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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 101

ANO DE 1959 30 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 101, EM 29 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente anunciou que receberá o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto da lei de integração de algumas freguesias no concelho de Mesão Frio.
A Sra. Deputada D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis referiu-se à manifestação das mulheres portuguesas ao Sr. Presidente do Conselho.
O Sr. Deputado Carlos Coelho examinou o Decreto-Lei n.º 48 216, que corrigiu o actual regime das perícias médico-legais.
O Sr. Deputado Augusto Simões falou sobre o 70.º aniversário da Tuna Académica de Coimbra.
O Sr. Deputado Jorge Jardim apontou a situação de alguns funcionários do Caminho de Ferro, da Beira (Moçambique).
O Sr. Deputado Morais Sarmento ocupou-se da situação dos proprietários de terrenos abrangidos pela barragem do Cávado.
O Sr. Deputado Teixeira da Mota falou sobre a presença da marinha, de guerra no ultramar.

Ordem do dia. - Começou o debate sobre a proposta de lei relativa ao plano director de urbanização da região de Lisboa. Falou o Sr. Deputado Pereira, da Cruz.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Finto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Grua.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Gaiteiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.

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Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Finto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Tasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Finto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Jorge Ferreira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Ferreira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 84 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o parecer da Gamara Corporativa sobre o projecto de lei acerca da integração das actuais freguesias de Teixeira, Teixeiró, Loivos da Ribeira, Tresouras e Frende, do concelho de Baião, distrito do Porto e província do Douro Litoral, no concelho de Mesão Frio, distrito de Vila Real e província de Trás-os-Montes e Alto Douro.
O parecer vai baixar a Comissão de Política e Administração Geral e Local desta Assembleia.
Tem a palavra antes da ordem do dia a Sr.ª Deputada D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.

A Sra. D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis: - Sr. Presidente: ontem, a estas horas, não era possível prever o que ia passar-se dentro de momentos na residência do Sr. Presidente do Conselho. Meia dúzia de linhas nos jornais deixavam apenas adivinhar que nas mulheres portuguesas, habituadas a gravar no coração as datas de família -ainda quando todos as esquecem-, a gratidão devida a Salazar era mais forte do que o silêncio que nos era imposto neste dia.
Não posso traduzir em palavras o que foi a homenagem prestada a Salazar adentro dos lindíssimos jardins cujos portões nos foram franqueados.
Sinto que não poderia condignamente narrar o facto sem correr o risco de deturpar o significado daquela excepcional manifestação.
Sinto que nunca saberia dizer da comoção que pairava no ambiente, da alegria que transparecia nos rostos, por nos ter sido dada a possibilidade de ver e saudar de perto Salazar, da amizade que se lia em todos os olhos.
Estávamos ali, as mulheres de Portugal, mulheres habituadas a todas as lides, cuja inteligência se debruça sobre os mais variados problemas e cujo coração anda a braços com as mais diversas preocupações.
Estávamos ali a dizer «Bem haja» a Salazar, e eis tudo!
Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para que no Diário das Sessões fique apontado, com o devido relevo, este encontro, que bem pode dizer-se histórico, e cujo alto significado político residiu precisamente na espontaneidade que o animou, na sinceridade dos sentimentos que ali nos congregaram e na simplicidade verdadeiramente extraordinária com que decorreu.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Carlos Coelho: - Sr. Presidente: não fora o triste acontecimento que para sempre roubou do convívio e da colaboração que tão ilustradamente vinha prestando a esta Câmara o nosso malogrado colega Dr. Manuel Fernandes e por certo não seria eu a fazer o breve apontamento que me é sugerido com a recente promulgação, pelo Ministério da Justiça, do Decreto-Lei n.º 42 216, de 15 do corrente, que visa a corrigir o actual regime das perícias médico-legais nas comarcas e julgados municipais do continente e ilhas, desde há muito objecto de justificadas criticas.
Com efeito, o saudoso colega Dr. Manuel Fernandes, apoiado numa sólida cultura médica e na experiência de largos anos de actividade profissional, proferiu numa das sessões da presente legislatura uma brilhante intervenção, exaustivamente documentada, pondo em relevo os aspectos mais chocantes do actual regime das diligencias médico-forenses e sugerindo os correspondentes remédios.
Nem surpreende que assim fosse, pois, à parte as comarcas de Lisboa, Porto e Coimbra, que com os seus acreditados e prestantes institutos de medicina legal, cabalmente apetrechados em pessoal e recursos técnicos, dão a Justiça eficiente auxilio, o que se conseguiu através de repetidas providências governativas e disposições legais especificas, nas restantes comarcas e julga-

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dos municipais vivíamos no regime criado pela Carta de Lei de 17 de Agosto de 1899, o primeiro diploma que em Portugal cuidou a sério das perícias médico-legais.
Mas cedo se verificou que as normas que nela se continham não davam satisfação prática às necessidades; tanto assim que em Novembro de 1918 surgiu o Decreto n.º 5023, de generosas intenções legislativas, que pretendia abarcar e resolver as deficiências dos exames médico-legais para a totalidade do território metropolitano.
Mas a então proverbial pobreza de recursos do erário público não permitiu executá-lo, acabando o Decreto n.º 5654, de Maio de 1919, por revogar todas as disposições respeitantes às comarcas de província, deixando apenas em vigor as que se referiam às comarcas de Lisboa, Porto e Coimbra.
E assim temos vivido!
Não sei se a intervenção do Dr. Manuel Fernandes terá influenciado de alguma maneira o diploma a que me estou reportando; mas, de qualquer modo, estou certo, se vivo, reivindicaria para si a primazia de, em nome dos médicos que tomam assento nesta Casa e dos que esforçada e tão dignamente labutam por essa província fora, sobre o mesmo assunto voltar de novo a erguer a sua voz, se bem que em tom e estilo diferentes da primeira vez.
Permito-me ser eu a fazê-lo, naquela dupla e honrosa qualidade, saudando e agradecendo a V. Ex.ª o Ministro da Justiça e ao alto funcionalismo da Direcção-Geral da Justiça o progresso e aperfeiçoamento que as medidas contidas no Decreto-Lei n.º 42 216 trazem ao até aqui desalentador panorama das perícias médico-legais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Mas a minha consciência não ficaria tranquila se ao agradecimento e louvor, nada forçados por justos e sinceros, não acrescentasse um reparo que julgo pertinente.
Dos três pontos críticos fundamentais que se erguiam contra o regime vigente, afigura-se-nos que dois serão satisfatoriamente eliminados.
Cremos que o aditamento ao quadro do pessoal de cada um dos Institutos de Medicina Legal de Lisboa, Porto e Coimbra de dois assistentes especialmente destinados aos exames externos de tanatologia, e que intervirão conjuntamente com um perito das comarcas e julgados nos exames necrópsicos, quando haja suspeita de que a morte resultou da prática de crime doloso, e atendendo à actual e desenvolvida rede de comunicações, autonomia e rapidez do transporte automóvel, há-de permitir eliminar as deficiências que se observavam nas conclusões de alguns daqueles exames, por carência de preparação especializada dos peritos que neles intervinham.
Por outro lado, e atendendo também a que o sistema de recrutamento que agora se prevê, criando um corpo de peritos, voluntário, restrito e fixo anualmente para cada comarca e julgado, obriga a repetidas colaborações com os peritos especializados dos institutos, há-de necessariamente desenvolver naqueles os seus conhecimentos de medicina forense.
Portanto, maiores garantias científicas nas conclusões dos exames autópsicos e progressiva valorização do corpo médico com funções médico-legistas.
Ou seja: maiores facilidades para a administração da justiça e acréscimo de prestígio para uma classe.
Impõe-se, simultaneamente - e parece que os serviços interessados têm para tanto os recursos necessários -, se facultem aos peritos os meios bastantes para uma eficiente actuação, em instalações, utensilagem de dissecção necróptica e meios do resguardo e protecção pessoal.
Este o segundo ponto.
Resta-nos o terceiro: o da remuneração dos peritos.
O próprio relatório do decreto-lei aponta a injustíssima situação em que se vivia. Só cerca de 10 por cento dos exames efectuado serem efectivamente pagos. Sabem-se as causas de semelhante estado. Os emolumentos devidos aos peritos seriam pagos pelo réu em caso de condenação ou pelo assistente, havendo-o, na hipótese de absolvição.
Conhece-se também como na impressionante maioria dos casos as circunstâncias concorriam para que aqueles preceitos não tivessem execução prática.
O diploma procura obviar ao inconveniente, dispondo que o Cofre Geral dos Tribunais satisfará a cada perito a importância necessária para perfazer - repito, perfazer- o mínimo de 50 por cento dos emolumentos correspondentes aos exames por eles realizados em cada trimestre.
Representa algum progresso, embora não se compreenda e aceite porque não pode ser satisfeita a totalidade dos actos médicos. Mas, mesmo assim, os benefícios são mais aparentes que reais.
Porque, como, simultaneamente, os emolumentos dos vários exames foram reduzidos, e, por exemplo, os exames directos, de longe os mais frequentes, baixam de metade, resulta na prática que os médicos verão apenas aumentado dos exíguos 10 por cento para os não muito mais avantajados 25 por cento o número global da sua prestação de serviços, em relação às suas presentes remunerações.
E nem se julgue que é o Cofre Geral da Justiça a suportar o encargo da pequena diferença que se aponta.
Com efeito, com a alteração que agora se decreta do artigo 168.º do Código das Custas Judiciais, a impor que «o imposto de justiça devido por condenação não poderá ser pago sem que se paguem conjuntamente as custas por que seja responsável o mesmo devedor», é de prever a arrecadação de um montante de receitas que até aqui se furtavam à cobrança.
Parece demonstrar-se, deste modo, que se poderia ir bastante mais além, observando para os médicos que trabalham com a Justiça - para agora só referir este aspecto da sua sacrificada e nobre actividade - aquela mesma humana e imperiosa obrigação da sociedade e do Estado que manda remunerar cada um justamente de harmonia com o volume e natureza do trabalho que efectivamente produz.
Ficamos confiados em que o pormenor criticável por nós apontado no Decreto-Lei n.º 42 216 merecerá do superior e esclarecido critério de S. Ex.ª o Ministro da Justiça a adequada reparação no momento que julgar mais oportuno.
Ao emitir este voto renovamos a nossa convicção da acentuada melhoria trazida à prática dos exames médico-forenses. Em determinadas circunstâncias delituosas vai aumentar a possibilidade de esclarecimento da verdade, o que, concomitantemente, se traduzirá numa mais consciente e segura administração da justiça. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente e Srs. Deputados : comemorou, no sábado passado, com as melhores galas, o seu 70.º ano de vida a Tuna Académica de Coimbra, a que, certamente, alguns de VV. Ex.ªs terão prestado aquele concurso de abnegado desinteresse de que ela sempre foi ambiciosa para tantos e tão memoráveis triunfos, alcançados quer no campo artístico, quer ainda

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nos domínios do altruísmo e da benemerência, onde a acção desse notável organismo não tem sido de menor relevância.
O fasto, que não é um banal caso de inexpressiva longevidade - estamos perante uma jovem nascida nos alvores do ano de 1888 -, não deve olhar-se com um esgar de natural indiferença.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É que a vida dos nossos organismos académicos em geral, e muito especialmente a dos da Academia de Coimbra, tem um significado de singular importar cia em muitos aspectos da própria vida nacional.
Na verdade, para vencerem as irreverências das juventudes que os formam e aglutinarem almas e corações provindos das mais dispares latitudes da terra lusíada, fazendo obra duradoura e sólida no tempo, é necessário que os organismos estudantis possam dispor largamente de una mística especial que, transcendendo o vulgar espírito de simples associação, saiba ditar e fortalecer uma verdadeira fraternidade de sentimentos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora é essa fraternidade, tão solidamente enraizada na Academia de Coimbra - aquela que melhor a soube criar e tem mantido sempre forte através dos tempos-, que dá foros de legítima importância à comemoração de sete décadas de vida, servindo a música, a arte e a benemerência, da Tuna Académica de Coimbra, agora feita naquela cidade e pela forma elevada que ao País foi dado conhecer, através de uma magnífica mensagem de arte e de espírito que a televisão levou aos lares portugueses na última sexta-feira.
Setenta anos, se não são a vida de um simples mortal, muito menos representam senilidade num organismo académico de Coimbra, em que a vitalidade sempre se revigora num ritmo de estuante renovação.
Geração que parte deixa à que chega, enobrecido pelo seu esforço, o testemunho representativo de um grande cor junto de valores de que foi mantenedora e que não podem ser menosprezados quando chegar a hora de nova entrega.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Assim se tem consolidado no tempo a nobreza e a dignidade da Academia de Coimbra e das suas instituições, tornando-se, ria e elas, efectivamente, as primeiras entre todas.
A Tuna Académica dá valioso exemplo desta gama de sentimentos, desta nobilíssima fraternidade dos estudantes de Coimbra, que perdura e não envelhece, antes mais se arreiga nos corações de quantos ali envergaram a capa e batina, porque Coimbra, no conjunto dos seus muitos atractivos específicos, é um filtro maravilhoso, que prende indefinidamente todos quantos um dia lhe experimentaram o forte poder do seu romântico encantamento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ficará bem, por isso, deixar aqui uma singela palavra de saudação e homenagem à Tuna Académica de Coimbra.
De saudação e homenagem, ela abarcará não só os valores do presente, de quem se fia a grandeza do futuro, mas ainda os que foram e aos quais se deve também grandeza do passado.
Ao mesmo tempo, essa palavra sentida será também um preito de saudade pelo tempo que passou - o nosso tempo de Coimbra.
Por isso, meus senhores, não deixemos passar esta grata oportunidade e alegremo-nos pela grandeza sempre crescente, no clima de juventude perene, da Tuna Académica de Coimbra, formulando em tal sentido os nossos votos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pereira Jardim: - Sr. Presidente: é do conhecimento de V. Ex.ª e da Câmara a contribuição que o Caminho de Ferro da Beira tem dado para o prestígio e desenvolvimento da província de Moçambique.
E refiro-me, Sr. Presidente, não só à contribuição valiosa no campo da economia da província, como também, e principalmente, àquela contribuição que se pode medir pelo prestígio que o trabalho do Caminho de Ferro da Beira, sob a plena administração portuguesa, tem trazido à nossa capacidade realizadora em África.
Basta, Sr. Presidente, recordar que, quando da Beira Bailways transitou para as nossas mãos, o caminho de ferro que liga o porto da Beira à fronteira rodesiana não manuseava mais do que 1 500 000 t e que de então para cá, graças aos investimentos feitos e à nossa capacidade realizadora, a capacidade de tráfego foi crescendo, de modo a corresponder ao movimento de mercadorias, e se pode estimar hoje acima do nível das 3 000 000 t.
Pode afirmar-se, Sr. Presidente, que a nacionalização do Caminho de Ferro da Beira representou um acto da maior transcendência política e um acto ainda da maior inteligência administrativa por parte do Governo Português.
E é-me grato prestar homenagem ao nosso ilustre colega Doutor Águedo de Oliveira, a cuja acção como Ministro das Finanças muito pertenceu na concretização e orientação do desenvolvimento do Caminho de Ferro da Beira.

O Sr. Águedo de Oliveira: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz o favor.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Desejava apenas, agradecendo as palavras de V. Ex.ª, prestar um esclarecimento.
Realmente, grande parte da administração efectiva e de renovação material do Caminho de Ferro da Beira foi realizada na minha gerência, mas a aquisição foi efectuada durante a do Doutor Costa Leite.

O Orador: - Muito agradeço o nobre esclarecimento de V. Ex.ª não esqueceria eu de referir, de modo algum, o nome prestigioso do meu querido amigo Doutor Costa Leite (Lumbrales), a quem desejaria também neste momento afirmar o preito de admiração que é de justiça tributar-lhe pela acção decidida, inteligente e até corajosa que caracterizou as condições em que foi resgatado o Caminho de Ferro da Beira e se integra na notável obra realizada pelo Doutor Costa Leite (Lumbrales) durante a sua permanência no Ministério das Finanças.
E isso tal como não esqueço a continuidade do esforço renovador mantido pelo actual Ministro, Doutor Pinto Barbosa, a quem se ficou a dever ainda a possibilidade de. ampliar, como nesta Câmara solicitei e recomendei, a capacidade de acostagem do porto da Beira pela execução dos cais n.º 6 e 7, actualmente em fase de construção.
E se é certo, Sr. Presidente, que esse desenvolvimento se fica a dever à orientação criteriosa da adminis-

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tração portuguesa, não é menos certo que esse milagre de trabalho do Caminho de Ferro da Beira, ultrapassando tudo quanto as previsões mais optimistas permitiam antever, ainda se fica igualmente a dever, em parte apreciável e decisiva, à capacidade revelada pelo grupo de homens que o dirige e por todos aqueles que, com dedicação, competência e até sacrifício, nele tom trabalhado.
E ao referir este facto a V. Exa., Sr. Presidente, queria pedir a atenção do Governo, através da Câmara, para a posição de alguns servidores do Caminho de Ferro da Beira. Refiro-me àqueles que transitaram de companhias concessionárias, e designadamente da Beira Works e da Beira Railways.
Publicou-se, era 31 de Dezembro de 1948, o Decreto n.º 37 270, que determina que ao pessoal que transitar para o serviço do Estado será contado, para efeitos de aposentação, todo o tempo de serviço que houver prestado no porto ou nos caminhos de ferro da Beira, desde que liquidem a correspondente compensação de aposentação.
Regulamentando esta disposição legal pelo que se refere à sua aplicação em Moçambique, foi posteriormente, em Janeiro de 1950, publicada a Portaria n.º 8227, destinada a regular a forma de proceder à contagem do tempo de serviço dos empregados daquelas companhias concessionárias que, por força do disposto naquele decreto anteriormente citado, transitaram para os quadros dos serviços dos portos, caminhos do ferro e transportes da província de Moçambique.
Sr. Presidente: em função desta disposição legal, muitos finam os requerimentos dirigidos ao Governo-Geral da província de Moçambique tendentes a regularizar a posição quanto à reforma de funcionários que houvessem transitado das companhias concessionárias para o serviço da província. Todos tiveram provimento, no que se refere àqueles que passaram a servir nos quadros dos caminhos de ferro de Moçambique; mas permanecem ainda outros por esclarecer quanto à posição de funcionários que, da mesma origem, transitaram para o Caminho de Ferro da Beira.
E, assim, encontramos funcionários em identidade de situações numa posição diversa: reconhecido plenamente o direito à reforma, nos termos estabelecidos pela lei, para os que transitaram para o serviço da província de Moçambique e por reconhecer esse direito aos que transitaram para o serviço do Estado Português - Ministério das Finanças - no Caminho de Ferro da Beira.
Sr. Presidente: parece tratar-se de uma situação, já não digo de injustiça, que não é certamente esse espirito, mas de uma situação de esquecimento, que carece de ser corrigida com urgência.
E quando, ainda recentemente, um caso concreto com tais características foi apresentado e mereceu o despacho favorável do Sr. Ministro do Ultramar, ouvido o Ministério das Finanças, pensou-se em Moçambique que o problema estaria resolvido, mas a Ordem de Serviço que publicou essa determinação foi prontamente anulada, para se esclarecer que continuava por definir o regime jurídico da reforma para os que passaram para o Caminho de Ferro da Beira e já esse direito atingiram ou para aqueles que esse direito venham a alcançar.
Peço daqui a atenção esclarecida dos Srs. Ministros do Ultramar e das Finanças, certo de que os exposições que foram oportunamente apresentadas, certo de que o estudo que recentemente foi enviado pelo Governo da província sobre estes casos anómalos, serão entendidos e será tomada a mais pertinente e justa decisão. E isso será uma forma, Sr. Presidente, de se fazer justiça a esses dedicados servidores do Caminho de Ferro da Beira, que é para todos nós, Portugueses, motivo de legítimo orgulho pela obra que tem desenvolvido nas terras portuguesas do Índico.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Morais Sarmento: - Sr. Presidente: está a. proceder-se à construção de mais uma barragem na bacia do Cávado, ou seja o aproveitamento hidroeléctrico das cabeceiras dos rios Cávado e Rabagão, a qual completa a cadeia das barragens já construídas de Venda Nova, Paradela, Salamonde e Caniçada.
A construção desta barragem, obra sem dúvida grandiosa, onde se vão gastar cerca de 1 200 000 contos e que muito vai contribuir para o fornecimento e garantia da energia ao País, se vem ajudar a resolver, em grande parte, o problema da electrificação nacional, com os seus 1400 milhões de kilowatts-hora armazenados, apresenta alguns aspectos económico-agrícolas e sociais que julgamos conveniente apresentar à consideração desta Assembleia.
Não vamos aqui negar os utilidades e vantagens das barragens em questão, as quais vão produzir grande soma de energia, tão necessária ao progresso e desenvolvimento do Norte do Puís, e por isso só temos de louvar tão grande iniciativa.
Apenas lamentamos que, sendo Trás-os-Montes a província que mais energia produz, estejam os suas aldeias, quase na totalidade, por electrificar e aquelas que já têm luz a paguem por preço tão elevado.
Quanto a este assunto, nada mais temos a dizer do que dar o inteiro apoio ao colega Camilo de Mendonça, que tão bem tem abordado o problema e espero o continuará a debater, até serem atendidas as justas aspirações de toda a província.
O aspecto que hoje nos propomos abordar é aquele que se refere à situação criada aos proprietários atingidos com as expropriações dos terrenos abrangidos pelas barragens em referencia.
Ficam estas albufeiras situadas no concelho de Montalegre, numa região de altitude, com clima rigoroso e sem outros recursos do que os das culturas próprias da terra fria, denominadamente as pastagens, prados permanentes, batata-semente e centeio.
As freguesias que o regolfo das águas das albufeiras do Alto Cávado e Alto Rabagão abrangem são, com as respectivas populações, segundo o censo de 1950, respectivamente:
Habitantes
Cambeses do Rio ........... 554
Covelães .................. 623
Sezelhe ................... 467
S. Vicente da Chã .........2070
Morgado. .................. 640
Negrões. .................. 684
Viade de Baixo ............1469

As três primeiras freguesias são afectadas pela barragem do Alto Cávado e as restantes pela barragem do Alto Rabagão.
É de notar que nestas freguesias houve um aumento de população, entre 1940 e 1950, de 1029 habitantes, o que deu um acréscimo de 19 por cento e ainda uma evidente melhoria do nível de vida nos anos do pós-guerra, o que para as fracas possibilidades da região é sempre de salientar.
As áreas a submergir pelas duas barragens são:

Alto Cávado............. 247
Alto Rabagão............ 2756

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Destas, segundo o reconhecimento feito pelo plano de fomento agrário em 1951, pode-se considerar que o seu aproveitamento agrícola é resumidamente o seguinte:

No Rabagão:
Hectares
Culturas regadas e prados......... 640
Culturas arvenses de sequeiro..... 1 223
Cultura florestal ................ 182
Área social ...................... 7

No Cávado:

Culturas regadas ................ 91
Culturas arvenses de sequeiro.... 57
Culturas florestais ............. 81
Incultos e mato ................. 18

Sendo, como afirmamos, uma região que vive essencialmente da agricultura, verifica-se que os 2000 ha, retirados às culturas regadas, prados e culturas arvenses vão pesar fortemente na vida de uns centos de famílias atingidas pelas barragens, as quais são, na sua maioria, pequenos ou pequeníssimos proprietários, que durante o ano, apenas com as pessoas da casa, cultivam as suas terras, donde tiram o sustento para a família.
É ainda de salientar que as explorações agrícolas de cada uma das freguesias mencionadas suo retirados os melhores terrenos para as culturas - prados permanentes e terras baixas, junto às linhas de água -, os quais mantinham o económico equilíbrio agro-pecuário, tão característico na região denominada «Terra Fria».
Queremos com isto dizer que os terrenos submersos pelas albufeiras, além de serem os de maior rendimento das explorações agrícolas locais, ainda têm uma forte influência para equilibrar o fraco rendimento dos terrenos de sequeiro, situados fora das áreas a dominar pelas águas dos regolfos, que, por sua vez, já estão muito diminuídos pela retirada de baldios, alguns dos quais ainda agricultáveis, para a floresta e colonos da Junta de Colonização Interna.
Com a perda daqueles terrenos, a criação do gado bovino barrosão sofre rude golpe, pois é bem sabida a importância que o gado tem tido na economia da região.
Temos conhecimento de que a Hidroeléctrica do Cávado, no seu estudo agronómico, que acompanha o projecto do aproveitamento das cabeceiras dos rios mencionados, estabeleceu uma escala de valores médios de expropriação dos terrenos, que se podem considerar de certo modo baixos, visto que os terrenos a expropriar são, como já dissemos, na sua maioria, cultivados e dos melhores de todo o concelho, mas estes valores ainda podem ser rectificados e vir a satisfazer os desejos dos proprietários atingidos.
Para isso deve levar-se em consideração que estas terras estão ali muito valorizadas, não só pela criação dos gados, como ainda pela cultura da batata-semente, que, sendo de baixa produção, tem tido um preço compensador.
Considerando que os valores a pagar pelas expropriações sejam normais, se resolve a situação daqueles proprietários que, pelo seu nível social e meios, podem lançar-se em novas empresas e instalar-se noutras regiões, já o mesmo não acontece com a maioria dos pequenos proprietários, que, por falta de cultura, desconhecimento de outro ambiente e sem aptidões para mais do que cultivar as terras que os viram nascer, terão de ficar inactivos a gastar os poucos escudos que receberam.

O Sr. Virgílio Cruz: -V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador:-Com muito gosto.

O Sr. Virgílio Cruz: - Tenho seguido com todo o interesse a intervenção de V. Exa. a que me parece útil juntar um breve apontamento.
A administração da Hidroeléctrica do Cávado, preocupada com a boa solução dos problemas do social, mandou proceder, na zona a que V. Ex.ª se refere, a um cuidadoso estudo com o objectivo de restituir à economia regional, pelo menos, as condições existentes à data da realização do aproveitamento.
Com base nesse estudo, propôs às instâncias superiores a irrigação à sua custa de uma área de baldios para onde deslocaria os desalojados, dando-lhes, em justa compensação, terras e habitação.
Como até agora essa diligência não teve seguimento nas instancias superiores, a Hidroeléctrica do Cávado, que tem prazos a cumprir no seu programa de trabalhos, tem feito as expropriações indispensáveis aos trabalhos preliminares do aproveitamento do Alto Rabagão dentro das bases legais que existem, isto é, tem pago os terrenos.
Para os expropriados, principalmente os pequenos lavradores, era muito mais útil receberem o valor da expropriação, não em dinheiro, que depressa gastarão, mas em terras irrigadas, como propôs a empresa às instancias superiores.
Interessa pois para isso que o Governo promova a cooperação entre a Hidroeléctrica do Cávado, a Junta de Colonização Interna e o Ministério das Obras Publicas para que se atinja esse objectivo.
A Hidroeléctrica do Cávado esteve e está animada da melhor vontade para que se chegue a uma solução que, respeitando os legítimos interesses dos proprietários, lhes assegure o futuro, e no orçamento da obra contou já com cerca de 100000 contos para essa finalidade.
A finalidade deste meu apontamento é nesta Assembleia pedir ao Governo que aproveite essa proposta, para, pelo menos, manter, e até, se for possível, melhorar, as condições de vida da população da região abrangida pelo aproveitamento hidroeléctrico do Alto Rabagão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: -Estou plenamente de acordo com V. Exa., e isso será até uma das soluções que eu solicito ao Governo.

O Sr. Virgílio Cruz: - Estas minhas palavras foram apenas para reforçar as considerações de V. Exa.

O Orador:- Para estes, julgamos que seria do maior dever dar-lhes uma continuidade de trabalho, não os deixando entregues à sorte do que lhes possa acontecer, apenas cora umas dezenas de contos no bolso e sem uma actividade produtiva que lhes dó garantia no futuro, a eles e suas famílias.
A estes pequenos e pobres proprietários, que são a maioria dos atingidos, somos de parecer que a empresa concessionária, em colaboração com certos departamentos do Estado, como sejam o Ministério das Corporações e Previdência Social, Junta de Colonização Interna, Comissariado do Desemprego, etc., antes de lhes pagar pelo justo valor total dos terrenos a expropriar, procurasse, de acordo com os interessados, dar-lhes possibilidades de trabalho, orientando-os para se instalarem em colónias agrícolas no continente ou ultramar, ou noutras actividades onde possam continuar a trabalhar com aproveitamento, eles e o seu agregado familiar.
Creio que o Governo, vendo a situação destas centenas de famílias, procurará dar-lhes os meios necessários para

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poderem manter e ainda melhorar o seu nível de vida e, assim, poderem viver sendo úteis à Nação. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Teixeira da Mota: - Sr. Presidente: pedi a palavra para dar o meu maior aplauso às considerações expendidas há dias pelo Sr. Deputado Sousa Aroso a propósito da visita, em curso, de unidades das forças aéreas portuguesas à província de Angola.
As judiciosas considerações que formulou não posso deixar de manifestar a minha inteira adesão, como Deputado por uma província portuguesa da África e como militar.
A caminho de Angola, estiveram essas unidades e suas tripulações na Guiné, onde foram alvo do melhor carinho por parte da população. A natural satisfação de ver entre si elementos da nossa aviação militar, em missão de soberania cuja importância se torna desnecessário salientar, junta-se a perspectiva de que esta viagem e as que se seguirão, com o objectivo de montar os serviços da zona aérea de Cabo Verde e Guiné e da 2.a e 3.a regiões aéreas, provocarão um mais rápido progresso na melhoria das infra-estruturas aéreas da província e contribuirão possivelmente para suprir em parte a falta de uma ligação aérea civil, directa, entre ela e a metrópole.
A montagem de tais serviços constitui um acontecimento de importância destacada dentro da organização da nossa defesa nacional, a somar-se ao notável incremento que nos últimos anos tem sofrido a organização e instalação das forças do Exército na África Portuguesa.
Tais factos, porém, mais vêm realçar o atraso do que, neste capítulo, se refere à marinha de guerra, dado que esta não tem disposto de meios e verbas que lhe permitam manter no nosso ultramar africano uma presença de acordo com as nossas tradições e necessidades actuais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Muito haveria a dizer a este respeito, mas o momento e a modéstia da minha voz pouco categorizada ...

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - ... impedem-me de agora tratar do assunto com o desenvolvimento devido; em curtas palavras embora, não quero deixar de para ele chamar a atenção e expressar o propósito de a ele voltar mais vezes no futuro.
Seria ocioso falar do passado para mostrar aquilo que todos sabem - que para termos um ultramar tivemos de começar por ter uma marinha: uma marinha que descobrisse novas terras através de novos mares, primeiramente, e nelas mantivesse forte poder naval, depois. As vicissitudes do nosso ultramar sempre acompanharam de perto as da nossa marinha.
Basta lembrar que no Oriente apenas ficámos com relíquias porque aí se afundou o nosso poder naval, enquanto nos mantivemos no Brasil, de lá expulsando o invasor e dai partindo para a reconquista de Angola, porque dispusemos por longo tempo de forças navais consideráveis no Atlântico Sul.
Reportando-me mais directamente à província que represento nesta Câmara, apenas aponto alguns factos mais sugestivos relativos a período mais recente. A quase total ausência de navios de guerra na Guiné na era, para nós calamitosa, da transição da marinha de vela para a de vapor acarretou consequências verdadeiramente catastróficas.
Na segunda metade do século XVIII, quando ainda dispúnhamos de considerável poder naval, pudemos repelir, utilizando os nossos navios, as pretensões dos Franceses a estabelecerem-se no rio Casamansa. No século seguinte tudo mudou: vendo-nos sem navios e dilacerados por lutas civis, os Franceses aproveitaram habilmente as suas unidades da estação naval da África Ocidental para se instalarem nesse rio, donde acabámos por sair, deixando que entre o nosso território e a Gâmbia se estabelecesse uma cunha de área quase igual ao que é hoje a Guiné Portuguesa e com uma população equivalente à desta. Da mesma forma, foi com base no seu poder naval que os Ingleses se tentaram estabelecer na ilha de Bolama e no Rio Grande de Buba, e só não lograram os seus intentos porque acederam em recorrer à arbitragem e Ulysses Grant decidiu o pleito a nosso favor.
Foi com o prestigio que lhes trouxe junto das populações indígenas a presença dos seus navios e dos seus marinheiros que Ingleses e Franceses obtiveram dos chefes africanos numerosos tratados e concessões em áreas, além das que indiquei, onde a nossa influência era grande.
O aparecimento de um navio de guerra português na Guiné era então facto insólito. A tal ponto chegou a situação que, por várias vezes, os governadores da Guiné, impossibilitados de obterem auxilio da metrópole ou de Cabo Verde, se dirigiram ao governadores do Senegal e da Serra Leoa, ou mesmo directamente aos comandantes de navios de guerra franceses e ingleses, pedindo-lhes auxílio naval para se defenderem dos ataques indígenas à praça de Bissau, auxílio esse que várias vezes foi prestado!
Em 1856, o grande governador Honório Pereira Barreto, alarmado com as repetidas visitas de navios de guerra franceses e ingleses aos Bijagós, e prevendo que aí se iria repetir o que se dera no Casamansa, decidiu deslocar-se ao arquipélago para, com o seu imenso prestígio, obter dos régulos tratados reconhecendo a nossa soberania. Conseguiu o seu intento, mas para isso teve de viajar num «lanchão infestado de ratos e baratas», e termina amargamente o relatório que então fez dizendo: «queremos dominar sem forças e sem recursos e sem marinha; o resultado é o que se está vendo: nada temos e tudo perdemos, quando nós, pela simpatia que merecemos aos gentios, somos os que deveríamos obter maiores vantagens».
A situação, felizmente, veio a mudar, e surgiram as estações de navios da Armada na África, muito contribuindo para a pacificação e para impor o respeito pela nossa soberania. Na maior parte deste século, porém, deixou-se abandonar tal regime, e, além dos navios que por vezes lá vão efectuar viagens, a presença da Armada, sob forma mais permanente, quase se tem limitado aos navios hidrográficos.
Foi sobretudo através destes e do preenchimento dos quadros dos departamentos marítimos e capitanias dos portos que a Armada pôde manter algum pessoal familiarizado com o ambiente e com as questões da África. Se tal presença constituiu, de certo modo, uma função de soberania, a sua acção traduziu-se, essencialmente, no campo dos levantamentos hidrográficos e geográficos e no fomento marítimo, e não propriamente no domínio das actividades militares navais.
Enquanto as verbas do Fundo de Defesa Xacionalpara o ultramar vêm sendo aplicadas, em boa parte, no que respeita à nossa África, na instalação das forças do Exército, que dispõem ainda de avultadas inscrições nos orçamentos privativos de tais províncias, é pelo orçamento da metrópole que quase totalmente são pagas as despesas com a aquisição e manutenção dos navios hidro-

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gráficos e com os vencimentos do pessoal que os guarnece. As províncias ultramarinas de África pode dizer-se que, pelo menos até há muito pouco tempo, não despendem verbas em forças navais, já que se limitam a sustentar os serviços de marinha, essencialmente de fomento marítimo, que felizmente têm podido continuar a ser dirigidos por pessoal da Armada.
Quando, há precisamente dois anos, foram criados os Comandos Navais de Angola e de Moçambique, uma vaga de esperança percorreu a Armada. É que constitui sentimento profundo da corporação que a sua existência e razão de ser estão indissoluvelmente ligadas ao ultramar. Há poucos meses foi, finalmente, estruturada a orgânica dos comandos navais e de defesa marítima de todo o ultramar, mais se acentuando a ideia de que a marinha de guerra ia de novo marcar a sua presença efectiva e permanente nas águas de África.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tais factos levam-me a aguardar confiadamente a acção do Governo, em especial do Sr. Ministro da Defesa Nacional, que, há poucos dias, na Escola de Mecânicos da Armada, afirmou ir-se encetar em breve uma política de valorização, naval. Agora, que já temos comandos navais na nossa África, deverão surgir as unidades navais apropriadas e em número suficiente, pois sem elas tais comandos dificilmente têm razão de ser.
Ao que tais unidades e instalações em terra que as apoiem representam no aspecto da nossa defesa naval em África ocorre acrescentar uma circunstância que reputo não menos importante. Durante séculos, os membros da corporação a que me honro de pertencer adquiriram um jeito muito particular em lidar com os problemas ultramarinos e em estabelecer relações confiantes com as populações africanas.
Embora o seu número fosse normalmente pequeno no ultramar, prestaram serviços inestimáveis na administração, no fomento, na ocupação cientifica e em tantos outros domínios. Multiplicar a sua presença será, portanto, uma forma também de acelerar o progresso da nossa África, o que todos tanto desejamos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O mar é uma grande escola de virtudes humanas, e, no momento em que a Nação sente a necessidade de revigorar as suas tradições ultramarinas mais autênticas, os marinheiros portugueses, com o seu arreigado espírito de humanismo universalista e fraternidade racial, poderão desempenhar um largo papel na evolução harmónica de um ultramar a que se sentem ligados por raízes que mergulham fundo na história.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao plano director do desenvolvimento urbanístico da região de Lisboa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Cruz.

O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: a concentração de empresas na capital do País e nos concelhos suburbanos sujeitos à sua influência, com as suas sedes, capital social e grandes efectivos de pessoas activas e aderentes, tem provocado um rápido crescimento populacional da cidade de Lisboa o da sua região, traduzido na quase duplicação dos habitantes citadinos nos trinta anos que decorrem de 1920 a 1950, enquanto no mesmo período e em contraste o aumento da população do continente não atingiu 40 por cento.
Só a capital está na ordem dos 860 000 habitantes e a região de Lisboa considerada no plano director anda pelo milhão e meio. Neste caminhar não tardaríamos a atingir 1 milhão para a cidade e os 2 milhões para a região.
O desenvolvimento urbano caracteriza o nosso século, de intenso desenvolvimento industrial.
Na Grã-Bretanha, 80 por cento dos seus habitantes vivem nas cidades e metade da sua população total concentra-se em cinco zonas que representam apenas 10 por cento do território.
A região parisiense, cobrindo uma superfície de 2,3 por cento do território nacional, abriga 17 por cento da população francesa; o seu problema habitacional é cruciante: em 1957, além da notória carência de casas, 00 por cento das habitações não tinham água, 17 por cento não possuíam instalações sanitárias e 60 por cento não excediam duas divisões.
A região parisiense, já superpovoada, absorveu, entre 1946 e 1954, 60 por cento do crescimento da população de toda a França e de 1954 a 1958, apesar de todas as medidas preventivas e até das medidas de descentralização tomadas para combater o mal, aumentou ainda em mais de meio milhão de habitantes, sendo 430 000 provenientes da emigração.
Na França, cinco regiões concentram 25 por cento da sua população.
Algumas das cidades industriais russas, dos Urales e da Sibéria, tiveram em vinte anos um aumento populacional de 300 por cento a 5500 por cento.
Para as cidades há dimensões óptimas para as quais o rendimento dos serviços e funções passa por um máximo; ultrapassada essa dimensão, logo decai em muito esse rendimento, além de a cidade deixar de ser um meio biològicamente são, por não proporcionar as condições de vida diária correspondentes às exigências biológicas e psíquicas da grande massa das suas populações. O crescimento urbano excessivo e desordenado cria problemas técnicos e sociais delicados e aumenta a complexidade das funções do urbanismo, especialmente as de relação.
O peso destes inconvenientes criou a vários países a imperiosa necessidade de organizar planos directores para orientar e disciplinar o seu crescimento urbano.
Nalguns casos o mal que o desequilíbrio acarretava para a sua economia e para o bem-estar das suas populações era tão grave que para o atenuar estão a seguir uma vigorosa política de descentralização de actividades, que traz grandes despesas e levanta problemas delicados no aspecto humano.
Antes de cairmos neste mal, se é que num ou noutro caso e para alguns este problema da descentralização já se possa pôr, precisamos de evitar que o desenvolvimento industrial do País, impulsionado pelos planos de fomento, agrave a concentração urbana.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: a cidade é nó de relações humanas de ordem económica, social, sanitária, cultural, etc., e um centro de atracção e organização da área que a rodeia.
A cidade deve, pois, ser examinada no complexo da sua zona de influência. Um plano de unidade económica e social, a «cidade-região», em sua totalidade deve substituir dentro do conjunto da sua região de influência o simples planeamento urbano praticado entre nós até hoje.
Torna-se necessário, por isso, que cada «cidade-região» seja dotada de um plano director, onde os planos muni-

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cipais sejam coordenados com o plano regional da sua área de influência e que todos os planos regionais sejam inseridos e disciplinados por um plano geral, concebido à escala da Nação, onde o Pais seja tratado como um todo.

ste plano nacional, onde cada plano regional tomaria o seu lugar e a sua ordem dentro da economia geral do Pais, tornaria compatíveis e complementares os diversos desenvolvimentos económicos regionais e permitiria organizar os espaços habitados de molde a servir, pela melhor forma, os interesses nacionais e os da população que neles vive.
É esta a forma actual de ordenar no espaço - e não somente no tempo - o crescimento económico harmónico do Pais e de procurar trazer o equilíbrio às zonas urbanas, industriais e rurais.
É por isso digna de apreço e louvor a iniciativa do Ministério das Obras Públicas ao promover a criação do regime legal e do condicionalismo de meios e órgãos para elaborar o plano director de Lisboa. Seja esta iniciativa a criadora no nosso pais de uma política de ordenamento regional servida pelos indispensáveis meios de estudo, impulsão e financiamento, para orientar com base em estudos regionais os investimentos públicos, a localização de indústrias e dos outros pólos de atracção para o desenvolvimento harmónico do nosso território na metrópole e ultramar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Trata-se de um primeiro passo que, quanto a nós, tem uma utilidade e actualidade prementes no caso português.
Em vários países grandes organizações estudam e coordenam os problemas de planeamento regional, quer à escala nacional, caso do Ministério britânico «Town and Country Planning», que estende a sua acção a toda a Grã-Bretanha, quer à escala regional, caso do bem conhecido plano de Tenessee Valley Authority», uma das experiências mais brilhantes feita nos Estados Unidos da América em 1933.
Nos estudos preparatórios, concepção e realização destes planos, colaboram geógrafos, economistas, urbanistas, engenheiros de várias especialidades, arquitectos, técnicos de organização social, para estudar e resolver os diferentes problemas de habitação e trabalho, educação e cultura, saúde, abastecimentos, divertimentos e desportos, circulação e comunicações, etc.
Sr. Presidente: no nosso pais tem-se verificado um acréscimo constante da população das cidades sem que a das vilas e aldeias tenha, até agora, diminuído, e no censo de 1950 ainda 80,7 por cento da nossa população vivia nas vilas e aldeias.
O aumento mais acentuado tem-se dado na cidade de Lisboa e nos concelhos à sua volta.
A região de Lisboa com as fronteiras consideradas no plano director concentra cerca de 16 por cento da população metropolitana, mas não devemos ver Lisboa ligada só a Portugal continental, mas sim cabeça da comunidade portuguesa, que conta cerca de 22 milhões de habitantes. Em relação a essa comunidade a região de Lisboa concentra cerca de 7 por cento da população portuguesa. Esta concentração demográfica resulta de um desequilíbrio económico que adensou actividades em Lisboa e à sua volta.
Essas actividades procuram usufruir do maior número possível de economias externas e os seus empresários procuram a comodidade de viver em Lisboa e, por vezes, a conveniência de acumular vários empregos, ignorando ou desinteressando-se das condições que no plano nacional devem orientar a distribuição espacial as actividades económicas. O valor da produção industrial dentro da área do plano director anda pelos 40 por cento do de toda a metrópole, detendo Lisboa 100 por cento da indústria de derivados de petróleo e de carvão, que em 1958 tiveram um valor de produção de 2,75 milhões de contos, e na área do plano director concentra-se para cima de 80 por cento da produção industrial de adubos, 80 por cento da indústria de salsicharia e carnes, mais do 85 por cento da indústria de tabacos e fósforos, mais de 80 por cento da indústria de cerveja, 90 por cento da indústria de cabos e condutores eléctricos, etc. Indicamos num quadro para o continente e para os distritos de Lisboa e Setúbal o valor da produção e o pessoal empregado nos principais ramos industriais.

Produção e pessoal

Elementos relativos a alguns ramos da actividade

(1957)

[ver tabela na imagem]

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[ver tabela na imagem]

(a) Existência em 31 de Dezembro.

Quanto à centralização intelectual, concentrou a cidade de Lisboa em 1957 para cima de 50 por cento dos alunos matriculados no ensino superior em todo o continente, cerca de 32 por cento dos alunos matriculados no ensino secundário, à volta de 44 por cento de todos os visitantes de museus, etc.
Tudo isto vem acentuando as concentrações, congestionando Lisboa, enquanto paralelamente e em contraste se agrava o letargo persistente das restantes parcelas do território. Lisboa desnata a província das suas elites, precisamente daquelas pessoas que seriam indispensáveis na província, para reanimar a vida e as economias regionais e locais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Não nos parece bom para o equilíbrio político do Pais que o desenvolvimento da sua riqueza esteja acantonado e concentrado.
As nossas zonas de maior concentração industrial mostraram isso com eloquência na última campanha eleitoral.
Sr. Presidente: o plano director, apoiando-se no conhecimento das diversas actividades que se desenvolvem e sejam de criação viável em Lisboa e em toda a região de que a cidade é centro, deverá ordenar o espaço, dentro dos moldes esquemáticos de um plano director, por forma a obter uma distribuição equilibrada entre as áreas destinadas a moradias, locais de trabalho, centros de educação e cultura, zonas comerciais, áreas próprias para a agricultura, parques e jardins públicos, instalações desportivas, instalações militares, exposições e feiras e redes de trânsito, de acordo com as necessidades reais, tudo isto feito com vistas largas e olhando ao futuro e articulado de modo que o ciclo diário de actividades do homem que as utiliza se possa desenvolver nelas com a máxima economia de tempo e movimento.
Mas é preciso que a elaboração e execução do plano director não vá prejudicar as comparticipações para as outras camarás do País.
Quanto a área abrangida pelo plano, os limites especificados na base i da proposta de lei carecem de ser ajustados a certas realidades. Por exemplo: a unidade económica do porto de Setúbal seria retalhada pelas actuais fronteiras do plano, que só abrangem a margem norte do Sado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Para que o plano não quebre a unidade económica constituída pelo porto de Setúbal há, pois, que prolongar a área daquele até a outra margem do Sado, de forma a englobar, pelo menos, a península de Tróia, constituída por bons terrenos para a instalação de indústrias e marginada por bons fundos, que tornara as suas águas das mais propícias, no estuário do Sado, à grande navegação. Para não quebrar essa unidade económica há que estender as fronteiras do plano ao concelho de Grândola.

O Sr. Brito e Cunha: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador:- Faz favor.

O Sr. Brito e Cunha: - V. Exa. é, portanto, de opinião que não se deve retirar, àquilo que está estabelecido na proposta de lei, o concelho de Setúbal, mas sim aumentá-lo â outra margem do Sado.

O Orador:- O raio de acção deste plano é da ordem dos 40 km, o que para um plano desta envergadura me não parece excessivo. Haveria outra modalidade, que seria constituir em Setúbal um novo pólo de atracção, separando-o de Lisboa, e ai centralizar outras activida-

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dês que poderiam ir até mais além e ao Sul do País. Mas este plano director terá uma execução a curto prazo e a inclusão nele de Setúbal garante a essa zona ser contemplada num futuro próximo.

O Sr. Brito e Cunha: - Estou perfeitamente de acordo com o ponto, de vista de V. Ex.ª e sinto-me feliz por ter provocado esta explicação.

O Orador: - E já que falamos de Setúbal e do seu porto, salientamos a possibilidade e vantagem de para ai canalizar mais algumas indústrias para tirar maior rendimento da sua capacidade portuária, ainda insuficientemente aproveitada, e possibilitar nessa zona, para a sua laboriosa gente, sofredora de crises agudas de falta de trabalho, maior continuidade e estabilidade de ocupação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A implantação de novas indústrias em Setúbal corrigiria a sua defeituosa estrutura de centro industrial quase monótipo, causa primária das crises de desemprego e subemprego que tem atravessado.
E, ainda ligado a Setúbal e à sua economia, há a velha ideia da construção do canal Sado-Tejo, que viria valorizar a cidade e toda a zona por ele atravessada. Já se fala neste canal há mais de dois séculos e há dele um anteprojecto recente, orçamentado em 200000 contos.
A comissão do plano regional do desenvolvimento urbanístico de Lisboa certamente examinará o valor do empreendimento.
Sr. Presidente a cidade deve assegurar, tanto no campo espiritual como no material, a liberdade individual e o beneficio da acção colectiva nas melhores condições físicas e de conforto psíquico.
As zonas rurais de protecção, com os seus bosques e parques, serão os pulmões das cidades, contribuindo para a salubridade do ar, criando um ambiente de repouso para a conversa com a natureza em passeios e campismo, livre do bulício urbano e tão necessário para retemperar os nervos.
As indústrias de determinados tipos e de relativa dimensão serão agrupadas em zonas industriais racionalmente apetrechadas e judiciosamente escolhidas.
A criação destas zonas poderá ser feita pelo Estado ou pelas autarquias locais, consoante a sua criação represente interesse nacional ou regional. A indústria não deve ocupar terrenos férteis, mas ocupar só os terrenos de menor valor agrícola.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Há que resolver um problema importante, que é o de saber quais as actividades que na região de Lisboa mais convirá desenvolver, e para aquelas que forem consideradas inconvenientes a esta zona orientar a sua localização - principalmente das indústrias - no sentido que mais convenha ao desenvolvimento nacional, procurando evitar os males resultantes da polarização de indústrias em pequenos espaços. Há que delimitar as zonas industriais, encaminhar para lá as novas instalações fabris, sempre que possível com a capacidade de escolha, para as empresas, de uma ou outra zona, entre as várias existentes na região considerada.
O plano director deverá integrar de forma coerente e coordenada a diversidade dos problemas e funções e o seu desenvolvimento futuro de forma que a cidade e a região se desenvolvam harmònicamente em cada uma das suas partes; deste modo, o seu desenvolvimento, em lugar de produzir uma catástrofe, será o coroamento da obra cuidadosamente planeada.
Para evitar imprevistos e surpresas futuras interessará que o plano regional de Lisboa, antes de ir à aprovação do Conselho de Ministros, como preceitua a base III da proposta em debate, seja por lei submetido à apreciação de cada uma das câmaras municipais dos concelhos nele abrangidos, visto tratar-se de entidades de valor representativo que muito poderão - contribuir para melhor salvaguardar os autênticos interesses a equacionar no plano.

O Sr. Brito e Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com muito, prazer.

O Sr. Brito e Cunha: - Estou absolutamente de acordo com V. Ex.ª e felicito-o por emitir esse parecer, que suponho ser uma falha da proposta de lei. Parece, no entanto, que V. Ex.ª falou em enviar o plano a cada uma das câmaras. É só uma questão de forma. Será um pouco difícil ouvir individualmente, separadamente, cada uma das câmaras. O que me parece é que realmente as câmaras, representadas pelos seus delegados e pelos seus técnicos, não podem deixar de ser ouvidas sobre os resultados daquilo que venha a ser o plano regional de Lisboa.

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª Na composição da comissão do plano regional de- Lisboa já entram um representante da Câmara Municipal de Lisboa, três das demais câmaras municipais dos concelhos da região de Lisboa a norte do Tejo e outros três das câmaras municipais dos concelhos das regiões de Lisboa a sul do Tejo. Todavia, uma mais larga audição dos municípios dos dezasseis concelhos abrangidos pelo plano poderá contribuir para o beneficiar e eliminar imprevistos e surpresas.

O Sr. Brito e Cunha: - Há um pequeno aspecto de forma; Os concelhos ao norte do Tejo designam três representantes que não são forçosamente os presidentes das câmaras nem os elementos das mesmas.

O Orador: - São representantes dos concelhos.
O plano director do desenvolvimento urbanístico da região de Lisboa terá reflexos nos problemas de desenvolvimento económico da região e, por isso, o gabinete do plano regional de Lisboa deve ser dotado do pessoal técnico indispensável ao estudo de certos problemas económicos, principalmente aos que respeitam ao vasto sector da localização de indústrias.
Quanto à composição da comissão do plano regional de Lisboa, indicada na base viu da proposta de lei, embora se sinta que o número de membros já é grande e não convenha alargá-lo muito, parece-nos útil ampliá-la com a representação da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, da Junta Central de Portos, da Inspecção Superior do Plano de Fomento, do Instituto Nacional de Investigação Industrial e da Direcção-Geral do Trabalho e Corporações.
Sr. Presidente: as chaves do urbanismo estão nas quatro funções: habitar, trabalhar, recrear-se (recuperação nas horas livres) e circular.
Os planos determinarão a estrutura de cada um dos sectores atribuídos a essas funções e fixarão a sua localização respectiva dentro do conjunto, de forma que o ciclo dessas quatro funções quotidianas seja regulado na mais estrita economia de tempo.
Nos nossos bairros antigos e de construções amontoadas, as condições de vida são desfavoráveis. Há falta de espaços livres e zonas verdes e os edifícios estão em más condições higiénicas e de conservação.

O Sr. Vasques Tenreiro: - V. Ex.ª dá-me licença para um comentário? Acontece o mesmo nos bairros

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modernos: falta de espaço para implantação de zonas verdes. E até, em certos sentidos, os bairros antigos são mais funcionais que os modernos.

O Orador: - Façamos votos para que em tudo o que venha a ser feito na região de Lisboa depois da aprovação do plano director haja amplos espaços livres e zonas verdes.
No plano director é indispensável deixar amplos espaços livres com árvores, arbustos e floresta rodear as áreas residenciais, para dar a todos a possibilidade de gozar os benefícios da moradia junto de áreas de vegetação.
Os espaços livres junto dos jardins públicos devem ser destinados a escolas e os espaços dentro dos parques ocupados por bibliotecas, museus, auditórios, piscinas, restaurantes, etc.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente:-Vejo que as considerações que V. Ex.ª ainda tem para produzir são bastante extensas, de maneira que, se não notar inconveniente, reservo-lhe a palavra para amanhã.

O Orador: - Pois sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia da de hoje. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Gosta Ramalho.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Fernando António Munoz de Oliveira.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

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CÂMARA CORPORATIVA

VII LEGISLATURA

PARECER N.º 12/VII

Projecto de lei n.º 7

Integração das actuais freguesias de Teixeira, Teixeiro, Loivos da Ribeira, Tresouras e Frende, do concelho de Baião, distrito do Porto e província do Douro Litoral, no concelho de Mesão Frio, distrito de Vila Real e província de Trás-os-Montes e Alto Douro,

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º 7, emite, pelas suas secções de Autarquias locais e Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e administração geral), às quais foi agregado o Digno Procurador João Mota Pereira de Campos, sob a presidência de S. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

I

Apreciação na generalidade

1. Na sessão n.º 201 da VI Legislatura da Assembleia Nacional, realizada em 10 de Abril de 1957, foi apresentado um projecto de lei que visava a integração no concelho de Mesão Frio, distrito de Vila Real e província de Trás-os-Montes e Alto Douro, das freguesias de Teixeira, Teixeiro, Loivos da Ribeira, Tresouras e Frende, do concelho de Baião, distrito do Porto e província do Douro Litoral.
Este projecto foi publicado, sob o n.º 53, no n.º 116 das Actas da Câmara Corporativa, de 11 de Abril de 1957.
Porque estava prestes a atingir o seu termo o período de trabalhos da VI Legislatura, o projecto em referência não teve andamento.
Porém, na sessão n.º 35 da "VII Legislatura, que teve lugar em 10 de Abril de 1958, foi requerida a renovação daquele projecto de lei, que aparece agora publicado, sob o n.º 7, nas Actas da Câmara Corporativa n.º 11, do dia 11 de Abril.
E sobre esse projecto de lei que esta Câmara é chamada a pronunciar-se.

2. O projecto de lei em apreciação tem antecedentes que convirá referir.
Com efeito, a questão considerada nesse projecto foi pela primeira vez levantada e versada na Assembleia Nacional na sessão n.º 95, de 10 de Abril de 1951; foi discutida ainda na sessão n.º 105, de 28 do mesmo mês, e recordada nas sessões n.º 156, de 21 de Abril de 1952 (V Legislatura), n.º 4, de 10 de Dezembro de 1953 (VI Legislatura), e n.º 154, de 21 de Junho de 1956.
Antes, porém, de a Assembleia Nacional ter tomado contacto com o problema, fora este proposto pela Câmara Municipal de Mesão Frio à consideração do Sr. Ministro do Interior.
Iniciou-se assim, com base na exposição dessa Câmara Municipal, recebida no Ministério do Interior em 2 de Janeiro de 1951, um processo administrativo, que em Janeiro de 1954 estava instruído, além de outras informações, com os pareceres das Juntas de Província de Trás-os-Montes e Alto Douro e do Douro

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Litoral, dos governadores civis dos distritos do Porto e de Vila Real, das Câmaras Municipais de Baião e de Mesão Frio e ainda com elementos esclarecedores da vontade dos chefes de família residentes nas freguesias em causa.
Essas informações e muitas outras agora recolhidas, a que se irá fazendo referência, estão ao dispor desta Câmara, para nelas fundamentar o parecer que é chamada a emitir.

3. A divisão administrativa do território metropolitano é a constante do mapa anexo ao Código Administrativo vigente.
Nos termos do artigo 7.º deste diploma, «as circunscrições administrativas só por lei podem ser alteradas».
Porém, o artigo 8.º exige que a criação de novos concelhos se funde em requerimento das juntas de freguesia que o hão-de constituir, tal como o artigo 9.º determina que a criação de novas freguesias depende de requerimento de chefes de família eleitores que representem a maioria.
A hipótese de simples transferência territorial de uma circunscrição para outra já criada é aludida no artigo 10.º do Código Administrativo. Esta disposição legal trata apenas, porém, das consequências de ordem patrimonial e financeira resultantes da alteração na divisão administrativa, sem enunciar quaisquer pressupostos formais ou substanciais da transferência territorial.
E isso levou a Direcção-Geral de Administração Política e Civil a sustentar a tese de que «por analogia com o preceituado para a criação de freguesias, os pedidos respeitantes à transferência de territórios de uma para outra circunscrição administrativa devem ser instruídos com os elementos a que se referem os nºs. 1.º e 3.º e o § l.º do artigo 9.º do Código Administrativo» 1.
É certo que aquela Direcção-Geral rectificou já este parecer; mas porque a Câmara Municipal de Baião continua a defendê-lo, não será descabido fazer-lhe aqui um breve comentário.
Cumpre, por isso, consignar que acertada foi aquela rectificação da Direcção-Geral no sentido de que a aplicação, por recurso à analogia, do § 1.º do artigo 9.º na hipótese de transferência de uma parcela do território de uma circunscrição administrativa para outra não tem cabimento na hipótese encarada no projecto de lei n.º 7.
Não há dúvida de que tal transferência territorial só por lei pode ser operada, dado que implica uma alteração das circunscrições administrativas. Mas não é legítimo pretender, sem comando legal expresso, que a liberdade de apresentação de propostas ou projectos de lei fique dependente da manifestação da vontade dos povos ou dos órgãos representativos das circunscrições atingidas, favorável ou desfavoravelmente, pela alteração do respectivo território.
As restrições à liberdade de iniciativa da feitura das leis não podem deixar de se considerar excepcionais, dado o disposto no artigo 97.º da Constituição Política, sendo, consequentemente, inadmissível a aplicação analógica do § 2.º do artigo 8.º e. do § 2.º do artigo 9.º a hipóteses diversas das que se contemplam nos dois citados artigos - e hipótese diversa é, sem dúvida, a da integração de algumas freguesias de um concelho em concelho diferente.
Isto não significa, manifestamente, que na apreciação de um projecto de lei que vise uma alteração territorial dessa natureza não tenha interesse fundamental o conhecimento das razões económicas e administrativas em que se funda a pretendida alteração, da situação em que ficariam, em consequência da transferência de territórios, as circunscrições afectadas, da vontade dos povos atingidos e de qualquer outro factor relevante. Esse conhecimento interessa à apreciação do mérito da pretensão, mas não é condição, fora das hipóteses previstas nos artigos 8.º e 9.º, da legalidade da apresentação do projecto de lei que pretenda realizá-la.

O concelho de Mesão Frio

4. A existência do concelho de Mesão Frio reporta-se històricamerte aos primórdios da nacionalidade. Em Fevereiro de 1152 D. Afonso Henriques concedeu-
-lhe foral, que foi depois confirmado por D. Afonso II, em Outubro de 1217 l. D. Manuel I outorgou-lhe foral novo em 27 de Novembro de 1513.
Além da autonomia municipal de que assim gozava pelo menos desde 1152, possuía também Mesão Frio - segundo se infere de um documento de começos do século XV - - o privilégio, bem raro entre nós, de formar uma beetria. Consistia este privilégio, na expressiva definição de António Caetano do Amaral, era «não terem estas povoações (que dele gozavam), nem lhes serem dados ou confirmados pelos reis, outros senhores senão os que eles juntos em conselho com os juízes, oficiais e homens bons do mesmo concelho elegessem e cuja eleição regularmente era só pelo tempo da vida de cada um ou enquanto cumprissem as condições que no acto da mesma eleição se estipulavam.» 3.
Actualmente este concelho não goza da importância que outrora lhe era atribuída.
A divisão administrativa do território intregou-o no distrito de Vila Real, da província de Trás-os-Montes e Alto Douro, a que étnica e geogràficamente pertence também.
É concelho de 3.a ordem, com uma população que, pelo último censo geral, era apenas de 8205 habitantes 4, distribuídos por sete freguesias (duas das quais com sede na vila), ocupando a reduzida área de 2656 ha.
A divisão judicial do País, conferindo-lhe a categoria, de julgado municipal, tornou-o dependente, no que respeita a administração da justiça, da comarca da Régua.
A vida municipal, desenvolvendo-se dentro de limites territorialmente acanhados e num meio económicamente pouco evoluído, suporta crescentes dificuldades, correspondentes à debilidade financeira de que inevitavelmente enferma.
A reivindicação territorial a que o projecto de lei em apreciação dá forma jurídica pode considerar-se, de certo modo, um momento da luta pela sobrevivência em que Mesão Frio está empenhado.

O concelho de Baião

5. O concelho de Baião é também de formação muito antiga: D. Manuel I concedeu-lhe foral em 1 de Setembro de 1513.

Tese defendida no processo administrativo respeitante à integração no concelho de Mesão Frio das cinco freguesias do concelho de Baião e que logrou obter despacho ministerial favorável.
1 Portugaliae Monumento, Histórica - Leges et Consuetudines, 381-382.
2 Vide José Anastácio de Figueiredo, «Memória para dar numa idêa do que erão as behetrias, e em que differião dos Coutos, e honras», nas Memórias de Litteratura Portugueza, vol. I (Lisboa, 1792), pp. 163 e 215.
3 António Caetano do Amaral, Memória V para a História da Legislação e Costumes de Portugal, ed. preparada e organizada por M. Lopes de Almeida e César Pegado (Porto 1945), «p. 142».
4 O que permite incluí-lo na relação dos quarenta e oito concelhos do País que em 1950 tinham menos de 10 000 habitantes.

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Pela actual divisão administrativa do território, o concelho de Baião pertence ao distrito do Porto e à província do Douro Litoral. A sua população era, em 1950, de 29 200 habitantes, distribuída por vinte freguesias e ocupando uma área de 17 088 ha.
É concelho de 2.ª ordem e comarca de 3.ª classe.

As cinco freguesias disputadas

6. Das cinco freguesias do concelho de Baião que a Câmara Municipal de Mesão Frio pretende integrar no seu concelho, três são de 2.ª ordem (Teixeira -1561 habitantes, Frende - 1034 habitantes e Tresouras - 882 habitantes) e as restantes de 3.º ordem (Loivos da Ribeira -732 habitantes e Teixeiró - 564 habitantes)1.
Trata-se, portanto, de cinco pequenas freguesias, cuja população não totalizava, pelo último censo, mais de 4773 habitantes.
A integração dessas cinco freguesias no concelho de Mesão Frio representaria para este, porém, um aumento demográfico da ordem dos 58 por cento, traduzindo-se numa diminuição da população do concelho de Baião da ordem dos 17 por cento.
O problema reveste-se, assim, de importância considerável na medida em que a efectivação da pretendida desanexação territorial implicaria uma transferência territorial e populacional de consideráveis proporções.
Vejamos quais os argumentos que a favor dessa transferência se invocam ou é possível invocar.

II

Exame na especialidade

Razões justificativas da pretendida anexação territorial

7. a) Uma das razões invocadas é de ordem histórica. Na verdade, o pedido de integração no concelho de Mesão Frio das cinco freguesias em causa é apresentado sob a forma de uma reivindicação de territórios que, tendo pertencido sempre a esse concelho, dele teriam sido indevidamente desanexados, em 21 de Outubro de 1837, por um simples ofício do administrador-geral de Vila Real em que era ordenada a remessa para Baião do arquivo respeitante àquelas cinco freguesias, em virtude de as mesmas haverem sido, por determinação régia, integradas neste concelho.
b) Segue-se um argumento (de ordem geográfica, sustentando a Câmara- Municipal de Mesão Frio, na exposição com que se iniciou o processo administrativo respeitante ao problema em estudo, que s... a área do concelho de Mesão Frio na sua constituição tradicional 2 está naturalmente demarcada e delimitada pelo seu verificado enquadramento entre os rios Teixeira e Sermenha, que, em conjunto com o Marão e o Douro, a precisam e definem inequívoca e claramente".
c) Vêm depois razões de ordem económico-social, alegando-se que todas as freguesias em questão têm acesso mais fácil e rápido à vila de Mesão Frio do que à sede do concelho de Baião, dada a menor distância e melhor qualidade das vias de comunicação em relação àquela vila. E, por isso mesmo, consigna-se no projecto de lei em apreciação, é com Mesão Frio que todas aquelas freguesias a mau têm a plenitude das suas relações voluntárias. Ali vão abastecer-se, para o que encontram tudo o que precisam: comércio, mercados e feiras mensais e de ano. A Baião deslocam-se apenas quando obrigados oficialmente: tribunal, câmara, polícia, finanças, registo civil, etc. Pagam lá as sisas, mas vêm celebrar os contratos ao notário de Mesão Frio. Ali vão ao médico e ao farmacêutico. Ali vão pagar a taxa militar e é do seu hospital que se servem"1.
d) No que respeita a razões de ordem administrativa, alegou a Câmara Municipal de Mesão Frio e expôs na Assembleia o Sr. Deputado autor do projecto em estudo que "a exiguidade da parcela do território em que o concelho se confina administrativamente faz temer a impossibilidade de sua sobrevivência por falta de área territorial que a justifique e, consequentemente, por falta das receitas necessárias à existência e funcionamento dos órgãos de administração que o representam". Na verdade, "o concelho agoniza com o estado precário das suas receitas - metade das quais são absorvidas pelo funcionamento dos próprios serviços". Em contrapartida, a desanexação pretendida não iria afectar gravemente as condições de subsistência ou mesmo a grandeza ou importância do concelho de Baião, visto este ficar a dispor, ainda que perdesse as cinco freguesias . reivindicadas, de receitas e população suficientes para manter, sem perigo, a respectiva classificação administrativa.
e) "Acresce- sustenta a Câmara Municipal reivindicante- que toda a população das indicadas freguesias que indevidamente enriquecem o património de um concelho que repudiam deseja e aspira à sua reintegração no de Mesão Frio".

8. Expostas, numa resenha que, embora breve, tentou captar todos os aspectos relevantes, as razões em que se funda a pretensão da Câmara Municipal de Mesão Frio, cumpre referir a posição tomada por todas as entidades interessadas na resolução da questão - abstraindo-se aqui, porém, da .atitude das juntas das cinco freguesias disputadas, a que noutro momento se fará referência.
Assim, oferece-se consignar que:
a) A Câmara Municipal de Baião, acompanhada de todas as chamadas forças vivas do concelho, reagiu decididamente, após ter sido pela primeira vez levantado o problema na Assembleia Nacional, contra a pretendida anexação ao concelho de Mesão Frio das cinco freguesias referidas (V. Diário das Sessões de 13 e 14 de Abril de 1951).
Em exposição logo dirigida ao Sr. Ministro do Interior - e posteriormente por diversas formas -, firme e energicamente aquela Câmara Municipal repudiou a pretensão de engrandecimento territorial deduzida pela Câmara Municipal de Mesão Frio, procurando demonstrar a improcedência de todos os argumentos aduzidos a favor da anexação reclamada e insurgindo-se contra uma tentativa de grave amputação do território concelho que criaria para a sua circunscrição administrativa dificuldades extremamente graves.
b) O Sr. Governador Civil do distrito de Vila Real, reportando-se a um memorial que resume as razões invocadas pela Câmara Municipal de Mesão Frio, depois de acentuar que tais razões correspondem à realidade acrescenta:

A vila de Mesão Frio está a escassas centenas de metros do limite do concelho de Baião. Torna-se evidente, por consequência, que os povos que habitam aquelas paragens teriam a maior vanta-
____________________

1 Ut mapa discriminativo da população, por freguesias, remetido pela Câmara Municipal de Mesão Frio à Direcção-Geral de Administração Política e Civil.
2 Abrangendo, consequentemente, na tese da Câmara Municipal de Mesão Frio, as cinco freguesias reivindicadas.
3 Palavras do relatório apresentado pelo então inspector judicial Toscano Pessoa após o inquérito destinado a apurar a conveniência da restauração do julgado municipal de Mesão Frio.

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gem em passar a pertencer a um concelho com o qual já mantêm as mais estreitas relações económicas e sociais.
A divisão administrativa, que deveria em primeiro lugar servir os interesses e comodidades das populações, está ali fundamentalmente errada e de modo que -excede, de muito, outros casos que. conheço, também menos felizes, espalhados pelo País l.

c) Diversamente se pronunciou o Sr. Governador Civil do Porto, após ter tomado contacto com o problema, em ofício dirigido, em 12 de Abril de 1951, ao Sr. Ministro do Interior. E a sua discordância quanto à legitimidade da pretensão de Mesão Frio reafirma-se depois vigorosamente num parecer emitido sobre o problema em 8 de Setembro de 1952, em que procura mostrar:
Que, encarada sob o ponto de vista histórico, a reivindicação da Câmara Municipal de Mesão Frio não tem fundamento;

Que não são exactos os dados fornecidos por essa Câmara quanto às distâncias e natureza das comunicações entre as cinco freguesias disputadas -e as sedes dos concelhos de Baião e Mesão Frio;

Que sob o ponto de vista agrícola, etnográfico, geológico, climático, etc., a região abrangida por aquelas freguesias é completamente distinta da de Mesão Frio;

Que, tendo feito pessoalmente um inquérito in loco, para se esclarecer sobre a vontade dos chefes de família das cinco aludidas freguesias, verificara o seguinte:

«Teixeira - grande maioria a favor de Baião; Teixeiró - o maior número deseja a mudança para Mesão Frio;
Frende - quase todos a favor de Baião; Tresouras e Loivos da Ribeira - não houve
quem se pronunciasse por Mesão Frio».

c) A Junta de Província do Douro Litoral, por sua vez, pronunciou-se, na sua sessão ordinária de 12 de Agosto de 1952, em face da exposição do Sr. Procurador ao Conselho Provincial representante de Baião, no sentido de o dar firme apoio à Câmara de Baião, ao mesmo passo lembrando que a pretendida desanexação de freguesias deste concelho reduziria a área da província do Douro Litoral, o que não pode deixar de interessar à Junta, cuja área actual não seria justo diminuir sem fortes razões, o que no caso em questão se não verifica»2.
d) A Junta de Província de Trás-os-Montes e Alto Douro, na informação que prestou sobre o problema em estudo, adere inteiramente às razões invocadas pela Câmara Municipal do concelho de Mesão Frio, aduzindo ainda a de que da freguesia de Teixeira promanam abundantes águas, utilizadas para rega, que pertencem desde tempos imemoriais àquele Município, que todos os anos as vende em hasta pública aos habitantes do concelho.
E acrescenta: o terá de concluir-se que as populações das freguesias reivindicadas vivem em comunhão de interesses com a vila de Mesão Frio ... A anexação solicitada mais não significará do que a aposição da chancela legal numa situação de facto, desde sempre verificada» (o ofício n.º 5, de 9 de Janeiro de 1959).

9. Organizado no Ministério do Interior, com base na petição da Câmara Municipal de Mesão Frio que aí fora recebida em 2 de Janeiro de 1951, o respectivo processo administrativo, a este se foram juntando diversas informações e exposições em que o problema que é objecto deste parecer foi amplamente tratado.
Por isso, em 8 de Janeiro de 1954, depois de se consignar que, sob o ponto de vista formal, o processo se achava completamente instruído, foi emitida e proposta a consideração superior, pela 2.a Repartição da Direcção-Geral de Administração Política e Civil, uma informação em que, expostos e analisados os vários aspectos do problema, se concluía no sentido de que não era bem fundada e não merecia portanto desfecho favorável a pretensão deduzida pela Câmara Municipal de Mesão Frio.
Acontece, no entanto, que apesar de terem decorrido, desde a data dessa informação até à apresentação do projecto de lei em estudo, quase cinco anos, não foi proferido qualquer despacho que, no âmbito administrativo, pusesse termo à questão,- resolvendo-a em qualquer dos sentidos possíveis.
Surgiu assim, por força das circunstâncias e por vigor da Lei Constitucional, a necessidade de esta Câmara, entregando-se a um trabalho de índole diferente dos que normalmente lhe cabem, entrar no estudo do problema que lhe é proposto, começando pela análise das razões invocadas a favor da sua solução no sentido propugnado pela Câmara Municipal de Mesão Frio.

Razão de carácter histórico

10. A primeira razão é, como se viu, de carácter-histórico: pretende a Câmara de Mesão Frio que sempre as freguesias de Teixeira, Teixeiró, Loivos da Ribeira, Tresouras e Frende pertenceram a Mesão Frio e só em 21 de Outubro de 1837 delas foi o concelho esbulhado por um simples ofício do administrador-geral de Vila Real em que era ordenada a remessa para Baião do arquivo respeitante a todas essas freguesias, em virtude de as mesmas haverem sido, por determinação régia, integradas no concelho de Baião.
A verdade, porém, é que os elementos de informação recolhidos levam a concluir que não tem bom fundamento o argumento histórico invocado por Mesão Frio:
1) Da simples leitura do referido ofício do administrador-geral de Vila Real, datado de 21 de Outubro de 1837, resulta que nele se não faz qualquer referência à freguesia de Tresouras. Só o arquivo respeitante às quatro restantes freguesias é mandado remeter para Baião.
E isto porque aquela freguesia não estava, na data referida, integrada no concelho de Mesão Frio, antes fazia já parte do de Baião - como aliás seguidamente melhor se verificará.
2) A freguesia de Teixeira foi efectivamente desanexada do concelho de Mesão Frio e ligada ao de Baião. Tal secessão operou-se em Outubro de 1837, mas não, evidentemente, pelo aludido ofício do administrador-geral de Vila Real. Este magistrado limitou-se a ordenar a diligência administrativa exigida pelo artigo l.º do Decreto de 27 de Setembro de 1837, in Diário do Governo de 5 de Outubro de 1837, que assim dispôs:

Artigo l.º O decreto de 6 de Novembro de 1836, e o mapa que dele faz parte, fica alterado da seguinte maneira:

§ 1.º As freguesias de Frende, Loivos da Ribeira, Teixeira e Teixeiró, que
actualmente

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fazem parte do concelho de Mesão Frio, no distrito administrativo de Vila Real, passarão para o concelho de Baião, no distrito administrativo do Porto.

..............................................................

§ 13.º A freguesia e extinto concelho de Teixeira, actualmente incorporada no concelho de Mesão Frio, pertencente ao distrito administrativo dê Vila Real, será anexada ao concelho de Baião, no distrito administrativo do Porto.
Das transcritas disposições ressaltam dois factos significativos:
a) Que, pelo menos entre 6 de Novembro de 1836 e S de Outubro de 1837, quatro das freguesias disputadas - Frende, Loivos da Ribeira, Teixeira e Teixeira fizeram parte do concelho de Mesão Frio.

l) Que a freguesia de Teixeira havia sido um dos concelhos extintos pelo Decreto de -6 de Novembro de 1836 - donde resulta que anteriormente a esta data não fazia parte do concelho de Mesão Frio.

3) E quanto às freguesias de Loivos da Ribeira, Frende e Teixeiró? Pertenceram elas sempre a Mesão Frio, até 1837, como sustenta a Câmara Municipal deste concelho? Vejamos:

Como resultado dos trabalhos de uma comissão constituída em 29 de Setembro de 1836 para estudar as bases de uma nova divisão administrativa do território, foi publicado pelo Ministério do Reino, no Diário do Governo de 29 de Novembro de 1836, um decreto datado de 6 de Novembro do mesmo ano, do qual se transcreve o seguinte:

Não sendo possível sem uma melhor divisão do território tirar todas as. vantagens que devem resultar da organização de um bom sistema administrativo ..., hei por bem decretar provisoriamente (sio) o seguinte:

Artigo 1.º O território continental do Reino de Portugal e Algarves fica dividido nos 17 distritos administrativos actualmente existentes, composto de 351 concelhos, designados nos mapas respectivos que fazem parte do presente decreto ... 2.

Consultando o mapa respeitante ao concelho de Baião, verifica-se que aí figuram, como integradas neste concelho e a ele pertencendo anteriormente, as freguesias de Frende (com 95 fogos), Loivos da Ribeira (com 75 fogos), Teixeiró (com 9.0 fogos) e Tresouras (com 132 fogos).

Mas quem examinar o mapa que respeita a Mesão Frio verificará, surpreendido, que também nele figuram as freguesias de Frende, Loivos da Ribeira e Teixeiró, referidas como tendo pertencido anteriormente ao concelho de Baião, e ainda a de Teixeira (com 127 fogos), com a anotação de que pertencia anteriormente

1 Vem a propósito referir que o concelho de Teixeira era, aliás, de formação muito antiga. Na verdade, havia recebido foral de D. Manuel ja em 17 de Julho de 1514.

Esta disposição legal consagrou a ousada medida, tomada pelo Governo saído da revolução de Setembro, de suprimir 407 concelhos, considerados incapazes de vida autónoma (entre eles o de Teixeira, como no texto se referiu já).

V.«Reforma Concelhia de 6 de Novembro de 1880», in O Direito, 82.º, fascículo 4.º, em que o Dr. Fausto de Figueiredo nos da notícia documentada sobre os concelhos existentes antes do decreto, sobre os que por ele foram extintos e criados, bem como sobre os que ficaram existindo depois da sua data.

ao concelho de Teixeira, que o referido Decreto de 6 de Novembro de 1836 extinguiu.

Do confronto dos dois mapas divergentes resultava, além do mais:

a) Que a freguesia de Tresouras pertencia, em 6 de Novembro de 1836, ao concelho de Baião e a ele inequivocamente continuou a pertencer;

b) Que Teixeira, perdida a sua autonomia municipal, baixou à condição de freguesia e foi integrada, inequivocamente também, no concelho de Mesão Frio;

c) Que as freguesias de Frende, Loivos da Ribeira e Teixeiró faziam parte, antes daquele Decreto de 6 de Novembro de 1836A do concelho de Baião; e finalmente

d) Que estas três freguesias figuram nos mapas anexos ao Decreto de 6 de Novembro de 1836 como pertencendo simultaneamente ao concelho de Baião e ao de Mesão Frio ...

Havia manifesto lapso na elaboração dos mapas concelhios, e, talvez mais do que lapso, erro grave na atribuição ao concelho de Mesão Frio das três freguesias de Frende, Loivos da Ribeira e Teixeiró - erro que não causará surpresa em face das confessadas dificuldades com que deparou a comissão encarregada dos estudos preparatórios da divisão administrativa do País 1.

Prevendo a possibilidade de erros merecedores de. correcção, a divisão administrativa operada pelo Decreto de 6 de Novembro de 1836 foi, por força deste mesmo diploma legal, havida como provisória (a ... hei por bem decretar provisoriamente ...»); e, nessa conformidade, dispôs-se no artigo 4.º do decreto citado que a as povoações que se julgarem indevidamente colocadas na presente organização remeterão as suas representações ao administrador-geral, o qual, ouvido o conselho do distrito, as dirigirá com o seu parecer à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino para que o Governo possa prover como for de justiça».

Em consequência das reclamações ou representações, que, dada a má qualidade dos trabalhos preparatórios da divisão administrativa decretada em 1836, deveriam ter sido numerosas, foram publicados diversos diplomas legais introduzindo alterações nos mapas anexos ao Decreto de 6 de Novembro de 1836.

1 Tomará consciência das dificuldades e consequentes inevitáveis erros dessa comissão quem ler o parecer sobre a «Redacção do um projecto de divisão administrativa do território do Reino de Portugal», publicado no Diário do Governo n.º 265, de 8 de Novembro de 1836, do qual extractamos:

De uma semelhante reunião se devia esperar um trabalho consciencioso e mais adequado às necessidades dos povos; porém, com sumo pesar a comissão se julga obrigada a declarar que tal não aconteceu em alguns distritos. Foram aqueles confusos trabalhos remetidos ao depósito estatístico aonde se notou que algumas juntas se evadiam reciprocamente aos seus limites territoriais com o fim de se engrandecerem ; .. . aparecendo grande número de representações dos Câmaras em que se queixavam de parcialidades manifestadas pelas suas respectivas juntas.

E depois de algumas alusões às deficiências de que necessariamente enfermava o trabalho realizado, escreve-se no parecer em referência:

... porém, julga que não será difícil aperfeiçoá-lo progressivamente, à proporção que forem desaparecendo as prevenções de localidade e de interesses pessoais daqueles cidadãos a quem compete ser os órgãos imparciais dos interesses colectivos dos povos que representam.

1 V. Diário do Governo de 8 de Maio, 17 de Junho, 5 e 12 de Outubro de 1837 e 4 de Janeiro, 20 de Abril de 1688, etc.

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Em alguns casos a rectificação fez-se por ofício. Assim parece ter acontecido no coso do manifesto erro que o confronto dos mapas respeitantes aos concelhos de Baião e Mesão Frio evidencia. Na verdade, por ofício de 4 de Março de 1837, o administrador - geral do distrito do Porto remeteu ao presidente da Câmara Municipal do Porto um mapa das erratas e emendas que se devem fazer nos mapas da nova organização dos concelhos estabelecida pelo Decreto de 6 de Novembro de 1836". E, no mapa respeitante ao concelho de Baião, anexo ao citado Decreto de 6 de Novembro de 1836 é ordenada, em relação às freguesias de Frende, Loivos da Ribeira e Teixeiró, a emenda seguinte: a risquem-se por estarem mencionadas também no distrito n.º 4.º, no concelho de Mesão Frio

Essa simples rectificação, de duvidosa legalidade, dada a forma por que foi ordenada, teve o condão de consagrar a integração no concelho de Mesão Frio de três freguesias que anteriormente eram de Baião.
E, porém, natural que tal rectificação visasse apenas expurgar dos mapas anexos ao Decreto de 6 de Novembro de 1836 um erro material tão ostensivo que se impunha saná-lo por forma prática e urgente.
A solução adoptada não teria sido, porém, a mais feliz - e por isso mesmo não logrou prevalecerá
Na verdade, na lista dos diplomas legais que introduziram alterações ao Decreto de 6 de Novembro de 1836 insere-se o diploma de 27 de Setembro de 1837, já citado, publicado no Diário do Governo n.º 235, de 5 de Outubro de 1837, que assim dispõe:
Artigo 1.º O Decreto de 6 de Novembro de 1836, e o mapa que dele faz parte, fica alterado da seguinte maneira:
§ 1.º As freguesias de Frende, Loivos da Ribeira, Teixeira e Teixeiró, que actualmente fazem parte do concelho de Mesão Frio, no distrito administrativo de Vila Real, passarão para o concelho de Baião, no distrito administrativo do Porto.
Foi em execução desta disposição legal que o administrador - geral do distrito de Vila Real enviou u Câmara Municipal de Mesão Frio o ofício de 21 de Outubro de 1837, em que a mesma Câmara se apoia para afirmar o esbulho do seu património municipal e o correspondente locupletamento por parte do concelho de Baião.
Não lhe assiste, porém, razão, como se procurou demonstrar. Antes, ficou apurado que em 6 de Novembro de 1836, das cinco freguesias disputadas, só Teixeira, que era então concelho, não pertencia a Baião.
11. Podemos, porém, tentar levar a investigação um pouco mais longe, dado que, sendo os dois* concelhos - o de Baião e o de Mesão Frio - de antiquíssima formação, pode, através dos tempos, a área territorial de qualquer um deles ter sofrido vicissitudes profundas em proveito ou em detrimento do outro.
Socorrendo-nos nesta investigação das fontes a que foi possível recorrer, anotaremos que a Chorografia Portuguesa, do P.6 António Carvalho da Costa, refere as freguesias reivindicadas por Mesão Frio como pertencendo ao concelho de Baião excepção feita para a de Teixeiró, a que não alude.

Igualmente nos Anais do Instituto do Vinho do Perto, ao tratar-se da demarcação da zona vinhateira, em 1758, a freguesia de Frende é referida como fazendo parte do concelho de Baião.
Também os livros de registo existentes no arquivo da comarca de Baião nos dão notícia, pelo menos a partir da segunda metade do século XVIII, de pleitos em que intervinham litigantes das freguesias em causa, incluindo a de Teixeira ].

Segundo informa a Câmara Municipal de Baião, verifica-se que nos livros arquivados na respectiva Conservatória do Registo Civil existem registos de nascimentos e óbitos ocorridos nas freguesias disputadas desde tempos muito recuados: 1811 quanto à freguesia de Frende, 1801 quanto à de Loivos da Ribeira, 1812 quanto à de Tresouras, 1842 quanto à de Teixeiró e 1791 quanto à de Teixeira.

A p. 464 do tomo II de Minho Pitoresco escrevia-se em 1887, aliás sem grande rigor histórico, mas em termos que não podem deixar de revestir algum interesse, a propósito das freguesias reivindicadas por Mesão Frio:
O Município de Teixeira conservou-se independente até ao ano de 1837; neste ano, porém, havendo divisão territorial e pretendendo os habitantes de Mesão Frio formar uma comarca, solicitaram do Governo que lhes fosse anexado o concelho de Teixeira, bem como as freguesias de Teixeiró, Loivos da Ribeira e Frende, pertencentes ao concelho de Baião, o que obtiveram, sendo então suprimido o concelho de Teixeira. Pouco tempo durou este estado de coisas, porque em 1839 tanto as antigas freguesias de Baião como o extinto concelho de Teixeira representaram aos Poderes Públicos e obtiveram a anexação ao concelho de Baião, a que ainda hoje pertencem, apesar de se terem repetido as tentativas de Mesão Frio para se engrandecer à custa deste concelho,
Numa obra que também não prima pelo rigor histórico - uma memória histórico - económica do concelho de Mesão Frio, da autoria do Dr. Álvaro Maria de Fornelos, apresentada como dissertação escolar na Universidade de Coimbra -, ao mesmo tempo que se expõe, em termos que se revelam cheios de actualidade, o problema da incorporação em Mesão Frio de quatro das freguesias disputadas, aflora-se uma aspiração que, de certo modo, está subjacente à luta sustentada pela Câmara Municipal. desse concelho.

Escreve-se aí (fls. 16 e 17):

1 Esta circunstância não seria, em princípio, relevante, dado que, não coincidindo a área comarca com a área concelhia, as freguesias questionadas .poderiam pertencer & comarca sem fazer parte do concelho de Baião - o que aliás acontecia, pelo menos, com a de Teixeira. O facto referido no texto algum significado tem, no entanto, sobretudo considerando que, B&O sendo Mesta Frio comarca e não estando este concelho ligado à comarca de Baião (pois o esteve até 1635, segundo se refere na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. XVII, p. 20, à comarca de Lamego, tal como hoje o está a da Régua), não seria natural que as freguesias questionadas estivessem judicialmente dependentes da comarca de Baião e administrativamente da de Mesão Frio.

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tenceram ao concelho de Mesão Frio ... E não seja para estranhar este plano de voltarem essas freguesias para Mesão Frio -, por isso que não só elas confinam com este concelho, de cuja sede apenas distam 4 km a 6 km, mas porque ficam à distância de 16 km a 18 km de Campeio, sede da actual comarca de Baião, e desta separadas por ínvios atalhos e perigosíssimas comunicações.

E note-se que as freguesias desanexadas de Mesão Frio para a comarca de Baião pertencem à província de Trás-os-Montes, ao passo que o resto desta comarca pertence a província diversa. Seria muito mais natural que essas freguesias voltassem a fazer parte do concelho de Mesão Frio e com este ficassem para Trás-os-Montes, tanto mais que elas estão separadas do resto da comarca de Baião pelo rio Teixeira, que é o limite natural entre as duas províncias. Assim é que por mais de uma vez os moradores destas freguesias (que são Teixeira, Teixeiró, Loivos da Ribeira e Frende) têm solicitado por escrito, dos Poderes Públicos a sua passagem para Mesão Frio - seu centro natural topográfico, postal, comercial e único razoável.
A afirmação que mais interessaria respigar desta transcrição seria, se documentada estivesse, a de que as freguesias reivindicadas por Mesão Frio (ou quatro delas) pertenceram, até 1837, a este concelho.
Mas, depois da investigação a que se procedeu, essa afirmação não tem qualquer relevância.

12. O estudo da divisão eclesiástica do País não contribui para um mais perfeito esclarecimento da questão versada.

Não há dúvida de que sempre as cinco freguesias disputadas pertenceram à diocese do Porto 1. Mas esta circunstância nenhum significado especial reveste, no âmbito do problema em estudo, visto que o arciprestado de Mesão Frio, tal como o de Baião, fazia parte daquela diocese, da qual só foi desanexado após a divisão eclesiástica decretada por S. 8. Leão XIII pela bula Gravissium Christi de 30 de Setembro de 1881, executada em 4 de Setembro de 1882 (v. Diário do Governo de 15 do mesmo mês), para ficar a pertencer à diocese de Lamego.
Por expressa menção, as cinco freguesias questionadas, bem como todo o concelho de Baião, continuaram ligadas à diocese do Porto.
13. A investigação histérica poderia, sem dúvida, ser conduzida com mais profundidade, na esperança de que não fosse impossível, mediante uma adequada busca e selecção de fontes de informação, determinar, através dos tempos, os laços de dependência civil entre as freguesias questionadas e a circunscrição ou circunscrições a que estiveram ligadas.
Mas o conhecimento da arrumação territorial feita no momento histórico em que a divisão administrativa se operou e consolidou e a circunstância de mais de uni século ter decorrido até agora tornam de certo modo inglório o esforço que aquela investigação exigiria.
Assim, cumpre consignar apenas as conclusões que é legítimo extrair da explanação feita e que conduzem à verificação da inconsistência do argumento histórico em que se funda a Câmara Municipal de Mesão Frio para apresentar o pedido de anexação das cinco.

1 V. Catálogo dos Bispos do Porto, de D. Rodrigo da Cunha, cd. de 1742, pp. 274 e 276.

Freguesias do concelho de Baião sob a forma de uma reivindicação com base jurídica:

a) Não se mostra que a freguesia de Tresouras alguma vez tivesse pertencido ao concelho de Mesão Frio;

b) A freguesia de Teixeira, que foi concelho até ao Decreto de 6 de Novembro de 1836, só nesta data foi integrada no concelho de Mesão Frio, do qual fez parte apenas até 5 de Outubro de 1837, data em que dele foi desanexada para se integrar no de Baião;

c) As freguesias de Frende, Teixeiró e Loivos da Ribeira, que em 6 de Novembro de 1836 pertenciam ao concelho de Baião, foram, em consequência de uma rectificação introduzida nos mapas anexos ao decreto dessa data, desanexadas deste concelho e ligadas ao de Mesão Frio, do qual se viram desintegradas pouco depois, pelo Decreto de 5 de Outubro de 1837, para de novo ficarem a pertencer, como ainda hoje pertencem, àquele concelho de Baião.

Razões de ordem geográfica

14. Pretende a Câmara Municipal de Mesão Frio que o território coberto por este concelho e pelas cinco freguesias reivindicadas forma, geograficamente, um conjunto, afirmando que ca área do concelho de Mesão Frio na sua constituição tradicional está naturalmente demarcada e delineada pelo seu verificado enquadramento entre os rios Teixeira e Sermenha, que, em conjunto com o Marão e o Douro, a precisam e definem inequívoca e claramente».

Quer o Sr. Governador Civil do Porto, no parecer a que se fez referência, quer a Câmara Municipal de Bailio, contrariam aquela tese, opondo-lhe as seguintes razões:

a) A delimitação do concelho de Baião corresponde a limites naturais definidos pelas linhas de «alturas», que se sucedem ininterruptamente, começando na serra do Marão (a 1415 m), passando depois pela Fraga da Ermida (1400 m), Seixinho (1282 m) e Rojão (888 m) e continuando depois a linha divisória pelo curso do afluente do rio Teixeira até à confluência e a seguir por esta linha de água, durante largo percurso, até tomar a linha geográfica que passa nas proximidades de Barqueiros (438 m) até ao Douro.

Continua o Sr. Governador Civil:

Da carta orográfica ressalta o rigoroso cuidado posto na delimitação do .concelho, que, longe de quaisquer artifícios, corresponde à realidade dos montanhosos terrenos, que deixam para o lado de lá -de Mesão Frio, de Santa Marta de Penaguião, de Vila Real, etc. - essa grande e muito característica região s província de Trás-os-Montes.

u) A região em que se situam as cinco freguesias disputadas é muito diversa das terras de Mesão Frio, quer quanto aos tipos de culturas, quer quanto às qualidades doa géneros produzidos (em Baião, por exemplo, produz-se vinho verde, enquanto é maduro o colhido em Mesão Frio), quer quanto à natureza das formações geológicas (a região' de Baião é granítica, enquanto o xisto é a única pedra que se encontra em Mesão Frio; também um pouco na freguesia de Teixeira, mas em formações de transição), quer quanto à pecuária, quer quanto às práticas e costumes rurais (instrumentos agrícolas de tipo diferente, diferentes medidas para os produtos da terra, etc.), quer quanto à índole das pessoas, aos hábitos e até à organização económico-social (em Mesão Frio, por exemplo, encontra-se o jornaleiro, que, isolado ou em ranchos, ganha

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o dia», não havendo o caseiro meeiro ou simples rendeiro, que predomina em Baião).
c) Assim, os aprofundes contrastes com que se depara no confronto dos dois concelhos, tanto no aspecto das terras como na índole das gentes», permitem concluir sustenta a Câmara Municipal de Baião - que não tem qualquer sentido a fronteira geográfica invocada pela Câmara Municipal de Mesão Frio.
d) Por outro lado, afirma ainda aquela Câmara Municipal, seria inadmissível que o rio Teixeira pudesse vir a ser uni dos limites do concelho de Mesão Frio, pois deste modo só Teixeira e Frende ficariam a pertencer a Mesão Frio, porque só essas duas freguesias estão localizadas, na sua totalidade, na margem esquerda do referido rio Teixeira. Quanto às restantes, sofreriam cortes curiosos: assim, Teixeira ficaria cortada em duas, ficando cerca de três quartos do lado de Baião, e a própria aldeia ficaria cortada ao meio; Loivos da Bibeira ficaria igualmente com a sua sede cortada e quase toda do lado de Baião e cerca de metade da sua área para cada um dos concelhos; e, por fim, a freguesia de Tresouras só ficaria com uma pequena aldeia do lado de Mesão Frio e quase toda a sua área do lado de cá, visto que a mesma se estende na sua grande maioria na margem direita do rio , Teixeira.
A Direcção-Geral de Administração Política e Civil,1 apreciando o problema da delimitação geográfica entre os concelhos de Baião e Mesão Frio, afirma no processo administrativo organizado com base na petição da Câmara Municipal do último concelho:
A asserção do Sr. Governador Civil do Porto quanto à mencionada linha de alturas é amplamente confirmada por um mapa corográfico da região que está junto do processo, do qual ainda se conclui que todo o concelho de Baião está envolvido numa cintura de serranias com a altitude média de cerca de 800 m, que abriga uma ampla bacia hidrográfica, diferenciada dentro da do próprio rio Douro, formada pelo rio Teixeira e por outros dois afluentes do primeiro, situados a ocidente do segundo. E de notar também que todos as freguesias reivindicadas pertencentes a Baião se encontram situadas na zona geograficamente influenciada pelo rio Teixeira e separadas de Mesão Frio pela linha de alturas indicada pelo Sr. Governador Civil.
De resto, cumpre acentuar que os limites entre os concelhos de Baião e Mesão Frio igualmente separam dois distritos e, com ruins interesse para a questão, duas províncias, o que parece confirmai a inexistência de .afinidades geográficas entre os dois concelhos.

15. Que pensar de tudo quanto se deixou referido?

Temos presente a carta corográfica de Portugal, na escala, de 1/50 000, do Instituto Geográfico e Cadastral (folha que interessa ao estudo a fazer).
Dela se colhe a impressão de que a divisão administrativa actual entre os concelhos de Baião e Mesão Frio está eirada em face da geografia. Será, porém, esta impressão resultante de meras aparências cartográficas? Vejamos:
Os limites territoriais são naturalmente definidos ou por linhas de água ou por linhas de divisão de águas. Na delimitação entre os concelhos de Baião e Mesão Frio esta regra não foi violada. Mas talvez não tivesse sido correctamente aplicada.

A demarcação territorial entre os dois concelhos orienta-se no sentido norte-sul e coincide, inicialmente, com a linha de alturas ou de partilha de águas que passa pelo Seixinho (1282 m) e pelo Bojão (888 m); aqui, a fronteira entre os dois concelhos abandona, porém, a linha de alturas até então seguida, para acompanhar, antes, uma linha de água que entronca no rio Teixeira; a partir da confluência, é ainda ao longo deste curso de água que a divisória se orienta, até ao lugar de Fragas; ao chegar a, este ponto, porém, em lugar de o limite entoe os dois concelhos prosseguir ao longo do rio Teixeira, como pareceria indicado, afasta-se bruscamente desta linha para, ganhando de novo altura, passar por S. Silvestre (531 m.) e Barqueiros (438 m) e ir morrer depois no rio- Douro.
Ora este último e caprichoso desvio, que concede no concelho de Baião uma faixa territorial alongada em que se situa toda a freguesia de Frende, uma parte da de Loivos da Bibeira e uma parte de Tresouras, é que parece não estar geograficamente certo.
E a alegação contrária de que todo o concelho de Baião está envolvido numa cintura de serranias com a altitude média de 800 m, que abriga uma ampla bacia hidrográfica, corresponderia mais rigorosamente à verdade se a bacia do rio Teixeira que, contrariamente a essa asserção, se estende, parcialmente, ao longo de terras de Mesão Frio, a este concelho pertencesse inteiramente.
Então, quando a fronteira entre Baião e Mesão Frio coincidisse' com a linha definida pelas alturas de Penedo Buivo (1236 m), Chorida (1089 m), Chã de Arcos (955 m), vuintela (765 m), Volta Grande (754 m), Senhora da Graça (617 m), Cimo de Vila Fonte (527 m) e daqui prosseguisse, de cabeço em cabeço, até entroncar rio Douro , poderia afirmar-se, com mais fundamento, que ela correspondia, ao longo de todo o seu percurso, a uma linha de alturas ou de partilha de águas que abandonaria a Mesão Frio, como pretende a Câmara Municipal deste concelho, toda a área das cinco freguesias reivindicadas.

Outra alinha de alturas» é ainda possível destacar na carta, que igualmente deixa o concelho de Baião encerrado numa cintura de serranias.

Mas o que realmente parece não corresponder a uma linha de alturas é a divisão administrativa actual. Tal linha é nitidamente desprezada em determinado momento do seu curso para, ao longo de cerca de metade da extensão da fronteira, coincidir com linhas de fundo de vale, ou linhas de água.

Razão tem, porém, a Câmara Municipal de Baião quando evidencia que a pretensão da Câmara Municipal de Mesão Frio de considerar as cinco freguesias disputadas como enquadradas nos limites naturais definidos, em relação a Baião, pelo rio Teixeira, é contraditória com a realidade geográfica, pois, efectivamente, esse limite natural só concederia- a Mesão Frio a totalidade das freguesias de Frende e Teixeira. As restantes seriam retalhadas pela nova linha fronteiriça, e a Mesão Frio não poderia caber senão a parcela situada na margem esquerda do rio Teixeira.

16. O desejo de não omitir a consideração dos aspectos que as partes directamente interessadas na disputa consideram relevantes conduziu a que ao aspecto geográfico da delimitação territorial fosse concedida uma importância que ele afinal talvez não tenha.

A fronteira de que se trata aqui não é entre Estados - é, mais modestamente, entre duas circunscrições concelhias. O interesse a acautelar, se .se entender que actualmente não está devidamente assegurado, é o de povos que têm o direito de .exigir o sacrifício de harmoniosas linhas cartográficas em homenagem aos .seus melhores interesses e condições de vida.

A divisão administrativa, sendo, como é, uma delimitação interna feita por portugueses para portugueses, deve corresponder aos resultados da lenta estratificação histórica que origina afinidades, relações e hábitos de-

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terminantes da comunidade de interesses na população de cada circunscrição»1.
Assim sendo, a atenção prestada às realidades geográficas, só tem cabimento na medida em que se reconhece que elas condicionaram ontem o condão de modelar ou caracterizar aquele fenómeno de estratificação histórica. Se a geografia não tem tal poder, não tem o homem do nosso século, que já se habituou a modificá-la, necessidade de se submeter às suas sugestões.
Outrora, quando o rio era obstáculo difícil de transpor, estava indicado que ao longo do seu curso se definisse a fronteira. Hoje, o rio ó, muitas vezes, apenas factor de aproximação ou integração. For isso afirma, com inteiro sentido das realidades, o Prof. Amorim Grirão:

As circunscrições políticas e administrativas aparecem-nos ... como a antítese perfeita da divisão natural ou geográfica. Naquelas circunscrições, a tendência, para associar territórios com capacidade diversa de produção, que uns aos outros se completem, é bem manifesta até mesmo pela circunstância de as respectivas sedes ficarem quase sempre situadas nos limites de regiões diferentes 2; e pode sem receio afirmar-se que é quase regra geral ver distribuída, uma região homogénea por dois ou mais organismos políticos ou circunscrições administrativas 3.

Em face do que ficou transcrito, desnecessário será acrescentar que as diferenças climatológicas e consequentes diferenças nos géneros de culturas agrícolas, as diferenças na formação dos terrenos, nos hábitos das populações, no sistema de medidas rurais, etc., a que alude a Câmara Municipal de Baião, não obstariam, decisivamente, a uma modificação de limites territoriais que circunstâncias do presente revelassem aconselhável.
E isto porque, como escreve o Prof. Marcelo Caetano 4, tem «muitas vezes o legislador de tocar na divisão administrativa tradicional para dar satisfação a necessidades recém-aparecidas, consagrar modificações económicas e sociais, acompanhar a acção dos tempos e da fortuna - embora deva fazê-lo com toda a prudência e evitando as grandes reformas ou remodelações territoriais, quase sempre perturbadoras».
E desta prudência que a Câmara Corporativa procurará não se afastar, na esperança de que prudente seja também a solução final a dar ao problema em estudo. Conforme à prudência é, porém, «repelir o erro inveterado de que a divisão administrativa deva coincidir com a divisão geográfica do território. As circunscrições administrativas não têm que ser geogràficamente homogéneas. O homem não é «produto fatal do meio geográfico» - como atrás se deixou afirmado; «reage sobre ele, transforma, modifica e adapta as condições naturais. Por isso, a economia e os laços sociais e espirituais tomam o passo à geografia» 5.

17. Fazendo o balanço do exposto, podemos concluir que a geografia mais parece favorecer do que desaconselhar a incorporação no concelho de Mesão Frio das freguesias disputadas. Mas, ainda quando se possa extrair, dos factos apontados conclusão diferente, ou até contrária, tal conclusão não prejudicará a viabilidade da pretensão da Câmara Municipal de Mesão Frio.
É que, se uma das regras que devem - presidir à divisão administrativa é a de que «as circunscrições administrativas não têm que ser geograficamente homogéneas, a outra regra é a de considerar a importância fundamental dos dados económicos e sociais para a divisão administrativa - para o que tem de se atender

Aos meios de comunicação e transporte (estradas, caminhos de ferro, rios navegáveis, pontes ...), que são outros tantos traços de união entre os povos, facilitando as relações culturais, o comércio e a criação de interesses comuns;

À existência dos centros urbanos, cidades e vilas, núcleos polarizadores de interesses sociais e económicos que nas suas redondezas criam e difundem vida, pela atracção cultural que exercem, pela função reguladora e distribuidora que desempenham como grandes mercados da região, chamando a si as comunicações 2.

Aqui chegados, é a altura de apreciarmos as razões económicas em que se funda a pretensão de Mesão Frio.

Razões de ordem económica

18. Na impossibilidade de uma observação directa dos factos e realidades a descrever, forçoso é ter em conta os elementos de informação que da mais diversa procedência chegaram a esta Câmara. Por eles se guiará o relato, joeirando-se os esclarecimentos - mais objectivos e fazendo-se referência, à medida que forem sendo enunciados, à respectiva fonte:
A vila de Mesão Frio

... constitui um importante centro comercial, com muito numerosos estabelecimentos de junto e a retalho, alguns de certa importância.
Esse comércio não vive da população da vila. Serve um grupo de freguesias que se desenvolvem em sua volta, como num semicírculo, e ali vão naturalmente fornecer-se.
E o centro geográfico dessa região - e poderíamos acrescentar, o centro económico.
Seguindo de poente para nascente a estrada nacional que do Porto conduz à Régua, paralelamente ao rio Douro, encontramos as freguesias de Frende, Barqueiros, Vila Jusã, Santa Cristina, Vila Marim e Cidadelhe 3.
Atrás de Barqueiros ficam Loivos e Tresouras; e atrás de Santa Cristina encontram-se S. Nicolau, Gestaçô, Teixeiró e Teixeira 3.
As freguesias de Barqueiros, Vila Jusã, Vila Marim e Cidadelhe constituem um conjunto natural e estreitamente ligado à vila de Mesão Frio.

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e à parte de Gestaçô que se estende do alto do Coucão até ao rio Teixeira l.
Umas e outras com Mesão Frio mantêm a plenitude das suas relações voluntárias. Ali vão abastecer-se, para o que encontram tudo o que precisam: comércio, mercados e feiras mensais e de ano.
A Baião deslocam-se os povos dessas freguesias apenas quando obrigados oficialmente: tribunal, câmara, polícia, finanças, registo civil, etc.
Pagam lá as sisas, mas vêm celebrar os contratos ao notário de Mesão Frio. Ali (Mesão Frio) vão ao médico e ao farmacêutico. Ali vão pagar a taxa militar e é do seu hospital que se servem 2.

E este facto não pode causar surpresa desde que se considere, em relação às cinco freguesias questionadas, esta realidade:
Frende, que é dessas freguesias a mais distante de Mesão Frio, fica a 8,5 km desta vila, por estrada nacional - mas a 22,5 km de Baião;
Loivos da Ribeira é das cinco freguesias a única que não tem estrada para Mesão Frio - mas para atingir esta vila há apenas que percorrer 3 km de caminhos, enquanto para Baião o percurso mais curto é de 10,5 km por caminho e 5,5 km por estrada, num total de 16 km;
Teixeira fica, por estrada, a 8 km de Mesão Frio e a 16 km de Baião;
Teixeiró, a 23 km de Baião (8,5 km por estrada e 14,5 km por caminho), é das cinco freguesias a mais distante de Baião, ficando apenas a 3,5 km de Mesão Frio (l km por estrada e 2,5 km por caminho); finalmente,
Tresouras dista 4 km de Mesão Frio (1,5 km por estrada e 2,5 km por caminho) e 14 km de Baião, dos quais 1,5 km por estrada e 12,5 km por caminho.
Mais rapidamente se fará o confronto em face do mapa que se apresenta 1:

[Ver Tabela na Imagem]

Tendo em conta que para muita gente de modesta condição económica mais interessa a distância a pé, por caminhos vicinais ou atalhos, que a distância por estrada, a que não recorrem por falta de meios de transporte ou pelo encargo que representa a respectiva utilização, convém referir que a pé, por caminhos vicinais, Frende fica a cerca de quatro horas de Baião, a subir pela serra, e a menos de uma hora de Mesão Frio;
Loivos fica a meia hora e Teixeiró e Tresouras ainda menos, desta vila; Teixeira dista de Mesão Frio cerca de uina hora a pé, por caminhos vicinais 3.

19. Verifica-se, pelo que ficou anotado, que razão tem a Câmara Municipal de Mesão Frio ao sustentar que :is cinco freguesias que reivindica têm mais fáceis comunicações (mais curtas e melhores ligações) com a vila de Mesão Frio do que com a sede de Baião.
Assim, está naturalmente indicado que os habitantes desses freguesias mantenham com Mesão Frio as suas relações voluntárias e que só se desloquem à sede de Baia3 (Campeio) quando a isso são obrigados.
E tendo em conta que as exigências da vida modera i, sempre crescentes, forçam a diversas deslocações anuais, quando não mensais (uma contribuição que se vai pagar, uma certidão que se pretende obter, uma sisa a liquidar, um depoimento a prestar em juízo, uma busca ou registo a fazer na conservatória, uma
diligência no registo civil, um atestado do subdelegado de saúde, o exame de 2.º grau a prestar por um filho, um processo de emigração a organizar, uma licença camarária a requerer...), não há dúvida que a maior distância determina uma inglória perda de tempo e de esforço, a que os povos devem, quanto possível, ser poupados.
Mas a distância a que as freguesias disputadas se encontram de Baião não conduz apenas a essa lamentável perda de tempo. Determina ainda que a vila de Campeio não pode desempenhar, em relação aos povos das freguesias em questão, a função dos núcleos polarizadores de interesses sociais e económicos que nas suas redondezas criam e difundem vida, pela atracção cultural que exercem e pela função reguladora e distribuidora que desempenham como grandes mercados da região.
Essa função tem sido (e cada vez mais continuará a ser, em função do progresso económico-social) desempenhada, em relação àquelas cinco freguesias, pela vila de Mesão Frio. A especial situação deste agregado urbano, na periferia do concelho de que é cabeça e nas proximidades daquelas freguesias, a existência na sua área territorial, de duas estações de caminho de ferro e, mais do que isso, a circunstância de estar localizado nos limites de regiões diferentes sob o ponto de vista agro-pecuário, tornaram a vila de Mesão Frio um centro de atracção comercial e de trocas de produtos ou géneros diferentes que para ali convergem e dali irradiam depois da adequada permuta.

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Assim se compreende o progresso da vila de Mesão Frio, sede de pequeno concelho.
Manifestamente que a liberdade de negociar não é concedida apenas aos naturais do concelho, e que, portanto, os moradores das vizinhas freguesias de Baião podem também acorrer às feiras e mercados de Mesão Frio e frequentar os seus numerosos estabelecimentos comerciais. Mas não menos sabido é que o rural aproveita a feira, não só para negociar e para se divertir, como ainda para tratar dos seus assuntos nas repartições públicas. Obrigá-lo a calcorrear os caminhos de duas vilas -uma para comerciar, outra para obter a certidão, uma para pagar a sisa, outra para fazer a escritura, uma para ir ao médico ou farmácia, outra para obter o atestado do subdelegado de saúde- entrava a marcha normal do dia a dia, obrigando aquele que trabalha a esbanjar esse capital precioso e limitado que é o tempo.

20. Em presença de tudo quanto ficou explanado, parece indubitável que há fortes razões económico-sociais que, se não bastam para impor ou sequer aconselhar a integração das cinco freguesias disputadas no território de Mesão Frio, pelo menos explicam a pretensão deduzida pela Câmara Municipal deste concelho.
Adiante se procurará apurar se os inconvenientes resultantes da integração não anularão as apontadas vantagens.
Entretanto, analisemos outra série de razões - estas de natureza administrativa- invocadas por aquela Câmara.

Razões de natureza administrativa

21. Sustenta a Câmara Municipal de Mesão Frio que os habitantes das freguesias que reivindica recorrem exclusivamente aos serviços clínicos, farmacêuticos, hospitalares, telefónicos e postais desse concelho.
Ora devemos convir em que a maior proximidade a que os povos dessas freguesias se acham da vila de Mesão Frio lhes tornaria mais cómodo o recurso aos serviços referidos, desde que estes existem em Mesão Frio.
O que já não é exacto, neste momento, como o era na época em que a Câmara Municipal de Mesão Frio deduziu a sua pretensão, é que o concelho de Baião não disponha de hospital e farmácias. Dispõe, sim, de hospital, de uma ambulância privativa e de três farmácias na área do concelho.
Assim, aquele recurso por parte da população das cinco freguesias disputadas aos serviços médicos, farmacêuticos e hospitalares de Mesão Frio não é hoje, com certeza, exclusivo - e muito menos obrigatório -, embora seja naturalmente mais fácil e cómodo o acesso aos meios de assistência localizados nessa vila.
Quanto aos serviços postais e telefónicos, as informações recolhidas são no sentido de que o movimento de correspondência e as ligações telefónicas das freguesias em questão se fazem por Mesão Frio.

22. Afirma a - Câmara Municipal de Mesão Frio que «a exiguidade da parcela do território em que o concelho se confina administrativamente faz temer a impossibilidade da sua sobrevivência por falta de área territorial que a justifique e, consequentemente, por falta de receitas necessárias à existência e funcionamento dos órgãos da administração que o representam».
Não há dúvida de que o concelho de Mesão Frio, com os seus 2656 ha (cerca da sétima parte da área do de Baião) e 8205 habitantes, é um dos concelhos do País com mais pequena área e mais reduzida população. As suas receitas também não são grandes: os adicionais às contribuições directas do Estado são de cerca de
metade dos arrecadados por Baião, se bem que, consideradas as respectivas áreas e população, o confronto se revele bastante favorável para Mesão Frio. De qualquer forma, e coimo se afirmou no parecer da Direcção-Geral de Administração Política e Civil emitido no processo administrativo, «não parece que o concelho de Mesão Frio esteja em risco de desaparecer da vida administrativa nacional». Por outro lado, o problema da exiguidade das receitas não é exclusivo dessa autarquia. Mas cumpre reconhecer que a existência de um concelho como o de Mesão Frio, que já era, quando apresentou o pedido de anexação territorial, suficientemente atribulada, muito mais o deve ser agora que o recente aumento de vencimentos do funcionalismo administrativo, ao criar problemas de melindrosa solução a todas as câmaras municipais, agravou especialmente a situação daqueles concelhos cuja debilidade económica e financeira acentua, nos orçamentos municipais, o peso do novo encargo.
Ora é indubitável que o pretendido acréscimo territorial e populacional (este considerável, da ordem dos 58 por cento) representaria para o concelho de Mesão Frio uma situação de desafogo, sob todos os pontos de vista, que se repercutiria muito favoravelmente na existência futura do concelho.
Mas é evidente que este problema não pode ser encarado apenas pelo prisma dos interesses de Mesão Frio. Impõe-se considerar, com especial cuidado, a situação que a desanexação criaria ao concelho de Baião.

23. Pretende a Câmara Municipal de Mesão Frio que a desanexação não afectaria gravemente as condições de subsistência ou mesmo a importância do concelho de Baião, visto este ficar a dispor, após a perda das cinco freguesias reivindicadas, de receitas e população suficientes para manter, sem perigo, a respectiva classificação administrativa.
Vejamos se assim é:
Quando a Câmara Municipal de Mesão Frio deduziu o pedido de anexação, o concelho de Baião estava, sob o ponto de vista administrativo, classificado como concelho de 2.a ordem, em função da sua população, pois tinha mais de 20 000 habitantes [artigo 3.º, § 2.º, n.º 2), alínea a), do Código Administrativo].
O Decreto-Lei n.º 39 447, de 23 de Novembro de 1953, ao dar nova redacção ao artigo 3.º do Código Administrativo, alterou o critério de classificação no sentido de terem a categoria de rurais de 2.º ordem, em função da população, os concelhos com 30 000 ou mais habitantes. Baião, cuja população era, pelo último censo, de 29 200 habitantes, não teria ainda naquela data de 23 de Novembro de 1953 atingido o escalão dos 30 000 habitantes (nem o terá atingido hoje, dada a taxa média anual do crescimento populacional do País), pelo que estaria condenado a baixar de categoria, se não fosse o disposto no artigo 3.º daquele diploma legal ao determinar que «mantêm a classificação actual ... os concelhos que não satisfazem aos requisitos do artigo 3.º do Código Administrativo, na redacção que lhe é dada por este diploma».
Considerando, porém, que as cinco freguesias disputadas têm uma população hoje superior a 4800 habitantes, que representa cerca de 16 por cento da população concelhia, e que a pretendida desanexação reduziria esta de 29 200 para cerca de 24 400 habitantes, não há dúvida de que o concelho de Baião ficaria muito longe daquele escalão mínimo de 30 000 habitantes e em risco de uma nova revisão da classificação administrativa dos concelhos o relegar para a terceira ordem.
Por outro lado, informa a Direcção-Geral de Administração Política e Civil, com base em dados fornecidos pela Câmara Municipal de Baião, que o rendimento

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global médio das cinco freguesias consideradas é de 80.000$.
Ora a í receitas de Baião são, relativamente à sua área territorial e população, muito reduzidas também, quando confrontadas com as de Mesão Frio.
Com efeito, enquanto este concelho de pouco mais de 800J habitantes e cerca de 2656 ha arrecadou, de impostos, taxas e outros rendimentos, em 1901, 439.305$ 70, Baião, com mais de 29 000 habitantes e de 17 000 ha, cobrou apenas, no mesmo ano, 775.875 $50 l.
E não pode esquecer-se que Baião, como concelho de 2.º ordem que é, tem anais amplas atribuições de exercício obrigatório (artigos 63.º e 64.º do Código Administrativo) do que Mesão Frio, o que acentua a referida desproporção de receitas.

24. Em conclusão do que ficou exposto, pode afirmar-se que o concelho de Mesão Frio seria altamente favorecido pela anexação das cinco freguesias pertencentes a Baião, logrando uma expansão territorial e um aumente I demográfico que, equilibrando os factores do progresso concelhio, lhe ofereceriam um mais desafogado e tranquilizador futuro.
E é oportuno consignar aqui que a velha aspiração mesa-friense da promoção do julgado municipal a comarca não encontraria óbices decisivos. Com efeito, já em 1948 escrevia o inspector judicial Toscano Pessoa no relatório do inquérito a que procedeu in loco:

O movimento do julgado é razoável ... tem bastante crime. Média de noventa corpos de delito 2 e vinte e cinco transgressões ...
O cível é regular e maior seria se os serviços da secretaria judicial corressem por maneira a inspirar ao público confiança na pronta solução dos seus problemas ...
A Câmara possui um grande e bom edifício, onde se encontram todas as repartições públicas. Traz em curso obras, feitas as quais vai tudo ficar magnificamente instalado.
Vi a parte destinada ao tribunal. Estão iniciadas obras de adaptação ... Boas instalações, bem localizadas e com bom acesso. Sala de audiências, gabinetes para os magistrados, sala da secretaria, sala para testemunhas, etc.

Conhecida a tendência irreprimível para o aumento acelerado do movimento judicial, impõe-se reconhecer que o volume de serviço que as cinco freguesias, anexados ao concelho de Mesão Frio, levariam ao respectivo tribunal municipal, se a este ficassem sujeitas, poderia vir a justificar a secular aspiração da criação da comarca, - não só com vantagem para essas freguesias, localizadas muito próximo da sua sede, mas igualmente para as freguesias que actualmente constituem o concelho de Mesão Frio e que estão dependentes, pelo que respeita ao julgamento de processos para que o julgado municipal não tem competência, da comarca de Peso da Régua 3.
O relatório do inspector judicial Toscano Pessoa também nos mostra que a criação da comarca nem sequer depararia com a falta de instalações convenientes.
Pelo que respeita a Baião, cumpre referir que o número de freguesias que constituem o concelho, tendo em conta as respectivas áreas e população, permite afirmar que a existência da respectiva comarca não correria o perigo de se extinguir por falta, de serviço judicial, mesmo quando fosse privada das cinco freguesias reivindicadas por Mesão Frio.
A vontade das populações afectadas directamente pela desanexação pretendida

25. Há, na questão em apreciação, um aspecto de grande relevância, que importa destacar e analisar com particular cuidado - ou seja, o respeitante, ao conhecimento do modo de ver das populações que, habitando as cinco freguesias reivindicadas por Mesão Frio, estão directamente interessadas na solução final do problema posto pela Câmara Municipal desse concelho.
Ao estudarem-se os dados do problema, parece que interessará conhecer tal vontade, que, a revelar-se ponderada e consciente dos seus melhores interesses, não pode deixar de ser tomada seriamente em conta na decisão final.
Só a vontade caprichosa e mal definida, formada ao sabor das paixões e interesses transitórios, determinada e orientada por fins ou objectivos menos respeitáveis, não merece ser conhecida e, se possível, satisfeita.

26. Bem pressentiram as partes neste pleito a necessidade, ou pelo menos a conveniência, de comparecer no processo amparadas pela adesão à sua tese das populações interessadas na disputa territorial.
E assim é que a Câmara Municipal de Mesão Frio se apresenta na qualidade de mandatária dos chefes de família das cinco freguesias cuja anexação pretende.
E não invoca essa Câmara quaisquer poderes de representação: sustenta que a esmagadora maioria da população lhe conferiu mandato. O quadro que se segue, elaborado pela Câmara Municipal de Mesão Frio, é a este respeito elucidativo:

[Ver Tabela na Imagem]

Por sua vez, a Câmara Municipal de Baião, sem negar um movimento inicial da população das cinco freguesias em questão a favor da anexação a Mesão Frio, afirma que a atenção concedida posteriormente às legítimas aspirações e interesses dessas freguesias, até então um tanto esquecidas por parte da administração municipal, determinou uma grande modificação no estado de espírito das gentes interessadas.
E assim, em 1957, após uma consulta feita ao povo ias freguesias disputadas, a Câmara Municipal de Baião apresentou os resultados que constam do mapa que se segue:

[Ver Tabela na Imagem]

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Cumpre consignar que, em face deste mapa, em duas das freguesias não logrou a Câmara Municipal de Baião o voto favorável da maioria dos chefes de família recenseados: as percentagens alcançadas foram apenas de 42 por cento em Teixeira e de 38 por cento em Loivos da Ribeira.

27. Entre essa data de 1957, em que a Câmara Municipal de Baião procedeu à consulta a que alude, e a data em que se teria operado o movimento geral de adesão a Mesão Frio, em que a Câmara deste concelho se apoia, procedeu o Sr. Governador Civil do Porto, por seu turno, a um inquérito junto das populações em causa. No relatório respectivo, feito em Setembro de 1952, deixou o Sr. Governador Civil consignado, como noutro local se referiu já, que de «tudo quanto observei, julgo poder concluir:

Teixeira - grande maioria a favor de Baião;
Teixeiró - o maior número deseja a mudança para Mesão Frio;
Frende - quase todos a favor de Baião;
Tresouras e Loivos da Ribeira - não houve quem se pronunciasse a favor de Mesão Frio».

O exame do relatório do Sr. Governador Civil do Porto permite porém reconhecer que a conclusão transcrita foi bastante optimista.
Com efeito, no aludido relatório, refere aquele magistrado que, tendo sido convocados, para se manifestarem sobre a anexação a Mesão Frio, os chefes de família das cinco freguesias em causa, apurara:

a) Que dos 44 chefes de família da freguesia de Teixeira que compareceram no edifício da respectiva Junta de Freguesia 43 se pronunciaram contra a pretendida desanexação;
b) Que poucas foram as pessoas de Teixeiró que compareceram na reunião convocada: seis, entre as quais duas senhoras que. se afirmaram representantes de suas mães, manifestaram-se contra a pretensão de Mesão Frio; duas outras - o presidente da Junta de Freguesia respectiva e um quartanista de Direito que se afirmou representante de seu pai - mostraram-se favoráveis à integração no concelho de Mesão Frio;
c) Que em Frende ca quase totalidade dos chefes de família l, incluindo o pároco, professor, presidente da Junta e outras pessoas de representação, opta presentemente pela sua continuação em Baião (sic, in relatório citado). Só um voto contrário;
d) Que em Tresouras compareceram, incluindo o presidente da Junta, que era também conselheiro municipal de Baião, 53 chefes de família, pronunciando-se todos a favor da manutenção da freguesia no concelho de Baião;
e) Que em Loivos da Ribeira não houve quem se pronunciasse a favor de Mesão Frio 2, dando o Sr. Governador Civil notícia de que duas pessoas presentes, entre as quais o pároco, explicaram «a atitude que quase todos haviam tomado contra Baião em virtude do esquecimento em que estiveram tantos anosa e acentuaram a satisfação que sentiam por verificar que a Câmara Municipal seguia agora outra orientação, que se traduzira já na construção de uma estrada de ligação da sede da freguesia à estrada nacional, e que confiavam continuaria a manifestar-se em novos melhoramentos.

28. O que fica referido e o mais que consta do relatório do Sr. Governador Civil justifica as seguintes conclusões:
a) Houve, inicialmente, nas freguesias disputadas, um forte movimento a favor da anexação a Mesão Frio, não sendo, assim, de surpreender que a Câmara Municipal deste concelho se arrogasse a qualidade de representante ou paladina da aspiração manifestada pelo povo das mesmas freguesias;
b) Não é, porém, possível saber exactamente a expressão numérica que esse movimento revestiu, pois as listas de adesões foram remetidas pela Câmara Municipal de Mesão Frio ao Ministério do Interior, que não forneceu a esta Câmara nem os originais, nem as cópias, sendo certo ainda que na informação prestada pela Direcção-Geral de Administração Política e Civil se dá um imerecido relevo - aos resultados obtidos pelo Sr. Governador Civil do Porto no inquérito a que procedeu, sem se tomar em conta ou referir sequer a expressai) que teria sido dada pelo povo das freguesias em questão ao desejo de transitar para a circunscrição administrativa vizinha;
c) O desejo de transferência para Mesão Frio não cessou inteiramente. Na verdade, concluiu o Sr. Governador Civil do Porto que o maior número de habitantes de Teixeiró queria, à data do inquérito feito por esse magistrado, a transferência da freguesia para Mesão Frio.
E como tal conclusão foi extraída da circunstância de não terem comparecido na reunião para que foram convocados senão meia dúzia de chefes de família dessa freguesia e de entre eles o próprio presidente da Junta se ter manifestado contra a ligação a Baião-, impõe-se reconhecer que o ocorrido nas restantes reuniões também não justificava a conclusão contrária, dado que o número total de chefes de família das diversas freguesias excede largamente o número dos que compareceram perante o Sr. Governador, como se verifica pelo confronto dos mapas de adesões apresentados pelas duas Câmaras interessadas.
Estes mapas exibem diferenças tão acentuadas que fica lugar para perturbadoras reflexões. Comparemo-los:

[Ver Tabela na Imagem]

O confronto é suficientemente elucidativo para, tendo em conta a população de cada freguesia e as diferenças registadas, se concluir, sem mais comentários, que ambos os mapas devem estar apartados da realidade.
Mas, de qualquer forma, sempre poderemos considerar apurado que as comparências nas reuniões, pré-

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sid das pelo Sr. Governador Civil do Porto, em que se procedeu à contagem, não atingiram níveis elevados: em Teixeira, menos de 13 por cento e em Teixeiró cer:a de 5 por cento; quanto a Tresouras, a percentagem de comparências foi de cerca de 50 por cento, em face do mapa elaborado pela Câmara Municipal de Baião 1, e de aproximadamente 24 por cento, segundo o mapa apresentado pela Câmara Municipal de Me são Frio.
Neste caso particular em que seria admissível supor que um grande número de abstenções correspondesse a uma manifestação de vontade contrária àquela que se deseja ver expressa, o número de comparências registado pelo Sr. Governador Civil do Porto é pouco favorável à posição de Baião.

29. A conclusão final a consignar neste capítulo é de que as circunstâncias em que se procurou surpreender II vontade das populações afectadas pela pretendida desanexação territorial não garantem a genuinidade dos resultados proclamados pelas partes interessadas na contenda. A impressão que é possível colher de que, inicialmente, se generalizou um movimento a favor da integração das cinco freguesias disputadas no concelho de Mesão Frio tem, necessariamente, de sofrer a modificação correspondente à alteração do estado de desço atentamente das respectivas populações contra o abandono, esquecimento ou simples desinteresse a que estavam votadas por parte da administração municipal de Baião.
Os elementos coligidos são no sentido de que a Câmara deste concelho tem, nos últimos anos, feito um esforço sério no sentido de anular aquele espírito separatista, valorizando as condições de vida das freguesias em causa - quer melhorando as comunicações, quer procedendo a um adequado abastecimento de águas e energia eléctrica, quer promovendo as ligações telefónicas e a melhor. instalação dos serviços escolares, etc.
A este respeito pronunciam-se por forma altamente favorável para a Câmara de Baião as juntas das freguesias interessadas.
Pode, pois, dizer-se que o tempo - longos oito anos decorridos - trabalhou contra a pretensão de Mesão Frio.
Saber em que grau a vontade do povo daquelas freguesias se modificou é ponto importante a averiguar, por meios convenientes de que não dispõe esta Câmara- tanto mais que a captação daquela vontade exigiria um prévio esclarecimento objectivo, se não das vantagens da transferência territorial para é concelho vizinho, pelo menos acerca dos inconvenientes que da mudança de circunscrição administrativa necessàriamente resultariam.

30. Porque - nem seria necessário acentuá-lo- tais inconvenientes existem, e sérios. Assim:

a) Sob o ponto de vista económico, estando os concelhos de Baião e de Mesão Frio integrados em duas regiões vinícolas demarcadas (aquele na dos vinhos verdes, este na dos vinhos maduros), existe uma barreira entre eles que não poderá desaparecer em relação às cinco freguesias consideradas e que prejudicaria necessariamente o intercâmbio comercial entre elas e o resto do seu novo concelho e determinaria dificuldades de vária ordem, resultantes da existência dentro do mesmo concelho de duas zonas vinícolas impermeáveis, servidas por organismos diferentes;
b) Sob o ponto de vista judicial sucederia que, enquanto não fosse criada a comarca de Mesão Frio (sê-lo-á algum dia?), as cinco freguesias continuariam dependentes da de Baião - ou, a serem integradas no julgado municipal do seu novo concelho, passariam a depender da comarca da Régua, pelo menos quanto à administração da justiça nos casos mais importantes ou graves;
c) As cinco freguesias em causa sofreriam ainda todos os inconvenientes de terem o seu passado, na medida em que este se reporta a serviços administrativos ou de justiça, notariais ou de registo predial, etc., ligado aos arquivos das repartições de Baião, o que obrigaria as gerações actuais a calcorrear toda a vida os caminhos de Baião e a legar às gerações vindouras a pesada herança de uma dependência que com elas não desapareceria inteiramente, sobretudo quando se considere que no caso em estudo a mudança de concelho implica uma mudança de distrito, de província e até, eventualmente, de diocese.

31. É evidente que todas as alterações introduzidas na divisão administrativa do País (e, embora em menor escala, na divisão judicial) têm deparado com dificuldades como as apontadas. E se é certo que a complexidade da vida moderna, na medida em que reforça os vínculos da dependência jurídico-administrativa, avoluma os óbices às transferências territoriais, a verdade é que a subordinação passiva a tais dificuldades tornaria impraticável qualquer correcção de gritantes injustiças.
O que se impõe, consequentemente, é que tais dificuldades sejam devidamente ponderadas, por forma a que se não crie, ao resolver um problema, mal maior do que o resultante da falta da solução reclamada.
Há que ter em conta, por outro lado, que a pretendida transferência territorial representaria uma amputação de tão graves proporções na área e na população de um concelho que não é grande nem rico que, a operar-se a desanexação, não poderiam deixar de se manifestar reacções perniciosas na vida e no clima político-social da circunscrição mutilada.
A consideração de todos os aspectos do problema em apreciação não pode, assim, prescindir de um estudo imparcial e objectivo, feito, com recurso directo a todas as fontes de informação, pelos serviços competentes do Ministério do Interior, orientado no sentido de obter a colaboração das partes interessadas na solução de um problema que, se pode considerar-se de ordem local, joga com interesses gerais, pela repercussão que a sua solução pode ter e pelos princípios e métodos que na sua apreciação necessariamente têm de intervir.
Da consideração de tais interesses não deverão abstrair os representantes das autarquias empenhadas na questão, sob pena de, sobrepondo o acidental ao essencial, sacrificarem interesses fundamentais a objectivos secundários.
A necessidade de um tal estudo ou inquérito avulta até da simples consideração de que qualquer transferência de uma parcela territorial que viesse a reputar-se oportuna levantaria toda uma série de problemas de delimitação de concelhos, distritos e províncias, que não podem deixar de ser simultaneamente encarados e resolvidos.

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III

Conclusões

32. A Câmara Corporativa, no exame que fez do projecto de lei em apreciação, chegou às seguintes conclusões:

1.º A reivindicação territorial deduzida pela Câmara Municipal do concelho de Mesão Frio, com vista a anexar à área deste concelho as freguesias de Frende, Teixeira, Teixeiró, Loivos da Eibeira e Tresouras, pertencentes ao concelho de Baião, não se apresenta coou bom fundamento histórico;
2.º A fronteira administrativa entre os dois concelhos parece não coincidir com a linha divisória mais natural, tendo em conta os dados da geografia.
Mas a delimitação geográfica natural, a ter interesse para a solução do problema suscitado pela pretensão da Câmara Municipal de Mesão Frio, só por técnicos poderia ser definida;
3.º Sob o ponto de vista de dependências ou ligações de ordem económico-social, existem razões que, não chegando só por si para impor a transferência para a circunscrição municipal de Mesão Frio das cinco freguesias em questão, pelo menos são suficientes para explicar a pretensão deduzida pela Câmara Municipal desse concelho;
4.º O concelho de Mesão Frio, dada a exiguidade do território em que se confina, o diminuto número dos seus habitantes e as consequentes dificuldades de ordem administrativa e financeira com que se debate, não tendo embora a sua existência ameaçada, lograria alcançar, por força da pretendida anexação, uma situação de equilíbrio que lhe permitiria legitimamente aspirar à realização de outros objectivos - designadamente o da ascensão do julgado municipal a comarca - que acentuadamente melhorariam as condições de vida da população mesão-friense; no entanto:
5.º A amputação ao concelho de Baião do conjunto territorial e demográfico constituído pelas cinco freguesias disputadas constituiria, dada a sua amplitude, uma mutilação tão grave que dela não poderia deixar de se ressentir gravemente, no futuro, a vida político-administrativo do concelho;
6.º As cinco freguesias disputadas poderiam -umas mais do que outras- beneficiar da anexação a Mesão Frio;
No entanto, a transição seria acompanhada de complicações e dificuldades de ordem administrativa, judicial e até económica, que não deixariam de afectar sensivelmente as gerações actuais, de certo modo prejudicando as vantagens da mudança;
7.º Não é possível, dado o método seguido na captação da vontade das populações interessadas na solução do problema, saber como é por elas encarada, actualmente, a reivindicação formulada pela Câmara Municipal de Mesão Frio, que inicialmente agiu com base numa generalizada manifestação de vontades no sentido da integração administrativa nesse concelho das cinco freguesias em questão.

33. Pensa a Câmara Corporativa que os problemas de ordem técnica que uma transferência territorial de uma para outra circunscrição pode suscitar, seja qual for a sua amplitude; o clima de desconfiança e hostilidade* que entre as duas circunscrições administrativas foi gerado e para o qual certamente contribuiu a forma como a solução do problema tem sido procurada sem êxito e com atraso; a conveniência político-social em que a solução final se obtenha a partir de uma base de entendimento e colaboração entre as partes interessadas, para que as repercussões finais não possam revestir aspectos negativos - tudo isto aconselha que o estudo e preparação da solução do problema sejam confiados ao Governo da Nação, que, através dos serviços competentes do Ministério do Interior e mediante uma acção desapaixonada, seguramente documentada e conduzida com prudência, poderá alcançar, sem graves reacções contrárias, um resultado justo.
Pelas razões expostas, é parecer desta Câmara que o projecto de lei n.º 7 não deverá ter seguimento.

Palácio de S. Bento, 1 de Abril de 1959.

Luís Gordinho Moreira.
Luís de Castro Saraiva.
José Seabra Castelo Branco.
Francisco Manuel Moreno.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Augusto Cancella de Abreu.
Fernando Andrade Pires de Lima.
Guilherme Braga da Cruz.
João Mota Pereira de Campos, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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