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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 118
ANO DE 1959 DE JUNHO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 116, EM 9 DE JUNHO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 117.
Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente informou que S. Exa. o Chefe do Estado receberá amanhã, pelas 16 horas e 45 minutos, no Palácio de Belém, a Afeia da Assembleia e os Srs. Deputados que desejarem cumprimentar S. Exa. por motivo da comemoração do Dia de Portugal.
O Sr. Presidente comunicou estarem na Mesa os elementos requeridos aos Ministérios da Saúde e Assistência e dos Negócios Estrangeiros respectivamente pelos Srs. Deputados Santos Dessa e Peres Claro, a quem foram entregues.
Usaram da palavra os Srs. Deputados José Manuel da Costa, que se referiu à necessidade de se reavivar o culto de Camões, e da sua obra, e Castilho de Noronha, sobre a comemoração ao Dia de Portugal.
Ordem do dia. - Continuou o debate na generalidade sobre a proposta, e projectos de emenda a Constituição Política.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Afonso Pinto e Franco Falcão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
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Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite- da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslondes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 117, referente à sessão de 5 do corrente.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra acerca deste Diário, considero-o aprovado.
Deu-te conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Duarte do Amaral relativa à crise da indústria têxtil algodoeira.
De Henrique Vaz de Vasconcelos a apoiar as intervenções dos Srs. Deputados Cortês Pinto, Paulo Cancella de Abreu e Abranches de Soveral no debate acerca da proposta e projectos de lei de alteração à Constituição Política.
De Diogo Sebastiana no mesmo sentido.
O Sr. Presidente:- Levo ao conhecimento da Câmara que o Sr. Presidente da República receberá, no Palácio de Belém, amanhã, pelas 15 horas e 45 minutos, a Mesa da Assembleia e os Srs. Deputados que desejarem cumprimentar o Chefe do Estado por motivo do Dia de Portugal.
Pausa.
O Sr. Presidente:- Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Saúde e Assistência em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 2 de Abril, findo pelo Sr. Deputado Santos Bessa.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 26 de Fevereiro último pelo Sr. Deputado Feres Claro.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado:
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado José Manuel da Costa.
O Sr. José Manuel da Costa: - Sr. Presidente: quando usei da palavra na sessão inaugural desta legislatura não me era então dada a possibilidade de prestar-lhe, Sr. Presidente, as minhas homenagens, e de então para cá já todos os Srs. Deputados tiveram o ensejo de saudar em V. Exa. os merecimentos da sua personalidade e de louvar com respeito e acatamento esse modo suave e firme por que se exerce nesta Câmara a sua autoridade presidencial.
Neste dia e por minha parte, esgotadas já todas as formas originais de saudação, eu atrever-me-ia -se pudesse dispor da honrosa aceitação de V. Exa. sem indispor o Regimento desta Casa -, atrever-me-ia, digo, a consagrar à perfeita e autêntica cultura humanística de V. Exa. as considerações que venho aqui fazer e em que o tema da humanidade e do seu valor há-de naturalmente transparecer amiúde, pelo sentido especial desta minha intervenção e pela natureza do acontecimento transcendente que me proponho celebrar.
Sr. Presidente: por disposição legal recente e tem avisada do Governo de Salazar, o dia tradicionalmente comemorativo de Camões tornou-se no Dia de Portugal, e o mesmo é dizer que esse dia se elevou assim à mais alta expressão espiritual de todos os portugueses, quaisquer que sejam, em todos os outros planos, os seus ideais, credos ou determinações de pensamento e de cultura.
Em exercício excepcional da sua actividade, para discutir e votar a lei fundamental da Nação, não poderia esta Assembleia deixar de ligar-se ao que há de essencial no simbolismo e na significação de um dia na vida da Pátria, que é ele, muito excelentemente acima de todos os outros, não apenas pela determinação da lei mas pelo unanime assentimento da comunidade lusíada, o Dia de Portugal, o Dia da Lusitanidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Porque este dia e não outro na vida colectiva de um povo que em oito séculos de história alinhou um rosário de glórias tais que lhe garantem abundância de datas festivas, de orgulhosos recordatórios e até mesmo de universais vinculações transbordantes das fronteiras nacionais e, mais do que isso,
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influentes e decisivas na vida e na existência de todo o mundo moderno?
É porque este dia não separa, não divide, não afasta ninguém dos clarões desta luz do espírito com que Portugal se ilumina, do calor desta fogueira de amor pátrio em que Portugal se aquece, da paz desta gente amorosa e aventureira que com Portugal levou Europa, e tudo quanto nela se continha de civilização e de cultura, ao mundo velho do Oriente, onde ainda está, e- ao mundo novo do Ocidente, onde renasceu em corpo e em alma que já só se extinguirão se Deus algum dia apagar do universo tudo quanto o Ocidente simboliza e nele se condensa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Não divide, não aparta nem distancia no lar lusitano este dia que se define e se afirma como o Dia de Portugal, por excelência. Cabemos todos neste lar e a todos nos abrangem a honra, a dignidade, a imortalidade que os Portugueses ganharam e que o legado genial de Camões não deixou que morressem, nem na verdade do estudo, nem nas emoções artísticas da beleza, nem nas profundas influências de tudo quanto de bom foi connosco, Portugueses, e logrou no mundo descoberto superar os males da ocupação e da conquista por bens de convivência humana e integrações de fé, de cultura e de civilização. E o que aqui dentro nos não divide, nem afasta, nem separa, o que nesta terra quente e querida da Pátria nos chama e incita a uma solidariedade fraternal que nos amaine as paixões, nos extinga os ódios, nos esbata as malquerenças e nos aproxime pelo coração e pelo espírito, tudo isso nos une e nos liga e nos aperta ainda mais àquele outro mu a do de maior dimensão que vive para além das linhas de demarcação nacional e que é o mundo de cujos valores fomos intérpretes e mensageiros e é também o mundo de que fomos matriz criadora, mundo que no seu conjunto ou subsiste ou morre neste entrechoque do espirito e da matéria, de Deus e de Satã, do homem livre na sua universalidade de pessoa imortal e do homem escravo no seu confinamento de número efémero.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: tenho querido apenas dizer - pobre de mim -, algo de semelhante ao. que Latino Coelho disse tão cristalinamente no seu imorredouro discurso da Academia das Ciências do Lisboa por ocasião do terceiro centenário da morte de Camões:
Nenhum povo tem como o português um destes felicíssimos espíritos, que são ao mesmo passo o génio da nação e o génio da poesia e em cujas obras respire ao mesmo tempo a pátria e a humanidade, a glória privativa de um só povo, e o destino comum de uma inteira civilização. Imortal é o Camões, imortal para os seus, imortal para- os estranhos. Para os seus, porque em versos admiráveis divulgou as empresas, em que foram protagonistas. Imortal para os estranhos, porque os feitos que reconta são o berço onde incubou, fecunda, a novíssima civilização.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: o mandato de que andamos investidos e agora nos prende, em melindrosas responsabilidades, a uma revisão de conceitos do estatuto principal da Nação impõe-nos - e seria gravíssimo se o esquecêssemos - que neste dia, o Dia de Portugal, tenhamos bem presentes no nosso foro interno a coesão humana na unidade nacional e, no conceito do mundo, a força daqueles valores de espirito pelos quais perante o mundo respondemos, com incontestáveis direitos de autoria, por uma acção a que Fidelino de Figueiredo chamou ca ligação dos hemisférios morais da terra, o reconhecimento pelo homem da sua casa terrena, da casa que Deus lhe dera, mas de que ele só se haveria de apossar por seu esforço próprio e por uma epopeia que, no dizer de Harry Meyer, mais do que um belo poema, é o manifesto poético da ética ocidental».
O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!
O Orador:- Se ficássemos mudos e estranhos, pela palavra e pelo espirito, a estes dois imperativos - ode um exame da força e do valor da consciência nacional e o da nossa posição fundamental perante a civilização do Ocidente - nós estaríamos- hoje faltando a um dos mais altos deveres de altiva soberania que havemos de vigorosamente clamar e reivindicar nesta Câmara.
Anda na verdade inerente ao nosso mandato de Deputados da Nação o dever de zelar, consolidar, revigorar a unidade nacional, unidos nós mesmos na serenidade e na firmeza sem falso amor próprío e sem paixão, assim como por igual se nos impõe reivindicar, defender e servir o quanto somos e valemos na grandeza e na universalidade desta nossa civilização, cuja carta moral seria bem outra sem o nosso esforço e sacrifício e que só em Camões encontrou voz eloquente e expressão sublime que pudesse falar em nome do mundo moderno.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: em 1954, um ilustre professor francês deu a lume notável tradução de Os Lusíadas para a gloriosa língua da doce França. Publicou-se essa tradução sob os auspícios do Instituto Francês em Portugal, e Pierre Hourcade, o ilustre director desta instituição de cultura, quis escrever no prefácio daquela tradução as seguintes palavras:
La signification des Découvertes dans l'Histoire s'en trouve éclairée d'un jour nouveau, qui révèle leur importance primordiale a l'origine de nos préocupations les plus actuelles. Sous leur revêtement d'époqne, Les Lusíadas en acquièrent une vie nouvelle, se parent d'une seconde et singulière jeunesse. Cette épopée moderne célebre la naissance dn monde ou nons vivons.
Pois bem, por essa mesma época publicava-se em Portugal uma História da Literatura Portuguesa que por aí anda em mãos de estudantes e de estudiosos, obra a que não faltam nem o talento nem o saber, mas em que também abundam perigosos e errados princípios de interpretação e de critica, e nessa História da Literatura Portuguesa, da autoria de dois portugueses, Os Lusíadas são considerados suma obra ideologicamente desactualizada para um leitor moderno. E, Sr. Presidente, parece que estamos nós oficialmente dando razão a este critério que deveria merecer toda a nossa discordância e veemente acção de prova em contrário.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Decaíram na cultura superior em Portugal os estudos camonianos, suponho ter sido extinta a respectiva cátedra em uma das nossas Faculdades de Letras e serem hoje bem precárias a frequência e a assiduidade de alunos a cadeira que na outra Faculdade existe e porventura já só existe porque há um fundo material que a sustenta e uma responsabilidade moral perante a memória de Zeferino de Oliveira, seu fundador, que a não
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deixa extinguir, não obstante o pouco entusiasmo em que vai a pouco e pouco esmorecendo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-No plano dos estudos secundários Os Lusíadas têm a sua quota-parte de atenção nesse enciclopédico e informe ano quinto do 2.º ciclo liceal, de que bem pouco em geral ficará no gosto e na sabedoria dos alunos, não se vendo razão para supor que seja precisamente Camões quem se salve da voragem desse vulcão do nosso ensino médio.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- E recordo-me Sr. Presidente, já lá vão quase quatro dezenas de anos, de ter assistido à lição inaugural da cadeira de Estudos Camonianos na Faculdade de Letras de Lisboa e de ter ouvido estas palavras, que vou comovidamente lembrar e repetir, ditas então pela voz convencida desse homem bom e sábio que foi o Dr. José Maria Rodrigues:
Arvoremos bem alto Os Lusíadas como lábaro sagrado, em volta do qual se congreguem todos os portugueses de boa vontade; façamos deles a fonte perene onde vamos buscar a energia que torna felizes as nações, por pequenas que sejam; busquemos neles o estimulo contra o desalento, quando virmos prevalecer erros e vícios que nos amesquinhem, nos vexem e possam perder; tornemo-los o ponto de apoio para, com toda a energia da nossa alma, combatermos o bom combate pelo nome e pelo engrandecimento da nossa querida pátria.
Deriva do que fica dito o sagrado dever de fazermos da epopeia camoniana a base da nossa educação nacional; de o desenvolvermos amplamente nos ' institutos secundários, de o aprofundarmos nas Faculdades de Letras, em cursos destinados não só aos alunos destas Faculdades, mas a todos, estudantes e não estudantes, que queiram completar os conhecimentos já adquiridos; de tornarmos, enfim, popular uma obra tão Intimamente ligada com a nossa nacionalidade.
O Sr. Rodrigues Prata: - Muito bem!
O Orador: - Ó santa e nobre ingenuidade a do bom e querido mestre José Maria Rodrigues e também a minha ... que tanto tenho ouvido, mesmo nesta Casa, aliás com grande razão e fundamento, pedir técnicos, mais escolas técnicas, operários especializados, mais gente preparada para a grande industrialização do País, homens para as maquinas, servidores para o mundo da matéria, e venho agora - arvorado em «velho do Restelo» e como que estranho ao meu tempo e a minha época - lembrar ideias passadas de quarenta anos no sonho de um velho professor e talvez fazer sorrir alguns dos meus ilustres colegas quando me permito pensar e dizer que Portugal se inferioriza e se degrada sempre quando subestima o estudo da sua obra mais representativa nos domínios da cultura universal e apenas se lembra dela, fora do campo de erudição, para lhe afixar nas paredes as oitavas reais em grandes momentos de comoção da Pátria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: talvez tenha acontecido a V. Exa., como a mim me aconteceu, ter ouvido no Brasil, a brasileiros, recitar de cor longos e longos trechos de Os Lusíadas, num grande contentamento pelo que isso significava para eles de louvor a Portugal, de amor ao estudo, de sensibilidade estética, de gosto oratório, de respeito pelo que é puro e belo e exprime valores eternos. Saber de cor é ter no coração, e os brasileiros têm realmente no coração, um culto de Camões, que, no dizer de um deles, é «poeta de Portugal, poeta do Brasil, poeta da Raça».
Nós podemos dizer, em verdade, que o Brasil nos dá lições de amor e de compreensão de Os Lusíadas... e ainda bem que assim é, pelo sinal evidente que ai se encontra de que a robusta juventude da pátria brasileira tomou em «nas poderosas mãos «essa eterna esperança da forte raça a que pertence b ramo luso, eterna esperança, profética e messiânica, a que, no dizer de mestre Teófilo Braga, Camões havia dado imperecível forma capaz de acordar Portugal, em toda a circunstancia, para a consciência da sua autonomia e missão histórica».
Ponho também aqui uma interrogação, a que não sei responder, de qual será, para além da ingente mas frágil miscelânea do plano de estudos escolares, a convivência da nossa juventude do ultramar com a lição eterna e com o fogo vivo. da nossa epopeia nacionalista do nosso poema universal. Não sei responder, mas u pergunta carece efectivamente de uma resposta de acção prática e efectiva.
Lá no ultramar, como aqui na terra metropolitana, ousamos crer que têm mais do mau do que de bom as leituras a que a mocidade agora se dedica e por intermédio das quais aceita sem critério selectivo tudo o que se lhe afigura de moderno e rejeita, depreciativamente, tudo quanto na tradição se firmou com expoente nacional ou universal, más que perante a angústia da nossa época se tornou letra morta e passado extinto e entrou na gíria irónica com o designativo de matéria fóssil.
Sr. Presidente: sirvo-me assim desta oportunidade da comemoração do Dia de Portugal para lançar um apelo veemente e clamoroso que atinja o Governo da Nação, o escol dos nossos intelectuais, as instituições de cultura, os organismos de informação, os responsáveis do ensino e os guias da juventude: não deixemos, não se consinta que pareça haver verdade na afirmação de que Os Lusíadas são de forma inevitável uma obra ideologicamente desactualizada para um leitor moderno. Não estejamos tão fora do mundo, da verdade do espirito que consintamos serem Os Lusíadas não já um eterno tónico da Pátria, mas apenas um remédio de emergência para o nosso patriotismo.
Ó mocidade portuguesa! Relê palavras que foram ditas algures, mas pensadas para ti, pelo Prof. Carneiro Pacheco, fundador da tua organização nacional:
Livro de ouro da raça e do humanismo, incarnando e universalizando o génio português em lições de toda a espécie, poema de heroísmo da juventude de Portugal, em glórias, aspirações, energia cívica e fé, cristalização de renascimento pátrio, tanto no classicismo da linguagem como em pensamento e acção, Os Lusíadas são a fonte viva do novo renascimento português e Camões é o mestre das gerações para o. permanente estado de consciência em que há-de amar e servir a grandeza de Portugal.
Aceita na tua consciência estas palavras, que elas são palavras de verdade e de salvação, ó juventude de Portugal. Não vejas em Os Lusíadas os martírios da gramática a que te sujeitaram, mas absorve neles as essências da grandeza e da universalidade da tua pátria, do homem que é português como tu o és, do homem que ainda hoje tem um poder de expressão literária capaz de simbolizar e de falar em nome do mundo moderno!
Sr. Presidente: quando estivermos amanhã perante o venerando Chefe do Estado a render-lhe as nossas ho-
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menagens de veneração e de respeito na «passagem do Dia de Portugal S. Ex.ª há-de gostar que vá convosco este alto e nobre pensamento e às nossas razões de certeza acrescentará mais uma da sua apaixonada predilecção: O» Lusíadas são o cântico da conquista do mar, são a voz nova e hoje eterna da transformação de Portugal num pais de navegadores, e ali bem perto da chamada Praia das Lágrimas o homem do mar que vai de capitão na nau do Estado há-de viver e reviver a glória da Nação a que preside o esforço do povo que representa e os caminhos do futuro que lhe está confiado. No seu coração largo de marinheiro há-de caber com agrado este nosso culto de Camões, o maior cantor do mar de todos os tempos e de todos os idiomas.
E termino, Sr. Presidente, não sem relembrar as palavras por onde principiei, para solicitar-lhe agora que acrescente o vigor da sua autoridade presidencial e o mérito da sua cultura de humanista a este nosso apelo em favor de uma restauração da consciência camoniana, a única que em todas as épocas e circunstâncias sempre se identificou com a própria consciência nacional.
O grande pensador espanhol que se chamou Francisco Rodrigues Marin disse, num dia do ano de 1924, perante os reis de Espanha, as seguintes palavras, cora que deu fim a um discurso sobre Camões:
Senhor! A prosperidade das nações, a altura do nível da sua cultura, têm por principalíssima causa o ideal. Povo sem outro norte que não seja a concepção materialista da vida é povo que perdeu de todo, lamentavelmente, o direito a florescer ou a reflorescer. Ainda se está a tempo. Que não seja tudo consagrado a matéria, que é de si mesma bruta e pouco nobre, mas que por desdita se vai em tais termos assenhoreando do Mundo que nos ameaça, talvez em curto tempo, com o maior dos males e prenúncio certo de ruína espantosa: com o mal da completa anulação da vida do espirito. E ai daqueles, homens e povos, que esquecem ser o espirito o único que nos diferencia dos animais e nos assemelha a Deus!
Isto disse - e com que razão! -, na Espanha de 1924, D. Francisco Rodrigues Marin a propósito de Camões. Não andam longe da mesma intenção as palavras que eu trouxe a esta Camará em louvor e glória de Camões no seu dia comemorativo, que a vontade da Nação quis e muito bem que fosse o Dia de Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Castilho de Noronha: - Sr. Presidente: ocorre amanhã a data mais festiva do nosso calendário cívico - Dia da Lusitanidade. Dia em que, numa alentadora visão retrospectiva, se revivem as horas mais gloriosas, os anos. mais venturosos, os séculos mais esplendorosos da história de Portugal.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!
O Orador:- Dia que terá a sua comemoração votiva aí onde pulse um coração português.
De facto, português que se preze não pode deixar de vibrar de profunda emoção num dia destinado à recordação das glórias que opulentam a história do seu país.
Poucas nações, ia a dizer nenhuma nação, podem rever com tanto orgulho, com tão legítimo desvanecimento, o seu passado como Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Nessa visão do passado açode-lhe ao espirito deslumbrado essa grandiosa cruzada em que o Portugal quinhentista se empenhou de olhos postos no formoso ideal da expansão do seu nome o da civilização cristã.
Perpassa-lhe ante os olhos atónitos essa plêiade, reduzida em número, mas grande pela sua indomável bravura, de valentes e destemidos guerreiros que, em gloriosas arrancadas, operaram prodígios de valor, implantando em continentes distantes, em terras longínquas, a bandeira do Portugal. As conquistas sucediam-se vertiginosamente unias às outras. De triunfo em triunfo, Portugal estendia assombrosamente os seus domínios.
Mas nem o fragor das duras pelejas em que os Portugueses se empenharam os aturdiu, nem o brilho das vitórias lhes turvou a visão a ponto que não apercebessem a caducidade e a instabilidade das conquistas, materiais que não tivessem a valorizá-las a conquista espiritual.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E por isso as terras que os Portugueses conquistam transformam-se em cenários de uma intensa acção missionária exercida por ardorosos apóstolos que, em magníficos gestos de desinteresse e abnegação, se devotaram a causa da cristianização dos novos domínios de Portugal.
Verdade é que no decurso dos tempos muitas dessas terras se desmembraram de Portugal. Mas nem por isso o sen nome caiu ai no esquecimento.
Valha por todos o exemplo do Brasil, desse grande Brasil que Portugal afeiçoou à sua imagem e semelhança, do que resultou essa amorosa comunhão de ideias, de afectos, de sentimentos, culminando na fraterna e indestrutível solidariedade que liga os dois povos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Brasil é o documentário vivo a atestar a excelência da política que Portugal adoptou no período das conquistas; Brasil é o padrão imorredouro da grandeza do Portugal colonizador. Está nisso a razão por que o Brasil se associa a Portugal nu celebração do Dia da Lusitanidade, que é também o dia da comunidade luso-brasileira - Brasil comemora-o com o mesmo júbilo, com o mesmo entusiasmo.
E tanto Portugal como o Brasil celebram esse dia sob a égide de Camões. E não é sem razão: Camões - disse-o alguém - é a própria legenda da alma lusitana que se revela no seu génio, na sua sensibilidade artística, na sua bravura blindada pela fé no ideal, na sua intuição divinatória do futuro, das sombras que projectam o progresso, como um mito glorioso da nacionalidade, a alma eterna da raça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Camões cantou, em estrofes de ouro, as grandezas de Portugal. Os Lusíadas são o lampadário aceso no altar da Pátria. A luz fulgurante dessa chama surpreende-se, em toda a sua intensidade, a chama do patriotismo que ardia no peito dos valorosos portugueses que dilataram a fé e o império.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Salvando-se a nado de um naufrágio, Camões salvou também o preciosíssimo manuscrito que era a sua única riqueza e com que aportou à índia. Foi da Índia - muito grato me é frisá-lo - que Camões trouxe
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a Lisboa esse manuscrito que, sublimando as glórias do povo português, faria a máxima glória desse mesmo povo.
Não concluirei estas breves e desataviadas palavras sem formular um voto no sentido de que da celebração do Dia da Lusitanidade irradie o sopro apaziguador que, extinguindo os sinistros clarões de dissenções intestinas, renove em todos os portugueses o sentimento de inabalável confiança nos destinos da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta e projectos de lei de alteração à Constituição Política.
Tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Pinto.
O Sr. Afonso Pinto: - Sr. Presidente: a discussão vai larga, mas não direi degenerada, nem direi que ela já começa a cansar a Câmara.
Não. Esta tem-se mostrado vivamente interessada e espero que assim continue até final.
Eu é que entendo dever ser breve, tanto mais que o que tenho a expor bem pode ser dito em poucas palavras.
Isto não quer dizer que o assunto em discussão não me tivesse merecido a atenção devida. Sim. Mereceu.
Estudei-o e, dentro das minhas possibilidades, procurei trazer aqui contribuição modesto, sim, mas, se bem entendo, útil.
No parecer emitido pela Câmara Corporativa sobre a proposta de revisão constitucional apresentada pelo Governo na V Legislatura, proposta que veio a ser convertida na Lei n.º 2048, de 11 de Junho de 1951, pode ler-se o seguinte passo:
Em matéria constitucional as inovações são sempre delicadas. A lei fundamental do Estado deve ser estável para ser respeitada. Sobre ela assenta todo um sistema legislativo, todo um ideário nacional, toda uma doutrina política, todo uni trabalho hermenêutico e jurisprudencial.
Plenamente de acordo.
Tão lúcidas e avisadas palavras soaram-me como expressão perfeita de uma- regra deontológica em matéria de revisão constitucional.
Assim, depois de tomar conhecimento da nova proposta de revisão apresentada pelo Governo e dos projectos de alteração à Constituição apresentados por alguns ilustres membros desta Assembleia, o que tudo agora constitui objecto de discussão na generalidade, devo confessar que senti dever limitar a minha iniciativa, reduzindo-a, como a reduzi, e ainda bem, a um minúsculo projecto, apenas com três artigos, sobre matéria que, em certo modo, me é familiar e que, por isso, deverá diminuir em muito as minhas probabilidades de errar.
Sr. Presidente: por necessidade lógica, por disciplina, mental, a questão que primeiro se me suscitou foi a de tomar perfeita consciência dos objectivos visados pela nossa Constituição Política.
Como sempre me tem acontecido, ao procurar esclarecer-me devidamente sobre este ponto não me faltou a proficiente lição de Salazar.
Com efeito, bastou-me apenas recordar o que já lhe ouvíramos em 1929, nestes termos:
Diante das ruínas morais e materiais acumuladas pelo individualismo revolucionário; diante das tendências de interesse colectivo que aquelas provocaram, por toda a parte, no espírito do nosso tempo; diante das superiores necessidades da Pátria Portuguesa, a reorganização constitucional do Estado tem de basear-se em nacionalismo sólido, prudente, conciliador, que trate de assegurar a coexistência e actividade regular de todos os elementos naturais, tradicionais e progressivos da sociedade. Entre eles devemos especializar a família, a corporação moral e económica, a freguesia e o município. As garantias políticas destes factores primários devem ter a sua consagração na Constituição Portuguesa, de modo que influam directa ou indirectamente na formação dos corpos supremos do Estado. Só assim este será a expressão jurídica da Nação na realidade da sua vida colectiva.
Estas as palavras de Salazar, esta a linha de rumo marcada ao legislador constitucional de 1933.
Perscrutando bem o texto da Constituição não se vê que tal linha de rumo nela não tenha sido seguida, tanto na sua parte I - a programática, de enunciação de princípios basilares -, como na sua parte II - a normativa, da organização política do Estado.
Não me parece que até hoje se tivessem revelado motivos ponderosos para a alteração dos linhas mestras da nossa Constituição Política.
Algumas alterações sofreu já ela desde a sua entrada em vigor; porém, nenhuma delas profunda, substancial, por forma a indicar desvio do rumo apontado.
As que agora estão sujeitas n discussão não se poderá dizer que tenham um sentido diferente, sentido que é e deverá continuar a ser o da completa realização corporativa, pela organização perfeita e acabada da Nação no seu plano natural, respeitando-se «os agrupamentos espontâneos dos homens à volta dos seus interesses ou actividades para os enquadrar no Estado de modo que este quase não seja senão a representação daquela com os órgãos próprios para se realizarem fins colectivos».
Isto pode causar espanto a muitos que nos não conhecem e, por isso, não compreendem a nossa originalidade nesta matéria e a nossa persistência em queremos viver a vida colectiva à nossa maneira, em nossa casa, neste pobre e desorientado mundo de hoje, mundo que já deveria ser todo de Cristo, mas não é culpa, dos homens de altos desígnios de Deus! Podia causar espanto a muitos que nos não compreendem, mas que o tempo virá a esclarecer, como geralmente acontece, com dolorosos e, quantas vezes, trágicos ensinamentos.
Em todo o caso é preferível que nos olhem com espanto s incompreensão do que com desprezo ou irrisão, como por desgraça nossa aconteceu já em tempos de balbúrdia e desgoverno democrático.
Afinal o que nos interessa a nós é sabermos se temos ou não temos razão, se caminhamos para as avenidas do futuro com firmeza, com segurança, com fé e com esperança no engrandecimento da Pátria, no cumprimento da missão civilizadora a que a Providência nos chamou.
A nossa experiência política a partir de 28 de Maio de 1926 afirma, com a eloquência dos factos, contra os quais não pode haver argumentos, que temos razão, que seguimos na rota que nos foi traçada, a bem da Nação.
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Isto não impede que a nossa Constituição Política não tenha de ser revista e corrigida num ou noutro ponto, até de certo relevo e importância.
É precisamente o quê já se tem feito e o que agora nos propomos fazer.
Num ponto capital devemos estar todos de acordo: é que uma das suas mais salientes virtudes é, sem dúvida, a de poder libertar a função governativa do Estado da acção enleante, perturbadora, por vezes até paralisante, e sempre nefasta do partidarismo político que, em nome dos seus mitos ideológicos se arrogava o direito de dirigir de orientar a acção política do Governo, maio em prol do comum, mas dos mesquinhos interesses das facções políticas, portanto, segundo uma divisa de sinal contrário e nossa divisa, que manda fazer tudo pela Nação, nada contra o Nação.
Sim, o fortalecimento do poder político e o respeito pela eminente dignidade da pessoa humana são sem dúvida das maiores virtudes do nosso regime político, que em conformidade com a técnica do direito constitucional moderno, bem se pode classificar de tipo liberal-autoritário.
Digo liberal porque, segundo ele, a organização e os fins do Estado não obedecem a uma preocupação monista de sentido é expressão colectivista e totalitária, mas particularista, no bom sentido corporativo de considerar, e dar voz a todos os interesses dos elementos estruturais da Nação politicamente enquadrados no Estado.
E, digo autoritário porque, mercê de um presidencialismo que já vimos classificar, com felicidade, de bicéfalo, ele atribui ao Presidente do Conselho a direcção e coordenação da política geral do Governo, da actividade de todos os Ministros, que perante ele respondem politicamente, pelos seus actos, respondendo o Presidente do Conselho, por sua vez, só perante o Presidente, da República, que livremente o pode nomear e demitir, bem como aos Ministros, por essa direcção e coordenação da política geral do Governo,- tal como dispõem de artigos 81.º, n.º 1.º, e 108.º da Constituição. Sim, regime liberal-autoritário.
Onde a liberdade e a autoridade encontram o seu equilíbrio estável na ordem, que, como diz Hauriou, é uma força de resistência.
Doutra maneira a liberdade correria o risco de degenerar em licença e a autoridade em despotismo.
Portanto, e liberdade possível e autoridade necessária».
É certo que uma constituição política vale na medida em que se realiza.
Há sempre que contar com as virtudes e os defeitos do factor humano, não só por parte dos governantes, como dos governados.
Mas isto é assim em toda a obra humana.
Vem a propósito focar, agora, um aspecto do nosso caso político sobre o qual, malèvolamente, por parte de oJguns, e de boa féj por parte de outros, se tem estabelecido uma certa confusão.
Já por vezes temos ouvido formular esta inquietante pergunta:
O que se considera virtudes do Estado Novo não será apenas a projecção do talento político de Salazar?
Respondo, sem hesitação nem dúvida, com as palavras seguintes, tão lúcidas como convincentes, palavras que não são minhas e a que emprestam autoridade e brilho o talento de um grande mestre de Direito Publicou- o professor Marcelo Caetano: Vale a pena recordá-las:
Eu creio que a gigantesca personalidade de Salazar, longe de ser um perigo para o futuro do regime, é e será sempre um património moral inestimável de que devemos orgulharmo-nos e que em todos os tempos há-de representar para os seus continuadores a mais nobre e eloquente das lições e o mais estimulante e fecundo dos exemplos: A continuação do. Estado Novo para além de Salazar não constitui problema, justamente porque existe a sua doutrina e a sua obra, doutrina e obra que lançaram as bases sólidas de um sistema e que educaram já toda uma geração. E no dia - que Deus permita venha longe - em que os desígnios de Deus impuserem que outro homem tome o seu lugar tenho a firme esperança de que o Estado Novo se manterá sem custo no rumo traçado, desde que os nacionalistas portugueses, fiéis à inapreciável orientação recebida durante tantos anos de governo da inteligência, sejam capazes nessas horas, necessariamente críticas, de praticar três virtudes pessoais e políticas: união, serenidade e juízo!
Neste ponto é que os nacionalistas, conscientes das nossas responsabilidades, deveriam estar inteiramente de acordo.
Sr. Presidente: passo agora à segunda parte desta minha intervenção no debate na generalidade.
Sem querer minimizar nenhum dos projectos em discussão, com os quais em certos pontos concordo, e alguns dos quais já tive o prazer de ver aqui defendidos pelos seus autores com toda a proficiência, elegância e brilho, abstenho-me de os apreciar neste momento, pois isso levar-me-ia muito longe e prometi ser breve.
Limito-me a dizer que lhes dou o meu voto na generalidade.
Há, porém, dois pontos, que reputo essenciais, na proposta do Governo que merecem uma especial referência.
Trata-se do sistema de eleição do Presidente da República e da substituição da província pelo distrito como autarquia local.
Sr. Presidente: mercê de circunstâncias históricas de todos nós bem conhecidas, o ordenamento político-jurídico da Nação Portuguesa pode traduzir-se esquematicamente assim: instituições republicanas, sistema simplesmente representativo e regime liberal autoritário de feição corporativa.
Seja qual for o meu pensamento teorético no campo da filosofia política do Estado e as minhas razões históricas radicadas numa tradição secular no que respeita a instituições políticas, entendo que, como membro desta Assembleia, isto é, como representante, embora dos mais modestos, daqueles que me elegeram não posso nem devo fechar os olhos à realidade política do actual momento histórico.
O Chefe do Estado é o Presidente da República, eleito pela Nação, representada por um colégio eleitoral.
Se não posso admitir a indiferença daqueles para quem votar representa não só o exercício de um direito, mas também o indeclinável cumprimento de um dever, perante um facto de tanta transcendência política como é a eleição do Chefe de Estado, primeiro órgão da soberania e verdadeiro fecho de abóbada da nossa construção política, muito menos poderia admitir o meu alheamento, agora, em face de uma proposta tendente a modificar a formação do colégio eleitoral que terá, na altura própria, de eleger o Chefe do Estado. ,
Na verdade, o que a todos os portugueses interessa neste caso é o acerto na eleição e a autenticidade do acto eleitoral.
Nesta conformidade, à minha consciência política não se põe, no presente momento, outro problema que não seja este: qual o melhor processo eleitoral ou, antes, o menos imperfeito para legitimar o poder político do Chefe do Estado?
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Não será por meio de uma eleição por sufrágio indirecto e orgânico que traduza, tanto quanto possível, a vontade de todos os elementos estruturais da Nação real e assegure as maiores probabilidades de acertar na escolha do homem capaz de nos governar com prudência e, podendo ser, do homem que possua em anais alto nível essas qualidades médias que Salazar enumera mima página clássica e memorável sobre as virtudes de um chefe do Estado ou será por uma eleição com sufrágio directo, universal e inorgânico, precedida, necessariamente, de uma campanha eleitoral, que, como a experiência nos tem mostrado, em nada esclarece e elucida o eleitorado, antes o confunde e desorienta no clima emocional que sempre cria ?
A minha resposta a estas perguntas não pode ser senão de inteira concordância com o sistema eleitoral da proposta do Governo agora em discussão.
Na verdade, o processo mais eficiente para a representação da vontade nacional parece-me bem que será aquele em que o colégio eleitoral seja constituído por membros desta Assembleia, como representantes legítimos de interesses gerais da Nação, pelos membros da Câmara Corporativa, em representação de interesses pluralistas, diferenciados e organizados de ordem económica,, social, cultural e espiritual, e ainda pelos representantes dos interesses das famílias e das autarquias locais, eleitos nos termos que constam da aludida proposta do Governo.
Não sei se haverá ainda quem sinceramente e de boa fé possa sustentar que é mais seguro e eficaz escolher no meio do tumulto, da barafunda, e da confusão do que numa atmosfera de paz, de serenidade e de reflexão um Chefe de Estado.
A despeito de todos os males que todos já conhecemos, graças a Deus, temos sabido escolher entre candidatos de sinal contrário o homem prudente para nos governar.
E a verdade também é que a eleição pelo sufrágio directo do cidadão eleitor, no caso em análise, é manifestamente incompatível com os princípios orientadores da nossa organização política de Estado Corporativo.
Quanto à proposta de substituição da província pelo distrito como autarquia local, creio, em face da experiência feita e das razões invocadas no parecer da Câmara Corporativa, que tal proposta é também de aprovar.
Sr. Presidente: entro agora propriamente na justificação do meu projecto.
A Câmara Corporativa considera que os dois pontos a que ele se restringe - a garantia da fiscalização jurisdicional da legalidade da Administração e a garantia da fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das normas jurídicas - são dignos, pelo seu relevo, de constituírem objecto de um projecto de revisão constitucional.
Também disso me convenci. Confesso que me surpreendeu que a Câmara (Corporativa o desaprovasse totalmente, sem ao menos sugerir qualquer emenda que julgasse conveniente.
Como se trata de um assunto estritamente jurídico, não me dispenso de fazer as definições de alguns conceitos fundamentais para a demonstração do mexi ponto de vista e melhor esclarecimento da Assembleia, a quem peço desculpa desde já pela aridez com que certamente tratarei deste assunto. Mas, no entanto, e para não maçar, esforçar-me-ei por ser tanto quanto possível breve e preciso.
A Constituição, no seu artigo 4.º, impõe como um dos limites à soberania do Estado, na ordem interna-o direito.
E por direito devemos entender aqui não só o positivo, que o Estado cria, mas também o natural, que lhe é anterior e superior.
Segundo o n.º 1.º do artigo 6.º, «incumbe ao Estado promover a unidade e estabelecer a ordem jurídica da Nação, definindo s fazendo respeitar os direitos e garantias impostos pela moral, pela justiça ou pela lei, em favor dos indivíduos, das famílias, das autarquias locais e das outras pessoas colectivas públicas ou privadas».
Daqui se infere desde já que o Estado Português é um verdadeiro estado de direito, não no sentido da fórmula de Kant, para quem o Estado tinha como fim exclusivo a custódia do direito - custos justi -, mas no sentido de que ele se subordina ao direito, deve operar fundado no direito e na forma do direito, de modo que cada um dos actos que pratique tenha por fundamento a lei.
Na verdade, o Estado é um organismo activo, que para a realização dos seus fins essenciais, que são a justiça, a segurança e o bem comum da colectividade, por forma a consubstanciá-los na ordem, que é; afinal, a harmonia de todos os elementos estruturais da Nação, tem, necessariamente, de desenvolver uma certa actividade, que se traduz em funções diferentes dos órgãos que o constituem: a função governativa, a função judicial e a função administrativa.
A função governativa, segundo a doutrina que adoptamos, por nos parecer a mais consentânea com as realidades políticas e jurídicas do Estado Português, - consiste na actividade dos órgãos superiores do Estado - Presidente da República, Governo e Assembleia Nacional, esta apenas quanto à sua actividade legislativa, visto que legislar é já, em certa maneira, governar -, os quais livremente definem as normas do direito positivo, fixam os objectivos a atingir pelo poder político de harmonia com as circunstâncias e escolhem os meios a utilizar para a realização de tais objectivos. (Vide Prof. Marcelo Caetano, Lições de Direito Constitucional, p. 123.).
A função judicial é a que exercem os tribunais como órgãos da soberania e tem por fim, essencialmente, declarar o direito certo e aplicá-lo aos casos concretos.
A função administrativa é a que agora mais nos interessa focar para a justificação do ponto que considero de real importância do meu projecto, isto é, o da garantia da fiscalização jurisdicional da legalidade da Administração - traduz-se em certa actividade dos órgãos ou agentes da Administração, actividade essa que consiste em promover a realização de interesses colectivos, os quais, por vezes, a interferirem com os interesses dos particulares.
Esta interferência pode originar conflitos e suscitar litígios, nos quais a Administração aparece em pé de igualdade com os particulares, o que já não acontece com os actos do Governo no exercício da função governativa, em que a vontade é autodeterminada.
Esses litígios são decididos por um órgão com poderes jurisdicionais, ou seja, entre nós, por um tribunal do contencioso administrativo.
E tudo isto acontece em virtude de quê?
Em virtude do chamado - princípio da legalidade, hoje dominante no direito administrativo e corolário do conceito de estado de direito.
Este princípio, cuja definição se deve ao eminente jurisconsulto francês Léon Duguit, consiste no seguinte:
a) No estado de direito nenhum agente do poder público poderá tomar decisões que interfiram com interesses alheios de indivíduos ou grupos senão em virtude de uma norma jurídica anterior e em conformidade com o comando dessa norma;
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b) Para que exista num país um estado de direito é necessário que nele exista também nina alta jurisdição que reúna todos os requisitos de independência, de imparcialidade e de competência perante a qual possa ser interposto recurso de anulação das decisões tomadas com infracção da lei e ofensivas dos direitos dos particulares que a mesma lei garante e protege.
O princípio da legalidade acha-se consagrado no nosso ordenamento jurídico em algumas leis ordinárias e infere-se do disposto nos já citados artigos 4.º e 6.º, n.º 1.º, da Constituição.
A garantia contenciosa jurisdicional ria fiscalização d« legalidade da Administração acha-se consignada na última parte do n.º 4.º do artigo 104.º da Constituição, onde se diz que compete ao Governo «superintender no conjunto da administração pública, fazendo executar os Leis e resoluções da Assembleia Nacional, fiscalizando superiormente os actos dos corpos administrativos e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e praticando todos os actos respeitantes à nomeação, transferência, exoneração, reforma, aposentação, demissão ou reintegração do funcionalismo civil ou militar com ressalva para os interessados do recurso aos tribunais competentes».
Mas tem-se entendido, e a meu ver bem, que a garantia contenciosa da fiscalização da, legalidade dos actos da Administração, que aflora na última parte do preceito que acabamos de reproduzir, se deve considerar restringida neste preceito constitucional só aos actos nele especificados de «nomeação, transferência, exoneração, reforma, aposentação, demissão ou reintegração do funcionalismo civil ou militar».
A sujeição ao recurso para o tribunal competente apenas dos autos administrativos que acabamos de referir e a omissão quanto aos restantes nesse texto constitucional, a não representar um simples lapso, não me parece que tenha justificação possível, em face do princípio da legalidade, tal como o enunciámos.
Mas o que há de mais grave é que tal omissão não só torna possível s irremediável o arbítrio na prática de certos actos administrativos por parte dos agentes da Administração, desde que tais actos se achem subtraídos à apreciação contenciosa por leis especiais, como acontece em alguns casos; como ainda pode dar lugar a suspeições injustas, quo facilmente seriam dissipadas pela acção jurisdicional do tribunal competente, acção essa de que só pode resultar benefício, tanto para os particulares, ofendidos nos seus legítimos interesses, como para o prestígio da Administração.
A esse grave inconveniente, a essa falta de garantia eficaz do princípio da legalidade poderá obviar-se com a inclusão na nossa lei fundamental, a primeira na hierarquia das leis, de um preceito geral como o que propus no artigo 2.º do meu projecto, nestes termos:
Todos os actos de conteúdo essencialmente administrativo, definitivo s executório dos órgãos da administração pública são susceptíveis de apreciação contenciosa.
Ora, sendo assim, todas as leis que contrariarem a disposição que nesse artigo 2.º se propõe serão declaradas inconstitucionais e inaplicáveis nos feitos submetidos a julgamento, em conformidade com o disposto no corpo do artigo 123.º da Constituição.
Ainda, para maior eficácia da fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das leis, propus também uma alteração, no artigo 3.º do meu projecto, do citado artigo 123.º
Porém, como esse artigo 3.º, por lapsus calami, não traduz perfeitamente o pensamento que eu lhe quis emprestar, necessita de ser emendado, e para isso apresentarei oportunamente um projecto nesse sentido, por forma a significar que o meu intento é consignar no texto constitucional, expressamente, que as decisões sobre a fiscalização da constitucionalidade das leis deverão ser sempre susceptíveis de recurso até ao Supremo Tribunal, que tanto poderá ser o Supremo Tribunal Administrativo, como o Supremo Tribunal de Justiça, como o Supremo Tribunal Militar, de harmonia com o foro competente para o julgamento dos casos concretos que lhes estejam afectos.
A Câmara Corporativa achou por bem não recomendar n aprovação do meu projecto, como já disse, e fê-lo com base em argumentos que, com o devido respeito, me parecem absolutamente destituídos de consistência e de razão, portanto com argumentos que não lograram convencer-me.
Mas reservo para a discussão do meu projecto na especialidade a apreciação desses argumentos, pois entendo que então, e de harmonia com o Regimento, será o momento mais oportuno.
E agora que reconheço que, afinal, não fui tão breve nas minhas considerações como prometera logo ao iniciá-las, só me resta pedir desculpa a V. Exa. Sr. Presidente e aos ilustres colegas que tiveram a paciente benevolência de me ouvirem.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Franco Falcão: - Sr. Presidente: no pleno uso das liberdades e poderes constitucionais, está em discussão nesta Câmara o diploma primacial e básico que disciplina, define, consubstancia e estrutura toda a vida política nacional.
Não está em causa o estabelecimento de uma nova ordem constitucional, nem se trata de discussão que envolva alterações profundas na orgânica instituída.
Apenas se propõe, como medida renovadora, a adopção de métodos e sistemas que melhor se harmonizem com os acontecimentos e as realidades presentes, por forma a acautelar-se a dignidade directiva suprema, a manutenção dos princípios institucionais e o respeito pelos direitos, garantias e tranquilidade dos cidadãos.
É esta, sem dúvida, a grande razão de ética política, imposta em nome do prestígio do regime, do bem-estar da Nação s do bom e honrado nome de Portugal.
No que se refere à questão de saber se a presente Assembleia tinha originariamente poderes constituintes ou se apenas os adquiriu por virtude de antecipação deliberaria, é problema de pura interpretação, que me merece, aliás, o maior respeito, mas que em nada afecta a posição tomada, nem tão-pouco os propósitos visados.
Por isso relego o assunto paru os consagrados cultores do direito constitucional, sem, todavia, ter deixado de formar o meu juízo pessoal e íntimo, dominado pêlo enlevo e pela paixão da ciência jurídica, da qual tenho feito devotada profissão e que tem absorvido grande parte da minha vida.
Sr. Presidente: não quero deixar de prestar o meu depoimento nesta causa nacional e de transcendente expectativa, em que se pretendem ajustar as bases normativas do estatuto político fundamental à lição colhida dos factos e às concepções da orgânica corporativa da Nação e do Estado.
Serei, todavia, breve nas minhas considerações.
Poucas palavras, apenas as necessárias para, com a aconselhável ponderação e a indispensável objecti-
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vida de, apreciar os factos da presente conjuntura, dominado por ideais firmemente estruturados nos princípios basilares da justiça, com vista à plena satisfação do bem comum.
Não está neste momento em jogo n questão do regime, e por isso entendo que a nenhum português de boa fé é lícito negar a sua leal colaboração à actual situação política, por ser aquela que na sua feição evolutiva mais se aproxima das leis naturais, dos fundamentos históricos s da tradição ido povo português.
A forma de organização política do Estado tem sido inspirada por ditames da razão humana,, por indiscutíveis factores morais e por fortes impulsos de valorização nacional, que garantem o prestígio e a continuidade da Administração.
Se, como escreveu Salazar, «a Constituição de 1933 representa um estádio da evolução, mas não a solução definitiva», não resta dúvida que as alterações agora propostas se enquadram dentro daquele pensamento, embora não atinjam ainda, do meu ponto de vista pessoal, aquele grau de perfeição que corresponda a uma solução definitiva do problema político português.
O Estado Novo, baseado nos princípios da unidade e da autoridade, tem-se revelado exuberantemente capaz e forte, no aspecto material e doutrinário, impondo sem violências, mas antes no pleno conhecimento da educação cívica, o respeito pelas manifestações naturais, tradicionais, sociais, religiosas, jurídicas e morais da Nação.
A eficiência da continuidade governativa única relevante para assegurar o progresso e a tranquilidade dos povos, tem sido entre nós uma verdade insofismável, demonstrada por Salazar, essa figura prestigiosa e genial de estadista que, sacrificando a saúde e arriscando a vida, tem sabido reintegrar a Pátria na realidade histórica dos seus gloriosos destinos, para, sem olhar os ódios nem traições, a apresentar ao Mundo como um modelo de paz, de ordem e de prosperidade.
Por isso nunca lhe neguei, nem nego, a minha modesta, mas sincera, leal e dedicada colaboração.
Se algumas vezes tenho manifestado no seio desta Câmara discordância, insatisfação ou descontentamento perante certos factos ou directrizes da Administração, nunca me deixei sugestionar por baixos intuitos derrotistas ou simples propósitos especulativos, mas antes me domina sempre a preocupação inflexível de informar, de esclarecer e de colaborar honesta e construtivamente na grande obra de renovação nacional realizada por esse homem que há trinta anos, sem medir canseiras nem sacrificas, se consagra inteiramente ao serviço do País.
Por isso lhe é devida não só uma leal, firme e desinteressada colaboração, mas também o mais sincero afecto e carinho e o mais inconfundível dever de gratidão e de profundo reconhecimento.
Nem mesmo quando, em pleno desabafo de consciência e sob o influxo de um mandato que a Nação honrosamente me confiou, tenho por vezes de solicitar justiça, censurar iniquidades ou discordar de certos actos da governação deixei de estar um só momento com Salazar e a sua obra - duas grandes e eloquentes realidades, que nem o tempo, nem o espaço, nem a maldade humana conseguem desvirtuar, pois se radicaram no coração dos portugueses e se identificaram aos olhos do Mundo como verdades inseparáveis, constituindo fecundo exemplo de tenacidade e motivo de inconfundível orgulho nacional.
No momento em que muitos povos se esforçam desesperadamente em busca de solução para os seus problemas de governo, nota-se com satisfação e redobrada confiança que entre nós se respira um ambiente de tranquilidade, ordem e progresso propício à votação e execução de grandiosos planos de fomento, que permitem reformar a vida social e económica do País.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não podemos continuar a viver indiferentes à dureza inexorável das «leis naturais», nem tão-pouco devemos permanecer indecisos ou apáticos perante as realidades da vida e os acontecimentos de um mundo em constante ebulição.
Temos de estar vigilantes, com os olhos postos no futuro, para que o presente se não perca e o passado se não negue! ....
Isto porque, «com Salazar ou para além de Salazar», os espíritos têm de manter-se iluminados pelo facho resplandecente dos mais elevados desígnios de salvação nacional e inspirados pelos mais puros sentimentos de adoração a Deus, de amor pela Pátria e de respeito pela família.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o movimento constitucional português reporta-se a 18.17, data em que se esboçam as primeiras tentativas para a introdução no nosso país do regime baseado no estatuto escrito da forma de Governo.
A reacção então exercida contra as associações revolucionárias que pretendiam introduzir na nossa nacionalidade um novo período político, com a instituição do regime constitucional, deu origem a que, vítima do erro e da alucinação, Gomes Freire de Andrade fosse alvo das maiores injúrias e sofresse morte infamante na esplanada da Torre de S. Julião da Barra.
O regime, constitucional só conseguiu todavia, triunfou com a revolução liberal de 1820, de cujo movimento surgiu a primeira Constituição Portuguesa, de 23 de Setembro de 1822.
Esta teve como principais fontes a Constituição Espanhola de 1811 e as constituições revolucionárias francesas, pois foi através da França que se expandiu todo o movimento constitucional europeu, importado de Inglaterra.
Mas, porque toda a constituição política é por definição «a lei ou diploma donde consta a organização política dos estados representativos modernos», a sua vida está necessariamente vinculada às diferentes reacções de ordem política, ao natural evoluir das instituições e às prementes exigências das condições sociais.
Deste modo, ao nosso primeiro estatuto fundamental outros se seguiram, nomeadamente a Carta Constitucional de 1826, a Constituição de 1838 e subsequentes Actos Adicionais de 1852, 1885 e 1896, tendo ainda sido apresentada em 1900 uma proposta de Reforma Constitucional, que não chegou a ser votada.
Com a mudança do regime, aparece em 1911 a primeira Constituição republicana e, finalmente, em 1933 é aprovada a Constituição actualmente em vigor, que, sendo do tipo das «leis constitucionais rígidas», não pode ser alterada ou revogada senão por forma especialmente estabelecida, sendo ainda feridas de inconstitucionalidade todas as normas legislativas que contra riem as suas disposições de carácter geral ou especial.
O processo de revisão constitucional encontra-se regulado nos artigos 176.º e 177.º, e foi justamente ao abrigo do estatuído naquela primeira disposição que u Assembleia deliberou assumir poderes para proceder à revisão da Constituição Política Portuguesa.
Seria fastidioso trabalho e constituiria evidente abuso, que não se coadunava com as normas de cortesia que são devidas a V. Exa. e à Câmara, apreciar separadamente cada uma das propostas de revisão apresentadas, e por isso apenas me deterei na apreciação sumária da proposta governamental, sem deixar, toda-
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via, de isoladamente fazer referência especificada a uma ou outra proposta que, pelo seu conteúdo ou doutrinação, mais fortemente possa fazer vibrar os meus sentimentos políticos, religiosos, sociais ou morais.
No que se refere propriamente à proposta de alteração apresentada pelo Governo, a parte certos aditamentos ou substituições de limitado valor técnico-político, verifica-se uma profunda e benéfica modificação no que se refere ao processo da eleição do Chefe do Estado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se atentarmos serenamente nos riscos que. poderiam advir para o País do arrebatamento provocado pelas últimas eleições presidenciais e nas labaredas de ódios e de provocações que com o ferrete sanguinário da luta pelo poder nos perturbaram o sossego no trabalho, feriram no nosso prestígio interno e beliscaram no conceito internacional, poderemos concluir que os propósitos de alteração do processo de eleição do Chefe do Estado constituem o motivo determinante da revisão constitucional.
Assim, ao sistema de eleição directa, pela Nação, instituídos inicialmente pela Constituição Política, de 1933, volta-se novamente no tipo 'de eleição indirecta, consagrado na Constituição de 1911.
Simplesmente, a eleição, que no domínio das plenas liberdades republicanas e demo-liberais, instituídas em 1910, ficava, circunscrita apenas às duas Câmaras, passou agora a estar confiada a um colégio eleitoral, constituído pelos membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa e ainda pelos representantes municipais de cada distrito da metrópole e das províncias ultramarinas.
Quero crer, e salvo sempre melhor opinião, que talvez se tenha ido além do que seria aconselhável e prudente, pois fácil será deslocar o fulcro 'das paixões políticas para os órgãos municipais, transformando-os em possíveis centros de lutas partidárias ou de conjura política, tirando assim à eleição do Chefe do Estado aquele clima de unidade, lealdade, paz e respeito indispensável ao prestígio da função, ao fortalecimento da consciência cívica e ao progresso social, espiritual e moral do País.
Para que a actuação do município nas eleições presidenciais se revestisse da necessária projecção bastaria, sem dúvida, e seria mais conveniente que na constituição da Câmara Corporativa se fixasse uma mais larga representação dos órgãos da administração municipal. . .
Essa representação, para que fosse mais amplamente expressiva, nos seus objectivos e significado, deveria tornar-se extensiva aos próprios órgãos da administração paroquial, tal como se encontram definidos nos artigos 196." e seguintes do Código Administrativo.
Deste modo preservava-se a vida de cada região do contágio de focos emocionais de excitação política, defendendo-a ainda do ressurgimento do já ultrapassado caciquismo, por forma que numa representação orgânica e disciplinada pudesse estar sempre bem patente a. conformidade de sentimentos, a serenidade e o revigoramento da vida portuguesa, no plano regional.
Na conquista do grau supremo da governação, o Chefe do Estado deve ser elevado à sua alta dignidade sem tumultos, sem divisões e sem reservas, mas antes tem de ser o símbolo vivo de uma saudável consciência nacional que o apresente ao País como sendo o indiscutível e respeitado chefe de todos os portugueses.
A eleição feita apenas pela Assembleia Nacional e pela Câmara Corporativa não conduziria «a pôr abertamente a autoridade do Presidente da República na dependência das Câmaras», como se afirma no douto parecer formulado na proposta de lei em discussão.
Isto porque as simples razões de facto não podem sobrepor-se aos imperativos da norma jurídica, na qual se definem obrigações e se fixam os correspondentes direitos, se esclarecem poderes e se separam atribuições.
A intervenção do município na constituição do colégio eleitoral para a eleição do Chefe do Estado só posso interpretá-la como anúncio de uma nova era de renovação municipal, uma vez que a sua representação já estava assegurada, conjuntamente com a dos organismos corporativos e de coordenação económica, através da própria Câmara Corporativa.
Oxalá que a prova de consideração agora outorgada aos municípios não seja apenas de carácter eleiçoeiro, mas antes se traduza no desejo de reintegrar a vida municipal na sua grandeza histórica, concedendo-se aos municípios o seu tradicional valor e autoridade e a conveniente autonomia administrativa e financeira, indispensáveis ao exercício da sua premente missão de progresso regional e de bem-estar das populações na tarefa ingente de bem servirem os sagrados interesses da grei.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Muito bem!
O Orador: - A ter de optar-se por um dos sistemas genéricos de sufrágio - directo ou indirecto -, é preferível este último, pois coloca a Nação à margem da intranquilidade e da desordem eleitoral.
Por outro lado, ao mesmo tempo que se preserva a figura do mais alto magistrado de todas as injúrias e especulações, revestindo-a da imprescindível dignidade e respeito; criam-se para os Portugueses as favoráveis condições de paz social, prosperidade e segurança, por forma a manterem-se íntegros os sentimentos de unidade e de solidariedade à volta do chefe supremo da Nação.
É que o Chefe do Estado tem de ser o traço de união entre todos os portugueses, s (por isso a sua eleição não pode nem deve servir de motivo a discórdias, rancores e desconfianças entre irmãos da mesma pátria.
De resto, a eleição feita pelas duas Gamaras exprime a verdadeira vontade do povo, pois delas fazem parte os seus legítimos representantes e nelas encontram assento os organismos corporativos, os órgãos de natureza económica, social e regional e as mais diversas associações do povo e para o povo.
A personalidade do chefe supremo da Nação deve pairar acima dos simples caprichos ou das paixões terrenas dos homens e tem de estar sempre defendida dos erros e das corrupções inerentes ao joguete alucinante do sufrágio universal.
O processo agora sugerido para a eleição presidencial virá trazer a esta Câmara maiores responsabilidades e dar-lhe novos motivos para que a sua acção seja cada vez mais vasta e prestigiada, na defesa dos superiores interesses nacionais.
No entanto, o valor e o mérito desta- Câmara dependerão estruturalmente da amplitude com que possa exercer as suas atribuições fundamentais, de carácter legislativo e fiscaliza dor, sem todavia deixar de ter presente que não parece aconselhável que toda a acção governativa e a própria vida do Governo fiquem condicionadas e na plena dependência do Parlamento.
Por outro lado, a importância política e social desta Assembleia resultará ainda da solicitude com que o Governo atender ou der deferimento as sugestões, às súplicas e às solicitações aqui trazidos, com a maior honestidade, pelos seus membros, no exercício de uma nobre missão, que o seu eleitorado, confiante e espe-
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rançoso, lhe transmitiu, para identificação e resolução dos seus problemas vitais.
A voz que tantas vezes ecoa dentro desta magnífica sala exprime, na maioria dos casos, os queixumes, as alegrias, as tristezas e os legítimos anseios de prosperidade de todos os portugueses, que, irmanados pelos mesmos nobilitantes instintos de elevação nacional, reclamam mais pão e mais trabalho, mais água, mais electricidade, mais e melhores estradas, mais conforto e mais pronta assistência na doença, numa palavra, mais favoráveis e humanas condições de vida. Pode assim afirmar-se com acertada propriedade que a voz que vibra nesta veneranda Assembleia é, no seu mais puro e transcendente significado, a própria voz da Nação.
É aqui que se esquecem interesses pessoais, que se abandonam comodismos, que se gastam energias e que se vivem emoções sem outro objectivo que não seja o do pensamento constante de que Portugal continue a trilhar, cada vez mais engrandecido e vivificado, as rota» gloriosas dos seus seculares destinos.
Para que a Nação possa prosperar e se mantenha íntegro o respeito entre governantes e governados ó necessário fortalecer cada vez mais o espírito de cooperação entre o Chefe do Estado, a Assembleia Nacional e o Governo, que, sendo 09 órgãos governativos da soberania nacional, têm de dar inequívoco exemplo de força, de unidade, de deferência e de mútua consideração.
É dentro destes princípios básicos que tem de consolidar-se toda a estrutura do Estado e a sua indispensável autoridade para que, no exercício da delicada missão de encarar as realidades do presente, possa, com os olhos postos nas grandes lições do passado, enfrentar as difíceis, perspectivas do futuro. Afastado-o processo do sufrágio directo para a escolha dó Chefe do Estado, fica, no- entanto, ainda a subsistir, como sistema de ordem constitucional, na eleição para Deputados.
Mantém-se assim o princípio tradicional consignado nas Constituições monárquicas de 1822 e 1838.
O sistema de sufrágio directo para escolha do Chefe de Estado, além de não garantir a estabilidade do poder e de se revestir dos mais inesperados inconvenientes, é, todavia, aceitável no recrutamento dos membros da Assembleia Nacional, pois neste campo não me parece que ofereça perigos políticos imediatos, nem tão-pouco pode afectar s comprometer a estrutura orgânica ou provocar surpresas na «organização política do Estado».
O que se impõe e é fundamental para que o processo se não desacredite e as garantias constitucionais dos cidadãos nào hajam de ser limitadas, em nome da tranquilidade pública, é que os espíritos se mantenham à margem de paixões ou de grosseiros arrebatamentos. Torna-se, ainda imperioso que, no caso de luta, os presumíveis adversários saibam encarar, com honra e dignidade, a sua sorte e que, numa modelar actuação de compostura e civismo, não fique a perdurar nos espíritos o rancor, a maldade e a aversão.
É preciso que no coração de todos os portugueses se acolham os mais límpidos sentimentos de solidariedade e o desejo veemente de bem servirem a Nação e que na sua alma se fortaleça cada vez mais o conceito real e histórico de que o «território nacional é uno, indivisível e inalienável», fazendo pairar acima das simples paixões ou ressentimentos pessoais a preocupação constante de valorizar ê engrandecer Portugal e de manter íntegro o seu nome glorioso e a sua grande projecção e prestígio no Mundo.
É, sem dúvida, através da imprensa e dos comunicados oficiais - que não envolvam «segredo de Estado» ou causem precipitado alarme - que a opinião pública tem de ser mais conveniente e prontamente esclarecida. As faltas de honestidade, os atropelos na Administração ou a prática de actos ilícitos requerem esclarecimento imediato, para que à sua volta se não propalem as mais discordantes conjecturas e os profissionais da anedota do café a- copo não especulem, lançando a desorientação, injectando o veneno e espalhando o erro e a confusão.
As informações oportunas e os comunicados oficiais claros, precisos e imediatos constituem a melhor arma contra os boateiros, que, vivendo da intriga e da mentira, de tudo fie servem para atingirem a honra e a reputação de pessoas de bem; para lançarem a confusão nos espíritos e envenenarem as almas, e para darem largas aos seus falsos propósitos de baixa política, atentando contra a integridade do adversário e comprometendo tendenciosamente as relações de cortezia e amizade entre Portugal e outros países tradicionalmente irmãos e amigos.
Uma mais ampla liberdade de pensamento e de expressão, devidamente acautelada contra a perversão da opinião pública, parece-me revestir-se de oportuna utilidade, o bem da pureza e da dignidade da Administração.
Abram-se as portas de par em par à crítica construtiva e ao esclarecimento conveniente da vida nacional, mas fechem-se as pôr-tas e cerrem-se os grades nos desenfreados profissionais da má-língua e a todos aqueles que, não tendo respeito por si próprios, investem contra a honra e a consideração do seu semelhante e renegam vergonhosamente os laços sagrados da Pátria.
Podemos confiar na imprensa portuguesa, que, ciente da sua alta missão e do mais devotado portuguesismo, é a primeira a reagir quando sente que a traição e a subversão rondam as muralhas imaculadas da Casa Lusitana.
Por isso quero aproveitar esta oportunidade para prestar as minhas melhores homenagens a esses incansáveis trabalhadores do espírito, que, com o valor e o esforço das suas crónicas e reportagens, esclarecem, informam e elucidam s opinião pública através da imprensa, da rádio e da televisão, três valiosos instrumentos de divulgação e ensino, que, de uma forma geral, tão brilhantemente têm sabido cumprir com os seus deveres de ordem patriótica, educativa, cultural, informativa, regional e cívica.
Se a política do Estado se baseia indiscutivelmente na verdade, na moral e no direito, é preciso que a verdade se não esconda para que a moral se não avilte e o direito se não entorte ...
Sr. Presidente: o projecto de lei n.º 23, de alteração à Constituição, apresentado por um grupo de distintos Srs. Deputados, à frente dos quais se encontra o nome ilustre do nosso inteligente, dinâmico s qualificado colega Sr. Deputado Carlos Moreira, parece conter princípios que bem se coadunam com as breves considerações que deixo expostas e, por tal motivo, não podia deixar de manifestar-lhe a minha natural simpatia.
No entanto, onde o projecto sub judice mais fortemente conseguiu despertar a minha sensibilidade foi na intenção nobre e desassombrada com que pretende fazer preceder a Constituição Portuguesa de um preâmbulo invocativo do Santo Nome de Deus.
A ausência do nome de Deus na Constituição Política de um povo cuja existência, crescimento e obras valorosas são fruto da misericórdia e dos favores da Divina Providência representa sacrilégio e ingratidão para com Aquele que, sob a protecção da Sua Cruz, nos concedeu a nacionalidade, nos tornou independentes e nos tem mantido livres, nos livrou dos
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tormentos e suplícios da última guerra e nos tem defendido compadecidamente de todos os males que avassalam e atormentam a humanidade.
A rejeição de um preâmbulo que, pelo seu expressivo e elevado significado, encerra uma superior afirmação de lealdade e de fé parece negar todo o nosso passado ao serviço do cristianismo, esquece as edificantes garantias de liberdade e exaltação da Igreja contemporânea e fere dolorosamente a própria consciência católica da Nação.
Ora, se o preâmbulo em causa mais não seria do que suma verdadeira ficção», teríamos de admitir que todas as alterações, emendas ou adicionamentos introduzidos ou a introduzir, na «lei fundamental» mais não seriam também do que simples simulações ou artifícios.
Isto porque o projectado preâmbulo é, na sua essência, um autêntico e corajoso adicionamento prefácio, que em nada forçaria as consciências à correspondente aprovação, pois apenas viria dar mais força e maior luminosidade à doutrina social da Igreja, aprovada pelo plebiscito de 1933 e consagrada na Constituição Portuguesa, que reconhece como limites da soberania na ordem interna «a moral e o direito».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ora a «moral», a que a «lei básica» faz referência em várias das suas disposições, é, sem sombra de dúvida, a «moral cristã tradicional do País», como lucidamente esclarece o seu artigo 43.º, § 3.º
Portanto, a invocação do nome de Deus no pórtico da Constituição corresponde em absoluto aos conceitos enunciados, harmoniza-se perfeitamente com a concepção católica constitucional e impõe-se como vibrante reafirmação de fé no momento em que Fátima se transformou nesse maravilhoso saltar do Mundo», mensageiro universal da religiosidade e baluarte sacrossanto da lei de Deus e da civilização cristã.
No momento ainda em que a própria Mãe de Deus, «ainda da Cova da Iria, foi juntar-se a Seu Amantíssimo Filho, para que Portugal católico, frente aos braços abertos do Redentor, pudesse testemunhar todo o seu grande amor e eterno reconhecimento, na satisfação de um solene voto a Cristo-Rei, e para que numa apoteótica concentração da maior grandeza espiritual os Portugueses pudessem sentir e viver com redobrada fé o momento sublime e inolvidável da consagração do País aos Sagrados Corações de Jesus e Maria.
Ali, numa colina de Almada, sobranceira a esse maravilhoso Tejo, donde partiram as naus e as caravelas, dilatando a fé e espalhando por todos os continentes a palavra do Evangelho, a Igreja e o Estado, de mãos dadas, deram uma prova insofismável da sua vitalidade e espírito de coesão, confundidos nos mesmos ideais do amor e do bem e envoltos na certeza de que Portugal se tornou grande em bravuras e descobrimentos, sob a protecção da Cruz de Cristo, e que, inspirado pelo poder omnisciente dessa mesma Cruz, constrói as bases do presente com os olhos postos no futuro, na salvaguarda das liberdades básicas e dos valores tradicionais, contribuindo assim com o seu exemplo vivificante para a conquista de dias mais felizes e tranquilizadores para o Mundo inquieto e perturbado.
São estas as grandes e indiscutíveis realidades dos nossos dias.
Se a invocação do nome de Deus não esteve na lembrança do legislador constituinte de 1933, não pode deixar de estar bem viva e palpitante no pensamento e no coração dos constituintes de 1959.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim o exige certamente a unanimidade desta Câmara, onde todos, os problemas da vida nacional são resolvidos com fé, esperança e amor do próximo.
Assim o impõe a consciência católica e crente da Nação Portuguesa.
Assim o reclamam, Sr. Presidente, os milhares de peregrinos que convergem de todos os pontos do Mundo para junto do altar da Virgem, na Cova da Iria, para agradecerem as graças concedidas, buscarem e conforto para as suas almas e pedirem a paz para o Mundo.
Retomado o caminho da fé, de que temporariamente andámos perdidos, vencido o erro e chamados novamente ao convívio da graça divina, tem sido com a ajuda de Deus e da Virgem Nossa Senhora de Fátima que os nossos chefes e governantes têm podido realizar a grande obra de redenção nacional.
Por Deus e pela Pátria vencemos esta maravilhosa cruzada, de renovação espiritual e material.
Com a graça de Deus havemos de continuar a lutar, a engrandecer e a honrar Portugal.
Sr. Presidente: ao tomar posição neste debate tive o cuidado de logo no início das minhas modestas palavras definir situações e esclarecer atitudes.
Nunca afirmei os meus ideais políticos ao sabor de conveniências ou de oportunismos, mas antes são fruto da meditação, da inteligência e dos eloquentes ensinamentos da história.
Por isso não posso, nem devo - sob pena de quebra de dignidade moral e política -, confundir a coerência de princípios, com aquela colaboração que sempre dei e continuarei a dar ao actual regime político, sem outro objectivo que não seja o de bem servir os invioláveis interesses da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão A próxima será no dia 11 do corrente, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Sá Alves.
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João Maria Porto.
Joaquim Pais de Azevedo.
José António Ferreira Barbosa.
José Fernando Nunes Barata.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Noel Peres Claro.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA