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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 113
ANO DE 1959 29 DE MAIO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 113, EM 27 DE MAIO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado um voto de pesar pela morte do pai do Sr. Deputado Carneira Pinto.
A Assembleia negou autorização para o Sr. Deputado Teixeira da Mota depor num tribunal de Lisboa.
O Sr. Deputado Sebastião Ramires falou sobre o convite a S. Ex.ª o Presidente da República do Brasil para assistir às comemorações do centenário do infante D. Henrique.
Os Srs. Deputados Alberto Crus, Cortês Lobão, Proença Duarte a José Saraiva referiram-se ao 33.º aniversário do movimento nacional de 28 de Maio.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre a proposta e projectos de emendas à Constituição Política.
Usou da palavra o Sr. Deputado Virgílio Cruz.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicbo.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
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Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Ângelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereiro e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente:- Estão presentes 86 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:- Cumpro o dever de comunicar à Câmara o falecimento do pai do nosso ilustre colega Sr. Deputado Cerveira Pinto.
Creio interpretar os sentimentos da Câmara exprimindo ao nosso ilustre colega o profundo pesar da Assembleia.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do juiz corregedor da 1.ª vara cível de Lisboa a pedir autorização à Câmara para que o Sr. Deputado Teixeira da Mota possa depor naquele tribunal no dia 9 de Junho próximo, na hipótese de a Câmara continuar a funcionar nesse dia.
Comunico à Câmara que o Sr. Deputado Teixeira da Mota considera inconveniente, para a sua actividade parlamentar a autorização pedida.
Consultada a Assembleia, foi negada a autorização.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Sebastião Ramires.
O Sr. Sebastião Ramires: - Sr. Presidente: publicaram os jornais desta manhã a noticia de que muito em breve irá ao Brasil uma missão extraordinária, presidida pelo presidente da Comissão Central das Comemorações Henriquinas, o insigne professor e ilustre homem público Prof. Caeiro da Mata, para em nome do Chefe do Estado, do Governo e da Nação Portuguesa convidar S. Ex.ª o Presidente Kabitschek de Oliveira a assistir aos actos culminantes das comemorações que se projectara realizar no próximo ano, no 5.º centenário da morte do infante D. Henrique.
A figura do infante de Sagres, pela sua obra e pelas suas realizações, ocupa as atenções e preocupações universais. É natural, portanto, que venham a Portugal missões diplomáticas e científicas de todos os países amigos; que se façam representar as marinhas das várias nações na homenagem que é devida a essa altíssima figura de português, que, com os seus estudos e métodos, permitiu que a civilização latina e cristã atravessasse todos os oceanos e penetrasse em todos os continentes.
O Sr. Alberto Cruz: - Muito bem!
O Orador: - Mas o Brasil não deveria ser considerado como conviva; o Brasil, a que nos ligam laços de sangue e afecto, constituindo como que uma comunidade de almas e de sentimentos, deverá estar presente como em casa própria, como nação historicamente associada à nossa epopeia marítima, que pertence também à sua própria história.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Brasil estará ao nosso lado para afirmar ao Mundo que a comunidade luso-brasileira é uma realidade tangível e permanente. Somos duas nações irmãs, com a mesma tradição, falando a mesma língua, ajoelhando nos mesmos altares e comungando em idênticas ansiedades. Quando o Mundo perturbado e confuso procura novos horizontes e embrenhar-se em trevas e na escuridão, que muitas vezes arrastam para a ruína se não para a morte, a comunidade luso-brasileira afirma-se perante o Mundo como defensora dos altos princípios em que assenta a civilização cristã.
Ainda há dias, num discurso excepcional, o Sr. Presidente do Conselho pôde afirmar que, «se a alma também em relação aos povos vale alguma coisa e se a formação se liga ao sangue que corre nas veias, há um vasto sector de relação».
O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!
O Orador:- Visitará Portugal o Presidente Kubitschek de Oliveira pela segunda vez, que no exercício das suas altas funções se tem revelado como nosso amigo sincero e leal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - A sua presença mais uma vez entre nós será não só motivo de geral satisfação, mas constituirá também a afirmação insofismável de que a comunidade luso-brasileira é já uma realidade do sangue e será, no futuro, um mais forte e seguro entendimento político entre as duas nações irmãs.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Cruz.
Dada a índole do assunto que vai versar, convido V. Ex.ª a subir à tribuna.
O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: o aniversário da data que amanhã será solenemente comemorada no mundo português não pode nem deve passar sem que fique registada a seu respeito uma palavra nas actas desta Assembleia Nacional, pois reflecte o gesto do exército português, intérprete da verdadeira e legitima aspiração nacional, ao escrever na história pátria mais um brilhante capitulo, que ainda não encerrou, por não estarem ainda também alcançados todos os altos objectivos que o obrigaram a intervir na vida política da Nação.
É difícil fazer compreender aos novos (e nessa designação englobo os de 40 a 45 anos) o panorama do Portugal de 1926, desse velho fidalgo com largas propriedades dispersas pelo Mundo, mas «crivado» de dividas e com o seu precioso património quase dissipado, moral e materialmente, escarnecido pelos habitantes de outras nações, algumas das quais se preparavam para o leilão, que não poderia tardar, dos valores penosamente adquiridos através dos séculos, a custa de sacrifícios e sangue dos nossos esforçados antepassados.
Nos meses ouvidos ainda ressoam frases sarcásticas e cáusticas, que em países estranhos feriram profundamente a minha sensibilidade e o meu entranhado amor pátrio, incutido no lar paterno e na escola, onde um velho e austero professor prodigamente me ministrava nas suas lições de história de Portugal e me descrevia com entusiasmo as virtudes dos portugueses de outrora.
Mas não é para justificar o movimento militar e nacional de 28 de Maio de 1926 que pedi a palavra a V. Ex.ª, Sr. Presidente, mas sim para lembrar essa plêiade de oficiais que nele tomaram parte, comungantes do mesmo ideal e dos mesmos anseios, e saudá-los a todos, sem excepção, mesmo àqueles que depois, mercê de circunstâncias várias, nos abandonaram no decorrer dos anos.
Hoje só quero reportar-me à madrugada saudosa desse dia glorioso e ao entusiasmo dos conspiradores, que contagiou toda a Nação e reacendeu nas almas dos Portugueses e fez subir muito alto a chama amortecida do seu patriotismo, que iluminou vertiginosamente todo o nosso Império.
Neste dia seria falta de caridade lembrar misérias passadas.
Saúdo, pois, todos os que «arrancaram» nessa manhã já distante, e evoco principalmente a varonil figura do comandante da «arrancada», o marechal Gomes da Costa, esse herói de tantas batalhas ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-... cujo nome enfileira na longa galeria dos grandes chefes militares de todos os tempos da nossa história.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: vou terminar com um excerto de um pequeno prefácio por mim escrito em 1951, numa colectânea de subsídios e breves notas para a história da Revolução de 28 de Maio em Braga.
Já lá vão oito anos, mas as palavras que escrevi ainda hoje as subscrevo, por terem a mesma acuidade de então.
Ei-las:
«São decorridos vinte e cinco anos da data em que o exército português interveio na marcha dos negócios públicos, possibilitando a Salazar desenvolver a sua prodigiosa actividade e por ao serviço da Nação o seu cérebro privilegiado, materializando o seu e nosso desejo de elevar Portugal ao que é hoje, indo buscar ao nosso longínquo e glorioso passado os métodos com que transformou radicalmente todos os sectores do Estado, causando o assombro do Mundo e dando-lhe um alto exemplo e uma grande lição - a maior de todas dos seus tempos de mestre -, que esse Mundo terá de seguir se não quiser escravizar-se e subverter-se.
O movimento militar de 1926 foi feito sem sangue, sem ambições pessoais, sem ódios nem rancores e só com o alto objectivo de engrandecer e fazer respeitar, dentro e fora de fronteiras, este velho Portugal, esta pátria tão querida, hoje rejuvenescida pela transfusão do amor, do entusiasmo e do sacrifício dos seus filhos. Pela parcela, embora insignificante, que me cabe no movimento, sinto orgulho da transformação já operada e peço a Deus que dê às gerações presentes e futuras o mesmo ideal que informou as almas de todos os que arrancaram em 28 de Maio, e mais peço a Deus que dê, piedosamente, aos que já tombaram nesta longa caminhada de vinte e cinco anos o prémio das suas virtudes e da sua grande dedicação à Pátria».
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Cortês Lobão, a quem também convido a subir à tribuna.
O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: passou mais um ano sobre esta data já histórica na vida deste país: 28 de Maio de 1926.
Trinta e três anos nos separam desse dia em que, orgulhosamente, o brioso exército português, correspondendo ao apelo da Nação, com serenidade, cônscio das suas responsabilidades, mas com a firmeza própria dos momentos graves, saiu dos quartéis para por um dique à desordem política em que o Pais se debatia.
Por considerar esta data histórica tão intimamente ligada ao Exército, permita V. Ex.ª, Sr. Presidente, que um dos componentes desse Exército, e que foi também um modesto colaborador nessas horas ainda incertas da Revolução Nacional, lhe dedique umas palavras neste momento e nesta Assembleia Nacional.
Vitorioso no movimento em 28 de Maio, o Exército, depois de impor a ordem nas ruas e o sossego nos espíritos, sentindo a pesada responsabilidade do poder, mas respeitando fielmente os compromissos assumidos com a Nação, tentou, durante dois longos anos, encontrar o caminho para a salvação do País, procurando os bons portugueses capazes de definir e dar forma aos princípios orientadores que pusessem em marcha as aspirações da Revolução Nacional.
Foram dois anos de incertezas, de ansiedades.
Tendo recebido uma herança dificílima, numa situação catastrófica, com os cofres do Estado vazios e sem outro recurso, fomos a Genebra pedir um empréstimo à Sociedade das Nações.
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Sempre com nobreza, mas sentindo-se ferido, Portugal, pela boca de um ilustre general do seu Exército, recusou com altivez as condições vexatórias que nos eram impostas para a concessão desse empréstimo.
Foi este gesto nobre do Exército que nos salvou.
Esta recusa era já um sinal da Providência que nos indicava o caminho da salvação.
A situação interna entretanto agravava-se assustadoramente e principiava já a sentir-se o desânimo, mesmo entre os mais firmes, o esforço ia perder-se e com ele perdia-se o País e o prestígio do seu Exército, última esperança da Nação.
O Sr. Pinto Mesquita: - Muito bem!
O Orador: - A Providência deu-nos o homem próprio para o momento, e hoje, ao fim de trinta e três anos de vigílias continuadas, de renúncia a todas as comodidades, de sacrifícios sem conto, para que não se perdesse o esforço feito, pode afirmar-se que o Exército se encontra perante o País com a mesma tenacidade, a mesma inquebrantável unidade, o mesmo espirito altivo com que venceu em 3 e 7 de Fevereiro, 28 de Julho, 26 de Agosto e 16 de Setembro na Madeira, por toda a parte onde o inimigo se apresentou a querer entravar o ressurgimento da nossa pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- A trinta e três anos da arrancada salvadora é consolador poder afirmar esta verdade.
O exército de hoje, rejuvenescido, sente-se apto a desempenhar a sua missão intrínseca, porque está materialmente apetrechado para ela e os seus quadros instruídos com um escol de competentíssimos oficiais.
Felizmente vai longe o tempo em que a instrução tinha de ser dada com modelos de armas de madeira.
Temos hoje um exército moderno, pronto a colaborar com os poderosos exércitos aliados.
Este exército sabe bem que, sem a administração honesta e firme de um homem superior, que aceitou sacrificar-se totalmente ao País, ele teria saído do movimento de 28 de Maio aniquilado e com ele a Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- E porque tudo assim se passou e a Nação o sentiu, podemos afirmar a esse grande português que pode continuar a sua obra, porque o Exército está com a Nação e que esta, unida, lhe dá o seu apoio.
O Sr. Alberto Cruz: - Muito bem!
O Orador:- Nada poderá dividir-nos, nada poderá quebrar esta unidade.
Todas as arremetidas das forças do mal se hão-de desfazer diante desta barreira.
Temos um património, feito à custa de grandes sacrifícios, que é bem nosso e que temos e havemos de defender.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Partindo do zero, hoje olhamos para o caminho já percorrido e podemos afirmar que não se perdeu o sacrifício dos nossos bravos nem o sangue dos nossos heróis caídos na defesa deste ideal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Aos novos, aos que vieram depois de nós o já não sentiram os momentos gravíssimos do passado
diremos que muito se tem feito para o seu futuro, mas muito há ainda a fazer.
Compreendemos a sua insatisfação, própria da mocidade, por onde nós também passámos.
Também nós estamos insatisfeitos, porque queremos mais e melhor, mas pedimos aos novos que analisem com serenidade, calmamente, a obra já feita e friamente meditem nas palavras com que terminou a sua exposição última o Homem que tem a responsabilidade de toda a obra presente: «a nossa marcha não poderá nunca comportar nem paragens nem regressos-prosseguimos».
Grande lição nos deu este português, que não conhece a palavra «sacrifício». Mas, principalmente, que grande exemplo de fé, de firmeza e confiança para levar por diante a obra que é para todos nós, mas que se destina principalmente a vós, os novos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Sois insatisfeitos, mas o vosso coração não pode deixar de ser grato a quem tanto tem trabalhado para vós.
Quanto ao Exército, olhando o País engrandecido e respeitado, reconhecido por lhe terem sido dados os meios para defender a Pátria, afirma neste momento: obrigado Salazar; com a ajuda de Deus, continuai a vossa obra, que se estende a todo o mundo português, e o seu Exército a saberá defender aqui ou em qualquer parte onde tremular a bandeira das quinas, como símbolo desta querida Pátria.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Proença Duarte. Convido igualmente S. Ex.ª a subir à tribuna.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente e Srs. Deputados : comecei a frequentar esta tribuna há já recuados tempos. A ela subi pela primeira vez no tempo de Sidónio Pais.
Confesso que hoje aqui volto dominado por uma forte emoção, emoção, Sr. Presidente, que emerge da lembrança de tantos que já não vivem e aqui deixaram lugar vazio nesta Assembleia; emerjo ainda da recordação das angústias e anseios que na cidade de Santarém, no dia 28 de Maio, e dentro das possibilidades que eram postas ao meu alcance para lhe prestar auxílio e concordância, tivemos até que se definiu o momento político.
Ainda, Sr. Presidente, o ter de invocar aqui o momento histórico que representa na vida da Nação o 28 de Maio me faz vacilar. Foi, na verdade, um momento histórico da vida da Nação. Por isso, considero imperativo de consciência relembrar aqui essas horas ainda incertas da vitória e prestar homenagem à maioria dos que para ela contribuíram e já não vivem e à fidelidade dos vivos que continuam a lutar pelo triunfo dos princípios que os determinaram.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- E chamo-lhe um momento histórico, Sr. Presidente, porque, na verdade, ele reintegrou a Nação na linha de rumo das suas tradições e da sua vocação histórica. É que as forças da anti-Nação tinham tomado conta do Poder, tinham-no estruturado e exerciam-no no arrepio das virtualidades e dos sentimentos da alma colectiva.
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Contra essa calamidade que então dominou o País, contra esse Poder que nunca se identificou com a alma da Nação, reagiu esta por vezes e reagiu violentamente, como aconteceu com Pimenta de Castro, com Sidónio Pais, no 18 de Abril, e depois decisiva e triunfalmente com o movimento de 28 de Maio.
Às forças da anti-Nação não se consideraram desde logo e para sempre derrotadas e vencidas e tentaram ainda destruir aquilo que o 28 de Maio representava, e, por isso, procuraram impedir a marcha da Revolução Nacional.
Uma das mais violentas tentativas que contra a Revolução Nacional se levantaram foi, por certo, o 7 de Fevereiro, em que tantos, e dos melhores, lutaram e perderam a vida, em que outros jogaram tudo: a vida e o seu destino. E ainda aí há entre os vivos quem possa de alguma forma simbolizar o esforço e o sacrifício feitos nesse momento.
E perdoe-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a Câmara se a minha sensibilidade de amigo e razões de outros afectos que uniram duas pessoas, uma das quais já desapareceu desta vida, me levam a evocar e apresentar aqui, como um dos expoentes da virilidade com que se lutou e do espirito de sacrifício que nessa luta se pôs, o ainda hoje tenente Moreira Lopes ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- ... a quem as balas crivaram ali no Rato e inutilizaram para o prosseguimento da sua vida profissional, e por isso eu disse e sublinho: e o ainda hoje tenente Moreira Lopes».
Sr. Presidente: mas os objectivos do 28 de Maio encontram-se realizados. Que pretendia a Nação? Quais eram os anseios que a dominavam e que a fizeram aderir desde a primeira hora a esse movimento lançado pela figura galharda e varonil do marechal Gomes da Costa, esse modelo de soldado português cuja alma se temperara nas lutas árduas e difíceis da África Portuguesa e de todas as terras do Império?
A alma nacional ansiava por um Portugal restaurado, renovado, progressivo e prestigiado. O sentimento colectivo exigia que nos deixassem viver a nossa vida em conformidade com as nossas tradições e com os nossos sentimentos religiosos. E se o Poder constituído, por várias vezes, agiu para perturbar e amarfanhar a alma da Nação, uma das formas mais evidentes e que mais magoaram a sensibilidade colectiva foi a de a não deixar praticar livremente os actos do culto, não a deixar, quer dentro, quer fora dos templos, elevar a sua alma a Deus, não a deixar viver os princípios que lhe tinham ministrado através da pia baptismal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- E, então, Sr. Presidente, podemos dizer que Portugal se encontra restaurado, renovado, progressivo e prestigiado perante nós próprios e perante o Mundo!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Mas, Sr. Presidente, para que assim fosse não bastou a força das armas, que foi, na verdade, o elemento decisivo da primeira hora.
O exército português guardou em suas mãos o Poder até que se pudesse dar satisfação aos princípios que impuseram o 28 de Maio e surgisse o homem novo, Sr. Presidente, para esse efeito. E esse homem novo surgiu no momento oportuno, surgiu vindo com o seu espirito imbuído de uma sólida formação cristã, surgiu com a sua inteligência enriquecida por uma vasta cultura que lhe merecera os mais altos títulos académicos que as nossas escolas concedem, títulos académicos que temos de pôr aqui em destaque, porque são sempre um indicativo de sólida formação científica e de altas faculdades de inteligência e de trabalho, e esse homem novo surgiu e realizou o milagre por que a Nação ambicionava.
E que contraste, Sr. Presidente, entre os momentos que tantos de nós vivemos no passado, de amargas queixas que as nossas mães nos formulavam em casa pelos insultos com que eram enxovalhadas à saída dos templos quando éramos ainda crianças, e os momentos que a Nação pôde agora viver, quando da inauguração do monumento a Cristo-Rei ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -... sem artifício, sem coacção, dando livre expansão à sua formação cristã.
E, Sr. Presidente, não quis proferir palavras de recriminação contra os homens do passado, possivelmente mais vítimas dos defeitos de um sistema do que propriamente das suas qualidades de carácter e de patriotismo, embora este deformado por falsas ideologias.
Eu queria apenas, Sr. Presidente, assinalar e pôr em destaque, como hoje já foi aqui assinalado, as horas de tristeza, as horas de desânimo que nós então vivemos - os da nossa geração - com este ambiente de paz, com este ambiente propício ao desenvolvimento de todas as manifestações de cultura que vivem as gerações do presente.
Quis apenas, Sr. Presidente, evocando ainda esse símbolo augusto que é o monumento a Cristo-Rei, que a piedade de nós todos ali fez erguer, e os princípios que informam a nossa doutrina política, em nome desses princípios que Cristo deixou no Mundo, ter aqui uma palavra dirigida ao Governo no sentido de que promulgasse uma medida de clemência transformada em instrumento jurídico, como se essa medida de clemência caísse do alto da estátua a Cristo-Rei, para todos aqueles que estão sofrendo penas por delitos políticos, mas só para os que as suportam, e não para os que quiseram cometer atrocidades e os que, com evidente atentado contra a vida de relação internacional, procuram o asilo de potências estrangeiras.
Assim se salientaria o contraste entre a nossa atitude, a nossa ideologia e a magnanimidade dos nossos princípios com o que se passa por esse mundo fora, onde as revoluções se sucedem e onde as primeiras medidas do poder novo que se alcandora são medidas de violência e de exterminação da vida dos seus semelhantes.
Sr: Presidente: podemos bem, ao comemorar; passados trinta e três anos, o 28 de Maio, afirmar a nossa força material, e designadamente a nossa força moral, e dizer àqueles que não aderiram aos nossos princípios, dizer-lhes que nós representamos a verdade política no momento que passa, dizer-lhes que a sua atitude de obstrucionismo contra a nossa obra é uma atitude contra o progresso da Nação, é uma atitude que impede a boa paz, a ordem e a harmonia indispensáveis para se realizar obra profícua, útil e duradoura.
Com os olhos postos na Pátria, com os olhos postos naquela imagem que se ergue na Outra Banda, podemos dizer que em nós não há ódios, mas sim uma convicção esclarecida e fundamentada de que a nossa acção, como quer que se manifeste, é somente determinada pelo bem da Nação e pela paz entre todos os portugueses de boa vontade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Saraiva.
Convido igualmente S. Ex.ª a subir à tribuna.
O Sr. José Saraiva: - Sr. Presidente: subi à tribuna para dizer algumas palavras sobre a data nacional que amanhã se comemora.
Essa data tem um sentido que quero começar por explicitar.
Creio que sou, visivelmente, um homem daqueles que não podem arrecadar no seu passado a glória de ter colaborado na arrancada nacional de 1926. Por isso mesmo aqui estou só para lembrar que o 28 de Maio não é um facto histórico de há trinta e três anos; é uma atitude espiritual de sempre ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... de hoje e de sempre ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Creio que, no seu mais profundo significado histórico, o 28 de Maio foi o reencontro da Nação consigo própria.
Ouvi aqui dizer, já hoje, que as culpas não eram dos homens, mas mais do sistema. Creio, realmente, que assim será. O sistema era um abismo interposto entre a alma da Pátria e o aparelho da política, o qual pressupunha a cortina desvirtuadora de uma organização partidária que fazia com que a Pátria não acreditasse que a política fosse o que devia ser, isto é, a discussão dos seus destinos a um alto nível.
Esse sistema fazia que a Pátria sentisse que o seu destino sagrado andava a ser jogado aos dados, como a túnica de Cristo o fora pelos seus algozes.
A reacção surgiu para afastar o abismo que nessa altura separava a Nação do Estado; e a Revolução consolidou-se através do pensamento de Salazar, cujo sentido mais nobre, mais imorredouro, é o de ter substituído, quisera Deus que definitivamente, na consciência dos Portugueses o espirito de facção pelo espirito de nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Creio que enquanto nós formos tão fortes que não deixemos que o espirito de facção outra vez se instile em nossa alma; enquanto soubermos ser tão vigilantes que não consintamos que sobre nós haja outro interesse que não seja o interesse nacional; enquanto soubermos servir só aqueles superiores ideais que nos unem, e não aquelas ideias comezinhas que dividem; enquanto isso tudo acontecer, o 28 de Maio não é um facto do passado, mas uma realidade espiritual do presente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão, na generalidade, a proposta e projectos de lei de alteração à Constituição Política.
Tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Cruz.
O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: usando de poderes constituintes, está esta Assembleia legislativa a proceder, pela oitava vez, à modificação da actual
Constituição, aprovada pelo plebiscito nacional de 19 de Março de 1933.
Os superiores interesses da colectividade política e as relações entre os homens evoluem com a força dinâmica do tempo e dos acontecimentos, evolução que leva à necessidade de rever, com o rodar dos anos, os preceitos da lei suprema do País, que, sendo corpos vivos onde se consagram as directrizes fundamentais a prosseguir no campo político, social e económico, não devem carecer da mobilidade necessária e do poder de adaptação à evolução dos costumes e das relações entre os homens, por forma a conciliar cada vez melhor os interesses de governados e governantes.
As modificações constitucionais são, em geral, limitadas na sua própria natureza e toca-se quase sempre discretamente nos preceitos da lei fundamental, a não ser a seguir a períodos revolucionários, em que as soluções se sucedem.
Como as mudanças sensíveis resultam das realidades da vida e da experiência, que levam o seu tempo a processar-se, as revisões constitucionais são constitucionalmente limitadas a determinados períodos de vigência do texto, para que o travejamento mestre e os princípios básicos do estatuto fundamental da Nação tenham uma certa estabilidade e sejam venerados, porque sobre eles assenta toda uma doutrina política e todo um sistema legislativo.
Sr. Presidente: a Constituição de 1933 nasceu da reacção contra os erros que a Revolução Nacional de 28 de Maio conseguira varrer sem remissão, erros que nos conduziram à desastrosa indisciplina social e à mais pavorosa crise financeira e económica da nossa história, indisciplina e crise que tão profundas feridas deixaram na estrutura resistente da Nação e tão grande atraso provocaram no progresso do nosso país.
Nasceu da reacção contra uma política desastrosa, que não trouxe à Nação nem honra nem felicidade!
Procurou a nova Constituição o regresso à nossa melhor tradição e pretendeu reintegrar Portugal na directriz tradicional dos seus destinos, consolidando um estado social fundado na ordem, nas liberdades possíveis e no trabalho dos homens, factores essenciais ao bem-estar, tanto no terreno temporal, como na esfera espiritual, procurando elevar e dignificar cada vez mais a vida e o homem.
Ao ser criada em 1933 estava-se em face de uma situação política que começara a definir-se nas suas linhas gerais e de um regime que ainda não tinha história; daí a necessidade de várias modificações, tendo em vista adaptações e retoques para que melhor se adaptasse ao nosso tempo, ao nosso temperamento e às nossas necessidades.
Pensamos que a boa fórmula para a Constituição será a de garantir-lhe a estabilidade possível, atenuada por uma adaptação gradual às exigências nacionais que forem surgindo.
O Sr. Carlos Moreira: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Essa adaptabilidade terá de ser forjada pelas realidades portuguesas e caldeada pela nossa experiência.
A Constituição de 1933 procurou ser o produto de um exame profundo das realidades da vida portuguesa e do homem português através da história, com as adaptações que os tempos aconselhavam. Do seu esquema director sobressaem três directrizes fundamentais que se mantêm ainda hoje: o reforço do Poder Executivo, no sentido de maior independência e de maior estabilidade; primazia do bem comum sobre os bens fragmentários e particulares; substituição das liberdades vagas e indefinidas pela concessão de liberdades positivas e concretas.
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O Sr. Vítor Galo: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Apoiada nestes três pilares a Constituição de 33 deu-nos já duas décadas e meia de reconstrução e progresso, tornou possível a existência de governos estáveis - sempre com o grande estadista Salazar à testa-, permanência que nos trouxe a ordem e a paz pública e tantos e tão grandes benefícios ao Faia e ao nosso povo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: para esta revisão constitucional foram apresentadas uma proposta do Governo e oito projectos de vários Deputados e há ainda a possibilidade de durante o debate qualquer Sr. Deputado apresentar alterações às propostas referidas.
Em nenhuma delas foi posta a questão do regime - delicadeza de louvar-, porque no actual momento político português -mais que nunca - necessitamos que a força de alguns princípios fundamentais, comuns a todos, continue a irmanar-nos na defesa intransigente da Pátria e da família, no fortalecimento da moral cristã, no repúdio ao comunismo e na lealdade a Salazar!
Vozes: - Muito bem !
O Orador:-O lema orientador terá de continuar a ser: unidos pela Nação!
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Só unidos seremos fortes. Só pela união se manterá a ordem e enfrentarão, com êxito, os perigos que possam ameaçar-nos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Exaltemos o regime, a virtude da grande obra realizada e os homens que a possibilitaram e critiquemos, com objectividade e espirito construtivo, os defeitos da obra e os homens deles responsáveis.
O regime não esgotou as suas energias, nem lhe falta vitalidade para prosseguir e, até em ritmo cada vez mais acelerado -visto os meios ao dispor da Administração crescerem progressivamente-, projectar e executar tarefas grandiosas que aumentarão o bem-estar de todos os portugueses. Para isso é indispensável que continuemos no ambiente de paz, ordem, trabalho persistente e estabilidade política em que vivemos as últimas três décadas.
O nosso glorioso exército, que salvou o povo da descristianização e o Pais da sua fatal derrocada, terá talvez de intensificar a vigilância e estar alerta!
A Igreja e o Estado devem cooperar com toda a eficiência nas várias iniciativas que respeitem ao melhor e maior bem moral e espiritual da colectividade e, sobretudo, na obra tão vasta e tão delicada que é a formação da consciência nacional da juventude, iluminando cada geração que passa, ameaçada no presente por um caleidoscópio de tentações intelectuais aliciantes criadas por ideias e miragens novas. O desenvolvimento intelectual e o crescimento da prosperidade quando separados do desenvolvimento moral e religioso constituem um perigo para a sociedade.
O robustecimento da fé em que nasceu e se engrandeceu a Nação Portuguesa e a salutar tradição cristã de Portugal serão continuados se a benéfica acção da Igreja se alargar e intensificar por forma a que a juventude portuguesa não perca nunca de vista a dignidade da pessoa humana e veja na doutrina da Igreja a autêntica redenção da humanidade.
A Igreja e o Estado, cada um soberano no sen domínio, deverão colaborar sempre em acordo harmonioso na realização dos seus fins temporais e espirituais.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: a proposta de revisão apresentada pelo Governo toca nalguns preceitos da lei suprema, discretamente, limita-se nesses a alguns ajustamentos e actualizações, a alterações respeitantes a divisão administrativa, altera a composição da Assembleia e, além de contemplar esses preceitos, modifica uma questão fundamental, que é a escolha e eleição do Chefe do Estado.
No que respeita a actualizações e ajustamentos inclui a proposta no texto constitucional as recém-criadas Secretarias de Estado, que no actual texto não são mencionadas, e na parte que se refere às instituições militares a proposta, tendo em vista as naturais imposições do progresso, passa a considerar, a par das instituições de terra e mar, também as instituições do ar.
Quanto à divisão administrativa, enquanto o actual texto determina que o território nacional está dividido em concelhos, que se formam de freguesias e se agrupam em províncias, a proposta de revisão preconiza que se regresse à divisão distrital, à semelhança do estabelecido anteriormente à Constituição de 1933.
Introduz a proposta do Governo o aumento de 10 Deputados à Assembleia Nacional. O número de Deputados, que no texto de 1933 era de 90, foi mais tarde aumentado para 120, e agora propõe-se a sua elevação para 130; esta progressão procura um ajustamento ao reflexo natural do nosso desenvolvimento político e demográfico.
As nossas províncias ultramarinas de Angola e Moçambique e algumas outras estavam, para as suas áreas e populações, escassamente representadas neste órgão de soberania, onde haverá vantagem de dispor de mais elementos verdadeiramente representativos da opinião local e dos anseios dos habitantes dessas parcelas do nosso território.
O Sr. Carlos Moreira: - Muito bem!
O Orador:-São os portugueses que labutam e vivem nessas regiões os que sentem em profundidade e vivem com maior entusiasmo os mais variados problemas ultramarinos, muitos deles completamente diferentes dos da metrópole, e serão, por isso, eles os naturalmente indicados para os levantar e examinar nesta Assembleia. Que esta progressão, se não for ainda ampliada, como consta das propostas de alguns Deputados, e a realizar depois de expirado em 1981 o mandato desta VII Legislatura, se destine a, pelo menos, duplicar o número de Deputados pelos círculos de Angola e Moçambique ...
O Sr. Carlos Moreira: - Muito bem!
O Orador:-... e a aumentar a representação de outros círculos ultramarinos, como, por exemplo, Cabo Verde, são os nossos votos.
No meio destes ajustamentos e actualizações ressalta uma coisa fundamental, uma questão de fundo: o processo de designação do Chefe de Estado, constitucionalmente considerado órgão de soberania e cujo critério de escolha e eleição procura adaptar-se à natureza do regime corporativo português.
Pretende-se que o sufrágio universal e directo, adoptado nos últimos vinte e seis anos e que anda, em regra, ligado aos regimes presidencialistas, dê lugar à eleição orgânica, já defendida por alguns Srs. Deputados em revisões constitucionais anteriores e que aceitamos como
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harmónica com a estrutura política do regime e com o espirito do artigo 5.º da Constituição, que diz:
O Estado Português é uma república unitária e corporativa, baseado ... e na interferência de todos os elementos estruturais da .Nação na vida administrativa e na feitura das leis.
Esta alteração vem integrar na concepção corporativa e na genuinidade da verdadeira doutrina do regime um principio basilar. Dentro do espirito da proposta, o Chefe do Estado passará a ser eleito, sem prévio debate, por um colégio eleitoral misto, parlamentar e extraparlamentar, constituído por Deputados, Procuradores à Câmara Corporativa e delegados representativos dos concelhos da metrópole e ultramar. Será, pois, um sistema de eleição orgânica em que a intervenção política, profissional, moral e local actuam na eleição do Chefe do Estado.
Para conseguir uma representação que proporcione uma escolha de carácter nacional parece-nos que o colégio eleitoral deverá ser constituído por forma a que dos seus órgãos intervenientes -Assembleia Nacional, Câmara Corporativa e representantes dos municípios - nenhum tenha posição de domínio de forma a que possa dispor do número de votos suficientes para eleger, só por si, o Chefe do Estado.
Espera-se que o novo sistema eleitoral faça do Presidente o eleito dos eleitos, sem quebra dá autoridade que a Constituição pressupõe para o Chefe do Estado, nem diminuição do seu prestigio e do seu valor simbólico. O Parlamento representa o povo, mas é preciso que o Chefe do Estado o personifique.
As províncias ultramarinas, como ainda não têm Procuradores à Câmara Corporativa e na sua divisão administrativa há poucos municípios, não terão, nesta hipótese e por agora, tão grande número de representantes no colégio eleitoral.
À medida que a divisão administrativa for progredindo, e logo que a organização corporativa se projecte para o ultramar, a representação das suas províncias no colégio eleitoral será mais vasta.
Dentro da unidade e homogeneidade nacional que procuramos, pensamos que o sistema eleitoral deva ser uno e homogéneo em todo o território português, para que as províncias ultramarinas fiquem exactamente nas mesmas condições da metrópole.
No sufrágio directo praticado posteriormente a 1933, para que o eleitorado possa plebiscitàriamente pronunciar-se sobre o candidato com algum conhecimento, desenvolve-se a campanha eleitoral para exaltar os seus méritos e revelá-los ao eleitorado. Durante a campanha os homens que se propõem consubstanciar a unidade nacional e simbolizar a pátria portuguesa espalhada por vários continentes estão, se a campanha eleitoral for febril e de exacerbamento de paixões como foi a de Maio de 1958, sujeitos a agravos que podem embaciar o prestigio que as suas altas funções de primeiro depositário da soberania, de árbitro e de chefe nacional reclamam.
Através do sufrágio orgânico confia-se a eleição do Chefe do Estado a um grupo selecto de cidadãos, mais qualificados que a multidão para ponderarem as qualidades necessárias ao bom exercício de tão alta magistratura.
Os eleitores do primeiro grau podem, com certo conhecimento, eleger alguns homens bons no perímetro mais limitado do seu circulo eleitoral para em consciência, escolherem por eles e eleger para a presidência um homem capaz e honrado.
Este sistema de eleição mantém-se fiel à concepção corporativa da Nação e não afecta o prestígio do candidato eleito.
As campanhas eleitorais continuam a existir na fase preparatória da eleição para Deputados à Assembleia Nacional, com a possibilidade de se fazer nessa altura o exame de consciência nacional sobre a orientação geral do Estado em vários planos.
Sr. Presidente: alguns Srs. Deputados, considerando a proposta do Governo limitada, entenderam dever sugerir outras alterações. Surgiram, assim, oito projectos da iniciativa de Deputados, desde o mais limitado, que visa apenas substituir no artigo 12.º da Constituição a palavra «raça» pela palavra «etnia», ao mais amplo, que abrange onze artigos e é subscrito por onze Deputados.
Para garantir à Constituição aquela estabilidade que a torne venerada, o que tudo aconselha a procurar, deve tocar-se discretamente nos seus preceitos, procurando restringir a revisão a aspectos essenciais, cuja modificação a experiência mostre ser necessária ou conveniente ao bem comum. E isto porque a Constituição é a raiz da árvore frondosa e frutífera de toda a legislação que cobre a vida orgânica do Pais.
Nos oito projectos referidos visa-se, além de outras alterações a vários preceitos e de outros adicionamentos, o seguinte:
Que a aprovação das bases gerais sobre restrições aos direitos, liberdades e garantias individuais dos cidadãos portugueses, consignadas na Constituição, constitua matéria da exclusiva competência da Assembleia Nacional.
Pode acontecer que do exercício de algumas liberdades públicas resultem conflitos que tornem melindrosas as relações entre o indivíduo ou grupo de indivíduos e a Administração, convindo, por isso, confiar à Assembleia Nacional competência exclusiva para a disciplina jurídica básica num certo domínio desta matéria.
Estão neste caso as leis especiais reguladoras do exercício da liberdade de expressão do pensamento, de ensino, de reunião e de associação, bem como as condições de uso (contra um possível arbítrio do Poder) da providência excepcional do Habeas Corpus. Defendemos, por isso, que a aprovação destas leis especiais seja da competência exclusiva da Assembleia Nacional.
Além do direito que os Deputados têm de ouvir, consultar ou solicitar informações, pelos Ministérios competentes, acerca de assuntos de administração pública, propõe-se agora que os Deputados passem também a poder formular, por escrito, perguntas aos Ministros, durante o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional, para esclarecimento da opinião pública sobre quaisquer actos do Governo ou da Administração.
A inserção desta disposição no texto constitucional virá ampliar a função fiscalizadora do Parlamento, pois passarão a ser as respostas dos próprios Ministros, e não as dos serviços competentes, as que serão conhecidas e apreciadas, quer pela Assembleia, quer pela opinião pública.
É uma fórmula que já deu os suas provas noutros parlamentos e que para nós pode ter utilidade e afastar suspeitas e boatos pelo esclarecimento oportuno da opinião pública.
Quanto à composição da Assembleia Nacional, sugere-se em dois projectos de Deputados a elevação do seu elenco, não para 130 Deputados, como consta da proposta do Governo, mas para 150.
A elevação para 130 Deputados, logo que expire o mandato da VII Legislatura para que foi eleita em 1957 esta Assembleia, parece-nos de aceitar, porque já possibilitará tornar mais ampla a representação ultramarina. Este aumento permite duplicar a representação das províncias de Angola e Moçambique e reforçar a de outras províncias ultramarinas, o que, quanto a nós, terá efeitos benéficos, porque entre os problemas que preocupam a consciência nacional e, portanto, a atenção e o estudo desta Câmara pensamos que os problemas ultramarinos
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são dos que devem ter, nesta Assembleia, pela sua alta importância e acuidade, um lugar de especial relevo.
Quanto à regulação superior da vida económica, propõe-se um aditamento ao artigo 31.º, com que concordamos, para reforçar a obrigação que o Estado já tem de impedir os lucros exagerados do capital e para não permitir que este se desvie da sua função social e humana.
Alguns projectos de alteração incidem sobre a clarificação e perfeição estilística do texto. O texto constitucional deve ser claro, para não criar fontes de dificuldades ou de discussões em redor do texto dos preceitos 'da lei suprema da Nação, mas há, quanto a nós, que restringir a revisão só aos aspectos essenciais cuja modificação a experiência mostre ser necessária ao bom funcionamento das instituições políticas e à exacta definição do espirito do regime.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: a Constituição de 1933 nasceu também da reacção contra um sistema parlamentar que se mostrara inadequado às necessidades e aspirações do Pais. A instabilidade dos governos derivada do sistema parlamentar e o fraco poder realizador desses governos deixaram-nos uma pesada herança .de atraso, atraso esse que só com grandes sacrifícios temos vindo a recuperar.
Dentro da nova ordem política procurou preservar-se o chamado Poder Executivo das votações da Assembleia. Foi esta a maneira de evitar a existência constitucional de partidos políticos, que há trinta e cinco anos não existem nesta Camará.
Para alguns foi-se um pouco longe de mais nessa reacção e admitem até que ela tenha conduzido a um desequilíbrio dos poderes. Os que assim pensam gostariam de ver esta Gamara mais ciosa das suas funções e mais laboriosa, para sen maior prestigio e maior receptividade na opinião pública, e este objectivo ressalta em alguns projectos de alteração.
Entre os órgãos de soberania do Estado estão a Assembleia e o Governo.
Ao Governo compete legislar e executar e à Assembleia Nacional compete legislar, mas não executar. Algumas das leis votadas nesta Câmara ou caíram no esquecimento ou nunca se executaram. E que meios tem a Assembleia Nacional para assegurar a execução das leis que vota? Supomos que só o direito de protestar e reclamar, e por vezes sem efeito prático.
Entendemos que o Parlamento não deve embaraçar a acção do Governo, nem as actividades governativas devem estar na absoluta dependência do Parlamento, pois não são consoladoras as recordações de um passado que ainda não vai muito longe e que nenhumas saudades nos deixou. Afãs pensamos que será de interesse e utilidade para a Nação uma perfeita audição dos problemas levantados nesta Camará, para que o Poder Executivo aproveite a sua colaboração leal, como o interesse nacional reclama.
Importa que entre os órgãos de soberania do Estado haja um equilíbrio perfeito, para que possa ser harmónica a vida da Nação.
Esse equilíbrio harmonioso contribuirá para elevar e dignificar cada vez mais a vida e o homem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será no dia 2 de Junho, com a mesma ordem do dia da de hoje. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto cios Beis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Belchior Cardoso ria Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amurai Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José dos Santos Bessa.
Laurénio Cota Morais dos Beis.
Luís Ta vibres Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA