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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 112
ANO DE 1959 27 DE MAIO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
N.º 112, Em 26 DE MAIO
Presidente: Ex.mº Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários : Exmos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 111.
Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente referiu-se ao falecimento do Sr. Foster Dulles e propôs um voto de pesar, unanimemente aprovado pela Câmara.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Jorge Jardim, para se referir ao recente discurso do Presidente do Conselho; Calheiros Lopes, acerca da inauguração, pelo Chefe do Estado, das obras de rega do vale do Sorraia; Meneses Soares, para se congratular com o êxito do concerto, há pouco dado em Lisboa, pela orquestra infantil da Caia Pia de Beja; Rodrigues Prata, igualmente sobre a inauguração das obras de rega do vale do Sorraia, e Nunes Barata, para um requerimento.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta do Governo e dos projectos de lei de alteração à Constituição Política.
Usou da palavra o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
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Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Custa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Gosta Evangelista.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rumiro Machado Valadão.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 111.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre este Diário, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da Câmara Municipal da Covilhã a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Carlos Coelho em defesa dos interesses económicos daquela região.
Do Grémio dos Industriais de Lanifícios da Covilhã no mesmo sentido.
Da comissão promotora da assembleia magna do concelho do Bombarral a solicitar a criação de comarca, naquela vila.
O Sr. Presidente:-Toda a Câmara tem já conhecimento do falecimento do Ministro dos Negócios Estrangeiros dos Estados Unidos, Sr. Foster Dulles. Desaparece, assim, da larga cena do Mundo uma das figuras de maior relevo do drama contemporâneo que tem sido a luta pela paz. Sejam quais forem as opiniões sobre as soluções e os resultados adoptados por Foster Dulles como figura predominante na condução dos interesses do mundo livre, hoje ninguém duvida da sua inteligência, da sua coragem, da sua força de vontade, da sua fé nos seus princípios e na sua missão.
A Camará já lhe prestou a merecida homenagem no momento em que ele deixou a gerência da sua pasta.
É certamente com profunda emoção que a Câmara renova hoje as suas homenagens à sua acção e à sua memória e exara na acta de hoje os sentimentos de maior pesar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Pereira Jardim.
O Sr. Pereira Jardim: - Sr. Presidente: as declarações que há dias foram publicamente proferidas pelo Sr. Presidente do Conselho trouxeram-me o imperativo de consciência de dizer nesta Câmara algumas palavras, que têm de ser de apreço pela oportunidade dessas afirmações, de admiração pela objectividade e nível já usuais e de agradecimento pelos esclarecimentos trazidos a alguns dos mais importantes problemas da vida do Pais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Mas haverá de compreender-se, e V. Ex.ª me permitirá, Sr. Presidente, que para um homem do ultramar, que ao ultramar já dedicou a sua vida e a ele procura prender a vida dos que lhe são mais queridos, assumam principal destaque aquelas passagens que à África e aos problemas africanos se dirigem.
Com o brilho e clareza habituais ocupou-se o Sr. Presidente do Conselho do panorama político do continente africano, das características da nossa posição e da firmeza do nosso rumo em África, fazendo-o com a verdade de sempre, com a objectividade que a seriedade do momento exige e a coragem, firmeza e desassombro, de que se faz mister neste passo verdadeiramente histórico da vida do continente africano.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Para todos os portugueses do ultramar traduziram essas declarações a certeza, em que aliás se confiava, de que o Governo está atento aos acontecimentos, mede as suas exactas repercussões e afirma a sua intenção de em tudo, e por tudo, se aprontar a man-
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ter e defender a soberania e segurança contra os perigos que nos possam vir de fora das fronteiras e rondam, em crepitar de incêndio, a paz dos nossos territórios.
Essas declarações revelaram ainda publicamente quanto o Governo conhece dos nossos problemas e dos nossos anseios, tantas vezes trazidos a esta Câmara pela voz dos Deputados eleitos pelo ultramar, e se esforça por remediar, até onde os recursos o consintam, as deficiências, falhas e atrasos que se faz mister corrigir para se realizar em ritmo dos nossos dias a acção civilizadora que nos pertence e de que não abdicamos no cumprimento de um dever e na concretização de um direito, sem carecermos que no-lo recordem certos arautos ou especialistas internacionais de cuja ciência podemos duvidar, já que dúvidas nos não oferecem as suas intenções.
Carecíamos em África de ver definida pela voz autorizada do Chefe do Governo uma directriz de que se não duvidava, mas que se impunha expressar abertamente.
Soberania e segurança são hoje para nós em África factores decisivos na nossa vida, na continuação do nosso labor pacifico de integração indissolúvel de todos os portugueses no agregado nacional.
Soberania e segurança, que a todos nos impõem deveres e que, acima de tudo e para além de divergências momentâneas, haveriam de por todos ser respeitadas, para que se mantenha a continuidade da nossa presença civilizadora.
Soberania e segurança, para cuja defesa teremos que nos sacrificar, e não se aceita que sejam apenas traduzidas pelo desejo de sobreviver para além de outros, uma vez que para nós, Portugueses, tem de pressupor a manutenção imperecível da nossa presença civilizadora e cristã.
Vozes: - Muito bem; muito bem!
O Orador:-Para tal não temos de pedir licença a ninguém, nem o acordo de areópagos internacionais, que nada pode acrescer aos nossos indiscutíveis e inalienáveis direitos, já que dos deveres temos exacta consciência.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Estamos em África desde há séculos, porque a isso temos direito indiscutível, porque isso se nos impõe como dever maior da Nação, que não resulta de arranjos ou de equilibrios da política internacional.
Aquilo é terra nossa, sangue do nosso sangue, como nossas são as gentes e como nossa é ali a alma viva da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Foram de corajoso desassombro as palavras do Chefe do Governo. Na verdade, não vivemos momento de meias palavras, nem momento em que se possa, ignorar a gravidade dos problemas, mas em que, como o fez o Chefe do Governo, há que enfrentá-los e pô-los perante o conhecimento de todos os portugueses, para mais decididamente se mobilizar a consciência nacional nessa cruzada dos nossos dias de revigoramento da nossa acção ultramarina, que desejamos realizar em paz e em paz esperamos que nos consintam levá-la a cabo.
Não nos falece, porém, o ânimo ou a decisão para enfrentar os problemas no terreno em que hajam de ser situados.
Na certeza dos nossos métodos - afirmou-o claramente o Chefe do Governo - todos os meios serão oferecidos à realização da única política que os interesses nacionais, e até os deveres de cooperação internacional, nos impõem.
Política de paz e com objectivos de paz, ela inclui a certeza da mais firme acção, se necessária, contra os que de fora queiram minar a nossa soberania.
Foram, na verdade, palavras claras, que os homens do ultramar compreendem e esperavam ouvir autorizadamente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Vivendo em África, e vivendo há anos para a África Portuguesa, não podia ter deixado de acompanhar com interesse apaixonado o que se passa nos territórios que no vasto continente africano se estendem e de ter procurado conhecer directamente a agitação que há meia dúzia de anos neles se desenvolve, alastrando através de processos repetidos de subversão e ingenuamente consentidos na sua repetição.
E é grato para nós portugueses, sem orgulhos nem bravatas, que seriam deslocados, podermos sentir que, quando recentemente a África viveu momentos dos mais críticos, nos territórios das nossas grandes províncias africanas se registou exemplo que o Sr. Presidente do Conselho, no seu brilhante discurso, claramente mencionou.
Vivi pessoalmente esses dias nas regiões fronteiriças de Moçambique; tive ensejo de acompanhar o desenrolar dos acontecimentos de um e de outro lado da fronteira e posso afirmar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara que do nosso lado a vida permaneceu tranquila, sem um caso que fosse, já não digo de subversão, mas de menos respeito pela autoridade portuguesa. E, ao afirmá-lo, quero destacar que, a par da tranquilidade dos nativos, que nunca deixaram de em tudo respeitar a autoridade portuguesa, se verificou uma calma e serenidade totais da parte dos colonos dessas regiões que a imprensa internacional indicava como perigosamente ameaçadas ...
Continuando dia a dia o seu labor pacifico, todos souberam afirmar, uma vez mais, as características marcadas da presença portuguesa em África, vincando o valor moral de uma fronteira que ao longo de quilómetros apenas se exprime pelo traço da berma de uma estrada.
E trouxeram, assim, ao Mundo um exemplo que com verdade serena pôde ser assinalado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Mas outro exemplo, ainda, não posso deixar de referir. Como o afirmou o Chefe do Governo, «em África pode perder-se a Europa». Mas, sendo isto certo, eu desejaria acrescentar que para os homens que vivem naquele continente muitas vezes se apresenta bem vivo o risco de que a África se pode perder na Europa.
E resulta isso da incompreensão tantas vezes infelizmente revelada pelos governos metropolitanos que, presentes na Europa e absorvidos ou comandados pelos seus problemas, evidenciam desconhecimento on desinteresse pelas verdadeiras características e grandeza dos problemas que à África respeitam.
No nosso caso, felizmente, revela o Governo exacta consciência das aspirações ultramarinas, das realidades de uma política nacional que não visa domínio hegemónico de raças, mas a estruturação de um conjunto em que todos participem e em que a todos seja possível a ascensão social e humana a que se reconhece direito, na medida em que se revele aptidão para o cumprimento dos deveres decorrentes da própria valorização da pessoa humana.
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No nosso caso o problema que se levanta é o da capacidade dos recursos e sua melhor utilização para enfrentar as prementes exigências do progresso ultramarino. E a isso se dirigem as nossas preocupações, como a isso se dedica a melhor atenção do Governo nos termos que claramente enunciou o Sr. Presidente do Conselho.
Mas não existe, como o evidenciou o Chefe do Governo, nem despreocupação perigosa, nem desconhecimento das características da situação africana, que firme e decididamente se enfrenta.
Não será no nosso caso que a África se perca na Europa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E era este outro exemplo que eu queria apontar para tranquilidade nossa e utilidade alheia.
Sr. Presidente: nestas minhas referências às declarações do Sr. Presidente do Conselho desejaria, a concluir, afirmar conscientemente à Câmara e ao País que para todos os portugueses do ultramar as preocupações, anseios e directrizes apontados pelo Chefe do Governo constituem quadro verdadeiro e rumo seguro, que importa salientar e defender.
É que todos ali têm a consciência exacta das realidades que vivem e todos aguardavam que, autorizada e claramente, o Governo afirmasse o caminho em que importa prosseguir, sem hesitações, para a defesa da segurança e soberania no ultramar português.
E estou certo de poder afirmar que nisso, para além de discordâncias ou divergências quanto a métodos de acção, ou normas orientadoras da condução da vida pública, nisso nada nos dividirá e todos saberemos estar firmemente ao lado do Governo Nacional na observância das directrizes que pelo Sr. Presidente do Conselho foram magistral e claramente definidas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Calheiros Lopes: - Sr. Presidente: ainda que não seja a minha a mais autorizada voz para registar nesta Assembleia o eco do entusiasmo e do reconhecimento com que uma vasta e importante região do País assistiu e se associou a mais uma magnífica realização do Estado Novo, não quero deixar de vir aqui render o meu preito de gratidão, como português e como ribatejano, por esse considerável benefício que representa, no plano local e no plano nacional, a inauguração, realizada no passado dia 23, das barragens de Montargil e Maranhão, integradas na vasta e considerável obra de rega do vale do Sorraia.
Dignou-se presidir a esse importante acto de tanto relevo no futuro económico da região S. Ex.ª o Chefe do Estado, que realizou, na verdade, nesse dia uma verdadeira viagem triunfal.
O interesse que o Sr. Almirante Américo Tomás manifestou pelos problemas nacionais, a consciência da alta missão que lhe foi atribuída pelo País, as suas extraordinárias qualidades pessoais de inteligência, simpatia e afabilidade, estão constituindo, dentro do grande movimento de reconstrução política e social, a que os homens do Estado Novo meteram ombros, um elemento notabilíssimo, que deve granjear a essa alta figura de português o agradecimento de todos nós.
Se me é permitido, destacarei a benevolência com que S. Ex.ª o Presidente da República se dignou interromper a sua viagem, para se deter na minha terra, em Benavente, e presidir á inauguração do bairro de rendas económicas, construído por iniciativa da Câmara Municipal, com a comparticipação do Estado.
O novo bairro, e outros que a Santa Casa da Misericórdia vai construir em todas as terras do concelho, destinado à classe dos trabalhadores rurais, vêm contribuir para minorar o angustioso problema habitacional da região, que se arrasta desde o trágico acontecimento que foi o terramoto de Abril de 1909; pois, por muito que nos custe reconhecê-lo, há ainda numerosas famílias vivendo nas barracas toscas erguidas, em condições precárias, para abrigar as vítimas desse terrível acontecimento.
Pois bem, S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, conhecedor desta triste situação, honrou-nos com a sua presença, dando solenidade e brilho à inauguração oficial do novo bairro. S. Ex.ª o Chefe do Estado quis mais uma vez, manifestar publicamente como no seu elevado espírito e no seu coração generoso merecem apoio e carinho as iniciativas que têm por fim melhorar as condições de vida dos modestos trabalhadores da nossa terra.
Permita-me, pois, a Assembleia que deixe aqui, em nome dessas populações, este testemunho de reconhecimento e a nossa confiança plena de que, sob a égide do ilustre Chefe do Estado, há-de continuar sem desfalecimento a imensa obra de assegurar a todos os portugueses um lar decente, trabalho garantido e devidamente remunerado, numa palavra: ao aumento de nível de vida que todos nós desejamos ver estendido a toda a população.
Em todo o percurso percorrido pelo Chefe do Estado, pelos Srs. Ministros do Interior e das Obras Públicas, Secretário de Estado da Agricultura e Subsecretário de Estado das Obras Públicas e pelas personalidades oficiais que o acompanharam tivemos ocasião de verificar as mais calorosas manifestações de entusiasmo e reconhecimento da gente dos campos e das vilas. Com essa atitude o povo mostrou compreender o extraordinário alcance da obra que se inaugurou.
Na verdade, a rega do vale do Sorraia constituiu uma velha aspiração da lavoura da larga região a que interessa e a sua amplitude e valor não se medem pela simples consideração da área beneficiada, todavia no apreciável montante de 15 354 ha, mas pela avaliação criteriosa, do que dela vai resultar em progresso económico e social, direi mesmo em desenvolvimento demográfico dos muitos milhares de habitantes de toda a bacia do Sorraia.
A área irrigada estender-se-á pelos concelhos de Avis, Ponte de Sor, Mora, Coruche, Salvaterra de Magos e Benavente. Esta obra de rega do vale do Sorraia constitui a mais importante das obras de fomento hidroagrícola até hoje realizada no nosso país.
Ligada, por um lado, à importante obra de defesa e enxugo da Lezíria Grande, de Vila Franca de Xira, que beneficiou cerca de 11 000 ha; por outro lado, conjugado com o grandioso plano de valorização do Alentejo, que prevê a rega de 170 000 ha e faz parte do II Plano de Fomento, a obra do vale do Sorraia representa uma das mais notáveis realizações de fomento agrícola que ficamos devendo ao Estado Novo. Desta obra há ainda a acrescentar a produção anual de energia de três centrais hidroeléctricas, duas de pé de barragem - Maranhão e Montargil- e a terceira de baixa queda -a do Gameiro-, com uma produção global média de cerca de 22 milhões de quilowatts-hora.
Outro benefício considerável proveniente desta obra consiste na regularização das cheias feita nas albufeiras do Maranhão e de Montargil, que amortecem consideràvelmente as cheias máximas.
A montante da albufeira do Maranhão está projectada a construção, dentro do plano de rega do Alentejo,
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de mais outra albufeira, a qual virá a ter grande influência no incremento desse benefício.
Como em todas as obras desta natureza já efectivadas, ao vê-la transferida do plano das aspirações, estudos e projectos para o das realidades, devemos, em primeiro lugar, render graças, ao eminente estadista Salazar, sem cuja obra de rígida administração financeira e sem cuja acção política de coesão das actividades e valores nacionais nada teria sido possível fazer.
Embora a ingratidão seja um defeito inevitável dos povos, eu por mim reajo sinceramente contra essa pecha colectiva e quero colocar acima de todos os que são credores do nosso voto de agradecimento o nome do Sr. Presidente do Conselho, sob cuja chefia tudo se pensou e tudo se realizou.
Mas, Sr. Presidente, não podemos esquecer quanto estas realizações devem à acção inteligente, competente, ao entusiasmo constante, ao interesse, raiando com o carinho dedicado a tudo o que representa obras de fomento, do Sr. Ministro engenheiro Arantes e Oliveira, do seu antecessor engenheiro José Frederico Ulrich, do Sr. Subsecretário de Estado engenheiro Saraiva e Sousa e do director-geral engenheiro Amaro da Costa, que souberam rodear-se de uma notável equipa de técnicos, engenheiros civis e engenheiros agrónomos, assim como simples encarregados e operários, cuja competência e dedicação, aliás, o Chefe do Estado, por proposta do Sr. Ministro dos Obras Públicas, souberam reconhecer, galardoando os que mais directamente participaram nos trabalhos com diversas condecorações.
Por último, não deixarei de registar o interesse com que a lavoura interessada na obra do vale do Sorraia ouviu as declarações do Sr. Secretário de Estado da Agricultura, que, com a autoridade da sua posição governamental e a competência de técnico agrícola que o distingue, pôs em relevo a necessidade de completar o benefício, por assim dizer imediato e directo, da rega com os estudos dos solos e outros, sem os quais não se conseguirá proveitosa utilização da água agora posta à disposição da terra pelas grandes obras de barragens
Não é, neste simples apontamento, oportuno desenvolver agora os temas da utilização da água, das novas culturas, das taxas de rega, das repercussões fiscais sobre a propriedade, dos estudos da produtividade, assim como do escoamento das produções que se esperam ver grandemente aumentadas - todo esse mar de problemas tão intimamente ligados às obras hidráulicas e cujos estudos e resolução não podem ter demora, a fim de não sofrer a menor quebra o prestígio das próprias obras.
Elas são, na realidade, grandiosas, podemos mesmo dizer extraordinárias, em relação à exiguidade dos nossos recursos e ao complexo dos problemas que o Estado tem de enfrentar na sua tarefa renovadora de há trinta anos. Mas somente se poderão considerar completas e somente atingirão o seu mais alto grau de eficiência desde que sejam acompanhadas, desde já, por uma constante e profunda, acção conjugada do Estado e da organização corporativa, traduzida em assistência técnica, tanto no que respeita às culturas novas a tentar, como na política de preços e colocação dos produtos, nos apoios em crédito acessível, na política de fixação das populações rurais, numa palavra, em tudo o que possa traduzir-se no incremento e na valorização do trabalho agrícola.
Mas, Sr. Presidente, tudo o imenso que já se fez impele-nos a esperar seguramente que não deixará de se executar o que falta.
Confiemos, pois, no prosseguimento da obra de valorização da terra, de que a rega é, por assim dizer, o início, os fundamentos.
Certamente o Governo, atento como sempre ao estudo e solução dos grandes problemas nacionais, não faltará, sem tardança, com as indicações, a orientação e a cooperação necessárias para evitar os indiscriminados aumentos de produção dos géneros que já produzimos com suficiência ou excesso ou as culturas agronómica e economicamente contra-indicadas, a fim de que, graças a essa assistência e orientação superiores, a nossa lavoura possa trabalhar com segurança e critério, aproveitando pela fornia económica e socialmente mais útil o alto benefício das obras de rega de que o Estado Novo dotou e continuará a dotar o País.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Meneses Soares: - Sr. Presidente: a imprensa de ontem insere uma notícia a relatar que no Pavilhão dos Desportos, na noite de domingo 24, foi levado a efeito um concerto pela orquestra infantil da Casa Pia de Beja, festa a que se dignou assistir S. Ex.ª o Presidente da República, acompanhado pelo Sr. Vice-Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e por um ilustre oficial da sua Casa Militar.
Mais relata a dita notícia que a referida orquestra, composta por vinte e tal elementos entre os 5 e os 16 anos, conseguiu o interesse e agrado da numerosíssima assistência, que quase enchia a totalidade dos lugares do Pavilhão, assistência constituída, na sua grande maioria, por alentejanos residentes na capital e arredores e que o espectáculo, a todos os títulos notável, decorreu no meio do maior entusiasmo.
Sr. Presidente: sobejas razões tem a minha intervenção de hoje, porventura pequena no seu conteúdo, mas enorme pela grande soma de entusiasmo que a provocou, enorme, dizia eu, pela altíssima honra conferida à minha terra natal, melhor dizendo, à minha província, pela presença ilustre de, S. Ex.ª o Presidente da República, que mais uma vez quis mostrar que grandemente se interessa por todas as manifestações da vida do povo português, à frente de cujos destinos a Divina Providência em boa hora houve por bem colocá-lo, até mesmo pelas dos mais humildes e desprotegidos da sorte, como no caso presente.
Esse significado marcou-o bem S. Ex.ª ao assistir ao espectáculo para que tinha sido convidado e conservando-se nele até final.
Assim o compreendeu a numerosíssima assistência, assim o compreenderam os alentejanos presentes, e por tal lhe tributaram, tanto à entrada como à saída, duas muito calorosas e amigas manifestações, mostrando assim o seu júbilo e a sua enorme gratidão pelo sublime gesto de profunda compreensão revelado pelo nosso querido Chefe do Estado.
Do alto deste lugar, dos mais honrosos que em minha vida foi dado desempenhar, dirijo a S. Ex.ª a mais elevada e veemente expressão dos meus entusiásticos agradecimentos pelo carinhoso cuidado posto na aceitação do convite que lhe foi feito pelos mais humildes de entre os mais humildes habitantes do Baixo Alentejo e pelas carícias que prodigalizou aos pequeninos componentes da orquestra, que, na companhia do seu director, Rev.º Padre Joaquim, e do amigo que sou, e me prezo de ter sido sempre, o foram cumprimentar no intervalo.
Infelizes por já não terem pais, sentiram naquela hora alta em que o Chefe da Nação os acarinhava e protegia, que a cristianíssima Nação Portuguesa pensa e pensará sempre com o maior desvelo no destino daqueles e de outros desprotegidos, da sorte, educando-os
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para que possam vir a conquistar um lugar na vida como qualquer filho de família menos sujeito aos azares da fortuna.
Esta a feliz conclusão que mais uma vez tirei e vi confirmada - eu, que reivindico a posição entre aqueles que mais fé têm nos princípios do Estado Novo -, esta a consoladora certeza que terão os Portugueses, e, nomeadamente, os alentejanos do Sul, nessa hora tão generosamente contemplados pelos favores da atenção da tão alto dirigente do País.
Sr. Presidente: vou terminar. Mas, antes de o fazer, quero chamar a esclarecida atenção de V. Ex.ª e da Câmara para o alto exemplo de cristã dedicação dada ao Mundo por esse homem, o padre Joaquim Fatela, que, não obstante os seus múltiplos deveres de sacerdote e professor, se dedicou inteiramente a uma causa nobre entre as mais nobres ao tomar conta da educação de mais de cem rapazinhos órfãos, a quem ele prodigaliza os maiores cuidados e da melhor forma cuida e educa como se fora o chefe de uma grande família; tudo isso se demonstra sobejamente ao ver a forma como esse rapazes se apresentam em público, nas festas como na vida de todos os dias, na escola como nas oficinas em que aprendem, cheios de humana dignidade, com um porte impecável e gozando a mais perfeita saúde. E se não soubéssemos o que se passa no pormenor, só por estes três factores referidos seríamos forçados a concluir que o padre Fatela cumpre integralmente o seu dever, esse sagrado dever que lhe foi transmitido pelo seu iniciador, o santo padre Américo, de tão saudosa memória.
Daqui, Sr. Presidente, se me é permitido por V. Ex.ª, dirigo o meu comovido louvor à Junta de Província do Baixo Alentejo, e ao seu ilustre presidente pela feliz resolução que tomou ao entregar em mãos tão virtuosas e a inteligência tão esclarecida e animada de sopro divino os destinos da Casa Pia de Beja, da nossa querida Casa Pia, como nós em Beja lhe chamamos.
E mais uma vez tenho a honra, de solicitar ao Governo de Salazar que continue aprestar àquela útil instituição, de tão belas tradições, a sua ajuda valiosíssima, que tantas vezes lhe tem concedido.
Por tal motivo, os baixo-alentejanos, que com tanto entusiasmo têm sempre vivido o problema daquela casa de caridade, lhe ficam eternamente reconhecidos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
0 Sr. Rodrigues Prata:-Sr. Presidente: limitarei a minha intervenção a poucas palavras, só para que no Diário das Sessões fique assinalada a satisfação, a alegria, direi mesmo o orgulho com que a população do distrito de Portalegre recebeu no passado sábado, dia 23, a visita de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República. E que luzida embaixada, Sr. Presidente! Os Srs. Ministros do Interior e das Obras Públicas, Secretário de Estado da Agricultura, Subsecretário das Obras Públicas, secretário nacional da Informação, e mais, muitas mais personalidades constituíam a comitiva do Sr. Presidente da República.
O Alto Alentejo engalanou-se e caprichou em demonstrar ao Sr. Almirante Américo Tomás, em apoteótica recepção, que S. Ex.ª conquistou o coração dos Alentejanos.
Foi dia de festa no distrito de Portalegre. Desde o limite do distrito até ao Maranhão, por Montargil, Galveias e Avis, além de pequenos lugares, o venerando
Presidente colheu os mais sentidos e quentes aplausos de uma população que inteiramente se lhe entregou. O bom povo alentejano rendeu-se por completo à simplicidade austera do marinheiro, à bondade espelhada na face do homem, à naturalidade do mais alto magistrado da Nação Portuguesa, ao sorriso acolhedor e amigo do seu Presidente da República.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não ficou S. Ex.ª insensível a tão sinceras e espontâneas manifestações, mas tinha um longo e fatigante programa a cumprir. Sempre delirantemente aclamado, inaugurou S. Ex.ª as diversas fases da mais importante e dispendiosa obra de fomento hidroagrícola até hoje realizada no nosso país: a obra de rega, do vale do Sorraia.
Destina-se esta obra a regar cerca de 15 400 ha, distribuídos pelos concelhos de Avis e Ponte de Sor, do distrito de Portalegre, e mais quatro concelhos dos distritos de Évora e Santarém.
As duas grandes albufeiras - Montargil e Maranhão- poderão fornecer anualmente cerca de 179-000000 m3 de água, através de uma rede total de rega de 383 km, compreendendo 112 880 m de canais, 98 488 m de distribuidores e 171 662 m de regadeiras; as suas centrais permitirão ainda a obtenção de energia eléctrica, que decerto irá contribuir, de maneira decisiva, pura a electrificação de algumas localidades desta região.
Sr. Presidente: os benefícios que a transformação do sequeiro em regadio deverá trazer à vida económica nacional não se limitarão, segundo creio, ao acréscimo do produto nacional bruto.
Poderão suscitar-se diversos e porventura complexos problemas sobre novas culturas, novos métodos de cultura ou novos processos de aproveitamento do terreno nas regiões regadas, mas as perspectivas que tais obras oferecem para uma mais equitativa distribuição de rendimento, para a resolução de problemas, de emprego e, muito especialmente, para a possibilidade do estabelecimento de exploração de novas culturas e indústrias, impõe que tais obras mereçam, e decerto continuarão a merecer, por parte das entidades responsáveis, o melhor carinho e o desenvolvimento de esforços sempre maiores. Assim todo o País igualmente o entenda.
Esta imponente obra agora inaugurada, localizada no distrito de Portalegre, demonstra-nos que a política de rega, tão oportunamente iniciada pelo Governo, se vai realizando pouco a pouco, mas com segurança. Entretanto, também julgo que obras de tal amplitude só poderão ser levadas a bom termo no clima de ordem social, económica e financeira a que o actual regime político nos habituou e que Deus permita se mantenha por muitos anos, para bem de todos e progresso do País.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Todos sabemos que muito há ainda a fazer no Alentejo no que se refere a obras de rega, e no II Plano de Fomento o problema foi encarado com objectividade e com firmeza, para melhor resolução de uns tantos problemas considerados de capital interesse.
Quem, como eu, assistiu à inauguração desta obra de fomento hidroagrícola e tomou conhecimento dos trabalhos efectuados, das dificuldades vencidas, dos benefícios já colhidos é das previsões, mesmo as mais modestas, baseadas em estudos sérios e dignos, fica aguardando, com a serenidade indispensável, que se concretize, em próximo futuro, tudo quanto se planeou, ou vai planear-se e já se encontra programado, para
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oportunamente poder dizei- como disse S. Francisco de Assis: «Bendito sejais, Deus meu, pela água pura e casta que me dais».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«A fazer fé pelos dados do censo de 1950, existiam em Portugal 10 434 cegos.
Os distritos de Lisboa e Porto detinham 23,5 por cento dos nossos cegos, acontecendo, de resto, que os distritos do litoral, com excepção do de Setúbal, acusavam as maiores percentagens.
Do total obtido pelo censo de 1950 verificava-se que tinham menos de 20 anos 2833 cegos (27,3 por cento), contavam entre 20 e 40 anos 2036 (19,5 por cento) e 5345 eram de idade superior a 50 anos (53,2 por cento).
Relativamente ao censo de 1940 deu-se uma diminuição no número total de cegos, que em 1940 era de 11 891, mas um acréscimo no número dos de idade inferior a 20 anos, que em 1940 era de 1421. Este facto do aumento de 100,8 por cento no número de cegos, de idade inferior a 20 anos é pouco lisonjeiro se considerarmos não só o grupo etário que decorre, mas ainda a circunstância de ser normalmente menos pronunciada nas crianças e adolescentes a incidência das cegueiras adquiridas.
Dos cegos existentes em 1950 apenas 3083 (ou seja 29,5 por cento) viviam do seu trabalho ou outros meios próprios. Os restantes 7351 (ou seja 71,5 por cento) eram assistidos ou encontravam-se a cargo de suas famílias.
Excluindo os que tinham idade inferior a 10 anos, sabiam ler 24.6 por cento dos restantes cegos, sendo, consequentemente, iletrados 71,5 por cento.
Considerando os aspectos menos lisonjeiros expressos pelos números transcritos e a importância do problema dos cegos em Portugal, requeiro que, pelos Ministérios da Educação Nacional e da Saúde e Assistência, me sejam prestadas as seguintes informações:
I) Se existem estudos realizados pelos serviços oficiais onde se abordem os temas a seguir referidos e quais as conclusões desses mesmos estudos:
1) Situação económico-social e cultural dos cegos portugueses, numa apreciação mais detalhada do que a que resulta dos números, do recenseamento da população;
2) Causas que explicam a distribuição regional dos cegos em Portugal e factores que, incentivam a sua afluência a Lisboa;
3) Lista das profissões que os cegos portugueses poderão desempenhar e quais as possibilidades de ocupação para os mesmos;
4) Influência dos acidentes de trabalho, da sífilis, do sarampo, da escarlatina e das doenças oculares nos casos de cegueira no nosso país.
II) Quais os resultados a que chegou a comissão encarregada, em 1947, de estudar o problema dos cegos em Portugal e qual o andamento que posteriormente o assunto teve nas instâncias oficiais.
III) Se existe algum plano nacional, elaborado pelos serviços oficiais, para recuperação e valorização dos cegos.
Verificada a afirmativa, qual o estado de execução, desse mesmo plano.
IV) Quais as relações entre as instituições oficiais e os organismos particulares, nomeadamente fundações, em ordem a resolver, no plano nacional, o problema dos nossos cegos.
V) Quais as providências oficiais já tomadas ou em projecto, relativamente:
1) A criação de escolas para cegos em Portugal, tendo em conta uma desconcentração de estabelecimentos de ensino;
2) A habilitação de pessoal técnico destinado a coadjuvar a preparação dos cegos;
3) A orientação da carreira dos cegos e respectiva higiene profissional;
4) A centros de colocação de cegos;
5) A admissão de cegos em empresas;
6) A possibilidade de criação nas cidades, mormente em Lisboa, de uma rede de quiosques explorados por cegos;
7) A adopção de outras medidas tendentes a proporcionar assistência ou recuperação social aos cegos».
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão na generalidade a proposta e projectos de lei de alteração à Constituição Política.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: em determinadas circunstâncias não é suficiente votar, é também conveniente justificar o voto antes de emiti-lo. É o meu caso nesta emergência; mas, como subi à tribuna apenas para aquele fim, será muito breve a minha intervenção neste debate sobre a generalidade.
No entanto, como se trata de definir e esclarecer uma atitude, as minhas palavras solicitam a benévola atenção dos meus colegas, até para não ser possível interpretá-las em sentido diverso daquele que as inspira ou contrário à minha intenção.
Ocupa-se neste momento a Assembleia Nacional da proposta e dos projectos de lei relativos à reforma da Constituição Política, que na linguagem moderna pode simbolicamente considerar-se a infra-estrutura do Estado. Seja qual for o regime em vigor, sejam quais forem os seus princípios informadores, trata-se de um instituto fundamental e de transcendente importância na vida da Nação; e por isto, como seu representante, devo colaborar na elaboração da lei constitucional que vai resultar deste importante debate, não ultrapassando, todavia, os limites que resultam dos ideais que professo, me inspiram e me conduzem e por imposição da minha actuação política no pretérito, da qual porventura alguns ainda se recordam.
Necessito, pois, de falar-lhes um pouco de mim, não para elogiar-me, o que seria vitupério e injustiça, nem para realçar-me, mas para, na conjuntura presente, marcar a minha posição e justificá-la, se não para justificar a vossa própria, se tanto fosse mister, não obstante a toda a luz se revelar diferente.
Após vinte anos de ostracismo, regressei ao Parlamento em 1945.
Sei que não fui eleito como monárquico, mas, com outros, não deixei de ser monárquico por haver sido eleito. Aceitámos e viemos sem nos imporem condições,
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nem qualquer filiação; e, desde então, agimos com independência e liberdade de pensamento, de expressão e de voto. Cumpre consigná-lo novamente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Assim, sem constrangimento, pondo a Pátria bem ao alto, actuamos dentro do condicionalismo que na vida da Nação as circunstâncias impõem e a que desinteressadamente nos submetemos, sem que se extinga a chama do nosso ideal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas, repito, a minha situação é especial. E é especial porque, sendo, de todos nós, o mais afastado da idade juvenil, como nenhum outro abarquei, na plenitude da vida, todo o longo decurso dos vinte e cinco primeiros anos deste século, incluindo, portanto, a década final da Monarquia; e desde então envolvi-me nas andanças da política, onde tomei atitudes e assumi para comigo próprio compromissos irremovíveis.
Um quarto de século de discórdias e de luta tenaz, em que comparticipei desde Coimbra, primeiramente na defesa do ideal monárquico contra o republicano e depois no duro ataque ao novo regime sempre e em toda a parte.
Especialmente na Câmara dos Deputados, alinhei com outros na extrema direita, numa guerra implacável, sem tréguas, contra a demagogia, intransigentes com a República, respeitando embora as crenças dos adversários sinceros e leais, e fazendo justiça a quem a merecia.
O Sr. Carlos Moreira: - Muito bem!
O Orador:- Éramos poucos e geralmente isolados na nossa trincheira, mas empenhados sempre num esforço exaustivo, queimando energias, sofrendo amarguras e incertezas, suportando ameaças, correndo perigos, numa doação total ao bem da nossa pátria.
Como posso esquecê-lo?!
Como hei-de renegá-lo?!
Nestas circunstâncias, nenhum dos actuais parlamentares encontra, nem tem, como eu, no curriculum da sua vida política responsabilidades, compromissos,- razões de ordem moral, a inibi-lo, na actual emergência, de sacrificar sem renúncia as suas ideias aos interesses da Nação - os mesmos interesses que inspiram monárquicos e republicanos no apoio ao Estado Novo, sem que isto implique para os primeiros defesa da forma republicana de governo estabelecida no artigo 5.º da Constituição, que, aliás, agora não está em causa.
Se a memória não me atraiçoa, Salazar reconheceu algures que, em dadas circunstâncias, o imperativo das realidades prementes, em suma, o interesse nacional, sobrepõem-se às doutrinas que professamos Salus populi.
Sr. Presidente: eu podia empregar a cómoda solução de não comparecer às sessões ou retirar-me antes da votação dos preceitos constitucionais de que discordo, baseando esta ausência na circunstancia de, estando presentes, não nos ser licita a abstenção. Outros o têm feito com declaração prévia dos motivos da sua atitude.
Simplesmente, adoptei sempre o processo da rejeição. Adoptei-o na legislatura de 1922 a 1926 e especificadamente na reforma constitucional de 1951. É uma questão de critério, e nada mais; mas fiquei amarrado a um precedente que seria incoerência não respeitar.
Resumindo: pelos motivos expostos, eu, para não me desmentir ou contradizer até no próprio lugar onde ainda ouço os ecos da campanha contra a República em que me empenhei, e ainda para não me minimizar no conceito da própria Assembleia, e até por coerência, não posso deixar de retomar a posição que ocupei na sessão de 5 de Abril de 1951, apesar de então, em contrário do que agora sucede, se tratar apenas de uma alteração de pormenor no artigo 72.º em referência.
Declarei então e confirmo hoje:
O meu voto, será determinado pelo pensamento que me inspira, no que de qualquer modo com ele possa colidir, sem, é claro, isto significar que perfilho este ou aquele sistema de sufrágio e uma outra formalidade da eleição para a chefia do Estado.
Com efeito, rejeitar agora também o artigo 72.º não significa de modo algum preferência pelo sistema anterior.
A minha recusa provém tão somente de discordar do preenchimento da chefia do Estado por meio de eleição, seja qual for o sistema de sufrágio empregado, pois todos eles são incompatíveis com a perenidade da realeza.
O Sr. Carlos Moreira: - Muito bem!
O Orador:- Felizes os povos que não têm de escolher- repetiu-se aqui, repito-o agora.
Conduzo-me, sem reservas nem temor, no uso de um direito de que não era licito sermos, nem somos, privados.
É que, por mercê de Deus, não temos o pensamento e a acção algemados pela tirania comunista, revelada em 1920 numa famosa tese do 2.º Congresso do Comintern, assim expressa:
Todo o candidato inscrito na lista comunista assina o compromisso oficial de resignar o seu mandato a primeira ordem do comité central, a fim de de que o partido tenha sempre a possibilidade de o substituir.
Todo o deputado comunista no Parlamento deve lembrar-se de que não é um «legislador», usando uma linguagem comum aos outros legisladores, mas um agitador do partido enviado para o seio do inimigo, para aí aplicar as decisões do partido. O deputado comunista é responsável, não perante a massa anónima dos eleitores, mas perante o partido comunista legal ou ilegal.
Aqui temos um flagrante exemplo das «liberdades» soviéticas, que recomendo para cartaz a afixar nas esquinas das cidades, vilas e aldeias e a divulgar em manifestos nas escolas, nas fábricas e oficinas, nos cafés, nas tertúlias, enfim, em toda a parte onde seja necessário abrir os olhos de quem ainda vive de ilusões, sem exclusão dos últimos abencerragens do demo-liberalismo, que, como cúmplices de loucas e perigosas aventuras, sacrificam a Pátria aos seus ódios e ambições, não lhes permitindo a cegueira aperceberem-se sequer de que um dia não distante haviam de ser também alvo certeiro dos tais «pelotões de fuzilamento», cuja profecia ainda não vimos renegada publicamente.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador:- Faz favor.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu estava hesitante sobre se devia ou não pedir licença a V. Ex.ª para o interromper.
O Orador:- Com todo o gosto.
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O Sr. Mário de Figueiredo: - Depois de reflectir, convenci-me de que o devia fazer e pôr-lhe a questão.
O problema que está posto, pelo menos como V. Ex.ª o referiu, é o problema da eleição do Chefe do Estado e dos artigos constitucionais com ela ligados. Portanto, não está posto para solução o problema da designação do Chefe do Estado dentro do pensamento que tem sido o animador de toda a vida política de V. Ex.ª O problema que se põe é o de saber qual o melhor sistema de designação do Chefe do Estado dentro do regime. Quer dizer: é o da designação, num certo sistema constitucional, do Chefe do Estado; sendo assim, se se vota contra um certo sistema, é porque se pretende que fique consagrado um outro sistema, mas sempre no mesmo plano.
O Sr. Carlos Moreira: - Não apoiado!
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu nem chego a compreender como é que neste plano, as coisas podem pôr--se diversamente.
Há um certo problema que V. Ex.ª gostaria de ver resolvido em determinado sentido, mas esse problema não está posto.
O Sr. Carlos Moreira: - Não está posto pelo Governo, mas pode pôr-se perante a consciência política do Deputado.
O Sr. Mário de Figueiredo:- Portanto, V. Ex.ª é arrastado a esta posição: votar contra um sistema de eleição e, com isso, consagrar outro sistema de eleições pior que esse.
Estava a embaraçar-me a questão, nos termos em que V. Ex.ª a pôs, porque não acho que tenha sido posta no verdadeiro terreno. Na verdade, na hipótese, votando V. Ex.ª contra um certo sistema de designação do Chefe do Estado, que está proposto, está a votar por outro sistema de eleição - o que existe.
Em qualquer caso, vota por um sistema de eleição do Chefe do Estado tanto quando vota por, como quando vota contra, que é o que V. Ex.ª não quer.
Em qualquer hipótese, V. Ex.ª está a votar por um certo sistema de designação do Chefe do Estado.
O Orador: - A consideração e o respeito que V. Ex.ª me merece obrigam-me então a ser mais explícito. Eu disse saber que não tinha sido eleito como monárquico, mas acrescentei que por ter sido eleito não deixara de ser monárquico.
Portanto, se o julgasse oportuno nesta conjuntura, facilmente teria posto o dedo na ferida, porque bastava substituir uma palavra no artigo 5.º da Constituição para transformar o regime republicano em monárquico.
O que eu não posso é votar um artigo que impõe um sistema de escolha do Chefe do Estado por eleição, seja qual for o modo.
Quando V. Ex.ª diz que recusar um sistema de eleição é o mesmo que aprovar ou preferir outro que existia não tem razão, porque recuso toda e qualquer forma de sufrágio, por todas serem incompatíveis com a perenidade da realeza.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu aceito a questão nesse pé. Mas o que afirmo é que votando contra está a votar por V. Ex.ª entende que o Chefe do Estado não deve ser eleito; mas esse problema não está posto. Se não está posto, V. Ex.a, estando a votar contra um certo sistema, está a votar por outro, porque o problema que está posto, o único problema que está posto, é o da escolha entre vários sistemas de eleição do Chefe do Estado.
O Orador:- Rejeito todos. Rejeitei o de 1951, rejeitarei este e nada me impedia legalmente de propor em projecto de lei pura e simplesmente a substituição no artigo 5.º da palavra «República» por «Monarquia».
O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador:- Faz favor.
O Sr. Carlos Moreira: - Parece-me ter entendido o raciocínio de V. Ex.ª nos seguintes termos: V. Ex.ª, em face das tais imposições de ordem nacional de oportunidade e razões de vária ordem, entendeu que não podia atacar o problema frontalmente, isto é, que não devia trazê-lo agora aqui, por imposição da consciência política, embora pudesse fazê-lo em face das prerrogativas constitucionais.
Então, desde que não concorda com a forma do regime, V. Ex.ª alheia-se da escolha do Chefe do Estado electivo, seja qual for a forma da eleição.
Ora só há duas formas de se alhear, em vista de o Regimento não permitir a abstenção: ou abandonar a sala, o que não me parece, salvo o devido respeito, uma posição aprumada, ou votar contra, porque, se votar a favor, aceita implicitamente o regime político com que não concorda.
O Orador:- Exactamente. Não é nova a minha orientação de agora, porque, repito, já a adoptei em 1951.
Sr. Presidente: termino a minha breve intervenção assegurando a V. Ex.ª e à Assembleia que, além da intenção de expor e justificar o meu voto, tive a de cumprir um dever de lealdade, de cortesia e de grata camaradagem, de que os meus prezados colegas se me tornaram credores.
Não desejo, porém, descer da tribuna sem apoiar as palavras do Sr. Eng.º Jorge Jardim e, daqui, dirigir a Salazar uma sincera e calorosa saudação e prestar-lhe, como português, gratíssima homenagem pelo notável discurso há dias proferido.
O Sr. Presidente do Conselho mais uma vez demonstrou que sabe, que pode e que deve continuar Portugal!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia de hoje. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
António Calapes Gomes Garcia.
Armando Cândido de Medeiros.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
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828 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 112
João Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José dos Santos Bessa.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA