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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 100

ANO DE 1959 29 DE ABRIL

VII LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 100 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 28 DE ABRIL.

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Antão Santos da Cunha

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 97 e 98 ao Diário das Sessões.
O Sr. Presidente informou estarem na Mexa os elementos fornecidos pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em satisfação de um requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Moreira.
Com destino a este mesmo Sr. Deputado foram recebidos elementos que requererá aos Ministérios da Justiça, Finanças e Negócios Estrangeiros. Foram entregues àquele Sr. Deputado.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sarmento Rodrigues, Venâncio Deslandes e Manuel Lopes de Almeida, que se referiram ao aniversário, que hoje se comemora, da entrada do Sr. Prof. Doutor Oliveira Salazar para o Governo.
O Sr. Presidente, em nome da Câmara, associou-se às palavras proferidas por aqueles três Srs. Deputados.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 14 horas e 25 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Finto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henrique Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.

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Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Mela e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmeiito de Vasconcelos e Castro.
José Sobres da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Ângelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadao.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 99 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão era reclamação os nºs 97 e 98 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação, considero aprovados os referidos números do Diário das Sessões.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em satisfação do requerimento apresentado na sessão de l5 de Outubro do ano findo pelo Sr. Deputado Carlos Moreira.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Ainda com destino ao mesmo Sr. Deputado estão na Mesa os elementos fornecidos pela Presidência do Conselho e pelos Ministérios da Justiça, Finanças e Negócios Estrangeiros, em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 23 de Outubro do ano findo.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Sarmento Rodrigues, a quem convido a subir à tribuna.

O Sr. Sarmento Rodrigues: - Sr. Presidente: quiseram dar-me a honra de me facultar ensejo para dirigir algumas palavras de saudação ao Sr. Presidente do Conselho, neste primeiro dia de trabalhos parlamentares depois de ter decorrido mais um aniversário da sua entrada para o Governo. Perante tamanha responsabilidade - a de dizer alguma coisa que possa merecer o interesse de quem me ouve, sem repetir o que todos sabem ou mostrar o que todos vêem - tenho de socorrer-me dos poucos recursos de que disponho. E para isso valho-me, até, de um conceito do próprio Professor Salazar.
De facto, quando um dia, num período de intensa e melindrosa actividade, um desvelado amigo meu lhe fez notar certas dificuldades que eu teria de enfrentar, o Sr. Presidente do Conselho, sempre disposto a ajudar quem dele precisa, disse-lhe simplesmente não ter preocupações, pois tinha a certeza de que eu havia de tratar o caso muito objectivamente.
E assim foi, na realidade. Ora hoje aproveito daquela sentença o qualificativo de objectividade que me foi atribuído e que mais uma vez vou tentar aplicar no presente momento. Porque doutra maneira não me sentiria capaz de enfrentar esta Assembleia, onde não sei quem não tenha, com outra eloquência, rendido ao eminente homem público as homenagens de admiração pela sua obra e de respeito pela sua personalidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Na verdade, o que se deve ao seu génio e à sua capacidade criadora, na visão dos problemas e prática resolução, outros o tom dito e dirão, desenvolvidamente, em ocasiões e lugares apropriados e com larga soma de conhecimentos. Na vastidão da terra portuguesa, aquém e além-mar, na imensa variedade dos interesses morais e materiais dos seus filhos, dispersos por todo o globo, há-de encontrar-se sempre um rasto de luz benéfica que dimanou da sua admirável intervenção em todos os ramos da vida do povo português. É uma história que só poderá ser feita quando se esbaterem as tintas vivas das paixões, para ficarem apenas os traços fundos da obra e suas consequências.
Mas eu não sou historiador. O que me anima hoje é o privilégio de ter sido testemunha de alguns factos que me permitiram fazer observações e formular juízos. E, porque tenho na lembrança exemplos que fundamentam as minhas afirmações, serei, portanto, objectivo. Sem me desprender do nosso natural pendor para a lógica,

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confesso que prefiro, sempre que posso, actuar com segurança, à maneira empírica.
Meus Senhores: quando vejo, em vários sectores da imprensa estrangeira - que tanto empenho mostram em resolver os nossos problemas, como se os não tivessem na própria casa -, apodar de ditador o Chefe do Governo Português, vem-me à lembrança um ror de situações que presenciei e nas quais aquilo que eu verdadeiramente poderia estranhar era, bem ao contrário, a falta da sua categórica orientação, como parecia lógico e, quanto a mim, necessário. Quantas vezes, em reuniões ministeriais e outras, lamentei que o Presidente do Conselho não fizesse decididamente encaminhar com o prestigio da sua experiência, com a autoridade da sua isenção e do seu lugar, para aquilo que eu julgava ser o melhor lado, a solução de um problema!
Mas não.
Não queria, de maneira alguma, impor o seu juízo em matéria oferecida ao livre exame e votação. Um respeito absoluto pelas deliberações dos conselhos. E de tal maneira que quem o tivesse ouvido opinar sobre certos casos pasmava de ver como era possível deixar livremente correr discussões que rumavam para desfechos contrários ao seu próprio parecer.
Era este um ditador?
Respeito impressionante pelas leis. Pode, é certo, fazer a lei; mas para depois lhe prestar estrita obediência, como qualquer outro.
Respeito ainda pela dignidade alheia, como se fosse a sua.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eu poderia testemunhar como, mesmo em questões de alta importância, e nas quais o Presidente do Conselho tinha posição tomada, admitia convicções diferentes e tudo fazia para evitar que alguém tivesse que agir contra a própria consciência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nem o seu alto nível moral consentia que em seu espirito ficasse mesquinho ressentimento para com atitudes honestas e leais, ainda que em oposição aos seus propósitos.
Será este um ditador?
Intransigente, sim, mas na observância dos princípios que tinha como fundamentais para a administração publica - de resto muito poucos e muito simples. A autoridade, com os seus corolários de hierarquia, disciplina, harmonia social, defesa da ordem; a independência do Estado e a sua missão orientadora: nem sujeição a interesses, nem intromissão absorvente nas actividades privadas; o equilíbrio orçamental, que fora um alvo difícil e que, uma vez atingido, nunca mais se poderia perder.
Princípios filosóficos na base de tudo? Certamente; mas em lugar das abstracções com que às vezes se depara, perigosas pelo seu poder aliciante, inteiramente em desacordo com as realidades da vida actual, o que da sua actuação se desprende é um destacado cunho de aplicação imediata e prática, fundamentalmente humano e caracterizadamente adaptado ao povo português.
É ele mesmo o primeiro a sofrer o rigor salutar dos princípios. Nos planos de acção que a sua inteligência, friamente, patriòticamente, tem preparado nestes longos trinta e um anos de um esforço ingente - em que a coragem, a paciência, a capacidade de resistência aos trabalhos físicos e às agruras morais entraram no campo do verdadeiro estoicismo -, nesses planos, aquecidos ao color de uma fé inabalável e que outra finalidade não têm do que o engrandecimento da nossa Pátria, não há lugar para paixões, nem simpatias; tudo o que poderia ser humana vaidade ou orgulho, mágoa ou desgosto, tinha de ser esquecido, amarfanhado no próprio peito. Só interessa o bem comum. Mas generoso e tolerante, sempre que o pode ser. E assim lhe restam apenas as esperanças nos empreendimentos, a alegria serena e muda de ver dia a ia realizar-se uma obra, que também dia a dia tem de se multiplicar, indefinidamente, inexoravelmente.
Qual de nós, dos que têm sacrificado ao serviço público alguns anos inteiros, sem tirar um dia, de esforço, de canseiras, de entusiasmo e de agravos sofridos, qual de nós não sentiu por vezes o desespero e o desânimo, o desejo ardente de se libertar?
Só assim se pode compreender a incomparável coragem moral daquele espirito forte, daquele homem verdadeiramente abnegado, que, sem um desfalecimento, vem arrostando com o mais pesado e mais honroso fardo da administração pública portuguesa, durante a vida inteira!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente, Srs. Deputados: continuo o meu modesto depoimento, pessoal, pobre, talvez irreverente, mas sincero, vivido.
Vejo este homem eminente, que atingiu a plenitude do seu saber e adquiriu a maravilhosa experiência de uma larga e intensa vida, durante a qual o nosso pais e o mundo sofreram convulsões e atravessaram e vivem períodos históricos decisivos para o futuro da humanidade ; que soube vencer tentações de glória e dominar impulsos de mando; que preferiu refugiar-se na própria consciência para nada esperar em troca dos seus serviços - vejo-o de há longo tempo como o mais precioso orientador e conselheiro da administração pública portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Da sua discreta cadeira de S. Bento, examinando atenta e serenamente os problemas que em sucessão ininterrupta lhe são trazidos, na mais variada gama que a vida humana apresenta, o mestre venerando, que tanto se orgulha do seu «culto pela justiça, pela verdade e pela exactidão», desdobra, através do mais claro e mais frio raciocínio, todas as premissas, todas as razões, para chegar às mais justas, às mais verdadeiras, às mais exactas conclusões; e para depois, modesta, simples e sinceramente afirmar que é tudo o que sabe dizer.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Pela sua mão passam, diária e continuamente, grandes e também pequenos problemas, cuja análise nunca recusa. E quanto tempo, valioso tempo, assim desbaratado em coisas mínimos! Mas os homens nem sempre terão sabido utilizar as altas prerrogativas que ele lhes outorga, a independência, a enorme força que lhes foi confiada.
No entanto, também quantos, felizmente, souberam aproveitar as condições privilegiadas da sua época para realizar essas obras grandiosas que em todos os sectores da vida portuguesa ficam a assinalar um período de resgate e de renovação! Colaboradores dignos desse nome que puderam elevar-se a altura do grande Chefe e compreendê-lo e secundá-lo e multiplicá-lo.
Porque este homem superior despreza tudo o que seja tacanho: as pequenas soluções, as pequenas obras, os pequenos projectos, quando destacados dos planos orientadores. Merecia e merece quem possa corresponder a tão levantados propósitos; quem possa aproveitar o

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sólido apoio da sua incomparável experiência e da sua imaginação criadora, a que nem falta um extraordinário poder de previsão, para lançar e desenvolver, nos quatro quadrantes da vida nacional, os grandes planos, as grandes realizações, que possam finalmente dar «a cada boca o seu pão» e «a cada família o seu lar».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: continuo a ser objectivo e escravo da verdade. Porque tenho abrasadoramente consumido a existência ao serviço do meu país e acompanhado de perto o desenrolar da vida nacional, neste quarto de século, aqui neste velho continente, no mar e no ultramar; porque nos mais diversos e distantes países, do Novo Mundo aos confins do Oriente, do Pacifico ao golfo Pérsico e às índias Ocidentais, me pude sempre ufanar da minha Pátria, por todos admirada e respeitada; sinto que em consciência devo, como creio que todos nós devemos, um profundo reconhecimento ao homem que a Providencia escolheu para acrescentar novos motivos ao orgulho de ser português.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-O seu «apelo às inteligências», como ele classifica a expressão do seu pensamento, frutificou largamente. Reformador, educador, criador, tudo tem feito para reintegrar Portugal nas melhores tradições do seu passado. Alargou as fronteiras geográficas - olhem o lago Niassa!- e as fronteiras espirituais da Nação. Resgatou e valorizou o património ultramarino - vejam a sombra das companhias majestáticas! Defendeu os Portugueses e os seus direitos, em qualquer parte da terra portuguesa em que vivessem - não esqueçamos a índia! Honrou os compromissos internacionais ao mesmo tempo que podia sentidamente evocar os «lares que não foram desfeitos», na «terra portuguesa, que não foi devastada».
E trabalha. Serena e estòicamente, trabalha, dia e noite, ano após ano, sem outro ideal que não seja o de fazer deste velho e glorioso Portugal «uma grande e próspera nação».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Venâncio Deslandes: - Sr. Presidente: sou português e amo a minha Pátria. Quero-a honrada, engrandecida, prestigiada. Exijo-a inteiramente digna de um passado que me faz vibrar de orgulho e agradecer a Deus ter-me dado este berço.
Sei, daquele saber de experiência feito, que esteve a ponto de perder-se.
Vi, de olhos embora ainda adolescentes, o caos, a desordem, a sem-vergonha, impostos como método e como lei nos Governos, nas ruas, nos espíritos.
Ouvi conjugar, de coração confrangido, esse verbo maldito «portugalizar», como sinónimo de degradação e de boémia política, o meu país tomado como padrão da irresponsabilidade e do ridículo.
Era o opróbrio.
Sabia que nem todos eram maus. Conheci homens honestos, patriotas, idealistas, cujo maior desejo era servir e prestigiar Portugal. No entanto e apesar deles, das suas boas intenções e dos seus esforços, a nau do Estado ia resvalando rapidamente a caminho do abismo, arrastando consigo uma pobre e desorientada nação.
Um dia o Pais acordou ao som de um clarim. As suas notas vibrantes eram a própria voz da história gritando : Basta!
A força armada, com o apoio unanime dos portugueses de bom senso, ia enfim impor o respeito pela coisa pública e pela pessoa humana.
E assim se fez.
Um levantamento militar com aqueles objectivos conduz necessariamente a uma ditadura, mas esta não pode deixar de ser um regime de transição, porque não só a força armada não possui mentalidade e preparação adequadas à função política como tem de cumprir uma missão especifica de que não pode alhear-se.
Mas transição para quê? Para voltar de novo ao mesmo regime, àquele regime que acabava de provar (e de que maneira!) ser impotente e incapaz de nos gerir, não servindo por qualquer forma para valorizar e canalizar as reais virtudes que possuímos, antes estimulando e avolumando os nossos defeitos rácicos - a irreverência do nosso carácter, a violência e o descontrole do nosso temperamento, essa necessidade mórbida de desfazer e de contradizer, por cada um de nós ter sempre uma «verdade» e uma «solução» infalível para cada problema?
Não! Podiam mudar os nomes dos homens e dos grupos; as mesmas causas produziriam idênticos efeitos.
A transição tinha forçosamente de operar-se para um regime novo que soubesse ir buscar ao passado distante o influxo de valores morais que nos fizeram Nação e Império - o temor de Deus, o amor da Pátria e da família, a austeridade e a firmeza da governação, o clima heróico e missionário onde o Português sabe, por excelência, viver e é capaz de tudo sacrificar, para, na justa medida das nossas proporções, modelar no presente um futuro de dignidade e de pujança.
Partindo-se do zero, a tarefa era por de mais grandiosa, para não parecer irrealizável.
Para uma missão, um chefe.
E o chefe que uma missão desta envergadura exigia seria aquele que a soubesse definir com tanta clareza que a tornasse acessível às inteligências comuns; que
pudesse ser, na mesma medida de eleição, o filósofo para lhe moldar a estrutura mental e o homem de acção para lhe dar forma física; que a quisesse viver com tanta determinação, e tanta fé que fosse capaz de a colocar sempre acima de tudo e de todos e tudo por ela sacrificar; que estivesse tão seguro da sua verdade que as calúnias dos que a não quisessem servir e os erros daqueles que o apoiassem não conseguissem desviá-lo do caminho traçado; que tivesse um sentido tão agudo das realidades que, entre a crítica desapaixonada do presente e a cautelosa previsão do futuro, soubesse encontrar, em cada momento, a justa medida para que o passo a dar fosse seguro e definitivo; exigia -que sei eu?- que num complexo humano igual a todos nós se reunissem prodigamente o génio criador do sábio, a abnegação total do asceta e a integra firmeza do guerreiro.
Existiria esse chefe?
A mesma Providência que em Ourique iluminou o primeiro rei, sobre os rochedos de Sagres apontou ao Infante o caminho dos oceanos tenebrosos, que era o da glória da Pátria, e em tantos e tantos outros momentos sempre e sempre nos mostrou que só somos pigmeus quando não temos fé, se encarregou de o revelar quando nos era oferecida a tutela estrangeira como última amarra e pudemos encontrar força de ânimo para orgulhosamente a rejeitar.
Passaram trinta e um anos (toda uma geração!) que um professor ainda jovem foi arrancado à cátedra que iluminava com a lucidez da sua inteligência privilegiada e levado a subir definitivamente as escadarias do Poder.
Queiram-no ou não: nesse próprio momento em que pisou o seu primeiro degrau ultrapassou o destino dos mortais e fixou-se na história para sempre.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - De então para cá, quanto caminho percorrido a bem desta Pátria remoçada!
Não poderá a mocidade, para quem só verdadeiramente interessa o que falta fazer, acreditar no que nós vimos e vivemos. Só os que tivemos a fortuna de ser integrais contemporâneos desta obra lhe podemos conhecer a exacta medida.
É verdade que os cegos continuam cegos e que também outros se deixaram cegar, confundidos por desmedidas ambições que não puderam satisfazer ou por vãs glórias que não souberam alcançar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nada a fazer.
Há que tomar as contradições e os desvios da alma humana no seu verdadeiro sentido psicopático.
Haverá erros, imperfeições?
São os generais que conduzem as batalhas, mas são os soldados que as executam.
Entre eles, na voragem da luta, há os que arrancam para o inimigo a peito descoberto, os que se expõem apenas o preciso, os que só avançam quando outros à sua frente lhes garantem a segurança. E há também os que buscam na retaguarda os mil pretextos para lhe fugirem e conseguem aparecer, passado o perigo, de peitos constelados ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A massa humana mais disciplinada é sempre um amálgama destas reacções, mas é com ela, tal como realmente é, que as vitórias tom de ser conquistadas.
Nesta batalha pela ressurreição da Pátria é bem certo que, seguindo a mesma lei, houve e há os que só quiseram dar-se e servir, os que serviram sem se dar, os que aparentaram dar-se e só procuraram servir-se.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Não que se pactue de igual para igual com todos eles, como se a alguém ou a algum regime pudesse ser frutuoso cultivar na seara as ervas daninhas.
Mas o Chefe que a concebeu e fez dela a única razão de viver, que sabiamente a guiou através das maiores convulsões e dos mais graves perigos, que devotadamente continua a servi-la e a tem ganha nas suas mãos de incansável e impoluto condutor, situou-se tão alto no conceito da grei que não há pedra lançada que o consiga atingir nem blasfémia que empalideça a glória que alcançou.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sei que a vida não pode parar na contemplação da obra realizada e que o próprio progresso e, por si só, fonte de novas necessidades e renovados anseios.
E sei também que a mocidade é exigente e apressada. O mundo de realizações que hoje lhe podemos oferecer ninguém o acreditaria como possível três dezenas de anos atrás. A sua antevisão ter-nos-ia deixado extasiados!
E, no entanto, há sempre um novo mundo à nossa frente que continuará a exigir esforço e sacrifício, dedicação e coragem, trabalhos e canseiras, mundo que quem desponta para a vida sente que é a si que compete erguê-lo e pensa que se o não encontra já totalmente realizado o deve atribuir à incúria e à falta de visão daqueles que o precederam.
Se a mocidade não fosse assim, plena de vigor e de generosidade, mas também irreverente e ansiosa, não era mocidade. Porém, se se confundisse a ponto de julgar que poderá prescindir do que com tanto esforço lhe conseguiremos legar, perdidos o sentido das limitações com que lutamos e o real cômputo das possibilidades que pudemos reunir e lhe oferecemos - e é tanto e tanto mais do que aquilo que recebemos! -, colocar-se-ia num plano demasiado perigoso para que não nos assaltassem as maiores preocupações sobre um futuro que todos, tão fervorosamente, desejamos ainda melhor do que o presente.
Um inimigo invisível, lançando mão dos mais baixos processos, procura hoje perturbar sistematicamente a paz portuguesa tão laboriosamente conquistada, tentando pelos mais insidiosos meios fazer nascer a dúvida nos espíritos - quando não consiga desviá-los definitivamente do campo nacional.
A manobra é hábil, porque atravessamos neste próprio momento um período de crucial importância, onde a salvaguarda do que é nosso por esse mundo fora, do que nos foi legado e temos de transmitir intacto aos vindouros, exige mais do que nunca na ordem interna essa tranquilidade e segurança que nos pretendem roubar, para nos podermos lançar com a maior determinação no cumprimento da missão que recebemos da história.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-É essencialmente à gente nova que. incumbe tão patriótica tarefa, mas para isso é necessário que lhe saibamos fazer compreender as nossas apreensões e comunicar o nosso entusiasmo de servir, solicitando-a a seguir-nos nesta nova cruzada e preservando-a de inglórios combates contra moinhos de vento que a dividam e incapacitem para o verdadeiro esforço que a Nação dela espera.
Que exemplo extraordinário de sacrifício integral de si próprio e de fé nos destinos da Pátria temos para lhe oferecer!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: depois de mais um ano, um outro ano começa.
Para quem sentia dentro de si, no coração o amor intenso e a necessidade de uma dedicação sem limites ao seu pais, na inteligência a fórmula e o método a aplicar para o tornar de novo digno e respeitado, o destino não se teria realizado se não lhe tivesse proporcionado oferecer-se, em dádiva total, à Pátria, que tudo merece e - tudo tem o direito de exigir. Vejo-o de estatura tão elevada ao lado da mediania dos mortais que, apesar de saber quanto a vida lhe tem sido dura e pesada, acredito que esteja grato à Providência.
E nós, a quem soube restituir o orgulho de sermos portugueses, que lhe devemos uma alma nova e um infinito de realizações, algumas das mais belas e viris páginas que a nossa história contém, a firmeza desta sólida base de partida para a conquista do futuro, como lhe devemos mostrar a nossa gratidão que não seja afirmando-lhe a mais inteira confiança?
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Lopes de Almeida: - Sr. Presidente: aqui estou, sem precisar de justificação para usar da palavra nesta hora tão solene e para mim tão grata. Km verdade solene, porque aos olhos despertos e aos corações confiados os dias presentes revestem-se de tal magnitude

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que não é lícito, ao mínimo, isentarmo-nos das responsabilidades morais e políticas que cabem à Representação Nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pessoalmente, estimo muito a oportunidade que me é dada para dizer, de viva voz, quanto em mim vai.
Os que em Portugal prezamos o amor da verdade e temos o culto da justiça pode ser que algum dia sejamos trazidos L barra da história para que se averigúe das nossas razões, dos nossos cometimentos e da pureza das nossas almas, e assim nos submetamos ao seu juízo imparcial e definitivo. Dir-se-á então, público e raso, quem fomos e como vivemos e agimos. A história é fonte de direito e também pode ser que as nossas ideias e nossos procedimentos venham a constituir-se como um corpo de normas de conduta justa, tão apreciável ao muitos tenham de seguir e utilizar. Tudo é falível sobre a Terra; só o não é o aceno de Deus e a Sua palavra. Os homens e as instituições são precários por sua própria natureza, mas enquanto demoramos aqui em baixo saiba o nosso livre alvedrio escolher e representar-se nas pessoas e nos bens de menor caducidade.
Sr. Presidente: a memória já não a tenho muito feliz e pronta, como homem da minha idade, mas por condição elementar de nossa natureza começo a lembrar-me de coifas e de factos quase remotos com insistência, que põe um travo amargo em tais reminiscências.
Não quero fazer dessas lembranças nenhuma condição de menosprezo ou de discórdia, mas a justiça fala em min como em homem de 60 anos, que viveu conscientemente meio século, pelo menos, de vida portuguesa. E não só viveu, mas lutou quanto em si coube e luta:- á quanto puder, já que a mão estendida e a pedra na funda parece alvejarem a nossa face e a nossa cabeça, sem respeito e sem cerimónia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esta sessão legislativa tem decorrido e vai continuar os seus trabalhos quando lá fora muita gente anda surpreendida e inquieta - porque não dizê-lo? - com rumores incertos e vagos. Nesta mesma Câmara já se fez ouvir uma voz de pertinente advertência e - ainda que bem creio hão-de encontrar-se a claro os tios e entrelaces dessa animosa campanha perturbadora - não será de mais que o País seja posto em guarda e precavido de maledicentes dementados e se procure isentá-lo de contactos ruins, que, pela amostra, ato chegaram onde não poderia alguma vez supor-se. Como é isto assim?
Sr. Presidente: com afinco e com ânsia de objectividade, procurarei desviar o meu pensamento para ideias e para factos muito mais sérios, e de entre eles todos não posso deixar de prender-me à feliz circunstância que motivou as minhas pobres palavras de hoje.
Nas últimas décadas deste século, o clima da existência individual e social, o ritmo da vida, sofreu enormes e profundos abalos e não sei de época nenhuma em que se haja assistido a mutações tão bruscas nos mais variados aspectos da vida quotidiana.
Porém, a nossa vida não é exclusivamente o resultado dos elementos materiais de que se prevalece e alcança, per muito que todos eles soframos como imposição de realidades políticas e económicas. O espírito, que é ágil e pronto, sem descuidar essas realidades procura apesar do tudo elevar-se e soerguer-se às contingências materiais e busca reencontrar sempre as linhas essenciais de que se alimenta, as vivências que se prendem ao eterno absoluto.
Nem só de pão vive o homem, por certo é mais importante saber como o adquire e o abençoa.
A fome que se vê no mundo já não é, como outrora, do pão que as lágrimas reclamam, mas é a miséria do vazio da alma, a pobreza inerme dos que deixaram de amar e de rezar em tempo rasgado de dor e consumido de tentação. E ver a gente alguns, que vieram ao mundo com missão de o purificar com o sal da vida eterna, andarem pasmados no mar insosso em que não só se perdem, porque perdem muitos, é de confranger e reprovar com ímpeto.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nesta hora torva e insegura, que lançou sobre o mundo tantas sombras e tantas quezílias, é todavia reconfortante pensar que neste pequeno país do Ocidente está e permanece, na confiança de si mesma e de nós todos, a inatacável figura insigne que os tempos não alteram nem os temporais abalam.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Está e permanece, porque a virtude impõe-se e fala eloquentemente à razão e ao discernimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A Câmara recorda-se, por certo, destas palavras que vou citar: ... o Chefe do Governo não corre, não foge, não agrava, não transige, procura a justiça e o bem do povo». Quem há ai que o duvide? Quem há aí que o contradiga?
A verdade, que é sumo bem para as consciências impoluídas, obriga a confessar que tais palavras, bastantes anos depois de pronunciadas, não sofrem despique nem contradita, pois os actos as corroboram e justificam com alvinitente firmeza e insuprível constância.
O mesmo homem, obediente à voz profunda da sua mesma consciência, não corre, não foge, está e permanece, queima-se na luz da sua própria razão, e diz ao mundo que vale a pena viver assim, sacrificado pela justiça e pelo bem que se deve ao povo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - No dia memorável de Julho de 1932 em que o Doutor Salazar assumiu a plenitude da condução da vida pública, quem desde longo o conhecia podia avaliar com clarividência que em suas palavras não se continha a revelação de uma personalidade nova, mas se reafirmava então o homem de sempre, aquele que na cátedra e no gabinete das Finanças fora exemplarmente austero nos seus juízos, dignamente sincero nas suas apreciações e, na sua inteligência, finamente sensível ao bem comum.
Os anos que tem passado, cheios de mil dificuldades e rumorosos de males que afligem e achacam gravemente a consciência europeia e universal, permitiram ao homem de sempre ganhar à face do mundo, pela elevação do pensamento e pela contensão espiritual, uma indisputável ascendência entre os condutores de nações dos tempos modernos, e dar-nos a garantia de que a sua palavra de ordem tem sido da mais oportuna exacção e da mais segura realidade política nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nós, infelizmente, não somos um povo de forte consciência cívica, nem de esclarecida formação religiosa, pois se o fôramos havíamos de saber com nitidez ficar indiferentes às seduções dos adivinhos de

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revindictas políticas e sobretudo não permitiríamos que se maculassem as nossas crenças, voluntária ou inconscientemente, com afagos demoníacos e promessas de anjos rebelados, em grande escândalo para os nossos dias.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas quem se espantará de que seja assim? As épocas de funda crise espiritual sempre trouxeram consigo à espuma da vida tipos de demagogia insopeada, vozes de perjúrio e feições de horror contra a verdade e a justiça.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Porém, se tais indícios não são para espantar, é nosso dever em justa causa alçar a voz quando nenhuma coisa nos emudece para os limitar e suprimir. Eu não sou nenhum moralista nem pregador de oficio, observo apenas o que vejo e advirto como sei e posso. Eu não sou juiz eleito para condenação e castigo de abusos e reincidências, conheço a lei e respeito quem a define. Eu não sou tão sofredor e pacato que não se me altere o sangue contra ameaças ao bem da minha terra e à honra do sen nome.
Mas o que eu sou, como aliás muitos milhões de portugueses, isso sim, é um cidadão livre, no pleno gozo dos seus direitos e garantias constitucionais, que ama e requer a ordem e a paz frutificadoras, pois sem elas não obedece quem deve, não trabalha quem necessita de pão, não haverá honra nem proveito, pela completa inversão da hierarquia estabelecida por Deus para as suas criaturas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O poder de reflexão de que disponho não será grande coisa, mas julgo-me animado de uma certa sensibilidade política como homem que viu e compartilhou de acontecimentos não de todo inúteis para este país.
É por isto que me custa pressentir e saber que três décadas de acção modeladora na chefia do Governo nacional não cavaram profundamente no espirito e no coração de muitos responsáveis, que vêm agora à liça recobertos de vestes como beguinos de nova idade, temerosos do que há-de vir à sua comodidade e fazenda, sem atentar que aqueles para quem escrevem ou falam suspeitosamente os repudiam como a quem não procede com lisura e sinceridade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Acredito que também custará, a quantos homens se empenham, com diligência e vigor, em assegurar a continuidade de uma lúcida política de renovação nacional, ouvir e conhecer que há alianças desaforadas de sinais totalmente contraditórios, às quais apenas solda e acciona o sentimento de uma causa que alguns comparticipantes deitam irremediavelmente a perder.
A política sempre foi uma ciência de realidades, e não há memória de que as conjunções ideológica e moralmente dispares hajam conseguido, já não digo a fortuna das nações, mas ao menos a paz e a esperança para elas.
Grande força, e merecimento maior, pode ter a escola, e eu não sei se aã sagrada oficina das almas opera, comunica, representa e forma como é seu dever imperativo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Os limites da urbe alargam-se e multiplicam-se, mas a cividade - a civitas - não sei se acompanha este desenvolvimento e progresso, modelando as almas com limpidez e acção nitente.
E onde está a cansa daquilo em que estou falando? Na nossa transigência e nossa brandura? Na inconsistência da nossa formação mental? No preconceito actualíssimo que opõe tecnicismo e humanismo, renovando, por outros termos, a querela velha de antigos e modernos?
Não há maior mal, nem mais perigoso e radical, do que aquele que alveja os direitos da razão e conduz ao suicídio do pensamento. Não há nada pior do que deixar cair a razão, não só na incerteza da vida, mas principalmente na incerteza e na indiferença da própria razão. A que compromissos de natureza irredutível não leva isto, a que farsas de política infeliz, a que soluções de limitada conveniência e de inevitável falência na ordem nacional! Os que já entrámos no inverno da vida, mal nos vai se ainda não sabemos o que o peso dos anos pesadamente nos ensina.
Sr. Presidente: o nosso Presidente do Conselho é certamente o único homem em Portugal que não se julga merecedor nem credor das homenagens que nestes dias lhe são prestadas, pois guarda consigo ama força maior e mais expressiva do que todos os aplausos: a confiança absoluta na sua inteligência e a firme serenidade do seu coração.
Seria desconhecer a nota mais viva da soa fina sensibilidade se procurássemos levar ao remanso do seu gabinete a ruidosa aclamação das benemerências e do sacrifício que lhe devemos. Uma coisa, todavia, nos é permitida: é dizer do alto desta tribuna, com a responsabilidade devida ao Pais, que quem não deve não teme, quem se esforça não se cansa, quem tem razão não transige.
O que estou dizendo deve entender-se e proclamar-se como reconhecimento da acção de um espirito egrégio na plasticização de ideias perenes em justos moldes de vida pública nacional coerente, arrojada e feliz.
Falo para portugueses que sentem a pulcra e eminente dignidade de o ser, e que não deixam perder ou trocar a sua fé e sentimento patriótico, por nenhumas seduções ideológicas ou messiânicas, tão estranhas e maleficentes como dissídios, tão peregrinas como alheias.
O dia 27 de Abril de 1928 separa duas faces bem contrastantes da história contemporânea de Portugal, imagens tão opostas que pode afirmar-se que de há três décadas para cá é outro mundo. Muitas e muitas coisas que noutro tempo a nossa gente julgava impossível alcançar, na atitude de cepticismo compreensível quando se malogram as esperanças e se amortecem as faculdades criadoras, deram à consciência pública um surto de confiança e de fé propiciatório de novos e grandes empreendimentos.
Com a segurança e visão clara das mais urgentes necessidades e anseios de efectiva valorização e de progresso nacional lançaram-se os fundamentos para que o futuro do País seja mais farto, mais alegre e mais compreensivo das realidades da sua subsistência.
Tudo isso aí está aos olhos de quem queira ver e se não sinta predestinado para reformador imediato de todo o nosso mundo político e social. Tudo isso está patente, mesmo para aqueles que, sem ciência nem consciência, se esforçam por alterar o espirito do nosso povo, cândido e facilmente crédulo, e se apresentam como quem possui e sabe aplicar, de jacto, todas as panaceias de salvação pública. Quem os pode acreditar?
Nós temos razões de ordem moral, intelectual e política para falar só a verdade, para não usar de embustes de propaganda ineficaz, e não se distingue qualquer motivação razoável que deva empurrar-nos para a sombra onde se acolhem os temerosos e os indiferentes. Quando as águas se encapelam, abalam e estrugem, o

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homem que vai ao leme não se altera, não teme, não se agasta.
A sua firmeza, serenidade e perseverança nascem da alta compreensão do seu dever, da firme consciência da missão que o transcende e depura as suas nobres qualidades.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A sua constância vigilante e a pureza do sacrifício brotam-lhe da alma como virtude e ponto de honra. No seu lugar, é intocável. Na sua hora vai confiado, está e permanece.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Um dia, na Grécia antiga, um cidadão anónimo aproximam-se do mentor da cidade e rematou a sua fala assim: «Tu nem sempre me deste tudo aquilo que eu desejava, mas leio na tua alma, e também vejo a tua clâmide, que está imaculada. Luta pelo povo, que sempre te seguirei».
Cansado, o cidadão ateniense? A felicidade, já um poeta o disse, nunca a pomos onde nós estamos.

Sr. Presidente: que a Câmara me perdoe se usei de linguagem por de mais simbólica, mas Deus me é testemunha e também me perdoará, porque em meu coração não sofro o negro pecado da feia ingratidão.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: já ontem, na Emissora Nacional, tive ensejo de prestar perante o Pais o meu depoimento e a minha homenagem ao Sr. Presidente do Conselho, ao termo de trinta e um anos de governo, em breves palavras que serão transcritas no Diário doa Sessões de hoje, já que foram proferidas na qualidade de Presidente da Assembleia Nacional.
Seria redundante, depois disso, e sobretudo depois das orações desta sessão, acrescentar alguma coisa que pudesse avultar a homenagem da Assembleia Nacional. Somente quero afirmar, o alto significado da atitude unânime dos representantes da Nação ao Sr. Presidente do Conselho, pelo que ela traduz de protesto contra a inconsciência de alguns e a ingratidão de outros, e pelo sentimento de justiça ao Homem e à sua obra que resuma das palavras aqui proferidas.
Nesta Casa, onde algumas vezes os actos do Governo têm sido objecto de análise severa e de viva discordância, não há ninguém que não reconheça que acima das nossas críticas e nossas discordâncias para sempre, rodeado do nosso mais profundo respeito, da nossa dedicação e da nossa disciplina, o Sr. Presidente do Conselho.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente:-Esta, uma das lições, e a não menos importante, que se extrai da sessão de hoje, que me apraz salientar. Nesta hora alta do Regime e do Sr. Presidente do Conselho, a Assembleia Nacional pode estar certa de corresponder aos interesses e aos sentimentos da Nação afirmando ao Sr. Presidente do Conselho a sua lealdade inalterável.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Em manifestação de homenagem ao Sr. Presidente do Conselho, levanto esta sessão.
Amanhã haverá sessão, tendo por ordem do dia a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao plano director do desenvolvimento urbanístico da região e Lisboa.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
António Calapez Gomes Garcia.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
José Gonçalves de Araújo Novo.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

Discurso proferido pelo Sr. Presidente na Emissora Nacional:

Ao cabo de trinta e um anos de governo, apesar dos sacrifícios que teve de impor ao Pais, através das vicissitudes da Europa e do mundo e das graves repercussões na nossa vida interna, por entre os conflitos e os movimentos contraditórios e desconcertantes das ideias e dos interesses, Salazar permanece.
Salazar avulta ainda como símbolo de contradição - de contradição e de esperança, de contradição entre dois mundos: o de um passado longínquo já e estéril e aviltante, o de um presente que ele pacientemente construiu fecundo e digno; o mundo em que se movem e se agitam confusamente todas as ideias de negação moral, de destruição e subversão social, e o mundo dos que sentem as responsabilidades de continuar uma pátria e uma civilização gloriosas; o mundo da violência, da desordem, do esmagamento das consciências e das liberdades; e o da ordem e da paz no trabalho e da defesa das condições de uma vida digna e livre para todos; de esperança: porque, continua a ser nele que o povo português confia a realização dos altos objectivos que a revolução se propôs.
O tempo inexorável que lhe desgastou as forças e a vida nada pode contra a integridade das suas convicções e da sua fé, da sua dedicação e do seu patriotismo. Salazar permanece, com o desespero de alguns, como garantia e esperança da Nação.
Nesta hora alta da sua vida de homem e de governante, ser-lhe-á gratíssimo e à Nação que o acompanhou pensar que não foram vãos os sacrifícios e as esperanças e verificar que nem uns foram inúteis, nem outras foram nem serão fementidas ou frustradas.
Quando reflicto num facto tão extraordinário, no espaço e no tempo, como o da permanência de um homem à frente dos destinos de um povo durante trinta e um anos, sem que nem esse homem nem esse povo se cansem mutuamente, só posso atribui-lo ao mérito do Homem, ao mérito do Povo, às circunstâncias dos tempos. As circunstâncias mudaram, mas as necessidades agravam-se e subsistem.

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Salazar permanece e permanecerá, porque só ele, graças à sua experiência, ao seu prestigio, à formação e serenidade do seu espirito, pode manter sem provocações, ceder sem fraqueza, avançar sem hesitação.
Por mim, que nunca tive para os homens o culto que só a Deus é devido, nem o conformismo do espirito disposto a achar perfeitas todas as soluções e todas as fórmulas, que tenho pelo povo que crê, trabalha e sofre um fundo sentimento de solidariedade e reverência, na relatividade das coisas humanas e mormente das da vida política e administrativa de um pais, creio firmemente que, neste longo dia de trinta e um anos, Salazar e o povo português realizaram, em todos os domínios, uma grande e nobilíssima tarefa e lançaram as bases de um futuro grandioso para a comunidade portuguesa.
Se o desvairamento e a paixão política poderá neste momento dizer: Salazar, não! - Portugal responderá: Salazar? Sim!
Salazar, sim: para que a integridade da Pátria se mantenha em todas as partes do mundo; Salazar, sim, pura que a sua dignidade e o seu prestigio continuem a altear-se dentro e fora das suas fronteiras. Salazar, sim, finalmente, para que a sociedade portuguesa caminhe firmemente no sentido do progresso económico, social e político, no da liberdade, da justiça e do bem comum!

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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