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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 121

ANO DE 1959 15 DE JUNHO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 121, EM 12 DE JUNHO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta ao expediente.

O Sr. Deputado Neves Clara referiu-se a morte de cinco seminarista» que se banhavam no Tejo.
O Sr. Deputado Carlos Coelho voltou a falar sobre a fábrica de fiação-piloto que se pretendo instalar em Lisboa.
O Sr. Deputado Nunes Barata tratou do problema da responsabilidade doe municípios no internamento de doentes pobres nos hospitais.

Ordem do dia. - Continuou a discussão da proposta e projectos de emenda a Constituição Política.
Falaram os Srs. Deputados Duarte Amaral, Sócrates da Costa e Cortês Pinto, que ficou com a palavra reservada para a sessão seguinte.
O Sr. Presidente encerrou a sessão as 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Finto dos Reis. Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
Belchior Cardoso da Costa.
António Cortas Lobão.
António Jorge Ferreira.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.

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Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Muitas de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sai Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 91 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Exposição

«Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência:

I

1. A Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, constituída pelos Grémios dos Industriais de Lanifícios de Castanheira de Pêra, Covilhã, Gouveia, Norte e Sul, segundo o seu estatuto, aprovado pelo Decreto n.º 32 983, de 21 de Agosto de 1943, tem por finalidade essencial:

Orientar e coordenar, dentro da ordem corporativa nacional, a actividade das empresas que utilizam a lã como matéria-prima e se encontrem colectadas pelo exercício de qualquer das seguintes industrias: lavadaria, cardação, penteação, fiação de cardado e penteado, tecelagem, tinturaria, ultimação, malhas, mungos e fabricação de tecidos em oficinas pertencentes a ou trem.

Ainda, e pelo menos desde á vigência da Lei n.º 1956 e do Decreto n.º 36 945, respectivamente de 17 de Maio de 1937 e de 28 de Junho de 1948, diplomas hoje substituídos pela Lei n.º 2052, de 11 de Março de 1952, e pelo Decreto-Lei n.º 39 634, de 5 de Maio de 1954, tem competência para se pronunciar - e obrigatoriamente deve ser ouvida! - em todos os processos de condicionamento industrial em que de algum modo sejam interessadas as firmas suas Agremiadas ou outras que, porventura, pretendam explorar quaisquer das actividades sob a sua alçada.
.. Teve, e tem ainda, embora em plano mais restrito, revogado que foi, pelo artigo 36.º do já mencionado Decreto-Lei n.º 39 634, o Decreto n.º 30 586, de 12 de Julho de 1940, poderes de fiscalização das regras do condicionamento, incumbindo-lhe, presentemente, informar a Direcção-Geral dos Serviços Industriais de todas as infracções de que tenha conhecimento. Por sua vez, exclusivamente aos funcionários deste departamento do Estado, com salvaguarda de recurso hierárquico, cabe a aplicação de multas, a selagem das máquinas e a apreensão das mercadorias, quando a instalação ou a exploração se faça sem a licença exigida por lei.

2. Na Assembleia Nacional, bem recentemente, nas sessões de 22 de Maio e de 3 de Junho, os Exmo. Srs. Deputados Dr. Carlos Coelho e Engenheiro Carlos Monteiro do Amaral Neto - no uso de um direito incontestável, é certo - chamaram a atenção dos Poderes Públicos e do País para factos ocorridos e em curso, em matéria de condicionamento industrial, com uma empresa inscrita nesta Federação por força da atrás citada disposição legal.
Só nos primeiros dias de Março a direcção deste organismo teve conhecimento do relatório relativo à gerência de 1958 da empresa visada nas intervenções parlamentares referidas - o Consórcio Laneiro de Portugal, S. A. R. L., com sede em Lisboa -; e só então soube da instalação e compra da pretensa fiação-piloto de penteado e do modo como a operação era apresentada nos respectivos accionistas.
Para esclarecimento dessa Exmos. Câmara, impõe-se-nos a transcrição integral de duas passagens desse ré-

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latório - uma do relatório propriamente dito e outra do parecer do conselho fiscal - em que o assunto é, aliás contraditoriamente, tratado sem disfarces (cf. Diário do Governo n.º 89, 3.ª série, de 15 de Abril findo):
a) No relatório do conselho de administração diz-se:

Pana completo apetrechamento mecânico da fábrica e cumprimento de uma determinação do alvará, foi adquirido no final do ano o equipamento de fiação-piloto. (Informaram o Exmo. Sr. Deputado Amaral Neto, como se vê do seu discurso, que «os maquinismos estavam encomendados e pagos por créditos abertos em 28 de Outubro anterior»). Esta aquisição tornou-se possível pelo espírito de colaboração da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, que, superiormente autorizada, nos facilitou o financiamento necessário para esta operação. A Exma. Presidência daquele organismo, accionista privilegiado deste Consórcio, patenteamos aqui muito gostosamente o nosso vivo reconhecimento.

b) No parecer do conselho fiscal escreveu-se, porém:

O relatório da direcção, na sua síntese, não deixa de prestar à Junta Nacional dos Produtos Pecuários, focando o seu ilustre presidente, o agradecimento de todos nós pela posição que tomou no financiamento que o ilustre Subsecretário de Estado da Agricultura, engenheiro Vitória Pires, autorizou a Junta a fazer para ser possível ao Consórcio criar mais uma secção técnica, que completa a nossa unidade industrial.
Sem nos querermos perder em comentários, julgamos admissível ou desculpável um reparo imediato: quando o conselho de administração, estribando-se na condição do alvará, informa ter adquirido o equipamento de fiação-piloto previsto, o conselho geral, mais ciente, por certo, das possibilidades da maquinaria encomendada e do objectivo pretendido, não hesita em alardear que, graças aos auxílios recebidos, foi possível o Consórcio criar mais uma secção técnica, que completa a unidade industrial!
Secção autorizada em que processo?
Por quem?
Mas permita-nos V. Exa., Sr. Presidente, que continuemos a narração, por força longa, referindo o indispensável ao esclarecimento de todos quantos hoje podem inquirir da acção deste organismo - dada a sua demonstrada legitimidade -, em problema de tanto interesse e repercussão, antes de para ele ter sido chamada a atenção do País na tribuna dessa Assembleia Nacional.

3. Na reunião do conselho geral efectuada de 2 a 4 do passado mês de Março os órgãos administrativos da federação Nacional dos Industriais de Lanifícios tomaram conhecimento da inesperada e intempestiva nova. Por unanimidade - portanto com aquiescência e aprovação do próprio Grémio a que pertence o Consórcio Lameiro de Portugal, no exacto e autorizado dizer do Exmo. Sr. Deputado Amaral Neto «fábrica de penteação de lãs e secções de escolha, lavagem e cardação» - foi decidido solicitarmos à autoridade responsável providências que impedissem a montagem da instalação clandestina e esclarecimentos que nos revelassem qual, no critério oficial, a dimensão aceitável de uma secção de fiação-piloto de penteado integrada numa unidade horizontal, a manter-se subsistente a condição do despacho de 10 de Maio de 1949, totalmente esquecida durante dez anos!
Votou ainda o conselho que, se infrutíferas estas diligências, a direcção praticasse todos os actos que julgasse indispensáveis ao respeito e cumprimento dá lei, sem subterfúgios dilatórios ou transigências comprometedoras.

4. Começou então uma troca de ofícios entre este organismo e o Exmo. Sr. Director-Geral dos Serviços Industriais, pois a sua Direcção-Geral detém todos os poderes de fiscalização das regras do condicionamento as indústrias.
De concreto, este ilustre funcionário, por ofício assinado de seu punho (n.º 949 - 3/2-3/1 - 7.º volume, de 6 de Abril de 1959), dignou-se comunicar-nos:

a) «Que as instalacões-piloto só devem ser autorizadas ou impostas a entidades que as ponham à disposição dos serviços oficiais ou outros, para efeitos de estudos à escala industrial»;
b) Que era e este o caso do Consórcio Lameiro de Portugal, sociedade anónima de responsabilidade limitada, a que, por despacho ministerial de 10 de Maio de 1949, foi imposta a condição 2.º - da fábrica fará parte um laboratório de ensaios têxteis e uma secção de fiação-piloto, com vista às necessidades da própria empresa e dos serviços oficiais»;
c) Que o despacho que impôs a condição acima transcrita «caducou em 2 de Julho de 1954, - tendo a firma efectuado novo pedido, que foi autorizado por despacho ministerial de 3 de Janeiro de 1955, e esta nova licença caducou em 26 de Janeiro de 1959». (Presumimos que só por manifesto lapso foi indicado o dia 2 de Julho de 1954, pois o despacho do Exmo. Sr. Subsecretário de Estado do 'Comércio e Indústria, que pôs definitivamente termo a este processo, foi proferido em 24 de Junho e publicado em 21 de Julho de 1954, o que nos leva a reportar a esta data a caducidade da imposição. No novo pedido, formulado em novo processo, não há qualquer alusão à fiação-piloto e nos seus despachos jamais foi sequer referida a condição em causa);
d) Que, «quanto ao número de fusos, é-nos impossível pronunciar com exactidão, porque esse número depende da capacidade mínima das máquinas de preparação, admitindo um número médio de fiação compatível com o meio industrial nacional. Afigura-se-nos, no entanto, para as máquinas que conhecemos que entre 1500 e 2500 fusos estará o quantitativo que permita uma pequena instalação-piloto equilibrada».

Não pudemos de modo algum concordar com a opinião expendida nesta alínea do ofício, em que, por um lado, se admite de considerar «o número médio de fiação compatível com o meio industrial nacional» e, por outro, simultaneamente, se aceita que 1500 a 2500 fusos seja «o quantitativo que permite' uma pequena instalação-piloto equilibrada» !
Para além do subterfúgio evidente, bastará recordarmos que das vinte e três empresas autorizadas para o fabrico de fios penteados normalmente só dez laboram com mais de 2500 fusos e que das citadas vinte e três firmas apenas doze são de dimensão superior à preconizada agora pelo Exmo. Sr. Director-Geral para uma instalação-piloto equilibrada.
Oportunamente esclareceremos e taremos a honra de provar com documentos o que nos países mais progressivos e com indústria altamente desenvolvida se

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entende por fiação-piloto, secções em que, por certo, o equilíbrio entra as máquina» de preparação e as de produção não foi desprezado ou. esquecido.
O que estas instalações lá no estrangeiro não asseguram, evidentemente, é «rentabilidade» às firmas ou aos serviços, que a» montaram e as utilizam.
A sua função é bem outra, insusceptível de confusões.

5. Perante doutrina que negava os limites estabelecidos no processo de condicionamento que impusera a obrigação à sociedade peticionária, em execução do voto unânime do conselho geral e no uso da competência que ainda nos é reconhecida pêlo artigo 2-6.º do Decreto-Lei n.º 39 634, pedimos então ao Exmo. Sr. Director-Geral dos Serviços Industriais que ordenasse as providências que em seu alto critério supusesse necessárias e eficientes para que a lei se cumprisse. Informámos também que corria estarem já na alfândega máquinas não autorizadas e pretender o Consórcio Laneiro de Portugal, à sombra do despacho cuja caducidade já fora confirmada, instalar uma unidade com acentuada dimensão industrial.
Não obstante este oportuno e lídimo apelo, não tivemos até ao presente notícia de qualquer medida que obstasse ou dificultasse a transgressão, que temos de considerar intencional.
Ainda, como nos participassem que técnicos italianos tranquilamente procediam a montagem das máquinas já despachadas, mais uma vez nos dirigimos ao Exmo. Sr. Director-Geral (ofício n.º 2848/59, de 7 de Maio findo), nos seguintes precisos termos:

Mas mesmo que dúvidas houvesse sobre a caducidade desta condição - para V. Exa. e para nós infundamentadas, diga-se - e superiormente estivessem a ser estudadas as consequências do seu não tempestivo cumprimento, nada autoriza, supomos, que uma empresa com mais responsabilidades que qualquer outra, dada a estrutura do seu pacto social, violando as normas que regem o condicionamento industrial, procure conscientemente colocar a Administração perante um facto consumado para o qual carece de autorização legal. E que - e todas as pessoas que têm conhecimento dos respectivos processos de condicionamento o sabem - jamais foi previsto que a fiação-piloto mencionada no despacho invocado de alguma forma pudesse constituir uma unidade com possibilidades de exploração industrial que tivesse outro fim que não fosse o de proporcionar o estudo técnico-económico - dos penteados nacionais e o de consentir aceitáveis trabalhos de investigação.
Assim, e em face das reclamações que a actuação do Consórcio Laneiro de Portugal tem motivado por parte de industriais inscritos neste organismo, permitimo-nos solicitar urgentes providências para que não prossiga a instalação dos maquinismos em causa e se proceda à selagem dos ilegalmente já instalados, até porque está em curso o estudo a que V. Exa. alude no seu ofício n.º 1213-3/2-3/1035-2, de 28 de Abril próximo passado.
Acresce que se torna indispensável restabelecer a confiança entre os industriais que sempre têm pautado as suas actividades pelo respeito devido à disciplina e que vivem alarmados pela possibilidade de virem a tornar-se exequíveis alguns pedidos apresentados nessa Direcção-Geral, sem base ou fundamento legal, desde que se tornou público o procedimento-do Consórcio-Laneiro de Portugal.
Esperando, em face do exposto e do mais que V. Exa. se dignará suprir, que, no uso da competência deferida, designadamente pelo Decreto-Lei n.º 39 634, a essa Direcção-Geral, promova as medidas necessárias ao exacto e equânime cumprimento dos princípios que regem o condicionamento industrial, apresentamos a V. Exa. os nossos melhores cumprimentos.

O clima de subversão de princípios, originado pela acção irregular do Consórcio Laneiro, motivara já a apresentação (cf. Boletim da Direcção-Geral dos Serviços Industriais n.ºs 535, 540, 541 e 542, respectivamente de 1 de Abril e 6, 13 e 20 de Maio- próximo passado) de três pedidos de secções de fiação de penteado também com 2000 fusos e até de uma tecelagem-piloto apetrechada com trinta teares mecânicos, bem como de uma ultimação-piloto «composto por duas lavadeiras, um batano, uma desvincadeira (calandra), um hidroextractor, uma râmola mecânica, uma percha, duas tesouras, uma prensa hidráulica e uma máquina de decatissage». Daqui o apelarmos no ofício transcrito de certo modo fazendo-nos eco do justificado alarme - para uma pronta providência, mesmo cautelar, por parte de quem tudo podia impedir ou remediar, usando normalmente dos poderes concentrados na sua Direcção-Geral.
Vê-se assim que a direcção da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios não deixou de agir no terreno e pela forma que era a naturalmente indicada. A sua acção foi silenciosa, mas pugnou - e afoitamente pode afirmar-se - para que a legalidade fosse respeitada, para que excepções não fossem consentidas ... Pelos desvios que porventura haja não pode nesta feita ser responsabilizada!
Mas deslocado agora tão palpitante assunto do campo burocrático, onde era tratado e onde se esperava ver resolvido, para o seio da Assembleia. Nacional, a projecção de que de súbito se reveste e a necessidade de completar factos apenas aflorados ou mesmo não referidos nas intervenções parlamentares - todavia essenciais para o esclarecimento da verdade- levam-nos a dirigirmos a V. Exa. a presente exposição, de que rogamos seja dado conhecimento aos ilustres representantes da Nação pela forma que V. Exa. julgue mais adequada.

II

1. Em 26 de Novembro de 1948 A. Gaspar, Lda., de Redondo, apresentou na Direcção-Geral dos Serviços Industriais um requerimento a pedir, «ao abrigo da Lei n.º 1956, de 17 de Maio de 1937, e Decreto n.º 36 945, de 28 de Junho de 1948, autorização para proceder à montagem de uma fábrica de escolha, lavagem, cardação e penteação de lãs, num local, a indicar oportunamente».
Este requerimento, com a respectiva memória descritiva e justificativa, deu origem ao processo de condicionamento industrial n.º 3/1127. E do despacho proferido neste processo, em 10 de Maio de 1949, veio a ser directo beneficiário o Consórcio Laneiro de Portugal, S. A. R. L., sociedade criada para «dar execução ao projecto inicialmente apresentado pela firma A. Gaspar, Lda.», como foi alegado em petição dirigida a S. Exa. o Ministro da Economia em 4 de Julho de 1951.

2. Além dos preceitos de ordem geral invocados no requerimento inicial de A. Gaspar, Lda., para a indústria de lanifícios vigoravam, ao tempo, como regras específicas da actividade, o Decreto n.º 28 132, de 3 de Novembro de 1937, o despacho normativo de 17 de

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Dezembro de 1946, publicado no Diário do Governo, 2. série, de 30 do mesmo mês, e ainda o Decreto n.º 36 443, de 30 de Julho de 1947.
Importa referir que os dois primeiros diplomas acima mencionados continham normas de condicionamento de exclusiva aplicação a lavadaria, penteação, fiação de penteado, fiação de cardado, tecelagem, tinturaria e ultimação, modalidades que completam o ciclo da preparação e transformação da lã e que estão corporativamente integradas nesta Federação. Posteriormente, porém, o terceiro diploma veio limitar o condicionamento as penteadeiras, aos fusos de penteado ou de cardado e aos teares, libertando assim as restantes secções da industria de lanifícios. Nó entanto, os processos para instalação destas máquinas continuaram a ser informados, relatados e despachados segundo os preceitos substantivos contidos no Decreto n.º 28 132 e no despacho normativo, à margem dos quais não será legalmente possível a instalação de qualquer das máquinas apontadas.

3. O artigo 4.º do Decreto n.º 36 945 exigia que os pedidos de licenciamento relativos a indústrias ou modalidades industriais abrangidas pela Lei n.º 1956 - e a indústria de lanifícios, nas modalidades supramencionadas, estava sujeita a condicionamento industrial, como vimos - fossem feitos em requerimento acompanhado de uma memória descritiva e justificativa, da qual, obrigatoriamente, entre outros, deviam constar os seguintes elementos:

a) Especificação da indústria;
b) Esquema do fabrico a seguir e especificação das máquinas e outros elementos de produção a instalar;
c) Capacidade de produção e natureza dos produtos a fabricar.

A firma A. Gaspar, Lda., para exacto cumprimento do aludido preceito legal, fez acompanhar o seu requerimento de uma extensa e clara memória, onde, tendo sempre presente o fim e objecto da sua pretensão, apenas indicou elementos relativos à exploração de secções de lavagem e penteação de lãs. Nas trinta e três páginas deste exaustivo documento nenhuma referência há que possa admitir estar em cansa qualquer outra pretensão, a não ser a da exploração de ovinos e a do aproveitamento de subprodutos.
Nem de longe se lobriga a possibilidade de uma eventual produção de fios de estambre.

4. Interessa registar, para bom entendimento do despacho que veio a ser proferido neste processo, que na memória justificativa há frequentes alusões à Lei de Fomento e Reorganização Industrial (Lei n.º 2005, de 14 de Março de 1945) e insistentes apelos à comparticipação financeira na empresa a formar por parte dos organismos corporativos ou do Estado. Também, judiciosamente, aliás, se ventila a necessidade de um laboratório de ensaios têxteis, de análises e «de controle dos ambientes, das condições de fabrico e da racionalização do trabalho, para maior eficiência técnica e económica».
Para aquilatarmos do sentido e alcance destes pontos, respigamos estas passagens, assaz esclarecedoras e que podem ajudar a compreender o despacho de 10 de Maio:

Pretendeu o signatário dotar a sua fábrica dos necessários recursos laboratoriais onde não só possam fazer-se estudos sobre a fibra têxtil, mas também o controle científico das variadas fases da sua transformação, tendo sempre em vista o maior rendimento económico e a qualidade do produto obtido.
A falta de laboratórios desta natureza nas instalações industriais já montadas no País é por demais conhecida para ser necessário pô-la em evidência.
A própria Lei de Fomento e Reorganização Industrial aponta e fala na necessidade do preenchimento de tal lacuna.
Os serviços técnicos do Estado ou dos organismos de coordenação económica que se ocupam das lãs encontrarão nos laboratórios da fábrica que se projecta um ambiente extraordinariamente favorável às suas investigações e à conveniência de se conseguir uma aplicação prática dos seus estudos e trabalhos. E como os requerentes prevêem que o Estado, nos termos da Lei de Fomento e Reorganização Industrial, directa ou indirectamente queira participar no capital da sociedade, se o julgar necessário, bem como na administração e direcção técnica da empresa (...), obtém-se assim a possibilidade de o Estado controlar sempre a actividade da empresa, por forma que a sua actuação seja favorável aos interesses gerais do País.

Integravam-se os peticionários nos princípios da Lei n.º 2005, alinhavando as transcritas linhas, indubitavelmente inspiradas na sua base XXIV:

As empresas de cada ramo industrial devem manter um ou mais laboratórios destinados ao estudo e aplicação dos métodos de adaptação do trabalho humano às técnicas industriais, ao ensaio de matérias-primas, produtos acabados, processo de fabrico e a outras investigações de interesse para a indústria. Aos referidos laboratórios compete verificar a observância das especificações e regras de normalização que vierem a ser fixadas.

As transcrições efectuadas parecem-nos, só por si, suficientes para a boa compreensão do despacho que veio a deferir o pedido e que nestes termos foi transmitido, em 26 de Maio de 1949, pelo Exmo. Sr. Director-Geral dos Serviços Industriais à firma requerente:

Exmo. Sr. A. Gaspar, Lda. - Redondo. - Comunico a V. Exa. que, por despacho de 10 de Maio de 1949 de S. Exa. o Ministro da Economia, foi essa firma autorizada a instalar em local a designar, em seu nome ou no de outra sociedade a constituir, uma fábrica de penteação de lãs e secções de escolha, lavagem e cardação, nas condições constantes da memória descritiva e ainda:
1.º No prazo de seis meses, a partir da publicação do Diário do Governo, a sociedade a constituir obriga-se a apresentar estudo de localização da nova fábrica devidamente fundamentado e projecto completo e pormenorizado das instalações;
2.º Da fábrica fará parte um laboratório de ensaios têxteis e uma secção de fiação-piloto, com vista às necessidades da própria empresa e dos serviços oficiais;
3.º Os trabalhos deste laboratório serão orientados superiormente pêlos, serviços técnicos do Estado.
4.º Que seja admitida uma comparticipação do organismo de coordenação económica interessado no ciclo lanar, com representação permanente na administração da empresa.

O despacho é manifestamente claro:

a) Autoriza uma fábrica de penteação de lãs, com secções de escolha, lavagem e cardação;

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b) Obriga a posterior apresentação, em prazo que fixa, de um projecto completo e pormenorizado das instalações;
c) Impõe a manutenção de um laboratório e de uma secção de fiação-piloto, com- vista às necessidades da própria empresa e dos serviços oficiais;
d) Admite a participação financeira da Junta Nacional dos Produtos Pecuários na sociedade a constituir.

Ora ninguém poderá aceitar, depois desta leitura, que, estando condicionada a exploração de fusos e que, subordinando-se no despacho a fiação-piloto às necessidades comuns da empresa e dos serviços oficiais, a Administração pudesse admitir que à sombra da condição imposta fosse possível fazer-se a produção industrial de fios penteados.
É absurdo!
Mas para esclarecimento dos mais renitentes o processo fornece elementos que, só por si, arredam qualquer sombra de dúvida.

5. Para cumprimento da condição 1.º do despacho em referência, o Consórcio Laneiro de Portugal, já sub-rogado nos direitos de A. Gaspar, Lda., apresentou em 5 de Julho de 1951 o «estudo da localização da nova fábrica e o projecto completo e pormenorizado das instalações».
O requerimento e as plantas apresentados são de meridiana clareza e demonstram que então o laboratório e a fiacão-piloto, sugeridos para o despacho pela base XXIV da Lei n.º 2005 e pelas constantes alusões da memória descritiva e justificativa, não tinham outro fim que o de possibilitar ensaios e estudos. No requerimento apenas se lhes faz esta inequívoca referência:

O laboratório de ensaios têxteis, apetrechado (sic) com uma lavadaria-piloto de aço inoxidável do mais moderno tipo, e a restante aparelhagem necessária, bem. como a fiação-piloto, garantem a possibilidade de poderem fazer-se estudos e investigações de grande interesse para o progresso da indústria de que nos ocupamos. Não se esquecerá naturalmente a preocupação, que será constante, de se aplicarem à prática os conhecimentos científicos que se forem obtendo no decurso das experiências e ensaios realizados no laboratório e na fiação-piloto.
As plantas anexas mostram, melhor do que poderíamos fazer por palavras ...

Na verdade, as plantas anexas mostram, melhor do que poderíamos fazer por palavras, que a instalação, já em grande parte levada a cabo pelo Consórcio Laneiro de Portugal, com indesculpável indiferença dos serviços responsáveis, nada tem que ver com a prevista e autorizada no abrigo do despacho de 1949, a entender-se que este despacho não caducou.
É que, na verdade, repetimos, na planta apresentada (documento n.º 1) a área destinada à fiação-piloto é apenas de 11,2 m x 5,4 m, ou seja de 60,6 m2, e a sola onde está a ser concluída a instalação clandestina, de cinco contínuos de fiar e respectivas máquinas de preparação, mede, aproximadamente, 65 m x 15 m, tendo, portanto, uma superfície de 975 m2!.
É inacreditável, mas é indesmentível, Exmo. Sr. Presidente, que se pretenda encaixar estes 975 m2, que suportam uma potente unidade industrial, nos misérrimos 60,5 m2 aprovados por despacho ministerial de 19 de Setembro de 1951 para uma secção de fiação-piloto!
Sim, por despacho ministerial desta data, «foi considerada cumprida a condição 1.º do despacho ministerial de 10 de Maio de 1949, que autorizou a instalação de uma fábrica de penteação de lãs 6 secções de escolha, lavagem e cardação, sendo pelo mesmo despacho aprovado o projecto completo da referida fábrica, devendo as instalações ser efectuadas de acordo com as instruções gerais de higiene, salubridade e segurança estipuladas pelo Decreto n.º 8364, de 25 de Agosto de 1922».
A mais elementar noção dos princípios quê regem o direito não deixa que se separem estes dois despachos, pois o segundo é o necessário e indispensável complemento do primeiro. No de Maio de 1949 impuseram-se determinadas condições; a beneficiária da autorização estudou-as e concretizou-as num projecto constituído por um requerimento e por plantas, que submeteu livremente à apreciação da Administração; esta deu-se por satisfeita, aprovando, por despacho de 19 de Setembro de 1951, o projecto completo da fábrica.
Ambos estes despachos transitaram e não foram posteriormente comunicados outros que os alterassem.
O dilema, sem evasivas, é, pois, este: ou o despacho de 10 de Maio de 1949 caducou, como, aliás, já reconheceu o Exmo. Sr. Director-Geral no ofício a que fizemos oportuna referência, e o Consórcio Laneiro de Portugal não pode montar a fiação-piloto, mesmo na dimensão consentida pelo despacho de 19 de Setembro de 1951, ou a obrigação subsiste, e, a manter-se, então a secção de fiação-piloto não pode visar fins diferentes dos que livre e voluntariamente o Consórcio indicou na memória e no requerimento, nem ser instalada por forma desigual da proposta no projecto completo da fábrica, aprovado pelo despacho de 19 de Setembro de 1951, de que faz parte a planta em que foram fixados 60,5 m2!

III

1. Se não nos limitámos nesta longa exposição à mera apresentação de «factos notórios», todos os mais que referimos são autorizados e «fáceis de verificar». E, para prova dos mesmos, não receamos oferecer o arquivo da Direcção-Geral dos Serviços Industriais ou o da própria empresa de que o Exmo. Sr. Engenheiro Amaral Neto é digno presidente da mesa da assembleia geral.
Mas, para além da demonstração já feita, meramente objectiva, ao abeirarmo-nos do fim sentimos ainda necessidade de esclarecer ou aclarar três passagens do discurso deste ilustre parlamentar.
1.º Carácter marcadamente sui generis do Consórcio Laneiro de Portugal:
Nem a participação da Junta Nacional dos Produtos Pecuários e de alguns grémios da lavoura no capital do Consórcio, nem a cominação de do seu conselho de administração fazer permanentemente parte um representante do mesmo organismo de coordenação económica podem dar foros de excepção a esta empresa ou garantir-lhe a deslocação «do campo da simples concorrência fabril para o da verdadeira defesa sectorial».
A ajuda financeira que recebeu, proveniente de fundos para que contribuem também as firmas que trabalham na indústria de lanifícios, privilegiou-a, é certo, entre as demais, entre as que sem amparo erguem as suas fábricas, instalam as suas máquinas e sofrem dia a dia os riscos da exploração, a coberto apenas de recursos penosamente amealhados ou do crédito privado, difícil e caro. Mas este facto deveria seriamente constituir incentivo para o Consórcio se situar em plano paralelo ao da» empresas concorrentes e nunca - nunca - para se colocar à margem das normas que regem e obrigam o

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comum das unidades sujeitas a condicionamento industrial, como em too pouco tempo tantas vezes tem feito.
Poderá, em consciência, aceitar-se como política de
«verdadeira defesa sectorial» desviar-se da produção, lavagem e penteação de lãs para se dedicar ao fabrico de fios em escala industrial, investindo com este objectivo milhares de contos, antes de concluir a compra e a instalação do apetrechamento que lhe foi autorizado, por necessário, para aqueles fins?
Por certo que não!
Nem o consente, por carência de licença legalmente obtida, o condicionamento estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 39 634 - aliás, aberto para todas as modalidades da indústria de lanifícios, desde que os pedidos não contrariem a lei e satisfaçam às normas em vigor, nem o permitem os estatutos do próprio Consórcio Laneiro de Portugal ao estipularem:

Art. 3.º O objecto da sociedade consiste, essencialmente no exercício de transformação de lãs sujas em lavadas e penteadas, no aproveitamento dos subprodutos, na produção de lãs e eventualmente em quaisquer outras actividades para que não seja necessária autorização especial, quando a assembleia geral o resolver, independentemente de alteração do pacto social. (Cf. Diário do Governo n.º 173, 3.ª série, de 27 de Julho de 1950).

Não nos consta que o pacto social do Consórcio tenha sido alterado ou que a sua assembleia geral decidisse aliar & transformação das lãs sujas em lãs lavadas ou em lãs penteadas a transformação dos penteados em fios de estambre. Mas, mesmo que o decidisse e votasse, faltava a necessária autorização especial a que os seus estatutos aludem e que só em processo regular de condicionamento industrial podia ser obtida.
2.º Instalação industrial-piloto ou instalação laboratorial ou experimental:
Esta subtil distinção, aplicada ao caso vertente, apenas a encontramos na oração do Sr. Deputado Amaral Neto.
No. processo de condicionamento onde foi admitida a instalação da secção de fiação-piloto jamais se lhe deu aquele nome. Nunca, como exuberantemente se demonstrou no lugar próprio, a firma A. Chispar, Lda., ou o próprio Consórcio Laneiro de Portugal, quando formularam o pedido e, posteriormente, submeteram à aprovação do Governo o projecto completo da fábrica, evidenciaram o propósito de explorarem a modalidade de produção de fios.
As passagens transcritas e a fotocópia da planta destroem e repelem, só por si, toda e qualquer argumentação com que se pretenda justificar a instalação de sete máquinas de preparação, de cinco máquinas de produção e de três máquinas complementares, ocupando lima superfície de 975 m2, como natural consequência da condição 2.º do, tantos anos ignorado, despacho de 10 de Maio de 1949.
A exploração industrial só agora é ventilada e fora do lugar devido, repete-se. À falta de processo que a .autorize, há apenas que ter presente o despacho ministerial de 19 de Setembro de 1951, que, sob proposta definitiva dos interessados, fixou o âmbito e a dimensão da secção de fiação-piloto, atribuindo-lhe uma área (60,5 m9) onde mal caberá um dos cinco, contínuos já instalados pelo Consórcio!
Sem que nos tivéssemos esquecido de que fixáramos para a caducidade de qualquer das condições não cumpridas dos despachos de 10 de Maio de 1949 e de 19 de Setembro d« 1951 a data de 21 de Julho de 1954, e sem abdicarmos da posição que sempre entendemos a única correcta, desejámos, todavia, a certa altura, esclarecer-nos sobre o que os fabricantes de máquinas para fiação de lã penteada e os estabelecimentos de ensino ou de investigação científica estrangeiros entendiam por secção de fiação-piloto.
Das respostas recebidas seleccionámos as cinco que juntamos fotocopiadas.
O número de fusos previsto varia de 28 a 30, e em todas estas secções a posição das máquinas de preparação é prevista e acautelada!
Permitimo-nos, se legítimo, solicitar especial atenção para o conteúdo da carta da firma Ing.º Marinelli & Ca.(doc. n.º 2) e para o ofício do Agriculture Research Service, do United States Department of Agriculture (doc. n.º 3).
Varrem todas e quaisquer dúvidas!
3.º Competência para a resolução da situação de facto criada:
No seu discurso, o Exmo. Sr. Engenheiro Amaral Neto sustenta, ombreando com os seus colegas do conselho de administração, que a instalação efectuada pelo Consórcio Laneiro de Portugal deriva da imposição do despacho de 10 de Maio de 1949, a que nunca alia o despacho de 19 de Setembro de 1951, que aprovou o projecto completo daquela referida fábrica.
Já vimos que a inferência não procede.
Nestes termos, como a competência para a fiscalização das regras do condicionamento industrial está deferida à Direcção-Geral dos Serviços Industriais (artigos 26.º e 27.º do Decreto-Lei n.º 39 634), a selagem dos maquinismos instalados sem licença tem de ser ordenada e efectuada por qualquer funcionário qualificado da mesma Direcção-Geral, bem como a própria aplicação das sanções a que houver lugar. O Ministro da Economia só pode intervir em caso de recurso.
Continuamos a aguardar, pois, que quem de direito faça cumprir a lei.
Apenas a lei, evidentemente. Mas com a urgência, que se impõe!

IV

Sr. Presidente da Assembleia Nacional: releve-nos V. Exa. o tempo que involuntária, mas forçodamente, fomos obrigados a tornar-lhe. Contudo, a presente exposição tornou-se indispensável - e julgamos havê-lo justificado -, dado a Assembleia Nacional se ter dignado ocupar-se de um problema ligado à disciplina desta Federação. Solicitamos, portanto, que agora a gentileza de V. Exa. culmine determinando a sua publicação no próximo Diário das Sessões.
Apresentamos a V. Exa. os nossos cumprimentos de' muito respeito e da mais alta consideração.

Lisboa, 11 de Junho de 1959. - A bem da Nação. -
O Presidente da Direcção, Luís Rodrigues Morgues».

Anexos: seis fotocópias:

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Finanças em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 23 de Abril último pelo Sr. Deputado Augusto Simões.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Estão igualmente na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 13 de Maio findo pelo Sr. Deputado José Sarmento.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Neves Clara.

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958 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 121

O Sr. Neves Clara:-Sr. Presidente: fomos ontem dolorosamente surpreendidos, pela notícia do brutal acontecimento que privou de vida cinco alunos do Seminário de Santarém. Cinco famílias, e com elas todo o distrito, choram o desaparecimento de risonhas esperanças de homens bons do Ribatejo, em circunstâncias inatingíveis pelo espírito do homem e explicáveis só pelos desígnios de Deus.
Perante a dor imensa daquelas mães estou com o poeta, na impossibilidade d« encontrar palavras que possa dizer àquelas que deram à vida um filho vivo para dela receberem um filho morto.
Refugio-me na sinceridade dos meus sentimentos de pesar, que julgo são os da Gamara, os quais deponho junto dos corações, dilacerados dos pais, em êxtase doloroso, incluindo o do pai espiritual, que é Sua Eminência o Sr. Cardeal Patriarca, pedindo a Deus lhes de conformação para suportarem a cruel fatalidade que os atingiu.
Na heroicidade do acto que levou ao sacrifício da própria vida na defesa da alheia encontro motivo para exprimir a minha homenagem e lição para meditar na grandeza da solidariedade cristã.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Possa o sangue e o sacrifício dos que morreram servir o despertar de novas vocações, não só de sacerdotes, mas também de cidadãos leais e honestos para continuação da Pátria Portuguesa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Carlos Coelho: - Sr. Presidente: na sessão do dia 22 do mês passado bordei algumas considerações tendentes a demonstrar as irregularidades em que estava incorrendo uma empresa fabril de Lisboa a propósito da instalação de uma pretensa fiação-piloto, que encobria a montagem de uma fiação de estambre não autorizada, com verdadeira dimensão industrial e, por certo, destinada à produção, ou seja, com características e fins que não se amoldam aos das unidades-piloto.
Com base no caso concreto apontado permiti-me algumas conclusões de ordem geral e solicitar do Governo as providências que se me afiguraram adequadas.
Não supunha ter de voltar ao assunto.
O Sr. Deputado Amaral Neto, que já então nos apartes com que me honrou denunciara de algum modo o seu antagonismo perante algumas das minhas afirmações, entendeu, posteriormente, melhor dever concretizar a sua discordância e expressamente desceu ao terreiro em defesa da sua dama. Fê-lo com o intento de esclarecer alguns pontos que contribuíssem «para definir mais rigorosamente e limitar a proporções mais exactas B a questão abordada por mim.
Por temperamento e um tanto por educação, não sou propenso a atitudes irredutíveis e de bom grado e sem azedume me prontifico sempre a rectificar acções ou pensamentos menos certos.
Mas não é esta agora a atitude a que possa remeter-me. Porque da leitura que fiz, no Diário das Sessões, da brilhante intervenção do Sr. Deputado Amaral Neto, já que não me foi dado o prazer de o ouvir, não vejo destruídos os factos que apontei nem impugnadas as conclusões a que também pude chegar.
De tal não é de forma alguma responsável o Sr. Deputado Amaral Neto. A ninguém seria possível fazer melhor ou ir mais além.
S. Exa., na sua habilíssima intervenção, patenteou, mais uma vez, os superiores atributos do seu espírito, em inteligência, argúcia, poder de argumentação e arte de bem escrever, que lhe granjearam nesta Casa prestígio assinalado e audiência pouco comum.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O advogado não é bom, porque é óptimo. A causa é que é má.
Julgo já ter feito a demonstração dos motivos que me determinaram ao pretender acautelar legítimos, vultosos e indiscutíveis interesses e direitos de muitos afectados pela ilegalidade de outros. Esbocei essa defesa com total impessoalismo, porquanto não tenho com a indústria de lanifícios relações de qualquer espécie.
A matéria versada tem marcado interesse geral e insere-se no âmbito da missão fiscalizadora da Assembleia. E que não era tão despicienda como o meu ilustre contraditar pretende fazer acreditar para mim bastaria a prova, se outras não existissem, do próprio interesse que a S. Exa. mereceu.
Não fatigarei a Assembleia repetindo declarações anteriormente produzidas, mas não posso eximir-me a mais alguns breves comentários que as completam, com o fim de bem habilitar a Câmara a compreender e julgar em que lado se situa a razão.
O Sr. Deputado Amaral Neto descreve-nos o quadro de «oposição de interesses entre os criadores de gado ovino, produtores de lã, e os industriais de lanifícios que lha compram como matéria-prima da sua indústria».
Esclarecerei, de passagem, que, na grande maioria dos casos, não são os industriais que transaccionam com os produtores, mas sim os negociantes de lãs.
Fala-nos ainda das condições de superioridade dos industriais neste conflito de interesses e de como o «Estado tem sido chamado a arbitrar muita divergência», para confinar o antagonismo criado aos limites impostos pelos superiores- e comuns interesses da Nação. E aventa que, decerto pelo reconhecimento deste facto, foi autorizada a instalação de suma fábrica de penteação de lãs e secções de escolha, lavagem e cardação» nas condições constantes do despacho ministerial que a autorizou.
Poder-se-á, assim, ser levado a concluir que a fábrica nasceu como necessidade, entrevista pelo Governo, da criação de um instrumento saneador de um ambiente económico por de mais conturbado.
A realidade é toda outra. A fábrica teve origem no exclusivo desejo de um particular, que repetidamente requereu, tendo na primeira tentativa visto indeferida e na segunda satisfeita a sua pretensão.
E o despacho ministerial que a deferiu não fez depender a instalação de quaisquer condições acessórias de inspiração governamental. Limitou-se a atender integralmente, reduzindo-os a articulado, todos os pedidos e sugestões contidos na memória justificativa do pedido.
E, assim, foi autorizada a instalar-se, em nome do requerente ou de outra sociedade a constituir, uma fábrica de penteação de lãs e secções de escolha, lavagem e cardação e admitida uma comparticipação do organismo de coordenação económica interessado no ciclo lanar. Sabe-se também a parte importantíssima que na constituição da sociedade tomaram, não apenas o organismo de coordenação económica -a Junta Nacional dos Produtos Pecuários -, mas também os organismos corporativos, os grémios da lavoura, subscrevendo, respectivamente, 15 e 65 por cento do capital inicial de 25 000 contos.
Assim se vê como a lavoura fez um esforço extraordinário, assumindo, de forma substancial, os encargos

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de uma organização que se anunciava unicamente destinada a defendê-la num dos sectores bem expressivos da sua actividade - o da produção de lãs.
Com efeito, semelhantes propósitos, tão generosos como louváveis, foram repetidamente proclamados: "... as máquinas a montar seriam as mais apropriadas para o trabalho das lãs nacionais, cujas amostras, para esse efeito, seriam enviadas aos mais abalizados técnicos e cientistas dos centros de investigação lanar...".
À empresa estaria reservado "o grande papel de levantar as lãs de casa dos produtores (que não podem, sem prejuízo, conservadas em seu poder por muito tempo) e transformá-las em penteado, o estado de transformação em que é possível conservá-las em melhores condições técnico-económicas".
Tudo seria feito com vista a um grande objectivo: o da valorização das lãs nacionais. A fábrica a instalar seria "uma unidade industrial de grande interesse para a resolução do problema lanar português".
Que tem acontecido na prática?
De conta própria parece que a empresa ainda não transformou um quilograma de lã nacional e, implicitamente, não a terá adquirido. E de conta alheia, ou seja a feitio - única modalidade de trabalho que vem praticando -, tem transformado, predominantemente lãs estrangeiras, numa escala que, no ano transacto, rondou os 70 por cento da sua produção total.
Perante semelhantes factos é legítimo perguntar: Será esta a forma de fazer verdadeira defesa sectorial?
Talvez que a lavoura acabe por reconhecer, se é que não reconheceu já, ter vivido uma ilusão dando o seu dinheiro, que é trabalho e sacrifício, para edificar um instrumento que, até hoje, ainda em nada a beneficiou e tem servido apenas os interesses de alguns particulares.
E, para além da vultosa ajuda com que o organismo de coordenação económica e os organismos corporativos contribuíram para a subscrição do capital da sociedade, talvez como recompensa pela forma exemplar como a empresa não cumpriu os seus anunciados propósitos, concede-se-lhe ainda um crédito extraordinário e especialíssimo de 4500 contos para a compra de maquinismos que, a consentir-se na sua montagem irregular, só serviriam para acentuar ainda mais a situação anómala que descrevi.
Parece que a especial natureza do pacto social da sociedade a obrigaria, mais do que a outrem, a uma rigorosa observância dos preceitos legais. Mas, infelizmente, não. E afigura-se-nos até que se procura usar daquela específica característica para forçar o passo onde outros, com a sua incaracterística idoneidade, não podem aspirar à mais pequena parcela de êxito.
Nas minhas anteriores considerações invoquei a ilegalidade da instalação da fiação-piloto, por caducidade dos prazos decorrentes dos despachos que a autorizavam. Colhi aquela informação em documento emanado dos serviços competentes e que não pôde sofrer desmentido. Mas - há sempre um mas! -, ao que se nos diz, os mesmos serviços entendem que a abertura de créditos para a compra, antes da expiração do prazo de instalação dos maquinismos encomendados, prova a sua aquisição.
Evidentemente que pode provar. Mas de forma alguma significa que tenham sido observados os prazos legais da instalação.
O Decreto-Lei n.º 39 634, tanto no § 1.º do artigo 12.º, que regula o prazo inicial, como no artigo 15.º, que regula a prorrogação, por uma só vez, fala clara e iniludivelmente em prazo de instalação, e nunca de aquisição.
Com tão estranho critério estaria encontrada a forma de iludir e prorrogar os prazos por todo o tempo desejado. Se assim é, rasgue-se a lei, que de nada serve, ou então promulgue-se outra que dê foros de legalidade a todos os devaneios interpretativos dos serviços.
Não confundimos instalação industrial-piloto com instalação laboratorial ou experimental, porque, para nós, uma instalação industrial que há-de destinar-se a produção e subsequente comércio dos produtos obtidos nunca pode ser uma instalação-piloto.
Parece negar-se a existência ou a possibilidade de, em conjuntos fabris com dimensões inferiores à dimensão industrial corrente, destinada à produção, se reproduzirem as fases da operação transformadora de determinada matéria-prima, o estudo dos acidentes a que está sujeita, o cômputo efectivo da produção, etc. Pois, quanto a nós, estes ensaios e experiências fazem-se exclusivamente nas instalações-piloto. E os conhecimentos aí adquiridos, depois de conhecidos e dominados todos os percalços a que está sujeita a experimentação, são então transportados à prática, aplicando-os nas instalações industriais.
Não posso, sem risco de exceder o tempo regimental que me é facultado, tentar uma exaustiva, demonstração de como as unidades-piloto não se destinam à laboração contínua e produção e de como as suas dimensões e características se afastam, nitidamente, daquelas que possuem as correntes instalações industriais.
Poderia invocar aqui múltiplos depoimentos, mas limito-me a reproduzir um que não pode considerar-se suspeito, por ser o da própria empresa, que usa uma linguagem e afirmações muito semelhantes àquelas de que me tenho servido.
Com efeito, nu parte final do estudo de localização da nova fábrica e o projecto completo e pormenorizado das instalações que foi autorizado pode ler-se:

O laboratório de ensaios têxteis, apetrechado com uma lavadaria-piloto de aço inoxidável do mais moderno tipo, e a restante aparelhagem, bem como a fiação-piloto, garantem a possibilidade de poderem fazer-se estudos e investigações de grande interesse para o progresso da indústria de que nos ocupamos. Não se esquecerá naturalmente a preocupação, que será constante, de se aplicarem à prática os conhecimentos científicos que se forem obtendo no decurso das experiências e ensaios realizados no laboratório e na fiação-piloto.

Dois factos merecem ser realçados: a fábrica possui uma lavadaria com dimensão industrial e, no entanto, previu-se e existe no sector laboratorial uma lavadaria-piloto. O projecto da fábrica, elaborado, segundo creio, por técnicos competentíssimos, previa uma área de 60 m2 aproximadamente para a instalação da fiação-piloto. A fiação adquirida foi instalada numa dependência não incluída no projecto inicial e, portanto, não autorizada, que tem uma área com cerca de 975 m2.
Este facto é suficientemente demonstrativo de lima dupla ilegalidade: o não cumprimento do projecto nos precisos termos em que foi aprovado e a de que a fiação instalada não corresponde, nem em características, nem em dimensões, às da fiação-piloto prevista, e tanto que não foi possível instalá-la na dependência que efectivamente lhe seria destinada.
Para quê mais comentários?
Termino, Sr. Presidente, renovando o meu pedido para que os organismos competentes definam, com urgência, clareza e firme determinação, as características, moldes de trabalho e destino dos produtos obtidos nas unidades de estudo e investigação que hajam de considerar-se piloto.

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O julgamento do caso concreto que apontei nem carece, quanto a nós, de decisão discricionária do responsável pelo departamento governativo a que está afecto. E um acto de rotina fiscalizadora e os serviços estão habilitados com elementos para actuarem, pondo em execução os meios que a lei prevê. Mas, se assim não acontecer, também há-de esperar-se que a anterior posição do mesmo alto responsável, num determinado sector da vida económica, não conduza a um tão exagerado espírito de isenção que crie, por excesso, uma falsa independência, que, tanto ou mais que a falta dela, pode arrastar à prática, por caminhos diferentes, das mesmas injustiças.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: volto a uma questão que várias vezes, mormente em legislaturas anteriores, tem prendido as atenções desta Assembleia: o problema da responsabilidade das câmaras municipais com o internamento de doentes pobres nos estabelecimentos hospitalares. E retomo o assunte porque se me afigura que o mesmo continua à espera de solução que satisfaça as legítimas pretensões de s municípios e sirva convenientemente a assistência.

O Sr. Araújo Novo: - E não se sabe por quanto tempo...

O Orador: - Se não estou em erro, a interferência das câmaras municipais neste problema é fruto do século passado. A decadência que então se operou nas organizações de caridade e as novas concepções em matéria de saúde e assistência levaram a apelar para os municípios, que assim se sentiram compelidos a novas atribuições um tanto distantes daquilo que pudera ser a especialidade das suas funções e sempre ultrapassando as forças dos seus recursos.

O Sr. Carlos Moreira: - Eles já estão muito habituados a ser compelidos noutros aspectos.

O Orador: - Em tempos próximos temos, por exemplo, os Decretos n.ºs 16 095, de 1 de Novembro de 1928, 16 560, de 4 de Março de 1929, e 23 348, de 13 de Dezembro de 1933, que já revelavam as orientações que o código de 1936-1940 viria a consagrar.
O artigo 640.º, n.º 7.º, do Código Administrativo de 1933 determinava como obrigatórias para as câmaras municipais «as despesas com o tratamento dos doentes pobres do concelho nos Hospitais Civis de Lisboa, Hospitais da Universidade de Coimbra, Hospital Escolar, Maternidade Dr. Alfredo da Costa, Instituto de Oncologia e Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, calculadas nos termos de lei especial».
Com a redacção de 1940 (artigo 751.º, n.º 7.º) esta responsabilidade dos municípios alargou-se às «despesas com o tratamento e transporte dos doentes pobres residentes no concelho admitidos com guia passada pela câmara municipal nos Hospitais Civis de Lisboa, Hospitais da Universidade de Coimbra, Hospital Escolar, Maternidade Alfredo da Costa, Instituto de Oncologia, Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto e no Hospital de Santo António, do Porto, calculados nos termos de lei especial».
Do confronto da disposição de 1936 com a de 1940 conclui-se, como novidade na Segunda redacção, os encargos com o transporte de doentes, a alteração no número dos estabelecimentos hospitalares, a necessidade de passagem de guias e a exigência de residência no concelho, quanto aos doentes a assistir.
Foi no domínio desta norma (artigo 751.º, n.º 7.º, do Código Administrativo) que tiveram lugar na Assembleia Nacional os avisos prévios do falecido Dr. Rocha Paris e do nosso estimado colega Melo Machado. Neste entre tempo elaboraram também os serviços da Administração estudo sobre o assunto, de que me apraz salientar um notável relatório do Dr. Pires de Lima, director-geral de Administração Política e Civil do Ministério do Interior (cf. Anuário de 1950, pp. 201 e seguintes).
O regime então consagrado encontrou duas espécies de objecções:
1) Os encargos a que dava lugar eram extraordinariamente volumosos, inserindo-se naquele conjunto de obrigações que ainda hoje pesam sobre os municípios e relativamente às quais ouvimos a cada momento dizer que são despropositadas ou incomportáveis.
2) O próprio expediente de responsabilizar os municípios pelo tratamento e transporte de doentes pobres parecia censurável, não só à luz do critério que deveria presidir à definição das atribuições das câmaras, como ainda em razão dos processos de funcionamento do sistema.
Serão exemplos deste segundo aspecto a prática da passagem das guias de internamento, as facilidades nos chamados internamentos de urgência, a média dos internamentos hospitalares e o regime das comissões arbitrais a que se refere o Decreto-Lei n.º 35 108.
Uma câmara municipal quando passava uma guia de internamento desconhecia, praticamente, os encargos a que se sujeitava. Na verdade, o doente poderia vir a estar internado quatro dias, quatro semanas ou quatro meses.

O Sr. Augusto Simões: - Ou quatro anos...

O Orador: - A política de restrições na passagem de guias por parte das câmaras funda-se, em certa medida, nesta incerteza a que os municípios estavam sujeitos. Ora esta política de limitações, embora compreensível, originava atritos, revelava injustiças ou, até, fomentava indiscutíveis prejuízos sociais.
É certo que a política contrária, de facilidades na passagem de guias, também não era recomendável, dadas as disponibilidades financeiras dos municípios.
Chegou-se a verificar o seguinte: quando os encargos hospitalares atingiam volume idêntico à percentagem dos adicionais que poderiam ser retirados às câmaras e destinados ao pagamento de tais dívidas, alguns municípios passavam então a adoptar uma política de generosidade quanto às guias.
Quando as câmaras municipais dificultavam a passagem de guias, os hospitais respondiam, normalmente, com um procedimento de represália: os internamentos de urgência.
Verificava-se mesmo uma certa solidariedade entre o médico assistente e o serviço hospitalar, generalizando-se o recurso à urgência. Por outro lado, não eram observadas as disposições legais que presidiam à tramitação exigida nestes casos.
De qualquer modo, uma coisa sempre me pareceu injusta: as câmaras sofrerem as consequências da menos eficiência dos serviços hospitalares.
Trata-se da média de internamento dos doentes.

O Sr. Augusto Simões: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Augusto Simões: - Era para dizer que essa ofensiva a que V. Ex.ª se referiu ainda hoje conti-

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nua. V. Ex.ª conhece os pressupostos do domicílio de socorro - o concelho da naturalidade - , mas sucede muitíssimas vezes isto: o cidadão nasce num dado concelho; pelas exigências da vida abandona-o e vai para um outro, a que dedica toda a sua actividade e onde exerce todo o valor do seu esforço, e se, por qualquer circunstância, for obrigado a sair deste e demandar ainda um outro, se lá não residir, pelo menos, há dois anos, quem tem de responsabilizar-se pelos custos dos seus internamentos hospitalares é o concelho de origem. Sucede muitíssimas vezes que concelhos paupérrimos da província recebem solicitações dos grandes hospitais centrais para se responsabilizarem pela despesa do internamento de pessoas que não são conhecidas nem com o concelho de origem mantêm qualquer laço de ligação. O fenómeno é hoje muito frequente.

O Sr. Carlos Moreira: - Nasceram lá por acaso.

O Orador: - Já no parecer da Câmara Corporativa de 1946 sobre a organização hospitalar se anotava que as médias de internamento hospitalar giravam noutros países à volta de quinze dias, enquanto que em Portugal ultrapassavam então os trinta dias.

O Sr. Alberto Cruz:- V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Tenha a bondade.

O Sr. Alberto Cruz: - Não me parece que seja essa a razão. Dizer que os hospitais eram menos eficientes ...

O Orador: - Refiro-me a demoras relacionadas com os serviços administrativos, ao tempo por que se espera pelo resultado de análises ou por radiografias ...

O Sr. Alberto Cruz: - Há doentes que não deveriam estar nestes hospitais da província, mas em hospitais especializados, como sucede nas doenças de ossos, designadamente rua tuberculose óssea. Na província vão para esses hospitais e ficam ali durante meses ou anos, aumentando muito os tempos de hospitalização. Os doentes de doenças agudas que normalmente costumam ir para os hospitais e os doentes que demandam intervenções cirúrgicas estão lá geralmente doze a quinze dias.
Até muitas vezes doentes do foro psiquiátrico, que nunca deveriam permanecer em hospitais de província por perturbarem todo o sossego e a pálidas enfermarias e serem até um perigo para os outros doentes, lá ficam durante muitos dias antes de serem hospitalizados em a hospitais especializados.
Se estivesse a funcionar bem esta engrenagem hospitalar não havia nada disto.

O Orador: - Registo com todo o gosto a intervenção de V. Exa.

O Sr. Melo e Castro: - Em todo o caso a média de hospitalização desceu muito de 1946 para cá.

O Orador: - As câmaras viam assim os seus encargos elevados, dado o maior período de internamento dos doentes por culpa de demoras, para as quais de modo algum contribuíam.

O Sr. Jorge Ferreira: - Quanto a Coimbra, V. Exa. sabe muito bem que por questões de estudo, nem sempre justificadas ...

O Orador: - É claro que nesses hospitais os mestres dão os doentes para estado aos alunos e não lhes dão alta para terem casos clínicos para esse estudo.

O Sr. Augusto Simões: - E que os hospitais desconfiam das câmaras.

O Orador: - Finalmente, o recurso às comissões arbitrais [artigo 40.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 35 108] não se pode considerar feliz. Todos sabemos, para lá das críticas de fundo ao sistema adoptado, o que foi uma acumulação desmedida de processos e os embaraços criados às partes e aos julgadores.
O regime actual é o do Decreto-Lei n.º 39 805, que se propôs «definir alguns princípios em matéria de assistência hospitalar, no que se refere à responsabilidade pelos respectivos encargos e assegurar a sita corrente aplicação».
Nesta conformidade:

a) Procedeu-se à revisão da base XXI da Lei n.º 1998 relativamente à responsabilidade, pela assistência;
b) Consagrou-se o sistema do porcionismo;
c) Tornou-se obrigatória a responsabilidade dos municípios pelo internamento dos doentes nos hospitais centrais, regionais e sub-regionais, dando-se assim preferência aos estabelecimentos locais, numa fidelidade à ideia de desconcentração da estrutura hospitalar;
d) Restringiu-se a responsabilidade dos municípios quanto à assistência psiquiátrica;
e) Regulamentou-se o processo de internamentos de urgência;
f) Facilitou-se às câmaras o lançamento de derramas para fazer face aos encargos hospitalares.
Que dizer deste regime?
Surgiu desde logo uma controvérsia: seriam os municípios responsáveis apenas com o internamento dos doentes, ou ainda pelas despesas da consulta externa e dos tratamentos no banco? E, embora parecesse claro que n responsabilidade tias câmaras se restringia ao primeiro aspecto, não foi tarefa fácil convencer disso os serviços hospitalares. Valeu aos municípios o despacho do Ministro do Interior de 27 de Setembro de 1955.
Mas as dificuldades subsistiram.
Poderemos sumariá-las assim:

a) Mútua desconfiança entre as câmaras e os hospitais;
b) Insuficiência da parte dos municípios;
c) Subsistência das comissões arbitrais.

A circunstância de os municípios e os hospitais constituírem entidades distintas, sem qualquer outra ligação ou coordenação que não seja a de as câmaras se sentirem obrigadas a pagarem aos hospitais as despesas com o internamento dos doentes, permite que subsistam ainda hoje algumas dificuldades atrás referidas quanto à passagem de guias, à média dos internamentos ou até, embora ainda aqui a regulamentação seja mais cuidada, à prática dos internamentos de urgência. Avulta aliás uni aspecto pouco simpático para os municípios: estes continuam a fazer fé na contabilidade dos hospitais, sem possibilidades de controle conveniente.
Mas se tudo isto continua a alimentar uma atmosfera de desconfiança, a verdade é que a situação sai agravada com certas insuficiências dos municípios.
O regime de derramas não resolveu em absoluto o problema financeiro, permitindo, por outro lado, pôr nova questão: porque hão-de as câmaras municipais receber dos serviços de finanças do Estado o produto das derramas que, por seu turno, despenderão em pá-

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gamento aos hospitais? Para quê esta função intermediária?
O anómalo desta intervenção resultará mais se considerarmos que não dispõem de serviços sociais ou de quaisquer outros meios aptos a coadjuvar a acção assistencial. Ser-lhes-á sempre difícil determinar a situação económica dos assistidos e enquadrá-los nos respectivos escalões de porcionistas.
Sr. Presidente: todas estas dificuldades animam-me a repetir aqui uma solução que se me afigura de ponderar:

A responsabilidade com o internamento dos doentes . passaria dos municípios - na parte que hoje lhes compete - para as Misericórdias, sendo estes doentes assistidos nos hospitais sub-regionais (pertença das Misericórdias) ou nos hospitais regionais (a cargo das federações das Misericórdias).
Penso, aliás, que o novo regime teria o seu êxito condicionado por uma conveniente estruturação das Misericórdias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Conviria, por outro lado, atender a uma extensão das responsabilidades da previdência e a uma definição do que deveria pertencer aos organismos centrais de assistência.
Concretizando:
Tornar-se-ia fastidioso repetir aqui os principais momentos da experiência secular das Misericórdias. A lição do passado e sobretudo o processo da sua decadência no século XIX são, porém, imprescindíveis a um esforço de consciencialização que sirva a indispensável revitaliza cão de tais instituições.
Afigura-se-me, porém, que as Misericórdias devem desempenhar novas e largas funções na sociedade portuguesa do futuro. Elas devem ser, como já o pretendia o legislador de 1936, o órgão central da assistência concelhia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para a obtenção de tal desígnio importa, além do mais, atender a três aspectos: reforma financeira; reorganização administrativa; revitalização do espírito das instituições.
A situação financeira das Misericórdias, que em 1936 foi causa de objecções que estas mesmas ergueram em oposição à importância que o legislador lhes quis dar, depende, além do mais, da revisão das leis de desamortização, da comparticipação das Misericórdias nos adicionais às contribuições do Estado e da criação de um fundo comum das Misericórdias.
Embora o regime da desamortização se encontre mitigado, conviria considerar com largueza a possibilidade de restaurar o património das Misericórdias, dando-lhes confiança e segurança.
A comparticipação das Misericórdias nos adicionais permitiria substituir as derramas que os municípios hoje são autorizados a arrecadar para fins assistenciais.
Finalmente, o fundo comum destinar-se-ia a compensar as Misericórdias economicamente mais débeis e a acorrer a encargos que ultrapassassem o âmbito restrito de cada Misericórdia.

Vozes: - Muito bem I

O Orador: - Pôr outro lado, o fundo comum permitiria pôr e talvez resolver a questão do destino de parte do produto da lotaria nacional. Isto é, se esse produto deve pertencer a outras instituições além do Estado, condicionado à assistência da Misericórdia de Lisboa, talvez o fundo comum possa ser o veículo dessa distribuição.
Sr. Presidente: ouve-se muitas vezes dizer que se torna indispensável conciliar quanto possível o espírito das Misericórdias com as exigências modernas da assistência social.
A análise das disposições do Código Administrativo, da Lei n.º 1998 e, sobretudo, do Decreto-Lei n.º 35 108 permitem concluir por um desvio na estrutura tradicional destas instituições.
Creio que as orientações do futuro não impedirão, contudo, que ao lado de um revigoramento financeiro, nos termos referidos, se processe um desenvolvimento administrativo ou se encare a possibilidade de federações de Misericórdias, a criação de um quadro geral para os serviços de secretaria e a extinção das comissões municipais de assistência. E, embora a assistência hospitalar, nos termos referidos, não seja a única atribuição das Misericórdias, representará, certamente, um dos maiores apoios da sua revigorada existência, fortalecendo, simultaneamente, a posição dos hospitais sub-regionais que lhes pertencem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Melo e Castro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. Melo e Castro: - Só quero acentuar que as principais soluções que V. Exa. está a apontar foram recentemente objecto de conclusões do Congresso das Misericórdias, onde, aliás, V. Exa. teve colaboração notável.

O Orador: - Muito obrigado a V. Exa. E este revigoramento das instituições locais que importa, a todo o transe, realizar. Os municípios, assoberbados por tarefas numerosas e de natureza vária, necessitam de ver reduzidas as suas atribuições dentro dos limites em que a própria especialidade se torna eficiente. Para tanto consolidar-se-ão nos meios rurais outras instituições com actividades definidas.
Os grémios da lavoura, por exemplo, serão os intermediários na concessão de crédito ou até na indispensável colocação de títulos de fomento, contribuindo, assim, para contrariar uma certa propensão à liquidez. As Casas do Povo e suas federações levarão aos campos os esquemas da previdência. Finalmente, as Misericórdias constituirão o órgão central da assistência concelhia.
Ficando com a responsabilidade da assistência hospitalar as Misericórdias objectivariam as seguintes vantagens:

a) Eliminar-se-ia o ambiente de mútua desconfiança entre os municípios e os hospitais;
b) A ideia de desconcentração hospitalar sairia, na prática, reforçada, pois as Misericórdias socorrer-se-iam, sempre que possível, dos seus hospitais sub-regionais;
c) As Misericórdias, recebendo directamente a sua comparticipação nos adicionais, libertavam os hospitais sub-regionais do peso de créditos que hoje têm dificuldade em cobrar;
d) O serviço social da Misericórdia - produto do seu espírito tradicional - substituir-se-ia à actual e deficiente improvisação a que as câmaras se vêem forçadas para conhecer da situação económica dos assistidos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Eis, Sr. Presidente, o que tomo a liberdade de sugerir nesta intervenção. Se não prima pelo ineditismo, revela ao menos um persistente desejo de

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tornar mais efectivo o bem-estar e o progresso das gentes e das instituições dos campos de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão na generalidade a proposta e projectos de lei de alteração à Constituição Política.
Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte do Amaral.

O Sr. Duarte do Amaral: - Sr. Presidente: a Assembleia Nacional deliberou em 13 de Fevereiro último antecipar a revisão nos termos do § 1.º do artigo 176.º da Constituição, assumindo para isso poderes constituintes. Colaborar o mais intensa e devotadamente possível nos respectivos trabalhos pareceu-me uma obrigação de consciência e por várias razões, entre as quais saliento ser nosso dever, por se tratar da lei fundamental, torná-la o mais possível de todo o País, quero dizer, fazer interessar nela a Nação, no duplo aspecto de que todos os portugueses a sintam bem sua e de que ela os não impeça, antes ajude a manter a paz e a obter o desenvolvimento harmónico da grei.
E sendo assim vou falar sem preocupação de linguagem ou técnica jurídica, que não conheço, nem poderia já agora aprender, vou falar precisamente como sobre estas coisas falaria qualquer pessoa. O que me interessa, Sr. Presidente, e interessa à maior parte do País, é preservar a sociedade portuguesa de transformações bruscas, de convulsões sociais, é expurgar definitivamente a nossa vida política -que desejamos, não obstante, seja a vida política activa de um país vivo - do aspecto de discussão na rua, do permanente apelo à rua, tão vulgar entre nós durante uma longa e arrastada centena de anos, o qual, ao que parece, se tem querido ressuscitar de há tempos a esta parte. E isto com grave prejuízo na metrópole, onde precisa de trabalhar-se calmamente para obter o muito que ainda nos falta, e com evidente perigo para o ultramar, à volta do qual se desenham e intensificam as cobiças de sempre, apenas sob bandeiras de hoje.
Na verdade, desde as eleições presidenciais de 1945 que poderosa coligação tem pretendido transformar as consultas efectuadas, com o fim específico de eleger alguém, em plebiscito contra o regime, no primeiro acto de um vasto movimento insurreocional. Não se pode negar esse direito, se a própria lei o consente, inas tem de se alterar a lei, impedindo esses periódicos apelos à insurreição. E assim a regra do jogo.
Além disso, e como se tem afirmado já, dessas forças, que tão heterogénea coligação inexplicavelmente congraça, constituída por elementos. de todos os credos políticos, por isso mesmo irreconciliáveis, nenhuma apresentaria a força necessária para governar, uma vez alcançada a vitória que tanto ambicionam. Seria de novo o caos, e os que actualmente nos zangamos, porque as coisas nem sempre correm tão bem como queremos, todos voltaríamos a ouvir, como nos anos anteriores a 1926, os mesmos tímidos e singelos apelos ao Exército, para que modestamente nos salvasse, impondo ordem nas ruas, dando ao País alguma liberdade religiosa, evitando a bancarrota e providenciando no sentido de pôr as estradas transitáveis. Limitavam-se a estes os anseios, quê hoje nos fazem sorrir, da maioria dos portugueses de há trinta anos, quase morta já: a esperança de podermos voltar a ser um povo como os outros do mundo civilizado. Isto, se do amálgama ideológico dessa vitória não saíssem vencedores os comunistas, porque esses, mesmo com pouca força, a tudo dariam sumo muito diverso e perfeitamente conhecido.
Ora, se a ampla aliança de dirigentes dos diferentes grupos ideológicos é perfeitamente explicável na ordem dos acontecimentos, se alguns julgavam por essa forma poder melhorar as condições de vida do País ou resolver os seus problemas, se se admite que outros, 'por ambição ou mesmo vingança, se lhes. tenham juntado e somaram os seus votos aos dos primeiros - o número de todos eles no País inteiro não explica mesmo assim os votos que fugiram ao regime nas últimas eleições.
Porque, Sr. Presidente, houve nessa ocasião - é preciso não o esconder - uma percentagem importante do eleitorado que, consciente ou inadvertidamente, esteve interessada na derrocada do regime. Ora o povo, na sua esmagadora maioria - ia quase a dizer - na sua unanimidade -, como aliás todos os dias se vê, não está contra as instituições políticas e sociais existentes.
O facto terá sido devido, à surpresa, que criou alarmante estado emocional, a que se juntou um lamentável desconhecimento dá verdade sobre aspectos da condução dos negócios políticos, e igualmente a certos motivos concretos de descontentamento, que não vi ainda suficientemente analisados, uns, que já vejo de novo esquecidos, outros.
Se temos, pois, uma vida política organizada, se temos um sistema que funciona, não pode admitir-se que a propósito de tudo e de nada se discuta aquilo que não está em discussão.
Ora a forma de eleição presidencial vigente punha periodicamente em causa, não o nome do candidato à chefatura do Estado, mas todas as instituições existentes.
Alguma coisa estava, portanto, .desajustada, e bem andou o Governo ao propor a correspondente modificação. Na verdade, tudo o que colocar a chefia do Estado acima das discussões e a puder assim afastar de uma escolha tumultuosa não pode deixar de aplaudir-se e tem por conseguinte a minha concordância, pois quanto mais dignidade e independência houver na 'chefia do Estado mais segurança terá o País, de mais liberdade poderá gozar o seu povo.
O chefe do Estado deve, com efeito, pairar acima das paixões, porque tem de ser o símbolo e o representante de toda a Nação, o conselheiro discreto do Governo, mesmo quando não governa, e, sobretudo, deve ser o homem obedecido e respeitado, que, num momento crítico, sozinho, em face da Nação e da história, possa tomar e aguentar, só por si, as mais altas e mais graves decisões.
Não me parece, pois, que o debate apaixonado e público de candidatos, seguido de eleição plebiscitaria, possa prestigiar, pelo menos no nosso país, quem vai ocupar uma posição que deve merecer o respeito unânime de simpatizantes ou não e que terá, porventura, na serenidade de actuação o seu mais alto atributo.
Sr. Presidente: outra alteração muito importante da proposta de lei é a que alarga aos Ministros a possibilidade de nesta Assembleia se ocuparem de assuntos de reconhecido interesse nacional, o que até aqui era apenas permitido ao Presidente do Conselho. Não sofre dúvida a vantagem desta inovação, a sua evidente utilidade.
Foi justamente dentro desta ordem de ideias que me pareceu útil propor, e fi-lo através da apresentação do projecto de lei n.º 20, que fosse introduzido também

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o sistema de perguntas escritas ao Governo, para completar, assim, em assuntos de maior ou menor monta, mas que concorram poderosamente para a formação da opinião pública, o esclarecimento desta Câmara e, por via dela, de todo o País.
Os governos, que, de uma forma, geral, têm trabalhado afanosamente durante as últimas dezenas de anos, têm-se esquecido muitas vezes por motivo dessa mesma tarefa e por defeito de a organização do respectivo sistema de trabalho e os serviços dos seus Ministérios não estarem descentralizados nem, muitas vezes, devidamente organizados, os governos têm - dizia - a tendência para considerar de antemão esclarecidos os assuntos, não explicando capazmente ao Pau a razão das determinações tomadas. Por outro lado, os órgãos de informação criados, fie se mostram diligentes no conjunto dos seus serviços, vão sofrendo o mesmo processo evolutivo que os homens do Governo quanto à informação sistemática da opinião pública. E os órgãos políticos do regime, esses então são praticamente inexistentes - exceptuando as comissões de nível superior -, a não ser nas vésperas das pugnas eleitorais. Daqui toda a gente se encontrar totalmente por elucidar, não só quanto aos mais graves problemas do País, como até quando aos de menor importância. Acresce ainda que são raros os Ministros que realizam conferências de imprensa e das próprias reuniões do Conselho de Ministros é raro saírem notas suficientemente esclarecedoras.
Também nesta Câmara se prestam, no período de antes da ordem do dia, informações de interesse, que se não são, todavia, suficientemente divulgadas. Diário das Sessões, igualmente, ninguém o conhece, e apenas resta o esforço inegável da imprensa diária para dar relevo ao trabalho desta Assembleia. Louvo, por isso, a Radiotelevisão Portuguesa pela crónica parlamentar que há pouco iniciou e da qual espero, se for bem feita, os melhores resultados, não só para o prestígio desta Casa, como, sobretudo, para a divulgação de esclarecimentos que a opinião pública deve receber. Estranho, por isso, também que as emissoras do Estado não tenham criado ainda uma crónica parlamentar à altura e atenta às necessidades do País.
Mesmo que todas estas formas de esclarecimento que aqui cito sejam vivificadas, mesmo que todos passem a cumprir o seu dever de informar cabalmente o País - e devo reconhecer que ainda é o Governo quem mais largamente o informa -, ainda assim haverá lacunas de grande importância. Com efeito, podem os Deputados, ao abrigo do artigo 96.º da Constituição, requerer elementos aos serviços, e largamente utilizam essa prerrogativa, mas notemos que uma coisa é pedir elementos, outra é pretender, através de perguntas concretas e concisas, obter a razão por que o Governo procedeu desta ou daquela maneira, com a obrigação de resposta, excepto se houver motivos de reserva ou, para usar terminologia da actual redacção do artigo 96.º, a com fundamento em segredo de Estado».
Poderia, é certo, argumentar-se que o citado artigo permite, tal como se encontra agora redigido, esse sistema e, porque o comporta, dispensa, consequentemente, novo alargamento. A verdade, porém, é que tanto o - liso como o Regimento lhe deram na prática uma interpretação diversa, como muito bem acentua a Câmara Corporativa no seu parecer (n.º 14/VII).
Creio, afinal, Sr. Presidente, que se se usar lealmente este processo que agora proponho - e ao dizer lealmente quero dizer lealmente da parte dos Deputados e lealmente da parte do Governo - e se com cuidado se alterar o Regimento a Nação lucrará efectivamente, porque se poderão com mais facilidade esclarecer assuntos importantes que constantemente são adulterados com o fim de envenenar a opinião pública.
Dizia-me há tempos o governador civil de um distrito do Norte que só sabia das verdades ou das mentiras da política portuguesa por intermédio dos boatos de café. E talvez razoável esta caricatura, digamos, esta manifestação de pesar, porque há assuntos preocupantes que se não têm esclarecido, por se determinar solenemente não ser útil ou não valer a pena ...

O Sr. Abranches Soveral: - Muito bem!

O Orador: - Penso, Sr. Presidente, que não precisarei de justificar mais esta minha proposta de modificação da Constituição. O que disse não bastaria talvez para consolidar a opinião da Assembleia, mas o longo e circunstanciado parecer da Câmara Corporativa e a sua conclusão favorável a este ponto do meu projecto de lei dispensam-me de ocupar mais tempo a VV. Exas.
Passo, por consequência, a esclarecer os motivos pelos quais proponho que um delegado da Câmara Corporativa tome parte obrigatoriamente nas reuniões .das comissões desta Assembleia em que sejam apreciadas alterações sugeridas por aquela Câmara.
Parece-me, com efeito, que perfilhar agora certas sugestões apresentadas no parecer n.º 13/V da Câmara Corporativa sobre a revisão constitucional de 1951 -concorreria para melhor aproveitar o trabalho alheio, mas a Câmara Corporativa no seu douto parecer vem agora afirmar que «não há notícia de a Câmara ou a sua Mesa terem alguma vez reconhecido a necessidade ou a simples conveniência de a Câmara se fazer representar nas sessões das comissões da Assembleia em que se estudem os projectos ou propostas que ela previamente examinou, ou de a Assembleia ter solicitado a comparência de um delegado desta Câmara nas referidas sessões» (in Actas da Câmara Corporativa n.º 58, de 12 de Maio de 1959,-p. 714).
Tem, pois, interesse citar o já referido parecer de há anos (n.º 13/V), onde o problema é posto inteiramente às avessas. Efectivamente, pode ler-se em dada altura o seguinte: «... para evitar que a Assembleia lute, por vezes, com dificuldades para dissipar dúvidas sugeridas por pareceres da Câmara deveria estabelecer-se que o relator do parecer ou outro procurador designado pela Câmara assistísseis reuniões de estudo da competente comissão da Assembleia. No sistema político português os compartimentos constitucionais são demasiado estanques: não tem o Governo contacto com a Assembleia, nem esta o mantém com a Câmara Corporativa em termos de se assegurar uma colaboração eficaz para além dos meros encontros de ordem particular, que não podem contar num regime bem ordenado. Esta Câmara pensa que de mais íntima ligação de todos estes órgãos poderia resultar trabalho de melhor qualidade e mais íntima compreensão», (in Diário das Sessões n.º 74, de 24 de Fevereiro de 1951, p. 408).
Estavam, portanto, de acordo, ao que parece, com o Doutor Marcello Caetano, ilustre relator desse parecer, todos os outros Dignos Procuradores que o assinaram, entre os quais alguns subscrevem também o parecer de agora. Como se vê, a Câmara Corporativa reconhecia, assim, mais do que a simples conveniência, a absoluta necessidade de se fazer representar mas comissões da Assembleia.
Seguidamente, diz a Câmara Corporativa que, como para seu representante está mais indicado, em princípio, o relator, este não pode, evidentemente, ser obrigado a tomar parte nas sessões das comissões da Assembleia, por isso que estas reuniões se fazem ias mais das vezes paralelamente com as da Câmara Corporativa,

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«não podendo esta - cito de novo palavras do parecer- fazer-se utilmente representar nessas comissões justamente na altura em que elabora os seus pareceres». Donde a Câmara conclui, sem prejuízo de confirmação por outros argumentos, que não merece ser aprovado este ponto do projecto.
Aqui não nos entendemos; mas tratar-se-á certamente de um lapso dos Dignos Procuradores, porque se as comissões da Assembleia reúnem para estudar o parecer da Câmara, temos de admitir, e é essa a verdade, que o parecer está feito, impresso, e as Actos da Câmara Corporativa distribuídas. Não se vê, por consequência, que o relator esteja ainda ocupado em elaborar um parecer que todos receberam já.
Eu sei que muitas vezes podem coincidir as reuniões das secções da Câmara Corporativa, convocadas para dar parecer sobre determinado projecto ou proposta de lei, com as das comissões da Assembleia que sobre o estudo dos mesmos se devam debruçar; essas comissões, porém, não estão a estudar o parecer da Câmara Corporativa, mas somente o projecto ou proposta iniciais.
Ora o que se propõe no artigo 2.º e que o delegado da Câmara Corporativa assista às reuniões das comissões da Assembleia em que sejam apreciadas alterações sugeridas por aquela Câmara. Não se pretende, pois, que o Procurador relator assista a todas as reuniões onde se estudem projectos ou propostas apresentados. Donde o poder concluir-se facilmente que o relator não está, por essa razão, impedido de comparecer.
Dizem depois os dignos Procuradores que a «Câmara Corporativa tem por norma elaborar os seus pareceres com toda a minúcia e desenvolvimento, não sendo natural que a Assembleia se não aperceba de todo o pensamento da Câmara e precise sistematicamente de obter esclarecimentos suplementares sobre os assuntos versados nesses pareceres.
Não quero manter-me teimosamente ligado às minhas opiniões, mas não posso deixar de lembrar que da circunstancia de os pareceres serem normalmente elaborados com toda a eficácia e desenvolvimento não se segue necessariamente que sempre sejam claros e, principalmente, completos nas correspondentes explicações (que apresentam por escrito, não o esqueçamos), sendo, pelo contrário, muito natural que as comissões da Assembleia não se apercebam de certos pormenores do pensamento da Camará Corporativa, pois não há memória de que um texto escrito, por mais minucioso, claro ou simples que seja, tenha conseguido ser alvo de uma única interpretação principal e sobretudo de uma única interpretação correcta: nem o Evangelho.
Que suma sobrecarga de sacrifícios de tempo se não deve «exigir de quem, no exercício das suas funções, não presta serviços em regime de full-time», aqui sim, aqui estou completamente de acordo com a Camará Corporativa : é, Sr. Presidente, o problema que, posto com muito acerto, serve justamente para chamar, a atenção de V. Exa. para o que se passa nesta Assembleia.
Quando fui convidado a apresentar a minha candidatura a Deputado da Nação ponderei, naturalmente, as obrigações que já tinha assumido em correspondência com aquelas que ia dê novo assumir. Verifiquei dessa forma que o tempo normal de trabalho nesta Casa era de três meses, que, no entanto, e normalmente também, o Presidente, usando do poder que lhe confere a Constituição, estendia a quatro, prorrogando, consequentemente, por mais um mês cada uma das sessões legislativas. Contei, pois, com quatro meses de trabalho parlamentar, no máximo. E é claro, fiz esta conta e errei, porque este ano, por exemplo, estamos já no nono mês de trabalho parlamentar..
Diz finalmente o documento da Câmara Corporativa que então, se o delegado da Camará deve vir as sessões das comissões da Assembleia, também o Deputado, autor de um projecto de lei, deve ir às sessões da Câmara Corporativa onde este se discuta. Reconheço que pode e talvez deva, na verdade, ser assim, com a reserva de que, neste caso, podem de facto coincidir as reuniões das comissões da Assembleia com as da Camará Corporativa, não sendo, portanto, possível a comparência sincrónica em ambas.
Besta agora dizer das razões que tenho para propor que as alterações sugeridas nas conclusões dos pareceres da Câmara Corporativa sejam consideradas propostas de eliminação, substituição ou emenda, conforme os casos para efeitos de discussão e votação dos projectos ou propostas de lei, independentemente de outra iniciativa (artigo 4.º).
Na verdade, toda a gente estranha cá fora que a Assembleia Nacional não trabalhe em mais intima colaboração com a Camará Corporativa, havendo mesmo no Pais a impressão generalizada de que esta Assembleia não concede aos trabalhos da Câmara Corporativa, em regra brilhantíssimos, a merecida atenção.
Ora, Sr. Presidente, salvo para os funcionários públicos - e a prática desmente a lei, ao menos quanto a uma parte do sen trabalho -, a vida de um Deputado também não é em futt-time e são, presentemente, coda vez menos as pessoas que podem fazer um serviço ao País - como este que aqui fazemos - abandonando os seus afazeres profissionais. Peço por consequência a V. Exa. Sr. Presidente, que obtenha, se é possível, mais eficiência na organização dos serviços desta Assembleia e uma melhor coordenação entre a respectiva Mesa e o Governo; de forma que possa trabalhar-se mais intensamente nos três ou quatro meses de duração normal de cada sessão legislativa, para que esta se não prolongue por tanto tempo, pois isso acarreta pesados sacrifícios a que se não deve obrigar quem tem de ganhar a sua vida.
Quero referir-me em especial - como facilmente se vê - a um melhor aproveitamento do tempo destinado os sessões, ao envio tempestivo e mais numeroso das propostas de lei que o Governo deva submeter à Assembleia e ao rápido fornecimento dos elementos solicitados pelos Deputados.
Aproveito, Sr. Presidente, para chamar a atenção, tal como fez já neste debate o ilustre Deputado Sr. Carlos de Lima, para as más condições desta sela. Mais eficiente e proveitoso seria o trabalho da Assembleia se ela servisse apenas para os grandes actos solenes e se encontrasse neste enorme palácio uma sala pequena, onde os Deputados para se ouvirem não tivessem de estar toda a tarde em pé, no meio de correntes de ar, e onde as tribunas enormes, permanentemente vazias, não criassem este ar de desinteresse tão grande.
Também aqui me parece que subscrever a sugestão apresentada pela Camará Corporativa aquando da revisão constitucional de 1951 contribuirá para obter uma mais intima ligação entre as duas Camarás e será praticar um acto de boa política.
Eis as palavras da Câmara em 1951:

... o processo actualmente seguido com as alterações das propostas ou projectos de lei sugeridas nas conclusões dos pareceres da Câmara Corporativa não é satisfatório.
Se nenhum Sr. Deputado perfilhar essas alterações, o trabalho da Camará ficou de todo inútil, sem haver sequer a certeza de terem sido ponderadas as suas razões para fundadamente serem rejeitadas. E, todavia, essas alterações são, por sistema, fruto de ponderado estudo e discussão de técnicos e de pessoas versadas nos assuntos a que respeitam e a sua sugestão resulta de motivos apresentados . por escrito.....

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Merecem, pois, que sobre elas recaia um voto.
Poderá dizer-se que o processo actual evita e o espectáculo, que por vezes poderia ser chocante, da rejeição ostensiva das propostas da Câmara Corporativa. A frequência dessa rejeição poderia mesmo tomar a aparência de um conflito entre as duas Câmaras.
É razão a considerar. Mas o sentimento da Câmara é o de que vale mais correr esse risco do que viver na sensação da inutilidade do esforço.
E mais adiante:
A solução para o problema deve ser outra: a de tornar obrigatória a votação da Assembleia sobre as propostas da Câmara Corporativa. Essa é, de há muito, a aspiração desta Câmara ...
Não faz sentido que propostas cuidadosamente concebidas, discutidas e estudadas pela Camará Corporativa só mereçam a atenção da Assembleia quando algum Deputado tenha o impulso de as fazer suas (in Diário doa Sessões n.º 74, de 24 de Fevereiro de 1901, pp. 407 e 408).
Não está a Câmara Corporativa de acordo com a minha proposta para que as suas sugestões sejam obrigatoriamente discutidas e votadas na Assembleia, dizendo que e não faz à Assembleia Nacional a injustiça de conceber que ela não pondere sempre as suas razões e não considere com a devida reflexão as alterações que lhe são sugeridas em relação aos projectos ou propostas de lei que lhe cumpre apreciar».
Ora, Sr. Presidente, não penso nem disse nada disto. O que afirmo, muito ao invés, é que, no Pais e na Assembleia, os pareceres da Câmara Corporativa são profundamente apreciados, mas que, precisamente por cansa disso, o facto de muitas vezes não haver um Deputado que perfilhe as propostas finais desses pareceres leva à conclusão falsa de que a Assembleia menospreza frequentemente o trabalho da Câmara. E isto, Sr. Presidente, do ponto de vista político, é um erro muito grave.
Por isso queria que fosse obrigatória a discussão e votação dos alterações sugeridas pela Camará Corporativa.
Por outro lado, pode ainda ler-se no parecer:

Desde que esta Camará não funciona como segunda Câmara, não se prevendo, por via disso, uma forma de conciliação entre os pontos de vista dela e da Assembleia Nacional, o melhor é, realmente, não a sujeitar a ver, sem apelo nem agravo, as suas propostas rejeitadas pela Assembleia dos Deputados.

Volto a não perceber o pensamento da Câmara. Admito que tenha de haver cuidado, mas mal ia o Mundo, mal estávamos nós, se deixássemos de propor fosse o que fosse que a nossa consciência nos aconselhasse, só porque os outros pudessem reprovar-nos. Pode melindrar, é certo, que não nos ouçam atenciosamente, que não discutam o que alvitramos e não digam depois a outra verdade sobre a nossa verdade; agora estarmos calados para que aquilo que dizemos não seja apreciado, só porque pode não ser admitido, confesso, Sr. Presidente, que não entendo.
Quanto às outras modificações por mim apresentadas nada mais julgo necessário dizer: ou remedeiam omissões, ou não tom interesse de maior, para que valha a pena tomar mais tempo a VV. Exas, até porque sobre elas deu também parecer a Câmara Corporativa, cujas conclusões subscrevo.
Mais duas questões ainda, Sr. Presidente.
Reveste-se de um aspecto de inutilidade parte do trabalho dos membros desta Camará no que respeita às críticas à Administração, e aos pedidos ou sugestões formulados.
Na realidade, o Deputado fala aqui e a sua voz perde-se, sem geralmente se lhe ouvir o eco, quanto mais a resposta. Parecia-me, por consequência, bem, e sem sair das linhas mestras da Constituição, que se estabelecesse a praxe de no começo dê cada sessão legislativa o Presidente do Conselho ou Ministro por ele autorizado comparecer na Assembleia Nacional e dizer de sua justiça quanto ao destino da maioria dos assuntos versados na sessão anterior, quando estes não tivessem tido resposta especial e concreta.
Este procedimento, estou certo, prestigiará o Governo e a Assembleia e não parece que daí possa advir algum inconveniente de maior.
Desejo terminar afirmando que estou de acordo com a inscrição do nome de Deus e da sua invocação no principio da nossa Constituição Política. Apenas me parece, por razões já largamente evocadas e que por isso me dispenso de repetir, ser indispensável encontrar a fórmula adequada, em face da grandeza do nome e da importância da lei.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sócrates da Costa: - Sr. Presidente: ao apreciar na generalidade o projecto de lei n.º 23, que assinei com outros Srs. Deputados, reconhece a Cornara Corporativa que ele se caracteriza por pretender reforçar ou vincar um certo número de afirmações programáticas daquela parte da Constituição referente à metrópole e ao ultramar, a que a doutrina costuma hoje chamar «constituição social».
Mas acrescenta que, de um modo geral, pode dizer-se que um projecto concebido predominantemente com este alcance é um projecto que não quadra com os objectivos que deve visar uma lei de revisão.
É este o ponto da minha discordância.

O Sr. Cortês Pinto: - Muito bem!

O Orador:-A nossa lei constitucional tem carácter programático, ela não só consagra os direitos da pessoa humana e das sociedades primárias que formam a estrutura da Nação Portuguesa, como enuncia princípios jurídicos fundamentais de governo e administração.
O Sr. Prof. Oliveira Salazar, quando tornou públicos os princípios fundamentais em que iria inspirar-se a nova ordem constitucional, revelou que se pretendia «construir o Estado social e corporativo em estreita correspondência com a constituição natural da sociedade. As famílias, as freguesias, os municípios, as corporações onde se encontram todos os cidadãos, com suas liberdades jurídicas fundamentais, são os organismos componentes da Nação e devem ter, como tais, intervenção directa na constituição dos corpos supremos do Estado: eis uma expressão mais fiel do que qualquer outra do sistema representativo».
Daqui deduzo que a nossa Constituição é a super-estrutura de uma constituição social, isto é, de uma constituição natural da sociedade que lhe serve de infra-estrutura.
E assim a ordem social depende naturalmente de um equilíbrio entre estas duas estruturas, a política acompanhando as variações da social.
Creio, por isso, que os projectos de lei que contenham afirmações predominantemente programáticas quadram perfeitamente com os objectivos que deve visar uma lei de revisão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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10 DE JUNHO DE 1959 967

O Orador: - Sr. Presidente: para mim, a era de Salazar, a era em que os Portugueses, sob a inspiração do excepcional e eminente estadista, readquiriram a consciência da sua missão espiritual no Mundo, começou verdadeiramente com a publicação do Acto Colonial, a primeira lei constitucional do Estado Novo, que vinha substituir o titulo v da Constituição de 1911.
As suas disposições foram modificadas e integradas no texto constitucional em 1951, pela Lei n.º 2048.
A unidade da Nação, a solidariedade de todas as suas partes componentes e a descentralização administrativa, que constituem os pontos essenciais do Acto Colonial, passaram para a Constituição, deixando transparecer agora uma actividade colonizadora transitória que abra o caminho para a uniformização político-administrativa, que a substituição de o colónias» pela designação «províncias» indica.
O artigo 29.º do Acto Colonial dispunha que «as colónias só serão governadas por governadores-gerais ou governadores de colónia, não podendo a uns e outros ser confiadas por qualquer forma atribuições que pelo. Acto Colonial pertençam à Assembleia Nacional, ao Governo ou ao Ministro das Colónias, salvo as que restritamente lhes sejam outorgadas,- por quem de direito, para determinados assuntos em circunstancias excepcionais.
Já desponta neste preceito o princípio de centralização governativa.
Esse artigo 29.º foi substituído pelo artigo 153.º da Constituição, segundo o qual «o Governo superintende e fiscaliza o conjunto da administração das províncias ultramarinas, nos termos da Constituição e da lei ou leis orgânicas a que se refere a alínea a) do n.º 1.º do artigo 150.º, por intermédio dos órgãos que as mesmas leis indicarem».
O ilustre Deputado Mário de Figueiredo em relação a este preceito disse que:

O único sentido que pode atribuir-se a esta fórmula é o seguinte: o Governo pode agir por intermédio do Ministério do Ultramar ou por intermédio de qualquer outro Ministério de administração metropolitana. Isto significa - continua o ilustre Deputado e douto professor que os serviços de qualquer das províncias ultramarinas podem ir sucessivamente - sendo integrados nos serviços da administração metropolitana.
De facto a base IX da Lei Orgânica confirma essa douta interpretação ao estabelecer que «o Governo superintende e fiscaliza o conjunto da administração das províncias ultramarinas, directamente ou por intermédio do Presidente do Conselho, do Conselho de Ministros, do Ministro do Ultramar e, eventualmente, por intermédio de outros Ministros, nos termos da presente lei».

É evidente que os textos citados são a aplicação do principio da centralização governativa, podendo entender-se, à face da designação «províncias» em lugar de «colónias», que essa centralização governativa está encaminhada no sentido definido pelo ilustre Deputado s antigo Ministro do Ultramar Sarmento Rodrigues nas palavras seguintes:

Um dia virá em que não haverá nem Ministério das Colónias ou do Ultramar, nem governos ultramarinos, nem serviços próprios, porque tudo se passará como agora se passa em Trás-os-Montes, ou no Algarve ... e assim, merco de uma autonomia inicial, teremos realizado uma fusão numa unidade. Pura assimilação.
Sabido que na maioria dos nossos territórios ultramarinos há colectividades com costumes e necessidades diversos das metropolitanas, cabendo-lhes por isso estatutos especiais, poderá dizer-se que a assimilação é um mito ou utopia. Mas as utopias e os mitos são criadores, principalmente quando sugerem a forma suprema da energia vital que é o amor ao próximo. As palavras que exprimem grandes ideais exercem nas sociedades benéficas influencias políticas.
Salazar, a quem a Nação Portuguesa deve a paz e a tranquilidade que permitem extrair dó passado a lição para a sua missão futura, disse nesta Assembleia, ao falar sobre o Acordo Missionário e a Concordata, que «pouco importa que alto pensamento de política comercial e marítima determinasse o escol dos dirigentes a buscar novas rotas e descobrir outras terras; o constante apelo à evangelização dos povos, passou, das descobertas e da colonização, marcaria, se não a consciência religiosa do poder, ao menos a mobilização do sentimento público para facilitar a empresa e tornar suportáveis, através do reconhecimento de alta missão espiritual, os sacrifícios que custava».
Por mim estou com os que pensam que no momento em que um interesse material invoca uma ideia espiritual, esse interesse entrega-se completamente nas mãos dela e à lógica dessa ideia, a qual continuará a desenrolar-se segundo as leis próprias e muitas vezes, inclusivamente, contra o próprio interesse que a tinha invocado, para fazer dela um instrumento ao seu serviço.
O Império Português atingiu proporções tais que o rei pode intitular-se rei de Portugal e dos Algarves, de aquém e de além-mar em África, senhor da Guiné, da conquista, navegação e comércio às Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia.
E o que hoje resta e constitui a plurirracial Nação Portuguesa é o resíduo positivo, que será o mesmo para todos os observadores, ateus ou crentes, portugueses ou não, da pertença política comercial e marítima, que, graças às leis do processo da história, se entregou, porventura contra o sen próprio interesse, aquela missão espiritual em cujo serviço Gama e tantos outros heróis, mesmo os obscuros, da epopeia lusitana julgavam ser enviados.
É inegável que quando em 1951 se substituiu o termo «colónias» pelo termo «províncias» se teve o propósito de não deixar qualquer dúvida- sobre a equiparação constitucional entre a parte europeia e a parte não europeia do território português.
Mas também é inegável que a estrutura do ultramar português é diferente da do continente.
O título VII da parte II da Constituição abre com a afirmação de que é da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de colonizar as terras dos descobrimentos sob a sua soberania e de comunicar e difundir entre as populações ali existentes os benefícios da sua civilização.
E para esse fim as províncias ultramarinas regem-se por leis especiais, que podem provir, em parte, de órgãos legislativos provinciais, e o Estado garante por medidas especiais, como regime de transição, a protecção e defesa dos indígenas nas províncias onde os houver, conforme os princípios de humanidade e soberania e outras disposições constitucionais e as convenções internacionais.
Qual é o sentido ou direcção deste regime de transição ? Para onde se transita?
Sabe-se - e nesta Assembleia foi recordado pelo ilustre Deputado Mário de Figueiredo ao discutir-se a Lei Orgânica do Ultramar - sabe-se, repito, que em política colonial pode seguir-se dois caminhos, ou adoptar-se dois regimes como tipo-limite de organização das províncias ultramarinas, tipo-limite no sentido do ponto para que se transita: um, segundo o qual a organização deve fazer-se em condições de as províncias ultramarinas cami-

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nharem no sentido de uma autonomia cada vez mais marcada, até - no limite- se constituírem como estados independentes; outro, segundo o qual o regime das províncias ultramarinas deve organizar-se por forma a que se caminhe no sentido de essas províncias virem a integrar-se na administração metropolitana até ao ponto de desaparecer o próprio Ministro do Ultramar.
Já desde o século XVII se proclama, invariável e incansavelmente, o principio sobro o qual o Conselho da índia' informou o seguinte:

A Índia e outras terras de além-mar do governo das quais se ocupa este Conselho de modo nenhum suo distintas ou separadas deste Reino, nem lhe pertencem sob a forma de união, mas sim são membros do mesmo Reino, como o são o Algarve e mais não importa qual das províncias do Alentejo ou de Entre Douro e Minho ... E é tanto português o que nasceu em Goa ou no Brasil ou em Angola como o que vive e nasce em Lisboa.
Dentro dessa secular teoria colonial portuguesa, uma vez que se acha quebrado o vinculo da realeza que ligava outrora todos os territórios de Portugal, é necessário, hoje mais do que nunca, inscrever-se claramente na Constituição, pois não basta deduzir a afirmação programática de que os territórios ultramarinos, com a denominação genérica de «províncias», estão em perfeita igualdade e paridade com os demais territórios nacionais.
O ilustre Deputado Melo Machado, interrompendo o antigo Deputado Manuel Vaz, que, ao discutir a proposta da lei da integração dos preceitos do Acto Colonial na Constituição, criticava muito bem e reagia contra certas teorias de política colonial interesseira, dizia o seguinte: «Eu acho que V. Exa. tem toda a razão, mas tenho pena de ter de transigir com a hipocrisia internacional».
Creio, pois, que, para se atender à conjuntura internacional, não foram mais claras e mais vincadas as afirmações programáticas como agora se propõem.
No decurso destes últimos sete anos as circunstancias mudaram, provocando variações na constituição social portuguesa,, que para restabelecimento da ordem social devem ter reflexo na sua superstrutura, inserindo-se uma clara afirmação programática na Constituição Política para reforçar o programa que dela se deduz, e assim se desvaneça a dúvida, que porventura surja, de que se caminha, embora lentamente, no sentido de se uniformizarem administrativamente os territórios de Portugal, ou seja no sentido da assimilação.
As tentativas da O. N. U. para se intrometer na nossa vida interna, o último discurso do Sr. Presidente do Conselho, bem como o do Prof. Paulo Cunha proferido na abertura da Semana do Ultramar, promovida pela Sociedade de Geografia, não podem deixar dúvidas de que é necessário que a nova Constituição mostre claramente, e não por deduções, que a plurirracial Nação Portuguesa, sem embargo da dispersão dos territórios em que exerce a sua soberania, constituída em um só estado, inspirado na igualdade do género humano e consolidado pela política de uniformização político-administrativa, faz de Portugal o farol do Ocidente, como ha pouco foi dito numa revista francesa.
Na Monarquia a palavra «Reino» indicava por si só o território principal de Portugal, a que o génio lusíada, humanitário e universalista, acrescentou outros de além-mar.
Na República, sob a influência das teorias coloniais estrangeiras, esses territórios passaram a ser denominados «colónias. Segundo essa teoria, a metrópole detém as «colónias, isto é, exerce um senhorio sobre os territórios ultramarinos.
Assim, o termo «metrópole» continuará carregado de suspeições sujeccionistas ou «colonialistas» enquanto se não introduza na Constituição um elemento autêntico de interpretação que elimine essas suspeições.
Já se tem dito, e mesmo desta tribuna, que felizes são os povos que não têm de escolher o Chefe de Estado.
Dentro das possibilidades humanas e conjuntura da política internacional, temos sido felizes nesta era de Salazar.
s Chefes de Estado eleitos, dotados, embora, das mesmas qualidades pessoais de alguns dos seus antecessores, puderam exercer melhor que estes, graças a Deus e ao Regime, as suas elevadas funções numa auréola de dignidade, como as está a exercer actualmente o Exmo. Almirante Américo Tomás.
Mas as últimas duas eleições deixam antever que a coroa suportada pela continuidade dinástica representaria melhor o encadeamento sucessivo das gerações e dos interesses passados, presentes e futuros no corpo sagrado da Nação.
Até lá chegarmos, estou convencido de que, para resistirmos aos embates externos, é necessário reforçar e vincar afirmações programáticas da parte da Constituição referente à metrópole e ao ultramar e escrever-se nesta, pelo menos uma vez, como elemento interpretativo, a palavra «continente», em lugar do termo «metrópole».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Iniciou a ma intervenção o Sr. Deputado Caries Pinto, cujo discurso será publicado, na integra, no Diário da próxima sessão.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima será na terça-feira, dia 16 do corrente, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Sn. Deputados que faltaram à sessão:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
António José Rodrigues Prata.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
João de Brito e Cunha.
João Maria Porto.
Joaquim Pais de Azevedo.
José António Ferreira Barbosa.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Noel Peres Claro.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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