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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 103

ANO DE 1959 6 DE MAIO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

Sessão Nº 103, EM 5 DE MAIO

Presidente: Ex.mº Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários Exmos Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a tosado is 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.º 99, 100, 101 a 102 do Diário das Sessões.

Leu-se o expediente.

O Sr. Presidente informou estarem na Mesa os orçamentos fornecidos pelos Ministérios da Economia o Educação Nacional em satisfação dos requerimento'» dos Srs. Deputados Simeão Pinto do Mesquita o Carlos Moreira, respectivamente, o que foram entregues aos requerentes.

Remetidos pela Presidência do Conselho, e para os efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, receberam-se na Mesa os n.º 83, 85, 87, 90 o 91 do Diário do Governo, 1.º série, inserindo diversos decretos-leis.

A Assembleia autorizou o Sr. Deputado Cia. Proença a depor como testemunha no S.9 juízo correccional da comarca de Lisboa.

Usaram da palavra os Srs. Deputados Agnelo do Rego, que chamou a atenção de quem de direito para a livre venda de 'argumentos de filmes para maiores de 17 anos, focando os perniciosos efeitos resultantes da falta de uma eficiente fiscalização; Urgel Horta, para enaltecer a acção da Assistência aos Tuberculosos do Norte de Portugal; Amaral Neto, que enviou um requerimento para a Mesa; Jorge Ferreira, sobre problemas de assistência rural, e Freitas Soares, acerca das comunicações com a Madeira.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade dá proposta de lei relativa ao plano director da desenvolvimento urbanístico da região do Lisboa.

Usou da palavra o Sr. Deputado Camilo de Mendonça.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 hora» e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.

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Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Crua.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.º 99 100, 101 e 102 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre estes números do Diário das Sessões, considero-os aprovados.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Nunes Barata acerca da necessidade de reparar a estrada de S. Romão a Loriga.

O Sr. Presidente:-Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 9 de Abril findo pelo Sr. Deputado Simeão Pinto de Mesquita.

Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.

Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 16 de Outubro último pelo Sr. Deputado Carlos Moreira.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Enviados pela Presidência do Conselho e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontram-se na Mesa os n.01 83, 85, 87, 90 e 91 do Diário do Governo, 1.º série, respectivamente de 13, lõ, 17, 21 e 22 de Abril findo, que inserem os Decretos-Leis: n.º 42 209, que determina que o cargo de adjunto do 2.º comandante, constante do quadro orgânico do Comando-Geral da Guarda Nacional Republicana, anexo ao Decreto. Lei n.º 33 905, seja exercido, de preferência, por um coronel ou tenente-coronel do corpo do estado-maior, que desempenhará as funções de chefe do estado-maior; n.º 42210, que estabelece a estruturação indispensável à actuação do Ministério da Saúde e Assistência até à promulgação da respectiva lei orgânica; n.º 42 213, que determina que o quadro dos serviços auxiliares do Exército e a classe dos auxiliares do serviço naval passem a ser designados, respectivamente, por quadros do serviço geral do Exército e classe do serviço geral da Armada»; n." 42 215, que torna aplicável o disposto no § 7.º do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41 679 à dotação consignada às despesas referidas na alínea c) do artigo 2.º do mesmo diploma (prejuízos cansados pelas erupções vulcânicas e abalos sísmicos na ilha do Faial); n.º 42 210, que promulga o novo regime dos serviços periciais médico-legais nas comarcas do continente e ilhas, com excepção de Lisboa, Porto e Coimbra, e dá nova redacção ao artigo 168.º do Código das Custas Judiciais e adita ao quadro do pessoal de coda um dos Institutos de Medicina Legal de Lisboa, Porto e Coimbra dois lugares de assistente, especialmente destinados aos exames externos de tanatologia; n.º 42 219, que abre um crédito no Ministério das Finanças, a favor do Ministério dos Negócios Estrangeiros, destinado a constituir a alínea a) do n.º 3) do artigo 27.º, capitulo 3.º, do orçamento vigente do segundo dos mencionados Ministérios, e aplica às despesas a que o referido crédito se destina as disposições do Decreto-Lei n.º 32 281; n.º 42 231, que aprova, para ratificação, os acordos luso-alemães, assinados em Lisboa em 3 de Abril de 1958, sobre bens alemães em Portugal, direitos de propriedade industrial e liquidação do antigo com a Alemanha; n.º 42232, que acresce o subsidio ordinário anualmente concedido à Junta Autónoma de Estradas, nos termos do n.º 1 da base I da Lei n.º 2068, da importância de 17:000.000$, destinada ao pagamento de encargos do reajustamento de vencimentos e salários, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 42 046, e que abre um crédito no Ministério das Finanças, a favor do Ministério das Obras Públicas, destinado a reforçar duas verbas inscritas no capitulo 6.º do orçamento vigente do segundo dos mencionados Ministérios, e n.º 42 234, que autoriza o Ministério das Obras Públicas a promover, por intermédio

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das respectivas câmaras municipais, a construção de habitações para o alojamento das famílias de modestos recursos moradoras em casas a demolir em consequência das obras de construção dos acessos à nova ponte sobre o rio Douro, na cidade do Porto, e da auto-estrada de Lisboa a Vila Franca de Xira e que autoriza as Câmaras Municipais de Loures e Vila Franca de Xira a contrair empréstimos na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência para ocorrerem aos encargos que lhes competem naquela construção.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Pelo 2.º juízo correccional da comarca de Lisboa é solicitada à Assembleia autorização para a comparência naquele juízo, no dia 27 do corrente, às 10 horas e 30 minutos, do Sr. Deputado Cid Proença, a fim de depor em audiência de julgamento. Informo a Assembleia de que o Sr. Deputado Cid Proença não vê qualquer inconveniente para a sua actividade parlamentar na autorização solicitada.

Consultada a Assembleia, foi concedida autorização.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Agnelo do Rego.

O Sr. Agnelo do Rego: - Sr. Presidente: permita V. Ex.ª que em mui breves palavras me refira a um aspecto da nossa vida social que há dias me impressionou, embora não constitua novidade.
Soava assim um pregão que chegou aos meus ouvidos: «Histórias completas de filmes, são três por 1$; cine-romances, dois por l$50!
Ocorre imediatamente indagar, Sr. Presidente, que histórias, que filmes e que romances ... também, aliás, expostos à venda em diversos estabelecimentos! ... Mas não é necessário, porque logo se adivinha quais possam ser, em muitos casos, sobretudo quando se tratar de folhetos e respectivas gravuras referentes a filmes que, na sua exibição em casas de espectáculos, estão reservados, segundo as normas oficiais, apenas a maiores de 17 anos.
Em tais casos, e dada a liberdade de aquisição dessas publicações, bem como o custo acessível das mesmas, facilmente se avaliam os lamentáveis efeitos que daí resultam e se podem fazer sentir precisamente na juventude menor de 17 anos, ou seja aquela que oficialmente se quis preservar! ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Incoerência flagrante deste mundo de contradições, que, para bem da comunidade, justificadamente está a reclamar um vasto plano de saneamento moral ...
Sem mais considerações - por me parecerem escusadas -, só pergunto, Sr. Presidente, se estará certo semelhante estado de coisas e, pedindo adequadas providências, unicamente afirmo que, se sob o ponto de vista económico não há nada mais barato do que as ditas histórias e romances pelo preço apregoado, moralmente, porém, ficam, na verdade, tão caras que de nenhum modo podem convir à sociedade portuguesa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: o Porto, cuja nobreza de justo e sentido orgulho vive intensamente em todas as manifestações da sua actividade, pautando atitudes pelo cumprimento do dever, no respeito e na gratidão a quantos sabem render merecido preito às intrínsecas qualidades e virtudes que possui, continua a tarefa bendita, encetada no alvor da nacionalidade, dedicando às obras de assistência, obras de verdadeira caridade cristã, um desvelo e um carinho que só podem compreender e avaliar aqueles que labutam e vivem no seu meio.
Tudo quanto represente engrandecimento e progresso, observado e realizado em favor da cidade nas suas aspirações ou nas suas realizações; na efectivação de empreendimentos do maior volume, ou na simplicidade e modéstia de actos que representem prática de caridade ou de bondade; na admiração dos progressos ou melhoramentos de natureza material, ou na consagração dos grandes factos concebidos e realizados pela inteligência humana, abrangendo manifestações de espirito inerentes às letras, às artes ou às ciências, na intensidade dos seus efeitos ou nos seus aproveitamentos, favorecendo a grei, nunca o Porto, esta generosa e altiva cidade que vive constantemente na minha alma e no meu coração, se furta a desempenhar, com sinceridade e grandeza, o papel que lhe cabe na realização dos seus anseios, no reclamar das suas necessidades, na merecida consideração dos seus valores, pondo no seu espirito verdadeira justiça, eloquente compreensão e requintada inteligência.
E é fortalecido por todas estas razões, pelo verdadeiro conhecimento que possuo da sua gente, que eu sinto e vivo os problemas do Porto, com aquela intensidade, com aquele entusiasmo e aquela dedicação que, em verdade, todos me reconhecem, bendizendo a hora em que a nobre e invicta cidade e o seu distrito me escolheram para procurador, como seu Deputado à Assembleia Nacional, dando-me oportunidade e ocasião para lhe retribuir e lhe pagar, através da modéstia do meu esforço, tão grande como pesada dívida contraída com o velho burgo tripeiro, metrópole das mais arrojadas iniciativas, a que tudo quanto de mais caro pode existir na vida me prende fortemente.
Sr. Presidente: em Agosto de 1930, já são decorridos vinte e nove anos, foi iniciada na cidade do Porto uma magnífica cruzada de beneficência: a obra de Assistência aos Tuberculosos do Norte de Portugal, que vem desenvolvendo desde a sua fundação tarefa meritória, de alta projecção social, no combate à maléfica endemia que é a tuberculose, ceifeira de tantas vidas bem necessárias ao progresso e ao engrandecimento da Nação.
Os seus preventórios infantis, os seus dispensários e a finalização desse empreendimento notável, destinado ao combate à grave enfermidade, o grande Sanatório de Monte Alto, oficialmente inaugurado em 20 de Dezembro do ano findo, e todas as outras realizações que o completam, bem merecem algumas palavras de louvor, inteiramente justas, perante o alto valor que desempenham e ocupam na defesa da sociedade, pondo em destaque o ousado sacrifício que a sua efectivação representa, num esforço de abnegada generosidade levado a cabo por alguns, para bem de muitos.
Não são neste momento descabidas ou imerecidas algumas expressões de singelo reconhecimento, dedicadas aos cabouqueiros dessa magnífica tarefa, a que a vontade indómita do Prof. Lopes Rodrigues meteu ombros, com apoio da cidade inteira, e que através de todas as dificuldades levou a bom termo, não podendo esquecer-se o auxílio que o Governo prestou à instituição, numa manifestação de confiança e de fé na acção dos que a constituíram e se mantêm como seus dirigentes, animados de entusiasmo nunca afrouxado no extenso período de vinte e nove anos.
E é de inteira justiça lembrar o antigo Subsecretário da Assistência Dr. José Guilherme Melo e Castro, que tanta protecção dispensou à instituição.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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14) Informação da totalidade das sobras dos emolumentos dos funcionários referentes aos meses de Agosto a Dezembro de cada um dos anos de 1954 a 1958, inclusive;

15) Nota dos totais dos vencimentos do pessoal do quadro técnico aduaneiro em serviço em toda a área da Alfândega de Lisboa nos mesmos anos».

O Sr. Jorge Ferreira: Sr. Presidente: não há dúvida nenhuma de que temos um elenco ministerial à altura do pensamento e da acção de Salazar.

Ë reconfortante constatar o que todos os dias, dos respectivos gabinetes, através da imprensa, da rádio ou da televisão, chega ao domínio público- o que são os propósitos daqueles sobre cujos ombros pesa a honrosa mas enorme responsabilidade de promover o bem-estar da Nação, honrando-se a si, o Governo de Salazar e as gloriosas tradições dos nossos antepassados.

Parece que está a querer retomar-se o fio da meada, que, de qualquer modo, há uns tempos a esta parte parecia ter-se perdido, ou querer perder-se, o que para nós, portugueses fervorosos e salazaristas de sempre, nos vinha preocupando seriamente.

Para mim, que, como Deputado, tenho a correspondente responsabilidade de, por qualquer modo, contribuir pura o progresso do meu pais, pelo menos por aquilo em que possa ajudar a promovê-lo junto dos povos que me honraram com a sua confiança, rejubilo no constatar tais preocupações e o movimento que simultaneamente se vai desenvolvendo no sentido de as satisfazer.

Sem de qualquer modo querer estabelecer confrontos ou precedências, vou referir-me aos Ministérios que mais directamente estão ligados ao assunto desta minha intervenção, ou seja aos Ministérios da Saúde, Obras Públicas e Finanças.

Tem o País a consciência da alta dívida de gratidão que vem contraindo para com o Sr. Ministro das Obras Públicas, há longos anos já, mais longos para S. Ex.ª, que os tem vivido com a profunda noção das responsabilidades, num trabalho exaustivo e num estudo de todas as horas, a que a sua saúde dificilmente vai resistindo, e ainda ultimamente rejubilou ao saber que está no espírito de S. Ex.ª levar as estradas aos lugares que tenham cem ou mais habitantes, o mesmo se dando com o abastecimento de água, conforme reconfortantes notícias da passada semana.
O mesmo espírito de levar às aldeias um mínimo de comodidades que tornem visível a existência da pessoa humana nessas paragens vem a sentir-se em todos os sectores responsáveis da Nação, e assim é que esta Assembleia, pela palavra da maior parte dos seus elementos, aqui o tem traduzido.

Igualmente o novo Ministério da Saúde, pela boca do sen prestigioso titular e pela prestimosa acção que vem desenvolvendo, nos enche de contentamento (nesta altura falamos como português e como, modesto embora, representante no nosso concelho do sector da saúde pública) por verificarmos que isso concretizar-se, em prazo que não será longo, algumas das maiores aspirações da classe médica portuguesa, que se resumem no anseio de levar, em termos de eficiência, assistência clínica a todos os portugueses que dela necessitem.

E, não tenhamos dúvidas, pode parecer, para muitos a quem a saúde não falta, que este sector de actividade humana é secundário em relação a muitos outros, e assim é que, de facto, ele tem continuado a ser relegado para plano que podemos dizer de segunda ordem, mas a verdade é bem ao contrário dessas aparências, como o podem referir não só os doentes, mas todos aqueles que sobra este problema se detenham um pouco, ou não

fosse a medicina uma ciência humana e, como tal e porventura, até a mais universal das ciências do homem.

A criação do novo Ministério da Saúde trouxe-nos a certeza de que ele irá enfileirar ao lado dos primeiros, porque convencidos estamos também de que primeiras são de momento as suas necessidades.

Tudo dependerá, finalmente, da palavra de S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças, personalidade que ao País tem dado já a certeza de que é digno sucessor de Salazar na pasta que governa, não só pelo equilíbrio com que a vem dirigindo, mas, e sobretudo, pelo desenvolvimento que, com rara inteligência, lhe vem dando.

Estabelecidas estas premissas, entremos propriamente no assunto desta nossa intervenção: a habitação do médico rural.

E do conhecimento de todos que a efectiva assistência rural para grande parte das aldeias portuguesas é pura fantasia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por culpa de quem?

Dos médicos, que não vivem na sede dos seus partidos, quando os há? Nem sempre, nem muitas vezes.

Frequentemente, porque um partido abrange várias freguesias que não têm comunicações entre si e que, portanto, tornam impraticável essa assistência, e, outras vezes, e com as mesmas consequências, porque as freguesias não têm as condições mínimas de qualquer espécie de habitabilidade para os médicos: não têm estradas, não têm luz eléctrica, não têm água potável, nem em quantidade, muitas vezes, para satisfazer, com comodidade, os normais preceitos de higiene, nem têm habitação condigna.

Será justo, nestas condições, partindo mesmo do princípio que se criava um partido médico para cada freguesia, desterrar um homem com um curso superior, habituado a viver nos grandes meios e, portanto, com as naturais exigências daí derivadas, bem como a sua esposa, se é que é casado, e filhos, se os tiver?

Não parecerá isto mais um desterro, um severo castigo para quem como crime só tem o de se ter formado em Medicina e do exercício dessa profissão necessitar para viver?

Não me parece que assim deva ser, não me parece nem justo nem humano.

Os meios rurais precisam de ver satisfeitas todas as necessidades que reconhecemos lhes faltam: meios de comunicação, água, luz, habitação higiénica e confortável, e os médicos, além disso, necessitam ainda que lhes seja garantida justa remuneração, correspondente a acção que podem e devem exercer, da posição que ocupam e do sacrifício que suportam, vivendo nesses meios em que não têm praticamente convivência que lhes aproveite, sob o ponto de vista intelectual, e que torne aceitável e possível a sua permanência, se tudo o resto lhes faltar.

Só depois de satisfeitas as premissas enunciadas se poderá verdadeiramente pensar em satisfazer essa humana necessidade de assistência médica para todos os portugueses, o que não deixará de representar também forte motivo de fixação dos povos, evitando-se desse modo o nefasto êxodo das populações rurais, que nos grandes meios encontram comodidades que as convidam à fixação, com todos os prejuízos daí derivados e que por todos, por sobejamente evidenciados, são reconhecidos.

Para já, e para o fim que temos em vista, haverá que pensar-se depois do que está previsto por S. Ex.ª o Sr. Ministro das Obras Públicas em relação com as aldeias, isto é, depois da criação da projectada rede de estradas, da electrificação e do abastecimento de

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liberdade e coragem, a que nunca faltou compreensão da justiça, da caridade e da bondade.

Quero referir-me ao major Jorge Botelho Moniz, velho companheiro de ideais, presidente do Rádio Clube Português, a quem dirijo a minha maior homenagem, que ao escutar o meu apelo, num gesto de espontaneidade e nobreza, ofereceu à Assistência aos Tuberculosos do Norte de Portugal os serviços do sen emissor de Miramar, que, por circunstancias especiais, não puderam ser utilizados como seria desejo de todos.
E a Assistência aos Tuberculosos do Norte de Portugal, que punha no ressurgimento do seu posto emissor as melhores esperanças, completo no seu equipamento pronto a funcionar, aguarda há cinco anos deliberação superior que lhe conceda permissão legal para realizar a sua missão, cujas necessidades seriam largamente supridas pela actividade desse emissor, criado exclusivamente para bem de uma instituição totalmente dedicada à assistência.
Sr. Presidente: esta premente aspiração bem merecia ser deferida, como carinhoso auxilio inteiramente devido aos doentes que no Monte Alto procuram a saúde e procuram a vida.
A melhor homenagem que na hora actual agradeceriam os pioneiros desta cruzada, de tão ampla envergadura nos seus benéficos resultados, encontrar-se-ia no deferimento dessa petição, pois ele encerra contributo valioso em favor dos que sofrem e querem voltar às suas actividades, ganhando o pão para seu sustento e de suas famílias.
Problema revestido de alta gravidade, é hoje e continuará sendo por muitos anos a luta desenvolvida contra a insidiosa doença que é a tuberculose, luta que o Estado organizou dentro de um plano da maior eficiência, destinando lhe verbas de extraordinário volume, como meio indispensável a uma solução que possa reduzir a insignificante a importância da sua acção, os malefícios cora que a tuberculose atinge profundamente todas as camadas sociais.
Ao Governo, a que preside essa figura de estadista notável, que soube, por actos de extraordinário merecimento, grandeza e projecção, impor-se à consideração e ao respeito do mundo inteiro, dirigimos sincero apelo, pedindo para escutar a voz da Assistência aos Tuberculosos do Norte de Portugal, implorando auxílio, dentro dos moldes enunciados para trabalhar, com serenidade, confiança e proveitoso rendimento, em favor dos que sofrem, tornando-os aptos e capazes para a luta pela vida, no constante engrandecimento da grei portuguesa, a bem de Portugal e a bem da Nação.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Requeiro que pelo Ministério das Finanças me sejam fornecidos os seguintes esclarecimentos:

A) Com referência aos serviços da Direcção-Geral das Alfândegas:

1) Se os emolumentos do pessoal do quadro técnico aduaneiro foram elevados acima dos limites fixados em 1942, como o foram as gratificações do mapa da Reforma Aduaneira e os emolumentos da Guarda Fiscal; se a Ordem de Serviço n.º 46-A do ano de
1956 não previa essa elevação de emolumentos para vigorar a partir de l de: Janeiro de 1957, e, em caso afirmativo, porque não foi ela executada;

2) Se está prevista a actualização dos emolumentos estabelecidos no Decreto n.º 9742, do ano de 1924, on se esta não se justifica pelo longo tempo decorrido;

3) Se aos chefes de serviço compete, pela sua categoria, exercer funções de verificadores ou de reverificadores;

4) Se é ou não conveniente que os funcionários aduaneiros passem pelos vários serviços para maior aperfeiçoamento, ou se justifica, pelo contrário, que os funcionários sejam imobilizados vinte e dois anos no mesmo lugar, conforme parece acontecer; e

5) Nota discriminada das importâncias percebidas pelo pessoal em serviço na Direcção-Geral, pelas rubricas de deslocações, transportes e ajudas de custo, nas categorias de oficiais, segundos e primeiros - verificadores, chefes de serviço e reverificadores - chefes, nos anos de 1954 a 1958, inclusive.

B) Com referência em especial aos serviços da Alfândega de Lisboa:

G) Informação sobre se, depois de eu, nesta Assembleia, me ter ocupado da distribuição de proventos aos funcionários da Alfândega, tem sido sempre cumprido o disposto no n.º 22.º do artigo 342.º da Reforma Aduaneira; em caso contrário, em que períodos se procedeu diferentemente e porquê;

7) Nota discriminada das importâncias percebidas pelos funcionários do quadro técnico aduaneiro em serviço na dita Alfândega de Lisboa e suas delegações urbanas, pelas rubricas de deslocações, transportes e ajudas de custo, nas categorias de oficiais, segundos e primeiros-verificadores, chefes de serviço e
reverificadores-chefes, nos anos do 1954 a 1958, inclusive;

8) Informação sobre se os emolumentos do Decreto n.º 6825, do ano de 1920, modificado pelo Decreto n.º 9742, do ano de 1924, virão incluídos nas importâncias a que se refere a alínea anterior e com que fundamento;

9) Mapa das importâncias das gratificações referentes ao serviço de entrada e saída de automóveis de passageiros recebidas por cada funcionário em toda a área da Alfândega de Lisboa no ano de 1958;

10) Informação das horas de serviço no piquete e dos motivos por que se não terá eventualmente cumprido o disposto na alínea i) do § 2.º da Reforma Aduaneira;

11) Informação, sobre o horário de serviço na delegação aduaneira do Cais dos Soldados e qual o motivo por que se terá mantido a prorrogação desse horário e à sombra de que disposição legal;

12) Relação das colocações de oficiais e de segundos

verificadores em cada um dos anos de 1954 a 1958, inclusive, com os tempos de serviço prestados por cada funcionário em cada ano e em cada delegação on secção;

13) Informação sobre se os chefes de serviços como chefes de delegações se nomeiam a si próprios para serviços extraordinários, on se estes lhes são antecipadamente marcados;

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14) Informação da totalidade das sobras dos emolumentos dos funcionários referentes aos meses de Agosto a Dezembro de cada um dos anos de 1904 a 1958, inclusive;
15) Nota dos totais dos vencimentos do pessoal do quadro técnico aduaneiro em serviço em toda a área da Alfândega de Lisboa nos mesmos anos».

O Sr. Jorge Ferreira: - Sr. Presidente: não há dúvida nenhuma de que temos um elenco ministerial à altura do pensamento e da acção de Salazar.
É reconfortante constatar -o que todos os dias, dos respectivos gabinetes, através da imprensa, da rádio ou da televisão, chega ao domínio público- o que são os propósitos daqueles sobre cujos ombros pesa a honrosa mas enorme responsabilidade de promover o bem-estar da Nação, honrando-se a si, o Governo de Salazar e as gloriosas tradições dos nossos antepassados.
Parece que está a querer retomar-se o fio da meada, que, de qualquer modo, há uns tempos a esta parte parecia ter-se perdido, ou querer perder-se, o que para nós, portugueses fervorosos e salazaristas de sempre, nos v.nhã preocupando seriamente.
Para mim, que, como Deputado, tenho a correspondente responsabilidade de, por qualquer modo, contribuir para o progresso do meu país, pelo menos por aquilo em que possa ajudar a promovê-lo junto dos povos que me honraram com a sua confiança, rejubilo ao constatar tais preocupações e o movimento que simultaneamente se vai desenvolvendo no sentido de as satisfazer.
Sem de qualquer modo querer estabelecer confrontos ou precedências, vou referir-me aos Ministérios que mais directamente estão ligados ao assunto desta minha intervenção, ou seja aos Ministérios da Saúde, Obras Pública -5 e Finanças.
Tem o País a consciência da alta dívida de gratidão que vem contraindo para com o Sr. Ministro das Obras Públicas, há longos anos já, mais longos para S. Ex.ª, que os tem vivido com a profunda noção das responsabilidades, num trabalho exaustivo e num estudo de todas as horas, â que a sua saúde dificilmente vai resisti ido, e ainda ultimamente rejubilou ao saber que está no espírito de S. Ex.ª levar as estradas aos lugares que tenham cem ou mais habitantes, o mesmo se dando com o abastecimento de água, conforme reconfortantes notícias da passada semana.
O mesmo espírito de levar às aldeias um mínimo de comodidades que tornem vivível a existência da pessoa humana nessas paragens vem a sentir-se em todos os sectores responsáveis da Nação, e assim é que esta Assembleia, pela palavra da maior parte dos seus elementos, aqui o tem traduzido.
Igualmente o novo Ministério da Saúde, pela boca do seu prestigioso titular e pela prestimosa acção que vem desenvolvendo, nos enche de contentamento (nesta altura falamos como português e como, modesto embora, representante no nosso concelho do sector da saúde pública) por verificarmos que irão concretizar-se, em prazo que não será longo, algumas das maiores aspirações da classe médica portuguesa, que se resumem no anseio de levar, em termos de eficiência, assistência clínica a todos os portugueses que dela necessitem.
E, não tenhamos dúvidas, pode parecer, para muitos a ruem a saúde não falta, que este sector de actividade à humana é secundário em relação a muitos outros, e assim é que, de facto, ele tem continuado a ser relegado para plano que podemos dizer de segunda ordem, mas a verdade é bem ao contrário dessas aparências, como o podem referir não só os doentes, mas todos aqueles que sobre este problema se detenham um pouco, ou não fosse a medicina uma ciência humana e, como tal e porventura, até a mais universal das ciências do homem.
A criação do novo Ministério da Saúde trouxe-nos a certeza de que ele irá enfileirar ao lado dos primeiros, porque convencidos estamos também de que primeiras são de momento as suas necessidades.
Tudo dependerá, finalmente, da palavra de S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças, personalidade que ao País tem dado já a certeza de que é digno sucessor de Salazar na pasta que governa, não só pelo equilíbrio com que a vem dirigindo, mas, e sobretudo, pelo desenvolvimento que, com rara inteligência, lhe vem dando.
Estabelecidas estas premissas, entremos propriamente no assunto desta nossa intervenção: a habitação do médico rural.
E do conhecimento de todos que a efectiva assistência rural para grande parte das aldeias portuguesas é pura fantasia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por culpa de quem?

Dos médicos, que não vivem na sede dos seus partidos, quando os há? Nem sempre, nem muitas vezes.
Frequentemente, porque um partido abrange várias freguesias que não têm comunicações entre si e que, portanto, tornam impraticável essa assistência, e, outras vezes, e com as mesmas consequências, porque as freguesias não têm as condições mínimas de qualquer espécie de habitabilidade para os médicos: não tem estradas, não tem. luz eléctrica, não tem água potável, nem em quantidade, muitas vezes, para satisfazer, com comodidade, os normais preceitos de higiene, nem têm habitação condigna.
Será justo, nestas condições, partindo mesmo do princípio que se criava um partido médico para cada freguesia, desterrar um homem com um curso superior, habituado a viver nos grandes meios e, portanto, com as naturais exigências daí derivadas, bem como a sua esposa, se é que é casado, e filhos, se os tiver?
Não parecerá isto mais um desterro, um severo castigo para quem como crime só tem o de se ter formado em Medicina e do exercício dessa profissão necessitar para viver?
Não me parece que assim deva ser, não me parece nem justo nem humano.
Os meios rurais precisam de ver satisfeitas todas as necessidades que reconhecemos lhes faltam: meios de comunicação, água, luz, habitação higiénica e confortável, e os médicos, além disso, necessitam ainda que lhes seja garantida justa remuneração, correspondente u acção que podem e devem exercer, da posição que ocupam e do sacrifício que suportam, vivendo nesses meios em que não têm praticamente convivência que lhes aproveite, sob o ponto de vista intelectual, e que torne aceitável e possível a sua permanência, se tudo o resto lhes faltar.
Só depois de satisfeitas as premissas enunciadas se poderá verdadeiramente pensar em satisfazer essa humana necessidade de assistência médica para todos os portugueses, "b que não deixará de representar também forte motivo de fixação dos povos, evitando-se desse modo o nefasto êxodo das populações rurais, que nos grandes meios encontram comodidades que as convidam à fixação, com todos os prejuízos daí derivados e que por todos, por sobejamente evidenciados, são reconhecidos.
Para já, e para o fim que temos era vista, haverá que pensar-se (depois do que está previsto por S. Ex.ª o Sr. Ministro das Obras Públicas em relação com as aldeias, isto é, depois da criação da projectada rede de estradas, da electrificação e do abastecimento de

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águas - e para isto solicitamos a atenção de S. Exmo o Sr. Ministro da Saúde), haverá que pensar-se, dizíamos, na habitação do médico rural, que só poderá ser, na maioria dos casos, médico municipal, dada a pobreza de grande parte dos populações rurais, criando-se, deste modo, aquele mínimo de condições que poderão tornar-lhe alegre e despreocupada a existência, com consequentes e benéficos resultados, não só para si e para os seus, como para as populações no seio das quais efectivamente passe a viver, pois só deste modo lhe será proporcionado ambiente para se dedicar inteiramente à sua profissão, adquirindo livros e assinando revistas 1 com que poderá actualizar os seus conhecimentos, com óbvio benefício dos seus doentes, prestígio da sua função e proveito da sociedade.
Desta maneira, também mais facilmente será possível extinguir-se a numerosa e perniciosa seita dos curandeiros, que tão graves e abundantes erros vem cometendo por esse País fora, quase impunemente, mim atropelo arrepiante aos mais elementares princípios de respeito pela integridade da pessoa humana, e se acabará com essa mancha negra, tão espalhada e tão chocante, que é a morte sem assistência.
Assim se adoeceria menos injustamente e se morreria menos prematuramente, como já ouvimos dizer.
Bem se compreende que com esta minha intervenção não pretendo levar conhecimentos novos àqueles, a quem iucumbe a obrigação de resolver tais situações, nem houve em vista para aqui trazer ou referir estatísticas, métodos ou processos que por esse Mundo têm sido adoptados para resolver estes problemas, que não são só nossos, mas .de todos os países, em geral, e. no conjunto dos quais, infelizmente, ocupamos lugar que neste aspecto pouco nos distingue; mas tão somente foi nosso propósito reforçar o apelo da Nação para que eles possam ser resolvidos tão cedo quanto possível, pois por de mais sabemos nós que, em verdadeira grandeza, deles têm conhecimento SS. Ex.1º os Srs. Ministros a cujos sectores estão adstritos.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Freitas Soares: - Sr. Presidente: não há muitos dias, trouxe ao conhecimento desta Assembleia a situação em que se encontra a ilha da Madeira quanto às suas ligações marítimas e aéreas com o continente.
Pelo que se refere às comunicações aéreas, disse então que talvez dentro d« dois anos fosse possível fazer a viagem em pouco mais de duas horas
Entretanto, e no correr dos' poucos dias que passaram, veio S. Ex.ª o Ministro das Comunicações esclarecer este ponto através dos jornais diários. E o País e muito especialmente a Madeira ficou a saber que no n no de 1961 estará pronto o Aeródromo de Santa Catarina e antes disso o do Porto Santo, no ano próximo.
Uma luz de certeza se acendeu assim no coração das gentes da minha terra, cujo sentir agora julgo interpretar. Daqui endereço um caloroso agradecimento a S. Ex.º o Ministro das Comunicações.
Todavia, não posso deixar de notar que, embora fora das atribuições do Ministério das Comunicações, uma outra luz ficou ainda por acender. E essa é a que alumiará o caminho por onde um dia um navio poderá vir à minha i J ha com o único propósito de a servir.
Até lá, embora já não tenebroso como há séculos, o mar continuará a ser, como há decénios, barreira quase intransponível contra a qual se quebram os desejos dos que pela ilha a Lisboa querem vir, bem como dos que por aqui nascidos por lá apreciariam deleitar os olhos.

Mas estou certo de que aquele mar em breve será também uma via de comunicação para a minha ilha, pois confio no Governo e nos serviços que têm esta missão a seu cargo. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem ! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao plano director do desenvolvimento urbanístico da região de Lisboa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Camilo de Mendonça.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: não poderia começar as minha» considerações acerca dos problemas suscitados pela proposta de lei sobre o plano regional de Lisboa sem manifestar, em termos vivos e calorosos, o apreço e o aplauso pela iniciativa do Sr. Ministro das Obras Públicas.

Uma vez mais o ST. Ministro das Obras Públicas demonstra, de maneira cabal, estar atento às ansiedades manifestadas nesta Câmara, às exigências do nosso tempo e às práticas hoje correntes na Europa. Honra lhe seja.
De facto, se alguma questão constitui na actualidade preocupação sentida pelos portugueses de todas as regiões, a da elefantíase das áreas de Lisboa e Porto, o congestionamento industrial e urbano que nelas se verifica, é seguramente uma delas.
Paralelamente, o despovoamento de muitas regiões donde nostàlgicamente, dia após dia, vão saindo os mais novos, audazes e qualificados em demanda de melhores condições de vida, traduz uma questão vivida com angústia cada vez .por .mais gente.
O sentimento da oportunidade e urgência de travar uma e outra, desconcentrando no primeiro caso, propiciando novas condições de vida no segundo, processou-se
rapidamente e depressa passou a fazer parte das preocupações da consciência nacional.
Ir ao encontro desse sentimento, harmonizar o desenvolvimento económico, evitar os inconvenientes sociais, económicos e políticos da tendência para a concentração, assegurar condições de vida a todas as regiões, eis uma avisada orientação que merece gerais louvores, e traduz uma indiscutível necessidade económica e humana.
Temos, pois, motivos para nos considerarmos todos de parabéns.
Sr. Presidente: recordo-me de ter lido algures dever ter-se como trágico o desigual desenvolvimento económico numa economia planificada, enquanto em regime de livre competição tal situação não merecer considerar-se mais do que grave.
Todavia, acrescentava-se, se neste último caso a tendência observada era para agravar sucessivamente as desigualdades, então deveria ter-se tal circunstância como fatal.
Sei que, neste campo, não faltam as filosofias - a filosofia, não direi a poesia, também é. necessária nestas coisas -, não faltam as filosofias justificativas deste desenvolvimento clesarmónico.
Baseiam-se, especialmente, no facto de a Rússia ter bons tempos!- planeado instalar cinco sextos do seu potencial industrial em pouco menos de um sétimo do seu território e, ainda, na consideração de se dever encarar o planeamento regional como problema de

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segunda fase, isto é, como questão a visar apenas depois de cumprida a industrialização ou de atingida uma certa maturidade no desenvolvimento económico.
Não vou demorar-me na apreciação destes pseudo - argumentos, perfeitamente legítimos em quanto se trate de especulações científicas ou preocupações tecno cráticas. Não obstante, sempre observarei não encontrar argumentos capazes de sustentar, frente ao senso comum, uma orientação que conduza ao esquecimento das exigências do desenvolvimento harmónico para depois se acordai- um dia a reconhecer a necessidade de transferir indústrias, modificar infra-estruturas, promover novo arranjo económico e demográfico com os concomitantes encargos e sofrimentos.

Lá-por que o problema só se tornou evidente após o processo do industrialismo se ter operado sob o signo da liberdade económica, ao sabor das sucessivas descobertas científicas e das vicissitudes dos acontecimentos, não parece poder justificar que se sustente ou possa defender que se proceda hoje do mesmo modo, desprezando a experiência vivida.

O que acima de tudo me impressiona é que não seja evidente a todos constituir exigência da arte de governar o prevenir, extrair as lições da experiência própria e alheia para não repetir erros, desperdícios ou faltas que não seriam, depois, desculpáveis, se possa imaginai1 que todos quantos pretendam alcançar por avião terras de Vera Cruz temiam de começar por as demandar em caravelas quinhentistas!

Por toda a Europa, mas também pela Ásia, América e até pela África, a preocupação de um desenvolvimento harmónico vai ganhando mais e mais terreno, traduzindo-se em sucessivas realizações, constituindo objecto de medidas dos governos.

Se algum traço é característico neste pós-guerra, a preocupação do desenvolvimento harmónico, do equilíbrio inter-regional, de valorização de regiões em depressão, é um dos mais precisos, talvez por corresponder a uma exigência dos tempos, talvez por ser imposto pelo sentimentos dos homens.

É dentro deste ambiente e satisfazendo estas exigências que tem de ser considerada a proposta submetida a esta Gamara, como ponto de partida, como primeiro passo que urge prosseguir e completar com um conjunto de medidas de ordem económica, financeira e social.

Sr. Presidente: o livro há: anos publicado por J. Gravier Paris e o Deserto Francês-, a que o ilustre relator do parecer, Prof. Pires Cardoso, se refere, impressionou vivamente a opinião pública do seu país, cujo título reteve como expressão d« uma realidade a um tempo objectiva e sentimental.

Entre nós as coisas não são, porém, muito diferentes, e mais claramente se evidenciarão quando se fizer no próximo ano o censo da população, pois é sabido processarem-se estes fenómenos em progressão geométrica.

Entretanto, os elementos do censo de 1950 revelam ter a população continental aumentado nos últimos sessenta anos quase 70 por cento, enquanto a de Setúbal e a de Lisboa região de Lisboa se elevaram, respectivamente, de 180 e 147 por cento e a do Porto de pouco menos de 100 por cento.

Durante o mesmo período, a da Guarda, Viseu, Brasuca e Vila Real, ou seja de Trás-os-Montes e da eira Alta, apenas se acresceu de pouco mais de 25 por cento - seis vezes menos do que o ritmo de aumento de Lisboa, pouco mais de três vezes menos do que o crescimento demográfico do País.

Pelo que se refere ao potencial económico, a questão apresenta-se ainda mais aguda.

Com efeito, as regiões de Lisboa e Porto têm ou tinham em 1950 aproximadamente metade da população industrial e pagam ou melhor, pagaram em 1957 dois terços da contribuição industrial e predial e mais de 80 por cento do imposto complementar.

Estes elementos são elucidativos e quase dispensam comentários.

Se pretender levar-se mais longe a análise da composição regional da população residente, da população secundária e terciária, bem como do potencial económico, concluir-se-á que, para lá dos dois pólos de desenvolvimento de Lisboa e Porto, o crescimento económico tende a operar-se apenas nas faixa litoral entre Setúbal e Braga e a expensas de uma crescente despopulação e depressão dos distritos do interior.

Foi por isso que, há anos, ao abordar estas questões, me permiti definir o País como uma faixa de território limitado a oeste pelo Atlântico, a leste pelo meridiano que passa por Santarém, a norte e sul, respectivamente, pelos paralelos de Braga e de Setúbal.- Este rectângulo é o País em sentido económico e demográfico, mas não em virtualidades, em portuguesismo ...

Suponho,. Sr. Presidente, ser este quadro suficientemente expressivo e bastante conhecido de todos para que a urgente necessidade de o combater, de lutar contra a tendência para se agravar, não constitua uma evidência.

A descongestão populacional, a descentralização industrial, o desenvolvimento dás regiões em depressão, são processos que, posto qualquer deles em movimento, depressa arrastam a recorrer aos demais,, independentemente do objectivo proeminente assinado ou da causa determinante da política de organização do espaço.

De facto, conforme o motivo saliente seja o descongestionamento das grandes cidades, a descentralização das zonas industriais ou a revalorização de algumas regiões, é natural que a tendência, numa fase empírica como a que neste particular se tem atravessado, seja a de tomar como fim mais ou menos exclusivamente esse objectivo e a de procurar atingi-lo com uma série de medidas casuísticas. Cedo, porém, se evidenciará a necessidade de recorrer a outros meios, de alargar os objectivos, dada a interconexão que guardam entre si os diferentes aspectos de que pode revestir-se o arranjo do território.

E particularmente esclarecedora desta exigência a política regional da Inglaterra, quer pela sua evolução no tempo, quer pelo seu desenvolvimento no espaço.

De um objectivo militar alargou-se sucessivamente a descongestão da área de Londres e de outras grandes cidades, à descentralização industrial, ao desenvolvimento das regiões em depressão.

O exemplo francês revela, por outro lado, que as medidas negativas as primeiras de que, em regra, se lança mão são relativamente insuficientes, se não se inserirem num conjunto de soluções de ordem económica, fiscal e social.

O demógrafo Sauvy, tanto como o economista Jeanneney, tiram essa conclusão da experiência feita naquele país. Ë, aliás, intuitivo.
Quer isto dizer que o fenómeno dá congestão urbana, da concentração industrial, do despovoameuto de muitas regiões, do desequilíbrio inter-regional, se tornou motivo de preocupações políticas, sociais e económicas antes de haver sido elaborada uma teoria tanto justificativa como resolvente destas situações. A acuidade de que estes fenómenos se revestiram ao fim da última guerra determinou uma acção imediata que não pode aguardar uma formulação teórica, acção que, por isso, se desenvolveu casuística e empiricamente.

A dezena e meia de anos decorridos desde as primeiras medidas directas e os frutos da experiência desde então vivida têm sido naturalmente aproveitados para estudar as causas e os efeitos destes fenómenos,

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tanto como para definir uma política coerente, embora, deve reconhecer-se, se esteja ainda longe de uma completa formulação.
Alguns trabalhos franceses recentes, nomeadamente da Administração Nova da Economia s Humanismo, do Centro de Estudos Económicos, da Fundação Nacional das Ciências Políticas, do Ministério da Reconstrução e Urbanismo, têm sujeitado estes problemas a cuidadoso estudo, quer teórico, quer prático, mas devem destacar-se os estudos, relatórios e lições dos Profs. Perroux, Milhau, Byé e Jeanneney e o esforço realizado pelo V Colóquio da Associação Francesa de Ciência Económica, que teve lugar em 15 de Junho de 1957.
Não vou perder-me neste emaranhado, nem fatigar VV. Ex.ª, alargando-me em considerações a este respeito, que, ainda quando muito curiosas e úteis, me desviariam do meu propósito neste momento.
Por hoje e neste lugar limitar-me-ei a referir que a preferência pela solução dos pólos ou nós de desenvolvimento como meio de conseguir um desenvolvimento harmónico, de evitar os encargos de uma elevada congestão urbana e. os perigos de uma grande concentração industrial, a preferência pelos pólos de desenvolvimento parece nitidamente definida, ainda quando os estudos de planos parcelares de ordenamento regional evidenciem, a cada passo, a necessidade de operar também uma dispersão industrial.
Não são, de resto, soluções incompatíveis: uma leva à criação de complexos industriais dispersos pelo território, outra à disseminação de indústrias, especialmente complementares, pela zona de influência dos núcleos industrializados.
De tudo isto decorrem, porém, algumas conclusões da maior importância.
E que, Sr. Presidente, se quisermos seriamente, como urge, enfrentar este problema entre nós e vamos nu cauda da concretização destas políticas, teremos de definir rapidamente um plano de conjunto onde se fixem os núcleos a industrializar, sob pena de a pressão das necessidades e das conveniências particulares vir a tornar, em grande parte, inglório o esforço a que a proposta em discussão vai obrigar.
Definidos, assim, os pólos de desenvolvimento, tendo em atenção todos os factos e complexos sociais, poder-se-iam começar a executar AS infra-estruturas económicas e sociais indispensáveis u instalação de novos núcleos industriais.
De outra forma, ao proibir corajosamente a instalação de novas indústrias na região de Lisboa corre-se e risco de ter de vir, mais tarde, a conceder-lhes autorização ou de sustar o desenvolvimento económico pela falta de condições indispensáveis noutras zonas, ou, ainda, de uma inconveniente e desordenada instalação, em qualquer região, ao agrado do empresário pelas suas belezas turísticas ou comodidade de acesso.
É necessário que se definam sem detença as regiões e os seus complexos industriais para que desde já se abram à região as indispensáveis perspectivas, que é como quem diz, vias de comunicação, escolas técnicas, habitações satisfatórias, hospitais e centros de assistência apropriados, fontes de abastecimento alimentar, etc.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Quando tivermos presente o ritmo de industrialização da região de Lisboa, a necessidade de promover a transferência de indústrias para além da área agora definida e de não deixar concretizar o esforço previsto no Plano de Fomento sem o integrar
nesta preocupação, claramente se verá quanto de premência tem esta questão.

Para lá disto, Sr. Presidente, os custos de transferência traduzem-se em dispêndios que podiam melhor ser aplicados em novos investimentos, além de que algumas transferências só poderão efectuar-se a expensas do Tesouro Público, e certas indústrias mal localizadas, mas dificilmente transferíveis, impõem, pela sua presença, a localização de muitas outras que delas dependem ou à volta das quais gravitam.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Recorde-se que a inconveniente a quase todos os títulos localização da refinaria de petróleos acarreta uma série de novas instalações nas proximidades e que o tão falado, discutido e por ninguém entendido caso da localização da siderúgia obrigará à instalação próxima de uma nova constelação industrial, como se não bastasse a concentração existente e os inconvenientes para a vida da população de uma e outra, recorde-se que estes graves erros não têm já remédio fácil e faça-se o possível para que se não repitam em série no futuro próximo, por mais respeitáveis que sejam os interesses particulares em causa ou mais fortes as conveniências dos técnicos e dirigentes.

Sr. Presidente: as preocupações do arranjo do território no plano nacional podem ter uma raiz fundamentalmente económica, mas também social ou até política e administrativa.

Quer dizer: os motivos que determinam a acção podem não ser principalmente económicos, mas, outrossin, marcadamente humanos, quer sob o ângulo social, quer sob o ponto de vista político ou político - administrativo.

Idêntico condicionalismo se observa no capítulo dos objectivos, que, indo naturalmente do económico ao político, podem ser centrados sobre um ou outro aspecto. Quer se trate da predominância de motivos ou de objectivos, a verdade é que o ângulo de visão prevalente não exclui, antes exige, a concomitância dos demais.
Nem a U. R. S. S. escapou a esta interdependência, apesar do seu proclamado materialismo económico, pois estou em crer que, por sobrevisarem simplificações administrativas e aumento da eficiência económica, os medidas de descentralização de Khruschtchev têm uma causa e um objectivo fundamentalmente político.
Ora, vistas as políticas de arranjo do território sob este ângulo, afigura-se conveniente fazer algumas referências às preocupações da equipa da Economia e Humanismo e anotar também o que pode chamar-se política do regionalismo.
A equipa de Economia e Humanismo tem preconizado como primeiro objectivo satisfazer as ansiedades sentidas pelos interessados, procurado encontrar soluções à escala humana e visado a resolução dos problemas sob o primado do social.
E, aliás, a orientação evidenciada por este grupo de estudos e acção em todos os campos em que tem feito incidir a sua análise e doutrinação.
Por outro lado, aqueles que, em maior ou menor grau, defendem o arranjo do território como meio de reforma das instituições visam naturalmente objectivos políticos e têm a organização do espaço não como uma técnica, mas como arte ou, melhor, como uma política do regionalismo.
Em qualquer dos casos há uma crítica comum a da centralização administrativa.
Em que medida, porém, a centralização administrativa é responsável pela concentração humana e industrial verificada e ainda pelo consequente êxodo rural?

Vejamos quais as características salientes neste processo concentracionista, que caracterizou o industria-

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lismo tanto sob o regime do capitalismo liberal como perante o influxo de uma economia de direcção central.
Há elementos positivos e factores negativos; aqueles dizem respeito ao desenvolvimento económico, estes à anemia dos meios rurais.
Entre os elementos positivos ou causadores devemos salientar a menor facilidade de transportes, a escassa mobilidade da energia, o aumento da dimensão das empresas, as facilidades de distribuição de produtos, as maiores possibilidades de dispor de mão-de-obra qualificada, etc.
Pelo que se refere aos factores negativos que determinam ou estimulam o êxodo rural, devem anotarão motivos económicos, sociais e psicológicos. Daqueles, a diferença de remuneração de assalariados e empresários na agricultura e na indústria, a redução sucessiva da parte do rendimento agrícola no rendimento nacional, a progressiva distorção dos preços agrícolas e industriai» pela constante deterioração daqueles parecem decisivos; dos motivos sociais e psicológicos devem destacar-se o desconforto da via no campo, a deficiente protecção social e de meios de defesa sanitária, a atracção exercida pelo género ou modo de vida citadino, a preocupação de melhorar as condições de vida, que podem ter-se como mais importantes.
Gomo resultado ou consequência da acção congregada destas forças convergentes pode dizer-se que o estado de alma do rural é de inteira frustração, sentimento que traduz uma tragédia, que Simone Weill caracterizou nos termos seguintes:
Um mundo social está profundamente doente quando o camponês trabalha a terra com o pensamento de que se é camponês é porque não foi suficientemente inteligente para ser outra coisa ...
Quem ousará negar a esta sentença uma profunda actualidade na nossa vida, na vida que, graças a Deus, vamos vivendo?...
Mas como responsabilizar o centralismo administrativo por este processo quando durante o seu desenvolvimento, ou, pelo menos, durante a sua fase crucial, vigoravam conceitos ou preconceitos de acção governativa que talvez melhor pudessem ser ditos de inacção governativa?
Parece-me que seria mais lógico dizer-se que o centralismo administrativo foi o reflexo de todo este processo económico-social, que se limitou a acompanhar; pelo menos até ao advento do Estado intervencionista a centralização deverá ter-se como reflexo, e não como causa.
Desde a revolução nos conceitos da acção e missão governativa a centralização, ainda quando justificada, pode legitimamente responsabilizar-se por maior ou menor intervenção no processo concentracionista.
Só desde esse momento e na medida em que, desde então, a concentração urbana e industrial continuou a operar-se, ao mesmo tempo que a anemia rural não deixou de agravar-se, é que ao centralismo administrativo podem ser atribuídas responsabilidades.
Em qualquer caso o que parece líquido é ser preciso lutar contra a centralização como meio de combater a concentração, tanto sob o aspecto de congestão populacional como de aglomeração industrial.
Que num sistema económico como o actual, em que os homens se despersonalizam por detrás de uma maquinaria complexa em fábricas tontas vezes gigantes, se acumulam em residências dormitórios, se massificam, reformar a vida económica, de sorte que volte a estar sujeita a uma dimensão humana, de forma que o homem volte a reconhecer-se e a ser considerado, de facto, como portador de valores eternos, que num sistema
económico como o actual se considere e tenha a reforma dos processos e das condições de produção como objectivo fundamental parece indiscutível..
Ë sabido, de resto, estar a verificar-se uma dupla acção neste sentido. Por um lado, a evolução dos equipamentos está a conduzir, sucessivamente, o trabalho do homem de automotivo a vigilante. Por outro, os próprios interesses do capital - ainda quando não estiverem presentes preocupações humanas - estão a levar u fórmulas em quê o homem é cada vez mais integrado na empresa, até à própria reforma de empresa pela associação capital trabalho.
Este movimento, deve dizer-se, está, aliás, a fazer convergir os métodos capitalistas e as técnicas socialistas, impulsionados uns e outras pela mesma necessidade de integrar o factor humano.
Estão pois justificadas as preocupações de Lebret e dos seus colaboradores quando se não absolutizem a ponto de esquecer todas as outras exigências e os diferentes ângulos de visão dos problemas económico-sociais.
Pelo que respeita ao centralismo, que as doutrinas da equipa de Economia e Humanismo visam também directamente, parece/evidente que para lá da responsabilidade directa e indirecta que nas últimas décadas tenha no desenvolvimento deste processo, tanto nos países de. economia industrial madura como nas comunidades em vias de desenvolvimento, pelo que respeita ao centralismo administrativo, parece evidente ter de ser frontalmente combatido, se quisermos lutar contra a anemia de muitas regiões em depressão económica, direi, em consequência de uma depressão social, cultural e técnica.
Daqui decorre naturalmente uma concepção de organização do espaço que visa ou tem de servir-se de uma transformação dos métodos e processos de acção administrativa, que constitui uma política.
Dentro deste conceito, não pode nem deve restringir-se a organização do espaço e o urbanismo apenas a especialistas e técnicos, como tem acontecido em França, ou confiá-la às iniciativas e orientações das autoridades locais, como parece ser a tendência italiana, sueca e, em parte, nos primórdios, a inglesa.
No quadro de uma política de organização do espaço, decidir sobre a construção 'de casas, a edificação de escolas, a implantação de cidades, a realização de modificações estruturais ou melhoramentos fundiários, a execução de vias de comunicação, as distribuições de água ou de electricidade, a instalação de indústrias, etc., toma um significado bem mais do que técnico- no dizer de Pisani -, pois se inscreve num esforço de conjunto, coerente e total, pois se funda sobre um estudo do nosso espaço e do nosso povo assim como das suas relações e da sua evolução.
A organização do espaço não se situa, assim, ao nível técnico, mas da política, constitui uma certa concepção da vida nacional e exige a colaboração de diversas disciplinas, a cada uma das quais é preciso dar um sentido.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E por isso que já se disse que uma verdadeira política de organização do espaço supõe a reforma do Estado, da Administração, da fiscalidade, dos costumes».
Sr. Presidente: quem se detiver a olhar sem paixão, mas também sem romantismo, para o desequilíbrio regional, fortemente pronunciado, para a anemia de muitos dos nossos distritos, para o estiolamento da vida social, intelectual e económica da generalidade das nossas cidades interiores, quem apreender a ansiedade da

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nossa gente e a angústia dos «migrantes, quem se aperceber dos inconvenientes de toda a ordem desta situação humana e material e tiver uma visão clara sobre os motivos de intranquilidade política e social que projecta no futuro, creio, não terá dúvidas sobre a existência de um forte e vivo problema político a este respeito.
Parto, sem receio de errar, de que o arranjo económico, demográfico e social do nosso território constitui um problema político agudo, que tem de ser visto, com rapidez e decisão, sob este ângulo, sob esta preocupação.
Não basta já - e sente-se bem- continuar uma política utilíssima, embora em escala já insuficiente, de melhoramentos rurais, de auxílios sob diversas formas, mas sempre funcionando como paliativos.
É necessário, é urgente, tomar estas questões, tão vivas e actuais, tais quais se revelam à inteligência e à sensibilidade dos homens: como um problema político, a resolver por meios políticos, visando fins políticos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Chamei-lhe política do regionalismo, a por meio dela estou a vislumbrar uma economia mais humana, uma estrutura económico-social melhor adaptada às exigências do homem contemporâneo, uma administração menos tecnocrática, menos asfixiante a mais acercada das realidades, uma harmonia entre as regiões, uma maior autonomia e liberdade dos homens, vivendo e agindo num meio menos artificial e mais próprio ao desenvolvimento da sua personalidade, um maior equilíbrio entre a agricultura e a indústria, enfim, uma modificação, bem requerida, no sentido de, fugindo a demagogias dos regimes de massas, assegurar uma efectiva participação dos homens na coisa pública.
Aqui está um objectivo e também um meio que reputo eficiente, capaz de responder à ansiedade, de propiciar colaborações, de vencer - desânimos, de afogar dissídios, de apagar cansaços, de restabelecer confianças, aqui está um meio que, por si, tornaria muitos homens de subordinados a senhores do seu destino, uma tarefa que podia constituir uma verdadeira revolução, pois não lhe falta nem a magia do sentimento, nem a verdade da inteligência.
Por mim não tenho dúvidas de a proclamar como urgente necessidade a satisfazer, como política digna da obra que vem sendo realizada há três décadas.
Sr. Presidente: a proposta em apreciação inclui-se nitidamente entre as técnicas desta política. É, repito, o primeiro passo, é aquele passo que o Ministério das Obras Públicas pode, por sua própria mão, dar. Outras etapas tem este processo. Que eu saiba, seguir-se-lhe-á o plano regional do Porto, ainda do mesmo tipo e de não menor complexidade, e depois, espero, o da região transmontana, de estrutura e finalidade diversas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É urgente que este processo se acelere e ao Ministério das Obras Públicas não faltem os meios para tanto.
Mas é igualmente necessário que a orientação em boa hora .adoptada por este sector da administração pública seja acompanhada de medidas imediatas e paralelas no domínio das economias, particularmente na localização industrial, na política eléctrica, na revalorização agrícola, etc.
No que respeita à localização das novas indústrias, não a podemos continuar a deixar a coberto das conveniências particulares de alguns industriais ou seus representantes qualificados, de uma protecção pautai estática, de um condicionamento esclerosado e da prática dos exclusivos, que os interesses privados coincidam sempre - ou quase sempre - com localizações inconvenientes sob o ponto de vista social, político, regional, militar e sanitário.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pelo que se refere à política eléctrica, é mister quebrar algumas orientações, que vêm de há anos e têm conduzido a situações que, mesmo à nossa escala, estão fora de qualquer conclusão lógica.
De facto, verificando-se ser o transporte da corrente eléctrica para grandes massas e a grandes distâncias mais elevado - e não pouco mais elevado - do que o do carvão, parece intuitiva a conveniência de industrializar as zonas de produção de energia hidráulica - podendo ser - no raio servido económicamente por linhas de tensão média, a fim de alcançar equilíbrios regionais de produção-consumo.
Enquanto respeita à revalorização da nossa agricultura, deverá ter-se presente encontrarem-se actualmente a pequena e a média explorações em situação particularmente difícil, lutando pela sobrevivência, e a única forma positiva de lhes acudir será promover, rápida e decididamente, uma política de descentralização industrial.
As objecções de alguns a esta solução são desfeitas em termos simples pelo Prof. Fromont, nos termos seguintes: «A experiência mostra que, contrariamente ao que se tem podido crer, a presença de uma indústria, vizinha, longe de ser uma fonte de ruína para a agricultura da região, é uma fonte de riqueza. É no Norte, região de intensa actividade industrial, que a agricultura francesa obtém os seus mais altos rendimentos. É lá que as famílias camponesas têm mais filhos.
No Sudoeste, onde nenhuma indústria concorre com a agricultura, «a terra extingue-se», os rendimentos permanecem baixos, as terras pequenas despovoam-se e caem em ruína ... Uma indústria couduz-se sempre no meio como um fermento, age por contágio e acaba por impelir na sua marcha para diante todas as actividade que a rodeiam ...»

O Sr. Amaral Neto: - Estou inteiramente de acordo com a proposição de V. Ex.ª de que um núcleo industrial importante junto de um meio agrícola pode causar benefícios a este último.
Porém, o exemplo citado por V. Ex.ª dá a impressão de que para o autor cujas palavras V. Ex.ª reproduziu seria o facto fundamental da presença de uma forte unidade industrial no Norte da França que contribuiria para o progresso agrícola dessa mesma região, isto é, da Normandia, o que me parece não ser bem assim, pois é bem conhecida a vantagem agrológica e climática que as suas terras levam sobre as da outra zona citada em paralelo.

O Orador: - Com certeza. Simplesmente, a resposta de Fromont às críticas que, em dado momento, eram dirigidas à instalação de indústrias nos meios rurais veio esclarecer a questão, por via demonstrativa, pelo exemplo. De facto, se as condições naturais no Norte da França favoreciam o desenvolvimento agrícola, a forte industrialização, ainda quando o não estimulasse, pelo menos, não o prejudicou.
Entre nós tenho ouvido pôr a questão de saber se, por exemplo na região de Castelo Branco, a presença de um núcleo industrial não implicaria um prejuízo para a agricultura.
Penso que não, muito embora haja que ter em conta, em primeiro lugar, o facto de numa 1.ª fase se estabelecer concorrência de salários, com o consequente agravamento do custo de produção agrícola.

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Enquanto se não chega àquela fase em que a mecanização da agricultura e a racionalização dos processos de exploração permitem a utilização de pessoal qualificado e melhor remunerado, assim acontece.
Há ainda o caso das indústrias complementares da agi I cultura, que, obviamente, são sempre favoráveis em todos os aspectos.
O problema é, portanto, este: os complexos industriais, ou simplesmente as grandes indústrias, podem, durante uma 1.ª fase, sujeitar a agricultura da região a forte concorrência e consequente prejuízo, mas logo em segunda se criam novos mercados, diferentes possibilidades, uma vida que, quando aproveitada pela racionalização da exploração agrícola, acaba por trazer as maiores vantagens ao desenvolvimento e revitalização rurais.

O Sr. Amaral Neto: - Muito obrigado a V. Ex.ª, mas o pé eu não queria era que, com a autoridade que V. Ex.ª tem em questões de economia, especialmente economia agrária, alguém supusesse que as diferenças de rendabilidade e de prosperidade dessas duas zonas agrícolas francesas proviriam tão-sòmente da vizinhança industrial.

O Orador: - Se quisermos resolver muitos dos nossos problemas, se pretendermos enfrentar, séria e decididamente, as questões que a proposta de lei visa, teremos de preparar um plano coerente e harmónico de desenvolvimento regional e executá-lo com coragem e decisão.
Praza a Deus que aos outros departamentos da administração pública as questões se revelem com a mesma clareza, por eles sejam vistas com o mesmo espírito e enfrentadas com igual senso das realidades.
Se assim acontecer, a iniciativa agora tomada não deixará de ser frutuosa, de satisfazer manifestas ansiedades, de resolver problemas urgentíssimos.
Já não é a primeira vez que o Ministério das Obras Públicas toma a iniciativa de se ocupar, pelos meios ao seu alcance, de problemas que outros sectores responsáveis haviam abandonado à sua sorte, e nem sempre o apoio que depois lhe foi dado mereceu o valor e oportunidade das medidas tomadas. Esperemos confiada mente que desta vez tal não aconteça. Têm a palavra os outros Ministérios interessados ...
Sr. Presidente: vou concluir louvando a proposta, felicitando o Sr. Ministro das Obras Públicas, apelando cada vez mais para os Ministérios cuja acção é indispensável para realização inteira da política que, neste Campo, se inicia.
Mas não me limitarei a esse louvor e a esse apelo. Quero terminar chamando a atenção do Governo e do País para a necessidade de formular uma verdadeira política de regionalismo, para uma política de humanização da economia, de justiça na repartição do rendimento entre os sectores da produção, os homens e as regiões, de dignificação do homem, de valorização rural, de desconcentração à escala humana, de revigoramento da vida local.
Creio na sua oportunidade, creio na sua justeza, creio na sua realidade, creio na sua eficiência, creio no seu resultado económico, social e político.
Sr. Presidente: creio na política do regionalismo. O País, estou certo, também acredita. Oxalá o Governo não deixe de acreditar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia da sessão de hoje. Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Domingos Eosado Vitória Pires.
Fernando António Munoz de Oliveira.
João da Assunção da Cunha Valença.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José dos Santos Bessa.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Purxotoma Bamanata Quenin.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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