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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 104

ANO DE 1959 7 DE MAIO

VII LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 104 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 6 DE MAIO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Gosta Evangelista

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 103.

Deu-se conta do expediente.

O Sr. Deputado Camilo de Mendonça falou sobre a proposta de lei relativa ao abastecimento de água às populações, rurais.

O Sr. Deputado Ramiro Valadão ocupou-se da necessidade de construção do aeroporto de Santana (S. Miguel) e das ligações marítimas com os Açores.
O Sr. Deputado Vítor Galo requereu informações sobre os capitais do Estado e das instituições de residência investidos em empresas nacionais.
O Sr. Deputado Afonso Pinto referiu-se à acção benemerente da Fundação Gulbenkian.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca da proposta de lei relativa ao plano director da urbanização da região de Lisboa. Falaram os Srs. Deputados Peres Claro e Nunes Barata. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henrique Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.

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Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Finto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João Cerveira Finto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Beis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luis Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Ângelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 91 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 103.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: a p. 667, col. 2.a, 1. 4 da alínea 10) do meu requerimento, onde se lê: «§ 2.º da Reforma Aduaneira», deve ler-se: «§ 2.º do artigo 169.º da Reforma Aduaneiras.

O Sr. Freitas Soares: -Sr. Presidente: a p. 669, col. l.a, 1. 53, do Diário das Sessões n.º 103, onde se 16: «ficou», deve ler-se: «ficaram»; na mesma página e coluna 58 e 59, onde se lê: «julgo interpretar. Daqui endereço», deve ler-se: «julgo interpretar, daqui endereçando» na mesma página e coluna, 1. 63 e 64, onde se lê: «poderá vir», deve ler-se: «poderá ir e vir»; na mesma página, col. 2.a, 1. 5, onde se lê: «Tenho dito», deve ler-se: «E disse, Sr. Presidente».

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra acerca deste Diário, considero-o aprovado com as rectificações apresentadas.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama

De Joaquim Cunha a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Nunes Barata acerca da necessidade de reparar a estrada de s. Romão a Loriga.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 2õ de Fevereiro último pelo Sr. Deputado Nunes Barata.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Camilo de Mendonça.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: acaba de ser enviada a esta Câmara uma proposta de lei sobre o abastecimento de água às populações rurais. A circunstância de esta proposta se não incluir entre as matérias a discutir durante a sessão extraordinária em decurso, e, consequentemente, só poder vir a ser apreciada por esta Assembleia na próxima sessão ordinária, leva-me a produzir, neste momento, breves considerações chamando a atenção para o seu alcance e agradecendo ao Ministro das Obras Públicas a medida.
De facto, diversas têm sido as intervenções em que o problema do abastecimento de água às populações rurais foi abordado sob os mais variados ângulos, mas sempre com o mesmo sentido: a necessidade de apressar a execução destas obras, de aumentar o ritmo das comparticipações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Que o problema se tornava agudo, que novas medidas eram indispensáveis, que maiores volumes de comparticipações eram necessários, parece fora de dúvida.
A ansiedade das populações, estimulada pela tarefa realizada no sector dos melhoramentos rurais, a ansiedade das populações, que tão eloquente eco encontrou na representação nacional, carecia de ser satisfeita com prontidão.
Ainda quando se discutiu o Plano de Fomento, diferentes oradores se ocuparam deste problema e frisaram a premência de que se reveste, permitindo-me destacar, pelo seu realismo e eloquência, como, aliás, é seu cunho, a intervenção do nosso ilustre colega Amaral Neto..

O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

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O Sr. Amaral Neto: - Agradeço o destaque, mas a justiça manda que se diga, e que fique a constar das actas, que foi certamente mais poderosa e eficaz a actividade exercida por V. Ex.a

O Orador:-Por amor de Deus! A actividade era geral.
Como consequência destes sentimentos, do reconhecimento desta necessidade, ao concluir o debate, aprovou a Assembleia Nacional uma moção em que, entre outros assuntos, pediu ao Governo a revisão do Plano de Fomento no sentido de incluir o abastecimento de água às populações rurais como uma das tarefas a executar no sexénio.
Tive a honra de ser um dos proponentes desta moção, e não posso, ao verificar que o nosso apelo foi escutado com carinho e satisfeito com prontidão, deixar de agradecer ao Governo, com viva satisfação, a inclusão desta questão no Plano de Fomento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Devo referir, ainda, que, ao atender o apelo da Assembleia Nacional, o Governo não só foi ao encontro de uma argente necessidade como praticou um acto político que merece ser assinalado.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador:-Desta forma, sentem-se os Deputados estimulados na sua missão, o Governo não deixará de beneficiar da colaboração da Assembleia e, como resultado, melhorará o ambiente político e aumentará o prestígio da Administração.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: a atitude do Governo merece o nosso aplauso e agradecimento, mas julgo-me no dever de destacar a acção do Ministro das Obras Publicas, que com tanto afã, carinho e persistência estuda, com o maior empenho e escrúpulo, os problemas e procura encontrar a solução mais adequada e mais pronta para cada um.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Tem o Sr. Eng.º Arantes e Oliveira prestado inestimáveis serviços ao Pais e revelado na sua infatigável acção uma personalidade de estadista de alta envergadura, que os Portugueses justamente apreciam e distinguem com estima e particular simpatia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Ao prestar aqui uma singela mas sincera homenagem ao Sr. Ministro- das Obras Públicas, sentimento que sei esta Camará partilha, sem excepção, desejo agradecer-lhe mais este grande serviço em benefício de nossas boas e bem carecidas populações rurais.
E estou certo de que os nossos municípios me acompanham neste agradecimento tanto como nesta homenagem ao Ministro sempre atento às suas necessidades, sempre preocupados com as suas preocupações!

Sr. Presidente: a proposta de lei a que me refiro pretende satisfazer as necessidades de água potável aos agregados com mais de cem habitantes no mais curto espaço de tempo.
São milhões de portugueses que vêm resolvida uma exigência fundamental, que vêem afastar o espectro da doença, que vêem assegurada a satisfação de uma comunidade indispensável, que podem sentir-se menos predispostos à descrença e ao desânimo, que está na base do êxodo rural.
São milhares de lares que vêem melhorada a sua condição, aumentado o sen conforto, que deixam de se sentir desamparados, abandonados à sua sorte, à sua triste sorte.
E ... escuso de acrescentar mais, tão grandes e óbvios são os benefícios que a proposta de lei possibilita e assegura.
Sr. Presidente: pedi a palavra para louvar e agradecer, mas também para salientar o alcance da proposta. E concluo manifestando a minha satisfação por me ser dado fazê-lo, já que as nossas populações rurais merecem bem o beneficio que se lhes outorga. Merecem e têm direito.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ramiro Valadão: - Sr. Presidente: o problema das comunicações aéreas está na ordem das preocupações imediatas do Governo, que, nos últimos dias, bem manifestou estar atento ao que constitui imperiosa necessidade do nosso tempo. Assim, e através de qualificado informador, o Ministro das Comunicações tornou pública a solução encontrada para a adaptação do Aeroporto da Portela às condições impostas pela evolução da técnica aeronáutica e, dias depois, em comunicado claro e significativo, previu já para o próximo ano a inauguração da pista de aterragem na ilha do Porto Santo e outras providências tomadas para total satisfação das necessidades do arquipélago da Madeira no tão importante capitulo das referidas comunicações aéreas.
Congratulando-me com estas decisões do Governo
e uma palavra de justo louvor é devida à actividade do Ministro das Comunicações, a cuja inteligência e alta competência gostosamente presto a minha homenagem -, pedi, todavia, a palavra para estranhar e profundamente lamentar que a construção do aeroporto de Santana, na ilha de S. Miguel, não possa ser considerada, no decurso dá 1.º fase do Plano de Fomento, conforme afirmou o director-geral da Aeronáutica Civil nas declarações a que já aludi, apesar de o mesmo alto funcionário considerar inadiável resolver esse problema.
Não posso, efectivamente, deixar de ver com mágoa uma vez mais adiada a solução de um caso que não interessa apenas a uma ilha, mas a todo o arquipélago dos Açores, pois, segundo o mesmo qualificado funcionário disse, a Sociedade Açoriana de Transportes Aéreos está na disposição de comprar aviões- maiores, quer dizer, está desejosa de satisfazer instante necessidade pública, desde que esses mesmos aviões possam aterrar em Santana, onde, neste, momento, de mistura com algumas vacas .... há apenas uma pista de terra batida, só utilizável pôr aviões leves. . .
Deste modo, tornam-se quase inúteis para a comodidade das populações açorianas os magníficos aeroportos da ilha Terceira e da ilha de Santa Maria, conforme em várias circunstancias aqui tenho acentuado, e outros antes de mim, com manifesto risco de cansar, a Câmara.
Correndo embora esse risco, uma vez mais solicito a atenção do Governo para a premência de circunstancias que exigem pronta solução. Ainda há pouco tive de ir A ilha Terceira, de me não poderia demorar mais do que uns. escassos dias, e estive em risco de voltar a Lisboa, depois de breve estágio em Santa Maria, sem poder atingir o meu objectivo, pois a empresa que assegura

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as comunicações aéreas entre as duas ilhas não pode fazer milagres e os pequenos aviões que é obrigada a utilizar não podem aterrar em condições atmosféricas que seriam normais para mais pesadas aeronaves.
Profundamente lamentando que não sejam feitas desde já as obras em Santana, novamente peço ao Governo que, como solução provisória e tendo sobretudo em vista as necessidades das populações do grupo central dos. Açores, promova que alguns dos aviões que ligam a Europa à América aterrem no aeroporto das Lajes, e não apenas no de Santa Maria, e isto enquanto uma indispensável carreira nacional não liga Lisboa àquelas ilhas atlânticas.
Os dissabores, os aborrecimentos, os prejuízos morais e materiais que acarreta a falta de pronta solução para estes problemas, só podem ser- medidos com exactidão pelos que efectivamente os vivem, pois os que voem as ilhas apenas como minúsculos pontos perdidos no oceano dificilmente concebem esse conjunto de dificuldades que, todavia, afligem tantos milhares de tão bons portugueses.
Instantemente chamo a atenção do Governo para estes factos e renovo a sugestão já em tempo apresentada, dado que, infelizmente, não será por ora considerado o que se afirma ser a solução definitiva.
Eu muito desejava, e comigo toda a população dos Açores, que se reconhecesse, conforme justamente há pouco se afirmou relativamente à Madeira, imperioso assegurar rápidas, regulares e permanentes ligações aéreas entre o continente e os Açores.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: outro problema me obriga ainda a prender a atenção da Câmara por mais alguns instantes - o das comunicações marítimas, tão deficientemente asseguradas pelo velhíssimo Lima e pelo velho Carvalho Araújo.
Dizem-me que está para breve a construção do barco que substituirá o primeiro daqueles navios, mas também me afirmam que as dificuldades financeiras da empresa concessionária complicam o que exige remédio mais do que urgente.
Sei que o Governo atenta no problema com devotado empenho, mas não ignoro também que o assunto ainda não foi resolvido, apesar do carinho com que tem sido analisado, o que constitui motivo para dobrada preocupação, pois o que não é resultado de desatenção exige reforçado interesse.
É esse interesse que novamente solicito, para que as comunicações marítimas com os Açores sejam consideradas no plano das exigências nacionais em que, por tantas e tão evidentes razões, naturalmente se movem.
É função dos Deputados -seu principal direito e maior dever- referir os problemas que melhor devem ser conhecidos da Administração, assim como exprimir com nitidez os desejos das populações que representam.
Fazendo-o, não ignoro haver quem, com despudoradas intenções, intenta deformar o que aqui, a bem da Nação, é dito, fingindo esquecer-se de que nada nos fará regressar às tristes divisões partidárias de que ainda se ouvem os ecos dolorosos, vindos das sombras do primeiro quartel do século, nesta mesma Cosa, ressurgida afinal e desses pesadelos liberta por acção de Salazar e da sua doutrina.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Até muito longe, por autêntico crime de traição ou por inqualificáveis abusos, divisam-se deploráveis atitudes a exigirem total reprovação. Saibam os que criminosamente traem a Pátria e a tentam expor às cutiladas estrangeiras -como os alheios que lamentavelmente se excedem - que a nossa verdade, até porque em nossa casa é executada, tem força de gigante e que a caravana sempre passou indiferente aos berros insofridos dos que nasceram agitados e de tal maleita não conseguiram curar-se. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Vítor Galo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Requeiro que, pelos Ministérios competentes, me sejam fornecidas notas das partes de capital que o Estado e as instituições de previdência possuem - e desde quando - nas empresas nacionais (metropolitanas e ultramarinas), do capital social de cada uma dessas empresas e dos respectivos lucros líquidos em cada um dos últimos cinco anos, até 1908, inclusive, se possível.
As posições referir-se-ão ao dia 31 de Dezembro de 1958».

O Sr. Afonso Pinto: - Sr. Presidente: sempre a nossa consciência de Deputados a esta Assembleia Nacional deverá estar atenta aos problemas da governação, quer para fiscalizar os seus actos, criticando-os ou censurando-os, severamente, se tanto for necessário e a justiça o impuser, quer para incentivar ou louvar quem careça de incentivo ou seja digno de louvor.
Assim, saberemos honrar o mandato que nos foi confiado, livres, completamente livres, do ilaqueante e negregado espirito de facção, de marca demagógica, que tudo deforma e perverte, deturpando factos, confundindo situações, malsinando intenções rectas e a todo o ponto louváveis.

Sr. Presidente: hoje é para louvar e para agradecer que ergo aqui a minha voz.

Vem isto a propósito da grata notícia que ontem li num dos jornais da tarde, sob o título Dar a quem precisa, e que reza assim:
O Ministro da Saúde foi ontem à Fundação Gulbenkian. Visitou as instalações provisórias de Palhavã e trouxe, como lembrança da sua visita, mil contos de resposta ao seu apelo a favor do Socorro Social.
Mais de 41 milhões de escudos levados pela Gulbenkian aos hospitais e outros serviços de saúde traduzem, em números altamente expressivos, o valor e a intenção da sua acção generosa, fecundante e humana ... Esses mil contos destinam-se aos serviços hospitalares de Cabeceiras de Basto, Mogadouro e Moncorvo.
Ora, esta breve noticia, que a alguns poderia deixar indiferentes ou insensíveis, não- pode deixar de interessar vivamente esta Camará.
Por isso a refiro, para que fique assinalada no Diário das Sessões.
Na verdade, há muitas coisas novas e boas coisas em Portugal, mas que não acontecem por acaso, antes são fruto de um conjunto de circunstancias felizes que as determinam.
Há que assinalar, em primeiro lugar, o clima propicio criado pela nossa «revolução na paz».
Foi sem dúvida tal clima que deu incentivo a essa grande alma de benemérito que foi e é Gulbenkian - e digo sé» porque ele, mesmo depois de morto, continua a viver perpetuado na obra grandiosa e admirável da sua Fundação - para se fixar neste doce país que é Portugal.

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oásis de paz numa das horas mais conturbadas e incertas da história do Mundo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O grande coração de Gulbenkian abriu-se em larga benemerência para pagar a Portugal a divida, que ele julgou contrair, de tranquilidade, de paz, de bem-estar e de segurança.
Mas não vá dizer-se que ele apenas se limitou a praticar um acto de justiça.
Não. Foi mais longe, porque praticou um acto sublime de caridade que transcende a justiça, um acto de devoção e de amor que só os corações nobres e profundamente humanos como o dele sabem e podem praticar, quando Deus lhes propicia a fortuna de que honradamente sabem usar.
Nós, Portugueses, é que contraímos para com Gulbenkian uma divida de eterna gratidão.
Rendamos-lhe o nosso sentido preito de justa homenagem, pois ele é, sem dúvida, um dos maiores beneméritos da nossa terra, das nossas gentes, no campo da cultura e da assistência social.
Honra, pois, à sua memória.
Homem de larga previsão e profundo conhecedor dos homens e do Mundo, quis assegurar e tornar plenamente eficiente a sua grande obra, confiando-a, como a confiou, à lúcida inteligência e ao coração generoso desse verdadeiro espirito de escol que é o Dr. Azeredo Perdigão, a quem, neste momento, também não posso deixar de tributar a minha mais justa e sentida homenagem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Pois bem: é neste condicionalismo que, agora, um homem novo, no novo Ministério da Saúde e Assistência, onde se englobam todos os serviços de um sector da nossa administração pública já de bem marcada e honrosa tradição, sim, um homem novo, dotado do mais elevado espirito de cruzada, nos aparece a pedir aos que podem que auxiliem os que precisam, ciente como está da insuficiência das verbas orçamentais para a realização da grande obra de saúde e assistência social que sonha realizar.
Assim, foi ele bater à porta da benemérita Fundação Gulbenkian, e essa porta, como não podia deixar de ser, abriu-se-lhe: e a dádiva generosa a que me refiro não se fez esperar, desta vez para beneficio dos necessitados dós concelhos de Cabeceiras de Basto, de Mogadouro e de Moncorvo.
Ora, pertencendo estes dois últimos ao circulo que me honrou com o mandato de Deputado, julgo-me no indeclinável dever de patentear aqui, em meu nome e no desses necessitados, o mais profundo reconhecimento à Fundação Gulbenkian e ao ilustre titular da pasta da Saúde e Assistência, Sr. Dr. Henrique Martins de Carvalho, a quem já nesta Câmara, e por mais de uma vez, tem sido rendida justíssima homenagem, que agora renovo, confiado no seu talento de bem-fazer em prol dos que precisam, e tantos eles são.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador:-Bem haja a Fundação Gulbenkian.

Bem haja o Sr. Ministro da Saúde e Assistência por tudo e, de uma maneira especial, pelo beneficio agora proporcionado aos pobres da minha região.
Graças a Deus, nem tudo são tristes sinais dos tempos nesta hora conturbada e incerta do Mundo.
A mensagem evangélica do amor do próximo ainda vive em muitos corações.
Os homens, como já dizia esse pré- cristão que foi o filósofo romano Séneca, são criados para se auxiliarem mutuamente.
Ainda há no Mundo de hoje quem se não esqueça daquela mensagem e desta sentença do velho Séneca, a despeito de tantas forças diabólicas que se conjugam e obstinam em negá-las.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Graças a Deus, em Portugal não são muitos os tristes sinais dos tempos: bem ao contrário, na nossa vida de nação livre e possuída do mais alto espirito de missão ainda há muito de afirmativo, de construtivo, de humano, de profundamente humano, de cristão, numa palavra, que nos possa inspirar optimismo e confiança no futuro.
Com esse alto espirito, mestre de portugalidade, que foi António Sardinha, estão mesmo em dizer que ninguém, como nós, no longo crepúsculo que envolve os destinos do Mundo e da civilização, possui motivos de mais firme e elevada esperança».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sim, tudo está em nos elevarmos acima das pequenas querelas que possam dividir-nos e em nos unirmos, cada vez com maior coesão, para prosseguimento da política de resgate e de restauração nacional que se vem processando, entre nós, desde 28 de Maio de 1926, sob a égide do génio político de Salazar.
Sursum corda.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre o plano director do desenvolvimento urbanístico da região de Lisboa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Peres Claro.

O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: a proposta de lei sobre o plano director do desenvolvimento urbanístico da região de Lisboa, que esta Assembleia está a discutir, reveste-se de tal importância e é de tão geral interesse que até eu, de formação literária, me atrevo a fazer aqui, a propósito, algumas considerações.
Atrevo-me na medida em que essas considerações tocarem no que é técnico, na urbs, mas sinto-as obrigatórias, por força dessa mesma formação, quando se põem já no plano da civitas. E a maioria delas tem forçosamente de se pôr nesse plano, pois, se o urbanismo procura o bem-estar do homem, o homem deve estar sempre no pensamento de quem tiver sobre si a tarefa de organizar planos urbanísticos.
Sr. Presidente: antes de entrar na matéria que aqui me traz quero ter uma palavra de justo louvor para a Câmara Corporativa, que, uma vez mais, através de extenso e esclarecedor parecer, nos põe em condições de apreciar, na devida medida, a proposta do Governo.
São trinta s quatro páginas impressas onde se explanam as teorias que tratam do problema urbanístico em geral, de forma a poder-se compreender depois, à luz delas, o problema urbanístico português, que parece, enfim, entrar em caminho de solução, embora seja longa, mesmo muito longa, a jornada.

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Não teve esse parecer o intuito de «desfibrar exaustivamente a matéria inesgotável do urbanismo», nem pretendeu «entrar pelos domínios do pormenor técnico»; antes «pareceu mais útil observar o fenómeno na sua funda essência, fixar os traços gerais de uma evolução histórica e conceptual e destacar apenas em grandes linhas alguns dos mais relevantes problemas, de molde a não obscurecer com minúcias uma visão global do tema urbanístico.
Este, que foi o critério regra deliberadamente escolhido, não impediu, contudo, o maior desenvolvimento num ou noutro ponto determinado, quer por assim se ter julgado contribuir mais expressivamente para uma boa apreensão de conjunto, quer também pela transcendência manifesta de alguns aspectos salientes do moderno urbanismo, como, por exemplo, a localização das indústrias e o seu corolário da centralização ou descentralização».
Tal critério foi, realmente, de grande utilidade para quem teve de tomar contacto com a matéria da proposta, e em nada influiu para n boa compreensão do ponto de vista do Governo ter a Câmara Corporativa conduzido os seus raciocínios em sentido diverso, do critério orientador da proposta de lei. Adiante farei ao facto apropriado comentário.

Sr. Presidente: há muitos anos que em diversos sectores se vinha a chamar a atenção do Governo para o agravo da concentração, de indústrias na cintura de Lisboa.
Nesta Casa muitas palavras se disseram também a propósito. Mas problemas destes requerem, sem dúvida, tempo para se estudarem, não vá dar-se o caso, como às vezes acontece, de aquilo que tem a aparência de questão grave vir afinal a mostrar-se em proporções aceitáveis.
Naturalmente por isso só agora o Governo achou chegada a ocasião de intervir decididamente naquilo a que chamou o crescimento desordenado das populações suburbanas, a evasão à disciplina dos planos de urbanização, a invasão destruidora no que é tradicional e belo, a cintura asfixiante e o desenvolvimento indisciplinado da capital.
Muitos dos prejuízos de tão nefasta acção já não poderão ser remediados, mas que ao menos a sua análise sirva ao futuro, para não se tornar a cair nos mesmos erros, o que equivale aqui a dizer na mesma imprevidência.
A Câmara Corporativa, ao apreciar os preceitos de carácter provisório encerrados na base v e referindo-se à sugestão feita anteriormente, a propósito da base I, de serem elaboradas, dentro do prazo de um ano, as mesmas normas provisórias destinadas a vigorar até à data da aprovação do Plano, afirmou:
... a indisciplina da construção é de tal modo alarmante e perniciosa que não se compadece com mais um ano de espera, impondo-se, portanto e desde já, um regime de autorização prévia que previna os danos mais visíveis, independentemente de qualquer estudo de conjunto (p. 536, n.º 32).
Todavia, reconhecendo quão difícil é remediar o mal já feito e apelando antes paru o saber da experiência que evite outros males, não posso deixar de dar o meu apoio a este considerando que a Câmara Corporativa, faz no referir-se no facto de os custos de transferência da generalidade das indústrias serem tão elevados que tornam impraticável a operação:
Esta última dificuldade faz com que, para inúmeros casos, a descentralização industrial seja concebida mais na sua variante de impedir a implantação de novas indústrias nas cidades já pletóricas do que, propriamente, mediante a transferência para outros locais das que ali se encontram instaladas. Não podendo ser atacada de frente, ladeia-se a questão; mas é evidente que não será curial generalizai- semelhante atitude de espírito, confinando os objectivos de descentralizar a solução tão restrita como precária, sem comprometer a própria ideia do descongestionamento urbano, que foi o seu ponto de partida.
Sr. Presidente: ao ler a proposta de lei n. 14, elaborada pelo Governo, vieram à superfície do meu espírito, no alvoroço de os ver enfim resolvidos, alguns dos problemas urbanísticos, que lá se encontravam arquivados, depois de colhidos no dia a dia de uma vida em contacto com a realidade.
A leitura, depois, do parecer da Câmara Corporativa, provando-me que afinal eu nada pensara de novo, esclareceu-me sobre os estudos feitos à volta desses problemas, além da satisfação íntima que me deu de ter podido aferir as minhas soluções.
Segundo a Câmara Corporativa, no seu parecer:

... não houve a preocupação de resolver problemas, antes e fundamentalmente a de levantá-los, trazendo à superfície a evidência da sua magnitude e a imperiosidade do seu ataque frontal. No máximo, e só raras vezes, se deixaram entrever princípios de solução, já que não existem dados suficientes para chegar a soluções definitivas é ser exactamente essa colheita de dados, em ordem a uma tomada de posição, desígnio imediato da proposta de lei ... (p. 532, n.º 25).
Não posso eu ter a veleidade de resolver problemas; desejo porém tão-somente apontar alguns deles, tomando todavia posição, o que não é o mesmo que dizer sobre eles a definitiva palavra.
Nas minhas frequentes viagens de camioneta entre Cacilhas e Setúbal tenho ouvido bastas vezes esta observação, a propósito do casario que se vai estendendo, qual bicha de rabiar, sem outra demora senão a da construção, ao longo da estrada nacional que liga os dois centros: «Daqui a meia dúzia de anos Setúbal está ligada a Lisboa». Eis, pois, o primeiro problema que de há muito se me tem posto: deverão ou não ser permitidas as construções ao longo das estradas?
Aparentemente o caso não tem qualquer inconveniente - antes, pelo contrário, o colorido dos prédios, quase todos moradias de arquitectura agradável, num estilo que procura adaptar o tradicional ao moderno, ameniza o caminho e dá-nos por vezes a sensação de que desfilamos entre alas gritantes de povo.
Acontece, porém, que se perde aquela segurança de trânsito que toda a estrada deve oferecer, tanto mais tratando-se de uma estrada de uso internacional, aquela mesma que foi desviada do centro de Montemor-o-Novo e vai deixar de passar por Estremoz, para facilidade e rapidez de trânsito.
Pois essa estrada Cacilhas-Setúbal exige já dos motoristas que a cruzam cuidados especiais, sobretudo nó Laranjeiro, em Correios e no Fogueteiro, para citar apenas os lugares de mais- recente crescimento.
Se não se travar já a construção à beira do caminho, daqui u1 meia dúzia de anos não poderemos transitar por ela senão aos 60 km permitidos pelo código a quem atravessar povoações.
Outro inconveniente desta construção em fila ao longo das estradas é o de não ser possível numa época do exigências de comodidade dotar esses prédios de água em condições, de esgotos capazes e de energia eléctrica, sem a qual a vida hoje não pode passar.

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Quer dizer: estamos, por um lado, a obrigar os proprietários urbanos a introduzir nos seus imóveis, quer novos, quer antigos, o que se reputa imprescindível e está-se, por outro, a permitir a preparação de futuros e semelhantes problemas, sempre de morosa e implicativa solução. E o que se passa na estrada nacional acontece nas municipais, como, por exemplo, no pitoresco caminho que liga Palmeia a Vila Fresca de Azeitão, e que não é já hoje possível cruzar sem o permanente espectro de um atropelamento grave.
Parece, pois, que entre as medidas provisórias a tomar imediatamente até à aprovação do plano deverá figurar a de se proibir a construção de prédios dentro de uma faixa de segurança da estrada mais funda do que a actual e que não considere os muros dos quintais e ainda a de não ser permitida a construção isolada ou em fila, antes a limitando a zonas previamente escolhidas e às quais seja possível levar ou prometer a curto prazo as condições- de vida que se têm hoje por essenciais.
O estabelecimento dessas zonas vai ao encontro de um outro problema que desejo aqui pôr: no relatório que antecede as bases da proposta de lei em discussão escreveu o Sr. Ministro das Obras Públicas, a propósito do crescimento desordenado das povoações suburbanas e da criação de novos núcleos populacionais ao sabor das iniciativas particulares, que estos iniciativas «... são movidas, na maioria dos casos, por simples propósitos de especulação- de terrenos ou com o intuito de se evadirem da disciplina dos planos de urbanização a que estilo sujeitos os centros populacionais mais importantes, incluindo a capital, reduzindo assim gravemente a eficiência desses planos e comprometendo até em muitos aspectos a sua utilidade».
Quer dizer: enquanto por um lado se procura melhorar as condições de habitabilidade dos centros populacionais há muito existentes - lembro que na cidade de Setúbal só agora se está a assentar a rede de saneamento, constituindo para as câmaras municipais pesado encargo a conservação das próprias ruas, com centenas de nos de calçada, permite-se que, ao sabor das iniciativas particulares, se criem novos núcleos populacionais, fugidos à disciplina dos planos de urbanização, e que, no dizer da proposta governamental, destroem a expressão tradicional e a beleza peculiar das povoações arrabaldinas, rodeando a cidade por uma cintura asfixiante de e meros amontoados de construções inestéticas, desprovidas de personalidade e de vida própria, verdadeiros- dormitórios de massas populacionais ...».
E as câmaras municipais, sempre apertadas pelas reclamações dos munícipes de ao pé da porta, porque uma rua tem buracos, porque um passeio é de areia, porque a iluminação pública é deficiente, vêem-se e desejam-se, depois de consentidos os novos núcleos, para dar satisfação aos problemas que lhes surgem.
A proposta de lei corrobora este ponto de vista nestas claras e insuspeitas palavras:
Assim (criados os novos núcleos populacionais), as autarquias locais vêem-se a braços com a constituição e o funcionamento de serviços urbanos muito dispersos, para cujo custeio não podem contar com a contrapartida de um acréscimo de receitas, que lhes é recusado pela natureza sui generis das novas áreas populacionais. Depara-se, por outro lado, a necessidade de fazer face a exigências crescentes de meios de comunicação e de transporte, num esforço exaustivo para reduzir os inconvenientes de uma estrutura regional defeituosa, o qual não tem a recompensá-lo qualquer vantagem para a economia da Nação.
Estou-me a lembrar de um caso particular de Estremoz - falo dele como paradigma e porque o conheço melhor: vendidos há anos ao desbarato, a particulares, sem qualquer garantia de construção para breve, terrenos municipais no centro da cidade, a sua urbanização tem depauperado o fraco cofre do município e hoje, quase ultimada, não deixa de ser traçado de ruas alcatroadas a servir uma maioria de muros, por feliz tradição caiados.
E enquanto os subúrbios se estendem, com todas as preocupações referidas, os povoações quase nada melhoram no seu aspecto pobre de construções antigas.
Não é, decerto, o caso de Lisboa, onde o «bota-abaixo» tem sido realmente para baixo, a pontos de a muitos parecer já exagerado. Mas é o caso da velha Almada ou da cidade de Setúbal, que, apesar de certa euforia construtiva por que está a atravessar, se inferioriza apresentando nas suas quatro avenidas - de Luísa Todi, 22 de Dezembro, 5 de Outubro e Portela - e no parque do Bonfim verdadeiros abortos de construção e casinhas de bonecas, onde se vive apenas porque nalgum lado se tem de morar.
Eis porque me parece que deverá o futuro plano urbanístico da região de Lisboa - ou quaisquer outros futuros planos - incluir a indicação das zonas' velhas de construção que devam ser substituídas, só se permitindo o alargamento da área desta quando todas essas zonas estiverem devidamente remoçadas. Se assim se fizer, com método e sem transigências, serão reduzidos os problemas de urbanização das câmaras municipais, que assim poderão proceder à valorização do centro urbano, sem, como hoje por vezes acontece, sacrificarem a maioria a uma- minoria privilegiada.
E procedendo-se assim tocar-se-á num outro dos problemas, também da minha preocupação: quando vejo serem sacrificados à onda ininterrupta de construções velhos campos de terrenos fertilíssimos, onde as hortas e os pomares floresceram, não posso deixar de perguntar onde irá a população a abastecer-se quando ao redor não existir mais do que casas. Quando de madrugada Se cruzam as estradas que levam a Lisboa, mesmo internacionais, como a de Cacilhas-Setúbal, pode ver-se o cortejo de carroças, pachorrentamente puxadas por cavalos sonolentos, trazendo em cocuruto, de longínquas paragens, toda a espécie de produtos hortícolas a que o instinto artístico da nossa gente dá caprichoso arranjo.
Não há perigo de a cidade ficar sem mantimentos, poderão dizer-me, mus qualquer mediano economista dirá que, se se juntar ao preço dos produtos postos nó mercado o valor do prejuízo causado ao trânsito pela caravana de carroças e o valor das horas-trabalho que se perdem pelo caminho longo, uma simples couve chega à nossa mesa quase manjar de príncipe.
Nestas coisas pouco se pensa, porque não são traduzíveis em moeda sonante, porque não nos custa dinheiro saído directamente do nosso bolso, mas não deixam de constituir pesado prejuízo para a Nação.
Ao indicar o que se entende pelas linhas gerais do desenvolvimento da região abrangida pelo plano, a proposta governamental diz na alínea c) da base n que se procederá há definição das zonas a afectar a tipos especiais de utilização, tendo em vista, designadamente, a preservação de áreas adequadas à exploração agrícola e ao povoamento florestal ...».
O parecer da Câmara Corporativa., ao analisar o conteúdo dessa alínea, acrescenta, como seu comentário:
... interessa observar que, numa região cujo principal centro urbano s uma cidade tão populosa como Lisboa, e, portanto, grande merendo de consumo, assumem altíssima importância os pró(...)

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blemas do seu abastecimento. Neste particular, na zona suburbana têm de reservar-se áreas suficientemente extensas para a produção agrícola (principalmente nos sectores da horticultura e fruticultura) e ainda para outras actividades com ela relacionadas, nomeadamente a criação de gado, com destino ao fornecimento de leite, e a avicultura, para fornecimento de ovos e carne (p. 535, n.º 28).
Tal ponto de vista não é, porém, novo, pois em 1930 inicia-se na Inglaterra a defesa das melhores terras de cultura e de criação pecuária contra a invasão delapidadora dos construtores.
Sem cairmos na rigidez da cidade jardim de Howard, que tomava como limites do centro urbano- uma zona verde circundante para exploração agrícola, e que, sobretudo ao sul do Tejo, não seria possível estabelecer, importa, todavia, que junto de cada cidade ou vila, de preferência distribuídas em vários sentidos, sejam salvaguardadas zonas de cultivo e de exploração pecuária limitada, as quais serviriam ainda como verdadeiros pulmões do aglomerado.
Este conceito de cidade, que não é apenas aglomerado urbano, mas inclui também, entre os serviços de utilidade pública, centros produtores de géneros frescos, onde os, agricultores, trabalhando no amanho da terra, teriam consciência da sua cidadania, não sendo, por isso, levados a abandonar a terra para emigrar para a cidade, leva-nos a outro dos problemas que me propus aqui trazer, qual seja o da racional distribuição das actividades específicas de cada cidade, que entendo como um conjunto de bairros.
Aponta o parecer da Câmara Corporativa (ip. 523, n.º 15) o fenómeno verificado em mais de metade das freguesias de Lisboa, que no decénio de 1940 a 1950 diminuíram de população. De duas delas mesmo, tão acentuado era esse declínio, tiveram de ser extintas; pertenciam à área mais central da cidade. Pelo contrário, os freguesias afastadas do centro e já na periferia acusam u Ora, como nenhum cataclismo semelhante ao de 1755 arrasou a área mais central da cidade, onde os prédios que têm sido deitados abaixo se erguem, passado pouco, mais altos e mais espaçosos, fácil é concluir-se que, ou por falta de comodidades, ou por imposições de qualquer ordem, a população da abaixa abalou para a periferia, e assim se vai acentuando mais a cisão entre centro residencial e centro comercial, aumentando o afluxo e refluxo da população, dando-nos já de há muito o espectáculo da «baixa» de Lisboa coalhada de gente e de carros de dia e deserta à noite. E não mais deserta porque os provincianos que descem ti capital não dispensam a voltinha, após o jantar, a ver as montras (e dignas elas são de visita I). A conhecida «volta dos tristes», na cidade do Porto, é uma consequência do mesmo fenómeno.
Não se poderá hoje já fazer com que a «baixa» deixe de ser o que é, mas evite-se que o fenómeno se repita noutras zonas da cidade - ou mesmo noutras cidades -, determinando-se, em percentagens adequadas, que tantos prédios sejam para residência, que tantos outros sirvam para escritórios e outros ainda para comércio.
Quanto à indústria, mais naturalmente instalada em zonas apropriadas, tem de ter também acompanhá-la o conjunto de construções suficientes para a instalação do maior número possível de operários e empregados, com os órgãos necessários à vida integral da comunidade. Bairros para operários construídos tantas vezes em lugares opostos aos centros fabris são um atentado contra as energias e a riqueza da Nação. Que rendimento poderá dar um operário que, para pegar no
trabalho, tem de se levantar de madrugada e percorrer tantas vezes a pé quilómetros e quilómetros?
E eis-nos, Sr. Presidente, chegados ao último dos problemas do meu interesse. A natureza humana é contraditória e tenho para mim que o homem foi realmente feito para o sacrifício.
Quando eu era estudante, porque o dinheiro era pouco, tive de fazer diariamente durante dois anos, de comboio, o caminho Setúbal-Lisboa, para frequentar a Universidade.
Anos depois, também durante dois anos, fiz o mesmo trajecto de camioneta para frequentar um estágio. Avaliei pelo meu sono e pelo meu cansaço o que seria o sono e o cansaço daquelas muitas centenas de pessoas que como eu faziam para irem ao emprego de Lisboa, tendo do lado de cá do Tejo apenas a sua cama e um jantar retardado. E também das que iam de Setúbal ao Barreiro atraídas pela C. U. F.
Pois passados quinze anos volto a encontrar v a mesma gente, nos mesmos lugares dos comboios e dos carros, fazendo já parte deles, mais velha, mais cansada ... A mesma gente e outra já que a há- de substituir nesses lugares. E o curioso é que também volto a encontrar aquela gente que fazia o caminho contrário, isto é, que vinha de Lisboa ao seu emprego fora de Lisboa, agora aumentada pelo pessoal das Escolas Técnicas de Almada, Barreiro e Setúbal e indústrias novas. Há uma multidão deslocada que passa grande parte do dia a correr de cá para lá, atingindo cifras de milhões nos transportes fluviais, apinhando comboios, enchendo até aos estribos eléctricos e autocarros.
Também, tal como a indústria, há- de ser difícil arrumar quem há tantos anos, por necessidade ou gosto, vive desarrumado, mas atente-se na realidade e procure-se, no futuro, que a distribuição dos serviços e das empresas entre em linha de conta com os valores humanos e, se possível, se discipline a sua arrumação, delimitando-se áreas de residência, tal como as zonas de protecção dos monumentos.
Os próprios serviços e as próprias empresas muito beneficiarão com a medida que lhes convém apoiar e os operários e empregados, com o constrangimento de um ou outro mais espevitado nus seus direitos de livre escolha, acabarão por sentir também a sua utilidade. Hás para isso tem de ser encarada com vigor a política de construção económica, acabando-se com esses prédios de renda elevadíssima, onde poucas famílias podem viver sós e que absorvem funda percentagem do vencimento mensal.
Sr. Presidente: expostos os problemas que me propusera tratar e que foram a proibição de construção da beira das estradas, a modificação das zonas antigas de habitação, de preferência à criação de novos núcleos populacionais, a proximidade dos centros urbanos de zonas de exploração agrícola e pecuária, a arrumação da cidade em bairros auto-suficientes e a fixação da população interessada em determinada zona nessa mesma zona, deveria dar aqui por finda a minha intervenção. Mas, correndo embora o risco de perder a objectividade, pela minha qualidade de setubalense, não posso deixar de me referir a um outro pormenor da proposta de lei a que a Câmara Corporativa não deu o seu apoio.
A proposta de lei, partindo de dados estatísticos que, quanto à margem esquerda do Tejo, apenas se referem a Almada, Barreiro, Seixal, parte da Moita e parte do Montijo, aqueles concelhos suburbanos que mais directamente estão sujeitos à influência da capital, veio depois a incluir na região de Lisboa, na sua base I, mais os concelhos de Alcochete, Palmeia, Setúbal e Sesimbra.
A Câmara Corporativa estranhou a divergência e, embora tenha procurado e encontrado razões que a ex

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plicam, no entanto, fiel à linha de raciocínio em que redigira o sen parecer, considerando até que não tenha sido o mesmo o critério orientador da proposta de lei, de concepção lógica acentuou, acabou por propor a exclusão desses concelhos de ao sul do Tejo do plano urbanístico da região de Lisboa.
Não sei que melhores argumentos possa encontrar do que os expostos pela comissão corporativa para justificar a inclusão dos referidos concelhos.
Segundo a alínea e) da base n da proposta, é propósito do plano a e defesa e valorização dos monumentos e locais de interesse histórico, artístico e arqueológico, paisagens, estâncias de recreio ou repouso e outros locais de turismo».
Raciocinando então com base neste aspecto regional importantíssimo, prevenido naquela alínea, e que podemos englobar na designação genérica de turismo», a Câmara Corporativa é de opinião que a as anomalias ou contra-sensos se transmudam em atitude coerente perante a realidade viva do interesse regional em função do seu desenvolvimento turístico».
E acrescenta: «Setúbal, Palmeia e Sesimbra, com a beleza impressionante da Arrábida,, o recorte atraente da costa e as suas praias de águas límpidas, o magnífico estuário do Sado, constituem, sem exagero, um dos mais belos circuitos turísticos do País, com ponto de partida da foz do Tejo».
E, mais adiante, a Câmara Corporativa, considerando alguns problemas de fundo, bem mais relevantes do que os- motivos de ordem turística, que poderiam estar em causa perante o plano urbanístico da região de Lisboa, designadamente a descentralização de indústrias ou a eventualidade da criação de agregados populacionais», ou ainda, acrescento eu, a manutenção de zonas de exploração agrícola e pecuária, afirma: Olhado por este novo prisma, o caso de Setúbal surgiria já com uma perspectiva totalmente diversa, pois para ali se poderia admitir a hipótese de canalizar algumas indústrias, tirando maior rendimento da sua capacidade portuária, ainda tão insuficientemente aproveitada, e obviando simultaneamente à sua posição desvantajosa de centro industrial «monótipo», razão primeira das crises que periodicamente atravessa.
Ao mesmo tempo, não pode esquecer-se a ideia que existe da construção do canal Tejo- Sado, ligando os dois portos de Lisboa e Setúbal, que tanto poderia contribuir para o desenvolvimento industrial desta última cidade e de toda a zona de Alcochete».
São judiciosas e prudentes as considerações que a Câmara Corporativa faz (p. 530, n.º 23) para concluir que se deve «reduzir ao mínimo reputado conveniente a área abrangida pelo plano urbanístico»,, ou, por outras palavras, que não se deve «alargar a região de Lisboa em medida desproporcionada às nossas possibilidades actuais».
Mas parece-me que baseando-nos exactamente na experiência francesa, que reconheceu de imperiosa necessidade a fusão num só, em escalão regional, dos planos de arranjo urbanístico e de desenvolvimento; considerando que, para se proceder ao descongestionamento industrial de Lisboa, é preciso estudar e preparar zonas industriais fora de Lisboa e para as quais Setúbal oferece excepcionais condições; lembrando-nos que em planos ultimamente trabalhados, como o das zonas portuárias francas ou o da comissão inter hospitalar, as regiões de Lisboa e Setúbal têm sido consideradas no mesmo conjunto económico, parece-me ser de perfilhar a redacção da base II da proposta governamental, e nesse sentido dou o meu voto, acrescentando mesmo que nada se oporá a que a denominação adoptada para a proposta de Plano director do desenvolvimento
urbanístico da região de Lisboa» -e que a Câmara Corporativa sugeriu se transformasse em «Plano urbanístico da região de Lisboa»- ficasse afinal em a Plano director do desenvolvimento e urbanismo das regiões de Lisboa e Setúbal».
Se a inclusão da palavra «Setúbal» está justificada pelas considerações acima feitas, a inclusão da palavra «desenvolvimento», que a Câmara Corporativa dissera poder ser retirada, justifico-a pelas mesmas razões invocadas para o seu desaparecimento, porque a proposta em discussão transcende o simples plano de arranjo urbanístico, como, por exemplo, a inclusão dos tais concelhos leva a supor. Quanto ao adjectivo «director», parece-me de aceitar, visto tratar-se de um plano de directivas e não de pormenores. Neste sentido, proponho emenda.
Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Nunes Barata: Sr. Presidente, Sra. Deputados: um plano regional de urbanização e desenvolvimento está ligado não só a um indispensável plano nacional de arranjo de território como aos planos urbanísticos locais que o integram.
liste princípio permite-nos pôr duas questões para o problema em debate nesta Assembleia:
1.º O plano regional de Lisboa só atingirá aquele grau de utilidade indispensável ao equilíbrio do País se definirmos igualmente um plano nacional onde se coordenem harmoniosamente todos os- escalões regionais.
Pensar apenas na região de Lisboa será um expediente incompleto, que .poderá comportar mesmo os seus riscos. Na verdade, se, por exemplo, entre as tarefas que urgentemente se nos propõem está a de evitar a concentração industrial e urbana na capital do País, como poderemos contrariar a realidade, infelizmente tão notória, se não soubermos oferecer às actividades novas ou a transferir outras regiões onde se instalem convenientemente ?
Mesmo perante a impossibilidade imediata de um completo ordenamento nacional, afigura-se-me ao menos útil atender às possibilidades de uma ou outra zona do continente que possa, desde já, ser oferecida como alternativa aos esforços de desenvolvimento que não devem continuar a concentrar-se em Lisboa.
Acontece que estudos oportunos permitiram concluir pela aptidão da bacia hidrográfica do Mondego para um esquema de planeamento regional. Estamos perante uma feliz realidade, que se pode desde já oferecer para evitar os inconvenientes políticos, económicos e sociais da concentração em Lisboa.
Embora não traga novidades, preencherei a primeira parte da minha intervenção com uma referência à viabilidade do aproveitamento do Mondego para fins múltiplos e complementares vantagens.
2.º Sendo o plano regional de Lisboa integrado por planos locais, talvez não seja despiciendo trazer à discussão aspectos relacionados com o problema urbanístico em Portugal, mormente naquilo que, sem grande precisão tecnológica, poderíamos considerar o processo interno do urbanismo.
A segunda parte desta intervenção será dedicada a tais matérias.

Sr. Presidente:

Depois que o Mondego lava a cidade de Coimbra, não há quem não saiba que ele entra de repente nos seus campos planos e nos mesmos corre sete

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(...) léguas até ao mar; mas a história destas sete léguas, se alguém com miudeza as escrevesse, não poderia ser senão dolorosíssima ...
Estas palavras do eminente hidráulico padre Estêvão Cabral, escritas em 1790, encontraram resposta naquela representação que os proprietários dos campos do Mondego dirigiram, em 1938, ao Sr. Presidente do Conselho, «súplica aflitiva que se ouve ecoar por toda essa planície, de dezenas de quilómetros de extensão: Salvem os nossos campos! e concretizada como se segue:

Ora, o rio Mondego, que deveria constituir o mais importante elemento de valorização dos terrenos que o marginam, vem-os destruindo, inutilizando com formidáveis montões de areia que todos os anos sobre eles lança. Na verdade, já se contam por muitos os hectares de terreno que, por tal motivo, não produzem coisa alguma, que estuo absolutamente estéreis.
Já anda por milhares de coutos o valor dos terrenos que para sempre se perderam para a cultura.
O património das povoações ribeirinhas já sofreu, pois, profundo golpe.
Enfim, a ruína, a miséria, com seus olhares sinistros, já estão no limiar da porta de tantos lares para entrarem e tomarem o lugar que vem sendo ocupado pelo desafogo e bem-estar que durante gerações ali Sempre reinou.

Eis o que secularmente tem constituído o drama do Mondego, a situação que justifica todo um conjunto de medidas tomadas desde tempos quase imemoriais e que ainda hoje está na base da urgência com que devemos encarar todo o arranjo da bacia hidrográfica deste rio.
Os depoimentos de Adolfo Loureiro (Memória sobre o Mondego e Barra da Figueira, Lisboa, 1874) e Mário Fortes {O Aproveitamento Geral da Bacia do Mondego pelo Sistema Confederativo Sindical Hidrográfico, 1929) são um testemunho elucidativo das dificuldades nas respectivas épocas, ao mesmo tempo que sumariam as medidas do passado.
A carta régia de D. Afonso V, de Tentúgal, datada de 22 de Julho de 1461, proibia as queimadas, com o intuito de não agravar os males da erosão e o aumento do volume dos correjos afluídos ao Mondego.
A determinação de D. João III de 1538 refere-se à construção de um emparedamento ao longo de Coimbra, e a de 1540 proibia a pesca das lampreias, para evitar que o rio fosse alombado.
O cardeal-regente D. Henrique determinou, em 1565, o estudo do encanamento do no, e em 1568 a construção de oito marachões.
O rio não desarma, contudo, e as preocupações dos homens subsistem.
Em 1791 chegou o Baixo Mondego são último estado de perdição e abandono», e «porque já em 1783 o álveo velho havia secado e o rio corria disperso pelos campos» e «as areias (em 1790) ocupavam uma área de 2 léguas e 6000 palmos de largura; as terras apenas se achavam 3 a 4 palmos superiores às águas claras do rio; havia diversos pauis de que apenas se cultivavam uma pequena parte em Julho e Agosto, sendo os principais os campos baixos de Bolão até à Geria, S. Fagundo, Cioga, Tentúgal, Arzila, Maiorca, etc, foram consideradas as soluções do padre Estêvão Cabral (cf. «Memória sobre os Danos do Mondego nos Campos de Coimbra», in Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, tomo III, Lisboa, 1791).
Daqui nasceu o rio novo, traçado nas antigas vargens abertas pelas águas das cheias nos terrenos, então baixos, dos campos de S. Martinho, Taveiro, Arzila, etc., desde a quebrada grande até a barra de Montemor.

A situação actual -como se confirma na bem elaborada informação da direcção-geral dos Serviços Hidráulicos a um requerimento que, ao abrigo do artigo 96.º da Constituição, apresentei em 9 de Janeiro de 1958, porque a obra do padre Estêvão Cabral não chegou a concluir-se, porque os leitos se assorearam grandemente, porque o rio novo corre em caleira sobrelevada, porque falta continuidade ao rio velho, porque, em consequência, as cheias continuam a flagelar os campos, não é risonha. Antes pelo contrário.
No período de 19 de Junho de 1917 a 1956/1957 registaram-se no Mondego, em Coimbra, 3152 ocorrências de caudais superiores a 100m3/s1 (ou seja ao máximo comportado pelos leitos actuais sem trasbordamentos) e 796 ocorrências superiores mesmo a 300 m3/sL (ou seja um volume suficiente para generalizar as inundações aos campos).
Se restringirmos a análise à época das culturas (15 de Abril a 30 de Setembro), verificamos que no período de 1916/1917 a 1956/1957 foram 548 as cheias superiores a 100 m3/s1 e 38 as ocorrências superiores a 300 m3/s1. Daqui se pode concluir como saíram retardadas ou destruídas as sementeiras e inutilizadas ou diminuídas em seu rendimento as colheitas.
As deficiências no enxugo dos campos e a insuficiência dos caudais da rega - habitual em Julho e Agosto -, agravada com a salinidade em algumas zonas, tornam imperfeito o regadio de 10 500 ha e conduzem ao sequeiro numa área de 2300 ha.
Foi de harmonia com o plano de obras de hidráulica agrícola presente em 1937 à Câmara Corporativa que a Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola elaborou e apresentou em 1940 o exaustivo projecto de aproveitamento hidroagrícola e hidroeléctrico da bacia do Mondego (cf. o vol. I do Relatório da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola de 1939/1940).
Este notável trabalho procurava a regularização dos caudais do Mondego e afluentes (Dão, Alva e Ceira) por meio de albufeiras (uma no Dão, outra no Mondego, outra no Alva e outra no Ceira) e pela regularização dos leitos a jusante de Coimbra.
O objectivos então propostos podem sintetizar-se assim:

1) Redução dos caudais de cheia, em Coimbra, de cerca de 4000 m3/s1 verificados e 4500 m3/s1 possíveis para 1500 m3/s1 prováveis e 2050 m3/s1 possíveis;
2) Produção de energia no montante anual mínimo de 287 x 10º Kwh;
3) Defesa dos campos do Mondego por meio de diques e seu enxugo;
4) Elevação do caudal de estiagem do Mondego a 30 m3/s1, assegurando a navegação entre a foz do Dão e a Figueira da Foz;
5) Rega de 50 000 ha, sendo 15.000 ha dos campes do Mondego e 35 000 ha dos campos de Cantanhede ao Vouga;
6) Instalação de uma fábrica de amoníaco sintético em Coimbra, a localizar junto da Estação Velha. O trabalho de tal fábrica ajustava-se, sob todos os aspectos, incluindo o pessoal operário, à exploração geral do aproveitamento.

Não teve este projecto tempestivo seguimento, mas em 1954 retomou-se oficialmente o assunto, considerando, de acordo com determinação do Sr. Ministro das Obras Públicas, «o elevado interesse desta bacia

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(...) lios pontos de vista da produção de energia e de rega e a existência de problemas importantes da regularização do leito do rio, da defesa e enxugo dos campos marginais e de navegação fluvial, cuja resolução se desejaria assegurar dentro de um esquema de conjunto economicamente viável de valorização e aproveitamento integral da referida bacia».
Entretanto, já na e Memória sobre o reconhecimento dos baldios ao norte do Tejo, efectuado em 1935», e que acompanhou a notável proposta de lei sobre o povoamento florestal que deu origem à Lei n.º 1971, de 15 de Junho de 1938, se consideravam entre as quebras de perímetros florestais os da Beira Trasmontana, da Beira Central, de Manteigas e Gouveia, da Covilhã e Loriga, de S. Pedro de Açor, de Gois, da Lousa, do Buçaco e de Sicó, todos mais ou menos ligados à bacia do Mondego.
A criação de mantos vegetais é indispensável à correcção torrencial do rio.
Será conveniente que o repovoamento florestal prossiga com mais intensidade, procurando-se, por outro lado, resolver problemas jurídicos e económicos que esta meritória tarefa origina.
Transcrevo a este propósito do jornal O Século (2 de Março de 1957) os seguintes passos de uma notícia de Folgosinho (concelho de Gouveia):
Andam os serviços florestais empenhados na plantação de árvores nos baldios do País. Todos concordamos e aprovamos essa iniciativa de revestir de matas os terrenos incultos que não dão qualquer outro rendimento. (...) Mas a serra e os baldios de Folgosinho não são incultos, pois toda a serra dá pão, que é o forte desta gente serrana. E senão, vejamos: desde tempos imemoriais os baldios de Folgosinho estão divididos em três folhas: uma para cultivo e duas para pastoreio dos gados. Cada folha está subdividida em sortes, assim chamadas porque à sorte são tiradas anualmente do carapuço por todos os chefes de família, no segundo domingo. Conta presentemente esta freguesia seiscentos e vinte fogos, portanto seiscentas e vinte sortes.
O terreno só está de posse do chefe de família durante o tempo de cultivo. Feita a colheita, as sortes ficam pertencendo à Junta de Freguesia. Uma perfeita comunidade, que não provoca desordens. E semeada em cada ano nas referidas sortes a média de 1500 alqueires de centeio, que produzem perto de 10 000. Pastoreiam os mesmos baldios 9500 cabeças de gado, que produzem cerca de 400 arrobas de queijo e outras tantas de lã. Contam-se para cima de 45 os 'casais dispersos pela serra, com a média de 8 pessoas cada, que vivem exclusivamente da serra, semeando centeio, milho, batata e feijão. Cultivam-se nos referidos casará cerca de 2000 alqueires de centeio, - que produzem para cima de 15 000.
Exposto isto, verifica-se que a serra e baldios de Folgosinho não são terreno inculto nem maninho. Toda esta gente tem raízes na serra, pois é da serra que vive.
O rendimento anual está calculado, sem exagero, em 1500 contos.
Se semearem os seus baldios de matas, onde irá arrumar-se tanta gente P Não há trabalhos, não há fábricas. Onde irão depois buscar o seu sustento? Onde irão pastorear tantas cabeças de gado? Que seja feito um confronto do rendimento agora tirado dos baldios anualmente e do que poderão vir a produzir as matas, isto para aquietar esta pobre gente, que não é desordeira, mas trabalhadora e humilde, e que anda muito desanimada com a notícia de sementeira de matas nos seus baldios ...

O Sr. Santos Júnior: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Santos Júnior: - Posso informar V. Ex.a de que isso é o reflexo da velha luta entre o pastor, o velho pastor, entre os velhos costumes e o aparecimento da floresta. A estrutura agrária daquela região é feita à base da colheita do centeio, de modo que é natural que houvesse uma certa reacção que tivesse feito eco através da imprensa; mas quero informar V. Ex.a de que os serviços florestais, que estão a actuar com notável intensidade, estão a fazer exactamente o povoamento florestal dessa região de Folgosinho. Mas estão a fazê-lo de maneira que não se transforme de jacto, até porque isso é impossível, mas, sim, tomando em linha de conta a maneira de viver daquela população. Vai-se fazer a pouco e pouco o povoamento daqueles combros que não são aproveitados para a cultura do centeio, e estou convencido de que, com o decorrer do tempo, aquela gente há-de reconhecer as vantagens do repovoamento florestal e que essa reacção, de que V. Ex.a falou, há-de desaparecer.

O Orador: - Registo, com muito agrado, as considerações de Y. Ex.B, que, de resto, pertence a uma região que bem conhece.

Das razões que me levaram a falar em Folgosinho, a primeira é que não há hoje uma definição jurídica de propriedade comunitária.

O Sr. Santos Júnior: -Mas é interessante que o regime que ainda vigora em Folgosinho é o regime comunitário, que a gente respeita, até por uma questão de tradição e até como que por devoção.

O Orador: - As coisas antigas quando estão estratificadas têm algumas razões mais do que a simples tradição. Entendo que igualmente só deveriam fazer-se obras de repovoamento se nós conseguíssemos assegurar outras obras.

O Sr. Santos Júnior: - E é com esse intuito que os serviços florestais estão a fazer essas obras. De resto, isso está planeado com um aspecto posterior: o aproveitamento integral do Mondego.

A construção de estradas dá aquela ocupação humana que será um remédio para as dificuldades em que essas populações poderão viver.

O Orador: - A correcção torrencial, no que toca ao tratamento dos leitos, tem compreendido dois tipos de obras: o tipo clássico, que tem por objectivo a fixação de leitos ou encostas em desagregação, através de pequenas barragens e obras longitudinais, cujo objectivo consiste em reter directamente o material sólido; e o processo de reduzir as cheias e consequente poder erosivo através da construção de barragens, cujas albufeiras retnrdnm a propagação das torrentes.

Será louvável que a execução destes trabalhos prossiga com mais intensidade, conjugando-os, aliás, com o que vier a fazer-se noutros sectores do aproveitamento do rio.

O mais recente e mais completo estudo do Mondego foi elaborado por uma empresa particular, com sede em Coimbra - a Companhia Eléctrica das Beiras.

Trata-se de um trabalho cujo mérito reside não só na conjugação dos fins múltiplos em que se pode traduzir

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(...) o aproveitamento de um rio, como ainda no relevo dado a alguns aspectos de indiscutível interesse económico.

Os principais fins que o esquema visa são: o domínio dos caudais sólidos, a regularização das cheias, a rega, a produção de energia eléctrica e o abastecimento de água a vinte e um concelhos da região.

Valerá a pena determo-nos, em ligeira análise, em cada um destes aspectos:

1) CAUDAL SÓLIDO. - A solução do progressivo e gradual assoreamento do Mondego é tarefa complexa, competindo boa parte da mesma ao revestimento florestal e trabalhos de correcção torrencial já referidos. No entanto, as grandes barragens podem domar os perniciosos efeitos desta situação. Prevêem-se, no esquema referido, grandes capacidades para retenção dos carrejos, nas diferentes albufeiras, capacidades que totalizam quase 100 milhões de metros cúbicos.

2) Regularização Das Cheias. - Naturalmente que uma solução deste problema não poderá deixar de ter em conta obras de regularização fluvial a jusante de Coimbra, as quais aumentarão a capacidade de vazão do rio. Torna-se, por outro lado, indispensável a criação no curso médio e superior de albufeiras, convenientemente dimensionadas, que façam o abatimento das grandes pontas de cheia.
As albufeiras projectadas pela Companhia Eléctrica das Beiras (Dão, Mondego e Alva) dispõem de Dezembro a fins de Março de uma capacidade livre de 220 milhões de metros cúbicos para amortecimento das grandes ondas de cheia.
Tal capacidade, conjugada com uma vazão do leito do rio, a jusante de Coimbra, da ordem dos 1500 m3/s, teria permitido dominar todas as cheias que se verificaram no período de quarenta anos atrás referido.

3) REGA. - Considera-se a possibilidade de regar:

a) Os campos da Cova da Beira;
b) Os campos de Celorico;
c) Os campos de Coimbra e de Cantanhede ao Vouga.

Já o nosso colega Eng.º Araújo Correia (in Estudos da Economia, Aplicada, p. 137) defendeu a importância da rega dos campos da Cova da Beira, «área de bons terrenos de aluvião, conhecidos pela sua fertilidade e habitados por gente acostumada a regar. No momento actual, grande parte das suas possibilidades perdem-se por virtude da falta de água nos meses em que ela é mais necessária».
No plano da Companhia Eléctrica das Beiras considerou-se inicialmente a irrigação da Cova da Beira com água da albufeira de Asse-Dasse, desde que não fosse possível arranjar em condições mais económicas uma albufeira no Zêzere que preenchesse tal fim.
Uma terceira solução, também considerada posteriormente, consistiria em aumentar o armazenamento da albufeira de Vila de Soeiro de 12 para 45 + 1O m3, desviando através de um túnel de 3 km os 30 x 1O m3 de água indispensáveis ao regadio dos 5000 ha a 6000 ha de terrenos da Cova da Beira.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex. dá-me licença

O Orador: - Com todo o prazer.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex. reconhece que esse plano não se poderá realizar com inteira vantagem e proveito se não houver uma arborização uma florestação, como V. Ex. quiser perfeita e completa.
Se começa cada povoação a embirrar com os serviços florestais porque vão plantar árvores, não teremos nunca a solução ideal que V. Ex. tem estado a desenvolver. V. Ex. reconhece isso?

O Orador: - Eu disse há pouco que se devia intensificar a florestação de todos os campos da serra. Mas também defendo que não devemos tomar medidas abruptas que, em última análise, prejudiquem os povos e criem mal-estar. Parece-me lógico e humanamente aceitável que se conjuguem as duas coisas e que aos povos a quem são retirados esses campos sejam dadas outras possibilidades de vida.

O Sr. Melo Machado: - Todos esses trabalhos darão ocupação a muitos braços.

O Orador: - Foi o que eu disse há pouco.

O Sr. Vasques Tenreiro: - V. Ex. dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. Vasques Tenreiro: - Há momentos tive a ousadia de apoiar com bastante vivacidade a explicação de V. Ex. deu ao nosso colega que o interpelou, gora acrescento mais alguma coisa.
A volta da floresta, e da não floresta criou-se um clima de paixão que é pouco lógico. E como se se tratasse do Benfica e do Sporting, quando o que importa é jogar bem ... O que é importante é levar a floresta às serras, mas por processos suaves, dando em troca qualquer coisa às populações que as utilizam com gado. São povoações que vivem num estado de vida completamente ausente da floresta.
O nosso colega diz agora que as coisas se começam a fazer de outra maneira. Mas, se se começa a fazer de determinada maneira a partir de determinado momento, isso deve-se a observações pertinentes quanto a desvios que se praticam ou- praticaram quando se pretende lançar grandes empreendimentos. E muito grato ouvir uma pessoa, com especial autoridade, dizer que agora as coisas se passam de outra maneira. Estaremos assim todos de acordo e sem paixão.

O Orador: - Registo, com muito gosto, esse acordo.

Os campos de Celorico, numa área provável de 1000 ha, seriam irrigados com base na albufeira do Caldeirão, computando-se para tal fim um volume de água da ordem dos 8 x 1O m3.
Finalmente, os campos do Mondego e de Cantanhede ao Vouga, considerados no projecto de 1940 da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, teriam sempre garantido, através do esquema da Companhia Eléctrica das Beiras, o volume de 340 x 10 m3 de água reputado indispensável para o conveniente regadio dos 50 000 ha previstos.
4) PRODUÇÃO ENERGIA ELÉCTRICA. - O plano da Companhia Eléctrica das Beiras apresenta dois sistemas: um constituído pelos escalões de Asse-Dasse, Vila Soeiro, Girabolhos, Ervedal II, Foz do Dão e Alva e outro pelos escalões de Asse-Dasse, Vila Soeiro, Girabolhos, Ervedal II, Ázere, Caneiro, Dão e Alva.
Trata-se essencialmente de aproveitamentos em cascata, sendo a grande unidade do sistema o aproveitamento de Asse-Dasse.
O total de energia garantida em 100 por cento dos anos, sem apoio exterior (e excluindo o escalão do Alva), é de 600 milhões de kilowatts-horas no primeiro sistema e 615 milhões de kilowatts-horas no segundo.

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A estes valores juntar-se-á a produção do Alva (talvez 35 milhões de kilowatts-horas e um possível escalão no Porto de Raiva (no sistema II), cuja produção aumentará de cerca de 40 milhões de kilowatt-hora.
Calcula-se que a energia marginal garantida nas condições actuais pelos sistemas deveria ser superior a 1000 milhões de kilowatts-hora.
Do exposto, poderemos concluir:

1.º Que o rio Mondego tem um valor energético muito' considerável;

2.º Que a irrigação dos campos sairá muito desonerada, dado que a produção de electricidade suportará parte dos encargos dos aproveitamentos.

5.º) ABASTECIMENTO DE ÁGUA. - Projecta-se, a partir das albufeiras do Mondego, abastecer cerca de meio milhão de habitantes, que se distribuem por vinte e um concelhos dos distritos da Guarda, Viseu e Coimbra.
O mapa que se segue indica os concelhos servidos e as albufeiras donde se faz a respectiva derivação das águas:

(Ver tabela na imagem)

Seria, assim, o primeiro grande empreendimento de conjunto a realizar no nosso país, em matéria tão carecida, como é a do conveniente abastecimento de água.
Um esquema integral do Mondego não poderia esquecer ainda outros aspectos, como o da navegação, da criação junto de Coimbra de uma conveniente toalha líquida, do melhoramento sanitário da capital do Mondego, da salinidade do estuário, etc.
Mas o problema que aqui a todos se avantaja é ainda o do porto da Figueira da Foz.
Ás obras previstas para melhorar as condições de acesso e de funcionamento do porto da Figueira são, em suas linhas gerais, segundo informação oficial que me foi facultada:

1) A construção de obras exteriores com vista à melhoria de acessibilidade do passe exterior e do canal que conduzirá às instalações interiores ;
2) A realização de obras acostáveis e outras facilidades portuárias para as actividades comerciais e de pesca que o porto já serve e virá a ser chamado a servir;
3) O arranjo e apetrechamento dos terraplenos existentes e a criar e, bem assim, conexões
Ser estrada e caminhos de ferro com as vias e acesso ao hinterland que o porto serve;
4) A regularização ou correcção da zona fluviomarítima do rio para que adjuve os objectivos referidos na alínea 1).

Creio que a Figueira da Foz deverá vir a constituir o tercei m grande porto do País, elemento de descongestionamento de Lisboa e Leixões. A necessidade de um terceiro porto, a que se refere o parecer das contas públicas de 1957, encontraria na Figueira da Foz uma adequada solução. Do exposto, podemos concluir:

1.º O rio Mondego oferece largas possibilidades n um esquema de planeamento regional;
2.º Esse esquema justifica-se não só pelo indispensável desenvolvimento da respectiva região, como pelo seu valor complementar relativamente a outras regiões do País;
3.º Os múltiplos estudos realizados possibilitam que não se protele a solução deste problema, mas antes animam a que se definam desde já orientações de molde a que no mais curto prazo se passe ao domínio das realidades.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: temos de reconhecer que o urbanismo é uma tarefa complexa, que só pode conceber-se e realizar-se a mediante um trabalho de equipa em que hão- de participar solidariamente o arquitecto e o economista, o engenheiro e o sociólogo, o geógrafo, o agrónomo, o higienista e o assistente social», enfim, uma variedade de técnicos proveniente de todos os sectores onde se revelam preocupações pela organização e defesa da vida em sociedade.
Ora, não obstante esta realidade, ainda aqui persistimos em dar testemunho daquele espírito ostensivamente individualista que pomos nos labores que nos são cometidos. Seria, na verdade, oportuno indagar se nos trabalhos sobre urbanismo levados a cabo entre nós esteve presente esta preocupação de esforço de conjunto. Nem se me afigura difícil relacionar os nossos insuficientes processos de trabalho com o insucesso notório de alguns planos de urbanização, com o coro de críticas que a este propósito se erguem em algumas terras de Portugal.
Se restringirmos os reparos ao sector profissional, talvez não seja descabido considerar o problema da formação dos urbanistas, o seu sentido das realidades e, finalmente, a possibilidade de ampliar discussões públicas como elemento prévio no processo das definições urbanísticas.
Reconhecesse a inexistência de técnicos urbanísticos em Portugal.
Ora, não podemos confiar ao improviso a resolução dos nossos problemas, como não acreditamos, por outro lado, que os homens nascem formados.
A ausência de um instituto superior de urbanismo em Portugal e a remotíssima presença de estudos conexionados com o urbanismo dos nossos esquemas universitários revelam uma fidelidade a cânones arcaicos, incompatível .com as certezas e as necessidades da vida moderna.
Desejo, Sr. Presidente, secundar, deste local, o voto para que se converta em realidade o instituto superior de urbanismo, há tanto tempo previsto mas incompreensivelmente afastado para o domínio das simples aspirações.
Urge dotar o País de técnicos competentes, libertando-o de exclusivismos onerosos ou de amadorismos sempre prejudiciais.
Queixam-se, por outro lado, os povos de que os planos de urbanização concebidos para boa parte das nossas terras vogam muito no mar do ideal, representam, por vezes, um desconhecimento das realidades e possibilidades das regiões.

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As cidades têm uma alma. Essa alma- só se revela depois de uma íntima convivência.
Gomo poderá um técnico de Lisboa, no intervalo de dois comboios, aperceber-se do que li á de próprio, secular e profundo numa cidade, por exemplo, como Coimbra?

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Falei noutra oportunidade de certa urbanização de caliça com que dotaram a capital do Mondego, de arranjos que adulteraram uma das regiões mais formosas de Portugal. Poderia hoje referir casos mais recentes, descrever soluções pouco apreciadas que procuram reparar erros incompreensíveis.
Acontece, por outro lado, que alguns planos elaborados para vidas modestas se tornam dificilmente exequíveis pela oposição entre as possibilidades do respectivo meio pobre e a largueza com que o urbanista antevê o respectivo futuro.
A tentação do centralismo, várias vezes criticada nesta Assembleia, encontrou no processo dos planos de urbanização um exemplo flagrante. Desde a escolha de quem os elabora até à sua aprovação definitiva, quase tudo se passa, na prática, à margem da vida local.
Nos termos do n.º 10.º do artigo 27.º do Código Administrativo, era da competência Ao conselho municipal discutir e votar o plano de urbanização e expansão (também o n.º 15.º do artigo 51.º, quanto à câmara).
Com a publicação do Decreto-Lei n.º 33 921, de 5 de Setembro de 1944, ficou estabelecido que, elaborado um plano de urbanização, a câmara municipal apenas dá sobre ele a sua informação, colhe a da comissão municipal de Higiene e, se o Governo assim o entender, juntará o resultado do inquérito público a que se proceda (§ 2.º do artigo 10.º).
Limitando-se hoje a câmara municipal a informar sobre o plano de urbanização, a votação do conselho municipal recai apenas sobre esta informação, constituindo, deste modo, simples acto preparatório da resolução definitiva que ao Governo compete tomar (cf. Anuário da Direcção-Geral de Administração Política e Civil, ano 39.º, p. 520).
Sem minimizar a importância que deverá ter uma decisão desta natureza ou até as possíveis relações entre vários planos, o que pergunto, Sr. Presidente, é se não seria conveniente um maior equilíbrio de intervenções, de molde a proporcionar-se aos municípios uma actuação mais- eficaz em matéria que tão particularmente lhes respeita.
E que dizer de uma discussão pública sobre as orientações urbanísticas a tomar?
Embora a lei a considere, nos termos referidos, creio que nem sempre se tem esgotado este expediente.
A discussão pública, em meu entender, reveste-se de particular interesse para as grandes cidades e mesmo relativamente aos planos parcelares de urbanização.
O debate que se venha a estabelecer sobre as soluções urbanísticas tem. não só as vantagens que decorrem de qualquer discussão generalizada entre especialistas, mas, sobretudo, facilita o melhor acesso ao conhecimento de directivas que habitualmente vivem no segredo das respectivas repartições. Ora, isto é tanto mais importante quanto acontece ser prejudicial aos interesses e comodidade do público e até ao bom nome dos técnicos municipais, que. apenas meia dúzia de e iluminados» saiba o que se pensa sobre a expansão da cidade, a abertura de certas ruas ou quais as cérceas correspondentes a determinada zona.
Permita-se-me salientar o interesse que haveria em levar a discussão dos planos ao seio dos organismos representativos dos correspondentes interesses profissionais.
Verifica-se, por vezes, aqui uma omissão que é vulgar noutros sectores da vida nacional. Nós erguemos um estado corporativo e, diariamente, proclamamos as excelências da Nação corporativamente organizada. No entanto, menos vezes de que seria desejável, recorremos aos organismos corporativos como ambiente apropriado para a discussão de assuntos que especificadamente possam interessar a determinado sector profissional.
Talvez não seja difícil encontrar aqui mais um argumento que sirva o processo acusatório das tendências excessivamente centralizadoras de alguns sectores da Administração.
Mas o mais grave, em meu entender, quanto à região de Lisboa, tem sido a ausência de planos directores e parcelares da urbanização.
A razão essencial desta gravidade reside no mérito da existência de planos convenientes. O viver quotidiano revela, contudo, como tal ausência se pode projector numa incompreensível disparidade de critérios na apreciação das pretensões concretas ou numa deplorável morosidade na aprovação dos respectivos projectos.
Numa hora em que o Governo está louvavelmente empenhado em simplificar os serviços, de molde a proporcionar comodidade aos particulares, convém não esquecer que o sector das obras urbanas tem constituído fonte inesgotável de atritos, motivo de fundadas reclamações.
De facto, a disparidade de critérios na apreciação dos projectos contraria não só critérios de justiça como expõe os servidores públicos a críticas, em que a sua honestidade sai abalada. Nós não podemos, de resto, deixar a solução de problemas de tamanha importância ao critério de um ou outro funcionário, por mais honesto e responsável que pareça.
Impõem-se soluções de conjunto, tempestivamente elaboradas e sempre tornadas públicas.
E que dizer da morosidade na apreciação de projectos?
Agravar o problema da habitação, até porque conduz à imobilização de milhares de contos investidos nos respectivos lotes. Quando, volvidos dois ou três anos, o proprietário do prédio vier a arrendá-lo, procurará, através de uma renda mais (elevada, ressarcir-se dos encargos resultantes da demorada imobilização inicial.
Por outro lado, força os técnicos particulares a uma constante e por vezes vexatória peregrinação pelas repartições, indagando do destino do processo ou mendigando uma rápida apreciação. Isto mesmo, para não falar de certas suposições equívocas que o público em seus rumores pode acalentar, suposições nem sempre lisonjeiras para os servidores públicos. Quem estiver atento à jurisprudência, do Supremo Tribunal Administrativo podei verificar como a ausência de planos conduz a outra prática da Administração
igualmente censurável o indeferimento por ser simples
das pretensões baseado na inexistência de plano de urbanização (cf.. acórdãos publicados n.º 2ª série do Diário do Governo de 18 de Abril ida. -1955 n.º -10 de Outubro de 1955 e l de Março de 1958).Da conjugação do.: artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 33.921, de 5 de Setembro de 1944, com o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (artigo 3.º) resulta que as construções nas áreas urbanizadas ou urbanizáveis estão subordinadas aos respectivos planos de urbanização devidamente aprovados.
O indeferimento justifica-se, nestes casos, desde que ris respectivos projectos colidam com OS princípios dos planos.

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Fora destas situações, o indeferimento é legal quando dos projectos resulte:
Um prejuízo para a estética urbana, depois de ouvida a comissão municipal de arte e arqueologia (cf. o § 2.º do artigo 113.º do Código Administrativo e o artigo 127.º do Regulamento Gemi das Edificações Urbanas); ou
Uma oposição às normas do Regulamento Geral ou outras disposições em vigor (cf. § único do artigo 3.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas).
Mas a invocada falta de aprovação do plano de urbanização não poderá servir de base a tal recusa, pois de outro modo, sem qualquer fundamento legal, limitar-se-ia o direito de construção e transformação abrangido no direito de propriedade (cf. Código Civil, artigos 2167.º, 2315.º e 2324.º}.
Situada a questão no domínio de possíveis atritos entre a Administração e os munícipes, talvez não seja inteiramente inoportuna uma ligeira referência, a alguns desses desencontros. Salientaremos, pois, as construções em altura e constância nas cérceas, a ocupação de. prédios antes das vistorias, as expropriações, realizadas pelos municípios, a venda de lotes em hasta pública, o regime das mais-valias e, para- finalizar, as construções clandestinas.
Recordo-me de que já nos meus tempos de escola, embora menos atento aos problemas. da cidade, dava couta de uma luta entre os particulares, que pretendiam construir prédios em altura, e o município, que se opunha a tais propósitos.
No calor da discussão salientavam os defensores da construção em altura, além do mais, as vantagens que a administração municipal poderia colher de uma expansão mais moderada na área citadina: menos gastos nas redes de água, luz, esgotos, etc., menores obras de arruamentos; encargos mais restritos na administração e conservação das urbes ... Nem sempre a razão lhes assitiria inteiramente, mas eu nunca entendi por que haveriam de forçar as nossas casas apenas a três ou quatro andares, quando muito. De qualquer modo, os defensores da construção em altura só tardiamente conseguiram algum êxito, mesmo depois de os capitais terem emigrado para localidades onde ainda assim eram menores as dificuldades opostas a, construção.
Persistiu, por outro lado, uma política portadora de graves inconvenientes: uma enorme facilidade na alteração do regime das cérceas.
Exemplifico. Para determinada zona fixou-se que os prédios tivessem uma altura a que corresponde n andares. Dentro de tais princípios erguem-se casas e negoceiam-se lotes de terreno. Posteriormente, talvez a solicitação de um novel adquirente de determinado lote, a acerca passa a corresponder a n + 2 ou n + x andares. Não obstante poderem ter concorrido razões ponderosas que conduziram- n nova autorização, criou-se em desequilíbrio relativamente a situações anteriores, forneceu-se ao público, disposto a pensar mal, a convicção de que o novo proprietário beneficiado moveu influências para obter uma cércea mais favorável.
O urbanismo não é imobilismo, mas não deixará de ser avisado manter uma certa constância nas orientações para que se não caia na anarquia ou no favoritismo.
Outro caso é a morosidade na efectivação das vistorias que leva à concessão da licença de habitabilidade. O que aqui se passa pode esquematizar-se assim:
Construído um prédio, o sen proprietário tem urgência em arrendá-lo, como é óbvio.
A crise da habitação, pelo menos relativamente a certos tipos de alojamento, facilitar-lhe-á tal intuito.
Os serviços da respectiva câmara, que não foram diligentes nas outras fases de apreciação do projecto, também não o serão na fase final da vistoria.
Mas como o proprietário receberá mais de rendas do que pagará de multas por arrendar o prédio antecipadamente arrenda-o mesmo.
Em conclusão: a ganância do proprietário e o desleixo dos serviços da Câmara concorrem para tornar habitual um procedimento irregular.
Para lá de uma desejável diligência será útil rever o regime das multas, tornando-as mais gravosas em circunstâncias justificadas, e considerai a possibilidade de antecipação das vistorias, dada a qualidade dos materiais utilizados modernamente na construção. Estou convencido de que presentemente o regime das expropriações oferece relativa garantia aos particulares para defesa do seu património. O que me parece acontecer em algumas cidades é precisamente o contrario: certas empresas de construção beneficiam de facilidades que os municípios lhes concedem ou pelo menos estuo livres de entraves que não lhes levantam e talvez se justificassem.
A função social do alojamento impõe que nem os municípios .nem as empresas construtoras se sirvam do desenvolvimento da construção como processo para a realização de lucros injustificados.
As câmaras devem dar um sentido ao alargamento das idades, impedindo, por outro lado, que proliferem certos núcleos de expansão, fruto da especulação de particulares e quase sempre condenáveis sob o ponto de vista funcional.

Uma política da habitação pode assim conjugar-se cora lima antecipação dos municípios na compra de terrenos, dirigindo depois para aí o crescimento das localidades, com uma limitação às exorbitâncias da hasta pública, condicionando os lotes à construção de casas de renda limitada e com a possibilidade de prédios em altura, permitindo maior defesa na economia da construção s exploração.
As chamadas mais-valias directas e indirectas representam um intuito de correcção aos desequilíbrios resultantes desta sobrevalorizacão dos terrenos.
Tenho conhecimento de conflitos originados com as taxas a pagar pelos particulares às respectivas câmaras municipais.
Embora o regime tenha algumas décadas de vida, creio que nunca conheceu uma regulamentação bem pormenorizada. Isto resulta aliás da sua natureza particular. De qualquer ânodo, parece-me que as respectivas definições deveriam ser bem concretas, ou pelo menos a actuação dos municípios deveria realizar-se com clareza e antecipação, ficando os interessados esclarecidos sobre o que viriam a pagar e evitando-se, de fornia mais segura, uma duplicidade de tratamentos
E passamos ao problema das construções clandestinas. Trato-se de um tema universal que o próprio cinema ainda recentemente tratou.
Nesta cidade de Lisboa e seus agregados satélites verificam-se as duas modalidade» habituais: construções inteiramente clandestinas e obras clandestinas em edificações já existentes.
No primeiro caso, de aglomeração das construções irregulares, constitui autênticos bairros. No segundo, trata-se de alterações em edifícios existentes, normalmente em contravenção dos preceitos legais, no que se refere a um mínimo de exigências de habitabilidade.

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O conhecido Bairro da Liberdade, com a sua agitada história, desde 1925, e os seus 30 000 habitantes actuais, é um exemplo das dificuldades geradas na anarquia da construção, com um cortejo de problemas de ordem administrativa, de segurança, de salubridade, de estética, etc.

Atrás da clandestinidade está sempre:

A inépcia dos serviços municipais, que não souberam oportunamente opor-se a essas anormalidades ;
A especulação de uns tantos particulares que, construindo barracas ou alugando por altos preços quartos e gaiolas nas águas furtadas, fazem fortuna na actividade de intermediários parasitas ou exploradores da miséria social;
A carência moral e material dos habitantes destes conjuntos, onde a vida, por vezes, se realiza em ambientes de segregação social.
E este, Sr. Presidente, um dos grandes problemas de Lisboa, como, aliás, das outras capitais do mundo.
As crises da agricultura, traduzidas em produções deficitárias, fruto das condições meteorológicas, da fraca rentabilidade das terras ingratas em concorrência com as terras férteis, ou até de orientações político- económicas pouco louváveis, tem, como já notei noutra oportunidade, estimulado o abandono do campo.
O nosso trabalho agrícola é duro, a remuneração parca, o subemprego habitual. O homem que Be dedica à terra sujeita-se a uma vida estacionária, misto de modéstia e de resignação, o que não está de acordo com certa mentalidade dos nossos tempos, sedenta de facilidades e riquezas, embora nem sempre à sombra da dignidade e do pudor.
Tudo parece atrair na cidade.
A sedução da sua grandeza, num conjunto de monumentalidade, riqueza e de vida social intensa, gera profundas repercussões psicológicas. O próprio trabalho traz a ilusão da ausência de carácter penoso e instável, reproduzindo-se na remuneração uma marca de aliciamento.
E as multidões das nossas aldeias, alimentadas por esta miragem, abandonam a terra que lhes foi berço, buscando a cidade redentora. E quando o sonho se desfaz nos bairros de lata, na prostituição, no desemprego, no alcoolismo e na tuberculose, ainda assim o homem se apega à grande sedução urbana, persiste em permanecer.
Várias vezes tenho perguntado a mim mesmo que inconvenientes adviriam para a vida normal de Lisboa se retirássemos da nossa capital alguns milhares dos seus actuais habitantes?
Trata-se, na maioria dos casos, de elementos de um sector terciário, integrado por classes improdutivas e que nas profissões mais louváveis vai desde o vendedor de pentes no negociante de estampas religiosas. O menor cuidado dispensado ao desenvolvimento de outras zonas do País, ou o facto de não se ter dado uma transferência mais numerosa de populações para o ultramar, tem contribuído para esta acumulação em Lisboa.
Encontramo-nos, assim, com o problema de que partimos: a planeamento regional de Lisboa tem o seu êxito condicionado, no plano nacional, ao que se fizer pelo resto do País.
Reconhecemos que é uma tarefa demorada, até pela sua magnitude, mas estamos cientes de que não pode deixar de ser encarada com urgência.
Trata-se, afinal, daquela mesma urgência que se exige para a eliminação de certos cartazes de Lisboa, como a Guerraleira ou o Casal Ventoso, onde a dignidade do homem falece e relativamente aos quais a consciência rio cada um de nós, sob pena de traição, não pode continuar indiferente.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão com a mesma ordem do dia da de hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram, 18 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António José Rodrigues Prata.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Aguedo de Oliveira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Domingos Rosado Vitória Pires.
João da Assunção da Cunha Valença.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
José António Ferreira Barbosa.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Mana Sarmento Rodrigues.
Manuel de Sousa Bosal Júnior.
Purxotoma Bamanata Quenin.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Proposta enviada para a Mesa no decorrer da sessão:

Proposta de emenda

Proponho que o n.º l da base i da proposta de lei n.º 14 passe à seguinte redacção:

1. O Ministro das Obras Públicas promoverá a elaboração, no prazo de três anos, do plano director do desenvolvimento e urbanismo das regiões de Lisboa e Setúbal, abreviadamente designado por plano regional de Lisboa e Setúbal.
Lisboa, 6 de Maio de 1959. - O Deputado, Rogério Peres Claro.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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