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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 110

ANO DE 1959 22 DE MAIO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO IM.º 110, EM 21 DE MAIO

Presidente: Exmo. 10 Sr. José Soares da Fonseca

Secretários: Ex.mos Srs. José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista

SUMARIO: - O Sr. Presidenta declarou aborta a sessão às 16 hora» e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário doe Sessões n.º 109.

Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Paulo Rodrigues referiu-se à inauguração ao monumento a Cristo-Rei.
No mesmo sentido falou o 8r. Presidente.

Ordem do dia. - Começou o debate na generalidade acerca da proposta do Governo e dos projectos de lei de alteração à Constituição Política.
Falaram os Srs. Deputados Júlio Evangelista e Duarte Silva.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 11 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e 20 minutos.

Fez-te a chamada, â qual responderam os seguintes Srs. Deputado:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Aires Fernandes1 Martins.
Alberto Grui.
Américo Cortas Pinto.
Américo da Gosta Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Tasques Tenreiro
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.

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Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes do» Beis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arautos.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 83 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 109, referente à sessão de 14 do corrente.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra acerca deste Diário, considero-o aprovado.

Deu-te conta do seguinte

Expediente

Telegramas

De muitos industriais do Norte a aplaudir a intervenção do Sr. Deputado Rodrigo Carvalho sobre a crise da indústria têxtil algodoeira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Paulo Rodrigues. Convido o orador a subir à tribuna.

O Sr. Paulo Rodrigues: - Sr. Presidente: Portugal viveu, nestes últimos dias, uma hora alta da sua história.
Nas colinas da margem sul do Tejo, perante esta nossa Lisboa cidade - mãe de tantas cristandades -, construído pedra a pedra pelo sacrifício e generosidade dos Portugueses de hoje, ergueu-se o monumento nacional a Cristo-Rei.

Diante dos areais de Belém, donde partiram as naus da epopeia, ele fica a testemunhar a vocação perene de um povo que, tendo espalhado por todas as partidas do Mundo o nome de Cristo, neste século XX, de tantos erros e negações, se reencontra a si mesmo na pureza dos princípios que o fizeram grande e confessa, consciente e firmemente, a mesma fé.
O monumento a Cristo-Rei e a consagração solene de Portugal aos Sagrados Corações de Jesus e de Maria foram cumprimento feliz de um voto do nosso venerando Episcopado, em acção de graças pela paz portuguesa.
Para celebrarem tão transcendente jornada, pode dizer-se que reuniram cortes os católicos de Portugal.
Foi maré alta de vida cristã esta que em Lisboa se viveu nos últimos dias. E foi a sessão solene magnifica a que presidiram os cardeais, arcebispos e bispos do mundo português - todo ele unido em comunhão de fé; e foi a festa maravilhosa da juventude - esperança da Pátria e da Igreja -, nessa parada de encantamento no Estádio do Restelo; e foi a procissão de Nossa Senhora que atravessou as ruas de Lisboa e as águas do Tejo (feitas estrada de luz, como já lhes chamaram) para glorificar a Virgem de Fátima, Senhora do Milagre, Rainha de Portugal. E foi o pontifical soleníssimo no Mosteiro dos Jerónimos. E foi, finalmente, a tarde gloriosa de Almada: perante centenas de milhares de portugueses- clero, nobreza e povo ali reunidos; perante a família dos reis de Portugal; perante o Governo e as altas hierarquia da Nação; perante os dignos representantes do Brasil (que nós baptizámos e é hoje o maior pais católico do Mundo); perante os pastores das nossas dioceses e os cardeais da Santa Igreja; ouvida a voz do Papa, e mensagem reconfortante e compensadora de tantos esforços e dedicações o venerando Chefe do Estado, na dignidade e singeleza que lhe conquistaram já o coração dos Portugueses, pôde unir, com a sua presença e a sua palavra justa, toda esta nação, fiel à consagração soleníssima que ali se fizera.
De tal maneira foi grande essa hora que o Exmo. Patriarca de Lisboa disse a alguém que a tivera escolhido se lhe fora dado escolher a hora de morrer. Há-de dar-lhe Deus muitos anos de vida, a ele que, sendo um dos maiores cardeais da Santa Igreja, há-de continuar a ser, por felizes e dilatados tempos, o mestre querido, o. guia respeitado e seguro da consciência católica de Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A ele, como lídimo representante dos nossos bispos e também como glória e honra da Pátria, cabe prestar, neste momento e lugar, a mais respeitosa e viva homenagem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A Assembleia Nacional quererá, por certo, renovar também expressamente, em nome da Nação, a sua homenagem vibrante ao Sr. Presidente do Conselho, a quem se deve a obra de restauração nacional e de

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liberdade religiosa que tornou humanamente possível, a hora grande que todos vivemos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sereno e firme na inteligência e na consciência da missão que lhe cabe e cumpre, talvez nem lhe sobre tempo para atentar na ingratidão dos que repetem em nossos dias a triste contradição dos hebreus libertados, os quais, segundo a Escritura, tiveram saudades dos tempos da perseguição.
Aliás, a verdade é sempre a verdade - ainda quando alguns a calam; o mérito vale e requer justiça - mesmo que alguma voz isolada se levante a negá-la.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o monumento nacional a Cristo-Rei é testemunho de um voto do venerando Episcopado português, felizmente cumprido, mas é também, de futuro, para todos nós, governantes e governados, um compromisso de fidelidade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente': - Srs. Deputados: a atenção com que ouviram as palavras do Sr. Deputado Paulo Rodrigues e as felicitações calorosas que no final do seu discurso lhe dirigiram são a demonstração inequívoca dos sentimentos com que a Assembleia unanimemente acompanhou os próprios sentimentos expressos pelo Sr. Deputado Paulo Rodrigues no seu discurso, que, dado o relevo excepcional do assunto, será o único do período de antes da ordem do dia.
Desejaria acrescentar uma palavra para também eu, como Vice-Presidente, em exercício, da Assembleia Nacional, dizer que efectivamente foi um espectáculo magnifico o acontecimento religioso dos passados sábado e domingo, magnifico para os nossos olhos enamorados de beleza, mas sobretudo magnifico para os nossos espíritos, nados e criados na seiva da vida cristã, que é também a da própria Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Foi, sem duvida, uma hora alta na história contemporânea da Igreja em Portugal e até, porque não dizê-lo, na história da Igreja em Portugal em todos os tempos. Alegremo-nos por ter sido uma hora tão alta.
Em nome da Assembleia Nacional, creio que devemos felicitarmo-nos por ter sido possível ao regime, e sobretudo ao homem que mais do que nenhum outro sabiamente o criou e firmemente o mantém.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente:-... ter feito nascer e perdurai-as estruturas políticas sem as quais tal hora esplendorosa seria humanamente impossível.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Tudo no mundo moderno está à merco do sopro, benfazejo ou malfazejo, da política. Louvado Deus, de há três décadas para cá tem sido benfazejo o sopro da política portuguesa. Alegremo-nos e felicitemo-nos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Em atenção à magnitude do assunto, como disse, não haverá mais nenhum orador antes da ordem do dia.
Vai passar-se, portanto, à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em discussão na generalidade a proposta e os projectos de lei de alteração à Constituição Política.
Tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Evangelista.

O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: vão para V. Ex.ª em primeiro lugar, as minhas respeitosas homenagens.
Au iniciar o debate sobre a revisão constitucional, meço bem o peso das responsabilidades desta hora e a transcendência do acto que encetamos. Ciente dessas responsabilidades e dessa transcendência, não posso alhear-me, nas considerações que vou tecer, da condição particular da minha idade.
São, pois, palavras de juventude as que trago a este debate: juventude que tem legítimos anseios e preocupações, que perscruta o futuro s deseja assegurá-lo,' que está disposta à dádiva e ao sacrifício pelo seu ideal, e que, para isso, estuda, crê e trabalho.
Não se esperem de mim simples considerações de ordem técnico-jurídica, e sim um testemunho de natureza política, perfeitamente legítimo, e até necessário, quando entra em debate o estatuto fundamental dá Nação Portuguesa.
Cada vez se torna mais imperiosa uma actuação integral, em que o passado e o futuro se dêem as mãos, em que a mesma seiva corra das raízes e desde a terra até às flores e ao espaço, em que a tradição e a fé se conjuguem com a experiência e as realidades, com o estudo e a inteligência. Sejamos realistas, sim, mas sem perdermos de vista o ideal. Nilo desprezemos toda a ideologia, pois é uma ideologia aquele sistema de ideias que permite melhor encarar as realidades e utilizá-las ao serviço do ideal que nos dignifica.
Pela maravilhosa lógica das raízes começo, por essa ligação com a nossa terra, a nossa família, a nossa gente, por essa atracção comunitária que torna fecunda e luminosa a vida humana.
Daqui surge a nossa doutrina política.
Só aceitando a disciplina do nacionalismo, submetidos ao conceito de autoridade e de hierarquia, à valorização da família, da pessoa na comunidade, da terra de nossos avós, só obedientes à lei do Deus que nos ensinaram u adorar e contra cuja Igreja não prevalecerão as portas do Inferno, só assim poderemos prosseguir a autêntica e justa revolução.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Contra a lisonja dos instintos e das paixões individuais, contra o baralhamento das competências especializadas, contra o endeusamento aberrativo da opinião, contra um sentimentalismo dissolvente, deverá ser objectivo permanente da política conseguir que o homem se vença, e se transcenda, se construa como espírito, se integre numa comunidade onde encontra a sua natural realização, viva a mística colectiva que é unia comunicação de fé e de .fé coesiva. O homem tende para a satisfação imediata das suas necessidades e paru um movimento egoísta, centrípeto, a sístole da sua. actividade. Só por um esforço da vontade pode submeter-se à dilação, a uma estrutura ordenadora. A vontade não terá, porém, eficiência e continui-

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dade, gastar-se-á ou quebrar-se-á, se acaso não achar suporte, clima e alimento, num estado afectivo do espírito, num estado geral que seja, de certo modo, um misticismo. Fará um povo viver integrado na mesma estrutura .e dirigir a sua vontade no mesmo sentido é preciso que os seus elementos participem da mesma mística, de um exaltante sentimento comum, de uma fé comum.
Sabemos que certos empreendimentos demoram a realizar, a exibir a sua importância ou a produzir os seus resultados. Alguns chegam a prolongar-se por gerações - e assim se compreendem desígnios de dinastias, fidelidade a um plano. Mas o natural egoísmo dos indivíduos, dos grupos e dos povos torna-os incapazes de entender a vantagem de um plano de bem comum ou bem futuro, e também a sua impaciência, mesmo quando entendessem tal vantagem, tornar-lhes-ia difícil a aceitação de uma demora. Cada pessoa, cada profissão, cada localidade, cada município, ou região, ou estado, cada geração, exigem, cada qual, o bem-estar, um acréscimo de bem-estar, ou até a primazia no bem-estar. E perante esta tendência impaciente e egoísta, centrípeta e de sístole, reduzem-se as comunidades, as forças de entrega, diástole, colaboração.
Como poderemos, pois, obter que esta geração se modere e sacrifique, em obediência ao imperativo e a vocação de gerações passadas ou ao destino das gerações futuras? Como poderemos obter que estes indivíduos ou estes grupos se sacrifiquem e moderem, para afinal beneficiar outros que, com eles, formam comunidades mais vastas? Como poderemos, no caso do nosso ultramar, por exemplo, obter a aceitação, imediata e sem reservas, de actividades ou organizações em que será maior a dádiva do que o recebimento - do continente para a índia, ou do Angola para o continente? Como poderemos evitar os apetites de particularismo?
As razões estritamente ou abstractamente económicas não bastam para a vitória, e até podem, ao contrário, contribuir para acicatar a revolta. Tem de haver razões místicas ou, se quiserem, sentimentais. Não podemos, todavia, deixar o caso entregue ao puro sentimentalismo, que é dissolvente e cego. Precisamos de considerá-lo numa força conjuradora e fiel, numa fé, mas numa fé que seja vértice e condutor de energias, uma límpida mística colectiva.
Só mercê de idealismo serão aceites sem revolta, e porventura com entusiasmo, o sacrifício e as limitações. Aquela sentença de um pensador francês - «quand lês peuples cessent d'estimer ils cessent d'obéir reúne-se a consideração de que, quando os povos deixam de crer, deixam de sacrificar-se, de continuar o passado e de preparar o futuro; o dia de hoje, o egoísmo, o particularismo, a ganância, a revolta, a sede de prazeres, a materialismo, avançam.
Reconhecemos, pois, a necessidade de mística.
Mas para a mística tomar o seu lugar em qualquer sociedade política é preciso que as almas vejam almas lavadas à sua volta, sobretudo ao de cima, que a seriedade, o comedimento, o espírito de luta e de sacrifício, escorram desde o vértice da pirâmide e venham na base conformar as inteligências despertas para a vida e às quais o simples pressentimento da mentira ou do logro pode afastar definitivamente de nós - definitivamente e irrecuperavelmente!
Se todos os que no País exercem funções preeminentes e que pela sua posição suo alvo dos olhares curiosos e são exemplos a exaltar ou a condenar, se todos tiverem presente a lição de modéstia, de austeridade, de isenção a lição magnífica da vida de Salazar-, outras serão seguramente as perspectivas de futuro bem mais aberta, e iluminada, e crédula, e confiante, a alma da nossa juventude - sempre atenta e sabendo julgar devidamente os exemplos que vê à sua volta!
E quantas tarefas clamara por nós! O ultramar, por exemplo, é uma estrada aberta ao sonho da gente nova! O acrescentamento da riqueza nacional, pela execução dos planos de fomento, é outro motivo capaz de polarizar energias e vontades!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O modo próprio de o bem comum se expressar e realizar é, na sua estrutura fundamental, aquilo a que normalmente chamamos política. Afirmar a realidade axiológica do bem comum, tentar definir o bem comum, tudo isso é manifestar um pensamento. A política propõe-se estabelecer a justiça social, mantendo a ordem, usando a autoridade. A acção, o resultado social que a política se propõe, reparte-se em dois sectores: o económico-matenal e o espiritual. Donde, o problema económico é primeiro um problema social, e o problema social é primeiro um problema político. A política • apresenta-se deste ânodo como um processo de actividade prática, a forma adequada para atingir certas justezas: a justiça social.
No entanto, o fim em vista é que nos há-de sugerir a natureza dos meios para o atingir. Como estabeleceremos, pois, um pensamento político? Pela observação das realidades tais como são, pela consideração do que é preciso que seja e pela relacionação entre o que é e o que deve ser.
Observemos: desde já: o progresso social, o bem-estar material, a riqueza e a segurança externa não dão, só por si, a felicidade nem são o cumprimento do destino do homem. Em povos adiantadíssimos sob tais aspectos intensifica-se, a angústia, multiplicam-se u ansiedade, o desespero, é aflitivo o número de suicídios e doenças mentais, bem como o desvairamento de uma juventude que reclama a «vida urgente». Por outro lado, sobretudo em certos povos, um acréscimo de bem-estar material só serve de acicate para reivindicar novo acréscimo, e assiste-se, entoo, a uma desenfreada corrida ao luxo, às exigências, à inveja.. Finalmente, certas soluções de distribuição mais ou menos igualitária da riqueza adoptam-se - à custa do esmagamento ou do desvio das formas naturais, das mais íntimas e mais importantes vocações da alma humana.
Uma observação realista deve, no entanto, notar que o actual estado do Mundo e das sociedades, as ideias correntes, o exacerbado predomínio da opinião (e da opinião fabricada por inconfessados interesses), geram a mentalidade e o clima emocional que irão contrariar a concepção de vida e os hábitos indispensáveis para um voluntário sacrifício, ou uma simples aceitação de vida frugal e modesta. Além disso, no estado de desenvolvimento técnico, económico e, digamos, social a que chegou o Mundo, é justo haver uma atitude diferente perante, alguns problemas e é igualmente justo haver, para todos os homens, maior fruição de bens materiais. A civilização e o termo da evolução (predomínio exogenético) são também, como já foi assinalado, o sinal da vitória do homem sobre o meio exterior, transformando-o e utilizando-o. Deste modo, a História fornece-nos a observação de um progressivo domínio das. forças naturais e o consequente desenvolvimento dão formas produtivas. A sentença divina lançada sobre Adão (e que o homem pode transformar numa benção, fonte de alegria e de méritos), essa sentença do ganharás o pão com o suor do teu rosto», refere-se menos a cada um e todos os indivíduos do que a sociedade dos homens. Portanto, mercê da comunidade do mérito e da solidariedade histórica e axiológica do género nu-

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mano, vamos emergindo da dura lei da matéria, da necessidade e da carência para conquistarmos, cada vez mais libertos do suor e das lágrimas, o pão, o vestuário, a saúde e á beleza corporais, a fruição das espirituais alegrias.

Sr. Presidente: o Estado Novo veio encontrar uma sociedade envelhecida e enfraquecida. Restituindo-nos ao sentido tradicional, consideraremos o indivíduo, não na anu simples e deturpada abstracção, mas na solidariedade do tempo e do espaço, na concreção, nos valores, na vida hierárquica s completa.
Assentamos alicerces na família, na profissão, nas comunidades históricas e locais, e encaramos sadiamente o enraizamento no pequeno povo e na grande pátria, o progresso espiritual, ã vitória da terra e do espírito !
O nosso pensamento de nacionalistas, justificando e enformando unia política, ir-se-á processando constantemente para lhe dar actualidade, vida, para a efectivar, ao corrigir os erros e ao suprir deficiências.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Atravessamos presentemente um período caracterizado por certa perturbação, a qual chega a atingir alguns dos responsáveis pela coisa pública, que deveriam ser, naturalmente, os primeiros a dar exemplo de serenidade de juízos e coerência de atitudes.
É manifesto que a raiz deste mal -pouco frequente, graças a Deus, nos últimos trinta anos da nossa vida política! - deve situar-se no processo das tentativas de desagregação que, desde o fim da guerra, as eleições presidenciais e de Deputados - especialmente as «campanhas» que as precedem - têm vindo a imiscuir no vida portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O clima das últimas eleições presidenciais atingiu, realmente, um ponto coincidente com a desordem e o incitamento a subversão!
A desorientação alastrou, e só espíritos seguros na doutrina, firmes uns princípios, terão conseguido sobrenadar nessa onda que doentiamente se infiltrou e avantajou, até que o refluxo da prudência e do equilíbrio tudo tenha reposto em seus devidos termos.
E ainda um pouco sob a influência de tais factos recentes que vamos entrar neste debate, no qual surgem nada menos que sete projectos de revisão, além da proposta do Governo!
E não será tal profusão de sugestões o sinal de que o refluxo ainda não chegou ao termo?
Vistos conjuntamente, no aspecto geral, a proposta do Governo e os projectos de-lei, verificamos desenharem-se quatro linhas fundamentais nas alterações indiciadas á Constituição Política:
1.º Adaptação de certos preceitos a condicionalismos já introduzidos na ordem legal e política: é o caso das referências aos Secretários de Estado;
2.º Inovações de ordem técnica ou política respeitantes a alguns aspectos limitados e concretos, ou com vista a uma maior precisão,- julgada procedente, nalgumas expressões do texto constitucional: suo exemplo das primeiras o aumento do número de Deputados e o projecto do nosso ilustre colega Augusto Pinto e das segundas a substituição da palavra «raça» por «etnia»;
3.º Alterações importantes na atribuição e distribuição de
«poderes» -para empregar terminologia liberal -, todos, ou praticamente todas, no sentido de limitar, em certos termos, a actividade do Governo, ou a sua liberdade de acção, em beneficio de maior força da Assembleia, indo até no ponto de se atribuir a esta Câmara ostensiva e quase permanente fiscalização sobre a acção governa ti vá, fiscalização a estabelecer como que em moldes de superior para inferior.

O Sr. José Saraiva: - É que, realmente, eu notei isso mesmo, isto é, que essa fiscalização parecia de superior para inferior.
Mas V. Ex.ª pensa que, quando a Assembleia Nacional fosse o único órgão de soberania, directamente eleito pela Nação, a posição não seria efectivamente essa, de superior para inferior?

O Orador: - Suponho que V. Ex.ª está a raciocinar muito sob uma lógica democrática. Mas, se raciocinarmos em termos de uma outra lógica, ou seja dentro da concepção corporativa, as coisas passar-se-ão de uma maneira diferente.

O Sr. José Saraiva: - Isso é, pois, na lógica corporativa. Eu estou raciocinando em termos de pura lógica.
Parece-me que a lógica tem isto: ou é lógica, ou não é. Ora, dentro da lógica pura, da lógica do senso comum eu pergunto: quando houvesse um órgão directamente designado pela Nação e outro órgão designado indirectamente, através do mecanismo corporativo, qual seria o superior e o inferior?

O Orador: - Suponho que V. Ex.ª está a afastar-se para muito longe, tanto mais que não sabe o que vou dizer mais adiante.

O Sr. José Saraiva: - As minhas observações eram sobre as premissas apresentadas por V. Ex.ª Felicitar-me-ei se não se puderem aplicar às conclusões.

O Orador: - Não são premissas. É apenas o estabelecimento, por enquanto, das linhas gerais que se deduzem do conjunto das- alterações propostas.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Eu pergunto o que sé deva entender por nação: se é o conjunto dos indivíduos, votando em sufrágio universal ou o conjunto de corpos morais estruturalmente organizados?

O Orador: - Essa pergunta dirige-se á lógica pura do Sr. Deputado José Saraiva. Mas, continuando, direi que vêm finalmente:
4.ª As alterações respeitantes u eleição do Chefe do Estudo.
Quanto às primeiras, nada obsta à sua completa aceitação, até porque respeitam a alterações já efectivamente produzidas, tratando-se, neste caso, de mera actualização de textos.
Quanto às segundas, há a prevenir, na generalidade, que devem estudar-se com o maior cuidado e à luz do princípio importantíssimo -já por varias vezes objecto de recomendações da Câmara Corporativa e de intervenções nesta Assembleia - de que o texto da Constituição só deve ser alterado naquilo que se repute estritamente essencial, dadas todas as razões que militam a favor da sua estabilidade.
Quanto às alterações da terceira espécie - para as quais advogamos uma particular atenção da Câmara -,
sentimo-nos inclinados, em face do que sobre elas meditamos, para a sua decidida condenação na generalidade.
Por dois motivos principais: para além de várias razões, entre as quais se evidencia a presença, à frente dos destinos do País, desse homem que é, e será, o incontestável chefe da Revolução e o estadista reconhecidamente considerado, para além disto, toda a vida do Estado nascido da Revolução Nacional assenta funda

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mentalmente no equilíbrio político, obtido graças ao modo como a Constituição atribui e doseia os apoderes» a que nos referimos. Alterar esse equilíbrio por qualquer forma é medida perigosíssima, que só situações muito particulares podem justificar.

O Sr. Carlos Lima: - V. Ex.ª teia estado a falar de quebrar o equilíbrio existente, mas falta demonstrar um ponto básico: é se neste momento esse equilíbrio existe ou se não existe no plano constitucional e se as alterações por mais propostas não tenderão precisamente a estabelecê-lo.

O Orador: - Isso competirá a V. Ex.ª demonstrar, quando fundamentar o seu projecto.

O Sr. Carlos Lima: - Mas V. Ex.ª parte do pressuposto de que o equilíbrio existe para afirmar que seria quebrado pelas propostas; a V. Ex.ª, por conseguinte, cumpre demonstrar esse pressuposto.

O Orador: - São quase cinco lustros de experiência constitucional nesses moldes.

O Sr. Carlos Lima: - Perdão! O equilíbrio de facto e o equilíbrio no plano constitucional são duas coisas muito diferentes. É preciso ver o problema dentro deste campo, onde se coloca a questão da revisão, e V. Ex.ª põe-no apenas no campo pessoal.

O Orador: - Já lá chegaremos, mas, por agora, o que é preciso é um pouco de paciência ...
Não vemos que neste momento, por nenhuma razão, tais situações se verifiquem. E já não falo da seríssima circunstância de responder por esse Governo - cuja actividade se pretende cercear ou fiscalizar mais de perto - o Prof. Dr. Oliveira Salazar. Poderia dizer que esse argumento é importantíssimo - e é-o! No entanto, passo-lhe ao lado, tendo presente aquela expressiva sentença de Balmes: «Homem indispensável é sinónimo de situação falsa e, portanto, frágil».
Mas - será este o segundo motivo principal - o alargamento de poderes da assembleia legislativa é contrário à estrutura política que desde sempre defendemos e graças à qual nos resgatámos. Ensaiar um gaguejante arremedo parlamentarista - embora não tenha havido essa intenção - em altura grave da história da Europa, quando a França, por exemplo, em busca dos rumos salvadores, penosamente vai tentando contrariá-la, pois sabe que lhe tem custado parcelas preciosas no seu império,...

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - ...isso seria, afirma-o veementemente, retrocedermos.

O Sr. Carlos Lima: - V. Ex.ª afirma, mas não demonstra !

O Orador: - Um momento, um momento!

Seria retrocedermos para o plano inclinado donde saímos há trinta e três finos, mas desta vez com mais negras perspectivas!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Terá, porventura, a Assembleia alguns motivos de t ressentimento». Mas não vamos fazer do «ressentimento político» justificação de alterações que podem ultrapassar-nos, em consequências e mesmo em infidelidade ao sistema. Devo declarar, nesta altura, que falo simplesmente como homem livre, procurando superar os seus próprios ressentimentos em obediência a outros valores que nos transcendem.

O Sr. Carlos Lima: - V. Ex.ª afirma que os projectos implicam um alargamento de poderes da Assembleia. Sem dúvida que implicam. O que importa, porém, é saber se esse alargamento resulta ou não naturalmente dos princípios básicos da nossa Constituição, bem. como se o argumento do direito comparado extraído da Constituição francesa tem consistência. Veremos que não - tem. É que as alterações propostas por mim e por outros Srs. Deputados, no sentido de alargar os poderes da Assembleia, mormente na parte relativa ao exercício do poder legislativo, são consequências não só de princípios correntemente aceites, mus também consagrados nu Constituição. Além disso, V. Ex.ª parece esquecer a que à face da nossa Constituição a Assembleia Nacional é o órgão legislativo hierarquicamente superior. Este é o princípio e o resto são restrições.
Ora entendo que essas restrições foram ]evadi»s a um ponto que não parece justificar-se.
Em princípio, eu demonstro ...

O Sr. Presidente: - Lembro a V. Ex.ª que está a fazer um aparte, não um discurso, e por isso peco-lhe a máxima brevidade.

O Sr. Carlos Lima: - Então limitar-me-ei a afirmar neste momento, em benefício de posterior demonstração, que não aceito a premissa de que o alargamento dos poderes da Assembleia contraria o esquema de ideias da nossa Constituição e que não tem consistência o argumento de confronto que se vai buscar à última reforma constitucional francesa, que continua u consagrar um regime parlamentar.

O Orador: - Peço que V. Ex.ª repare que quando falo no ...

O Sr. José Saraiva: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. José Saraiva: - Nos últimos trinta anos temos vivido, mercê da benevolência de Deus, no regime que SB pode caracterizar assim: os defeitos e tis fraquezas das instituições não se fizeram sentir em virtude dos méritos excelsos de quem por essas instituições respondia...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. José Saraiva: - V. Ex.ª pensa que para o futuro poderemos contar com as mesmas condições, ou deveremos dispor de forma que sejam os méritos das instituições a corrigir as fraquezas dos homens?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª nada altera ao que eu tinha dito. Sómente divergimos na maneira dê alcançar esses objectivos V. Ex.ª lá tem a sua ideia e sente-se feliz com ela ...

O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª há pouco aludiu a ressentimento da Assembleia; seria bom esclarecer. Ressentimento é um estado psicológico derivado de um facto ou factos, de uma experiência. É bom averiguar se existe ou não ressentimento e se houve ou não houve alguma experiência ou experiências que de certo modo o pudessem explicar.

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O Orador: - Eu não afirmei, insinuei a possibilidade .... Adiante!
Temos, por último, as alterações relativas à eleição do Chefe do Estado. Trago ainda fresca na memória a leitura do debate de 1951 sobre a revisão da Constituição Política. E ousadamente devo dizer, depois do confronto entre as anteriores revisões e a de agora, ousadamente digo que chego, por vezes, a pensar estarmos a viver no equívoco dos expedientes constitucionais.

Expedientes, Sr. Presidente! Serão um bem? Serão um mal?
Na revisão de 1951, quando se havia saído, há pouco tempo, de uma agitada campanha eleitoral para a Presidência da República, e para evitar precisamente o «golpe de estado constitucional», foi-se para a solução de o Conselho de Estado decidir sobre a idoneidade dos candidatos, os quais teriam de oferecer garantias de respeito e fidelidade aos princípios fundamentais da ordem política e social consignada na Constituição. Bem se verificou pela experiência, tonto passada como recente, que tal medida não logrou os objectivos visados. Na actual proposta do Governo nem sombras permanecem dessa «providência cautelar* ...
Quem, despido de todos os preconceitos, reflectir sobre este problema crucial da chefia do Estado, há-de reconhecer serem felizes, efectivamente, os povos que não têm que escolher!
Mas a política é a política, e, assim, para busca dos caminhos praticáveis* temos de lidar com a realidade circunstancial.
Neste sentido, damos o nosso apoio, na generalidade, à proposta do Governo, que está mais de acordo com a concepção corporativa do Estado e tem a vantagem de furtar o Puís aos periódicos safanões eleitorais, bem pouco edificantes, entre nós, como recentemente se viu.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Campanhas que podem criar, e tem criado, climas emocionais, desordem e perturbação, abrindo feridas bem custosas de cicatrizar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: duas untos o que não devo furtar-me.
A primeira diz respeito ao nosso ultramar e àquilo que na presente revisão tenha em visto reforçar a sua actividade, a sua posição e o seu destino. Melhor o não poderia dizer, mesmo que u pretendesse, do que citando as palavras ainda há bem pouco tempo proferidas nesta Assembleia pelo Prof. Dr. Mário de Figueiredo quando se referiu ao trabalho imenso que ò acção do Estado pertence e que é indispensável conduzir em termos de tornar viável e permanente a nossa presença civilizadora nos imensos territórios da África Portuguesa». A propaganda, a utilidade e a vantagem pessoal da emigração para ias nossas províncias ultramarinas devia, por seu turno, ser considerada seriamente, conforme foi assinalado também nesta Assembleia em aviso prévio largamente debatido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A outra nota refere-se á restauração da autarquia distrital. Tem essa medida dar satisfação a correntes que nos últimos tempos se têm insistentemente pronunciado pela suo defesa. Dar vida autárquica nos distritos, além de satisfazer uma aspiração séria e bem fundamentada, é passo importantíssimo para a reactivação da vida regional e local, que tão maltratada e tão mal compreendida tem sido por parte, de uma centralização esquisita e impertinente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Inventora de autênticas fábricas de nomadismo e desenraizamento - como os concursos em grande escala, os quadros gerais, o urbanismo e a concentração da indústria -, a vida moderna é insensível não só à riqueza do homem fixado à sua terra, como ao regionalismo, grande base do nacionalismo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Na autarquia distrital, a restaurar em boa hora, vejo um significativo endereço regionalista!

O Sr. Pinto Mesquita: - Peço desculpa, mas discordo.

O Orador: - V. Ex.ª discorda só quanto a autarquia distrital, pois ainda há pouco reparei que apoiava vivamente as minhas considerações sobre a vida' regional e local.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: há três décadas, quando tudo parecia perdido neste país, um homem teve a coragem e o dom de exprimir sentimentos profundos e a aspiração dos melhores, negando certas aparências agressivas e reivindicantes, sendo reaccionário (e revolucionário!) em face de um progressismo criminoso, iniciando uma acção que nunca mais enfraqueceu ou desistiu, uma acção norteada por um pensamento vivificante.
Um pensamento, sim! Salazar salvou-nos porque é um pensamento em acção e um pensamento animado pelo fé nos destinos do Pátria, na sua pessoal missão de homem de Estado, no auxílio de Deus.
Um pensamento ... Fiéis a esse pensamento e em reconhecimento paro com ele teremos de continuá-lo, de desenvolvê-lo, de completá-lo. Ai de nós se somos como aquele dê que quem falam as Escrituras e que, em vez de fazer render os talentos que lhe entregaram, os enterrou, e assim eles ficaram sem multiplicação!
Um pensamento ... Sem ele toda a obra é artificial, desmembrado, dispersa e falhada. Um pensamento está continuamente a resultar em actos e a renovar-se e completar-se.
Salazar é a personalidade, que em dado momento incarnou e representou o pensamento tradicional. Salazar foi e é o porta-voz da Pátria. Mas não seria pensamento se não continuasse em nós, juventude, se não continuasse o pensar-se, isto é, a desenvolver-se. Há ingentes tarefas à nossa espera! O verdadeiro progresso, a verdadeira justiça, esperam ainda uma restauração da vida antimoderna, a restituição do homem ao seu autêntico sentido. Obedecendo a esta missão, explicitando e desenvolvendo um pensamento nacional, obedecemos ao pensamento de Salazar, ao pensamento pátrio.
Eu creio, meus senhores, eu acredito em que estamos aqui e todos os portugueses, nas suas actividades de trabalho físico ou de espirito, estamos decididos a agir para que Portugal não se desfigure, não se esfume, não se perca. Eu acredito na salvação do Mundo e de Portugal com ele. Eu acredito que é possível!
Acredito em nossa força e em nosso valimento, se nos unirmos e trabalharmos sob um pensamento e com uma fé, se nos iluminar aquela mística colectiva a que der-

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mos toda a nossa potencialidade pessoal, acredito se afirmarmos alegremente a crença em que acreditamos. Existe uma juventude pura e clara ou ardente e ansiosa que, no meio ria inocência ou da perturbação, espera que a crença da nossa juventude de alma vá dar-lhe vida palpitante, vento condutor, pujante respiração, calor, luz, a divina linguagem do amor.
E o amor é acção e vida, é uma comunicação irresistível inflamada, é uma perdição que salva. Essa perde de nós próprios para nos ganharmos maiores, essa dádiva do «eu» ao «nós», essa corrente propulsora, acredito nela, mesmo quando no-]a pretendam roubar, para enfraquecê-la e deturpá-la. Lúcifer transformado em Diabo... No entanto, nós podemos dominar o poder cias trevas e reconstruir o templo da vida viva.
Com inteligência e fé, com fé alimentando a inteligência, com inteligência destruindo os obstáculos para a legítima fé, nós venceremos! Com uma acção incessante e indomável; com esperança, memória e vontade, nós venceremos! Com um pensamento nacional e crescente, com unia real mística colectiva, com uma verdadeira ordem (autoridade e justiça), nós venceremos!
Sim! Nós venceremos, acredito! Devemos esta crença e esta vitória à memória daqueles que nos precederam na cadeia do tempo, aqueles humildes que trabalharam a terra ou foram dedicados artífices, aqueles gloriosos santos, intelectuais, nautas e heróis que se foram da lei da morte libertando, e ainda a Salazar, o estadista exemplar que infatigavelmente se sacrifica e trabalha, por nós e pelo futuro desta Pátria gloriosa.
Não podemos desmentir essa esperança. Cumpri-la consiste na indefectível obediência aos princípios, na despreconcebida pesquisa de soluções na intimorata afirmação renovadora. Parar é trair! Eu acredito que nenhum As nós nunca cairá na rotina, no temor, no comodismo, na traição!
Acredito que estamos dispostos a lutar! E, por isso, acredito que podemos criticar é renovar, adentro disto, como nacionalistas, orgulhosos de o sermos, mercê do que se manterá e resplandecerá a perpétua juventude de Portugal e gloriosamente marchará connosco a alma deslumbrante da juventude!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: esta minha intervenção vai ser muito breve. Não vou fazer um discurso. Simplesmente, como o projecto que apresentei não foi, segundo a norma por todos adoptada, precedido de quaisquer palavras justificativas, sinto-me na obrigação de explicar à Assembleia as razões que me levaram a propor as alterações que dele constam.
De longa data venho advogando a necessidade de se modificar o sistema administrativo do arquipélago de Cabo Verde, que, acorrentado ao regime estabelecido para as províncias ultramarinas, caminha com dificuldade e até, sob certos aspectos, apresenta sinais inequívocos de retrocesso, como tive ocasião do demonstrar, desta mesma tribuna, quando em 1901 se procedia à primeira revisão constitucional.
Cabo Verde, como então afirmei, não possui aquilo que justifica a aplicação de em regime legal diferente do da metrópole a existência de uma população com organização social, língua, religião e costumes próprios. Ao contrário, pode lá aplicar-se inteiramente e a todos sem excepção a legislação metropolitana.
O que, porém, mais aconselha a alteração que preconizo é a delicada situação financeira da província, tão débil que lhe não permite, de forma alguma, a realização das obras necessárias ao seu desenvolvimento. Como província ultramarina, tem de ter autonomia financeira, com orçamento próprio e receitas fundadas nos seus próprios recursos, que até agora são, infelizmente, muito fracos.
É certo que o n.º 2 da base XVIII da Lei n.º 2094, de 25 de Novembro de 1958, que aprovou o II Plano de Fomento, determinou que os empréstimos feitos a Cabo Verde para a execução do Plano não vençam juro enquanto durar a actual situação financeira da província. Mas, além das obras previstas no Plano, há outras que são indispensáveis e que devem ser suportadas pelo orçamento ordinário. Ora, a província não dispõe de recursos para isso, não obstante arrastar uma vida difícil, pagando mal aos funcionários, que dela fogem logo que uma oportunidade se lhes oferece.
Se isso assim é, agora que o encargo anual da dívida da província é apenas de 5124 contos, que será nós próximos anos, em que tal encargo sofrerá um agravamento de 50 por cento?
Não se enxerga possibilidade de aumentar as receitas ordinárias. Os impostos são pesados. A tabela do imposto do selo, por exemplo, é a mais elevado de todo o território português, não obstante Cabo Verde ser, porventura, ou antes, por desventura, a parcela mais pobre.
Por outro lado, a divisão do arquipélago em dois distritos autónomos, além .de corresponder a obra da Natureza, que separou as ilhas em dois grupos -barlavento e sotavento, resolveria o problema delicado que é a rivalidade entre a Praia, capital da província, e Mindelo, cidade mais populosa e importante. Há quem pretenda negar a existência dessa rivalidade, mas fazê-lo ó fechar os olhos à realidade: ainda há dois anos se formou em S. Vicente um movimento destinado a trabalhar para a mudança da capital. Julgo, porém, que não há necessidade de ir tão longe, bastando, como disse, a criação de dois distritos autónomos.
Essas são, em resumo, as razoes por que defendo a aplicação a Cabo Verde do regime de ilhas adjacentes.
A questão, aliás, vem de longe. Já Sá da, Bandeira, Oliveira Martins, Ferreira do Amaral e Dias Costa admitiam o facto, como termo lógico da evolução que se processava. E, nos nossos dias, o antigo Ministro. Dr. Vieira Machado também se mostrou favorável a essa ideia. E até um tratadista francos, Albert Girault, no seu conhecido livro sobre administração colonial, editado em 1907, se referiu ao assunto (vol. i, p. 57).
Por ocasião da revisão constitucional em 1951 a questão foi considerada e mereceu a simpatia da Câmara Corporativa, que opinou pela integração progressiva da administração cabo-verdiana na da metrópole. E a Assembleia, se não aprovou u alteração nesse sentido proposta, foi por entender que a disposição do artigo 153.º atingia, de certo modo, o objectivo desejado.
Passados dois anos, ao discutir-se a Lei Orgânica do Ultramar, voltou o assunto a ser considerado, por se haver reconhecido que o citado artigo 153.º não dava plena satisfação ao que se pretendia. Fez-se então um aditamento à base v, dispondo que, quando as circunstâncias o aconselhassem, poderia no estatuto de qualquer província ultramarina instituir-se um regime de administração semelhante ao das ilhas adjacentes. E no Diário das Sessões ficou expressamente consignado que o que havia inspirado tal aditamento fora a situação do arquipélago de Cabo Verde.
O assunto parecia, pois, estar resolvido.
Veio, porém, mais tarde a verificar-se que os artigos 148.º e 155.º da Constituição se opunham à efectivação dessa disposição da Lei Orgânica.
O meu projecto visa precisamente remover esse obstáculo constitucional. Não pretende inovar coisa alguma; procura simplesmente tornar exequível o n.º 2 da base V

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da Lei Orgânica do Ultramar (Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953).
Da sua aprovação não resultará, pois, necessariamente para já qualquer modificação, mas ficará o Governo habilitado a decretar, para Cabo Verde, no momento que julgar oportuno, um regime administrativo semelhante ao das ilhas adjacentes.
O próprio Governo, suponho eu, reconhece a situação singular do arquipélago dentro do sistema ultramarino. Pelo menos, essa é a única explicação que encontro para o facto de ainda não ter sido decretado o respectivo estatuto, apesar de decorridos seis anos sobre a publicação da Lei Orgânica do Ultramar.
E, verdade seja dita, se era para lhe outorgar um estatuto como o de qualquer outra província ultramarina, melhor foi deixá-la sem estatuto, cuja falta, aliás, se não tem feito sentir grandemente.
Expostas as razões que me levaram a apresentar o projecto, parece-me indispensável justificar cada uma das alterações que sugeri.
Sendo a administração das ilhas adjacentes feita através de distritos autónomos, pareceu-me que, para se estender esse regime a qualquer das actuais províncias ultramarinas, necessário se tornava modificar a redacção do § único do artigo 148.º, que preceitua a unidade política, com a existência de uma só capital e do governo da província.
E, como tal preceito se devia considerar uma restrição ao principio geral estabelecido na parte final do artigo 134.º, que manda atender às condições especiais de cada província, entendi que bastaria ressalvar esse princípio geral, antepondo à disposição do referido parágrafo a expressão por mim proposta ou outra equivalente.
Quanto ao artigo 134.º, pareceu-me também conveniente alterá-lo, assim como o artigo 1.º, de redacção sem dúvida pouco feliz, pois da sua interpretação conjugada resultava termos de considerar como províncias ultramarinas territórios que realmente o não são.
A expressão (indicados nos nas 2.º a 5.º do artigo 1.º» só teria justificação como explicativa, aliás absolutamente desnecessária, mas nesse caso deveria estar entre vírgulas. Tal como se apresenta, tem um sentido restritivo, que não é de aceitar.
A Câmara Corporativa, porém, no seu douto parecer, mostrou, compreender bem o objectivo visado, que perfilhou, mas entendeu que para o alcançar não eram necessárias todas as alterações propostas. Assim, aconselha a manutenção do artigo 1.º e do § único do artigo 148.º na sua forma actual, e sugere para o artigo 134.º uma nova redacção, que, em seu entender, dá inteira satisfação ao que se pretende.
Como, na verdade, não havia da minha parte a pretensão de aperfeiçoar, mas tão sòmente o desejo de remover ò aludido obstáculo constitucional, nenhuma dúvida tenho em declarar que me conformo com o douto parecer.
Deveria dar aqui por concluídas as minhas considerações.
Mas não quero terminar sem deixar ao Governo um apontamento que julgo oportuno.
Diz-se no douto parecer da Camará Corporativa que o aumento do número de Deputados proposto pelo Governo se destina, porventura, a dar a certas províncias ultramarinas uma maior representação na Assembleia.
Quero lembrar que Cabo Verde elegeu sempre dois Deputados. Assim era no tempo da Monarquia, continuou sempre depois da proclamação da República até 1926, sendo até de notai- que de 1912 a 1926 elegia também um Senador.
Quando em 1945 se restabeleceu o sistema de Deputados por círculos, na primeira publicação da respectiva lei eleitoral (Decreto-Lei n.º 34938, de 22 de Setembro de 1945) eram também atribuídos a Cabo Verde dois Deputados.
Como, porém, a índia protestasse, e com justa razão, contra o facto de lhe caber um só Deputado, fez-se logo uma nova publicação da lei e, como não era possível alterar o número total de Deputados fixado pela Constituição, foi Cabo Verde que veio a pagar a compensação do agravo feito à índia.
Parece, pois, ser oportuno reparar agora a injustiça de que foi vítima o arquipélago.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, à hora regimental e com a mesma ordem do dia da de hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.

lberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Rei» Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henrique» Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Domingos Rosado Vitória Pires.
João da Assunção da Cunha Valenga.
João de Brito e Cunha.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Fernando Nunes Barata.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.

anuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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