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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 119
ANO DE 1959 12 DE JUNHO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 119, EM 11 DE JUNHO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 118.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Urgel Horta, que se referiu a problemas ligados à instalação da indústria siderúrgica em Portugal; Alberto de Araújo, acerca da presença no nosso pais da princesa Margarida, de Inglaterra; Augusto Simões, sobre a recanto publicação do Decreto-Lei n.º 42 66A, e Camilo do Mendonça, que se congratulou com a publicação do Decreto-Lei n.º 43 301 e na Portaria n.º 17 306.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta e projecto» de lei de alteração à Constituição Política.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Simeão Pinto de Mesquita, o José Saraiva, que ficou com a palavra reservada para a sessão seguinte.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 10 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Finto.
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Cortes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
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Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Gosta.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís de Ariaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo
O Sr. Presidente: - Estão presentes 93 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 118, referente à sessão de 9 do corrente.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra acerca deste Diário, considero-o aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Urgel Horta.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente.: não estava dentro do meu pensamento voltar a tratar no período extraordinário desta VII Legislatura do problema siderúrgico, que tantas vezes tem ocupado a minha atenção na Assembleia Nacional.
Volto, porém, e forçadamente, a ocupar-me de problema com tão marcado interesse nacional, dedicando-lhe meia dúzia de palavras num apontamento de comentário inteiramente justificado, merecido e devido à Portaria Ministerial n.º 17 206, publicada no Diário do Governo n.º 127, 1.ª série, de 4 de Junho, relacionada com empreendimento de tão grande alcance na vida económica, social e política da Nação.
E faço-o, principiando por manifestar o mais sincero louvor e apoio ao Sr. Ministro da Economia por acto tão corajoso, que, revestindo simplicidade, se impõe como notória demonstração de respeito devido à verdade e à Nação, trazendo ao seu conhecimento informes esclarecedores da rota a seguir em face de dúvidas existentes sobre certos aspectos desse empreendimento notável que é a instalação da indústria siderúrgica no nosso pois.
A Portaria n.º 17 206, a que nos estamos referindo, demonstra no seu conteúdo o que tantas vezes afirmei: não estarem devidamente estudados muitos dos aspectos, essencialmente basilares, que muito importa conhecer, pelo interesse que envolvem, e se projectam no planeamento e na efectivação da grandiosa tarefa em que todos estamos empenhados.
Plena de dificuldades e de responsabilidades, na hora conturbada em que vivemos, a instalação da siderurgia necessita, para sua montagem eficiente e para o seu progresso reclamado, possuir clima de confiança e de compreensão indispensáveis ao triunfo das grandes empresas e a forma tão desordenada como se tem agido neste particular, dentro de reservas impróprias da hora em que vivemos, em nada tem favorecido a criação desse ambiente ou desse clima tão necessário.
A portaria vem confirmar muito, para não dizer tudo, do que aqui se afirmou, e se não esclarece dúvidas, que a comissão nomeada procurará resolver, demonstra que o Ministério da Economia, com toda a sua responsabilidade, está disposto, em curto período, a dar remédio a certos males de que tem enfermado a marcha do empreendimento, tentando não o deixar cair no descrédito público.
Sr. Presidente: sobre matéria de tanta magnitude e projecção no presente e no futuro lancei interrogações, que não eram minhas, mas que eram da Nação, que pretende, gosta e quer saber - assistindo-lhe esse direito - como decorrem certas operações, onde pesam as suas economias e se adoptam determinadas providências para as garantir, intimamente ligadas ao seu futuro e ao da siderurgia.
Essas perguntas, que vivem no animo de todos, coincidindo o interesse da indústria propriamente em si e com o interesse da Nação, nunca tiveram resposta, como se a Assembleia Nacional vivesse à margem dos problemas de semelhante valia e não fosse o porta-voz das ansiedades e aspirações da grei, defensora de interesses legítimos do povo.
A portaria que o Sr. Ministro da Economia subscreve dá motivo sério para nos mostrarmos satisfeitos, se não no todo, ao menos numa grande parcela, pois encerra na
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clareza da sua linguagem determinação que vai cumprir-se pelo estado imediato dos diversos problemas ligados ao aproveitamento dos minérios de Moncorvo, Roboredo e Cabeço da Mina, onde se encontram jazigos dos maiores da Europa, tão grandes que se torna difícil calcular o seu volume.
E porque as reservas de ferro existentes naquela região alcançam valor tão extraordinário, durante muitos anos foi ideia assente que no Norte se estabeleceria, na sua quase totalidade, a maior das indústrias - a indústria siderúrgica -, com todos os seus ramos e actividades.
Se há região que viva manifestamente em baixo desenvolvimento, onde o nível de vida assume condições de inferioridade chocante, que é preciso combater, essa região situa-se no Nordeste do País, Nordeste transmontano, onde, contrastando com semelhante nível de vida, se acumulam riquezas, de cujo beneficio não aproveitam directamente os seus naturais. É lá que existe a região abastecedora de minérios, região privilegiada; é ali que existem as principais fontes de energia eléctrica, uma e outra devendo ser utilizadas para um surto de progresso, dando àquela boa gente uma melhoria de vida de que necessitam e a que têm direito.
O ferro e a energia eléctrica bem poderiam fazer esse milagre.
Vão agora, Sr. Presidente, intensificar-se, ou, melhor, iniciar-se, os estudos referentes à instalação dos fornos Krupp-Renn, depois de se haver ensaiado o comportamento dos minérios com certa percentagem de sílica quando tratados com carvões nacionais, os do Pejão, neste caso, para se continuar o estudo de nova unidade industrial que se em cima deverá constituir-se. E esses estados prosseguirão, não só sob o aspecto técnico da manufactura do ferro, mas ainda sob diversos aspectos inerentes ao empreendimento, como a localização, a colocação dos produtos, a capacidade dos fornos, as matérias-primas e o preço do produto.
Tudo questões de magna importância, que já há muito deveriam estar definidas e arramadas e que a portaria mostra encontrarem-se ainda no embrião do seu desenvolvimento, o que é de lamentar.
E não posso, Sr. Presidente, deixar de ler alguns períodos da portaria, que muito honra e muito dignifica o Ministro pela corajosa atitude tomada, atitude que está em perfeito acordo com o exposto na Linha de Rumo, eloquente documento firmado por quem alcançou no largo campo do seu labor inteligente e constante posição do mais reconhecido valimento:
O II Plano de Fomento prevê a montagem de uma instalação siderúrgica com fornos Krupp-Renn, com o objectivo de aproveitar os minérios siliciosos do Norte do País de mais baixo teor.
Os ensaios em escala semi-industrial efectuados na Alemanha no Verão passado mostraram o bom comportamento desses minérios pobres (40 por cento de ferro) quando tratados com carvões das minas do Pejão, o que constitui resultado de grande interesse e justifica se prossiga no estudo da nova unidade industrial.
Infelizmente, alguns problemas ligados à baixa cotação actual do ferro e algumas dúvidas sobre a provável evolução da técnica daqueles fornos só agora permitiram à comissão encarregada de apreciar os ensaios a apresentação do relatório - mesmo assim não inteiramente isento de reticências.
Mas enquanto se esclarecem, com a ajuda do tempo, estas questões basilares ainda em aberto, convém aproveitar a ocasião para tratar de outros aspectos independentes daqueles, mas igualmente importantes a localização dos produtos, a capacidade dos fornos, as matérias-primas e o preço de custo.
Dispenso-me de ler o resto, que os Srs. Deputados poderão encontrar no próprio exemplar do Diário do Governo que ponho à sua disposição.
Sr. Presidente: há muito para estudar e muito que aprender. E problemas da importância de que se reveste a instalação da siderurgia demandam grande esforço de técnica especializada e medidas e providências económicas e financeiras, inerentes à marcha e ao desenvolvimento, em toda a sua complexidade, do empreendimento.
O aproveitamento dos minérios de Moncorvo pelo Krupp-Renn exige o que em suma nos diz na sua singeleza a portaria e, acima de tudo, orientação que dê ao produto acabado preço que não ultrapasse o do produto importado, visto que o estabelecimento do mercado comum, onde teremos de participar, poderá alterar muitos dos projectos que temos em mente realizar, e que realizaremos em bases convenientes.
Temos ouvido falar muito de preços-bem ou mal calculados, não sabemos; mas há que pensar serena e praticamente nesse problema, que é importantíssimo, e nele se encerra o bom resultado da instalação da siderurgia e do sen futuro.
Eu não sou forte em cálculos, mas há cálculos portadores de números que nos afligem e chegam a causar medo.
Sr. Presidente: os jazigos de Moncorvo ocupam zonas de larga vastidão, cujas concessões estão na maior parte na posse de empresas estrangeiras, prevalecendo as de nacionalidade francesa e alemã: É bem natural que o seu aproveitamento seja condicionado por certos preceitos, que é preciso não esquecer,, mas que temos de considerar à face de providências legais, defensoras do nosso património e do interesse nacional.
Todas estas questões deverão ser observadas cautelosamente, para não eternizar a discussão de assuntos, que se torna necessário ultimar. Os anos sucedem-se, meia dezena se sumiu, já após a concessão do alvará para a montagem da siderurgia, e só agora se iniciam operações e cálculos que há muito poderiam conhecer-se.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Muito bem!
O Orador: - As prevenções que o Sr. Ministro da Economia acaba de fazer através dá sua portaria são sedativo, embora tardio, de tranquilidade e confiança para o nosso espirito e da boa gente transmontana. Renascem esperanças num futuro melhor se à exploração da indústria for dada amplitude compatível com as necessidades regionais, desenvolvimento normal da exploração de uma riqueza mineral que não pode sofrer confronto com a dos diversos jazigos espalhados por outras regiões.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Muito bem!
O Orador:-Se assim suceder -e o estudo da comissão nomeada pelo Sr. Ministro da Economia poderá dar principio à satisfação dos justos anseios de Trás-os-Montes -, são de prever dias novos de luz e progresso para a vida de um povo rude, mas trabalhador e honrado, que de sol a sol granjeia o seu sustento, mas a quem a previsão de miséria leva muitas vezes a abandonar a suas terras, emigrando para longínquas paragens em busca do pouco que não encontra na pátria onde nasceu.
Sr. Presidente: que ao Norte do Pais, no caso presente a Trás-os-Montes, sejam reconhecidos regalias e direitos que outros usufruem e disputam são votos que vivem na alma dos Trasmontanos, tornando patrono de tão justos anseios o Sr. Presidente da República, em memorável manifestação de regozijo e triunfo, que teve por palco Miranda do Douro, onde S. Exa. foi aclamado
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com delirante entusiasmo, atingindo paroxismos de imponência e grandeza.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Formulamos votos também neste instante para que sejam satisfeitas essas aspirações, considerando o problema siderúrgico em- plano de equivalência com o problema eléctrico, dentro dos limites de utilidade que eles acusam perante o desenvolvimento, o bem-estar e o progresso da região trasmontana, pedindo ao Sr. Ministro da Economia se continue debruçando sobre problema tão ingente, solucionando-o como valor nacional que encerra, favorecendo a zona das fontes que lhe dão origem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: desde sábado último que se encontra em Portugal a princesa Margarida, de Inglaterra, que aqui veio por motivo da realização da Feira das Indústrias Britânicas no nosso país.
São seculares e tradicionais os vínculos que unem a Grã-Bretanha à velha nação lusíada. E quando a Inglaterra procura afirmar a capacidade da sua técnica e da sua produção - e, portanto, possibilidades plenas de manter em alto nível relações mercantis com os países que desempenharam sempre papel importante na sua balança de comércio -, a visita da excelsa princesa reveste-se de excepcional significado, e que aqui desejamos assinalar por forma especial.
Mas, independentemente dos objectivos imediatos da vinda a Portugal da princesa Margarida, esta visita foi um pretexto para se reafirmarem os sentimentos da profunda e reciproca simpatia que une as duas nações aliadas e amigas. Não pode deixar de existir na Inglaterra um sentimento de viva admiração pela velha nação ibérica, cuja história é um monumento eterno e vivo à causa da civilização do Mundo, tão do pendor do povo britânico.
Vozes:.- Muito bem, muito bem!
O Orador: - E à medida que os anos decorrem mais se radica também em nós a admiração por esse país e por essa grande comunidade de povos que, no conjunto das suas instituições, representam e exprimem todos os anseios de paz, de equilíbrio político e de justiça social directamente ligados ao bem-estar e à felicidade das nações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- A princesa Margarida, de Inglaterra, chegou com um sorriso. Nunca mais deixou de a acompanhar o luminoso sol de Portugal, como se o Verão, demorado e encoberto, aguardasse a visita principesca para se revelar na plenitude do seu encanto e da sua beleza.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Visitou mosteiros e palácios, conheceu nobres e humildes, apreciou aspectos típicos da vida portuguesa, por toda a parte granjeou simpatias, foi gentil e foi senhora, deixou entre nós gratas recordações e lembranças, no seu coração nórdico acordou, porventura, pela primeira vez, o sentimento português da saudade.
Ao regressar amanhã ao sen país todos os portugueses formulam votos pelas suas felicidades pessoais, pelas felicidades da família real inglesa e desse grande país, que, na época conturbada que atravessamos, é uma das mais firmes e sólidas garantias da continuidade e da sobrevivência do mundo livre.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: à volta do dia 16 de Maio há pouco findo, referiu a imprensa, ao anunciar a publicação do Decreto-Lei n.º 42 264, do dia anterior, rotulado de diploma alterador da lei eleitoral, como é conhecido o Decreto-Lei n.º 37 570, de 3 de Outubro de 1949, que o subsídio dos Deputados para a sua manutenção em Lisboa seria acrescido de 1.500$, 2.250)$ e 3.000$, consoante residam no continente, nas ' ilhas adjacentes ou nas províncias ultramarinas.
Assim apresentada perante o País, em período não distante do reajustamento dos vencimentos do funcionalismo civil, militar e corporativo, essa noticia fez nascer a crença, logo fortemente generalizada, de que os representantes da Nação haviam experimentado também melhoramento nas condições da sua manutenção em Lisboa, reconhecidamente mal remunerada.
Manifestou-se tal crença por formas variadíssimas e ainda por certos indícios de oneração nos custos da hospedagem, legitimada naquele suposto aumento de proventos.
Sem embargo de não vir representar qualquer liberalidade merecedora de especiais encómios a anunciada melhoria - amplamente justificada, de resto, pelas especiais condições de vida na capital daqueles que, como nós, só eventualmente por cá se têm de albergar -, o certo é que não entendeu assim o Governo, e, por isso, ao mencionado Decreto-Lei n.º 42 264 foi dado o entendimento restrito de a sua aplicação abranger apenas os Deputados das ilhas e do ultramar.
Fugindo deliberadamente à formulação de qualquer juízo de valor sobre a medida apreciada, afigura-se-me, todavia, da mais alta necessidade deixar aqui expressa referência ao restrito alcance do mencionado diploma, para evitar mal-entendidos que o imperfeito conhecimento da lei e até a própria lição da vida tornam fortemente plausíveis.
Por isso, Sr. Presidente, repondo a verdade no sen augusto trono, é forçoso afirmar-se que nenhuma melhoria, de proventos foi concedida aos Deputados no clima de reajustamento de vencimentos há pouco vivido, representando o ligeiro aumento de subsidio aos Deputados das ilhas e do ultramar não qualquer efectivo melhoramento, mas simples e unicamente um reajustamento ainda deficiente das ajudas de custo para a sua manutenção no continente, manifestamente inferiores às que são concedidas a certas individualidades deslocadas em idênticas condições.
Sr. Presidente, os Deputados da Assembleia Nacional têm mantido com inteiro domínio de si mesmos e perfeita dignidade o mais completo silêncio sobre a omissão que sofreram no falado reajustamento de vencimentos. Mas seria demais consentir quer, por uma ligeira leitura do diploma citado, se deixasse erroneamente supor ao País que, finalmente, se lhes concedeu a melhoria a que porventura tinham direito.
Por isso, Sr. Presidente, aqui fica o esclarecimento, que se supõe inteiramente cabido.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: publicou o Diário do Governo do passado dia 4 do corrente o Decreto-Lei n.º 42 301, e a Portaria n.º 17 206, aquele pelo Ministério das Finanças, esta pelo da Economia.
Não podia deixar sem um comentário tanto um como outra, pois se aquele decreto-lei vem abrir perspectivas animadoras para um dos aspectos mais salientes das necessidades das terras de Trás-os-Montes, aquela portaria faz renascer esperanças no capitulo da industrialização da região mineira de Moncorvo.
Sr. Presidente: o Decreto-Lei n.º 42 301 autoriza o Ministro das Finanças, mediante parecer fundamentado da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, a conceder determinados benefícios de ordem fiscal a empresas privadas, na medida em que condicionem ou possibilitem a realização de empreendimentos integrados em planos de fomento.
Julgo-me dispensado de encarecer a importância desta orientação, por me parecer de uma evidência flagrante.
Permito-me apontar, porém, para a especial relevância que a aplicação desta doutrina pode ter para o desenvolvimento das regiões em depressão ou atrasadas, se vier a ser encarada sob este ângulo.
Por quanto representa, tanto como pelas perspectivas que abre, a doutrina do referido decreto-lei não deixará de merecer um aplauso unanime da Camará, onde tão repetidas vezes e por vozes tão diversas tem sido sugerida e solicitada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Cuido, por isso, que a Câmara que acompanhará num sincero agradecimento ao Sr. Ministro das Finanças, que uma vez mais nos mostrou o carinho e realismo com que acolhe, estuda e dá solução às instantes necessidades e exigências do nosso desenvolvimento económico.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Mas, Sr. Presidente, não posso nesta matéria restringir as minhas considerações ao plano geral, porque, como comecei por dizer, a medida abre perspectivas animadoras para as rudes terras trasmontanas.
De facto, creio que a providência legislativa virá, entre inúmeras outras questões, permitir dar um passo decisivo na electrificação de Trás-os-Montes.
Conhecidas as dificuldades de ordem vária, entre as quais avultam as grandes distancias, a fraca densidade populacional e as escassas possibilidades de consumo das diferentes povoações, a expansão da rede de distribuição de energia eléctrica para além das vilas e aldeias que beneficiaram do privilégio de uma localização excepcional não é viável por parte de uma empresa privada sem um conjunto de auxílios estaduais, que vão desde a comparticipação até à concessão de facilidades como aquelas que agora se tornam possíveis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Concretamente posso dizer que a empresa concessionária da distribuição se propõe executar 1000 km de linha durante a vigência do actual Plano de Fomento se lhe forem facultados auxílios e facilidades da ordem dos que é agora possível conceder.
Não se estranhará em tais condições o jubilo de quem, insistente e até impertinentemente, vem desde há anos clamando com todo o ardor e maior ou menor audiência pela electrificação daquelas terras, que nem por serem
distantes e pacificas deixam de ter direito a usufruir os benefícios do progresso como as demais.
O Sr. Augusto Pinto:- Muito bem!
O Orador:- Sem desejar enfadar V. Exa., Sr. Presidente, e a Câmara, não posso deixar de referir que, segundo elementos insertos no relatório Problemas Técnicos, Económicos e Financeiros da Electricidade na Metrópole, apresentado ao II Congresso da Indústria, entre outros, pelo actual titular da pasta da Economia - elementos que não devem ter-se por desactualizados -, o distrito de Bragança não chegava a ter 16 por cento de população servida de energia eléctrica e só 8 por cento das suas freguesias estavam electrificadas.
Cuido que bastam estes números para medir a razão da minha insistência, a raiz da ansiedade da população, o júbilo que sempre nos assalta ao menor indicio de que podemos dispensar, de que muitos poderão vir a dispensar, a luz mortiça da candeia!
É, pois, cheio de esperança que desejo sublinhar a importância que para nós outros, Trasmontanos, pode vir a ter a medida legislativa e me permito pedir ao Governo que encare com a maior rapidez, à luz desta doutrina, o problema cruciante da electrificação daquelas pobres terras em termos de a minha fundada esperança poder ser, breve, clara realidade.
Sr. Presidente: a segunda questão a que desejava referir-me era à da expectativa que a Portaria n.º 17 206 de novo cria às gentes de Bragança.
Apontava o relatório do Plano de Fomento consagrado à indústria para o possível estabelecimento, de uma instalação Krupp-Renn como anexo mineiro das minas de Moncorvo.
Poucos terão reparado então nessa nota discreta ao fundo de uma página do aludido relatório, até porque, frustradas as expectativas e sonhos acalentados, provavelmente quase todos terão caldo no desanimo, espécie de apagada e vil tristeza para que o abandono insistentemente atira os Trasmontanos.
Eis quando a referida portaria, ao trazer de novo o problema - perdão, uma pequena parte do problema - à luz do dia, renova esperanças, reabre expectativas geralmente perdidas.
É certo que se vai cometer o encargo de estudar as diversas questões que o problema suscita a uma comissão de técnicos, com prazo prefixado para conclusões dos estudos. Mas é também certo que na aludida portaria se diz expressamente:
«Têm-se chocado as opiniões sobre a localização mais conveniente; Leixões, Focinho e Moncorvo são três das hipóteses formuladas que os critérios do mínimo encargo de transportes e do abastecimento de água permitirão escolher, mas não se esconde a simpatia com que se encara qualquer das duas últimas pelas vantagens de atenuar a concentração fabril nos arredores do Porto, ajudar o desenvolvimento de Trás-os-Montes e oferecer à linha do Douro um tráfego nos dois sentidos sensivelmente compensado».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Ora, posta a questão nestes termos, encontro fundados motivos para esperar dentro em breve uma solução favorável.
A menos que as referidas questões entre nós se revestissem de facetas diferentes - e opostas - às de todo o resto do Mundo sob o aspecto técnico-económico, o critério condicionante do mínimo encargo de transportes só por si, e com dispensa do mais, determinará a
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localização cerca da zona mineira, sem sombra de duvida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Por sobre isto as razões de ordem político-económico-social apontadas acabariam por arredar qualquer dúvida, se ainda pudesse existir, uma vez consideradas com o valor que têm e justamente se faz ressaltar na referida portaria.
Se às razoes técnico-económicas inevitavelmente estuo a favor da solução de Trás-os-Montes e também as questões, não menos importantes, de equilíbrio económico, desenvolvimento regional - que eco tão vivo e eloquente têm encontrado nesta Assembleia - e ainda de ordem política e social, que mais poderá haver que nos possa contrariar o anseio quando se conta com a compreensão e simpatia do Sr. Ministro da Economia?
O Sr. Sá Alves: - Muito bem!
O Orador: - Que mais poderá faltar?
Cuido, Sr. Presidente, que em breve oportunidade poderei ter a alegria de novamente voltar à matéria para agradecer ao Governo a satisfação desta questão vital para as minhas desprotegidas terras, mas onde tanto me orgulho de ter nascido.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente: há dias felizes. O passado dia 4 pode bem ter sido um dia feliz para Trás-os-Montes.
Feliz porque pode contar seguramente com uma sensível expansão das povoações electrificadas, feliz porque, de novo, pode voltar a esperar que o ferro venha, apesar de tudo, a construir sólido alicerce para o seu urgentíssimo desenvolvimento. Praza a Deus que assim seja. Praza a Deus e consintam-no os homens.
E, Sr. Presidente, renovando os meus agradecimentos aos Srs. Ministros das Finanças e da Economia, de momento especialmente aquele, termino, ao contrario de outras ocasiões, com esperança, com esperança e expectativa.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão na generalidade a proposta e os projectos de lei de alteração à Constituição Política.
Tem a palavra o Sr. Deputado Simeão Pinto de Mesquita.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita:- Sr. Presidente: afazeres imperativos da minha vida afastaram-me a semana transacta - e com que vivida pena! - das lides da revisão constitucional.
Pela supletiva leitura das correspondentes actas da Assembleia aferi da elevação critica e espirito construtivo com que, a prol do comum, o processo vem desenrolando-se.
Li desvanecidamente, na parte ainda abstracta que me pode caber como componente desta Assembleia, a que V. Exa. tão destacadamente preside, as palavras de felicitação que nos dirigiu pela altura do debate.
Confiadamente aproveitarei a compreensiva generosidade de V. Exa. na interpretação da amplitude da generalidade da matéria a discutir para alinhavar minhas considerações.
Tenho, de toda a minha vida, como é notório, vinculadas responsabilidades de fidelidade monárquica. Embora não seja Deputado monárquico - na Assembleia não há correntes que como partidos possam classificar-se -, meu espírito nunca poderá abstrair, ao discutir-se a matéria que ora se versa, da minha estruturada maneira de pensar.
Mas, Sr. Presidente, estou certo de que o farei sempre em termos que não levantem a mínima objecção de V. Exa., mesmo a de que me afaste da ordem do dia.
É que eu, Sr. Presidente, penso que, se nunca o regime monárquico - sem se autonegar - deva esperar calhe sair espontâneo do sufrágio universal, embora possa ser consagrado plebiscitàriamente - é uma hipótese -, menos ainda lhe conviria instaurar-se tumultuàriamente, mero fruto à cubana de uma «balbúrdia sanguinolenta».
Deverá surgir antes consequência da conquista em parte e suficiente aceitação de outra parte do escol nacional; isso conseguido, vertiginosos riscos internos e externos, ora imprevisíveis mas que podem saltear-nos a todo o momento, farão o resto ... Desde que essa linha de rumo se torne evidente para a .Nação como caminho imperativo de salvação para a defesa ou reconquista da liberdade pátria -a grande liberdade política digna de maiúscula - ver-se-á, quero crê-lo, a voz desse escol e, como sempre, o coro plaudente do resto apelar, como em Almacave, para o «Aqui d'el-rei», com a ressonância que os ecos desse grito ainda acordam no fundo da alma popular.
Mas reconheço que prognósticos não estão na ordem do dia; cinjamo-nos a ela.
Sr. Presidente: na discussão da última reforma constitucional - a de 1951 - intervieram diversos Deputados da Nação para, embora sem a sofreguidão do imediato, porem ao serviço desta, e com o vigor da sua convicção, as clarividência s da doutrina monárquica; doutrina tão avessa a mitologias ideológicas porque alicerçada na multissecular lição de factos e de realizações, nacionais e alheias.
Como as ocorrências ulteriores vieram dar razão - fasta ou nefastamente? - às razoes de reserva e de dúvida por eles então formuladas!
Parte desses antigos Srs. Deputados voltou a ter assento aqui para a presente legislatura. Esta reunião extraordinária da Assembleia foi convocada para alterar, entre várias disposições da Constituição, novamente, e sobretudo, o condicionalismo da eleição do Chefe do Estado - necessidade de reforma a tornar-se cíclica cada vez que de sete em sete anos o facto se dá! Já tiveram ocasião de pronunciar-se sobre a generalidade da conflituosa matéria desses Srs. Deputados os Drs. Cancella de Abreu e Cortas Pinto.
Fizeram-no em termos bem demonstrativos de que a experiência dos passados sete anos só os podia radicar na tese defendida e, como no soneto, resignar-se a servir outros sete anos na esperança da Raquel, «em vez da Lia».
(Risos).
Os outros Srs. Deputados em condições idênticas quererão, porventura, dizer ainda algo da sua justiça, e seria assim, decerto, indelicada qualquer antecipação da minha parte a tal propósito.
Os Deputados hoje vacantes nesta Assembleia - e que, assim, perante ela não poderão formular suas reflexões comparativas - foram os Srs. Drs. Caetano Beirão e João Ameal e Prof. Jacinto Ferreira.
Os discursos de todos os acima nomeados e ainda os dos Srs. Drs. Augusto Cerqueira Gomes e Carlos Moreira acham-se, para mais ilustrativa consulta, impressos em separata, precedidos de lúcida entrevista jornalística
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concedida para efeito da ocasião, mas de perene actualidade, pelo saudoso Prof. Fezas Vital, inteligência rasgada e subtil, coração de ouro, têmpera de aço em corpo infelizmente frágil.
Comentando a Constituição política vigente dizia então aquele sábio mestre de Direito Público e que antes fora presidente da Câmara Corporativa:
Ora a verdade ó que a crise política nacional - tenho-o dito várias vezes.- só nas instituições, tradicionais devidamente adaptadas aos tempos de hoje encontrará solução definitiva. As restantes serão sempre provisórias ou de emergência, serão paliativos cuja periculosidade dia a dia se agrava.
Nesta singela fórmula se acha encerrado o essencial do problema que preocupa a todos os portugueses, cônscios dos riscos nele implícitos; problema que, quase a prazo certo, como dito foi, volta à cena para ver se ó possível dar-se-lhe solução melhor, tal como doente acamado mudando constantemente de posição à cata daquela que lhe traga alivio.
Os comentários, quanto à generalidade da proposta de então, foram sobremaneira glosas largamente fundamentadas e sempre convergentes àquela conclusão tão simples e lúcida. Só posso aconselhar aos que me escutam a leitura dos textos desses discursos no referido folheto, em vez de recorrer à dispersão das Actas.
À face do acontecido como aquelas verdades ganham relevo de luz rasante!
Não altera a nova projectada fornia de eleição - de directa e universal para indirecta e restrita - a matéria de fundo posta: mais um daqueles paliativos de que falava o professor Vital.
Os comentários dos Deputados de hoje, que o foram de então, e bem assim os daqueles a quem assiste igual critério, só vêm continuando a glosar com reforçada amplitude o convincente dictamen.
É também o que me proponho fazer, embora em termos limitados, atendendo às sábias orações proferidas por alguns dos Srs. Deputados que mo precederam, nomeadamente os Drs. Cancella de Abreu, Cortês Pinto e Abranches Soveral; com larga proficiência esmiuçaram já o assunto em convergente rumo de ideias. Perfilho no essencial das suas considerações; evitarei quanto possível repeti-las, e antes preferirei destacar outras facetas que me ocorreram, também ilustrativas desta inesgotável matéria.
Sr. Presidente: antes, porém, de me aventurar no fundo da generalidade em discussão penso tenha por dever de consciência definir perante vós, Srs. Deputados, como quem se confessa alto, os rumos e razoes do meu pensamento e comportamento político.
Isso o devo à geração a que pertenço, geração que tão decisiva quão desinteressadamente contribuiu para o influxo das ideias-força dos novos destinos da Pátria.
Ainda bem que, entre outros, o Sr. Deputado Proença Duarte a este propósito aqui soube fazer justiça, há dias, ao movimento do Integralismo Lusitano, que, quando jovem, como disse, muito influiu no seu espirito.
Segundo a chave dessa doutrina, a Pátria Portuguesa tem de constituir, na ordem das coisas temporais, o valor essencial que nos empolga e a que nos submetemos.
Nesta ordem de valores sou primeiro um nacionalista que tende pelo raciocínio subordinadamente à monarquia como o ferro ao íman. Franquista quando estudante, fiz parte, após o regicídio, dos corpos dirigentes do Centro Monárquico Académico - o Dr. Cancella de Abreu pode testemunhá-lo. Companheiro em Campolide do Dr. Pequito Rebelo, condiscípulo em Coimbra de António Sardinha, de Hipólito Raposo, de Monsaraz, acompanhei quase de inicio o Integralismo.
As circunstancias anárquicas do tempo, de que quis perscrutar as causas, conduziram-me ao estudo de certas influências políticas clandestinas, difusamente internacionalizadas, que tiveram de longe larga responsabilidade da acção subversiva desencadeada dentro dos quadros nacionais. A agitação portuguesa - carbonários, anticlericalismo maçónico, regicídio, revolução republicana - nelas mergulhavam as raízes e lhes bebiam a seiva. De igual sorte as contemporâneas revoluções na Turquia, na Catalunha, na China. Daí sobe-se genealògicamente pelos antecedentes até à Revolução Francesa. Taine, completado pelos trabalhos decisivos de Augustin Cochim, viera justificar com dados decisivos em relação a ela as teses da conspiração, de aparência abraca-dabrante, desenvolvidas por Barruel e outros, seus contemporâneos, surgiram em sequência as internacionais: o mazinismo, o socialismo, comunista com Marx e anarquista com Bacunine.
A primeira guerra mundial e a subsequente revolução soviética vieram evidenciar perturbante aproximação dos respectivos princípios comunistas com as doutrinas da seita dos simulados, alemães do ultimo quartel do século XVIII, acusada já de infiltrações na Maçonaria e nos clubes revolucionários franceses de 1789. Lembre-nos Babeuf. Todo este panorama subterrâneo, ou de bastidores, não pode deixar de imprimir a quem o vislumbre particular maneira de encarar a política.
Desse visionismo passei a sofrer desde então. Sobre a vastíssima matéria cheguei a publicar o sucinto apanhado introdutório: «Unidade e pensamento mundial».
Ainda bem - e cumpre não esquecê-lo - para nós católicos a análise desses problemas não noa deve conduzir às portas do desânimo e da renúncia, temos por nós, compensadoras, as forças de Cristo e da sua Igreja: La seule Internationale gui tienne, na feliz expressão maurrasiana.
Regressemos ao actual.
O Sr. Presidente do Conselho no seu último luminoso discurso -e reconfortante pelo animo sereno, mas decidido, com que se mostra disposto a enfrentar os perigos - põe em relevo a acção mundialmente coordenada das forças ocultas de subversão, demonstrada pela simultaneidade do lançamento de idênticos slogans que possam servir os seus desígnios nos mais distantes e imprevistos pontos do globo.
A observação desta orquestração foi também inteiramente bem perceptível cá dentro, na recente campanha de boatos, a correr iguais de lês a lês do Pais, como o salientou o Sr. Ministro da Presidência na impressionante reactivação de fé nacional que significou há dias o banquete no Porto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ainda bem que conclusões destas se acham radicadas no espirito dos que têm o duro ofício da responsabilidade do Governo.
O Sr. Presidente do Conselho, no mesmo discurso, pôs em relevo os perigos revolucionários que nos ameaçam, já como ocupantes de parte da Península Ibérica, já como participantes na ocupação da África - através do nosso ultramar.
Na estratégia moscovita de guerra fria - por enquanto apenas fria só também por estratégia- constituímos alvo da maior importância.
Particularmente desde 1930, com a proclamação da República Espanhola - infiltração comunista subsequente o a guerra civil-, pela convicção radicada pela análise dos factos e pelo estudo passei a considerar-me nesta nossa esquina do planeta como simples morador de uma praça sitiada. E desde então até hoje nada de substantivo se me desenhou no panorama internacional que me auto-
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rizasse a modificar tal convicção. Pelo contrário, a vitória militar russa, com a absorção de meia Europa Central, a meu ver agravou, e de que maneira, esta perspectiva das coisas.
Pautando por este critério do assédio o meu comportamento político me. incorporei no voluntariado da Legião Portuguesa; antiparlamentarista, passei a votar e consenti ser votado. Ora o comandante de uma praça cercada cumpre ser obedecido indistintamente por militares e civis, mobilizados todos, embora às vezes resmungando; e praças cercadas já se tornaram todas as fracções continentais da Nação Portuguesa de aquém e de além, segundo o que revelou o Sr. Presidente do Conselho. Ilustrando essas revelações, a impressionante exposição do Sr. Prof. André Navarro feita a esta Assembleia, e toda recheada de factos, elucidou-nos.
Disse algures o Dr. Salazar ser propósito da sua finalidade política fazer regressar o povo português a viver habitualmente. Pelo caminho que as coisas levam no Mundo essa finalidade pacifica tem de se adaptar à conjuntura. Os séculos de paz antonina são raros, como difícil é o milagre da ordem. Gozámos em Portugal um século desses depois de fechada a guerra da sucessão até às invasões francesas; gozámos ainda essa paz, embora relativa e só por meio século, na monarquia constitucional, da regeneração ao regicídio.
Sr. Presidente: permita-me V. Ex.ª que antes de me cingir à ordem do dia stricto senso, do que disse conclua por algumas reflexões.
Estas as formulo, apelando, para além das limitadas arquitecturas, físicas e morais desta sala, para todos os portugueses de boa vontade que como nós antepõem a Nação, a Pátria nossa, em seu tradicional conteúdo objectivo, material e espiritual, como sendo o primeiro dos valores temporais - e quase eterno - a que cumpre razoadamente subordinar o gosto das nossas dialécticas abstractas e -o que é mais difícil- a dialéctica das nossas paixões.
Pressuposto o primado da Pátria -logo depois de Deus- aí fica o meu apelo para que todos -sem exclusão até dos comunistas, porque podem arrepender--se - revejam as suas razões políticas à luz das circunstancias actuais, de que ocorre destacar os seguintes pontos:
1.º O da situação de assédio ideológico e paramilitar em que nos encontramos, na metrópole e ultramar;
2.º Que, em correspondência, há que lhe contrapor unidade e continuidade de comando indefinida no tempo. Estamos como quando do recto sarraceno e da resposta cristã (lembremos Toynbee), informadores das nações peninsulares, consagrando nelas a hereditariedade dinástica, em reparação da funesta tradição eleitoral monárquica-visigótica que facilitara a invasão árabe;
E até o que se tem passado no Norte de África nos não obrigará a reflectir sobre quanto esquecidas ameaças dali se não podem reactivar?
3.º Que frente à ameaça deste cerco parece perpetuar-se a nossa solução electiva quanto ao fecho de abóboda da nossa Constituição Política, com os perigos inerentes. A continuidade quase monárquica, de facto, que se tem desfrutado estes trinta anos, pela simbiose feliz de uma vertebração militar com a mentalidade e o carácter de um chefe político excepcional, é coisa a que as leis naturais impõem limites humanos;
4.º A nossa política de concerto com a Espanha, tal como a previram Oliveira Martins e Sardinha, que tão profícua se tem mostrado e poupou à Península outra neo-invasão napoleónica, leva a pensar para ser duradoura na utilidade do paralelismo equilibrante de regimes políticos.
Ora, a Espanha, para não cair no caos, com os riscos consequentes para nós, tem de ser - duas experiências republicanas o provaram - uma monarquia, pelo menos potencial.
5.º Medite-se sobre as soluções mais simples e seguras do império inglês para a conservação dos seus domínios, federados através da coroa, do que as soluções francesas, mesmo as melhores, as mais recentes, porque contaminadas pelo vírus dissolvente da democracia igualitária: sempre o «percam-se as colónias, mas salvem-se os princípios» dos jacobinos de 93;
6.º A primeira coisa que os bolchevistas fazem quando põem pé em pais estranho -por si ou por interposta pessoa, e a bem ou a mal- é substituir a monarquia, se a há, pela república.
«Não sei se me entendera...», dizia Dias Ferreira.
E como sempre: Fas est ab hoste doceri.
E são estes os pontos que a propósito da reforma constitucional daqui me ocorre lembrar para meditação dos Portugueses.
Sr. Presidente: perdoe-se-me a divagação. O Regimento não autoriza declarações de voto. Para dizer das minhas razões nesse campo, o único decisivo, tinha de descer um pouco à raiz das coisas. E se é pelos frutos que, como nas árvores, as coisas sociais se hão-de apreciar, a raiz e o tronco são delas indispensável origem e suporte.
E qualquer que seja o sentido em que pelo correr da discussão eu acabe por votar, quer quanto a problemas máximos da invocação preambular de Deus e da forma de eleição do Chefe do Estado, quer quanto aos problemas menores levantados pela proposta governamental e pelos demais projectos de lei emanados da Assembleia, qualquer que seja, repito, o sentido dos meus votos, eles só tem o alcance relativo dos condicionalismos que explanei e deverão ser interpretados em subordinação a eles.
Isto posto, Sr. Presidente, vou entrar finalmente na especialidade da generalidade.
Volto a lembrar a transcrição da frase de Fezas Vital, que constitui como que o leitmotiv da oratória supramencionada proferida em 1901 e a da dos Srs. Deputados de agora com ela concordantes. Torno a repetir: dando-a como perfilhada no essencial, ocorre-nos, à luz da reforma anterior e da proposta actual, tirar alguma lição quanto ao valor dos paliativos de que falava aquele saudoso mestre.
a) Quanto ao paliativo do passado preceito a substituir:
São sobretudo de recordar os termos, apologéticos com que a Câmara Corporativa, no seu parecer à reforma de 1951, se referira à eleição por sufrágio directo como ainda sendo o melhor.
Mudou a Câmara Corporativa de opinião? O que sabemos é que, pelo menos, mudou de relator.
Supunha-se então, que introduzido ao artigo 72.º o § 2.º, que faz intervir o Conselho de Estado na apreciação da idoneidade dos candidatos, se tapavam as portas por onde os inimigos da actual situação política se poderiam introduzir nela.
Como os factos ocorrentes com a última eleição desmentiram tudo isto!
Verificou-se a agitação para-revolucionária que a Nação perplexa viveu e o tal § 2.º revelou-se praticamente inoperante.
Nós imaginamos os embaraços com que então os conselheiros de Estado se viram a braços: a nossa crítica não se lhes dirige, mas visa apenas mostrar o automatismo insuperável da lógica do sistema. Colocados dentro dela, que fazer? Cada um dos candidatos não seria de excluir por causa do outro, e ambos ... reciprocamente.
(Risos).
Em conclusão, verificou-se que a solução eleitoral vigente e que a Câmara Corporativa ainda há oito anos proclamava a melhor do mundo republicano possível
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se comportou muito mal. Temos hoje na nossa frente novo projecto tido como muito mais satisfatório.
Admito que rebita sic stantanbus assim possa acontecer a prazo para a próxima vez. No entanto, penaliza-me ter de ver imiscuir-se a Câmara Corporativa, especificamente consultiva e representativa dos interesses morais e materiais, que sabemos tornar-se assim compartilhada da soberania do Estado.
Já sabemos quanto as necessidades da guerra vieram perturbar o desenvolvimento de autênticas corporações pela urgência de criação de organismos de coordenação económica, proliferantes em todo o mundo por necessidade da conjuntura, mas que aqui vulgarmente se crismaram, por analogia e para mal do genuínas corporações, de corporativos.
Ecos dos atritos e incompreensões dal resultantes, ainda há pouco se repercutiram nesta Casa. Se além do social, económico e moral levamos as corporações para o plano político decerto isso não será indiferente para o seu natural desenvolvimento e acrescentamento de prestigio.
b) Ainda a propósito de corporações em sentido lato.
É sabido quanto na dialéctica monárquica se acusa todo o sistema de base demo-eleitoral de não poder descentralizar verdadeiramente sem risco de anarquia ou fraccionamento político territorial. Para que a Nação possa ser francamente descentralizada e vividamente republicana na periferia o Estado carece de ser uno e continuamente forte no centro.
Predomínio de regime eleitoral implica ipso facto centralização.
Ora o projecto que se nos propõe logo traz a esta tese ilustrativa achega: há aqui que aproximar o corpo do artigo 72.º conforme a proposta governamental, em que os representantes municipais são escolhidos por distritos, e a nova redacção apresentada para o artigo 125.º, em que as autarquias provinciais, agrupando regionalmente os municípios, são substituídas pelas distritais.
Em muito que pese aos votos já aqui formulados de representar este regresso ao distrito bom regionalismo local, não os posso aceitar.
Os distritos, e até o delineamento de quantos municípios, foram organizados pelo liberalismo como quadros para efeitos, sobretudo, eleitorais.
Tratando-se de eleições, o regresso a esses quadros ocorre logo fácil como água busca o rego.
Reconhecendo, aliás, que tratando-se de eleições, cumpre ao Governo recorrer aos meios de evitar a anarquia - em interior intervenção sugeri a conveniência de restaurar os administradores de concelho -, penso que a supressão das províncias em diploma constitucional, e embora me prejudique o argumento, cumpre, a bem de um são regionalismo, evitar-se, não tanto pela supressão como pela consagração constitucional concomitante dos distritos como justa representação regional. É certo que o projecto ressalva o uso da palavra «província», mas sem outro alcance que não seja o de aquela palavra continuar a figurar constitucionalmente ... nos dicionários.
Não é esta a altura de me alongar numa dissertação histórica doutrinária sobre o conceito e realidade da província. Sabemos que entre nós nunca foi uma realidade autárquica. Os que do figurino francês ou espanhol quiserem transportá-la para o nosso passado histórico esqueceram que, administrativamente, o nosso localismo viveu sob a espécie municipal.
A existência da província fora de certo modo reconhecida apenas pelo Poder Central, já nas áreas jurisdicionais, já, sobretudo mais recentemente, na organização militar de território, no tempo em que os vínculos de espirito regional eram dominantes até para a coesão da tropa.
Não vou discutir a divisão provincial vigente.
Um principio, no entanto, ô basilar para uma descentralização desta natureza; não é o geometrismo das regiões que comanda, mas, grandes ou pequenas, a sua realidade intrínseca, em que geografia, economia, consciência social, costumes, formas dialetais, gostos - que sei eu! - têm, neste capítulo, de entrar como coeficientes. E tudo que não seja isto não passará de cenografia.
Ora eu penso que, se no passado não existiu a província como autarquia administrativa, ela não deva tornar-se um quadro natural bem adequado à vida regional do futuro.
Conheço as críticas que ab initio têm sido feitas à recente divisão provincial, em que transparece, por vezes, e mal disfarçado, o despeito das capitais dos distritos não contemplados. Começaram nesta Casa com o projecto do Dr. Querubim Guimarães, de 1938, aliás sem outra consequência que não fosse o ter dado lugar a criterioso parecer da Camará Corporativa, relatado pelo Prof. Mendes Correia.
É nos recentes trabalhos do Centro de Estudos Político-Sociais, onde vamos encontrar um volume -Problema de Administração Local - na comunicação do Dr. João Paulo Cancella de Abreu, bem digno filho do seu ilustre pai e também do distrito de Aveiro, que encontramos, a p. 144, a fonte próxima da alteração proposta.
Este jurista já consagrado, depois dê fazer uma critica que não penso justa à actividade das juntas de província, carecidas sobretudo de meios, conclui:
É urgente rever este problema. Fácil seria voltando ao distrito como autarquia e ficando a província como mera circunscrição territorial sem órgãos próprios. Mas para tal haveria de alterar a própria letra da Constituição.
E isto é afinal o que se visa no projecto governamental.
Ora eu penso erradas as premissas, admitindo embora a tal propósito admissível alteração constitucional.
Erradas as premissas:
1.º Se não se atribuir as previstas autarquias distritais maiores proventos do que os dispensados até agora às províncias, o problema, longe de administrativamente melhorar, agravar-se-á. E é o que se verá, caso tal projecto se aprove;
2.º Esquece-se que o novo influxo da economia rural veio demonstrar quanto espontaneamente os quadros das regiões tradicionais a esta vinha a matar como vestido a corpo. Vêm-se formando esperançosas iniciativas à volta desses quadros, não obstante as dificuldades que frequentemente os serviços centrais e múltiplos do Estado e suas delegações distritais lhes criam.
A iniciativa das federações de grémios de lavoura de Entre Douro e Minho, acompanhada pelas de outras regiões, tem constituído o mais belo exemplo do despontar de vitalização espontânea de um corporativismo rural são. Um dos tais momentos felizes do encontro, numa das suas parcelas mais vivas, da Nação consigo própria, de que com eloquência nos falou há dias o Dr. José Saraiva.
Ora é precisamente quando isto se desenha que se quer impor como dogma constitucional a extinção das províncias ?
Isto não quer dizer concordância plena da minha parte com a vigente divisão regional.
Antes inclino às mais amplas regiões tradicionais, como preconizam no citado volume os Drs. Orlando Ribeiro e Pina Manique e Albuquerque, a pp. 165 e 239.
A par, aceitando-se as realidades novas na medida de como vão surgindo, poderiam criar-se, através da orga-
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nização federativa eficiente dos municípios vizinhos, zonas urbanas autárquicas - a grande cidade de Lisboa, a grande cidade do Porto -, o urbano como urbano, o rural como rural!
A projectada irrigação alentejana, com fonte, sobretudo, na água do Tejo e seus afluentes, não vem robustecer as perspectivas do uma grande unidade provincial?
A região demarcada do Douro, pela sua realidade económica própria, não estará a pedir adequado enquadramento administrativo em vez de repartida por quatro distritos?
A região de Aveiro - ria, lacticínios, vinhos -, ou seja grande parte do seu distrito, não estará também nessas condições?
Este critério pluralista, próprio e especifico da descentralização, não contrariava, inclusas nas grandes circunscrições provinciais e a não ser que não fosse o caso delas (exemplo o Algarve), autarquias locais intermédias entre o concelho e a província. Porque não chamar-lhe distritos, já que o nome de comarcas se trasladou ao judiciário - distritos embora remodelados -, sem excluir nunca as suas capitais de hoje como cabeças das novas circunscrições?
Até o triplo aumento da população, desde há século e quanto, por si justificaria a reforma.
Sugestões de alcance vasto, a que as considerações sobro o ordenamento demo-geográfico e económico da Nação, levantado a propósito da lei de urbanização da zona de Lisboa, vieram dar plena actualidade.
Pois é precisamente nesta altura, em que perspectivas rurais e urbanas reclamam o contrário, que se vai cristalizar em rigidez constitucional uma matéria que carece, para o resguardo da espontaneidade da vida social e, correspondentemente, para o legislador, da maior flexibilidade !
Não deve ser.
Aceito, que o artigo se reforme, mas no sentido de, a parte as freguesias e, sobretudo, os concelhos, se não dor foros de constitucional à forma por que estes últimos regionalmente se agrupam autàrquicamente. Neste sentido me proponho apresentar à Mesa um projecto de emenda.
E voltemos ao artigo 72.º
Na ponderação dos prós e dos contras à sua alteração há um argumento importante ainda a favor da eleição directa. A vantagem de provocar, à vista para todos os riscos que implica, a reacção salubre.
A experiência do que se passou com a última eleição fez acordar os governados e governantes de um alheamento e modorra perigosíssimos.
A revolução em germe ou em marcha teve de se desmascarar o suficiente para o despertar de boas vontades a que todos estamos assistindo.
Afastada a consciência do perigo cairemos de novo em modorra?
Para a circunstancia inevitável e a mais ou menos longo prazo de mutação, porque humana, da chefia política não será mais perigoso, pela espontânea proliferação sempre latente de desvios partidaristas, o recurso a assembleias, mesmo como as que se projectam, do que a consagração plebiscitaria do sufrágio?
O Sr. Carlos Moreira: - Muito bem!
O Orador: - Dúvidas são estas que têm de se pôr à nossa consciência, já que o Regimento nos não autoriza a abstenção!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: em face do que acabo de dizer e do resto não se me figura para o caso convincente também o argumento do «mal menor».
Assim o meu voto apenas significará o que atrás se significa.
Tão-pouco me parece que o caso represente risco imediato de proporções tais que para a árdua defesa desta praça assediada de que falei se haja, a este propósito, de correr, sem olhar para trás, ao baluarte só «trazendo fúria» do amor pátrio «por antolhos».
Traduzir à vista de todos a minha convicção, aliás no séquito de alguns mais, de que esta reforma eleitoral é apenas mais um paliativo sem relevância bastante para merecer a minha opção implica interesse que, em minha consciência, julgo digno de consignar-se sob o ponto de vista nacional.
Trata-se para mim de caso meramente pessoal e de que não pretendo fazer qualquer proselitismo.
E, não obstante, uma coisa me tranquiliza pelo decurso da discussão: a de que o projecto obterá grande maioria de votos. Nunca se porá o caso de uma aprovação ou rejeição por n + 1 ou n-1. Por uma votação destas deixou em 1874, e com que influência no curso da história, de restaurar-se em França a monarquia legitima.
O correr risco de dar-se essa hipótese me levaria então a rever o caso. Não quereria suportar a responsabilidade de me poderem assacar um dia, a mim ou à minha memória - isto é, para daqui a sete anos -, que esta nova experiência se não tentara por falta do meu voto.
Sr. Presidente: já vai largo o arrazoado. Muito haveria de dizer, além do proposto pelo Governo, sobre os numerosos projectos na Mesa, incluindo aquele a que liguei a solidariedade da minha assinatura. Fá-lo-ei, antes, quando se discutirem na especialidade.
De resto, quanto à generalidade, o nosso projecto já foi suficientemente defendido pelos Srs. Cortês Pinto e Soveral, e prometi não repetir o que eles disseram com tanta relevância. Particularmente os acompanho na defesa dos preceitos a acrescentar ao já legislado na na Constituição, tendentes a corrigir perigosas concentrações plutocráticas.
Sem desprimor para os outros Srs. Deputados que já intervieram no debate com tanta elevação, quero apresentar as minhas felicitações ao Dr. Carlos Lima pela sua oração jurídico-constitucional primorosa, que o honra e com que honrou esta Assembleia.
Não concordarei com todas as suas maneiras de ver, mas com uma estou inteiramente de acordo: a de que para o exercício da função fiscalizadora que nos é própria convém que os diplomas legislativos publicados pelo Governo nos interregnos parlamentares possam ser chamados à barra desta Assembleia no inicio da sessão seguinte, se certo número de Deputados o reclamar.
Exercerá o preceito, embora raramente utilizado, pelo menos útil função de presença ou catalítica, como para as decisões judiciais, os votos de vencido ou as possibilidades de recurso.
Finalmente - no fim está o principio -, quero agradecer ao Sr. Deputado Agostinho Gomes o apoio que a sua autorizada e sábia palavra de teólogo quis acrescentar ao nosso projecto de preambulo com a invocação de Deus.
Só posso agradecer-lhe a exaustiva e vibrante exposição que aqui nos trouxe.
Concordo inteiramente com a sua proposta de alteração, a que me atrevo a fazer a simples proposta de redução, a prol de concisão, das palavras centrais, que me parecem supérfluas.
E como da invocação de Deus se trata termino : Laus Deo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. José Saraiva: - Sr. Presidente: à medida que o tempo passa transforma-se a vida e vão variando os problemas; e aquelas mesmas leis que se destinavam a normalizar a vida e a resolver os problemas vão envelhecendo e perdendo a sua primitiva eficiência como instrumentos reguladores da vida social.
É necessário corrigir então o direito; e nasce a dificuldade de conciliar a rigidez das normas jurídicas com o permanente fluir das realidades. Em tal dificuldade tem origem o instituto da revisão constitucional periódica, em harmonia com o qual nos encontramos reunidos para examinar o que precisa de ser alterado ou emendado no estatuto político fundamental.
Do próprio conceito de revisão constitucional se infere assim um método de trabalho. Se a correcção das normas é imposta pela alteração dos factos é necessário começar por examinar os factos para determinar quais são as normas a corrigir, e qual deva ser o sentido da correcção; sem uma base de análise sociológica será difícil chegar a um acordo e corre-se o risco de transformar a revisão numa ilegítima discussão de princípios. Digo ilegítima propositadamente; o que esta submetido a debate não são os princípios constitucionais, que no seu conjunto formam uma axiologia de valor permanente, realizável por maior que seja a variação das circunstancias ; trata-se só de saber se determinadas fórmulas conservam todo o valor como instrumento de realização dos mesmos princípios, ou se pelo contrário devem ser revistas no sentido da adaptação às novas realidades.
Há, portanto, que começar por determinar quais sejam as preocupações e as necessidades políticas fundamentais da nossa época e, especialmente, quais são as mudanças operadas, quais os aspectos novos que, precisamente por serem supervenientes, não se puseram ao espirito dos legisladores que tiveram de se ocupar da revisão anterior.
Esta tomada de contacto com a realidade, esta interrogação do sentido da sua evolução com vista a determinar o que é que, no texto legal, já não tem valor e precisa de ser corrigido, constitui a meu ver o assunto obrigatório da discussão, na generalidade, de qualquer proposta revisora.
Vejo que na Câmara Corporativa se entendeu diferentemente e se fez consistir tal discussão numa espécie de verificação de poderes, examinando-se se teria sido necessário ou redundante determinado acto da Assembleia Nacional; substituiu-se, portanto, um exame que seria de utilidade extrema por um outro cuja inutilidade é completa. Na verdade, trata-se de um acto soberano da Assembleia Nacional, válido em si mesmo, que não depende de deliberação ou confirmação posterior, e acerca do qual me não parece portanto que a Camará Corporativa tivesse sequer que tomar posição.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Seguirei nesta intervenção o método apontado: em primeiro lugar procurarei fixar as modificações políticas no terreno dos factos e o sentido geral das alterações que elas implicam no plano do direito; depois examinarei se as soluções apresentadas correspondem aos resultados daquela investigação e apreciarei o mérito da justificação que, de uma dessas soluções nos é oferecido pelo relatório da Camará Corporativa; por último exporei a solução que, em meu parecer, melhor pode resolver o problema.
As questões suscitadas na proposta e nos oito projectos são numerosas e é impossível ocupar-me de todas com a atenção que elas mereceriam. Limito-me, portanto, ao estudo do assunto fundamental da eleição do Chefe do Estado. Não tenho nenhum receio de, procedendo assim, estar a trocar o essencial pelo acessório.
A revisão do artigo 72.º da Constituição é o fulcro do debate; é, na verdade, matéria que, tanto pela sua importância no conjunto do nosso direito constitucional, como pela enorme projecção política, domina todas as outras questões sobre as quais a Assembleia terá de se pronunciar.
Não ë possível empreender um trabalho de definição das preocupações políticas dominantes numa certa época sem previamente se acertar num critério. Aquelas preocupações não são as mesmas para todos, precisamente porque variam em função do ponto de vista em que o observador se colocar.
O nosso ponto de vista está definido: não pode ser outro que o do interesse nacional. O que seja interesse nacional pode também estabelecer-se de modo unívoco. É nacional o que diz respeito à Nação, unidade espiritual integradora dos interesses da comunidade, e titular, ela própria de interesses que não se confundem com os de nenhuma comunidade em especial, porque é da sua essência ser pátria não de uma geração, mas de todas as gerações. Por isso mesmo, o primeiro de todos os interesses nacionais é o da própria existência da Nação. E isto me permite formular um conceito categórico suficientemente amplo para que todos os portugueses o possam aceitar e suficientemente claro para excluir equívocos: é do interesse nacional o que assegura a existência da Nação, é contrário ao interesse nacional o. que nega essa existência, ou pode pô-la em perigo.
Examinando à luz desse critério as modificações mais salientes da vida nacional nestes últimos anos seremos levados a isolar quatro grandes núcleos de questões que constituem problemas políticos no sentido de que correspondem a preocupações gerais da comunidade quanto aos destinos da vida nacional.
A primeira dessas grandes realidades políticas está no facto de se ter tornado evidente a necessidade de ampliação da acção do Estado, considerado como responsável pela efectivação de grandes tarefas nacionais, cujo conteúdo também se vai tornando cada vez mais do conhecimento público. Se ainda há vinte anos governar se entendia no sentido da gerência regular das actividades públicas normais, que constituíam a rotina governativa, hoje entende-se que ao Governo compete não só esse papel, mas, sobretudo, o de equacionar e resolver questões novas, de importância vital para a existência e futuro da Nação.
O Sr. Cortês Pinto:- Muito bem!
O Orador:-Entende-se isso e há tendência para julgar o Poder pelo grau da sua eficácia na resolução de tais questões.
Os problemas nacionais de base a que me refiro situam-se nos campos ultramarino, económico, social e cultural.
No campo ultramarino impõe-se a maior aproximação entre a metrópole e o ultramar, a ampliação da nossa presença espiritual, traduzida na valorização dos populações que é nosso dever trazer aos benefícios da civilização e da cultura e no aproveitamento sistemático dos recursos naturais. Se esta expressão pode servir de síntese, o mais sagrado dos nossos imperativos actuais - e de sempre - é o da integração de todos os povos portugueses no espirito e na organização do mundo lusíada.
No campo económico é urgente a reorganização económica com base num planeamento nacional que traga todas as parcelas do território a um equilibrado nível de desenvolvimento que assegure o aumento do rendimento e que possa preparar o País para enfrentar as novas condições da coexistência económica internacional.
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No campo social auscultam-se em todos os sectores as aspirações de um aumento geral das condições de vida das camadas desfavorecidas da população e de uma melhor distribuição do rendimento nacional. O problema português do rendimento, se economicamente se põe em termos de nível, socialmente aparece como uma questão de desnível. A concentração da riqueza começa a criar diferenças suficientemente profundas para gerarem estados de tensão latentes, que são ameaças voltadas contra a unidade espiritual, sem a qual não poderemos enfrentar tranquilamente o futuro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - No campo cultural aparece como obrigação impreterível do Estado a substancial promoção do nível cultural médio e em especial a reorganização do aparelho difusor de cultura base, progressos impostos pela nossa missão de povo educador de outros povos, pela obrigação de trazer toda a Nação à participação consciente na vida política, pelas exigências da gestão e da produtividade económica e até, sobretudo, pela nossa concepção cristã da vida, que impõe como destino último de toda a acção estadual a efectivação da plenitude espiritual do homem.
Tais são as grandes tarefas nacionais que o Estado está hoje obrigado a realizar; muitas não são questões de hoje; o que é vincadamente do nosso tempo é a percepção que acerca delas se vai radicando cada vez mais nitidamente na opinião pública. Esta consciência da ampliação dos deveres do Estado é um facto político da mais alta importância; por isso lhe dei a primazia. Dela resultam implicações de ordem constitucional: a necessidade de ampliar a acção do Estado conduz à necessidade de reforçar a autoridade estadual; como disse no seu último discurso o Sr. Presidente do Conselho, «um Estado forte, um Governo forte, tornam-se cada vez mais instantes».
O segundo dos grandes factores dominantes da época que estamos a viver vejo-o no II Plano de Fomento, o mais importante planeamento de conjunto da acção nacional até hoje formulado no nosso país e que, por essa mesma importância, domina a vida portuguesa no futuro imediato e a pode modificar à distância. Creio que não há discrepâncias acerca da necessidade de o cumprir no espaço de tempo previsto e de reunir os meios necessários à sua integral execução. E daqui também resultam consequências políticas: nem a realização seria possível se deixasse de se manter um regime de grande continuidade governativa, nem os meios indispensáveis - sobretudo os de proveniência estrangeira - afluiriam aos investimentos previstos no caso de a política portuguesa se complicar com agitações ou ameaçar mudanças.
A terceira grande característica a equacionar é a do enfraquecimento da unidade política e da necessidade do seu reencontro.
Há hoje certo grau de fadiga, incerteza, divisão. E deve logo marcar-se o facto de a divisão resultar mais da perda da confiança e da incerteza, que de uma consciente divergência de programas. A prova está em que os que exploram tal divisão não anunciam nenhum caminho definido; mas isto só agrava as coisas, porque permite que o descontentamento seja encaminhado no pior sentido, ou que aproveite aqueles únicos que realmente sabem o que querem, e que querem a subversão de todos os valores que são para nós a razão de viver.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- A perturbação da opinião política e o alargamento da desconfiança são um facto evidente. Quaisquer que sejam as explicações que possa comportar e por maior que seja o desgosto que nos canse esse facto existe e adiar-lhe a solução só fará aumentar-lhe a gravidade. Creio que aliás ninguém o nega; mas há algumas pessoas a quem ele perturba tanto que fazem como as crianças, fechando os olhos para não terem de o ver.
Não se pode governar muito tempo contra a opinião pública e a acção governativa é tanto mais eficiente quanto mais ampla aceitação encontrar na consciência colectiva. Quando se governe com espírito de facção, as divergências podem ignorar-se, ou servir só de pretexto para invectivas, insultos e perseguições; mas o espírito de nação obriga a contemplar as coisas de um plano superior. Toda a facção supõe a antifacção. mas governar coou espírito de unção significa exactamente isto - estar acima de todas as facções. Não estou a jogar com palavras; mas parece-me oportuno advertir do perigo de, por um movimento natural de reacção de defesa, nós próprios virmos a colocar-nos em posição facciosa, entendendo a situação nacional no sentido de situação apenas nacionalista. Seria aceitar as condições do jogo a que permanecem teimosamente agarrados os que não compreendem o que Salazar quis dizer quando anunciou que esta revolução seria a revolução nacional; seria colocarmo-nos nós próprios no plano dos que continuam a não entender o essencial da sua lição política: a de que «o espírito de partido corrompe ou desvirtua o Poder, deforma a visão dos problemas do Governo, sacrifica a ordem natural das funções, sobrepõe-se ao interesse nacional, dificulta - se não impede completamente - a utilização dos valores nacionais para o bem comum».
Este problema da unidade apresenta-se com agudeza especial quando do plano puramente político o passamos ao plano da unidade do mundo português. As províncias do ultramar são carne da nossa carne, e é nosso dever suprimir todos os fermentos que pudessem desagregar a coesão moral que a todas reúne no corpo único da Nação.
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
O Orador: - As pequenas contendas podem reflectir-se ali como se foram grandes divisões e, se as discordâncias ideológicas pouca força têm contra o abraço de uma unidade geográfica perfeito, podem tornar-se fatais quando coincidem com as divisões geográficas. Esta consideração não precisa de mais nenhuma palavra para ser sentida por todos; só acrescento que para mim ela é tão importante que só por si bastaria para impor a revisão de processos constitucionais de que manifestamente pode resultar detrimento para aquela unidade essencial.
A última característica dominante da presente conjuntura política, é a de uma preocupação cada vez mais generalizada em torno do problema da institucionalização do regime.
A questão, tal como costuma enunciar-se, pode resumir-se assim: desde há trinta anos que a continuidade governativa e a garantia da paz pública repousam menos sobre a solidez das instituições que sobre o valor de um homem excepcional. Chamado no Poder quando parecia iminente n falência em que tudo iria perder-se, ele tudo conseguiu salvar e a Nação cedo começou a ver nele, mais que simples governante, o instrumento de uma intervenção providencial. Depois prosseguiu na realização de uma obra e ao mesmo tempo na divulgação de uma doutrina vincadamente pessoal, através das quais se impôs não somente como o primeiro valor dentro de grande conjunto de valores humanos, que é o Estado, mas como a própria alma desse conjunto, a sua razão de ser e a sua personificação.
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Assim se estabeleceu uma fortíssima personalização do Poder, que, aliás, estava de acordo tanto com as tendências mais profundas da nossa gente, que se fia mais nos homens do que nos sistemas, como com o pendor dos tempos, que é um pouco por toda a parte no sentido do domínio das grandes personalidades e do crepúsculo das instituições.
Porque os homens não são eternos e os génios políticos não surgem senão de longe em longe, a prudência obriga a considerar a possibilidade de se vir a criar um vácuo político, para o qual as instituições não estão, evidentemente, preparadas. Daí o falar-se muito da necessidade urgente de uma institucionalização do regime.
A apreensão é fundada, mas não pode pôr-se com esta simplicidade.
A época que estamos a viver não se caracteriza só pela presença de um grande estadista no Poder, mas também, e sobretudo, por um estilo novo de governar. Ora os homens passam, mas as grandes experiências históricas que eles determinaram ficam a existir como valores permanentes, como formas a cuja realização os povos aspiram, independentemente de haver ou não quem possa pô-las em prática.
O método do Governo de Salazar -aquele estilo novo a que me referi- constitui uma grande experiência histórica e, o que é importante, uma experiência de resultados unanimemente considerados positivos.
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
O Orador: - Digo unanimemente sem esquecer que o regime tem adversários e sem os excluir dessa unanimidade. Há, pelo menos, um ponto em que eles estão de acordo connosco: é que o Governo governa. E isto já representa que admitem que houve um ganho, porque o defeito da situação anterior ao 28 de Maio era precisamente o de que o Governo não governava.
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
O Orador: - O regime trouxe, portanto, a conquista do um progresso quanto ao método político; e qualquer institucionalização que se pretenda há-de ter em conta esse progresso, e tem de o valorizar como saldo de uma experiência longa e concludente. Quer dizer: não se trata de institucionalizar o Poder despersonalizando-o, mas, pelo contrário, de institucionalizar a própria personalização do Poder.
Proceder de outra forma seria não aproveitar o passado e seria, como vou mostrar, não prevenir o futuro.
Este longo período da história portuguesa caracteriza-se pela paz, pêlo trabalho ordeiro, pela sucessão de muitos anos tranquilos, em que todos - mas sobretudo as classes médias, que são quem faz a opinião política - puderam confortàvelmente prosperar.
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
O Orador: - E quando os tempos mudassem e tornassem a viver-se as horas de .sobressalto nas consciências, de tumulto nas ruas, de anarquia Tia Administração, de violenta agitação social, de incapacidade de poder; quando se visse que nada nem ninguém mais era respeitado, nem crenças, nem pessoas, nem fazendas - então mesmo os que não apreciam agora os bens que têm haviam de exigir se regressasse àquele método que ao menos permitia a cada um viver em paz.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E a opinião nacional erguer-se-ia toda a reclamar um governo forte, visto já ter a lição de que sem ele não há governo possível.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Essa aspiração colectiva abriria o caminho a todos os que, julgando-se nascidos para caudilhos, logo surgiriam a disputar o poder pessoal, arregimentando apoios populares com as piores demagogias. E ver-se-ia a Pátria sair sangrando de novas feridas depois de cada nova aventura, se entretanto não fosse arrastada pura alguma aventura sem regresso.
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
O Orador: - A fórmula institucionalização do regime prefiro, portanto, a adaptação das instituições à personalização; a medida exacta da projecção de Salazar na vida portuguesa está menos no facto de não poder ser substituído que no de ter de ser continuado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-As implicações deste pensamento em matéria de revisão constitucional são claras: a primeira pessoa do Estado é o Presidente da República e reduzir-lhe a projecção nacional é diminuir-lhe a possibilidade de personalizar a função.
Os quatro conjuntos de problemas ou realidades políticas que deixo definidos,- existência de grandes tarefas nacionais e convicção pública de que é urgente obrigação do Estado cumpri-las, necessidade de realização do II Plano de Fomento, problema da institucionalização da chefia efectiva do Executivo, necessidade de unidade nacional - não esgotam A matéria, das preocupações políticas destes nossos ansiosos dias; mas creio que abrangem o mais importante, considerando exclusivamente as coisas sob o ponto de vista interno; porque há muitos males que vêm de fora, mas esses não têm de ser invocados para efeitos de revisão constitucional.
Deste epítome de problemas de facto resultam, como consequência directa, as implicações de direito político que também já deixei referidas, e é agora a vez de resumir: a primeira é a de que a revisão constitucional corresponde a uma necessidade, porque a evolução dos factos foi suficientemente ampla para provocar desajustamentos; a segunda é a de que as correcções a introduzir deverão visar os objectivos seguintes, em correspondência com as questões de facto que se apuraram: a conservação da presente estrutura governativa no sentido de uma autoridade forte; a garantia da estabilidade política e do clima- de disciplina social interna; o robustecimento da posição do Presidente da República dentro do conjunto dos poderes públicos; a organização do processo político em ordem a conseguir o estabelecimento de um ambiente de unidade nacional, e a fomentar a integração completa das parcelas do mundo português dentro do mesmo ideal nacional.
Essas consequências resultam todas, repito, de factos acerca dos quais todos os portugueses estão de acordo e que são considerados de interesse decisivo qualquer que seja a posição ideológica de cada um. Parece, portanto, que todos deveriam estar igualmente- de acordo nas directrizes políticas impostas por aqueles mesmos interesses. Mas não é assim. Reconhece-se sem reserva a necessidade de levar a acção do Estado muito para além dos limites que o liberalismo lhe marcou; reclama-se instantemente a realização em curto prazo de vastas programas de ordem económica, social e cultural, e protesta-se com indignação por se não ir mais
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depressa por esse caminho. Mas, ao mesmo tempo, clama-se contra toda a limitação às liberdades individuais, contra toda a imposição de disciplina colectiva, ou, numa palavra, contra todo o reforço de autoridade do Poder.
Há certamente nisto uma grande contradição, que consiste em no mesmo tempo querer que o Estado faça tudo e só organize por forma a não poder fazer coisa alguma. Contraditória, a meu ver, o certo é que a aspiração do regresso àquelas fórmulas políticas, que no seu conjunto constituem o esto do de liberdade, se apresenta como uma das teses centrais de uma corrente de opiniões: corrente que não está connosco, mas que ainda assim a Assembleia Nacional, precisamente porque é nacional, não pode ignorar.
Ao afirmar que a necessidade de um governo forte, de uma autoridade firme, é exigência da própria gravidade dos problemas que há para resolver, não me esqueci de que lia aspirações em sentido contrário. E peço que me seja permitido abrir um parêntesis nas minhas considerações para definir o que sinto e penso a tal respeito.
Eu não reconheço que entre esses que se dizem nossos adversários e os que verdadeiramente estão integrados no espírito da Revolução Nacional n afeição à liberdade possa servir de fronteira ou ser o sinal da separação. Pela liberdade, como fim imanente ao homem e objectivo supremo do labor público, somos, certamente, todos nós. A distinção estará, portanto, apenas na forma como entendemos a liberdade.
São do grande Pontífice Pio XII estas palavras: «Através de todas as mudanças e vicissitudes, o fim de toda a sociedade fica idêntico, sagrado e obrigatório: o desenvolvimento dos valores pessoais do homem, na medida em que ele é a imagem de Deus. E fica sempre para cada membro da família humana a obrigação de realizar aqueles fins imutáveis, qualquer que seja o legislador e a autoridade a que esteja submetido». Liberdade é para nós, e creio que para todos os que têm uma concepção cristã da vida, precisamente a possibilidade do desenvolvimento dos valores pessoais do homem, a conquista da plenitude espiritual, o triunfo da pessoa sobre os determinismos que a escravizam, a inferiorizam, a pervertem, a fazem sofrer ou a fazem pecar.
Na sua projecção política nenhum conceito de liberdade é tão imperioso ou tão amplo como esse, visto que ele pressupõe a realização de todas as liberdades parcelares, que são vias conducentes à plenitude espiritual. O Estado reconhece-se na obrigação de ir libertando os homens da incultura, da doença, da invalidez, do desemprego, da miséria, da falta do lar - tudo condições que não fazem de per si o homem livre, mas sem as quais se não pode ser livre. Para isso tem o Estado de ser forte: e a autoridade aparece como imposição da liberdade.
Supomos que aqueles que já se habituaram a chamar-nos inimigos da liberdade têm do problema uma perspectiva completamente diferente: a noção restringe-se à maior ou menor latitude na definição de exercício dos direitos políticos individuais; e porque toda a autoridade representa um limite imposto, a autonomia política individual, os conceitos de autoridade e liberdade aparecem como contraditórios: o homem, sob o ponto de vista puramente político, irá sendo mais livre na medida em que o Estado se for tornando mais débil.
Compreende-se que este ideal tenha surgido no decurso do Século XVIII como aspiração de camadas sociais que tinham atingido alto nível de prosperidade económica e para as quais, portanto, a liberdade política era já a única que importava conquistar. Compreende-se que essa aspiração continue a constituir o programa de gentes da classe média, que têm assegurado tudo o que é necessário para viver e já esqueceram que na doença, no analfabetismo ou na subalimentação não há liberdade possível.
Eu vou até compreender o egoísmo cego dos que, para defenderem a sobremesa de uma liberdade complementar, contestam ao Estado o direito de ser forte, isto é, fecham os olhos à necessidade evidente de conquistar as liberdades fundamentais que suo exigidas pela dignidade humana. O que já não consigo compreender tão bem são os motivos do nosso silêncio quando nos chamam adversários da liberdade ; e não entendo porque parecemos ciosos em esconder do povo que a liberdade que essa meia dúzia reclama teria por alicerce odioso a escravidão da imensa maioria, porque o único fim da autoridade que defendemos é a realização dos imperativos de promoção humana, que são o fundo da filosofia social do regime.
E agora a segunda observação.
Quando me pronuncio no sentido do reforço da autoridade do Poder sinto-me na obrigação de distinguir entre o estado de autoridade e autoritarismo do Estado, conceitos que a semelhança das palavras aproxima, mas que não só não são afins como, em rigor, são contraditórias entre si. A autoridade é um estado de direito; o autoritarismo um estado de capricho. Aquela apoia-se na força das leis; este no arbítrio dos homens. Autoridade resulta do princípio legítimo da eficácia do poder; o autoritarismo nasce quando o princípio começou a desagregar-se ou quando a autoridade deixou de ser respeitada.
A distinção é importante, até porque alguns daqueles que dizem não aceitar n concepção do estado de autoridade, talvez no fundo protestem apenas contra aspectos de autoritarismo, que nunca deixam de se infiltrar.
Exemplificarei o que pretendo dizer com o problema da situação da imprensa, problema que está incluído na economia do debate por a ele se referir o projecto do ilustre Deputado Sr. Dr. Carlos Moreira.
A quem use prestar atenção ao desenvolvimento dos problemas não terá passado despercebido que esta questão, primitivamente enunciada como questão da liberdade da imprensa, foi evoluindo e hoje, se a reclamação de uma liberdade completa continua a usar-se para fins puramente políticos, o que a imprensa reclama é, sobretudo, a formulação de um regime legal definido.
A imprensa exerce uma função pública de enorme projecção; é, no seu conjunto, uma actividade de interesse e ordem pública, e por isso mesmo não pode deixar de estar submetida à superior coordenação do Estado, porque é regra sem excepção que, se as actividades puramente privadas se devem desenvolver à margem dessa intervenção, as actividades públicas têm de lhe ficar submetidas. Este é um princípio básico do ordenamento jurídico de todos os países e não se vê por que havia a imprensa de lhe fazer excepção.
E todavia faz.
Ao passo que todas as actividades têm o seu estatuto definido na lei, e aqueles que as exercem podem conhecer claramente os seus direitos, responsabilidades e obrigações, a imprensa está ainda sob o regime nebuloso de um puro arbítrio, e vê a sua vida dependente de critérios pessoais que oscilam consoante a disposição ou a opinião de quem as exerce, ou conforme o sabor dos tempos, ou até, por vezes, em função de factores que são de todo em todo imprevisíveis. Essas oscilações e imprevisibilidades são, aliás, males secundários; poderiam até não se verificar, sem que por isso o erro de origem desaparecesse, porque o mal está em se deixar ao arbítrio dos homens o que deveria pertencer à disciplina das leis.
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Suponho que terão sido estas as razões que levaram o ilustre Deputado Sr. Dr. Cario» Moreira a propor que se consignasse na Constituição a obrigatoriedade da publicação de um estatuto da imprensa, incluindo, para o efeito, no artigo 23.º as palavras seguintes: «Lei especial definirá os direitos e os deveres, quer das empresas, quer dos profissionais do jornalismo, por forma a salvaguardar a independência e dignidade de umas e outros». Pois a tal respeito pondera a Câmara Corporativa que «a fórmula que se usa no projecto é demasiado ampla, pois, supõe-se, não cabe numa lei de imprensa definir todos os direitos e deveres das empresas jornalísticas, nem todos os direitos e deveres dos profissionais da imprensa».
Creio que com isto não se pode ter querido significar que aqueles direitos e deveres não cabem na lei, por serem tão numerosos que nenhuma lei os pudesse abranger; isso seria uma inadmissível declaração da impotência do direito como sistema regulador das relações humanas. Todos os direitos, todos os deveres, são susceptíveis da elaboração jurídica, e é notório que há domínios da actividade humana muito mais vastos e complexos que o da imprensa, e que se encontram completamente juridicizados: por exemplo, toda a actividade comercial, ou toda a vida administrativa, ou todas as relações de família. Só, portanto, se podem entender aquelas palavras no sentido de que, em matéria de imprensa, há direitos e deveres que não devem constar da lei.
Aludo ao caso, porque ele é expressivo da rebelião do autoritarismo contra a autoridade, do puro arbítrio noutra o direito. E escuso de acrescentar que aquele estado de autoridade, que considero indispensável manter é consolidar, supõe o expurgo de desvios desta espécie. Só assim poderá aspirar à plena legitimidade, isto é, só assim poderá ser aceite como justo por todos os portugueses.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o prazer.
O Sr. Mário de Figueiredo: - E só para notar o seguinte: é que pode ter querido significar apenas que há direitos e deveres que não são para estar contidos numa lei especial, mas que devem resultar da lei geral.
O Orador: -Sr. Professor: agradeço muito a V. Ex.ª ter-me aberto a esperança de que o sentido do parecer não fosse aquele que eu lhe atribuí. Claro que continuo a pensar que, a ser assim, nada impedirá que, como acontece com todos os outros complexos de relações jurídicas, uma parte venha na lei geral enquanto a restante não venha, mas basta que V. Ex.ª mo tivesse dito para que eu fique com uma ideia diferente daquela que lhe atribuía e para que fique muito reconhecido a V. Ex.ª
E agora a altura de examinar se as propostas e projectos em discussão correspondem as necessidades de revisão que a traços gerais acabei de referir. Ocupar-me-ei principalmente da proposta apresentada pelo Governo, e dentro dela apenas da matéria referente a eleição do Chefe do Estado.
O resumo do que até agora tenho dito é que da revisão deveria resultar manutenção da autoridade, robustecimento da posição do Presidente da República e a criação de condições que assegurem a unidade espiritual da Nação. Pois penso que a proposta do Governo não corresponde àquelas necessidades; pelo contrário, pode trazer uma diminuição da autoridade do Poder, reduz a posição do Chefe do Estado no conjunto do sistema político e, indo deliberadamente para o caminho de suprimir sintomas em vez de debelar os males, em nada favorece a unidade que é urgente estabelecer entre os Portugueses.
Julgo que não precisa de, demonstração, por ser evidente, a premissa de toda a restrição a autoridade nacional do Chefe do Estado, que não é o fecho simbólico de um sistema, mas o verdadeiro chefe e «guia activo da Nação», se traduz em limitação da própria força estadual. Também é evidente que a força, a estabilidade, a autoridade moral do Estado não resultam apenas da competência fixada nos diplomas, mas do grau do seu enraizamento na consciência dos governados, na forma como a Nação sente e confia; por isso mesmo sempre Se entendeu que a medida da legitimidade do poder é dada pela correspondência do mesmo poder à vontade da Nação: o afastamento entre a Nação e a política é sempre o caminho para a condenação da política, porque os dois termos -Nação e política- um é eterno e o outro contingente e passageiro. E quando o desacordo se instala e a distância se interpõe, a Nação permanece e o que se substitui é a política.
Já tem um quarto de século - o que representa mais de metade do tempo de duração das instituições republicanas em Portugal- o sistema da eleição do Presidente da República pela Nação, através de sufrágio universal e directo.
Propõe-se agora um método de eleição diferente; mas a diferença não seria essencial, visto que - argumenta-se - ele continuaria a ser eleito pela Nação. Apenas sucederia que, em vez de um conceito democrático da Nação, passaríamos a partir de um conceito corporativo, isto é, da Nação concebida não como a soma das pessoas, mas como a síntese integradora das estruturas orgânicas subordinadas.
Mas logo aqui nasce a primeira objecção.
São coisas completamente diferentes a concepção filosófica de nação e a definição da disciplina política do Estado.
Não escondo que tenho dedicado muitas horas àquela questão teórica, que é densa de implicações do mais alto interesse cultural; considero líquido que a Nação, mais que uma aritmética, é uma força; e penso que a concepção corporativa, que substitui ao simples conceito estático e mecânico dos prosadores individualistas a ideia de uma estrutura dinâmica, integradora, autónoma, representa um progresso definitivo no plano da filosofia política.
Mas, qualquer que seja a noção teórica que se adopte, não há dúvida que se não poderá passar sem um aparelho político: esse aparelho poderá basear-se unicamente na concepção orgânica de nação? Vejo que se fala muito sobre isto, como se esta pergunta já tivesse alguma vez sido respondida. Ora é preciso recordar que até hoje, nem na teoria nem na prática, se pôde resolver a questão em sentido afirmativo; isto é, ainda se não pôde demonstrar que a utilidade de organização corporativa se mantenha quando transposta para o plano da organização política. Quando, um pouco mais adiante, examinar o parecer da Câmara Corporativa poderei, com mais pormenor, ocupar-me dos aspectos teóricos do assunto; neste momento proponho-me só examiná-lo do lado realista e prático.
A primeira condição a exigir em qualquer eleição através de representantes é que os representantes sejam aceites como tais pelos representados; a isto se chama a genuinidade da representação. Não basta que se diga que é a Nação que elege o Chefe do Estado; também é necessário que a Nação sinta que o Chefe do Estado é eleito por ela.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Há, pois, que determinar se o sistema da proposta - eleição por um colégio restritíssimo, formado pelos Deputados, Procuradores à Câmara Corporativa e por algumas entidades que se supõem representarem autarquias locais - corresponde a essa necessidade.
Estou a colocar-me no campo dos factos. Em teoria poderia sustentar-se que sim, que a representação nacional fica assegurada e também se poderia sustentar o contrário, mas, no plano das realidades, penso que não podemos concluir que u maioria da Nação se sentirá presente na eleição ou que não sinta que foi privada de um direito que até aqui lhe era reconhecido.
Dos três elementos que formariam o colégio só uma minoria - a Assembleia Nacional - foi eleita por sufrágio directo. Os Deputados estariam, portanto, em condições de legitimidade técnica para funcionarem como verdadeiros eleitores de segundo grau.
Há, porém, que perguntar se seria efectivamente como eleitores de segundo grau que funcionariam, porque, embora se possa dizer que ao votar se pronunciam em representação dos respectivos eleitorados, o certo é que os votos se contarão individualmente, precisamente nos mesmos termos em que serão contados os dos Procuradores à Câmara Corporativa, que não votam em nome de eleitorado algum.
Devem ainda acrescentar-se objecções resultantes da natureza e espírito da Assembleia Nacional.
A Assembleia é um órgão político, no sentido de que é órgão da soberania e instrumento de crítica política. Mas não é uma assembleia formada pelos representantes de várias correntes políticas agrupadas ou não em partidos. E certo que nada na lei impede que o venha a ser, mas este é um caso muito nítido de falta de correspondência entre a lei e a realidade.
E esta insuficiência da lei não existirá em relação à imprensa?
Embora nenhum preceito o declare, é da essência desta Assembleia a representação directa dos interesses nacionais, e não na representação indirecta, isto é, a representação das opiniões políticas.
Ora, para que uma eleição presidencial seja genuína e os seus resultados sejam acreditados, ela tem de medir a proporção sectorial das opiniões existentes. Fora disso não há sufrágio propriamente dito, mas apenas a ratificação, por meio de voto, de uma escolha anteriormente feita. E uma função semelhante à da aclamação, mas a aclamação supõe a existência de uma anterior e indiscutível legitimidade; não a faz nascer: consagra-a, mas consagra-a porque ela já existia. Os regimes republicanos, não aceitando a preexistência do direito ao Poder, têm de legitimar a escolha na sua base, e não apenas de a solenizar.
Parece-me evidente que nestas condições a votação na Assembleia Nacional não serviria para traduzir as várias correntes de opinião definidas por ocasião da eleição do Chefe do Estado. Poderia acontecer que a uma unanimidade interna correspondesse uma ostensiva divisão externa; e, mesmo quando não houvesse unanimidades, não haveria qualquer correlação.
A explicação teórica dessa falta de correspondência salta aos olhos: vem precisamente do facto de a Assembleia não ser formada por mandatários de partidos, mau por Deputados da Nação. Mas há que reconhecer que esse desfasamento repercutiria sobre a opinião pública de modo a não aumentar a confiança na eleição, com a consequente redução de prestígio para o eleito.
O segundo dos grupos integrantes do colégio eleitoral seria formado pelos Procuradores à Câmara Corporativa. E em virtude dessa intervenção que se escreve no parecer e se tem depois repetido que a proposta reveste certo carácter orgânico ou corporativo. Mas creio que esse carácter é mais aparente que real.
Os Procuradores à Câmara Corporativa, como eleitores do Chefe do Estado, não são órgãos nem representam interesses: são apenas eleitores qualificados. Eles não têm de exprimir nenhuma opinião que não seja a sua, não trazem à eleição nenhum voto apurado previamente ou definido pelas estruturas corporativas associadas ao interesse que cada Procurador representa na Câmara. O seu voto é, portanto, rigorosamente individual e nada tem de orgânico ou de corporativo.
Vêm depois as dificuldades resultantes da própria constituição da Câmara Corporativa. Segundo o artigo 102.º da Constituição, compete à lei designar os Procuradores, a forma como serão escolhidos e a duração dos mandatos. Ora a faculdade de fazer a lei pertence no Governo, que tem entendido a palavra «lei» em sentido material, considerando-se, portanto, com competência para legislar em todas as matérias que não sejam as expressamente reservadas pelo artigo 93.º à competência exclusiva da Assembleia.
O defeito técnico desta construção é evidente: o Governo tem o poder de, por lei, designar os Procuradores, e, portanto, a possibilidade de interferir directamente na eleição do Presidente da República. Sabe-se, aliás, como uma parte dos Procuradores, que legalmente pode ir até um terço - os que representam os interesses da Administração-, são de nomeação governamental; e a disposição que o ilustre Deputado Dr. Cerqueira Gomes pretende introduzir no sentido de que esses não fossem considerados eleitores presidenciais foi reputada de secundário interesse pela própria Câmara Corporativa, que contra ela se pronunciou em termos que bem revelam que ali se considera que o anais importante do voto é o ser qualificado, embora individual, e não o ser orgânico ou representativo.
Prevejo a réplica de que, qualquer que seja o modo de designação dos Procuradores, isso não diminui a legitimidade da Câmara Corporativa como intérprete da vontade nacional, porque o próprio Governo nas escolhas ou indicações que o possa fazer procede unicamente movido pelo interesse nacional. Isto pode ser certo agora, mas não se pode aceitar como facto constante; e, além disso, dentro deste modo de pensar, o mais coerente seria ir logo para a solução da linha mais curta entre os dois pontos.
Finalmente, o colégio eleitoral seria completado por certo número de representantes dos municípios de cada distrito, designados pelas vereações.
O princípio da representação municipal é inteiramente justo; mas a forma como a proposta o admite desvirtua-o e retira-lhe toda a veracidade. O município é uma unidade verdadeira, talvez a mais verdadeira, enraizada e autêntica das nossas estruturas corporativas; parece-me a mais justa das formas existentes de agrupamento de interesses, porque é a única que lhes respeita a complementaridade e a complexidade, enfeixando-os em conjuntos naturais e não os decompondo deformadoramente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas isto é o município, não são os municípios de cada distrito. Um município determinado é uma realidade; o conjunto dos municípios de cada distrito é apenas uma categoria administrativa e a sua representação tem sempre de ser convencional, destituída de toda a genuinidade representativa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Segunda dificuldade é a do processo de designação dos representantes. A proposta prevê a in-
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tervenção das vereações eleitas nos termos da lei; mas também aqui os factos hão-de atraiçoar os princípios, porque se sabe como a administração central, mercê da sua própria eficiência, sé projecta sobre a administração local e como as vereações, formalmente eleitas, podem ser, efectivamente, designadas.
E, por fim, não pode deixar de registar que, segundo a proposta, ficariam dependentes de lei, isto é, do Governo, quer o número total desses representantes, quer a sua distribuição por distritos. Não há mesmo indicação pela qual se possa seguramente concluir se se pensa seguir o sistema francês, que levaria a atribuir perto de mil representantes aos municípios de cada distrito, se o sistema italiano, que reduz o número a meia dúzia, se se irá mesmo para admitir só um, porque a letra da lei também o não exclui. Entre tanto e tão pouco, todas as soluções ficarão legalmente permitidas, e sobre qual venha a ser a verdadeira constituição do colégio só podemos por agora formular conjecturas.
A Câmara Corporativa considera aceitável esta absoluta indeterminação, e apenas sugere que, em questão tão decisiva, se venha a proceder em harmonia com um critério de justiça relativa. Não nos podemos satisfazer com tão vaga condição. Desta completa falta de rigor resultaria ficar aberta a possibilidade de alterar a constituição e até o significado do colégio eleitoral, dando ou retirando a maioria às câmaras, reduzindo os eleitores das autarquias a uma fracção simbólica ou elevando-os, até constituírem uma multidão, dentro da qual o voto dos Deputados e dos Procuradores perderia qualquer expressão e ficaria privado da relevância que me parece ser exigida pela sua indiscutível qualificação. Basta este aspecto para que a proposta não possa ser votada sem emenda.
No seu conjunto o colégio eleitoral ficaria constituído de um modo que nós não sabemos rigorosamente qual seria, mas que formaria um círculo fechado, sem a amplitude nem o poder representativo que são sempre exigíveis no acto fundamental de toda a vida política. E não convém esquecer que as eleições em assembleias fechadas podem contribuir pura o desprestígio dos eleitos de uma forma ainda mais grave do que as eleições gerais. Desde que falte uma autoridade superior que todos respeitem, a opinião dissolve-se em grupos, envilece-se em combinações, e acaba por conduzir a apagadas soluções de compromisso. Isto não nos impressiona agora, porque raciocinamos a partir da ideia de que aquela autoridade existe. Mas legislar é preparar o futuro.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Saraiva: como a hora vai adiantada, se as considerações que V. Ex.ª vai ainda produzir forem demoradas, reservar-lhe-ei a palavra para a sessão de amanhã.
O Orador: - Muito obrigado, mas, se V. Ex.ª, Sr. Presidente, me der licença, concluirei com mais uma frase.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.
O Orador: - Contra tantos inconvenientes de pouco valeriam os argumentos teóricos a que poderíamos recorrer: a eleição do Chefe do Estado passaria a fazer-se no meio de uma indiferença quase completa; e depois de termos sofrido as consequências de um interesse excessivo, viríamos a suportar os de um desinteresse total. A política é a arte da justa medida e o problema tem de ser resolvido sem que se caia em nenhum desses dois extremos; mas, se houvesse que escolher entre um e outro, optaria pelo primeiro; entre-o perigo ostensivo e o silencioso, o segundo é, em regra, o mais traiçoeiro.
Concluirei, então, as minhas considerações na sessão de amanhã.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá duas sessões; uma da parte da manhã, que começará às 10 horas, e outra de tarde, à hora regimental. Ambas as sessões terão a mesma ordem do dia da sessão de hoje.
Comunico aos Srs. Deputados que a Comissão de Política e Administração Geral e Local vai reunir-se após o encerramento desta sessão.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que faltaram, à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Domingos Rosado Vitória Pires.
João da Assunção da Cunha Valença.
João de Brito e Cunha.
João Maria Porto.
José António Ferreira Barbosa.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Noel Peres Claro;
O REDACTOR - Luís de Avillez.
NACIONAL DE LISBOA