se confundir.
Delicada missão esta, que não consente, sem se trair a si própria, a identificação com os interesses sectoriais, tendo sistematicamente de a eles se superiorizar na zelosa visão da coordenada onde efectivamente se situa o interesse geral.
Este simples enunciado do condicionalismo em que eleve processar-se o exercício da função coordenadora parece ser suficientemente explícito para demonstrar quanto é penoso e ingrato, repito, desempenhar um cargo desta natureza, onde se não conquistam simpatias humanas nem popularidade política.
Por isso, a atitude pessoal instintiva de quem vive estas andanças coordenadoras não deveria ser a de defender a função, mas sim a de aderir à tese que tende a concluir pela sua extinção... ou - o mesmo é dizer - pela sua absorção por parte de qualquer das corporações económicas.
Sr. Presidente: para se avaliar da génese do problema que ora se suscita é indispensável considerar que o pensamento clássico do corporativismo português se inspirou e estruturou num quadro de conceitos profundamente impregnado do factor humano e social.
A vida activa, em todas as suas manifestações morfológicas, em todas as expressões da sua variedade e diversidade, constitui o fluxo motor da orgânica corporativa, que tende a abarcar a Nação por inteiro, dando-lhe uma fisionomia representativa própria em face do Estado.
Este pode assim reconhecê-la e interpretá-la no plano do seu substrato moral e da sua vitalidade económico-social.
O sistema corporativo do regime político português - apesar de todos os desvirtuamentos críticos e interpretativos que tem sofrido - pretende fazer erguer à escala jurídica a presença activa da própria Nação, no seu complexo humano e social.
Posto perante ela, o Estado poderá mais facilmente conhecê-la e reconhecê-la nas suas virtualidades e defeitos, na sua problemática concreta, na sua potencialidade criadora, nas suas legítimas ansiedades de justiça, de segurança e bem-estar.
O Estado poderá assim debruçar-se mais esclarecidamente sobre a vida da comunidade que representa e serve.
O sistema corporativo adoptado em Portugal, tendo presente o princípio de associação, corresponde até, em meu entender, a uma exigente necessidade da nossa época, qual seja a de fortalecer os quadros representativos da vida económica e social, de maneira a proporcionar a sistemática audiência do sector privado no plano da vida do Estado.
Este aspecto do problema vai ao encontro, aliás, da exigente determinação da economia política no que respeita, à necessidade de avaliar, no domínio de um regime de economia de mercado, como é o nosso, do comportamento dos grandes sectores da actividade nacional perante os problemas e as providências que se suscitam no terreno da acção da Administração. As corporações económicas recentemente instituídas podem assim constituir - sobretudo quando os elementos humanos que nelas se integram manifestarem elevada noção do seu papel e da autoridade arbitrai do Estado - um forte esteio para estabelecer intensa comunicabilidade e recíproca compreensão entre o Estado e a Nação.
Esta e aquele são dois seres jurídicos distintos que devem, de facto, tender a compreender-se reciprocamente na consciência de que prosseguem o bem comum.
A Nação corporativamente organizada pode proporcionar, assim, na diversificação dos grandes ramos da actividade, a palpitante presença de interlocutores qualificados, com os quais o Estado deve manter sistemático diálogo em vivo afã de informação e de esclarecimento para a condução da sua política.
Por este meio se pode atingir a representação da Nação viva e real.
E isto constitui uma das aspirações mais instantes do nosso tempo.
Eis a primeira conclusão a que quero chegar - o corporativismo de associação é uma viva realidade dos nossos dias e uma exigente necessidade para a condução esclarecida da política económica, enquanto revista um sentido essencialmente representativo.
Sr. Presidente: o comportamento da acção económica do Estado, que se inspira em princípios corporativos, deve, pois, denunciar no trato da sua acção administrativa e do exercício do seu poder político a permanente consideração dos factores representados, mas não pode dispensar-se de ajuizar dos problemas em causa à luz de uma perspectiva própria, mais ampla e objectiva do que aquela que naturalmente decorre das reivindicações corporativas, naturalmente inclinadas para a defesa dos interesses imediatos dos respectivos sectores.
Quem assim pensa e sente não pode ser considerado como adversário do corporativismo. Ao contrário, reconheço nele, ao fim de largos anos de reflexão e de vivência das suas múltiplas expressões, o mais apropriado meio político constitucional de dar objectivação pragmática à nossa concepção da vida e do homem.
Esta atitude de espírito não pode, porém, obliterar a visão da própria ordem das coisas e da realidade viva das exigências de ordenamento económico.
Quero reportar-me precisamente à posição autoritária que o Estado tem de assumir perante os problemas concretos da vida económica.
A sua intervenção neste campo constitui hoje uma exigência vital que não dispensa, em qualquer latitude política em que nos situemos, a activa presença do poder político, como força, em si mesmo empreendedora, impulsionadora do processo de desenvolvimento económico.
Poderá até dizer-se que o Estado, como portador de um ideal próprio e síntese da coisa pública que é, tem também uma missão, empresarial a desempenhar. E ser-se-á tentado a empregar este termo logo que se pondere a predominância do seu papel no quadro dos problemas económicos e financeiros.
A sua acção, directa ou indirecta, de criação e ordenamento das infra-estruturas e estruturas económicas, no sentido de provocar um desenvolvimento harmónico do

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produto nacional, a sua activa interferência no domínio do mercado dos capitais, o alto e relevante papel que a política fiscal pode desempenhar no domínio da equitativa repartição da riqueza, são factores que se conjugam entre si e exteriorizam claramente o imperativo dessa presença, que a Nação, aliás, no seu complexo moral e vital, progressivamente requer como meio de lixe assegurar a justiça distributiva e a instante necessidade de elevação do seu nível de vida.
Num regime de economia de mercado, o Estado e a Nação têm de cooperar intimamente se querem efectivamente sobreviver neste turbilhão de ideias, paixões, sentimentos e desvarios em que o mundo dos nossos tempos se debate.
Consequentemente, os sectores público e privado precisam de dar-se as mãos para que, juntos, possam repartir tarefas e riscos na prossecução do bem comum.
São, na verdade, imperativos do nosso tempo que não podem esquecer-se ou minimizar-se sem grave prejuízo do interesse geral.
Mas, se tudo isto se põe à consciência nacional, importa logicamente considerar que, mais do que nunca, o Estado Português precisa de adaptar-se, na sua estrutura administrativa, à elevada missão que hoje lhe incumbe na objectivação da política económica.
O Estado está empenhado em realizar um grande empreendimento - o de proporcionar aos Portugueses maior bem-estar e melhor justiça distributiva. Disso é público testemunho o próprio II Plano de Fomento, esse admirável documento da nossa política económica que honra um governo e um regime.
Pois bem, para que a presença do Estado Ge torne efectiva e actuante nos circuitos do mundo económico e nele saiba manifestar a sua autoridade e a sua força impulsionadora, é indispensável que a Administração disponha de órgãos adequados à consecução desses objectivos - órgãos com a estrutura e a aptidão necessárias para se imporem, em autoridade técnica e política, aos grandes sectores da actividade nacional.
E aqui chego à minha segunda conclusão:
Na presente conjuntura humana e social, o Estado não pode dispensar-se de intervir na ordem económica, e, para isso, precisa de dispor de uma estrutura administrativa adequada que lhe assegure o legitimo exercício do poder político.
Sr. Presidente: já vimos que as corporações podem trazer alto contributo para aproximar a Nação do Estado, proporcionando a este a visão da sua problemática imediata. Mas é preciso não perder de vista que as reivindicações de circunstância são muitas vezes denunciadoras de interesses inconfessáveis, que trazem predomínios oligárquicos indesejáveis e consequentes efeitos retardadores ou mesmo paralisantes do processo de promoção económica e social dos mais desprotegidos.
E isto constitui um problema de extremo melindre no quadro de uma comunidade, como a nossa, que procura ardentemente o seu desenvolvimento económico e uma mais justa repartição da riqueza.
Indispensável é, por isso, não esquecer que a organização corporativa, por desvirtuamento da sua ética, pode constituir um viático admirável para que aqueles interesses exerçam pressão política sobre os governos. E, neste caso, com a triste particularidade de esses mesmos interesses estarem incrustados na própria superstrutura da Nação.
Aqui, nesta matéria, tem uma palavra a dizer a Administração, que precisa de zelar pelo interesse de todos, que precisa de ver mais longe e mais profundamente, penetrando e interpretando a própria vida económica, para além do quadro orgânico corporativo, no sentido de avaliar, em sistemática inspiração dos valores morais, onde se situam as verdadeiras causas e onde se projectam os efeitos do mal-estar que se procura corrigir.
Ora, na oportunidade em que surgem, personalizadas, as forças orgânicas da Nação, naturalmente inclinadas para a visão do imediato e do circunstancial, parece ser indispensável conferir à Administração uma competência especializada, capaz de corresponder, pelo seu apurado poder de previsão económica, ao diálogo que vai suscitar-se, a maior parte das vezes, num plano essencialmente técnico.
E com isto implicitamente se tende a significar a necessidade de dar conteúdo técnico à própria soberania, por forma a proporcionar-lhe autoridade política no julgamento dos fenómenos económicos perante uma nação corporativamente organizada.
Quanto a mim, parece-me que são justamente os organismos de coordenação económica - com este ou outro nome, com uma ou outra afinação estrutural e funcional - os órgãos que poderão constituir os elementos integrados desse substrato técnico e humano em que o Estado deve apoiar-se para actuar, em consciência e em autoridade, perante a ordem económica.
A sua flexibilidade de acção, a sua autonomia administrativa e financeira, a sua penetrante projecção no sector da vida activa que lhes está confiado, o enquadramento e a sistemática audiência que porporciona à representação corporativa, a amovibilidade dos seus dirigentes, tornam-nos bem distintos dos órgãos clássicos da Administração, que, por sua tradição burocrática - aliás sempre respeitável e necessária - e por sua responsabilidade diferida, não podem, de modo algum, corresponder, em intervenção oportuna e em personalização de responsabilidade, ao ritmo em que se processam os fenómenos económicos.

O Sr. José Sarmento: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. José Sarmento: - Concordo plenìssimamente com as indicações que V. Ex.ª tem apresentado para as directrizes dos organismos de intervenção económica. Como V. Ex.ª está a apontar, é preciso que difiram muito dos órgãos directos do Estado, que não têm aquela maleabilidade e aqueles requisitos a que V. Ex.ª se referiu. E eu pergunto a V. Ex.ª: não tem havido uma evolução desses organismos para perderem essas qualidades que V. Ex.ª tem agora indicado, e muito bem, no sentido de se assemelharem a órgãos da Administração Central?

O Orador: - Tenho muito prazer em responder a V. Ex.ª Reconheço, com V. Ex.ª, que efectivamente houve uma evolução, digamos desfavorável, para essa flexibilidade de acção a que me referi e que V. Ex.ª anotou, quanto a mim, muito bem. Portanto, essa evolução desfavorável veio realmente diminuir o poder de manobra que esses próprios organismos detinham.
Mas há que notar que as progressivas exigências de coordenação em todos os planos da hierarquia da Administração vieram pôr com agudeza a necessidade de articular entre si os grandes problemas económicos nacionais, de forma a dar uma certa harmonia de conjunto mas intervenções estatais. E, naturalmente, isso exige um certo retardamento de decisão de cada um dos organismos intervenientes.
Mercê da necessidade de articular intersectorialmente o movimento de dois ou mais organismos, exige-se um lapso de tempo para se atingir essa articulação. Isso pode, de facto, diminuir o sentido de oportunidade da acção desses organismos.

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O Sr. José Sarmento: - Muito obrigado pelas informações que V. Ex.ª me deu e que confirmam um pouco aquelas ideias que tenho de que esses organismos de coordenação perderam algumas daquelas características que tiveram em tempos passados.

O Orador: - E que tonto os valorizaram. A criação destes organismos em époça já remota da nossa vida política constituiu, na verdade, a viva expressão da lucidez e do engenho criador de governantes, onde as figuras de Pedro Teotónio Pereira e Sebastião Ramires vincaram uma autoria que os honra e os projecta na mais alta consideração dos Portugueses.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O carácter de precariedade que se quis atribuir a estes organismos em textos legais, já envelhecidos pelo tempo e pelas circunstâncias, que não em mérito conceituai, está hoje ultrapassado pela própria ordem das coisas.
Numerosos exemplos que podemos recolher em países mais evoluídos que o nosso denunciam que fomos precursores desse movimento institucional destinado a assegurar ao Estado e à Administração a determinação e objectivarão dos fins que prosseguem, designadamente através da comunicabilidade e convivência sistemáticas entre os sectores público e privado.
Em França, em Itália e em muitos outros países de economia assinada de liberal, mas onde múltiplas expressões corporativas de jeito sindical se manifestam, proliferam organismos desse tipo que têm dado as melhores provas.
E no caso português eles deram também boas provas?
Não se podem a este respeito tirar conclusões, pelo grau de constrangimento a que, aqui e ali, eles sujeitaram alguns sectores ou algumas empresas. O que deve, com justiça, observar-se é se cumpriram ou não a missão de serviço público para que foram criados.

certo é que numerosos depoimentos de portugueses e de estrangeiros e as expressivas manifestações de vitalidade actuante desses organismos, animados pelo seu sedimento de experiência, conquistado numa já longa tradição de trabalho e de convivência com os sectores que lhes estão confiados, ilustrariam exuberantemente, em muitos casos, as animações produzidas e encheriam de legítimo orgulho aqueles que deram o ser e a estrutura a esses organismos.
Jean Marchal, o grande professor de Economia Política da Faculdade de Direito de Paris, diz nas suas lições, com referência à evolução da consciência social, que «du stade des institutions spontanées on tend à passer au stade des institutions consciemment determinées». Ora parece que, neste campo, caminhamos na tendência da nossa época.
O sentido de transitoriedade atribuído aos organismos coordenadores pelo Decreto-Lei n.º 26 757, dê 8 de Julho de 1936, se, por um lado, foi expressão de uma atitude cautelar e experimental do legislador, que a época e as circunstâncias não podiam deixar de aconselhar, por outro, teve o mérito doutrinário de significar que a intervenção do Estado no domínio económico, dentro do esquema dos nossos princípios, tem sempre carácter supletivo e transitório.
Tudo depende da imposição das circunstâncias, designadamente do comportamento da iniciativa privada e da forma como esta actua espontaneamente no plano do interesse geral.
O automatismo da avocação às corporações dos poderes de intervenção especificamente estatais não pode prevalecer à simples consideração do bom senso.
A intervenção do Estado na ordem económica, a sua atitude tutelar, hão-de necessariamente permanecer enquanto durar a conjuntura política que a determina.
A plenitude da autodirecção corporativa constitui, sim, uma aspiração doutrinária, ou, mais precisamente, dialéctica, mas não um direito de fruição imediata. Só o Estado pode julgar quando e em que condições deva ser outorgado esse direito.
Em face do nascimento para o mundo jurídico dos seus eventuais titulares, só o Estado podo avaliar quando é que essas entidades adquirem capacidade de exercício.
«Enquanto forem julgados necessários», diz o Estatuto das Corporações, os organismos de coordenação subsistirão.
Pois bem, em meu entender, a necessidade permanece e permanecerá na medida em que permanece e permanecerá a necessidade de o Estado intervir activamente na vida económica.
Permanência não quer, todavia, dizer perpetuidade, e em política esta palavra está naturalmente banida.
Podemos aqui formular a terceira conclusão:
A de que os organismos de coordenação económica, aos quais o Decreto-Lei n.º 26 757 deu existência jurídica no plano do direito positivo, não são uma criação especiosa ou extravagante dos Portugueses, mas sim a expressão orgânica e institucional, de qualquer ordem administrativa do mundo livre que quer traduzir a exigente necessidade de o Estado intervir e participar activamente na ordem económica no sentido de conformar esclarecidamente a sua política aos ditames do interesse geral.
Sr. Presidente: tocando agora mais de perto a zona de preocupações do ilustre avisante, e colocado assim o problema, vejamos, finalmene, se a existência dos organismos do coordenação é inconciliável ou constrange perigosamente a dignidade da ordem corporativa.
É evidente que, ao formular as considerações que se seguem, estou bem longe de me situar numa atitude que tenda a significar que a actual estrutura dos organismos de coordenação atingiu o seu termo conveniente. Ao contrário, estou mesmo firmemente convicto de que neste campo muito há a fazer no sentido de devolver à organização corporativa algumas atribuições que até hoje se têm mantido na esfera da competência daqueles organismos, que aqui e ali actuaram em suprimento da falta de organismos corporativos próprios.

O Sr. Ferreira Barbosa: - E outras vezes absorvendo as funções dos organismos já existentes...

O Orador: - Desvios funcionais...
Mas, ao formular este asserto, quero salientar que também à ordem corporativa incumbe libertar-se de atribuições que detém na sua esfera de acção e que melhor ficariam no plano das próprios empresas, quando estas atinjam a dimensão e a estrutura técnico-económica convenientes para um mais sadio movimento do mecanismo, do nosso mercado.

O Sr. Dias Rosas: - É sempre em nome dos princípios que devemos defender a tese que V. Ex.ª acaba de enunciar.

O Orador: - Registo com muito agrado a observação de V. Ex.ª
Independentemente do grau de consciência cívica, corporativa ou colectiva manifestada pela grei, o que necessariamente há-de influir na quota-parte de poderes e atribuições a distribuir pelos quadros da vida privada, corporativa ou estatal, o problema está em saber qual

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o critério que neste momento deve presidir a essa distribuição.
A ordem privada parece dever competir predominantemente o poder de iniciativa, que é fulcro e timbre de uma economia de mercado, na directa e activa vivência dos problemas e riscos da empresa produtora, transformadora ou comercial.
A ordem corporativa parece dever pertencer essencialmente a disciplina dos interesses que integra e a representação política e técnico-económica desses mesmos interesses.
A ordem estatal, finalmente, deverá ficar conferido o necessário teor de atribuições para que o respectivo poder político se possa exercer esclarecidamente na vida económica, em plena independência e autoridade arbitral.
Para que esta independência s esta autoridade se afirmem e robusteçam é indispensável, como se disse, que o Estado disponha de serviços económicos, descentralizados, aptos a formular previsões económicas, a curto e longo prazo, e a atenuar, por meios adequados, crises conjunturais ou estruturais que podem afectar gravemente, em plano intersectorial, o equilíbrio económico da Nação.

O Sr. Ferreira Barbosa: - V. Ex.ª dá-me licença?
Mas para atingir esse objectivo, julga V. Ex.ª indispensável que se leve essa orgânica até ao ponto de haver um organismo de coordenação económica ao lado de cada actividade corporativa organizada, ou V. Ex.ª entende que a criação desses organismos depende das realidades e circunstâncias que se verifiquem?

O Orador: - Indo no encontro do pensamento de V. Ex.ª, entendo que o Estado tem naturalmente de definir a sua ordem de preocupações relativamente à importância dos sectores que, efectivamente, justificam a criação de um serviço especializado, para que esse sector possa ser vivido e interpretado directamente. Não podia estar no meu espírito uma multiplicação infinita de organismos de coordenação a dispersarem-se por todas as actividades da Nação.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Os organismos devem ser criados de acordo com as necessidades. Não devem criar-se organismos que depois criem necessidades...

O Orador: - Todos os organismos criam necessidades e, sobretudo, criam problemas, na medida em que desvirtuam a suas funções. Mas, independentemente disso, há que admitir que as actuais circunstâncias proporcionam uma revisão do problema no sentido de suprimir ou comprimir certos organismos que saíram de situações essencialmente emergentes. Tudo no sentido de atenuar, com vantagem, o teor da intervenção do Estado na ordem económica.
Importa, todavia, anotar, para melhor esclarecimento do que penso, que entendo dever o Estado manter, para além da sua informação corporativa, uma observação atenta dos fenómenos políticos, expressos em sentimentos, às vezes difusos, mas que constituem também relevantes factores de ponderação política, mesmo no domínio da economia.
A expressão actual do corporativismo tende a firmar-se numa visão estática do quadro económico-social. Procura defender o que está, e não o que deve estar...

Vozes: - Nem sempre!

O Orador: - Perdão, eu digo tende para a defesa de posições estabelecidas. Aliás, é humano, natural.

O Sr. Pereira Jardim: - Isso é um corporativismo desviado!

O Sr. Santos da Cunha: - Isso é um desvirtuamento do corporativismo, o não-corporativismo.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Mas admite-se que o Estudo esteja vigilante a essa posição...

O Orador: - O corporativismo tem em si virtualidades tais que no plano doutrinário incita o homem a aperfeiçoar-se. O que eu estou a pôr é o problema, digamos, real, humano, do que neste momento se verifica.

O Sr. Pereira Jardim: - Mas o que está não é nada. Não é o corporativismo...

O Orador: - Perfeitamente de acordo!

O Sr. Pereira Jardim: - Então não exemplifiquemos com o que está em nome do corporativismo!

O Sr. Ferreira Barbosa: - Felicito-me pela explicação que provoquei a V. Ex.ª, Sr. Dr. Mário de Oliveira.

O Orador: - A óptica do Estado e, portanto, a dos órgãos da sua administração deve assim projectar-se na ampla perspectiva de todos os interesses em jogo, designadamente os do consumidor, cujo equadramento corporativo só dificilmente pode conceber-se.
É assim que surge a razão de ser dos organismos de coordenação económica, que a jurisprudência e a doutrina são hoje a bem dizer pacíficas em considerar, pela expressão do seu comportamento funcional ao longo do tempo e por suas caratectísticas estruturais, como institutos públicos (pessoas colectivas de direito público criadas para assegurar a gestão de um serviço administrativo determinado).
Este conceito jurídico em que hoje são tidos os organismos coordenadores não nasceu assim do rasgo construtivo teórico de uma ou outra pessoa, de um ou outro governante, mas do atento e objectivo exame por parte dos tribunais e de qualificados juristas do conteúdo estrutural e funcional desses organismos.
Vejam-se, por exemplo, a este respeito os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Julho de 1949, de 28 de Julho de 1950, de 26 de Abril de 1955 e de 4 de Dezembro de 1957 e os estudos produzidos pelo Prof. Dr. Luís Pinto Coelho na Revista da Ordem dos Advogados (ano 1.º, n.º 3, p. 51) e pelo Dr. J. A. Gândara de Oliveira.
No seu Manual de Direito Administrativo (4.º edição, a pp. 368 e 369) também o Prof. Dr. Marcelo Caetano, com a sua reconhecidíssima competência e autoridade sobre a matéria, diz:

A administração central descentralizada assumiu novas e importantíssimas modalidades com a criação dos institutos, juntas nacionais e comissões reguladoras, que formam a categoria dos organismos de coordenação económica.
A doutrina, e a jurisprudência - diz ainda o Prof. Marcelo Caetano! - assentaram já em que tais organismos são, no nosso direito, institutos públicos autónomos, através dos quais se opera, com a colaboração dos interessados, segundo uma fórmula pré-corporativa, a direcção das actividades económicas e a intervenção do Estado.

A existência e a permanência desses organismos nada têm de incompatível com a ordem corporativa, a menos que esta pudesse substituir-se com vantagem à própria orientação económica do Estado.

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É certo que, no plano dialético, se pode pôr o problema de as corporações, por um sortílego fenómeno de perfectibilidade da consciência das forças integradas, atingirem um comportamento modelar que lhes outorgaria o direito de herdarem, no respectivo plano sectorial, os poderes de orientação económica.
O problema parece, porém, despido de interesse prático, justamente numa época em que a prossecução do bem-estar material domina agitadamente os homens e os grupos económico-sociais.
Caracterizados actualmente, como estão, os organismos de coordenação económica e situados como se encontram, por seu comportamento e funções, na órbita da Administração, há que considerar que a sua presença representa exactamente a armadura orgânica do Estado, para que este não fique enleado ou dominado pelas próprias forças económicas.
Frente a frente, o Estado e as corporações económicas precisam de definir um ponto de encontro e reconhecimento recíproco.
As corporações tendem, por natureza constitucional, a reivindicar direitos que frequentemente podem agredir o plano do interesse geral.
A isso tem de se opor o Estado, através dos seus institutos públicos descentralizados e especializados, a actuarem de modo a acolherem, sistematicamente, nos seus quadros a representação corporativa e a evitarem que se alentem desejos e ambições desmedidas, muitas vezes só alcançáveis por soluções estruturais. Estas, sim, precisam de ser estimuladas e fomentadas com o concurso activo e esclarecido da organização corporativa.
A corporação e o Estado são, pois, duas forças orgânicas com perspectivas constitucionalmente diferentes. Na primeira predomina o sentido de reivindicação de direitos, a visão do imediato, a defesa do emergente. No segundo prevalece a enunciação dos deveres, a perspectiva do mediato, a prossecução dos valores morais.
É, por isso, inteiramente lógico e natural o atrito entre os dois órgãos, postos frente a frente perante a execução de uma política económica. Mas esse atrito deve tender a esbater-se pela progressiva consciência, por parte da corporação, da transcendência dos seus interesses peculiares e pela compreensão dos laços de instrumentalidade e complementaridade que ligam entre si as várias expressões da vida activa.
No plano do «dever ser», o comportamento funcional das corporações terá de revelar essa dignidade representativa, se querem efectivamente merecer a categoria jurídica de pessoa colectiva de direito público, que lhes concedeu o seu estatuto orgânico.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Simplesmente, para tal é preciso que lhe seja consentido esse diálogo.

O Orador: - Mas isso considero indispensável e tenho procurado demonstrá-lo na minha exposição.

Q Sr. Ferreira Barbosa: - Evidentemente. Só quis reafirmar o que V. Ex.ª acaba de dizer.

O Orador: - Por seu lado, a Administração, através dos seus institutos públicos, representados no esquema estrutural dos organismos de coordenação, deve traduzir no seu comportamento político um sentido de compreensão esclarecida e objectiva perante o movimento reivindicativo da corporação.
É, pois, na polaridade e interpenetração dessas duas perspectivas e atitudes e na força moral que mutuamente as deve inspirar onde pode achar-se o denominador comum dos dois termos e nascer a conciliação das posições da corporação económica e da instituição administrativa.
Uma coisa é certa: a perspectiva do interesse geral não pode deixar de ter em conta as legítimas singularidades dos sectores da vida activa.

neste ponto a organização corporativa pode constituir preciosa fonte de informação.
Sr. Presidente: dissemos para trás que o Estado tem de ser na presente conjuntura humana um agente activo do progresso económico e social.
Pois bem, é na consciência de tudo isto que devemos consagrar a existência e permanência dos organismos de coordenação como órgãos activos e especializados da Administração para a intervenção económica.
É certo que essa permanência exige um profundo reajustamento estrutural, que não só deve abranger os referidos organismos, como os próprios órgãos clássicos da Administração.
Acrescentarei somente que há certos serviços que de alguma maneira são o prolongamento ou duplicação de órgãos clássicos, e difícil se torna, quantas vezes, estabelecer a fronteira das relações e das competências.
Só assim, aliás, se evitarão dispendiosas e inconvenientes duplicações de serviços, que o tempo e as circunstâncias foram acumulando e enquistando nos quadros da Administração. E esta nota foi bem vincada pelo ilustre avisante.
Vai iniciar-se o estudo coordenado da simplificação dos serviços públicos. Aí estará porventura boa oportunidade para rever, à luz da realidade dos nossos dias e no reconhecimento de que o Estado deve intervir activamente na vida económica, o esquema inicial da estrutura dos organismos de coordenação.
Ao Estado está confiada a defesa de um património moral e material que não pode ser desbaratado pela ilusão daqueles que abstraem da aguda necessidade de preservar esse património, pela conformação de uma política económica ditada pelo interesse geral e que visa a prosseguir activamente a harmonia e o robustecimento do corpo social da Nação.
E aqui chego à minha quarta e última conclusão:
Os organismos de coordenação constituem, na sua essência estrutural, instrumentos adequados para a intervenção do Estado na ordem económica e detêm em si, no domínio dos seus conselhos gerais, um espírito próprio que os torna particularmente aptos a estabelecer uma íntima e sistemática convivência com a representação corporativa.

O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Santos da Cunha: - Tenho estado a seguir com extraordinária atenção a brilhante exposição de V. Ex.ª, e aguardava que V. Ex.ª tirasse esta quarta e última conclusão para, com vénia de V. Ex.ª, fazer uma observação, e que é esta: é que me parece que, ao fim e ao cabo, existe um equívoco que, fundamentalmente, compromete o entendimento das duas teses que, de certo modo, aqui se têm debatido.
Quando V. Ex.ª conclui dizendo que os organismos de coordenação económica se lhe afiguram aptos...

O Orador: - ...na sua essência estrutural...

O Sr. Santos da Cunha: - ...a desempenhar essa função especializada de intervenção económica por parte do Estado, talvez fosse mais correcto, mesmo na lógica do pensamento de V. Ex.ª, dizer que são necessários organismos especializados de intervenção económica, mas não proclamar a necessidade de intervenção por parte do Estado, por intermédio dos actuais organismos

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de coordenação económico, já que V. Ex.ª é o primeiro a reconhecer que eles carecem de profunda reforma, e eu acrescentaria que também de certas limitações. Logo, talvez que o nosso entendimento se pudesse alcançar se disséssemos antes que não podemos prescindir de organismos de tipo estadual para intervir na vida económica, mas sem nos batermos pela existência dos actuais organismos de coordenação económica, cuja orgânica todos reconhecem dever ser revista e que têm consigo, com honrosas excepções, uma reputação pública que compromete dalgum modo a sua acção futura. Penso que, assim, chegaríamos rapidamente a uma conclusão harmónica, que, fundamentalmente, está no espírito do Deputado avisante e de todos os que subiram à tribuna para intervir neste debate.

O Orador: - Respondo imediatamente.
Anotei com particular agrado a Intervenção extremamente oportuna de V. Ex.ª e compreendo-a em toda a sua incidência política. Simplesmente, o que me parece inconveniente é esquecer o sedimento de experiência e a tradição de trabalho que certos organismos (não estou a generalizar) têm já dentro de si. Uma excessiva preocupação de ordem política de criar matéria orgânica nova pode destruir toda uma tradição de trabalho e de experiência. Existe hoje dentro de certos organismos de coordenação um repositório extraordinário de trabalho, que seria de todo errado prejudicar só por querermos ir para uma solução estritamente política.
E V. Ex.ª tem razão. Toda a acção de constrangimento é impolítica, e de vez em quando é preciso renovar esses órgãos, mas não destruí-los.
A introdução de factores novos na organização pode fazer, na verdade, melhorar o clima político.
V. Ex.ª, Sr. Deputado Santos da Cunha, teve, na verdade, agora uma verdadeira intervenção política.

O Sr. Santos da Cunha: - Muito obrigado a V. Ex.ª.

O Orador: - Sr. Presidente: as expressivas considerações aqui feitas pelo nosso colega Ferreira Barbosa, com uma vivacidade e uma combatividade verdadeiramente notáveis, finalizaram por algumas conclusões que desejaria observar em breve apontamento, já que o pouco tempo de que dispus não permite mais largo comentário.
Quanto à sua segunda conclusão permito-me obtemperar, sem esquecer as razões atrás produzidas, que devemos não incentivar excessivamente o élan corporativo, ao ponto de o Estado poder ver-se enleado e manietado na sua acção de orientação económica e na sua autoridade arbitral, atributos estes que lhe são específicos, como primeiro e principal garante da ordem pública e único-juiz do interesse geral.
Esta nota parece ter particular sentido em presença da execução do II Plano de Fomento, que exige um largo poder de iniciativa por parte da Administração.
Quanto à terceira conclusão, desejaria manifestar quanto a ela o meu inteiro acordo e aplauso, pois torna-se imperioso, na verdade, promover o arrumo o distribuição das funções, de modo a definir campos de acção e evitar inconvenientes duplicações de serviços.
Aliás, esta nota ficou bem explícita, creio eu, nas considerações que a esse respeito formulei na minha exposição.
Relativamente à quarta e quinta conclusões, que tendem a fundir-se numa só, o ilustre avisante preconiza, se bem entendi o seu pensamento, a criação de uma espécie de delegações do Governo, que abrangeriam todos os graus da hierarquia corporativa.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Uns assessores, chamemos-lhes assim.

O Orador: - Esses agentes tenderiam, suponho eu, a actuar como elementos de ligação entre a organização corporativa e o Estado. Teriam assim, diz o nosso ilustre colega, acção predominante nas funções de carácter disciplinar e arbitrai e concorreriam com os dirigentes naturais no exercício da acção política atribuída aos respectivos organismos.
Deste modo, se criaria, penso eu, uma acumulação de agentes do Estado junto dos organismos corporativas, que, pelo desenquadramento institucional ou por sua feição pessoal, tenderiam a sofrer os efeitos de fenómenos de mimetismo, tomando a expressão e a cor de delegados dos organismos junto do Governo e da Administração ou, em caso inverso, actuariam de modo a ferir, por força do livre exercício do seu poder arbitral e do seu critério pessoal, a independência e a autonomia dos organismos representativos.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Se me permite, usei a palavra «concorrer» da mesma maneira que a Constituição Política a emprega na questão, por exemplo, da constituição das Câmaras.

O Orador: - Quer dizer: participar.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Precisamente.

O Sr. Santos da Cunha: - Sem antagonismos.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Em certos casos admito a manutenção de organismos do tipo de coordenação económica, mas dispensando, em outros casos a existência de certos organismos por esses agentes.

O Orador: - A nota de V. Ex.ª ajuda a completar o entendimento do seu texto. V. Ex.ª está a admitir que esses agentes estariam colocados junto, digamos, de sectores sem grande transcendência económica, sem grande projecção económica. Em todo o caso, faço este reparo: viver e conviver sistematicamente com um sector de actividade organizada torna extremamente difícil resistir à sua influência. A breve trecho, seria humano, é humano, tornarem-se os porta-vozes desses sectores junto da própria Administração.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Isso depende muito da categoria das próprias pessoas.

O Orador: - É preciso grande categoria, dificilmente atingível, para resistir a essa tendência. É o próprio ar que se respira.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Se V. Ex.ª me permite, mais um esclarecimento da minha ideia: a vontade que teria de esses agentes poderem concorrer e participar da acção política atribuída aos organismos leva-me a este raciocínio: entendo que em certos casos esses agentes se devem opor às instruções menos aceitáveis, menos justas, menos convenientes, dos próprios organismos, ou devem até ter autoridade suficiente para, quando necessário, poderem recorrer e apresentar as suas sugestões na própria posição de Procuradores à Câmara Corporativa, o que estaria indicado quando essas sugestões não fossem ouvidas pelo próprio Governo.
Não quero forçar V. Ex.ª a uma indiscrição, mas pergunto: no exercício das suas funções, V. Ex.ª terá sido sempre devidamente ouvido pelo Governo?

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O Orador: - Evidentemente que não posso cometer inconfidências. Mas parece-me que todos aqueles que têm um enquadramento institucional devem obedecer a determinada disciplina; e não estou a ver esses agentes a que V. Ex.ª se refere a actuarem com equilíbrio e harmonia espontâneos, dispersando-se pela vida política, a proclamarem os seus pontos de vista relativamente a problemas suscitados nos órgãos junto dos quais eles funcionam como árbitros.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Nenhum sistema é isento de imperfeições.

O Orador: - Mas aqui a solução e quase anárquica.
Não será antes preferível dar plena vitalidade representativa à organização corporativa e dar-lhe acolhimento harmónico e sistemático em órgãos descentralizados da Administração de tipo institucional, aos quais esteja confiada a ampla coordenação das grandes actividades nacionais?
Se nos inclinarmos para a afirmativa, tenderemos a reconhecer que o Estado e a organização corporativa, se querem efectivamente cooperar no desenvolvimento económico da Nação, precisam de dispor de instituições apropriadas para estabelecer entre si diálogos construtivos sobre problemas que se suscitam no quadro da vida activa e cuja solução, quase sempre, se não comporta no domínio exclusivo da produção, do comércio ou da indústria, mas antes exige um potencial e uma perspectiva de acção que só o Estado, através da sua Administração, pode deter e dispor.
Uma nota ainda me permito acrescentar, já desligada das conclusões a que acabei de me referir. Quero assinalar a quem tão zelosamente defende a dignidade e prestígio da organização corporativa que a sua expressão representativa é justamente a mais nobre e útil das suas atribuições.
Sobrecarregá-la de poderes de autodirecção e de ingerência económica nos respectivos sectores é confundi-la e aprisioná-la na própria responsabilidade de soluções de circunstância, é encaminhá-la para o plano empresarial, com todos os riscos que isso comporta por ir afectar e comprometer todo o sector integrado.
Devolver às empresas a responsabilidade das manipulações económicas e ao Estado e à Administração o cauteloso e avisado poder de intervenção é a maneira mais objectiva, creio eu, de preservar a independência crítica e representativa das corporações.
A sua dignidade e prestígio poderão, assim, ficar mais acauteladas.

O Sr. Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com muito prazer.

O Sr. Santos da Cunha: - Era apenas para dizer o seguinte: já ontem expressei essas ideias, que gostaria de reafirmar hoje aqui. Inteiramente de acordo em que a organização corporativa deve ser expurgada de tudo quanto signifique o imiscuir-se em operações de carácter empresarial, porque elas não são próprias da organização. Quando praticadas, se existirem, representam um desvio condenável e inaceitável. Simplesmente, é conveniente anotar que esse risco, que faz perigar a independência dos organismos corporativos, quando mostram pendor para intervenções dessa natureza, é maior, mais grave, quando praticadas pelos organismos estaduais de intervenção económica, porque então já não são só sectores restritos que vêem a sua independência afectada, mas o próprio Estado, fiador do bem comum, que se compromete ele próprio em operações que quebram essa sua mesma independência. De resto, o que acabo de dizer não constitui novidade nenhuma, nem para V. Ex.ª nem para ninguém. Muitas vezes tem sido anotado, e foi-o com particular autoridade, como sempre, pelo Sr. Presidente do Conselho, ao criticar as tendências intervencionistas do Estado, denunciando os graves riscos resultantes de intervenções desta ordem.
Dizia ele que mal iria no Estado quando a realização de um negócio e a perspectiva de um lucro dependessem do despacho de um Ministro.
Se a coisa é grave quando decorra no ambiente do organismo corporativo, para mim - e penso que doutrinariamente estarei em boa ortodoxia e em boa companhia - é gravíssima quando praticada pelos organismos de coordenação económica.
E V. Ex.ª sabe que, por razões imperativas das circunstâncias, os organismos de coordenação económica não raras vezes foram chamados a desempenhar funções dessa natureza que estão na linha fundamental dos reparos e críticas que o público, geralmente pouco esclarecido acerca da diversidade de funções entre os organismos de coordenação económica e a organização corporativa, indiscriminadamente atribui àquilo que para ele se chama «organização corporativa» ou, mais comezinhamente, «grémios».
Devemos, pois, por um lado, defender a organização corporativa de intervenções daquela ordem, nunca esquecendo que mais graves são quando praticadas pelo Estado através dos seus órgãos próprios de intervenção económica.

O Orador: - Ouvi com a maior atenção as considerações de V. Ex.ª e sobretudo a ordem de preocupações em que V. Ex.ª se situa. Creio que o entendi perfeitamente ao dizer que a organização corporativa, quando envolvida na manipulação de operações económicas, se compromete. É o meu próprio ponto de vista. Com V. Ex.ª, penso que isso se torna também grave quando é o Estado a intervir.
Apenas - e aqui coloco-me como mero depoente, por ter vivido a óptica de um organismo da Administração -, no domínio da intervenção económica, o Estado actua cautelosamente, procurando, tanto quanto possível, estabelecer previsões a longo prazo. Estas tendem naturalmente a contrariar a visão do imediato, do emergente.
As repercussões futuras dessas intervenções são, portanto, temperadas por aquelas previsões.
Contrariamente, se as intervenções económicas pertencessem às corporações, porque estas integram basicamente interesses empresariais, movidos naturalmente pelo sentido de lucro, ser-se-ia arrastado para situações ulteriores que poderiam comprometer gravemente o desenvolvimento harmónico da economia nacional.
O que pretendo significar, em suma, é que normalmente a visão do Estado dá maior equilíbrio a uma intervenção económica do que daria a da organização corporativa.
Eu sei que não respondi totalmente às observações de V. Ex.ª Sei-o perfeitamente. Simplesmente, ao lado de tudo isto está - e aqui parece que começo a responder mais concretamente a V. Ex.ª - a circunstância de o Governo ter, mercê dos imperativos que sobre ele foram progressivamente recaindo, de tomar decisões concretas, em que manifestamente estão envolvidos interesses valiosíssimos.
E isto hoje é uma fatalidade das circunstâncias que incide sobre o próprio Governo.
Apenas quero concluir desta maneira: desde que se criem instituições absolutamente conscientes da sua responsabilidade, o Governo pode devolver para essas instituições o maior número possível de decisões, por forma a atenuar o intervencionismo político directo, e portanto o seu próprio desgaste.

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O Sr. Santos da Cunha: - Oxalá que essas instituições dêem depois os resultados que V. Ex.ª delas espera.

O Sr. Ferreira Barbosa: - Estou plenamente de acordo com V. Ex.ª, Sr. Deputado Mário de Oliveira, quando diz que a função representativa é talvez a função mais nobre das corporações. E concordo também em que devemos expurgar a organização corporativa de toda a acção de intervencionismo económico. Mas também não tenho dúvida alguma de que no espírito de V. Ex.ª está igualmente a ideia de que a nossa organização corporativa deve ter o direito de exercer funções de disciplina sobre os seus associados, e para tal, estabelecendo normas, não poderá deixar de ter funções executivas, sem o que essas normas deixariam de ter qualquer expressão.

O Orador: - Com certeza. Nada tenho a opor à acção disciplinar das corporações sobre as actividades que as integram.
Sr. Presidente: termino na consciência de que procurei evidenciar, no campo doutrinário em que a nota do aviso prévio se situa, os motivos da prevenção que formulei no início das minhas considerações.
O tema enunciado pelo nosso ilustre colega Ferreira Barbosa põe em causa o próprio fundamento da intervenção do Estado na vida económica. Daí o seu melindre e importância.
Por mim, suponho que, ao menos, fui explícito ao significar que o nascimento legal das corporações não pode nem deve afectar o poder político do Estado e da Administração, na medida em que esse poder for exercido com pleno respeito dos legítimos interesses particulares representados na organização corporativa.
Estado e nação são duas entidades que se realizam e completam entre si, tanto mais quanto melhor só projectarem e representarem uma na outra.
Não há motivos doutrinários que se opunham à permanência dos organismos coordenadores em face da ordem corporativa. Eles são a própria emanação do Estado, a presença institucional e especializada da sua Administração na problemática concreta dos principais ramos da actividade nacional.
Em meu juízo, o conteúdo orgânico e funcional desses organismos permanecerá, enquanto os ditames da conjuntura solicitarem a activa intervenção do Estado no domínio económico.
O seu desaparecimento do quadro estrutural da Administração seria indício auspicioso de uma era de equilíbrio económico e harmonia social. Nessa altura, deveria ser o próprio Estado o primeiro a contrair as suas atribuições, a reduzir ou a eliminar, por desnecessário, o seu intervencionismo, em face do apuramento da consciência cívica e moral da comunidade que representa e serve. Nesse momento ideal, que todos naturalmente desejaríamos viver, também as próprias corporações veriam aliviadas as suas próprias atribuições disciplinares e reivindicativas, pois a vida de relação revelaria comportamento colectivo meritório, em espontâneo movimento de vontade.
Não haveria que constranger os sectores e as empresas, impondo-lhes obrigações, regras e disciplinas; haveria simplesmente que consagrar esse estado social a que toda a humanidade aspira. O problema de auto-direcção iria então fixar-se não já nas corporações, mas no próprio plano da pessoa humana.
Até lá, porém - e só a formação cristã e a fé católica nos permitiram formular o conceito - há que ter sempre presente a conhecida expressão de Lacordaire: «entre o forte e o fraco está a liberdade que oprime e a intervenção que liberta».
E só o Estado, na ordem temporal, pode e deve ser o supremo árbitro do teor dessa intervenção. Aliás, é ao Estado, segundo dispõe o artigo 31.º da Constituição Política, que compete «o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social».
Neste caso dos organismos de coordenação económica, o Governo tem uma palavra a dizer e, sobretudo, uma decisão a tomar.
Aguardemo-las serenamente, já que Deus nos continua a conceder o privilégio da presença e do clarividente comando do Doutor Salazar.
Que Deus o guarde por muitos e longos anos, para que na palavra e nas decisões do Governo perdurem o timbre, a nobreza e a autenticidade doutrinária que sempre lhes empresta o alto espírito do Chefe do Governo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pereira Jardim: - Sr. Presidente: interrompo oito anos de ausência na publica discussão de problemas económicos ou da organização ligada a intervenções nestes problemas para trazer uma palavra de comentário ao debate.
Cessando de existir as inibições de ordem moral que me conduziram a esse silêncio, traz-me aqui, Sr. Presidente, o interesse pelo tema sempre vivo que conteve todos os sonhos da minha juventude, em cujo serviço fui acumulando algumas desilusões ao longo dos anos, desilusões que, porém, nunca afectaram a minha fé na doutrina e a certeza na possibilidade de ela enfrentar as realidades. É ainda essa fé que me faz ter na doutrina corporativa a única esperança de uma estruturação capaz e equilibrada da vida nacional.
Traz-me ainda ao debate, Sr. Presidente, a possível experiência e até responsabilidade de alguma acção executiva em que tantas vezes, e tantas vezes com angústia, tivemos de sacrificar alguma coisa da doutrina, angústia essa que continha em si mesma a preocupação viva de se integrar na pureza doutrinária aquilo que as realidades consentiam.

(Nesta altura reassumiu a presidência o Sr. Deputado Albino dos Reis).

O Orador: - Nessa acção ardorosa tive o ensejo feliz de encontrar - ensejo que não esqueço - a colaboração do ilustre Deputado avisante, então, como hoje, animados do propósito que nos continua a dirigir - o propósito de seguir uma doutrina capaz de enfrentar as realidades.
Nesse ensejo de colaboração tínhamos, afinal, perante nós um esquema que respondia aos problemas postos. Tínhamos, Sr. Deputado Ferreira Barbosa, uma organização corporativa que livremente exponha e defendia soluções; tínhamos um Governo que decidia depois de ouvir, e de ouvir com inteira liberdade, os homens que representavam a totalidade dos interesses; tínhamos, por último, a realização da política possível através de um organismo de intervenção económica. Foi esse mais um exemplo e mais um ensejo que nos convenceu de que a doutrina era apta para servir às realidades.
E consinta V. Ex.ª que invoque perante a Câmara ainda o seu testemunho para recordar que nessa oportunidade, mais do que servir um sector importante da vida nacional, quiçá dos mais importantes, se salvou toda uma actividade produtiva com largos capitais inves-

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tidos e de cuja sorte dependia a possibilidade de vida digna para dezenas de milhares de trabalhadores.
Pois se assim foi têm VV. Ex.ªs o esquema doutritrinário que, ao fim e ao cabo, responde aos problemas postos e às dificuldades da vida real:
A função representativa da organização corporativa, a audiência da sua informação pelo Governo e o esclarecimento aberto das possibilidades e dificuldades de ambos os lados para a realização da política necessária e viável através do organismo de cordenação.

O Sr. Ferreira Barbosa: - No fundo, uma perfeita colaboração que houve nessa altura...

O Orador:- ... que é a base da aplicação da doutrina para atender às realidades. Neste meu método de exposição (arrogo-me, como o fez o Sr. Deputado Dias Rosas, o direito de ter o meu) começo por afirmar, exemplificando, o que neste comentário me proponho fundamentar. Procuro, com isto, facilitar o esclarecimento antecipado de VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, do rumo em que me dirijo.
Desta forma, mais fácil será permitir que verifiquem se passo a passo o meu raciocínio se ajusta à demonstração e, desta forma, mais facilito, tanto como o desejo, a generosidade das intervenções de VV. Ex.ªs quando desse rumo me pareça desviar.
Proponho-me na apreciação do problema acompanhar os pontos focados pelo ilustre Deputado avisante e que me pareceram ter sido estes :

Quanto aos organismos de cordenação económica:

a) A sua estrutura doutrinária;
b) As características ou desvios da sua acção;
c) A permanência ou durabilidade da sua existência;
d) O seu enquadramento administrativo.

Quanto à organização corporativa :

a) A doutrina que a informa;
b) Os objectivas que com ela se pretende realizar;
c) A estrutura orgânica que observe a doutrina e alcance os objectivos;
d} A correcção dos vícios estruturais ou funcionais da organização; e, por último, a mais importante :
e) A necessidade de completar e definir, com urgência, a estrutura, e campo de acção, de modo a não continuarmos a impedir a organização corporativa de desempenhar o papel de autêntico relevo que lhe pertence na vida nacional.
Se fui fiel ao pensamento de V. Ex.ª ...

O Sr. Ferreira Barbosa: - Perfeitamente.

O Orador: - Obrigado pela confirmação. Sobre o pensamento de V. Ex.ª vou procurar raciocinar. Comecemos pelos organismos chamados de coordenação económica. Temos de o fazer, ao abordar este problema, com aberta franqueza e até, possivelmente, com a dureza que o momento exige.
Não restam dúvidas de que a estrutura doutrinária inicial dos organismos de coordenação económica foi pré-corporativa. Recordou-o ontem o ilustre Deputado Sr. Dr. Santos da Cunha ao invocar o Estatuto do Trabalho Nacional e os diplomas que a ele se ligam ou que com ele se ligam. Mas ocorre imediatamente interrogar: pré-corporativa porquê e em quê?
Em primeiro lugar, a estrutura doutrinária dos organismos foi pré-corporativa pela simples e elementar razão de que não dispúnhamos, então, de organização corporativa válida capaz de ser, no diálogo com o Estado, aquilo que, na política mundial, se vai conhecendo por l'interlocuteur valable.
E tinha assim de se realizar através da presença de representantes, por outra via seleccionados, nos conselhos de secção, nos conselhos gerais dos organismos pré-corporativos, o contacto entre o Estado e os interesses privados.
Não restam dúvidas de que neste aspecto os organismos foram eminentemente pré-corporativos e não restam dúvidas, também, de que neste aspecto a própria evolução do regime corporativo pressupõe a necessidade de uma revisão radical. Mas foram ainda pré-corporativos porque parte das funções que lhes foram confiadas se haveriam de traspassar para a organização corporativa quando ela tomasse a sua estrutura definitiva. Quais funções?
Todas aquelas em que o equilíbrio harmónico da corporação se previa, e, repito, se previa permitir dispensar a intervenção do Estado.
E parece poder afirmar-se licitamente que a doutrina existente ao criarem-se os organismos de coordenação económica não previa a intensidade da intervenção estatal que posteriormente veio a verificar-se. E que essa intensidade de intervenção veio a ser imposta pelas realidades e, muitas vezes, até com sacrifício para a doutrina.
Acontece que a intervenção estatal nas formas que veio a ter (e havemos de recordar a época que se vivia, em que o liberalismo ainda era aceite como doutrina económica corrente em países de projecção mundial) era então prevista mais como um acidente do que como uma acção habitual do Estado. E realmente verificamos que os organismos de pureza inicial de concepção, aqueles que primeiro foram instituídos, melhor se enquadravam no rumo doutrinário e que nesses organismos a sua estrutura melhor se adaptou à doutrina que se tinha definido. E não quero deixar de neste ensejo dedicar o testemunho de muito apreço ao que foi então ilustre Ministro, o nosso colega Sebastião Ramires, pela acção notável que teve nessa estruturação e pelos vínculos marcadamente corporativos e eficientes que transmitiu aos organismos criados durante a sua acção governativa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas posteriormente, meus senhores, as realidades vieram impor preocupações de governo de tal ordem que se foi arrastado para uma criação casuística de organismos, embora também chamados de coordenação económica, com o objectivo de enfrentar e resolver problemas. Começa aí o sacrifício da doutrina às realidades.
Apoiados.
Usou-se, é certo, o esquema inicial, porque estava estruturado; adoptou-se a nomenclatura e o padrão estabelecidos, porque pareciam mais simples, mas muito se desvirtuou na sua aplicação. E então encontramos um panorama desalentador que apresenta organismos de coordenação económica com posição de carácter representativo noutros organismos de coordenação económica.
Em que surgem superorganismos coordenadores de outros, como se o Estado quisesse ser ele próprio a controlar a sua própria acção; em que, por ironia doutrinária, se dotam organismos de intervenção do Estado com delegados do Governo e, até, com receio de um ser pouco, se determina a existência de dois delegados do Governo com presença no mesmo organismo de coordenação económica.
Assistimos ainda, por imposição de problemas agudos, à atribuição aos organismos de funções alheias à sua estrutura inicial, na ânsia premente de encontrar enquadramento para problemas que urgia resolver e não só podiam ignorar.

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Tenho, nesse aspecto, culpa de algumas decisões exigidas pela problemática do momento e lembro-me, até, da reacção viva e desgostosa de dirigentes de organismos corporativos e de coordenação económica ao apontarem-me os inconvenientes que para a vida corporativa daí poderiam resultar.
Era o sacrifício angustioso da doutrina ante o embate das realidades. Era a premência de salvar o Pais do caos que o ameaçava.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Assistiu-se ao aparente desvio total, por exemplo, de organismos destinados a controlar e fomentar a exportação que acabavam, através do licenciamento que lhes foi confiado, a cercear as exportações ou a dirigi-las para mercados diferentes dos que eram habituais, quando não a impedi-las de participarem em mercados onde anteriormente o mesmo organismo tinha gasto verbas avultadas em propaganda. Assistiu-se a os organismos coordenadores e impulsionadores de exportações limitarem mesmo os preços obtíveis nos mercados para onde se vendia. Assistiu-se, enfim, a toda uma imposição de restrições.
Mas, meus senhores: culpa da organização ? Falha de doutrina? Desejo dos homens que os dirigiam?
Não. Mas unicamente consequência da dureza das realidades do mundo em que se vivia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tratava-se da época em que a acção da iniciativa privada, normalmente primacial na conquista e no desenvolvimento dos mercados, se revelava infrutífera; tratava-se da época em que cada negociação de acordos comerciais era como um casus belli entre nações amigas; tratava-se da época em que, tantas vezes com amargura, no Ministério da Economia se tinha de transigir com a importação de artigos concorrenciais com os nossos para nos ser possível exportar alguns que era vital colocar urgentemente nos mercados compradores; tratava-se da época em que cada negócio de empresa era praticamente um assunto de Estado.
E a organização da intervenção económica sacrificou-se na sua popularidade. Posso dizer que a sacrificámos, prejudicando, quiçá, o seu desenvolvimento futuro, porque no momento impunha-se sobreviver, impunha-se conseguir que a vida nacional pudesse enfrentar a tempestade que nos rodeava e consentir aos Portugueses que com um mínimo de sacrifício pudessem sair desse mar tormentoso que a nossa economia atravessava.
E posso ainda dizer que foi esse angustioso imolar da doutrina e da popularidade política que permitiu salvar o Pais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Juntaram-se, sem dúvida, a toda essa conjuntura certos vícios de funcionamento.

A base estrutural do organismo de coordenação económica implica o diálogo vivo com as actividades. Mas a premência dos problemas, a necessidade de os resolver num sentido técnico e mais ainda sob a pressão de factores que escapavam às actividades levou a que esse diálogo tantas vezes fosse interrompido e levou a que o organismo passasse de transmissor também da informação das actividades quase unicamente a executor da política do Governo.
Depois aconteceu o que é inevitável na vida do intervencionismo. Aconteceu que o desejo de facilitar a resolução de problemas por parte do organismo conduziu a que se esquecesse algumas vezes a necessidade de evitar complicações dispensáveis à vida das actividades privadas ...

O Sr. Carlos Moreira: - Quando V. Ex.ª diz «algumas vezes» não tem, decerto, implícito que fosse raras vezes ...

O Orador: - Não as contei e posso dizer que foram bastantes vezes.

O Sr. Carlos Moreira: - Bem mais que bastantes bastaram e sobraram.

O Orador: - Foram sobretudo, sem dúvida, mais vezes do que era indispensável. E esqueceu-se a finalidade de amparar e auxiliar a actividade que se tinha de tutelar, alargando-se o peso da máquina burocrática, com incidência esmagadora sobre os sectores que se coordenavam.
Depois, ainda, o fenómeno do endeusamento do intervencionismo e a prolongação, por rotina ou inércia, das medidas interventivas para além do estritamente indispensável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, insisto, meus senhores, não resultou este quadro de vícios atribuíveis à organização. São os vícios, são as consequências inevitáveis de qualquer intervencionismo do Estado.
Independentemente da estrutura dos organismos, independentemente do enquadramento administrativo dos serviços de intervenção económica, independentemente dos homens escolhidos para as funções, não conheço qualquer outro caso nos diversos países em que idênticos ou mais graves defeitos de intervencionismo se não tenham verificado.
Acontece até - e disso posso ser testemunha pelo contacto que tive com o intervencionismo realizado noutros países- que a nossa intervenção económica, exactamente por se ter apoiado na estrutura corporativa, foi daquelas em que os malefícios se apresentaram mais atenuados, com menos perniciosos excessos, e, sem duvida, foi das mais honestas ...

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª ao fazer a comparação com esses países, quer referir-se a vários países europeus ou especialmente aos que se encontravam em guerra?

O Orador:- A Espanha, que não estava em guerra ...

O Sr. Carlos Moreira: - Não perguntei se a Espanha estava em guerra. Julgo ter sido claro. V. Ex.ª está a fazer a comparação entre os exageros do intervencionismo comparando o que se passou entre nós com o que se passou noutros países com os quais contactávamos ...

O Orador: - Melhor, com os quais contactei.

O Sr. Carlos Moreira: - E então pergunto a V. Ex.ª esses países a que só refere eram países que estavam na mesma posição em que nos encontrávamos ou eram países que estavam a viver num regime de guerra?

O Orador: - Devo dizer a V. Ex.ª que alguns deles estavam muito mais afastados da guerra e das suas con-

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sequências do que nós. Posso referir-me à América Centrai e à América da Sul.

O Sr. Carlos Moreira: - Eu tinha perguntado apenas dentro da Europa.

O Orador:-A Europa estava praticamente toda em guerra, com exclusão da Espanha, que, para responder a V. Ex.ª, comecei por citar.

O Sr. Mário de Oliveira: - Dos outros poderia citar a Argentina ...

O Orador:-Por motivos compreensíveis de delicadeza eu estava a tentar dispensar-me de concretizar os nomes de países e as diferenças exactas entre as características e as consequências do nosso intervencionismo e o de qualquer país definido.
Com maior ou menor peso na vida nacional são, todavia, sem culpa da organização, estas as consequências do intervencionismo, que ao fim e ao cabo é indesejado pelo Estado - a sua primeira vítima e até no campo político -, é indesejado pela organização - a grande sacrificada- e é indesejado pelos particulares, que por via dele tanto vêm a sofrer.

O Sr. Carlos Moreira: - Se era indesejado pulo Estado, porque é que este o mantinha?

O Orador: - V. Ex.ª não deve ter estado atento às minhas considerações a este respeito. Julgo ter explicado à Câmara qual o panorama em que se movimentava a nossa economia e qual a pressão que a conjuntura exercia sobre nós, impondo ao próprio Estado a execução desse intervencionismo ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-O Estado tinha de escolher entre fazer o que não desejava ou consentir que a Nação soçobrasse...
De toda a acção do Estado está, infelizmente, afastada a possibilidade de fazer milagres. E só por milagre poderia arredar o condicionalismo internacional que nos rodeava.

O Sr. Carlos Moreira: - Eu fiz uma pergunta concreta a generalização é de V. Ex.ª ...

O Orador: - Pois se a interpretei mal só peço que, para a esclarecer melhor, V. Ex.ª a repita.

O Sr. Carlos Moreira: - Não vale a pena. Prossiga V. Ex.ª

O Orador: - Não nos podíamos, nem podemos, decidir por nós no mundo em que vivemos. Será absurdo ou utópico admitir que um qualquer país pode viver isolado do conjunto internacional como se de uma ilha inacessível se tratasse.
Recordo todo o problema de trocas com o estrangeiro, em que domina a preocupação séria da balança comercial e da balança de pagamentos; recordo a cooperação internacional, à qual demos a nossa adesão e à qual devíamos fidelidade; recordo a nossa ligação até com organizações que, em certa medida, assumem o carácter supranacional; e recordo ainda, para evidenciar a justificação de certas medidas aparentemente aberrantes do intervencionalismo, como essa colaboração nos chegou a impor que exportássemos, no caso dos materiais estratégicos, para países que não eram os nossos clientes económicamente mais desejáveis e que nem sequer eram os que nos pagavam melhor.
Recordo os reflexos de todo o auxílio económico à Europa, do qual beneficiámos, visando impedir que ela soçobrasse perante o Oriente, mas que conduziu a termos de nos adaptar a medidas de carácter económico caracterizadamente artificiais ou, pelo menos, profundamente arredadas dos termos da economia clássica.

O Sr. Mário de Oliveira: - Refere-se V. Ex.ª à U. E. P.?

O Orador: - Refiro-me ao Plano Marshall, à O. E. C. E. e à U. E. P., bem como à mecânica de pagamentos bi e multilaterais em que nos envolveu o estabelecimento do complexo esquema dos direitos de tiragem.
E recordo a VV. Ex.ªs que, contra todas as normas da economia clássica - tornando aparentemente desconcertante a acção do intervencionismo -, houve por isso ensejes em que era mais conveniente para o País desequilibrar a balança de pagamentos ou, até, chegar-se ao absurdo de ser vantajoso importar aquilo de que não se necessitava com carácter de premência, agravando o nosso deficit comercial e de pagamentos.
Recordo o peso - ou a ameaça? - das perspectivas de integração económica europeia e a consequente necessidade imperiosa de proceder à reconversão de tantos aspectos das economias nacionais.
Para além da influência externa, directa, da conjuntura, a intervenção estatal torna-se ainda necessária, por factores de ordem interna, desde a disciplina das actividades, para visar melhor produtividade à garantia de padrões e qualidades, à disciplina que evite hegemonias capitalistas possíveis, mas indesejáveis, a que se procure realizar o bem comum pelo equilíbrio entre os factores da produção, sem sobreposições dominadoras e antes visando a harmónica conjugação de esforços.
Pelo que acabo de recordar ou esboçar perante VV. Ex.ªs parece indiscutível que ao Governo não tem de se reconhecer o direito de intervir na vida económica do País. Tem de se lhe exigir que cumpra esse dever.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-E sendo assim não vejo como se possa afastar do quadro da direcção da vida económica nacional a interferência de organismos estatais de coordenação económica.
Põem-se, ainda, no pendor do debate aqui estabelecido dois problemas: a durabilidade dos organismos e o seu enquadramento administrativo.
Quanto à durabilidade limitar-me-ei a responder muito simplesmente que ela tem de ser condizente com a durabilidade dos problemas em que sejam chamados a intervir. Se estes problemas assumem um carácter transitório e a curto prazo, é óbvio, pela minha resposta, que entendo dever ser transitória e de curta duração a vida dos organismos de intervenção a eles dirigidos. Se esses problemas oferecem carácter de permanência, terá de ser como eles permanente a duração do organismo coordenador.
Adaptando-os, na sua existência, ao quadro que tracei nem podemos consentir que arrastem uma vida artificiosa, desde que não seja necessária a sua intervenção, nem podemos, por ingenuidade ou utopia, fazer cessar a sua acção, um momento que seja, antes de ela poder ser dispensada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Como exemplos desta orientação, já seguida pelo Governo, cito a VV. Ex.ªs dois casos de organismos de intervenção que duraram aquilo que duraram os problemas.
A Comissão Reguladora do Comércio de Metais, criada para disciplinar a importação e exportação de metais e minérios no período da guerra, e que, sendo organismo de coordenação económica com características

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e atributos semelhantes aos de outros então criados, pôde ser dissolvida quando a imposição daquela disciplina deixou de se tornar necessária.
O Serviço de Requisição de Lenhas, que substituiu a intervenção do Grémio de Exportadores de Madeira nessa indispensável mas impopular função, que veio a ser dissolvido logo que a situação de emergência o consentiu.
Citei dois exemplos de organismos intervencionistas que cessaram de existir quando se verificou a feliz possibilidade de se afastarem esses problemas do âmbito das preocupações governativas. Mas insisto em que seria ingenuidade perigosa pretender a extinção indiscriminada dos organismos de intervenção económica.
No mundo em que vivemos, isso equivaleria a aceitarmos lutar desarmados. E lutar desarmados seria aceitar a derrota nesta luta.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E passemos ao problema do enquadramento administrativo dos organismos dirigidos à coordenação económica.
O que venho de dizer julgo que terá evidenciado a impossibilidade de utilizar a estrutura clássica da Administração para enfrentar os problemas da intervenção económica. É que, por definição, essa estrutura clássica é apta e capaz para responder aos problemas clássicos que à Administração se oferecem.
Mas os problemas da intervenção económica, por oposição ao conceito de problemas clássicos, são de natureza fluidos, mudando constantemente de forma e características.
Peço o testemunho de alguns dos que comigo trabalharam nessa acção intervencionista, e felizmente aqui se encontram, para recordar como de forma desconcertante os problemas tantas vezes variavam, de natureza e de contornos, para um mesmo sector, em espaço de tempo incrivelmente curto. E peço para recordarem comigo como, em tantas vezes, a acção decidida numa noite de segunda-feira, depois de esgotante análise, se apresentava inadequada ou inoperante, obrigando, por simples telefonema, a modificar todo o quadro da intervenção antes que decorresse a manhã de terça-feira.

Vozes: - Foi assim mesmo ...

O Orador: - Pois se é assim, não podemos deixar de reconhecer que a intervenção económica exige organismos com enorme maleabilidade burocrática, com capacidade de movimento dos seus próprios quadros (alargando-os ou contraindo-os sem peias de maior e conforme as necessidades), com possibilidade de utilizarem os recursos financeiros com rapidez, autonomia e eficiência, e que até - e este ponto é importante para responder a algumas dúvidas formuladas - seja possível a eventual substituição de dirigentes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É porque nem sempre o dirigente que se revela capaz para em determinado momento enfrentar certos - aspectos da intervenção económica pode afirmar idêntica capacidade perante circunstâncias marcadamente diversas que noutro momento surjam.
A inamovibilidade oficial dos quadros clássicos não é conciliável com a maleabilidade e fluidez que tem de possuir um organismo de coordenação económica. Seria erro querer integrar os dirigentes e servidores destes organismos nos quadros e normas dos departamentos clássicos.
Levantou o Sr. Deputado avisante, com muita clareza, o risco de esta não inamovibilidade dentro da organização de coordenação económica poder conduzir a que se resvale para o servilismo. Quero referir a VV. Ex.ªs que, com a experiência que vivi -e até com o exemplo que fui-, algumas vezes (e desta feita a expressão «algumas vezes » de vê ser interpretada como « bastantes vezes». Sr. Deputado Carlos Moreira) se verificou que os dirigentes de coordenação económica, apesar da não-inamovibilidade das funções, defenderam com clara firmeza pontos de vista, discordaram de orientações definidas pelo Governo e, até por via disso, resignaram dos seus cargos.
É que a dignidade e independência dos homens não pode ser medida em razão de um diploma do funções públicas!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o ilustre Deputado avisante perguntou ontem, interpelando o Sr. Deputado Dias Rosas, se a existência de um esquema de intervenção económica estatal era ou - não independente da própria organização corporativa. E, mais precisamente, perguntou se, para o caso de não haver organização corporativa, mas meras associações de classe ou sindicatos livres, dos muitos tipos que por esse mundo pululam, se manteria a organização de coordenação económica.
Não quero deixar de dar uma resposta, ou, pelo menos, a minha resposta, em ponto fie tanta importância.
É que é evidente -e julgo tê-lo demonstrado ao longo da minha exposição- que só se pode responder que, em qualquer hipótese, a intervenção económica se haveria de manter.
E é preciso sublinhar, para que dúvidas imo permaneçam, que se trata de funções diferentes e que nem se percebe em que é que a existência ou inexistência da organização corporativa tenha que ver, para além dos limites que de início apontei, com a existência, de órgãos estatais de intervenção.
É preciso que fique a pairar no pensamento de todos a certeza de que o intervencionismo do Estado não é de forma alguma consequência do corporativismo ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E devemos ainda afirmar que a existência da organização corporativa permite até mitigar o intervencionismo estatal no que ele contenha de desagradável.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Dias Rosas: - E mais: permito mesmo facilitar a intervenção do Estado.

O Orador: - Sem dúvida. Muitos são os benéficos efeitos que traz à vida nacional na condução dos problemas económicos e outros. Mas, procurando uma frase que grave um conceito no espírito de todos, eu não podia alargá-la sem prejudicar o seu carácter incisivo.
Repito, pois: o intervencionismo do Estado não é consequência do corporativismo. O corporativismo pode mitigar o intervencionismo do Estado no que ele contenha de desagradável.
Vejamos como e porquê.
Parece doutrina pacífica que o corporativismo tradicional português é um corporativismo de associação. E parece isso significar que as actividades se associam em órgãos primários que, pela mecânica estrutural das federações e uniões (ou dispensando estes órgãos intermédios), se integram nas corporações.
Visam estas a realizar a representação harmónica do conjunto e a obter no seu seio o equilíbrio dos interesses para tudo aquilo que à sua expressão superior pertença

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e com capacidade deliberativa para tudo o que no seu âmbito possa ser disciplinado, dirimindo conflitos de interesses ou antagonismos de posições.
Visam as corporações uma função eminentemente representativa, sem atrofiar a capacidade de representação dos organismos que nelas se integram, mas reforçando-a quando pela relevância do problema posto ou pela harmonia das posições afirmadas isso houver de resultar.
Visam as corporações arredar o espectro da mentira que o liberalismo afirmava como realidade -a luta social-, obtendo o equilíbrio dos interesses nelas representados e conduzindo à definição de uma resultante que a dignidade de todos respeite e às aspirações de cada um atenda.
Para isso tem os organismos que integram a corporação de ser eminentemente representativos. Têm de ser autenticamente representativos.
Sem que se verifique esta condição nunca as corporações poderão ter o conteúdo de verdade e de adesão popular que se faz mister. Sem isso nunca existirá o corporativismo tradicional português. Sem isso o corporativismo não passará de obra de fachada, mais ou menos vistosa, e sem isso poderá ser apontado como uma mentira.
Para que tal se consiga é necessário que em todos os sectores, sem uma excepção, o homem, a empresa, u actividade, se sintam representados com verdade, com autenticidade, sem sofismas cómodos para o Estado, no organismo que os agregue e os integre na corporação.
E preciso que o modesto trabalhador de uma forja, o ignorado comerciante de qualquer estabelecimento em qualquer parte, o grande industrial que comande sector importante da actividade, se sintam identicamente representados com verdade, sem artifícios, sem imposições e sem desvios da sua vontade.
É indispensável que cada um sinta -e sentir é mais do que aceitar- esta verdade estrutural para que se realize a projecção na vida nacional da representação corporativa como expressão total da vida da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pura isso, porém, como primeira condição, é necessário que o Estado se resolva a deixar de ser absorvente em face da organização corporativa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E necessário que ao Estado se aplique o lema que nos nossos tempos da Mocidade Portuguesa foi apontado e acoite como a regra a seguir pelo dirigente em face da juventude: «Sempre presente, nunca absorvente».
Tem de ser esta, e não pode ser outra, a posição do Estado em face da organização corporativa.
Quando apontamos este caminho falam-nos nos riscos que por tal rumo se podem correr. Apontam-se ato os riscos políticos.
E eu pergunto só pelo caminho oposto não temos, afinal, corrido riscos bem maiores? E eu pergunto se por culpa de não termos deixado estruturar-se livremente a representação nacional corporativa não temos, no fim de ironias, ido buscar forma artificiosa e nada portuguesa para essa representação? E eu pergunto se por esse caminho errado não temos corrido o risco de ver desencadear paixões em que os homens se desmandam, os espíritos se dementam e a Pátria corre o perigo de soçobrar?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - No campo da estruturação corporativa, designadamente no sector económico, mas sem exclusivo para este, bastantes desvirtuações já realizámos e bastantes riscos já corremos.
Foi isso quando, pela pressão dos problemas e circunstâncias que referi, se utilizou a organização corporativa para a realização de fins de intervenção estatal. Foi quando tivemos os grémios por esse País fora a serem representantes da acção intervencionista do Estado: a realizarem requisições de produtos; a realizarem rateios de adubos; a realizarem, de uma forma geral, o .intervencionismo do Estado antagónico dos anseios dos seus componentes e esmagador da sua função representativa.
Eu sei que isso foi feito perante a premência de problemas que não consentiram manter os organismos corporativos na pureza que desejávamos. Fui responsável por algumas dessas desvirtuações de acção e posso dizer da angústia que marcou algumas dessas decisões. Procurou-se salvar a vida do País numa altura em que conseguir sobreviver às dificuldades e problemas que nos assaltavam era objectivo a que tudo o mais se sacrificava.
Devo fazer a confissão do erro que cometemos, se é que foi erro salvar o País à custa do sacrifício do prestígio da organização corporativa. Mas demos um golpe, talvez decisivo, no prestígio que haveria de conquistar a organização corporativa de representação.
Depois, em consequência dessa acção intervencionista, eram os próprios agremiados que vinham solicitar do Governo a designação de comissões administrativas em substituição dos dirigentes eleitos. Compreende-se sem esforço os fundamentos da atitude, mas a cada comissão nomeada - e algumas eu nomeei - novo golpe se somava contra a verdade já abalada da representação das actividades e contra a autenticidade da organização.
Depois, foi ainda o artifício das votações proporcionais no seio dos organismos, para impedir, num ambiente de intervenção económica, a injusta possibilidade de empresas com relevância num sector de actividade serem submersas por votações individuais de grosso número de empresas sem a mesma posição no conjunto. E, assim, para a verdade da representação corporativa, já tão duramente atingida, no seio do próprio organismo, os homens valiam, e com eles as empresas que representavam, não pelo mérito da razão, nem pelo acerto dos juízos, mas pela aplicação de uma tabela de votos de duvidosa expressão corporativa.
É que em tudo se sobrepunha à função de representação a premência de enfrentar e resolver, como possível, os problemas económicos.
Abro aqui um parêntesis para dizer a VV. Ex.ªs como ao cabo destes oito anos de ausência de discussão de problemas desta ordem, que por mal de VV. Ex.ªs hoje interrompi ...

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - ... dizer a VV. Ex.ªs que me sinto, em certa medida, desnorteado quando vejo, de alguns lados, pretender-se que à organização corporativa sejam confiadas funções de intervenção económica. E como se eu estivesse a ver pelo negativo a imagem que há oito anos fixei: os contornos iguais, as figuras as mesmas, mas onde estava o branco querem hoje pôr o preto e onde estava o preto vêm hoje pôr o branco ...
Há oito anos toda a nossa amargura estava em não poder libertar completamente a organização corporativa de exercer o intervencionismo económico. Todos os nossos esforços se dirigiam para alcançar esse objectivo.
E hoje, parecendo esquecer-se essa lição recente, há quem chegue a pensar que à organização corporativa

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devem, e devem com carácter estrutural, confiar-se missões desse tipo. Por amor de Deus, não se cometa o que se poderia chamar um crime. Bem basta o mal que à organização já fizemos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nós visamos obter uma integração corporativa da Nação, e que papel maior podemos ambicionar para a organização corporativa do que ser ela a expressão viva da Nação perante o Estado, sem ela a representação autêntica, lídima, tradicionalmente portuguesa.
Falou-se aqui, disse-o o ilustre Deputado avisante, que para o efeito meramente representativo a organização corporativa se apresentava cara. E penso, ao contrário, que é bem gasto todo o dinheiro que mis consinta ter uma representação típica e verdadeira, com autoridade perante todos e especialmente perante o Estado, consentindo-nos evitar males maiores que resultam dos caminhos que levam a [...] formas de representação.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Ainda no aspecto do indispensável intervencionismo estatal, confiado a órgãos de natureza e influência governativa, creio que a organização corporativa pode ser a grande mitigadora dos males e defeitos inevitavelmente inerentes à intervenção do Estado. No dia em que a organização corporativa detenha este poder representativo, no dia em que tenha a força de presença junto do Estado para, autoritariamente, lho dizer quais são os anseios legítimos dos interesses, quais são as reivindicações justas a que tem dei atender, quais as liberdades que terá de respeitar, nesse dia a organização corporativa será o melhor fiel, se quiserem o melhor fiscal, o melhor limitador do poder intervencionista do Estado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ficará sempre, meus senhores, por definir a fronteira entre a intervenção do Estado na vida económica e a intervenção da organização corporativa. Ficará sempre, até porque não creio que algum dia ela se possa definir com precisão.
Naõ creio que nisto de corporações da organização corporativa, de funções e atribuições a organização inerentes, se possa pensar numa estruturação e esclarecimento pela via da publicação de leis, decretos, regulamentos e definição de regras.

O Sr. Dias Rosas: - Justamente porque são instituições.

O Orador: - E que, como instituições, têm de viver naturalmente, isto é, com naturalidade, a vida nacional. Corporações não Se decretam, não se inventam,
não se regulamentam, não crescem segundo uma vontade dominadora e previamente definidora de todos os detalhes do caminho a percorrer. Instituem-se quando nelas se acredita, desenvolvem-se quando nelas se confia. Têm de revelar a sua capacidade aos poucos; têm de autenticamente ir-se afirmando na vida nacional. E então o Estado não tem de as regular, anus de as reconhecer e respeitar, até ao limite ideal em que o Estado vá cedendo terreno à intervenção corporativa, se realize o autodirigismo e possa cessar, se puder, a intervenção do Estado.
Esse respeito e esse reconhecimento, pela via natural, irá novamente até ao limite ideal de outro vez acontecer como na Casa dos Vinte e Quatro, em que os homens bons dos mesteres afirmavam ao rei de Portugal, desassombrada e representativamente, ante a hipótese da intervenção moderada do Estado: «Real Senhor, esta casa é de vinte e quatro e nela não há lugar para vinte e cinco».
Será esse o momento, quando nessa estrutura se ingresse ou a ela se regresse, em que teremos a organização corporativa a representar a Nação e a articulá-la na plenitude das suas funções.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E, assim, penso chegado o momento deste comentário, em que, não roubando mais do que cinco minutos a vv. Ex.ªs, posso formular algumas conclusões, tiradas deste debate e da meditação longa sobre o problema, tiradas da doutrina que vivi apaixonadamente naqueles anos da vida de um homem em que as paixões mais fundo se vincam e mais fundo deixam traços puros e indeléveis, conclusões que neste momento, e na hora que se vive, não queria deixar de aqui proclamar:

1.ª A necessidade da intervenção do Estado na vida económica resulta das. exigências impostas pelos problemas que se oferecem à condição de vida nacional, e não da doutrina ou estrutura corporativa.
2.ª Essa intervenção pertence ao Estado, através de organismos especializados dotados da necessária maleabilidade funcional e cuja estrutura se deve adaptar à acção a desenvolver, impondo-se a revisão da orgânica em vigor dos organismos de coordenação económica.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - 3.ª Devem os organismos corporativos sor reintegrados na sua pureza representativa, de modo a constituírem elementos de informação autênticos e independentes, capazes de fornecerem à acção coordenadora do Estado o conhecimento exacto das actividades que representam e contribuírem para a mais equilibrada execução de noção intervencionista.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - 4.º Deve a organização corporativa realizar-se plenamente fora da absorvente influência do Estado ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... e depurada de funções intervencionistas que comprometem a autenticidade e prestígio da sua função.
5.ª Deve a organização corporativa ser livre e autêntica na representação dos interesses nela associados e dispor de autonomia que lhe consinta evidenciar capacidade para disciplinar e resolver problemas no seu próprio Âmbito, reduzindo nu possível a medida da intervenção do Estado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - 6.ª Devem afastar-se as dificuldades e tutelas que têm impedido a organização corporativa de enquadrar autenticamente a representação nacional do todos os interesses e actividades, visando servir o bem comum.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Meus senhores: creio que só por este caminho, com este rumo e na observância da doutrina

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inicial nós seremos capazes de realizar o corporativismo português.
Por outro estou firmemente convicto do que nunca mais haverá corporativismo em Portugal.
É tempo, meus senhores, de enfrentar o problema. Queira Deus que ainda seja a tempo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a seguinte ordem do dia: debate sobre a ratificação do decreto-lei que automaticamente faz cessar os mandatos dos presidentes das câmaras municipais e debate do aviso prévio do Sr. Debitado Ferreira Barbosa sobre os organismos de coordenação económica.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Sr s. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Cerqueira Gomes.
Purxotoma Ramanata Quenin.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Requerimento entregue na mesa pelo Sr. Deputado Augusto Simões:

«Com base nas disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, requeira que me sejam fornecidos, com urgência, os seguintes elementos:

Pelo Ministério do Interior:

1) Mapa das receitas e despesas das juntas de província e das câmaras municipais rio ano de 1908, com a menção das despesas feitas com o pessoal.
2) Mapa das receitas ordinárias orçamentadas para o ano corrente de 1950 pelas mesmas autarquias, indicando, caluniado em percentagem, como serão repartidos os encargos a cobrir pelas mesmas receitas, referenciando-se discriminadamente os concorrentes a:

a) Despesas com o pessoal, tendo em conta o reajustamento previsto pelo Decreto-Lei n.º 42 122, de 28 de Janeiro do ano corrente;
b) Encargos com a amortização em juros de empréstimos ;
c) Encargos da construção de edifícios escolares do Plano dos Centenários;
d) Encargos de funcionamento e manutenção de serviços públicos do Estado, incluindo a Guarda Nacional Republicana e a Polícia;
e) Encargos para internamento, tratamento e consulta externa de doentes pobres nos vários hospitais;
f) Encargos com outras formas de assistência;
g) Encargos com melhoramentos públicos a executar pelas únicas forças das receitas municipais;
h) Encargos em iniciativas a realizar com a comparticipação do Estado;
i) Quaisquer outros encargos.

3) Relação das dividas passivas das câmaras municipais, referida a 31 de Dezembro de 1958, englobando as exigíveis a longo e a curto prazo, indicando-se, nomeadamente:

a) As provenientes do escalonamento dos custos da construção e conservação dos edifícios escolares do Plano dos Centenários;
b) As derivadas do internamento e tratamento de doentes pobres nos hospitais;
c) Os encargos gerais dos empréstimos, com indicação dos montantes destes e das suas taxas de juro.

Pelo Ministério das Finanças:

Valor das deduções feitas para os cofres do Estado nos adicionais às contribuições e impostos gerais cobrados para as camarás municipais respeitantes a:

a) Fundo de Cadastro;
b) Percentagem pela cobrança dos mesmos adicionais, por distritos e nos últimos cinco anos.

Pelo Ministério da Economia:

Nota discriminada, por distritos do continente, das importâncias pagas ou entregues às câmaras municipais como a parte de divisão de lucros provenientes das vendas de lenhas, madeiras e árvores e outros rendimentos dos terrenos baldios municipais submetidos ao regime florestal nos últimos vinte anos».

Requerimento entregue na mesa pelo Sr. Deputado José Sarmento:

«Ao abrigo das disposições regimentais, requeira que, pelos serviços competentes dos Ministérios das Finanças e da Educação Nacional, me sejam fornecidos os seguintes elementos:

1.ª Planos elaborados pela comissão de reapetrechamento em material das escolas superiores e secundárias, criada por portaria de 15 de Junho de 1957 para promover a execução do disposto no Decreto-Lei n.º 41 114, de 16 de Maio de 1957;
2.ª Verbas inscritas e despendidas nos diferentes anos com o referido reapetrechamento, discriminadas pelas diferentes escolas e Faculdades;
3.ª Verbas inscritas e despendidas nos diferentes anos em cada um dos grupos das diferentes secções das Faculdades de Ciências;
4.ª Quaisquer outras elementos que os serviços acharem convenientes para se poder ajuizar do estado de adiantamento em que se encontra o reapetrechamento em material didáctico e laboratorial das nossas Universidades».

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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