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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 117
ANO DE 1959 6 DE JUNHO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 117, EM 5 DE JUNHO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ontem do dia. - Foi aprovado o Diário dos Sessões n.º 116.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Belchior da Costa, agradeceu ao Sr. Presidente e à Câmara a manifestação de sentimento pela morte de sua mãe.
O Sr. Deputado Vítor Galo falou sobre os ensinos primário e técnico e a inauguração do edifício da Escola Industrial e Comercial da Marinha Grande.
O Sr. Deputado Urgel Horta voltou a ocupar-se do encerramento da Fábrica Portuense de Tabacos e do licenciamento do respectivo pessoal.
O Sr. Deputado Costa Ramalho examinou as aplicações do Fundo de Teatro, apresentando algumas sugestões para novas iniciativas.
O Sr. Deputado Franco Falcão manifestou-se contra a pretensão de se criar um novo distrito e uma nova província com sede em Tomar.
O Sr. Deputado Brito e Cunha referiu-se à grande jornada nacionalista do dia 31 de Maio no Porto.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre a proposta e projectos da emenda da Constituição Política. Falou o Sr. Deputado Agostinho Gomes.
O Sr. Presidente fés algumas considerações sobre a forma e andamento da discussão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soaras Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Caldeiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
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Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Gosta.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Cosia.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arariaga de Sói Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machndo Valadõo.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 89 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão. ...
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:- Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 116.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra acerca deste Diário, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da direcção da Fábrica de Fiação e Tecidos de Santo Tirso, Lda, a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Duarte do Amaral acerca da crise da indústria têxtil algodoeira.
De António Feliz & Ca., de Santo Tirso, no mesmo sentido.
De Manuel Pereira Oliveira em nome dos industriais de moagens de ramas da freguesia de Ul (Oliveira de Azeméis) a apoiar as intervenções dos Srs. Deputados Augusto Simões e Manuel Nunes Fernandes sobre a acção fiscalizadora da Comissão Reguladora das Moagens de Ramas.
Da Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Feres Claro relativa ao papel desempenhado pelas sociedades de recreio na difusão da cultura.
O Sr. Belchior da Costa: - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para expressar a Assembleia o meu profundo reconhecimento pelo voto de pesar com que se dignou associar-se ao luto pelo falecimento de minha mãe. Peço, por isso, a V. Exa., Sr. Presidente, e a VV. Exas., Srs. Deputados, que aceitem o meu agradecimento muito sentido por essa generosa prova de simpatia e solidariedade.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Vítor Galo.
O Sr. Vítor Galo: - Sr. Presidente, prezados colegas: na Marinha Grande acaba de inaugurar-se o edifício da sua escola industrial e comercial - uma das 467 obras que, no período de 27 de Abril a 28 de Maio deste ano, foram entregues pelo operosíssimo Ministério das Obras Públicas à utilização do Pais.
Foi uma das 33 obras que couberam ao distrito de Leiria - e este último número significa que um pouco mais de 7 por cento de total das obras inauguradas no País foi naquele distrito que se verificou, percentagem apenas superada pela que coube ao distrito de Vila Real (com um pouco menos de 8 por cento). Isto significa tombam que o distrito de Leiria se considera altamente devedor de muita gratidão ao Governo.
É com prazer imenso que desejo dar noticia neste lugar do reconhecimento de todo o concelho da Marinha Grande pelos altos benefícios que para a sua sede - e indirectamente para todo o concelho - constituiu a inauguração do edifício da sua escola industrial e comercial.
Uns 9 000 contos ali despendeu o Estado - e a esse montante acresce o valor do terreno que a Câmara cedeu gratuitamente, numa- atitude de perfeita compreensão das elevadas conveniências de uma coordenação do esforços com o Estado, no sentido da outorga de benefícios de alcance imediato ou mediato. Desejo consignar aqui não
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apenas a expressão do agradecimento do povo marinhense ao Governo, mas também a do alto teor de patriotismo de que se revestiram as manifestações de simpatia de que foram alvo todas as marcantes personalidades que se dignaram estar presentes ao acto festivo da inauguração, com natural destaque para os ilustres Ministro das Obras Públicas e Subsecretário de Estado da Educação Nacional.
À obra admirável que se processa por todo o Pais sob a égide dos dois Ministérios foi justamente dado o relevo devido. E não foram esquecidos - como seria isso possível?- os nomes respeitados dos venerandos Presidentes Américo Tomás e Oliveira Salazar - expoentes máximos dos desígnios patrióticos postos na base da Revolução Nacional e também fiadores seguros da sua execução.
Cumpro um dever e concedo-me um prazer elevado trazendo até VV. Exas. o eco do agradecimento do povo marinhense e das manifestações de carinho e superior simpatia que no meu concelho se ergueram aos devotados cuidados do Governo pelas suas necessidades.
Devotados cuidados esses, que não são nem mais nem menos do que a certeza plena de que a Revolução continua! E que tem de continuar. E que assim é di-lo exuberantemente a feliz operosidade do Ministério das Obras Públicas, com o não menos exuberante número de obras inauguradas nos últimos três anos: 1402 obras.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!
O Orador:- É como se inaugurássemos umas três obras em cada dois dias. E acontece que no número das obras inauguradas estão 502 escolas primárias, correspondendo-lhes 920 salas - quase uma sala por dia! É reconfortante isto, independentemente de se considerar que a Revolução Nacional não é apenas no sector das obras públicas e do ensino que faz avançar o Pai nas vias largas do progresso. É reconfortante, até porque nos mesmos anos foram inaugurados 15 edifícios novos para escolas técnicas.
Sr. Presidente: com a intensificação do ensino, principalmente o primário e o técnico, proporcionada pela inauguração de edifícios e criação de lugares, vai-se concretizando o pensamento do Governo, o qual se consubstancia na asserção que pôs no relatório que precedeu as bases da proposta de lei do II Plano de Fomento: a de que ao incremento do rendimento nacional, quando traduz evolução da estrutura económica no sentido da industrialização, implica maior número de técnicos adestrados; pressupõe mais engenheiros, capatazes e operários especializados, além de outros diplomados aptos para a direcção e para a realização de tarefas complementares do trabalho industrial».
E disse também quo o desenvolvimento económico do nosso pais não há dúvida que obriga a uma larga generalização da educação popular, «para que nos sectores da agricultura, da indústria e dos serviços a mão-de-obra possa corresponder às exigências crescentes da evolução tecnológica».
O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!
O Orador: - Observação perfeita das profundas realidades que estruturam as necessidades de crescimento económico do nosso pais. Até porque essa observação vai ao ponto de se exteriorizar no pensamento de que antes da frequência das escolas do ensino técnico há o que pode chamar-se a preparação mínima, a de grau primário, que constitui a educação de base, a educação, afinal, com que uma larga parte da população em idade escolar se lança nos trabalhos da vida.
E diz então o Governo que deve ser objecto de amplos cuidados tal educação de base, sendo ainda do referido relatório da proposta de lei do II Plano de Fomento as seguintes linhas: «... pois representa, a instrução primária, para a maioria cia população - como terá de continuar a acontecer por bastante tempo ainda -, simultaneamente instrução basilar e preparação genérica para o ingresso nas actividades produtivas».
Numa conferência com os representantes da imprensa estrangeira, há cerca de um ano, o ilustre Ministro da Educação Nacional disse que há um vasto plano de intensificação do ensino entre nós e que o Ministério das Obras Públicas tinha ultimado os trabalhos pura o inicio do programa de novas construções para o ensino primário, o qual comporta cerca de 9000 escolas, com mais de 15 000 salas de aula, e que custará à volta de 1200 milhares de contos.
Quanto ao ensino técnico, disse estarem previstas disposições para a criação de novas escolas ao ritmo de cinco por ano, apenas cinco, porque, como S. Exa. asseverou, o ritmo não pode ser aumentado devido à falta de professores. A confirmação desta última declaração surge exactamente no decorrer das palavras preambulares do Governo no II Plano de Fomento, as quais dizem claramente que não se pode intensificar a criação de escolas técnicas por carência de pessoal docente.
E é posta com muita franqueza a questão quando o Governo declara que ó esta carência, e não dificuldades de ordem material e financeira, que se opõe ao estabelecimento das muitas e muitas escolas técnicas de que precisamos - «viveiro dos técnicos de que a Nação precisa», di-lo textualmente o Governo.
Ora, Sr. Presidente, se o Governo vai ao ponto de dizer também que as escolas técnicas existentes não bastam para o desempenho da pesada missão que lhes incumbe, temos aqui farto motivo para meditação.
A minha qualidade de industrial, a necessidade de auscultar os anseios, a um tempo da indústria e dos próprios trabalhadores e os dos que se dedicam ou querem dedicar aos labores maiores ou menores do comércio, assim como os daqueles que, ao serviço da agricultura, querem dar um contributo mais refinado de saber profissional, a minha própria qualidade de membro já antigo de uma câmara municipal, exactamente de um concelho onde esses anseios podem proporcionar uma pequena amostra dos das partes do País onde o teor económico e social está menos evoluído, ainda que, como me coube afirmar quando tive a honra de dar as boas-vindas às notáveis personalidades que assistiram à inauguração do edifício da Escola Industrial e Comercial da Marinha Grande, o distrito de Leiria não passe de um distrito de mediano teor económico, tudo isso, Sr. Presidente, nos diz das preocupações em que ficarão as terras que, necessitando de escolas técnicas, se verão privadas desse real benefício, só porque não há professores.
E então permito-me trazer para aqui as expressões do douto parecer da Camará Corporativa sobre o II Plano de Fomento - parecer subscrito por nomes ilustres (muitos deles de professores do nosso ensino superior) e de que foi relator o ilustre Ministro da Economia, Prof. Eng.º Ferreira Dias Júnior-, expressões desse parecer que se podem ler nas Actas da Câmara Corporativa (p. 280):
O cargo de professor de uma escola técnica profissional é, em toda a parte, um lugar do acumulação com outra actividade exercida na mesma terra; mas entre nós, fora dos grandes centros urbanos, é ainda muito pequeno o número de diplomados com cursos habilitando ao magistério que se encontram ao serviço das indústrias ou outras actividades locais.
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Isto quer dizer que nos centros onde esses diplomados existam já o seu recrutamento pode e deve ser leito junto deles.
O Sr. Rodrigues Prata: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador:- Com todo o gosto.
O Sr. Rodrigues Prata: - A Câmara Corporativa opinou, e muito bem, que os técnicos prestem serviço cumulativamente nos actividades industriais e nas escolas. Mus o Ministério da Educação Nacional é o primeiro a aconselhar que o professor seja somente professor ou que, pelo menos, não o seja de modo fugidio. E, na realidade, as empresas industriais necessitam demasiado dos técnicos para que estes possam desempenhar as duas funções cumulativamente, as quais, muito embora sejam compatíveis em teoria, não o são na maioria das realidades concretas.
O Orador:- Em alguns casos V. Exa. tem razão, mas parece-me que se há casos em que isso não é possível há outros em que o é.
Sou de opinião de que, sempre que seja possível, os técnicos devem prestar assistência às escolas técnicas, o que evitaria esta crise.
O Sr. Rodrigues Prata: - Devido à concentração industrial que se tem efectivado em Lisboa, a província está quase desprovida de técnicos.
O Orador:- É um dos aspectos que foco na minha intervenção.
Muito obrigado pelos esclarecimentos de V. Exa. Quer-me parecer que farta colheita se poderia fazer de pessoal docente para o ensino técnico profissional do Pais se para os centros menos evoluídos, onde não existem diplomados, fossem mandados professores à medida que saíssem dos estágios superiores, recrutando-se para os centros evoluídos diplomados não professores, mas com condições que se reconhecesse serem suficientes para o fim em vista, dado que é certamente fácil encontrarmos nos centros evoluídos diplomados nessas condições a prestarem serviço nas múltiplas empresas que em tais centros existem, mas que não existem nos centros menos evoluídos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: se é verdade que nas preocupações do Governo - e nas de todos aqueles que de qualquer maneira tem responsabilidades na marcha da coisa pública - há a consideração de que praticamente 80 por cento dos alunos aprovados no exame do 1.º grau do ensino primário não seguiram ou não seguem outros estudos, encaminhando-se directamente para as tarefas profissionais, e, portanto, que o referido grau de instrução primária vem a funcionar como educação de base, «representando, no campo da cultura geral, toda a preparação para a vida»; se, além disso, como o asseverou o ilustre Ministro da Educação Nacional na última sessão de homenagem ao prestantíssimo professorado primário, em 10 de Junho do ano passado, a que presidiu o Chefe do Estado, suma das funções do mestre das nossas escolas, simples mas fundamental, é a de ensinar a ler e a escrever às crianças a língua que os pais lhes ensinaram a balbuciar» - isto, «que pode parecer pouco, é nada menos do que dar dia a dia perpetuidade à Nação, que há oito séculos fala português» ; estando na mente do ilustre Ministro que o déficit de professores primários tende a agravar-se, dado que, perante 800 professores que todos os anos são abatidos ao efectivo, só temos uns 1400 novos professores (que tantos são os diplomados pelas respectivas escolas de magistério), o que, em vista de ter de se considerar a necessidade de abrir (pelo crescimento demográfico) uns 1000 lugares de professores por ano, põe diante de nós ura déficit absoluto de 400 professores; como isto assim é, a Nação, com ter a ansiedade que deriva do conhecimento de carências desta natureza, não deixa de congratular-se com a certeza de que, tendo estes números resultado de francas exposições ministeriais, o próprio Governo se dá conta da necessidade de se abrirem mais escolas do magistério primário para suprirem tais carências, a bem do desenvolvimento nacional de toda a ordem.
O Sr. Rodrigues Prata: - Deus queira que sim!
O Orador:- Uma palavra de muito apreço se deve render a essa tomada de consciência governamental, outra de não menor apreço é devida à execução da obra com que se lhe dará satisfação.
Devo dizer que, se me ocupei nestas minhas singelas palavras dos ensinos técnico e primário, isso é porque julgo que estes dois sectores do nosso ensino têm de ser acarinhados com especial cuidado, com vista ao erguimento imediato do teor do País, nos termos em que o II Plano de Fomento se lhe refere.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: algumas palavras simples e claras desejo proferir, com o desassombro de sempre e a responsabilidade a que me não furto, acerca da posição tomada em face do problema ligado à crise operária dos tabacos, por mim já tratada nesta Assembleia. Só hoje, Sr. Presidente, por múltiplas e variadas circunstancias, me foi possível abordar novamente o grave problema criado na órbita da acção da Companhia Portuguesa dos Tabacos, arrendatária da Fábrica Portuense de Tabacos, pertença do Estado, na parte respeitante ao projectado licenciamento do seu pessoal, a efectuar por escalões, durante um período de cinco anos, e a extinção da mesma dentro de certas e determinadas bases.
Venho aqui, Sr. Presidente, fazer novas considerações, repetindo outras, sobre questão de tanta magnitude e do maior interesse para a cidade do Porto, considerações que me são sugeridas pelo conhecimento que possuo da matéria, pelas informações que em carta datada de 13 do Março me foram dadas pela própria administração da Companhia, extraordinariamente claras na defesa dos seus interesses, e ainda por elementos colhidos junto daqueles que corajosa e justificadamente, dentro da razão e da justiça que lhes assiste, defendem posição na actividade que honestamente servem, auferindo retribuição indispensável e necessária à satisfação dos encargos inerentes à sua vida familiar.
Julgo-me com autoridade bastante para tratar este problema, em situação de liberdade completa, absoluta, despido de compromissos, a que a rainha consciência jamais se poderá subordinar! Hoje, como sempre, o meu proceder e a minha acção têm sido, através de uma já longa existência, orientados pelo sentimento de bem servir, no desempenho consciente das tarefas que me cabem.
Sr. Presidente: não sou criador de problemas nem dou causa a dificuldades que têm origem na incompreensão e no erro. Os problemas como este criam-nos os factos com as suas consequências, previsíveis para uns, mas ignorados na importância e na projecção como geradores de efeitos perturbadores da sociedade para
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muitos outros. Não me pena através das minhas afirmações haver despertado qualquer sentimento de animosidade pública ao trazer o problema de que me estou ocupando à apreciação da Assembleia Nacional. Julgo cumprir inteiramente o meu dever comentando certas determinações e certas providencias que bem me parecem lesivas dos interesses económicos e sociais do Porto, muito especialmente de uma respeitável parcela da sua massa trabalhadora. E nas afirmações que produzo fujo cair em excessos de linguagem, como deformação acintosa, numa manifestação de demagogismo, sempre condenável. Tudo quanto sê passa dentro dos muros que limitam esta sola é ouvido pela Nação e completamente dissecado pela conveniência de muitos, dessa operação defeituosamente compreendida se tirando maldosos efeitos, falsas conclusões, que não podem estar de acordo com os sentimentos aqui manifestados.
Sr. Presidente: o problema que comporta o encerramento da Fábrica Portuense de Tabacos, antecedido, evidentemente, da dispensa do seu pessoal, com todo o seu vasto cortejo de funestas consequências, não se criou na Assembleia Nacional, dentro da função que os seus membros desempenham como defensores de todos os interesses legítimos, favorecedores do bem comum e do engrandecimento da grei portuguesa.
Este problema é problema de premente actualidade, de relevante valia e projecção, nos campos económico, político e social, que fica bem ser aqui apreciado, visto situar-se no alto plano de verdadeira justiça social e humana, cuja prática se impõe.
Esquecer o valor representativo da extensão de uma unidade fabril como é a Fábrica Portuense de Tabacos, no domínio económico, social e político, não defendendo a sua conservação e não considerando a grave situação criada a muitas centenas de operários, que sempre se dedicaram a manufactura tabaqueira, muitos deles vitimas imoladas à insalubridade dessa profissão, seria acção contrariante, ou, melhor, negativa dos princípios que sempre defendi, indignidade demolidora de um carácter que muito prezo. E nada mais grato ao meu coração e mais enternecedor aos meus sentimentos por uma causa que vive dentro da mais séria, eloquente, razão e verdade.
Gira este dissídio, malfadado e triste, à volta do despedimento do pessoal da Companhia Portuguesa de Tabacos e da extinção pura e simples da Fábrica Portuense, única que resta no Porto de uma velha actividade tabaqueira. Para a Companhia Portuguesa de Tabacos a questão reduz-se exclusivamente ao interesse de ordem económica, esquecendo o social e o político, como se esses não estivessem na base do seu progresso e da rentabilidade dos seus capitais. Mas para clara elucidação do caso temos de ser justos e humanos, colocando-nos no lugar que outros ocupam.
Atendamos, Sr. Presidente, a um facto que se passa em face da sua Caixa de Reformas e Pensões.
O pessoal, desde que entrou para o serviço, tem dado a contribuição devida à Caixa de Reformas do Pessoal da Indústria de Tabacos. Mas para beneficiar das regalias de reforma ou aposentação, inerentes à sua invalidez, o beneficiário deverá ter mais de 60 anos e trinta de descontos.
Ora o pessoal operário, entrado com menos de 20 anos de idade para serviço da Companhia, neste caso pessoal feminino, e de 20 aos 30 anos, pessoal masculino, não atinge, na sua maior parte, os sessenta anos previstos para a aposentação, embora hajam descontado para a Caixa tão grande número de anos, chegando alguns a atingir os trinta anos de desconto. Sendo assim, será despedido sem qualquer compensação correspondente ao período em que contribuiu, olhando o seu futuro. Não será digno de meditação e estudo este problema? Que caminho se escolhe para dar solução justa a pessoal colocado nas circunstâncias que acabo de apontar?
Sr. Presidente: não faltam à Companhia Portuguesa de Tabacos recursos próprios para arcar com a tarefa que o interesse económico, social e político, o verdadeiro interesse nacional, impõe: manter o sen pessoal em actividade, colhendo, através de uma actuação de produtividade bem dirigida, os frutos indispensáveis à sua manutenção, numa solução humana do problema que ensombra a vida de tantos seres.
Se os desígnios expressos na determinação de 31 de Janeiro passado se cumprirem atentar-se-á contra princípios e conceitos que não fazem parte do nosso ideário, abrindo-se um mau procedente, péssimo precedente, acarretando soma de notáveis prejuízos, que valerão bem mais, pelo seu significado moral, e mesmo material, que os interesses que a Companhia representa e defende.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- A Fábrica Portuense de Tabacos, embora desactualizada, não tem, nem pelo seu passado, nem pela sua orgânica, paridade com outras que por motivos bem diversos e justificados foram obrigadas a suspender a sua laboração.
Não se trata de uma empresa particular, mas de uma fábrica inteira pertença do Estado, incluindo o próprio edifício, agora em regime de arrendamento, de circunstâncias especiais no presente e no futuro, circunstancias a que é justo olhar e atender dentro de certa medida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Depois, não consta que o Estado haja levado à Companhia Portuguesa de Tabacos a satisfação e meios às suas reclamações, envolvendo recursos, reclamações, que principiaram poucos meses após a assinatura do contrato de arrendamento, contrato que a Companhia não foi certamente coagida a assinar.
Temos de prestar inteira justiça aos departamentos da governação pública, chefiados por altas figuras do regime, que, olhando com esclarecida atenção e cuidado os delicados problemas que lhes estão confiados, souberam sempre orientar a sua acção num espírito de alta compreensão, dando ao capital e a sua justa remuneração o valor que lhe pertence; e a Companhia Portuguesa de Tabacos sabe bem que assim tem sucedido, visto haver encontrado compensação para prejuízos sofridos no primeiro ano da vigência do novo contrato, como naturalmente informa o seu relatório.
E contratos são contratos, havendo até a possibilidade de os rescindir quando não agradam aos contratantes. Mas não é o caso, e o Estado sabe dar exemplo.
Assim, por despacho ministerial de 2 de Março último, ao abrigo do disposto no artigo 62.º do Decreto n.º 41 397, de 26 de Novembro de 1957, que me dispenso de ler, foi autorizada a elevação dos preços da venda de tabacos manufacturados tanto pela Companhia Portuguesa, como pela Tabaqueira, através de um aumento 'na percentagem de venda, sendo a receita líquida aumentada aproximadamente 15 650 contos, não só destinada a cobrir o prejuízo da exploração do ano de 1958 - 9500 contos -, como também a remuneração do capital da Companhia, - 4800 contos -, e ainda o bastante para satisfazer certos objectivos de ordem social.
Ao esforço próprio, e muito bera numa acção bem orientada no aumento da sua produtividade e num acréscimo de venda do produto, se põe a legitimidade do sen progresso, como manifestação de confiança no futuro da Companhia Portuguesa de Tabacos.
Mas, além do beneficio que resulta deste despacho, benefício que o público sustenta, a Companhia Portu-
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guesa de Tabacos desfruta de uma vantagem que a Tabaqueira não goza, visto ter a sua receita anual aumentada em 1900 contos, ou um pouco mais, por ser de 24,5 por cento o imposto ad valorem que lhe é atribuído, quando a outra empresa paga 25 por cento.
Perante o conteúdo que encerra as afirmações que acabo de produzir, afirmações assentes em sólidas bases, que poderiam, possivelmente, ser mais completas, não susceptíveis de um mais leve desmentido, verifica-se a seriedade com que o Estado deferiu uma reclamação através do referido despacho. A Companhia, que vê assim acrescida de muitos milhões de escudos as suas receitas, parece querer persistir no erro, gravíssimo erro, que resulta do despedimento do pessoal da fábrica do Porto, oferecendo a uns, como compensação de largos anos de trabalho ao serviço da indústria tabaqueira, indústria de reconhecida e comprovada insalubridade, onde muitos gastaram a mocidade e outros perderam a vida, dias negros de fome e de miséria aos restantes, a que uma reduzida indemnização do mil escudos dá foros de liberalidade e magnanimidade, «para além dos direitos que por lei lhes pertencem», como a Companhia esclarece.
Sr. Presidente: a Assembleia Nacional está completamente inteirada do problema. O Governo através desta intervenção poderá avaliar o quanto de penoso e triste encerra essa determinação da Companhia Portuguesa de Tabacos, à qual falta todo o sentimento de justiça e humanidade. Deve estar para muito breve o remate desta questão, que sinto e vivo como se nela compartilhasse inteiramente.
Mas não sou homem para perder a fé e a confiança nas virtudes da grei portuguesa e sei que o Governo, pelas pastas das Finanças e das Corporações, não descurou o caso, estudando-o interessadamente, procurando solucioná-lo dentro das possibilidades que se lhe deparam.
Ao Sr. Ministro das Finanças, a quem me prendem os mais fortes laços de alta consideração e justa admiração e estima, e ao Sr. Ministro das Corporações, com quem partilho sentimentos iguais, firmados num convívio amigo de largos anos, dirijo um último apelo, pedindo .para se tornarem advogados e juizes de uma causa que eu, humilde e sinceramente confesso, não tenho sabido defender com o poder de convencimento que outros possuem.
Vozes: - Não apoiado!
O Orador:- E se os homens que nos governam ouvirem o meu apelo é escutarem os rogos e as súplicas daqueles que têm os olhos postos na sua acção benfazeja cometerão acto dignificante dos cargos que tão inteligentemente desempenham, para bem dos que querem trabalhar e viver a custa de um generoso esforço, lutando em favor dos que necessitam do seu amparo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Costa Ramalho: - Sr. Presidente: ao Governo da Nação há que tributar justos louvores pelo cuidado que tem posto em defender o património espiritual do povo português. Nem todo se pode realizar ao mesmo tempo, o melhor do que correr precipitadamente é com certeza ir devagar. Entretanto, aos mais variados e longínquos recantos das actividades culturais tem chegado a acção estimulante do Governo e é de esperar que ela venha u fazer-se sentir em todas as instituições de cultura, cuja vida é precária ou se situa abaixo do nível
conveniente ao bom desempenho das funções que lhes competem.
Instituição de cultura, de âmbito largo, de alcance mais profundo e mais amplo do que qualquer outra é, em todos os países civilizados, a actividade teatral. Já assim acontecia na Grécia antiga, quando o mais famoso dos seus comediógrafos afirmava: «Aos pequenos ensina o mestre na escola, dos homens é escola o teatro».
Quem negará a verdade destas palavras? A representação de teatro, mais do que o livro, o panfleto ou o jornal, condiciona estados de espirito, cria modos de julgar, divulga ideias.
Bem vistas as coisas, não parece exagerado afirmar que no teatro se encontra simultaneamente a fonte e o reflexo das grandes mudanças ideológicas. Já assim era em Atenas há séculos: a mentalidade nova do Ateniense do último quartel dos anos de quatrocentos, depois da morte de Péricles, sente-se ainda melhor no teatro de Eurípides que em tudo quanto a seu respeito nos dizem historiadores ou filósofos, Tucídides ou Platão.
Sendo, pois, o teatro instituição de importância relevante na vida cultural de um pais, não admira que o Estado dele se ocupe, o proteja, o fomente e se não desinteresse da sua orientação.
Entre nós, a Lei n.º 2041, de 16 de Junho de 1950, que criou o Fundo de Teatro, e os Decretos n.ºs 39 683 e 39 684, de 31 de Maio de 1954, que regulamentam a sua aplicação, vieram criar novas possibilidades às companhias teatrais, sobretudo às de teatro declamado.
Sobre a distribuição de subsídios a lei prescreve em diferentes alíneas do seu artigo 3.º que eles serão concedidos :
a) A empresas, singulares ou colectivas, que explorem espectáculos de teatro declamado e, excepcionalmente, comédia musicada e opereta;
b) Eventualmente,, a companhias itinerantes, devidamente organizadas, que se proponham difundir, dentro e fora do País, a literatura dramática nacional;
c) Quando as circunstâncias o permitam, a pequenas companhias de teatro experimental, destinadas a dar. satisfação a correntes de renovação estética.
§ único. A parte do Fundo não aplicada poderá destinar-se a construir ou a comparticipar na construção de casas em que se explorem os espectáculos de teatro referidos na alínea a).
As disposições da lei foram seguidas da sua aplicação efectiva a partir de 1955, ano em que se gastou, números redondos, um total de 2873 contos e perto de 4000 contos em 1956, 3333 contos, números redondos, em 1957 e 3475 contos em 1958.
Foram subsidiadas nestes quatro anos de que citei verbas companhias de teatro declamado, comédia musicada e opereta, companhias de teatro itinerante e grupos de teatro experimental.
Uma das condições da concessão do subsídio obriga à representação de um mínimo de 25 por cento de originais portugueses e outra à cedência de bilhetes a preços pouco elevados para trabalhadores e estudantes.
Realiza-se deste modo com a primeira das condições uma política de incentivo e aplauso em relação aos autores portugueses, não desprovida de vantagens materiais, se atendermos a que a recompensa de 10 por cento por noite para o autor não é de todo despicienda quando vê a sua obra representada.
Com a segunda das referidas condições levam-se o interesse pelo teatro e os benefícios espirituais da sua frequência a camadas mais amplas da sociedade do que aquelas que normalmente assistem a este género de espectáculos. Muitos daqueles que, de outro modo,
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seriam impedidos de ir ao teatro pelo custo proibitivo das entradas começam agora a frequentá-lo e a interessar-se pelas suas criações. Os jornais têm-se referido a miúde à curiosidade despertada, sobretudo entre estudantes universitários, por certas peças ultimamente representadas.
Ora o teatro - todos o sabem, mas importa recordá-lo uma vez mais -, a criação artística teatral, tem um interesse de cultura e um valor formativo do espirito de uma ordem de grandeza e de qualidade muito diferente dos do cinema. É um espectáculo vivo, com personagens que se movimentam, em toda a sua humanidade, sob os olhos do espectador; é falado em português, desempenhado por actores portugueses e escrito, ao menos em 25 por cento dos casos, por autores portugueses. E, ainda quando se trata de um original estrangeiro, da versão à adaptação à cena e ao desempenho sofre um processo de aportuguesamento muito diferente da mera tradução mecânica de umas frases, por vezes mal escolhidas e ainda pior traduzidas, que se lêem no celulóide projectado nas telas dos cinemas.
O Fundo de Teatro, criando uma certa estabilidade à actividade dramática das companhias, vem dar maior segurança à vida material dos artistas, tirando-lhes a preocupação instante e deprimente do pão de cada dia. Com a maior tranquilidade de- espirito melhoram as condições em que podem consagrar-se ao culto da sua arte e ao aperfeiçoamento, pelo estudo e pela prática, dos dotes naturais que existem, graças a Deus, com a necessária abundância nos actores portugueses. E como corolário desta dignificação da sua actividade profissional compreendida, respeitada, admirada e o que é mais remunerada regularmente, como natural resultado da situação do actor e da actriz com trabalho habitual e decentemente pago, virá decerto um decréscimo das solicitações exteriores a uma certa vida que é, tantas vezes, motivo de escândalo contra àqueles que a levam ou, mais exactamente, a ela são levados. A dignificação do actor trará consigo a dignificação da arte.
Mostra a experiência já adquirida na aplicação do Fundo de Teatro que é mais benéfica a sua acção quando não há só uma companhia, mas de preferência mais do que uma, a receber o subsídio do Fundo. E o exame dos documentos que me foram facultados, não obstante o laconismo de muitos deles, deixa perceber que uma companhia subsidiada em regime de exclusividade tende a abusar, quer no exagero das despesas feitas, quer na redução do trabalho produzido.
O Sr. Júlio Evangelista:.- V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto. Já esperava, aliás, a intervenção de V. Exa.
O Sr. Júlio Evangelista: - E para apoiar as considerações de V.- Exa. O Fundo de Teatro, em determinada altura, viu-se nesta dolorosa circunstancia: as suas receitas são bastante reduzidas para a largueza da obra que se lhe impõe.
No primeiro ano de actividade foram subsidiadas duas companhias, mas verificou-se que, ao longo da safra teatral, as companhias apresentavam as suas contas com deficits, muito grandes e o Fundo de Teatro viu que para as necessidades de subsidio que as duas companhias exigiam, e eram só em Lisboa, não havia suficientes disponibilidades financeiras. Foi então para a solução de uma única companhia, mas desta vez- subsidiada em termos financeiros tais que lhe permitissem atender à categoria do espectáculo, e não exclusivamente à bilheteira. No terceiro ano, o Fundo de Teatro, ao que suponho precisamente por se terem verificado abusos, arrepiou caminho e passou a subsidiar outras companhias, mas com a exigência de sérias responsabilidades. Acontece, porém, que inclusivamente a contribuição que o futebol dava para o Fundo de Teatro, através do Fundo de Desemprego, foi suprimida por despacho de S. Exa. o Ministro das Finanças, creio que por não se considerar profissional a actividade do futebol. E o Fundo de Teatro, que está a ver as suas receitas decrescerem, vê, por outro lado, aumentarem as suas responsabilidades em vista da sensível melhoria que, graças à sua acção, o espectáculo teatral atingiu entre nós. Enquanto o teatro aumenta as suas possibilidades, não se verifica um constante e paralelo aumento das receitas do Fundo.
O Orador:- Agradeço a V. Exa. a contribuição que deu para esclarecimento do caso. E em boa parte as minhas considerações sobre a aplicação do Fundo de Teatro são baseadas em informações recebidas do Secretariado Nacional da Informação, entidade à qual agradeço a franqueza e lealdade com que me informou.
Voltando, porém, ao que ia dizendo.
A existência simultânea de várias companhias subsidiadas proporciona maior variedade de espectáculos ao público frequentador, dando-lhe possibilidade de escolher entre diversos o do seu gosto, sem o forçar a ver o que lhe não agrada ou a recorrer a outro género de espectáculo. Demais é, desta sorte, fomentado um natural e conveniente espirito de competição artística, que, melhorando a qualidade, deixa as companhias em condições de melhor satisfazerem o preceituado no artigo 3.º da já referida Lei n.º 2041.
O Sr. Júlio Evangelista: - V. Exa. dá-me licença? O artigo 3.º da Lei n.º 2041 é um artigo incompleto sobre a competência atribuída ao Fundo de Teatro naquilo que seria de esperar do mesmo Fundo. A lei preceitua que as disponibilidades do Fundo serão aplicadas em subsídios a companhias, nos termos prescritos nos n.ºs 1.º, 2.º e 3.º do referido artigo.
Mas não prevê a hipótese, tal como foi previsto para o Fundo de Cinema, de o Fundo de Teatro conceder bolsas de estudo para estágios no estrangeiro dos nossos actores, encenadores, artistas plásticos, etc., para desse modo acompanharem o movimento teatral europeu e outras possibilidades de melhoria do espectáculo. O Fundo sente-se, realmente, impossibilitado de conceder subsídios para esse efeito, em virtude da referida insuficiência da lei.
O Orador: - Agradeço mais uma vez a V. Exa. os comentários elucidativos e até largamente esclarecedores que me acaba de prestar, os quais, aliás, estão absolutamente de acordo com as minhas considerações.
Há, de facto, necessidade de mandar pessoas lá fora para esse efeito, sob pena de ficarmos desactualizados em matéria teatral. E isto é verdade, tanto das actividades cénicas, como das restantes matérias de cultura.
Mas voltemos ao artigo 3.º:
A fim de assegurar quanto possível a continuidade da exploração, terá sempre preferência no concurso aberto para cada época teatral a empresa beneficiária do Fundo que na época antecedente haja realizado os seus trabalhos com dignidade, agrado público e manifesta vantagem para a arte e para a literatura dramáticas nacionais.
Embora o preceito legal acabado de citar pareça deixar supor que dificilmente haverá mais de uma companhia em condições plenas de receber o subsídio, a verdade é que seria conveniente um esforço, segundo
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supomos, para subsidiar tantas companhias que o merecessem quantas fosse possível. Isto, evidentemente, dentro dos limites e com as precauções de segurança necessárias para não comprometer os recursos materiais do Fundo de Teatro.
Permito-me fazer a sugestão de que o dinheiro do Fundo seja empregado não em conceder um beneficio que entra nos cofres da companhia, sejam quais forem as condições em que ela vive, mas que esse contributo do Estado se aplique a cobrir prejuízos que porventura os subsidiados venham a sofrer. Por outras palavras: que o Fundo de Teatro ponha as empresas a coberto de riscos parece-me já constituir auxilio substancial; mas que dele beneficiem indiscriminadamente as companhias, com prejuízo ou sem ele, e até quando têm lucros, nau será liberalidade excessiva?
Uma aplicação austera do Fundo para cobrir prejuízos iria certamente poupar verbas com que seria possível ajudar mais companhias nas mesmas condições.
O Sr. Júlio Evangelista: - Ainda para esclarecer, se V. Exa. me dá licença: é que o óbice nessa linha a que V. Exa. se refere quanto à concessão de subsídios vem precisamente da impossibilidade de fiscalizar com segurança as contas das empresas.
O Orador:- Exactamente. As companhias apresentam sempre déficit...
Retomemos, porém, o fio das considerações que estava fazendo.
E porque não pensar em promover outras modalidades de auxilio aos artistas teatrais, por exemplo a de o Fundo garantir aquele capital com que se criasse, ao menos a titulo de ensaio, uma companhia cuja direcção seria entregue a pessoa de reconhecida competência e comprovada idoneidade moral? Caso a tentativa falhasse, o Fundo de Teatro não despenderia mais dinheiro com este agrupamento do que tem despendido até aqui com cada um dos já beneficiados. Mas se a iniciativa fosse coroada de êxito - e isso não é impossível com uma boa administração económica e artística - o Fundo recuperaria a importância que fosse considerada conveniente pelas duas partes, sempre acautelada a sobrevivência do novel conjunto.
Esta companhia, talvez constituída por novos enquadrados por actores de experiência confirmada e nome feito, teria a vantagem de não depender dos caprichos de capitalistas, interessados normalmente pelo aspecto económico e outros de natureza vária, mais do que por questões de nível artístico.
E os novos, que, não obstante as dificuldades do árduo caminho que escolheram, continuam a afluir à carreira do teatro, teriam assim maior incentivo de aperfeiçoamento profissional, melhores condições de vida, esperança mais segura de valorização própria e do teatro português.
Aqui ficam as duas sugestões acabadas de apresentar e oferecidas modestamente à atenção esclarecida do ilustre secretário nacional da Informação, cujas qualidades de inteligência e trabalho tivemos a honra de apreciar nesta Gamara todos quantos aqui somos seus amigos e seus admiradores.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: nunca em Portugal, se gastaram verbas tão consideráveis na protecção às actividades do teatro: alguns milhares de contos por ano em S. Carlos; mil contos anuais, além de isenções tributárias e de casa gratuita, no D. Maria II; os milhares de contos despendidos em cada ano pelo Fundo de Teatro, tudo somado constitui uma quantia tão elevada que seria inconcebível entre nós antes de Salazar e da sua política do espirito.
O Estado tem cumprido ó seu dever. Que à sua protecção generosa, à sua vontade de acertar, ao desejo visível de promover e elevar a cultura saibam corresponder todos quantos são nestas actividades beneficiários ou simples intervenientes!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Franco Falcão: - Sr. Presidente: a próxima extinção das juntas de província, visada na proposta de alteração à Constituição apresentada pelo Governo, provocará, sem dúvida, reajustamentos úteis e modificações oportunas, que virão alterar, com maior ou menor profundidade, algumas disposições do actual Código Administrativo.
Sem querer diminuir a valiosa acção desenvolvida por algumas juntas de província, mormente no que se refere ao sector da assistência, não há dúvida de que o seu desaparecimento traz consigo assinaladas e benéficas vantagens de ordem burocrática e tem ainda a virtude de avivar e robustecer as relações de cordialidade entre os naturais dos diferentes distritos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-A situação de desigualdade actualmente verificada em relação a distritos do mesmo agregado provincial gerava um latente ressentimento, que não convinha manter.
Na presunção de que uma próxima reforma da lei administrativa poderá provocar sensíveis alterações na divisão territorial do Pais, não tardaram a aparecer os reformadores por conta própria, que, à margem de qualquer mandato expresso ou tácito, idealizam novos distritos e sonham com hipotéticas províncias, como se as razões de ordem histórica e sentimental não pairassem acima de simples quimeras ou fáceis utopias.
Vem isto a propósito, Sr. Presidente, de uma entrevista concedida ao (qualificado jornal* Diário Ilustrado por certa individualidade ligada à vida da formosa e risonha cidade de Tomar, na qual o ilustre entrevistado dá conta de uma representação dirigida ao Governo, onde são apresentadas as visionárias ambições da histórica cidade do Nabão, que pretende ser elevada à categoria de sede de distrito e de província.
A nova província, que ficaria a denominar-se, arbitrária e levianamente, Beira Central - não obstante a sua localização no extremo sul de todas as Beiras -, seria constituída por dezoito concelhos, usurpados aos distritos de Castelo Branco, Santarém e Leiria.
O semanário Beira Baixa, firme com os princípios tradicionalistas e regionalistas que defende ...
O Sr. Carlos Moreira: - Muito bem!
O Orador:-...e consciente das responsabilidades que lhe advêm do nome honroso que ostenta no seu cabeçalho, deu o primeiro grito de alarme, secundado pelo seu categorizado colega Reconquista, contra o pretenso desmembramento do distrito de Castelo Branco, que, por mal sucedida inspiração, ficaria privado dos seus tradicionais e tão queridos concelhos da Sertã, Vila de Rei e Proença-a-Nova.
Como Deputado pelo distrito de Castelo Branco e residente na sua hospitaleira e progressiva capital, não posso calar a minha mágoa perante uma bizantina pretensão que põe em sobressalto e fere rudemente os mais puros sentimentos de unidade dos beirões da Beira Baixa.
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Sem quebra do respeito que é devido às belezas e aos sonhos acalentadores da linda cidade nabantina, não posso deixar de formular o meu mais veemente protesto, repudiando, com todo o vigor da minha alma, um fantasioso projecto, que atenta desvairadamente contra a integridade territorial de uma província e de um distrito que não estão dispostos a ceder um só palmo de terreno, nem a renegarem populações tradicionalmente vinculadas pelos mesmos nobres ideais, ligadas pelos mesmos sagrados destinos e irmanadas pelos mesmos desígnios do mais devotado e sincero amor fraternal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É que cada parcela do território albicastrense é um pedaço inviolável do coração dos próprios Beirões, e, por isso, não podia ser amputado sem que as suas feridas ficassem a sangrar, envoltas na dor e na mais profunda consternação.
O conhecimento da pretensão em causa virá certamente despertar novos interesses e aguçar o apetite a outras cidades, que, julgando-se com iguais ou superiores direitos, desejariam do mesmo modo conquistar a respectiva autonomia administrativa.
Se à totalidade ou à quase totalidade das cidades do País fosse concedida a categoria de capital de distrito e de província o mapa de Portugal passaria a ter o aspecto de uma autêntica manta de retalhos, sem qualquer interesse de ordem geográfica ou vantagem para as respectivas populações.
O Sr. Carlos Moreira: - Parece que vão acabar, segundo se diz na proposta governamental.
O Orador: - Na proposta governamental parece que não.
O Sr. Carlos Moreira: - Sim, no dicionário.
O Orador: - Passa a ser uma divisão administrativa simbólica.
Sr. Presidente: os argumentos invocados pelos paladinos da nova província e as razões com que pretendem convencer de que entre os dezoito concelhos vitimas das suas inconcebíveis ambições existem características geográficas, agrícolas e etnográficas semelhantes não passam de simples fantasias ou de lamentável equivoco.
Deste modo, a petição apresentada tem de ser julgada inepta, pelo que se impõe o sen imediato indeferimento in limine.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Isto porque não tem a instruí-la nem razões de ordem moral, nem interesses de natureza geográfica, nem motivos de razão política, nem tão-pouco fundamentos justificativos de maior comodidade para os povos.
O seu indeferimento está, assim, indicado como justo destino de uma causa injusta.
Assim o espero tranquila e confiadamente, Sr. Presidente.
Assim o exigem a firmeza e a lealdade de princípios das populações albicastrenses em nome da manutenção e do fortalecimento da sua unidade espiritual e moral e da defesa da integridade do seu rincão abençoado.
Assim o desejam ainda os autênticos beirões da Beira Baixa, a bem da salvaguarda dos seus valores eternos e a bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Brito e Cunha: - Sr. Presidente: todas as situações políticas tom marés altas e baixa-mares, momentos de euforia e épocas de aviltamento, todas elas estão sujeitas a vicissitudes de ambientes, a flutuações do entusiasmo das massas, ao sabor de correntes de ocasião, ao valor dos homens que as servem, ao prestigio de que eles as sabem rodear, ao relaxamento momentâneo da sua fidelidade aos princípios.
Cada instante é, em política, somatório de complexas circunstâncias, misto de fé e fervor, de desalento e de derrotismo, de esperanças e transigências, de gratas aspirações e de amargos desenganos.
A energia e a fraqueza, a confiança e a descrença, certezas e dúvidas são posições contraditórias que podem coexistir, ilogicamente embora, e definir um momento de vida política.
Não há muito que atravessámos período com estas características. A desorientação parecia ter dominado os espíritos, ter-se neles instalado a confusão; e a consciência da verdade dos princípios e da pujança das realizações à sua sombra executados estremecia, em doloroso ricto de ansiedade, atitudes de dúbio equilibrismo, suspeitos malabarismos.
Bastou realmente um sopro de insânia e desvaire a varrer o Pais para os ânimos fraquejarem, a interrogação substituir-se à afirmação, vacilar a firmeza de convicções; alguns teriam mesmo admitido que a trajectória do regime tomava nova direcção e a curva ascensional que o representava atingia ponto de inflexão demarcando oposto sentido.
Atreitos a fáceis interpretações, por jeito e feitio, se não por comodismo e preguiça mental, predispostos sempre às fáceis deduções, os ânimos deixaram-se sugestionar, quando não convencer, pelo negativismo de uma propaganda demagogicamente conduzida e que a brandura dos nossos costumes, ingénua, mas levianamente, permitiu - atitude esta que há que responsabilizar pela instalação do clima emocional a que o Pais foi sujeito.
O mal-estar, a inquietação e o desânimo duraram apenas o tempo indispensável ao despertar das inteligências e ao retemperar das vontades.
Assistimos hoje de lês a lês do Pais ao restabelecimento da confiança e ao regresso da serenidade aos espíritos; recuperou-se o ambiente de calma, sente se o desejo insistente em retomar o caminho que com segurança conduz à consecução do bem comum na sua mais elevada expressão e finalidade.
A provação a que o País foi sujeito terá tido o condão inestimável de o revigorar e de o robustecer pelo reconhecimento da excelência da doutrina que informa o regime, pela revisão de posições que a muitos obrigou, pelo exame de consciência a processos e atitudes a que levou os que o servem.
A experiência, por dolorosa, não deixará também dê ter prestado o serviço precioso de reavivar a nossa memória de homens sempre prontos a esquecer e de ter relembrado e posto diante dos nossos olhos a meta aonde seriamos inevitavelmente conduzidos, se as amostras dos motins e das arruaças, do fervilhar das paixões e do reacender dos instintos mais baixos e mais torpes não tivessem sido dominadas e sufocadas..
E serviu ainda para à apatia e ao marasmo em que porventura se estivesse a decair ver suceder-se em natural reacção um clima de fé, a afirmação de vontades, o rejuvenescimento de um sadio nacionalismo, garantia de não haver que retroceder, mas antes de prosseguir, e de ter a Nação readquirido a convicção de o regime lhe dar garantias de satisfação dos seus mais legítimos anseios e da realização das suas mais instantes aspirações.
A jornada magnifica do passado domingo no Porto é, entre tantos outros, sintoma claro e evidente do reencontro da directriz, da reafirmação do rumo que norteia
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os nacionalistas a quem a fé nunca abandonou e que, por isso, se mantêm firmes mas vigilantes na defesa da doutrina, na essência da sua pureza.
Vozes: -- Muito bem!
O Orador:-Trazemos ainda os olhos maravilhados da beleza desse dia e o coração inundado de intima e consoladora satisfação e da mais reconfortante certeza na vitalidade dos princípios que defendemos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os quatro milhares de pessoas que rodearam o Ministro da Presidência nessa tarde devem ter-lhe deixado, além da impressão de presença, a de continuidade da obra a que há trinta anos se lançou ombros, porque entre o escol entusiasta que ali se reuniu havia a gratidão dos que têm gozado a paz, a ordem é 9 prestigio português da era de Salazar e também a esperança numa juventude a afirmar inequivocamente o seu inabalável propósito de cerrar fileiras em defesa das verdades eternas que são as nossas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Devemos a esses rapazes a palavra de reconhecimento pelo exemplo admirável que a todos nos deram e pela hora de exaltação que nos proporcionaram viver; e ao Dr. Pedro Teotónio Pereira, além da distinta honra da sua presença, há que agradecer a coragem moça das suas afirmações,- a convicção que lhes imprimiu, o poder de atracção que a sua fidelidade exerce nas almas da gente nova, sequiosa de atitudes de grandeza moral.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Estamos certos de que o calor das manifestações que o nome do Sr. Presidente do Conselho suscitou e a garantia dos sonhos desinteressados de uma juventude entusiasta ao serviço de grandes ideais hão-de ter largamente compensado o sacrifício da deslocação ao Porto do Dr. Teotónio Pereira, como não pode ter deixado de o impressionar a sinceridade do acolhimento de que foi alvo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Tudo sintomas de impressionante nitidez de uma cruzada de resgate, que, por necessária, recomeça, mais viva e com maior ardor, a afirmação insofismável da vontade dos Portugueses de que a Revolução continua, o nosso próprio reencontro nos seus objectivos e na sua alta finalidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente:- Continuam em discussão na generalidade a proposta e os projectos de lei de alteração a Constituição Política.
Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Gomes.
O Sr. Agostinho Gomes: - Sr: Presidente: difícil e árdua é a tarefa de governar os povos. Nem todos os que são chamados, ao Poder ou nele se alcandoram têm as qualidades requeridas para o bom desempenho da sua missão.
A par dos dotes de privilegiada inteligência servida por uma magnanimidade de coração não pode faltar aos governantes uma clarividência, que chamaria quase profética, pela qual antecipadamente conhecem e a tempo resolvem os problemas que virão a surgir da evolução natural dos acontecimentos e factos.
As mudanças bruscas de governo e de regimes, com o sen, por vezes, longo calvário de consequências, provêm sempre da falta de previdência política dos que seguram as rédeas do mando.
Invocarem-se as lições boas e más do passado, com intenção de prevenir o futuro, não e suficiente quando se esquecem ou menosprezam as realidades do presente.
Convém remexer as cinzas da história, porque nelas vamos encontrar e sentir ainda o calor da alma que animou heróis ou descobrimos com repulsa, a peçonha que infamou traidores; mas tudo isso, que é muito, torna-se pouco perante uma multidão cheia de anseios. Há que ter estes sempre em conta para os satisfazer quando justos, para os orientar quando desordenados, para os contradizer quando malsãos.
Os regimes, por melhores que sejam as perspectivas do presente e por maiores que tenham sido as passadas realizações, não podem estagnar, a menos que queiram criar um clima propício ao desenvolvimento dos miasmas da sua própria corrupção e morte.
Os condicionalismos do tempo imperam sobre os estados, como sobre os indivíduos, com tal violência que se impõem, de vez em quando, na vida política, o ajustamento de princípios, a revisão de fórmulas, a reforma de instituições. Mal dos governos e dos povos que não cedem a tais exigências resultantes da marcha impetuosa e lógica dos acontecimentos.
Foram esses condicionalismos que determinaram se tornasse constituinte a nossa Assembleia.
Em face de circunstâncias várias e em ordem ao bem comum vai a Câmara retomar em suas mãos a lei fundamental do País para nela modificar, suprimindo ou acrescentando, o que julgar mais conveniente aos interesses da Nação.
E digno de todo o louvor o Governo pela proposta apresentada e merecem o nosso maior apreço os projectos dos ilustres Deputados.
Sagrado e delicadíssimo encargo pesa sobre nossos ombros e mais em nossas consciências!
Se a alguns podem interessar dialécticas mais ou menos aparatosas, a nós só nos devem preocupar as razões nacionais coordenadas com a missão histórica de Portugal no Mundo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Cônscios da nossa gravíssima responsabilidade, creio, Sr. Presidente, que do espírito de todos os meus Exmos. Colegas, como do meu, se eleva um pensamento até Deus a pedir-lhe ajuda e protecção paru o trabalho que vamos realizar, na certeza de que toda a Nação nos secunda nessa prece.
Teria poupado esta Assembleia de me ouvir neste debate em que são tratados problemas de política e direito constitucional, para cujo estudo não tenho a suficiente competência, se não fosse a posição tomada pela Câmara Corporativa sobre um ponto fundamental na hierarquia de valores que sempre na vida devemos observar e manter.
Pelo artigo 1.º do projecto de lei n.º 23, subscrito por dez ilustres Srs. Deputados e por mim, pretende-se
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introduzir na Constituição um preâmbulo do seguinte teor:
A Nação Portuguesa, fiel à fé em quê nasceu e em que se engrandeceu, invoca o nome de Deus, ao votar, pelos seus representantes eleitos, a lei fundamental que segue.
Devo confessar que, ao ser-me dada vaga notícia de que a Câmara Corporativa havia rejeitado, in limine, tal preâmbulo, senti-me ferido no mais fundo da minha alma e comigo, certamente, todo o povo crente de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Logo que me foi possível li o parecer elaborado por ilustres membros dessa Câmara; embora tenha concluído que, no fundo, o que levava à rejeição fio preâmbulo era uma questão de ordem meramente formal, e não propriamente uma atitude de oposição à ideia apresentada, nem por isso ficou tranquila a minha consciência, que me força a falar nesta tribuna.
Duas são as objecções preliminares pelas quais não seria, segundo a Câmara, de aprovar o artigo 1.º do projecto:
1.º Porque chocaria «que em 1959 se fizesse à Constituição o adicionamento de um preâmbulo que, por verdadeira ficção, aí passaria a figurar como se dela constasse desde 1933».
2.º Porque, conforme o texto proposto, se diz que n Nação votou pelos seus representantes eleitos a lei constitucional, quando de facto ela foi aprovada pelo plebiscito nacional de 19 de Março de 1933.
A redacção dada talvez não tenha sido a melhor por sã prestar aos equívocos apontados; mas há ainda tempo para corrigi-la. Aliás, o próprio parecer só vê incongruência em antepor tal preâmbulo à Constituição em razão dos seus «termos», pelos quais se quer «fazer entender que ele consta dela desde início e como correspondendo a vontade do legislador constituinte de 1933. O inconveniente, portanto, desaparecerá se o texto do referido artigo se modificar de modo que não possa ser considerado como existente na forma primitiva da Constituição.
Foi para alguns membros da Câmara Corporativa «dificuldade insuperáveis encontrar suma fórmula de invocação do nome de Deus, com a sobriedade, a elevação e a dignidade necessárias, e que, ao mesmo tempo, se não prestasse ao equívoco de deixar supor que fora inscrita no pórtico da Constituição desde a sua apresentação ao plebiscito nacional de 1933.
Poder-se-á admitir que numa questão de simples forma haja uma dificuldade insuperável?
Mal de nós se não pudéssemos, sempre encontrar a roupagem para as nossas ideias!
Permita-me V. Exa., Sr. Presidente, e a Assembleia que, tão-sòmente a título elucidativo, apresente uma redacção do preâmbulo em causa pela qual se vê que as doas objecções da Câmara desaparecem.
«A Nação Portuguesa, pelos seus representantes eleitos, numa afirmação solene de fé, invoca o nome de Deus».
Parece-me que, deste modo, nem se deduz que o preâmbulo figurava já em 1933, nem que a Nação votara a lei constitucional pelos seus representantes eleitos.
Tenho a certeza de que a douta e prudente Comissão de Legislação e Redacção da nossa Assembleia saberá encontrar o que foi impossível à Câmara Corporativa: «a fórmula de invocação do nome de Deus com a sobriedade, a elevação e a dignidade necessárias».
Depois de afirmar que «nas constituições do século passado e do nosso encontra-se frequentemente a invocação do nome de Deus por parte do legislador constituinte», que ou declara proceder sem nome de Deus» ou invoca a sua protecção ou pretende legislar «com a sua ajuda», a Câmara Corporativa leva as suas deduções ao ponto de considerar tais expressões com um significado de carácter puramente pragmático ou funcional, pois que a lei constitucional, que visa «estabelecer uma ordem total e instituir estàvelmente um dado sistema de valores, uma determinada concepção de vida», é servida e assegurada na medida em que «se coloca desde a origem sob a invocação e protecção do Ente Supremo».
É, por certo, não compreender o valor da crença de um povo restringir a este limitado horizonte o que representa a mais racional manifestação da vida em sociedade do homem.
O que essencialmente se contém nestas invocações ê a. afirmação de fé em Deus, num reconhecimento total da sua soberania sobre os indivíduos e sobre as sociedades.
Se toda a lei provém do exercício de poder e se todo o poder que tirania não seja vem de Deus - e Cristo solenemente o afirmou ao pagão procurador romano: «nenhum poder terias sobre mim se não o houvesses recebido do Alto» - não será dever de uma nação crente sujeitar a Deus a lei fundamental de toda a sua ordem política e social?
Não foram «decisões políticas» que levaram a incluir as fórmulas de invocação a Deus nas leis constitucionais; foi um imperativo de consciência colectiva.
Deus não é nelas invocado para servir de garante de uma política ou sistema. Pretende-se submeter-lhe, reconhecendo um seu direito absoluto, toda uma ordem de valores humanos que sem Ele perderiam o sentido da própria hierarquização.
E então tem razão a Câmara Corporativa quando diz que «tais invocações de princípios de nada servirão se não se traduzirem num sistema de normas e de instituições concretas realmente inspiradas por elas». Desde que se afirma a Verdade de Deus, temos de aceitar também as suas verdades.
Os homens de Estado parece, por vezes, terem medo de Deus, inveja das adorações e louvores que Lhe são tributados, como se daí viesse a diminuição do seu poder e glória!
Se não se houvesse dado a subversão da ordem divina na vida da humanidade, e, por consequência, uma supervalorização das coisas terrena», a ponto de serem consideradas em si mesmas valores absolutos, não estaríamos a sofrer as misérias s desgraças da hora presente, numa inquietação constante e aflitiva pelo futuro Lá dizia o rei poeta dos Hebreus: «Se o Senhor não guardar a cidade, em vão trabalham os que a pretendem edificar».
Depois dos considerações que procurei refutar, a Câmara Corporativa inclina-se para a seguinte conclusão: «que se não deva atribuir ao projectado adicionamento uma importância tal que force as consciências à sua aprovação».
Não compreendo como a aprovação do referido preâmbulo possa violentar as consciências! A sua rejeição é que certamente não se poderá dar sem que se forcem as consciências de nós todos.
A própria Câmara Corporativa confessa tê-lo sentido quando afirma que «não é, na verdade, sem constrangimento que recomenda a rejeição da inclusão no pórtico da lei positiva suprema de uma invocação religiosa
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que está de acordo com a fé, a consciência e os sentimentos cristãos da unanimidade dos seus membros».
Igual constrangimento não sentiremos nós, na nossa Assembleia,, porque sabemos auscultar e bem interpretamos a consciência nacional, que se tem afirmado, em todas os circunstâncias, crente em Deus e na sua fé tradicionalmente cristã.
Ainda se não apagaram os ecos dos cânticos e orações que envolveram o monumento a Cristo-Rei, erguido em frente desta capital lusíada. Aos pés dessa estátua e da imagem da Rainha e Padroeira celebram-se as últimas cortes da Nação Portuguesa: o Chefe de Estado, com todo o Governo, os bispos, com todo o seu clero, o povo e toda a sua nobreza de alma e sentimentos. A voz de Portugal, renovado e redimido, fez-se ouvir, pelos seus lídimos representantes, uma consagração solene e fervorosa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E enquanto se erguia para o Alto, nas volutas do incenso, o Te Deum laudamus, cantado na catedral aberta da terra lusa, dos corações de todos os portugueses ali presentes ou espalhados pelas outras partidas do Mundo, choviam lágrimas que regavam preces.
Apetecia gritar:
Arraial! Arraial! Por Deus, pela sua Igreja, por Portugal!
Precisaríamos mais para conhecer a vontade de um povo?
Continuemos a seguir o articulado da Câmara Corporativa. «É, aliás (diz-se no parecer), tão pouco importante a inserção de um preâmbulo do género do sugerido no projecto em análise que as leis constitucionais do próprio Estado da Cidade do Vaticano, de 7 de Junho de 1929, não se iniciam por qualquer invocação ou preâmbulo confessional do género» (Fecha o período um ponto de exclamação).
Se não fossem a, gravidade do assunto e a responsabilidade que pesa sobre a mesma Câmara Corporativa e o respeito que merece, pensaria que se tinha procurado fazer humorismo.
Não é verdade que essas leis sejam a constituição política, do Estado da Cidade do Vaticano; provam-no a forma da sua promulgação e á análise do seu conteúdo.
Encontram-se tais leis no suplemento do órgão oficial da Santa Sé - Acta Apostólicoe Sedis -, cujo título geral é este: «Suplemento para as leis e disposições do Estado da Cidade do Vaticano».
Não convém, por certo, a publicação solene de uma constituição um título em que nem o termo clássico aparece, nem outro de igual significado, e onde as leis andam de mistura com disposições.
Seguem-se seis leis, singularmente promulgadas, cada uma com o seu título especial:
Lei fundamental da cidade do Vaticano, lei sobre as fontes do direito, lei sobre o direito de cidade e residência na cidade do Vaticano, lei sobre a organização administrativa, lei sobre a organização económica, comercial e profissional, lei sobre a segurança pública. Não creio que a Câmara Corporativa queira chamar a todo este conjunto uma constituição política!
Que estranha lei constitucional seria esta, promulgada em seis leis distintas, todas datadas do mesmo dia?!
A matéria de algumas dessas leis tinha entrada numa constituição, mas nenhuma delas, por si só, a forma. O primeiro grupo - lei fundamental - poderá suscitar alguma dúvida. Se o analisarmos de um modo geral verificamos que os elementos que dão corpo a uma constituição, como, por exemplo, a forma de Governo, a instituição do poder supremo, a eleição do Chefe do Estado, etc., não se encontram estruturados, mas supõem-se já constituídos. A razão está era que a cidade do Vaticano tem o seu fundamento na própria Santa Sé, cuja Constituição é de direito divino.
Nessa lei fundamental determina-se a orgânica do Estado do Vaticano, no que toca ao seu governo efectivo e- delegado, regula-se o funcionamento dos tribunais, sua jurisdição e competência, e indicam-se a forma, cor e armas da sua bandeira.
Todas estas leis, verdadeiramente orgânicas, ordenam-se à execução dos Acordos de Latrão com que estão intimamente ligadas, pois foram assinadas por Pio XI no próprio dia da troca das ratificações dos mesmos acordos.
E se, em hipótese não verificada, se tratasse realmente da Constituição Vaticana, a missão divina do legislador não lhe dava a qualidade que o parecer chama «confessional»?
Anota ainda a Câmara Corporativa o facto de não estar praticamente na tradição constitucional portuguesa uma formulação invocativa do nome de Deus. Mas a nossa primeira Constituição Política, promulgada por D. João VI a 23 de Setembro de 1822, inclui o seguinte preâmbulo:
«Em nome da Santíssima Trindade» ... Não será isto mais do que invocar somente o nome de Deus? Não tem razão a Câmara Corporativa ao afirmar que não está na nossa tradição constitucional uma invocação a Deus, quando essa invocação aparece de uma forma especial na nossa primeira Constituição.
E recordemos ainda as cortes de antanho, por vezes autênticas assembleias constituintes, onde sempre se invocava o nome de Deus!
Esta é que é a nossa genuína tradição.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Nunes Barata: - V. Exa. dá-me licença? Estou a ouvir encantado as considerações de V. Exa. e a interrupção que quero fazer é ainda a propósito da Constituição do Vaticano. Há um pormenor que à Câmara Corporativa talvez possa ter escapado: é que todas as concordatas celebradas entre a Santa Sé e os outros Estados começaram por invocar o nome da Santíssima Trindade, o mesmo acontecendo com a Concordata celebrada com o Governo Português em 1940 e com 'todas as concordatas desde que a Santa Sé as celebra.
E note-se que uma concordata tem uma projecção internacional muito maior que uma simples constituição, pois é instrumento de direito internacional.
O Orador: - Agradeço a V. Exa. esse esclarecimento, que não quis trazer para n Câmara por não estar dentro da sequência da minha ideia, mas é isso precisamente.
Muito obrigado a V. Exa.
«Não deve esquecer-se também - continua o parecer da Câmara - ao considerar-se a sugestão do projecto, que Portugal não é apenas constituído por populações católicas ou, de toda a maneira, por populações que creiam no mesmo. Deus. Na África e na Ásia contam-se por milhões os portugueses de confissões diferentes, mesmo de religiões superiores. E de admitir a possibilidade de a alteração, constitucional projectada não satisfazer muitos desses portugueses e vir a constituir um motivo de dificuldade a considerar ....
A falta de unidade religiosa dos portugueses de vários pontos do Mundo, que não são todos eles fiéis da mesma igreja ..., firma a Câmara na convicção de que o ponto de vista pára que se inclina corresponde aos
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interesses concretos do bem comum nacional e é, no plano dos interesses da própria Igreja Católica, uma posição tolerável e inclusivamente .salutar».
Há em todo este discorrer certa confusão que convém esclarecer.
Sendo o essencial do projectado preâmbulo a invocação do nome de Deus, não está em causa só a Igreja Católica, mas aã religiões que, sem dúvida alguma, adoram o mesmo Deus.
Assim, todas as cristãs e o islamismo.
Católicos, protestantes e maometanos, embora se distingam, e fundamentalmente, no modo como prestam culto a Deus, convergem em admitir a existência de um único Ser Supremo, pessoal, criador e moderador de todo o Universo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Para estes não se põe em absoluto a dificuldade que a Câmara invoca. As outras religiões superiores, - como lhes chama o parecer, que têm adeptos dentro da Nação Portuguesa são o hinduísmo, cerca de 300 000 na nossa índia, e, o parsismo, com pouquíssimos sequazes em Damão e Diu.
Ora mesmo estas admitem a, existência de Deus: 03 hindus chamam-lhe Brama, Senhor de todas as coisas, e os parses Ajuhra-Mazdá, Senhor da Sabedoria, não só Criador e Senhor do Universo, mas princípio que governa o Mundo e o dirige a uma final perfeição.
Crêem, portanto, num Deus Supremo.
Até os nossos indígenas de África têm A ideia, embora imprecisa, de Deus Superior a tudo, distinto dos seus feitiços e com - estes - não confundido.
Não há nenhum povo que não conheça e não preste culto à divindade.
É que Deus, ao criar o homem, deixou-lhe indelevelmente gravado» na alma o título da sua origem, a razão da sua existência e o rumo do seu destino. Por este motivo se encontra em todos os tempos e em todas as latitudes o facto religioso a dominar a vida particular e social da humanidade, numa constante que é única na história dos povos.
Podemos concluir, com fundamento, que as gentes do nosso império conhecem a Deus, rendendo-lhe culto conforme as suas concepções religiosas; que a ideia essencial de Deus é igual em todos - Ente Supremo, Senhor do Universo.
Seja-me permitido agora perguntar: em que poderá a invocação do nome de Deus na Constituição anão satisfazer muitos portugueses e vir a constituir um motivo de dificuldades políticas a considerar»? Todos os portugueses adoram a Deus, mais ou menos perfeitamente conhecido, mas em toda a parte adorado e respeitado. Não sente essas dificuldades a superdemocrática América ao estabelecer o dia nacional da oração; não as teve e não as tem a Inglaterra quando faz cantar em iodos os seus domínios o God Some the Queen.
Queremos ser nós mais puritanos?
Deus é a única realidade que pode congregar e unir a família humana nestes nossos tempos em que profundos abismos a separam numa hostilidade sem tréguas. Só Ele poderá trazer aquela paz desejada que tantos e desvairados mitos criados não conseguem dar-lhe.
Apesar disso, é Deus olvidado e combatido pelos que satânica me u t e se proclamam os sem Deus.
Não será tempo de as nações que querem salvar os seus destinos e a civilização cristã afirmarem sem ambages a verdade de Deus,, defenderem-na e lutarem para que seja mais conhecida e mais vivida e mais amada pelas suas gentes?
A natureza e a razão - escreve Leão XIII interpretando a lei natural - mandam a todos os homens prestar culto a, Deus, santa e religiosamente, porá que estamos todos sob o seu domínio e n'Ele temos a nossa origem e o nosso fim. Igualmente impõem a mesma lei à sociedade civil. Os homens reunidos em sociedade não estão menos sob o domínio de Deus do que cada um de per si; nem a sociedade menos, que os indivíduos deve render graças a Deus, de quem procede na origem ... Assim como a ninguém é lícito preterir os seus deveres para com Deus .... do mesmo modo os estados não podem, sem crime, comportar-se como se Deus não existisse ou como se a religião lhes fosse alheia ou inútil». ...
Aqueles que negam o poder, o lar, as fronteiras, são os. mesmos que negam a Deus. Sê contra- eles 'afirmámos a autoridade, a família, a pátria, por que também, e antes de tudo, lhes não afirmamos Deus e a sua soberania?
O Sr. Carlos Moreira: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: disse um dia o nosso grande Chefe do Governo que «não discutimos Deus».
Para dar satisfação ao que me impunha a consciência ter-me-ia bastado reproduzir esta simples frase, que encerra conceito profundo de uma política nas suas relações com os princípios eternos. Se Deus é Verdade incontestável para o Estado Português, por que havemos nós de estar a discuti-lo ao apresentar-se o momento feliz de o afirmarmos na lei constitucional da Nação?
Não tenho dúvidas de que todos estaremos por Deus.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - A maneira como têm decorrido os trabalhos da Assembleia sobre as alterações à Constituição Política do Estado dá-me a impressão consoladora de que a Câmara se apercebeu da transcendência das questões perante ela postas pelos projectos apresentados- à discussão e à apreciação da Assembleia, transcendência dessa questão em si e em relação ao momento político que decorre.
É um bom sintoma esse e felicito a Câmara por, efectivamente, se ter dado conta das suas responsabilidades em frente desta questão.
Exactamente por ter reconhecido essa atitude da Câmara é que tem havido por parte da Mesa a condescendência possível no sentido de dar facilidades a todos os Srs. Deputados que desejassem fazer a sua intervenção nesta matéria.
Todavia, o tempo decorrido é, a meu ver, suficiente para que todos os Srs. Deputados estejam neste momento devidamente preparados para intervir no debate, o que significa que na próxima semana parlamentar a referida condescendência será menor e procurarei fazer funcionar o Regimento. Portanto, se em certo momento não houver oradores preparados para falar, terei de encerrar o debate na generalidade por falta de oradores.
VV. Exas., que me conhecem de há muito tempo, sabem que esse extremo recurso seria uma violência que eu faria ao meu temperamento e à consideração que tenho pelos Srs. Deputados.
Para evitar que isso suceda peço a VV. Exas. que se compenetrem da necessidade que temos de fazer marchar esta discussão com certa celeridade, de forma que não tenha de ficar na contingência de lançar mão da severidade do Regimento.
Peço desculpa a V. Exa. desta advertência, que se me afigurou conveniente e é por bem.
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A próxima sessão será na terça-feira, dia 9 do corrente, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e lá minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Pacheco Jorge.
André Francisco Navarro.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco José Vasques Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA