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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 129

ANO DE 1959 3 DE JULHO

VII LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 129 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 2 DE JULHO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários. Exmos. Srs. José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente informou haverem sido recebidos na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho e para os efeitos do § 3º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 129, 134, 135, 138, 142 e 143 do Diário do Governo, inserindo diversos decretos-leis.
Usaram da palavra os Srs. Deputados André Navarro, acerca das actividades do comunismo internacional no sector da Península Ibérica; Urgel Horta, sobre a situação dos operários da indústria dos tabacos trabalhando no Porto; Cardoso de Matos, para se referir a problemas de interesse para a província de Angola, e Augusto Simões, que solicitou do Governo a construção da Capela de Nossa Senhora do Ar, na serra do Carvalho.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na especialidade da proposta e projectos de lei de alteração à Constituição Política.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Carlos Lima, Mário de Figueiredo, Pinto de Mesquita, Nunes Barata, Amaral Neto, Paulo Cancella de Abreu, Abranches de Soveral e Proença Duarte.
Posto à votação o artigo 2.º, relativo ao corpo do artigo 54.º e § único da Constituição vigente, segundo o projecto do Sr. Deputado Carlos Lima, foi rejeitado. Seguidamente discutiu-se o artigo 3.º do projecto do mesmo Sr. Deputado, tendente a alterar o § 3.º do artigo 109.º da Constituição e a aditar a este artigo um § 3.º-A, e o artigo 9.º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Moreira, que visa à supressão do § 2.º do artigo 109.º da Constituição, passando o § 3.º a 2.º, com nova redacção. Postos à votação, foram rejeitados.
A sessão foi encerrada às 20 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Augusto Finto.
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Finto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António Cortês Lobão.

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António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 88 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofício

Do Grémio da Lavoura do Crato a apoiar as considerações do Sr. Deputado Amaral Neto sobre o problema das lãs.

Telegramas

Do Grémio da Lavoura do Cartaxo no sentido do ofício acima mencionado.
Do Grémio da Lavoura de Leiria e Marinha Grande no mesmo sentido.
Da Câmara Municipal de Vila do Conde a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Rodrigo Carvalho sobre problemas relativos àquela vila.

O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.ºs 129, 134, 135, 138, 142 e 143 do Diário do Governo, 1.º série, respectivamente de 6, 15, 16, 19, 24 e 25 de Junho último, que inserem os seguintes decretos-leis: n.º 42 309, que promulga a reforma dos vencimentos militares nas forças terrestres ultramarinas; n.º 42 314, que altera o quadro do serviço geral do Exército e regula o ingresso no referido quadro dos majores e capitães dos extintos quadros auxiliares de artilharia, engenharia e serviço de saúde e do secretariado militar; n.º 42 316, que fixa as competências das entidades dirigentes dos serviços do departamento da Defesa Nacional para autorizar despesas; n.º 42 318, que aprova, para ratificação, produzindo efeitos desde 1 de Janeiro do corrente ano, o Acordo sobre a ajuda financeira a prestar por Portugal à Turquia, assinado em Paris em 18 de Dezembro de 1958, e autoriza o Governo, pelo Ministério das Finanças, a realizar todos os actos que ainda se tornam .necessários ao cumprimento das obrigações decorrentes do mesmo Acordo; n.º 42 319, que autoriza a Direcção-Geral da Fazenda Pública a ceder, a título definitivo, à Câmara Municipal de Vila Real de Santo António uma parcela de terreno das matas nacionais, também denominadas «Dunas», destinada à construção de um edifício para funcionamento de um hotel; n.º 42 320, que determina que as importâncias que forem devidas a título de vencimentos, salários, gratificações, subsídios de residência abonos para falhas, despesas de representação, pensões de classes inactivas, pensões de aposentação e outras remunerações certas e também as que digam respeito à ajuda de custo e subsídios de marcha e outras remunerações variáveis sejam sempre liquidadas pelo número exacto de escudos contidos no total apurado; n.º 42 321, que dá nova redacção ao artigo 33.º da Lei n..0 1961, alterado pela Lei n.º 2034 (Lei do Recrutamento e Serviço Militar); n.º 42 322, que dá nova redacção à alínea c) da base XXII do Decreto-Lei n.º 41 881 (reforma do ensino da Escola Naval); n.º 42 323, que torna aplicáveis à empresa concessionária do abastecimento de água da cidade de Lisboa, zona do trajecto dos canais e suburbana, incluindo os Estoris, Cascais e Sintra, as dis-

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posições do Decreto-Lei n.º 34 021 (utilidade pública dos trabalhos de abastecimento de águas potáveis); n.º 42 334, que autoriza- a emissão de um empréstimo interno amortizável, na importância de 500 000 contos, denominado «Obrigações do Tesouro - 3 1/2 por cento, 1959, II Plano de Fomento»; n.º 42 347, que eleva para 30:000.000$ o limite do fundo corporativo do Grémio dos Industriais de Bordados da Madeira, fixado no Decreto-Lei n.º 40 259, e n.º 42 348, que permite o reajustamento dos vencimentos e outras remunerações dos servidores das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa dependentes do Ministério da Saúde e Assistência.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado André Navarro.

O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: numa intervenção recente nesta Assembleia tivemos ocasião de acentuar, entre vários aspectos de evolução do movimento comunista internacional, a modificação que se está operando na estratégia da guerra fria com a passagem para Bom a do comando único das actividades subversivas peninsulares e, possivelmente, ainda do Médio Oriente e do Norte de África. Esta afirmação por mim feita teve, há poucos dias, na imprensa clandestina comunista, curiosa confirmação quanto ao sector peninsular. Thorez e Duelos foram assim, de facto, substituídos por Togliatti na direcção suprema do comunismo ibérico. Este último elemento destacado do marxismo-leninismo foi activo dirigente da guerra civil de Espanha e nela muito se distinguiu pelas suas violentas actuações, mesmo contra os seus correligionários, e é elemento perfeitamente conhecedor das características de acção dos agentes apátridas que actuam subversivamente nos dois países peninsulares. Esta mudança radical na chefia comunista vem demonstrar, por outro. lado, o declínio acentuado do prestígio do Partido Comunista francês, e isto muito especialmente depois da subida ao Poder do general De Gaulle e da derrota dos comunistas nas eleições legislativas desse país.
Moscovo temeu então, e ainda teme actualmente, que o Partido Comunista francês seja declarado, de um momento para o outro, ilegal, e assim é que no fim do ano
passado e princípio do corrente já tinha feito transitar para Itália todas as secções do partido com actividade ou projecção internacional, fixando-as em Roma e em outras cidades, especialmente nas do Norte de Itália.
Não nos deve admirar, assim, por exemplo, que a importante organização satélite Internacional- dos Trabalhadores do Mar, que tanto trabalhou nas ligações comunistas com Portugal, comece agora a utilizar, além de navios franceses, barcos italianos que escalam nos nossos portos, para ligação com elementos subversivos actuando em Portugal, como também será' de admitir que serão mais frequentes por parte destes últimos elementos as viagens a esse belo país. Isto obrigará também os portadores de «malas diplomáticas» contendo documentação e propaganda comunistas, entre eles um conhecido escritor, a visitar mais vezes a Cidade Eterna ...
Não deixaremos, porém, de relembrar aos ingénuos e aos incautos as palavras que a seguir se transcrevem do último número do Avante, para evitar futuros desmentidos em que ninguém acreditará, da declaração comum dos Partidos Comunistas italiano e português, palavras que vêm confirmar as ligações íntimas existentes entre os comunistas e sectores correlacionados, que constituíram frente única nos últimos actos eleitorais. Nova e importante confirmação do que foi dito e fundamental para futuros esclarecimentos sobre a verdadeira índole da oposição ao regime. São elas as seguintes:

Os delegados italianos apreciaram a vigorosa acção unitária dos comunistas portugueses, que lhes permitiu estabelecer, uma ligação estreita não somente com os grupos democráticos e da esquerda, mas também com todas as forças anti-salazaristas, inclusive elementos católicos, cada vez mais numerosos.

Consideremos hoje mais uma singela nota, que julgamos de grande oportunidade dizer ao País, sobre o próximo «festival da juventude» de Viena de Áustria, manifestação de propaganda comunista de projecção internacional. E isto para alertar aqueles jovens que, desconhecendo a índole desses festivais de folclore soviético, a eles se associem sem previamente se prepararem contra o vírus que essa -.propaganda comunista pretende difundir nos espíritos moços ...

«O festival da juventude mundial» que se vai realizar em Viena nos fins do próximo mês de Julho, princípios de Agosto, é o sétimo destes encontros da juventude comunista. Aos últimos festivais desta tipo, e principalmente ao sexto, realizado no Verão de 1957 em Moscovo, assistiram já alguns elementos juvenis portugueses oriundos do continente s do ultramar. Sabemos que se estão a preparar para visitarem Viena alguns jovens escolares, e outros trabalhadores e empregados de escritório. Todos estes «viajantes juvenis», que tencionam efectuar a dita viagem, a maior parte por via Itália, serão grandemente subsidiados pelas organizações comunistas que preparam o festival; alguns deles não serão até comunistas e ignoram mesmo completamente as finalidades destes festivais. A. cidade de Viena constituiu, porém, grande atracção pelo seu passado e esplendor, e isto leva muitos a desejarem realizar este passeio.
Deve-se assim acentuar, para evitar enganos e outras contrariedades, que cada «festival da juventude mundial para a paz e amizade» -e já se realizaram, como disse, seis: Praga (1947), Budapeste (1949), Berlim Este (1951), Bucareste (1953), Varsóvia (1955), Moscovo (1957) - é de inspiração totalmente comunista e visa arrastar- a juventude mundial atrás do imperialismo esclavagista dos sovietes.
Porém, esta nova reunião mostra-nos que Moscovo lhe reserva mais um novo e importante papel e pretendem os responsáveis comunistas que não se repita o insucesso do último festival, realizado na metrópole do comunismo, em que as juventudes dos países ocidentais esclareceram largamente os seus camaradas russos acerca da verdadeira origem de muitos dos dramáticos conflitos sociais registados na Hungria, na Polónia e na Alemanha Oriental. E ficaram ainda, o que também não desejam olvidar, largas e profundas cicatrizes desse festival, não só entre a juventude moscovita como até também entre operários e camponeses • que assistiram aos comícios feitos nas ruas e praças de Moscovo por estudantes americanos, ingleses e outros; comícios de oportuna. análise sobre a vida do mundo ocidental e que não puderam ser evitados pelos dirigentes do Kremlin.
Os festivais precedentes tiveram por fim recrutar jovens para o comunismo, desacreditar o Ocidente e recolher partidários para a política estrangeira soviética. O festival de 1959 terá, porém, muito especialmente, o fim de conquistar para a causa do comunismo

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a juventude das regiões ultramarinas e dos países subdesenvolvidos. Note-se que não foram já desprezados estes países no decorrer dos festivais precedentes, anãs durante estes últimos dois anos, depois do festival de Moscovo, em 1957, a União Soviética lançou, como é conhecido, vastas campanhas de propaganda tendentes a estender a sua influência na África e na América Latina e tentou - nem sempre com êxito -, como se está verificando no próprio Iraque, consolidar a sua influência no Médio Oriente. Assim, apesar de o número de participantes neste festival ter sido reduzido de 50 por cento, o número de jovens afro-asiáticos convidados duplicará e o dos delegados sul-americanos triplicará. Isto é significativo!
Além disso, enquanto que os outros participantes deverão mais ou menos pagar as suas despesas de transporte, a maior, parte dos delegados afro-asiáticos ou da América Latina serão inteiramente subvencionados. Chegados a Viena, serão sujeitos a uma propaganda intensa, com a esperança de que regressarão aos seus países plenamente conquistados para a causa soviética. O VII Festival da Juventude Mundial será, assim, uni instrumento da camapnha desenvolvida actualmente pela U. E. S. S. com o objectivo de se infiltrar nos países subdesenvolvidos da América do Sul e das regiões ultramarinas.
Quem organiza de facto o festival?
Como das outras vezes, o festival é apadrinhado pela Federação Mundial da Juventude Democrática (F. M. J. D.) e pela União Internacional dos Estudantes (U. I. E.), duas organizações satélites internacionais, hoje totalmente dirigidas e controladas por agentes soviéticos.
Porém, para melhor se camuflar a natureza comunista destes festivais, estas duas organizações criaram um Comité Preparatório Internacional (C. P. I.) para a sua organização. Contudo, a verdadeira direcção nem por isso deixará de ficar num âmbito de organizadores comunistas experimentados reunidos sob o nome de Comissão Permanente do Comité Preparatório Internacional. Esta Comissão estabeleceu um secretariado do festival de Viena, mas uma parte do trabalho tem sido efectuado nas sedes da Federação Mundial da Juventude Democrática e da União Internacional dos' Estudantes em Praga e em Budapeste.
Além desta organização central, a publicidade do festival e o recrutamento de participantes apropriados cabe em grande parte aos diversos Comités do Festival da Juventude (C. F. J.) que funcionam em cada país. São organismos permanentes que logo que o festival termina, começam a preparar o seguinte. Em cada país os membros directores dos Comités do Festival da Juventude são propagandistas comunistas especializados: juntam-se-lhes alguns não comunistas, para se criar lima atmosfera de respeitabilidade. Em' muitos países onde as verdadeiras organizações da juventude se recusam a qualquer contacto com a Federação Mundial da Juventude Democrática é o Comité do Festival da Juventude quem desempenha o papel de representante permanente.
Sabemos que, ligado a uma organização comunista juvenil portuguesa, o Movimento da Juventude Portuguesa, se encontra constituído um destes Comités do Festival da Juventude para a metrópole e que num andar perto da Sorbona, em Paris, se encontra instalado outro para o ultramar português.
Tinha-se dito que o VII Festival se realizaria em Pequim, uma escolha lógica, segundo Moscovo, mas esta ideia foi abandonada, ou, pelo menos, adiada, sem explicações. Disse-se que as dificuldades de transporte, de abastecimento e de alojamento davam aos Chineses um «complexo de inferioridade», depois da enganadora recepção oferecida por Moscovo.
Seja como for, a escolha final recaiu sobre Viena, e o Governo Austríaco deu, com pesar, a sua autorização. Em 27 de Abril de 1958, o chanceler Raab explicou, pela rádio, que a Áustria, como país democrático e neutro, não podia recusar, mas exigia dos organizadores um compromisso de que respeitariam as leis austríacas e que não se entregariam a qualquer propaganda política. Raab declarou que o festival não faria mal algum aos Austríacos, que são bastante sensatos para se deixarem impressionar por ele, e que, pelo contrário, faria muito bem aos participantes comunistas, mostrando-lhes o que é, na realidade, um país livre.
Em teoria, estes festivais têm por objecto fazer propaganda da paz e da amizade e da boa vontade internacionais. Mas os seus verdadeiros objectivos, que prosseguem com subtileza crescente, são, como foi dito, servir a causa do comunismo internacional. Constituem uma arma essencial na campanha mundial a que se entrega a União Soviética, cujo fim é apoderar-se do espírito dos jovens, pondo em prática o preceito de Lenine: «Quem conquista a juventude é senhor do futuro». Os cantos, as danças e as manifestações desportivas suo somente um écran de fumo, dissimulando um vasto programa de doutrinação política.
Nos últimos cinco festivais recorreu-se a artifícios complicados para criar a impressão de que os países comunistas desfrutam de condições de vida superiores às do Ocidente. Em cada caso, transformavam a cidade escolhida para o festival numa enorme «aldeia Potenkine», despendiam milhões com o programa, pintando as casas, reparando as ruas, construindo novos estádios, novos teatros, etc., e até reabastecendo os estabelecimentos com géneros alimentícios e bebidas que habitualmente é impossível obterem-se.
Apesar de no caso de Viena os organizadores do festival comunista não terem de ter a preocupação de criarem uma falsa impressão, a técnica será a mesma. Conquanto a política seja parcialmente interdita, ela pode infiltrar-se nos discursos de abertura, nos grupos e discussão, nas reuniões pacíficas e, sobretudo, nos apontamentos «anticolonialistas». Como anteriormente dissemos o VII Festival tem por tarefa especial conquistar os Afro-Asiáticos e os sul-americanos. Os Russos arvorar-se-ão em campeões dos «deserdados», principalmente daqueles que vivem sob o regime colonial - contra o que chamam imperialismo ocidental.
Sabe-se até que os organizadores do festival estão prontos a construir uma mesquita em Viena, gesto do maior cinismo, quando se conhecem os esforços que faz constantemente o marxismo-leninismo para suprimir todas as religiões. Os comunistas apresentar-se-ão também como os verdadeiros e defensores da paz» e pretenderão ser o único agrupamento que luta sinceramente para o desarmamento nuclear.
São estes dois últimos pontos que oferecem ao participante não comunista a melhor ocasião de descobrir a realidade escondida atrás da astúcia soviética. Lenine não deixou dúvidas a ninguém quanto à atitude comunista correcta: s... toda a campanha de paz -disse ele - é hipócrita e não serve senão para enganar o povo». Sobre o desarmamento, um teórico soviético declarou: «Na prática da sua política de paz a União Soviética conta cada vez mais com a sua potência política, económica e militar. Quanto mais poderosa for a União Soviética mais certa será a causa da paz».
Nas alusões que fazem aos festivais da juventude, os próprios comunistas desvendam, por vezes, os seus verdadeiros objectivos. E, assim, em Maio de 1955, o jor-

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nal polaco Tribuna Ludu - que não era então senão um eco de Moscovo- escrevia o segui ate:

É necessário compreender que o festival é outra coisa além de uma ocasião de se dançar e de se divertir; é, acima de tudo, uma manifestação política à escala mundial ...

Inevitavelmente, a decisão tomada pela Áustria de permitir a realização em Viena do festival de 1959 levantou uma onda de protestos, especialmente da parte das suas próprias organizações juvenis.
Em 11 de Junho de 1958, a Federação da Juventude Austríaca - representando todas as organizações da juventude com excepção dos comunistas - anunciava que as organizações e os membros isolados nela filiados se tinham pronunciado contra a participação, dado o carácter comunista do festival. A Federação recordava ainda que: «A supressão de toda a organização livre da juventude nas democracias populares (países comunistas) torna impossível a participação no festival de representantes verdadeiros da juventude desses países».
A Federação dos Estudantes Austríacos adoptou uma linha de conduta análoga, mas anais firme ainda: não somente sabotará o festival, mas tomará também medidas concretas contra ele. A Federação da Juventude Católica Austríaca declarou que se as organizações do festival escolheram Viena - uma cidade neutra - foi para mascarar o facto de o festival ter sido organizado, como habitualmente, «por instigações de agentes e de organizações da juventude comunista», com o objectivo de servir os interesses comunistas.
As associações de juventude e de estudantes da Noruega, da Alemanha Ocidental, da Austrália, dos Países Baixos, da Suíça e as de carácter internacional publicaram declarações análogas.
Esboçou-se depois uma atitude mais nítida. Em 13 de Dezembro de 1958, Rádio Viena informava que um grande número de organizações da juventude austríaca -- políticas, universitárias, escolares, religiosas, industriais, desportivas e escutistas - tinham formado um comité de trabalho, denominado «A Mocidade», cujo objectivo era impedir que o festival se' efectuasse em Viena e recorrer a todos os meios legais possíveis para informarem os visitantes dos seus verdadeiros fins. O comité vê no festival, em razão do seu carácter político unilateral, «um abuso flagrante da hospitalidade concedida pela Áustria neutra».
A União Soviética quer assim, por processos inqualificáveis, conquistar a juventude do mundo livre.
Mas conquistou ela própria a sua juventude?
Estou convencido de que não.
Senão, vejamos.
Mais de quarenta anos decorreram depois do advento da Revolução Russa. Desde então as autoridades soviéticas têm procurado formar a juventude conforme o espírito e a letra do comunismo. A teoria comunista proclama que, derrubando a burguesia e defendendo a Revolução, as gerações precedentes abriram o caminho que permitirá à juventude realizar a obra mais difícil: a estruturação de uma sociedade verdadeiramente comunista.
Os métodos comunistas de doutrinação têm sido praticados à escala de massas e desenvolve-se em toda a vida de um país. Cada organização de massas passa à organização imediato, os indivíduos dos quais está encarregada, e assim até que este processo se complete.
Contudo, parece que em grande parte tudo isto falhou.
No tempo de Estaline, o terror da polícia secreta e a existência dos campos de trabalho forçado eram suficientes para assegurarem uma disciplina de ferro efectiva.
Depois, este terror dissipou-se - porque já não há Estaline, já não há um ditador único. E, com efeito, evidente que, apesar do reforço recente da sua posição, Ehruschev não consegue já, decerto, o ascendente que Estaline exercia sobra os seus subordinados. A situação é, pois, bastante diferente.
Desde que Ehruschev revelou, no XX Congresso do Partido Comunista Russo, em Fevereiro de 1956, os excessos cometidos em nome do Partido pelo homem que uma geração de escolares tinha aprendido a venerar como um ídolo, a juventude .perdeu as suas ilusões e acabou por não ter mais confiança naqueles que procuram doutriná-la a ensiná-la. A juventude não vê hoje qualquer razão para aceitar destes mesmos indivíduos uma nova definição do bem e do mal. A juventude tem ama crítica fácil e humorista e, não sendo já intimidada, faz ouvir a sua voz.
O resultado foi bastante desencorajador para os ideólogos. Uma parte importante da juventude soviética, bastante numerosa para chamar a atenção da imprensa, não reagiu como os pontífices do partido tinham previsto e não mostrou mesmo qualquer respeito pelo passado soviético.
A juventude exprime-se, porém, tão vigorosamente quanto pode e quando pode. O exibicionismo dos stilyagi não é menos sintomático que os protestos mais reflectidos dos estudantes; tudo isto é menos significativo que a embriaguez e o deboche da juventude operária nas fábricas e nos campos. Todos estes sintomas de rebelião são gestos de desafio contra a monotonia da Rússia depois da revolução e contra as duras realidades da vida soviética. O homem soviético, que os educadores procuraram criar, continua a ser, apesar de tudo, um ser humano, e -não um ser autómato.
A imprensa soviética assinalou casos numerosos de agitação entre os estudantes das repúblicas soviéticas.
As primeiros notícias publicadas a este respeito apareceram na imprensa nos fins de 1956; as mais recentes referem-se ao Kazakhstão.
A agitação estendeu-se aos estudantes de todos os graus de ensino; os jovens que frequentavam os estabelecimentos de ensino superior politécnico ou monotécnico, fundados pelos comunistas, a fim de constituírem uma nova classe dirigente, aproveitaram-se continuamente das circunstâncias para criticarem e protestarem. Em 25 de Novembro de 1956, a Pravda relatava, por exemplo, que o antigo estabelecimento de Malenkov, o Instituto Técnico de Bauman, de Moscovo, tinha os seus «desorganizadores». A 22 de Dezembro de 1956, Sovietskaia kultura criticava os estudantes das licenciaturas em Letras por terem manifestado um «humor maligno» no Instituto Rapin, em Leninegrado, e no Conservatório de Moscovo. A 29 de Dezembro, Sovielski Flot denunciava os alunos da Escola Naval que difundiam ideias nocivas ao comunismo.
Apesar de indubitavelmente encorajada pelos acontecimentos da Hungria e da Polónia, a agitação que reina entre os estudantes soviéticos teve certamente por origem as mesmas causas que determinaram os acontecimentos nestes dois países. De resto, esta agitação não se limita somente, às repúblicas situadas na periferia da União Soviética e recentemente conquistadas (se bem que estas repúblicas tenham tido o seu papel): a agitação atingiu o próprio coração da República Russa. Os estudantes de Leninegrado, que difundem, pelo menos, quatro publicações ilegais, têm um papel preponderante neste género de protestos.
Os protestos revestiram-se de formas diversas. Houve verdadeiras escaramuças na Geórgia, em Kiev e em Es-

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taliuegrado; assuadas no decorrer de cerimónias e conferências oficiais, como aconteceu quando os estudantes da Universidade de Moscovo aplaudiram Khruschev de tal forma que este não pôde continuar o seu discurso; greves nos aulas de doutrinação; questões de doutrina levantadas nas diferentes aulas; divulgação de notícias provenientes de fontes exteriores, como a B. B. C. e a voz da América; publicações ilegais (a existência de seis, pelo menos, foi reconhecida pela imprensa soviética) ; uma orientação religiosa e uma recusa de trabalho para as regiões atrasadas.
Mas mais intensa foi a revolta da juventude nos países satélites.
Aí a rejeição do comunismo foi total, quer ela se manifestasse por uma revolução trágica, como na Hungria; por uma transformação mais pacífica, como na Polónia (na qual se incluem, contudo, os tumultos da juventude operária, em Pozmam), que levou ao poder um comunista nacional, Gomulka, ou por reivindicações menos conhecidas da juventude da Alemanha Oriental, da Checoslováquia, da Roménia e da Bulgária. Qualquer que fosse a forma que tomaram os acontecimentos, o desejo de reconquistar a liberdade nacional encontro-se na sua origem.
Na Hungria, o ódio da juventude contra o comunismo manifestou-se claramente até ao momento da intervenção dos tanques soviéticos para estabelecerem o statu quo. Esta intervenção demonstra que nos países satélites o comunismo, imposto sob vigilância do exército vermelho', só se pôde manter com a ajuda da força armada soviética (ou a ameaça do recurso a esta força).
A falência da doutrina que deveria conquistar a juventude é confirmada pela falência dos organizações da juventude comunista nos países satélites.
Assim, na Polónia, a Z. M. P. falhou por completo, segundo a própria imprensa comunista; na Checoslováquia, a influência da organização da juventude era, em 1953, «mínima», e o número de aderentes não variou de 1950 a 1955. Na Hungria, a D. I. S. Z. nunca chegou a agrupar mais de 41 por cento dos estudantes e da juventude operária; estes jovens abandonaram, segundo a emissão de Rádio Varsóvia de 6 de Dezembro de 1956, a organização «aos milhares» depois do discurso de Khruschev denunciando Estaline. Poucos membros aderiram por convicção política; a maioria filiou-se só porque ser membro da organização (nas condições criadas pelos comunistas) era o meio de conseguir uma educação superior e melhores empregos. Isto foi reconhecido na Polónia durante um congresso da juventude que se realizou em Varsóvia.
Neste congresso, um dos oradores declarou: e Na hora actual, os jovens que têm uma formação marxista são uma minoria».
Nos países satélites, os protestos revestiram, assim, a mesma forma que na U. R. S. S. Isto não deve surpreender, visto que a juventude destes países, da mesma maneira que a juventude soviética, protesta contra os mesmas condições e rejeita os mesmos falsos valores inculcados por ordem do partido. E este o factor que se encontra na base destas explosões de cólera juvenil. A destruição pela U. R. S. S. do mito estaliniano acendeu o rastilho. A juventude dos países satélites, além disso, tinha também perante si a prova tangível de que a União Soviética dominava a vida intelectual, económica e social do seu país. Foi isto que deu aos protestos formulados nos países satélites a sua coesão e a sua direcção, e que os tornou perigosos para o prestígio soviético de uma ponta a outra do movimento comunista mundial.
São estas palavras, que em parte não são minhas, mas apenas reprodução de textos da imprensa dos países cobertos pela negra sombra do comunismo soviético, que era mister revelar aqui para esclarecimento do País e, especialmente, para elucidação leal e sincera de alguns jovens- portugueses habilmente conduzidos pelos caminhos do mal por mentores vários-'intelectuais degenerados e falsos pastores apostados na torpe tarefa de destruir a Pátria pela aniquilação da sua juventude. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: no cumprimento da missão que me trouxe à Assembleia Nacional, volto hoje a usar da palavra, por especial atenção de V. Exa., a fim de tratar de uma questão de reconhecido interesse para determinados sectores da actividade portuense, que, no seu fundo, acusam reflexos de certa maneira lamentáveis no- aspecto social. Dentro dá tarefa que me cabe em defesa de interesses legítimos da comunidade, nunca este lugar me serviu para defesa de interesses particulares e muito menos pessoais, que os não tenho, gozando de uma independência que m« é inteiramente reconhecida; podendo até plagiar uma alta personalidade, afirmando ter nascido em berço humilde, e só a Deus devo, peço e imploro a protecção para a minha vida e dos meus.
E porque o que acabo de afirmar é verdade, que não admite dúvidas, principiarei por me referir ao problema instante dos operários da indústria tabaqueira, presentemente ao serviço da Companhia Portuguesa de Tabacos, objecto de intervenções que aqui realizei.
Não quero nem pretendo fazer a história dos factos passados à volta do despedimento do operariado à ordem da Companhia Portuguesa de Tabacos, despedimento feito por escalões, no fim de períodos de trinta dias, agora suspensos, nem tão-pouco à da extinção da Fábrica Portuense, onde laboram para cima de quatrocentos operários.
Com o desenvolvimento merecido dei ao assunto o relevo e a importância de que estes acontecimentos se revestem, como factores de incidência de negativa, sob o aspecto económico-social que nitidamente acusam.
A sua volta e à da resolução do problema tabaqueiro criou-se um ambiente cujo esclarecimento se espera em período de curtos dias.
A situação criada, com as medidas adoptadas pela Companhia Portuguesa, aos operários que trabalham no Porto, vem há tempos sendo objecto de sério estudo por parte do Governo, através do Ministério das Finanças e do Ministério das Corporações, que têm posto na resolução do problema o melhor da sua vontade e o melhor do seu interesse. Na verdade, séria duro, muito duro, que prevalecessem inteiramente as condições que a Companhia Portuguesa de Tabacos pretendia realizar, esquecendo, se não no todo, pelo menos em parte, os prejuízos causados a centenas de operários, chefes de família, atirados para o desemprego forçado, sem certas garantias inteiramente justas e sem possibilidades de empregarem a sua actividade em meio que lhes desse o pão nosso de cada dia.
Ansiosamente, eu e eles aguardamos com a mais serena confiança a resolução deste pleito, entregue às mãos de dois homens., estadistas que tanto se têm nobilitado no desempenho de árduas missões em que foram justamente investidos.
Problema de alto valor social e económico/está inteiramente confundido com a manutenção, o sustento, de um número da criaturas superior a 2000, gente tripeira de boa formação, trabalhadora e honesta, que confia na aplicação da verdadeira justiça social e humana,

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que o Evangelho defende em toda a plenitude da sua grandeza.

Sr. Presidente: outro problema, complexo e delicado, cuja solução se impõe pára tranquilidade de tantos lares onde as dificuldades e as necessidades vitais se acumulam, numa confrangedora carência de meios e recursos, é o que diz respeito à melhoria das pensões concedidas aos reformados e aposentados do Estado, dentro de um espírito compreensivo, de perfeita e verdadeira humanidade, assente em bases de justiça. Nas intervenções que sobre questão de tão magna importância realizei em fevereiro e em Abril do ano corrente, tratei desenvolvidamente esse problema de tão alta finalidade, que pede urgente terapêutica pela gravidade que encerra, exigindo adopção de providências, resolutivas, que possam conduzir à revisão e ao reajustamento de vencimentos num paralelismo de semelhança com o adoptado com o funcionalismo do Estado em pleno exercício da sua função. E fi-lo no cumprimento do dever imposto a minha consciência de homem e de Deputado da- Nação, que ocupa esta tribuna com independência e liberdade, não faz mal repeti-lo, agora em defesa dos que a adversidade e a desgraça perseguem lutando contra a fome e a miséria, sem possibilidades de defesa, que o tempo implacavelmente lhes roubou.
Demonstrei então a razão que a todos assistia nos seus queixumes, principalmente aos de menor categoria, de mais reduzidos proventos, e portanto mais carecidos de protecção, sem possibilidades na hora presente da satisfazerem com certa dignidade as necessidades primárias do seu lar, como sejam a alimentação, o vestuário e a habitação.
Mostrei a estranheza que tem causado o facto de não se haver adoptado o critério seguido noutras ocasiões, encarando, dentro de um plano de paridade relativa, as necessidades que suportam todos os reformados, iguais ou maiores do que as sofridas pelos que se encontram na plena actividade, da sua função.
Demonstrei como eram exíguas, insignificantes, certas pensões, que se colocam a distância infinita de uma actualização que seria ideal, revelando a situação angustiosa em que vivem muitas senhoras, viúvas e filhas de antigos servidores do Estado, que não podiam prever as transformações sofridas pelo mundo no depreciativo valor atingido pela moeda, que eles julgavam de firmeza suficiente para viverem com decência aqueles que, fazendo parte do seu agregado familiar, lhes sobrevivessem.
Disse então o bastante sobre problema tão candente e tão grave, não esquecendo posições e hierarquias, funcionalismo civil e militar, todos objecto de merecidas preocupações.
Desenvolvi, dentro do meu pensamento e do meu sentimento, a tese inteiramente justificada da melhoria a que se torna necessário proceder através de medidas legais convenientes, extensivas a todos aqueles que, incapacitados pela doença ou atingidos pela idade, mais ainda do que os válidos, se impõe como reclamação justa, concedendo desafogo à sua vida, dentro de possibilidades que, se não existem, se torna necessário criar.
Tudo fiz para dar completa satisfação aos que trabalharam e lutaram para poderem gozar uma velhice tranquila, afastados de dificuldades e sacrifícios com que sempre contaram. E o Governo, atento aos seus deveres e às suas obrigações para todos os que dedicadamente sempre se esforçaram por cumprir zelosamente a sua missão, interessadamente, tenho disso a certeza, ou viu as considerações feitas na Assembleia Nacional, compreendendo claramente o intento que as ditou e as
razões que assistem aos reclamantes, dentro de um critério tão justo como humano.
Para sossego de muitos que confiam no bom resultado e na sinceridade dos meus propósitos, e pura outros, que manifestam descrença ou falta de confiança em providências solucionatórias, que têm fatalmente de ser adoptadas, quero prestar um esclarecimento que me é pedido- constantemente e que está na linha do rumo a seguir.
O Governo encara a solução do problema com o interesse que lhe é peculiar, e estou no convencimento de que Lixe dará remédio logo que disponha de meios indispensáveis para o fazer. Evidentemente que não possuindo eu outra situação que não seja a de Deputado, função limitada, de reduzido valor em face dos problemas que só ao Governo cabe resolver, nada me é permitido prometer em definitivo, como solução para o caso. Mas auscultando o sentir e o pensar de personalidades inteiramente qualificadas, e com autoridade inerente aos altos cargos que ocupam, posso dizer, a título meramente informativo, sem qualquer compromisso especial, que se dedica a problema tão instante o melhor interesse, e também que confio abertamente nas providências a tomar, com o fim de satisfazer as justas petições dos funcionários aposentados ou reformados.
Nesta, como noutras questões, há erros de previsão que é necessário corrigir em definitivo, para se não atingirem situações de certa delicadeza e melindre como é esta, que preocupa alguns milhares dê almas. A Caixa de Reformas e Pensões vive horas difíceis, visto os fundos de que presentemente dispõe, produtos dos descontos feitos, serem manifestamente insuficientes para fazerem face ao quantitativo que atinge a soma das pensões.
E o Estado, patrão ou chefe, tem de cobrir o enorme déficit resultante do desequilíbrio .que existe entrego que a Caixa paga e o que recebe, cobertura que representa obrigação e dever. A estrutura actual dessa Caixa - Caixa não actualizada - não está de harmonia com as necessidades actuais, impondo-se uma reorganização noutros moldes, com a obrigatoriedade para o Estado de lhe fornecer meios legais e resolutivos da crise que atravessa.
Estudar este problema na sua origem e nas suas consequências, dando legalidade a medidas que se impõem, 'é contribuir para a não repetição de factos que estamos verificando, e só reorganizando e agindo, à semelhança do que se faz noutros sectores de previdência, se poderão colher resultados certos e precisos, evitando situações como a presente. Nesta hora impõem-se medidas de emergência como terapêutica e remédio soberano para certos males, males a que durante vários anos senão ligou a importância que agora acusam.
O acumular de dificuldades de ordem financeira bem justifica a demora na solução do problema, e dentro da lei, bem dentro dela, tem de se procurar e encontrar a solução devida.
A última Lei de Meios concedeu ao Governo determinadas alterações, entre as quais avulta a providência referente ao aumento de vencimentos concedido aos funcionários do Estado, em exercício, esquecendo nessa altura os reformados e os aposentados, com os mesmos direitos à vida que os outros possuem.

O Sr. Bagorro de Sequeira: - Muito bem!

O Orador: - Torna-se, portanto, clara a urgência que há em satisfazer as reclamações que de norte a sul do País, na metrópole e nós províncias de além-mar ...

O Sr. Vasques Tenreiro: - Muito bem!

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O Orador: - ... se manifestam, demonstrativas da razão que assiste a muitos que sofrem uma vida de dificuldades insanáveis perante a sua carestia, igual para velhos e para novos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Confio inteiramente na acção governativa, que ao caso liga a importância que merece, aguardando momento oportuno para satisfazer queixumes dos seus antigos servidores.
Não tenho dúvidas de que o Sr. Ministro das Finanças, estadista como espírito dotado de extraordinárias qualidades e virtudes, que tem enfrentado corajosamente e vitoriosamente situações de extraordinário melindre, se empenhará na meritória tarefa de satisfazer reclamações tão eloquentemente justificadas.
É preciso fazer sacrifícios para se atingir semelhante desiderato?
Pois que esse sacrifício se realize, através de providências legais, são os meus votos, sacrifícios de que resulte a melhoria na vida de quantos aguardam solução satisfatória e justa para os seus problemas.
E acima de tudo é preciso atender à máxima afirmativa de salus populi suprema lex - bem aplicada ao problema que acabo de debater.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cardoso de Matos: - Sr. Presidente: ausente em Angola quando o Sr. Presidente do Conselho proferiu o seu notável discurso de análise ao momento político português e em que expôs alguns problemas de governo, só agora posso referir tão brilhantes palavras - mais uma lição do Chefe do Governo de tão elevado conteúdo patriótico e tão esclarecida apreciação e exposição da actualidade da vida portuguesa.
A demora desta minha referência não me preocupa quanto à sua oportunidade, porque oportunas são sempre as palavras de agradecimento e de admiração que aqui desejo fiquem consignadas ao insigne intérprete das maiores virtudes da nossa grei, a quem a Nação deve o ressurgimento que se vem operando há trinta anos e que tem imposto o nosso Portugal à admiração de todo o Mundo.
Sr. Presidenta: sou um português de Angola, com toda a sua vida ligada àquela província, e tudo o que se lhe refere tem o dom de ocupar toda a minha atenção, toca-me profundamente a impede-me de refrear os entusiasmos herdados de meus maiores, inteiramente dedicados à terra que ajudaram a criar e hoje chamo minha.
Assim é que senti com natural satisfação as palavras do Chefe do Governo, na sua análise à situação de Angola perante os factos ocorridos em territórios vizinhas, quando se ocupou das nossas províncias ultramarinas de África; e destaco aquela, sem esquecer as outras, onde os problemas são idênticos. E digo satisfação porque é altamente consolador verificar que a vizinhança de ocorrências tão perturbadoras não quebrou de qualquer forma sensível a calma e o sossego com que os portugueses do ultramar continuam a obra que lhes foi legada e de que tanto se orgulham, ordeiramente trabalhando pelo progresso do mundo português, ajudados pelo sangue novo que a Mãe-Pátria lhes envia e cada vez mais necessário é à consecução de tão grandiosa missão como o é o prosseguimento da nossa presença em África.
É uma, herança de que nos orgulhamos e saberemos conservar porque havemos de nos conservar incombustíveis ao «fogo que vem de fora», como, e muito bem, disse o Sr. Presidente do Conselho.
Para tanto, coutamos com todos os angolanos sem distinção, por bem sabermos que surtos provenientes do exterior e resultantes dos factos apontados são fácil e rapidamente eliminados, até pelo fraco acolhimento que encontram junto daqueles em quem mais se podia supor encontrarem eco, os indígenas, cuja lealdade e -porque não dizê-lo ? - portuguesismo bastas vezes têm sido demonstrados.
Porém, não podemos nem devemos ignorar as realidades e os perigos, para que a boa compreensão de umas e outros nos conserve atentos, tudo se impondo fazer para prevenir, em vez de remediar.
É do conhecimento público - por ter sido tratado na imprensa - que solicitações têm sido e continuam a ser feitas a angolanos por interessados em subverter a ordem em África. Embora essas maquinações não tenham resultado, não podemos alhear-nos delas, porque, vigilantes, estaremos sempre u altura de inutilizar tais propósitos e anular qualquer perturbação que de contrário poderiam causar.
Estabelecido o Comando Naval de Angola, vai brevemente ser instalada a Força Aérea, decisão que mereceu encomiásticos elogios de todos os angolanos e metropolitanos, tendo sido entusiasticamente recebida em Angola a sua missão.
Estas forças têm um alto significado, sobretudo pelo que representam para a defesa da soberania das nossas extensas fronteiras, pelo que a sua instalação representa mais uma inteligente medida política, que só enaltece quem a pratica.
É-me grato registar que todo o Mundo admira a situação de calma que goza o nosso ultramar, tanto mais que os modernos e encapotados «colonialistas», sob diversos disfarces, não se cansam de atoardas quanto à acção dos dirigentes na África europeia.
Talvez por coincidência, registou Angola recentemente a visita do Sr. Embaixador dos Estados Unidos da América, a que se seguiu a dó Sr. Embaixador da Franca. Ainda bem que estes dois ilustres representantes de duas grandes nações puderam verificar o que se passa no nosso ultramar e certamente transmitirão aos respectivos Governos. Para já registamos parte das declarações feitas à imprensa em Luanda pelo primeiro destes embaixadores, que, em síntese, afirmou que o seu país considera que os problemas dos territórios africanos pertencentes a países europeus devem ser resolvidos por estes em exclusivo, embora considere igualmente que, interessando a África ao mundo livre, os Estados Unidos da América acham natural interessarem-se pelos seus problemas.
Também nós achamos natural que os países se interessem pela África, desde que procurem compreender os seus problemas tal como eles existem, e não pretendam, ignorando os reais, criar outros e de outra ordem, inexistentes até aqui. Fazemos votos para que as palavras do Sr. Embaixador encontrem eco no seu país e que não venham a verificar-se acções, embora de carácter particular, que contrariem tais propósitos e afirmações. E oxalá também que estas afirmações encontrem, no mundo livre a divulgação a que têm jus.
Transcritas na nossa imprensa de hoje, é-me ainda grato salientar as declarações ontem feitas em Luanda pelo Sr. Embaixador da França, em que manifestou a sua admiração pelo progresso e desenvolvimento de Angola.
Frisou as largas perspectivas que se abrem à economia angolana, o esforço enorme das nossas gentes, e entre outras realizações citou a admiração que lhe causara o

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colonato da Cela e quanto o impressionara o gigantesco trabalho da barragem de Cambambe, um padrão moderno do nosso valor alinhando ao lado das heróicas ruínas do século XVIII, onde um punhado de bravos manteve a continuidade absoluta da nossa ocupação e soberania em Angola.
Não esqueçamos que, nos últimos dias, mais uma vez foi adiada uma conferência internacional, embora no seu interregno não tivessem sido dispersas as atenções para os problemas nela tratados. O Mundo continua ocupado com a situação de Berlim, esquecendo talvez problemas bem mais graves, como seja aquele a que me venho referindo.
Sr. Presidente: deixei ditas algumas palavras com que pretendi ilustrar o que sei ser a situação de Angola, descoberta pelos Portugueses, que a ocupam ininterruptamente há: mais de quinhentos anos, afirmando nessa ubérrima terra a presença imorredoira dos que deram «novos mundos ao Mundo».
Através de todas as vicissitudes da história, Angola foi sempre portuguesa e portugueses são, sem distinção de cores, todos os seus naturais, que sempre e orgulhosamente o procuram afirmar.
Nela, e pelo seu progresso, morreram milhares de guerreiros, missionários, comerciantes - portugueses todos, que se deram generosamente a uma causa santa que se impõe à admiração do mundo civilizado. Mesmo sem o culto dos nossos heróis, que o berço não permite abandonar, ficaria sempre o respeito pelos que tanto se sacrificaram, o culto pelos que deram a sua vida e cujos túmulos jamais serão profanados, porque o não consentiremos.
Não podemos esquecer que ao generoso sangue de portugueses se misturou o. ardente sangue africano, e para muitos é ignorado, e não importa saber, onde um começa e outro acaba.
Atrás de nós ficou imorredoira unia obra de gigantes. O que há a fazer em África é de uma grandeza incomensurável. Se é indispensável a calma e prudente análise dos problemas para procurar a sua solução, terá de ser compreendido o entusiasmo que em nós vive, porque, sem ele, hoje como ontem, o espírito desfaleceria, os ânimos quebrariam s o homem não se sentiria u altura da sua elevada missão.
Digo mais ainda: é necessário, é imprescindível, que todo o povo português seja mais amplamente esclarecido quanto ao nosso ultramar ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... e que de forma mais concreta continue a ver nele o natural prolongamento da Mãe-Pátria, na certeza de que encontrará em África os seus irmãos s uma terra mais rica, que o compensará dos esforços que lhe dedicar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vejo na imprensa, cujo valor e isenção sempre reconheci e apreciei e a quem todos gratidão devemos, um dos meios mais eficazes de propagar a fé dos nossos destinos em África. A sua acção, tão meritória já, pode, e oxalá lho seja propiciado, desenvolver-se, para que sejam maiores ainda os seus assinalados contributos para a resolução dos problemas da Nação. No limiar do II Plano de Fomento, embora Angola tenha sido contemplada com interessado esforço no seu desenvolvimento, sinto em consciência que, se fosse maior essa atenção, não seria de mais. Mas grandes esperanças mantenho no que se alcançará e, dos seus resultados, o menor não será o de proporcionar o incremento do povoamento por portugueses da metrópole, obra em que o Governo se deve empenhar em escala grande, porque é uma necessidade premente da lusitanidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para tal, necessário se torna que o Governo favoreça todas as formas de desenvolvimento industrial, agrícola e comercial de Angola, ao mesmo tempo que o crédito a longo prazo, de que espero o Banco de Fomento venha a ser um padrão.
Confio e espero que, mercê dessas medidas, em breve possamos registar o afluxo a Angola de novo sangue da metrópole, que, vivificando a seiva dos que lá se encontram, servirá ao mesmo tempo as necessidades de povoamento de uma, resolvendo quanto à outra o problema de escoamento dos seus excedentes populacionais.
Sr. Presidente: antes de terminar, uma última referência desejo fazer a angolanos, aos reformados, cuja desactualizarão de proventos lhes mantém uma carência absoluta do indispensável, quando muito do supérfluo, e que seria o prémio natural dos seus esforços e canseiras. É um problema humano, que requer a atenção do Governo. A semelhança do que se tem pedido para os reformados da metrópole, parece que todos concordam em que deveria fazer-se o reajustamento das reformas, de modo que se não perpetue uma situação que nada tem de justa. Neste campo, junto a minha voz à do ilustre colega Sr. Dr. Urgel Horta, que tem sido um incansável paladino de tão justo e humano problema.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Acrescento ainda, a propósito de Angola e dos entusiasmos que à sua beira se levantam, que continuamos aguardando, a solução de vários problemas. Entre eles, e já citado por mini nesta Assembleia, avulta o das transferências para a metrópole. A medida que o tempo passa, a situação torna-se mais aguda e da maior necessidade, a sua resolução. Urge, portanto, que se intensifiquem os trabalhos para solver este problema, que poderei continuar a classificar de número um de Angola. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: contaram-se ontem quatro anos depois daquela manhã brumosa em que, colhidos por tremendo golpe de infortúnio, oito valorosos aviadores da nossa Força Aérea perderam a vida num brutal acidente de que foram pávidas testemunhas as boas gentes da aldeia do Carvalho, erguida na serra do mesmo nome, do concelho de Poiares.
O evento, todo amalgamado de tragédia, fez unir num mesmo sentimento de funda emoção os corações dos Portugueses e concitou a condolência expressiva das forças armadas das nações amigas, doridas pela magnitude da desdita, logo cotada como a mais pesada e mais dura de quantas o Mundo houvera sofrido, em circunstâncias semelhantes.
Na verdade, depois de evolucionarem sobre Coimbra em impecável formação de homenagem naquele dia radiosamente amanhecido para celebração das galas da nossa Força Aérea, uma esquadrilha de doze aviões a jacto adiantou-se em volta larga até aos píncaros da serra do Carvalho para retomar aos céus da cidade e aí, de novo, dar testemunho da muita amplitude do seu

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poder. Mas espessa bruma emparedava os largos horizontes daquelas altitudes, e quando os velozes aviões se preparavam para grimpar o último obstáculo da cumeada e lançar-se na vastidão do espaço à sua frente, a inexorável força da fatalidade fez baquear oito deles no mesmo golpe. Homens experimentados e com brilhantes folhas e serviço de muitas horas de voo, com valioso saber e competência como eram aqueles oito jovens pilotos, só uma excepcional desdita os podia ter vencido tão traiçoeiramente.
Quase testemunhei o acontecimento, que me produziu a mais forte das emoções da minha vida.
Em gesto de plena compreensão, símbolo do teor da elevada solidariedade reinante entre todos quantos servem a nossa gloriosa Força Aérea, foi mandado erguer no local, pelos altos comandos, uma significativa memória formada por duas cruzes. Uma, desenhada no terreno, dentro dos contornos de alvíssimo quartzo, semelha uma grande nave e serve à observação do ar; outra, de ferro, erguida' a mais de doze metros de altura no eixo dos braços da primeira, tem na frontaria do seu plinto de grés regional afeiçoado a pico fino unia pedra de precioso recorte onde, sob a legenda «Morreram voando», estão esculpidos os nomes e os postos dos oito aviadores ali tombados.
Segundo um voto da Câmara Municipal de Poiares, ali foi ontem, como nos anteriores dias de aniversário, rezada solene missa campal, com a assistência das mais gradas autoridades distritais e das boas gentes da região.
Com solenidade igual à da bênção do expressivo monumento, feita em 1956 pelo Sr. Arcebispo-Bispo de Coimbra, perante o Sr. Ministro da Defesa e perante larga e categorizada representação das nossas forças armadas, também ontem, em romagem do mais puro afecto cristão, ali se deixou a juncar n bonita base da cruz altaneira uma montanha de flores, das miais preciosas às mais humildes, mas todas elas representando o mesmo sentimento e a prece piedosa que se desprendeu das nossas almas ainda doridas pela pungente lembrança dos sofrimentos daquela manhã penumbrosa do dia 1 de Julho de 1955.
Todavia, para além do sentimento da tragédia e do seu luto, o que mais se vincou em nossas almas foi a ideia de redenção.
E que essa era a ideia que dominadoramente se irradiava da cruz altaneira e esguia perante a qual nos inclinávamos.
Nos seus braços, a fresca brisa da altitude deixava a eterna litania dos salmos da natureza e neles quase se podia ouvir a' voz dos heróis e dos mártires da nossa epopeia,, glorificando a Deus nas alturas e apontando-nos a continuidade do engrandecimento da Pátria, pelo qual haviam tombado.
Perpassou então perante nós toda a glória do sangue, derramado ao longo dos séculos para fortalecimento e dignificação dos altos ideais da Pátria.
A glória da Porca Aérea apareceu-nos mais radioso e mais forte, resplandecendo nas nobres virtudes dos seus heróis e dos seus mártires.
E com vivo orgulho e emoção avaliámos o seu poder quando nos foi dado contemplar, as evoluções impecáveis de uma esquadrilha de jactos que sobrevoou o local na altura das cerimónias, deixando traçada uma cruz gigantesca.
Novamente a ideia de redenção galvanizou as nossas almas perante aquela majestosa cruz.
O fasto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, merece, a meu ver, o apontamento que quis trazer a esta Câmara, aproveitando a oportunidade do seu funcionamento.
É que recordar essa data e dela extrair os seus significados é prestar homenagem - devida, mas nunca inteiramente cumprida - a todos quantos, ao longo do tempo, buscando dignamente servir a Pátria, lhe ofereceram o holocausto dos suas vidas, libertando-se, por isso, das eternas escuridões da lei da morte.
Não se compreenderia, por isso, qualquer indiferença perante o sacrifício das oito vidos dos que, naquela manhã pardacenta, nos altos da serra do Carvalho, servindo a Força Aérea e a Pátria, por elas morreram voando.
E ainda sob tal pensamento que, interpretando os desejos das boas gentes da região e os meus próprios, renovo o pedido, já feito ao Governo em outra altura, de que seja construída junto ao monumento ali existente a Capela de Nossa Senhora do Ar, o que permitiria um culto mais intensivo e uma mais ardente demonstração da nossa Fé, encaminhando as nossas preces para os altos destinos a que verdadeiramente a nossa crença as dirige.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na especialidade o projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Lima relativo às alterações a introduzir na Constituição Política.
Tínhamos acabado ontem a discussão do artigo 1.º do mesmo projecto. Passamos agora à do artigo 2.º, que vai ler-se.

Foi lido. É o seguinte:

«ARTIGO 2.º

O corpo do artigo 94.º e seu § único são substituídos pelo seguinte:

Art. 94.º A Assembleia Nacional realiza as suas sessões com a duração de cinco meses, a principiar em 25 de Novembro de cada ano, salvo o disposto nos artigos 75.º, 76.º e 81.º, n.º 5.º
§ único. O Presidente da Assembleia Nacional, quando o julgar conveniente, pode prorrogar até um mês o funcionamento efectivo desta e interrompê-lo, sem prejuízo, porém, da duração fixada neste artigo para a sessão legislativa.»

O Sr. Carlos Lima: -Sr. Presidente: consoante se acentua no parecer da Câmara Corporativa, as alterações consignadas no projecto que apresentei relativamente ao artigo 94.º e § único da Constituição reduzem-se u estes dois pontos:

Aumentar o período de duração das sessões legislativas- de três para cinco meses;
Suprimir a data limite de 30 de Abril actualmente estabelecida para o encerramento das mesmas sessões.

O parecer da Câmara Corporativa pronuncia-se contra tais alterações.
De harmonia com o projecto -diz-se no parecer-, as sessões legislativas teriam uma duração superior à que tiveram em qualquer outra Constituição Portu-

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guesa. Cita-se a Constituição de 1822, a Carta Constitucional e a Constituição de 1838, em que as sessões duravam três meses, £ a Constituição de 1911, em que duravam quatro meses.
Qualquer ponta de valor que pudesse ter a observação seria logo neutralizada pela circunstância de, como no parecer se reconhece, na vigência de tais Constituições as sessões serem correntemente prolongadas. Não o esclarece o parecer, mas chegavam a sei prorrogadas por meses.
Além disso, o raciocínio envolvido pela mesma observação é, em certo sentido, um raciocínio desactualizado, dado esquecer que, sob o aspecto da intensificação e complexidade da vida pública, o Mundo sofreu uma profunda evolução de lia cinquenta anos a esta parte.
Por outro lado, o proposto aumento da duração das sessões legislativas não é atingido e prejudicado pelo facto de não serem aprovadas todas as demais sugestões constantes do projecto no sentido de alargar as possibilidades de acção da Assembleia.
Na verdade, subsistem sempre razões que sobejamente justificam esse aumento.
Realmente, não pode esquecer-se, antes de mais, que, dada a época do ano em que funciona a Assembleia, o período das sessões não é de três meses, uma vez que nele se incluem as férias do Natal e do Carnaval, e ainda, as vezes, as da Páscoa.
Depois, dada a prorrogação sistemática das sessões da Assembleia, mediante o regular exercício da faculdade prevista no § único do artigo 94.º, pode afirmar--se com segurança que o período normal de funcionamento da Assembleia já é efectivamente de quatro meses.
Deste modo, verdadeiramente a proposta agora em causa apenas implica o aumento de um mês na duração das sessões, o qual se justifica plenamente, quer pela circunstância de já terem sido aprovadas algumas propostas redundando num alargamento das funções da Assembleia, quer pelo facto de, complicando-se a vida pública, intensificando-se e alargando-se a acção de todos os órgãos do Estado, ser natural que também se intensifique a acção da Assembleia.
Nem pode dizer-se - como se diz no parecer - que a experiência não é no sentido de revelar a necessidade de ser alargado o período das sessões legislativas.
Desde logo, passando a interferir no problema factores novos - designadamente, alargamento das funções da Assembleia e crescente complexidade da vida pública -, a experiência não pode deixar de ser sujeita a uma interpretação actualista em função e tendo em conta esses factores.
Acresce que, ao contrário do que à face do parecer poderia pensar-se, a experiência mostra que a Assembleia já funciona normalmente quatro meses em cada sessão legislativa.
Também não pode argumentar-se - como se faz no parecer - com a possibilidade constitucional de serem convocadas sessões extraordinárias quando tal se revele necessário.
A objecção não tem razão de ser, quer porque a convocação extraordinária, rigorosamente, só pode ter lugar nos casos de «urgente necessidade publica», quer porque, mesmo em tal emergência, não depende da vontade da Assembleia, quer porque as razões que, a meu ver, justificam o alargamento do período das sessões se alinham no plano da normalidade, do funcionamento ordinário, e não no plano das sessões extraordinárias.
Justificada, assim, a minha posição, quero ainda acrescentar uma nota.
Consoante é sabido, a primeira Assembleia que funcionou depois de 1933 teve poderes constituintes e introduziu várias alterações na Constituição.
Quem se debruçar sobre o debate que então aqui teve lugar depressa constatará que o clima e ambiente gerais não eram de modo algum favoráveis ao alargamento dos poderes da Assembleia. Pelo contrário, no sentido restritivo desses poderes foi-se por vezes mais longe do que o próprio Governo sugeria.
Tal clima, aliás, facilmente explicável, define-se bem na observação feita por um Deputado a outro de que «estava mais constitucional do que o próprio Governo».
Pois bem: não obstante ser assim, já então um Deputado, precisamente daqueles que fizeram propostas restritivas dos poderes da Assembleia, não hesitava em afirmar que o facto de a Assembleia funcionar apenas três meses não dava impressão muito lisonjeira do nosso maquinismo político.
E, desenvolvendo as suas ideiais sobre este ponto, ao mesmo tempo que afirmava compreender muito bem que a Assembleia Nacional fosse eliminada do quadro as nossas instituições políticas, acrescentava que «desde o momento em que se julgou, por qualquer motivo, necessário restabelecer a Assembleia Nacional», entendia que à «Assembleia Nacional se devia dar todo o carácter de seriedade, para uso interno e também para uso externo».
Era uma posição discutível, mas coerente.
Decorridos quase vinte e cinco anos sobre o momento em que por tal modo se falava nesta Assembleia, e quando os projectos apresentados são no sentido de alargar o seu âmbito de acção, o parecer da Câmara Corporativa defende aquilo - sessões legislativas apenas de três meses - que já então condenava o Deputado Manuel Fratel, que era a pessoa que se exprimia nos termos que ficaram referidos.
Este apontamento parece-me ser elucidativo.
Manifesta-se também o parecer contra a supressão da cia ta-] imite para o encerramento das sessões legislativas prevista no § único do artigo 94.º
Neste sentido, diz a Câmara Corporativa supor que o facto de se pronunciar desfavoravelmente ao aumento de duração das sessões legislativas prejudica a ideia de eliminar a data-limite para o respectivo encerramento.
No entanto, não é preciso fazer grandes esforços para concluir que tal suposição é errada.
Realmente, nada impede que, continuando o período das sessões a ser apenas de três meses, tenham lugar interrupções em termos tais que, para que esse período se complete, se torne necessário o funcionamento da Assembleia para além de 30 de Abril, data-limite actualmente consignada na Constituição.
Basta isto para por em relevo a autonomia do problema - supressão da data-limite das sessões - suscitado pela alteração proposta para o § único do artigo 94.º relativamente à questão envolvida pelo sugerido alimento do período de duração das sessões.
Todavia, contra a supressão da data-limite invocam-se ainda nu parecer outras razões, entre as quais a comodidade dos próprios Deputados, que seria afectada pelas incertezas no funcionamento da Assembleia.
Estou certo de que nenhum de nós, Deputados, terá deixado de se sentir tocado e agradecido por tão gentil preocupação relativamente às nossas comodidades. Sob este aspecto, a observação é, sem dúvida, perturbadora.
Acontece, porém, que a solução dos problemas constitucionais - muito menos que quaisquer outros- não deve ser influenciada por razões ligadas à comodidade pessoal dos Deputados.
A estrutura e mecânica, funcional da Assembleia e o estatuto dos Deputados não pode assentar em poderes

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cujo exercício esteja à mercê da sua maior ou menor comodidade, mas sim em inafastáveis poderes-deveres, fundamentalmente deveres, para com a Nação, que há que cumprir, quer isso seja cómodo e agradável, quer não.
Argumenta-se ainda no parecer com os inconvenientes para o serviço público da solução proposta, implicados pelo facto de haver Deputados que exercem funções públicas.
Ao pôr a questão em tal pé, por um lado, parece raciocinar-se como se as sessões devessem estar sempre a ser interrompidas, o que não é exacto, uma vez que as interrupções não podem deixar de ter carácter excepcional, e, por outro lado, parece esquecer-se que não devem existir exigências de serviços públicos com virtualidade e força para se sobreporem as exigências associadas ao exercício das respectivas funções por um órgão da soberania.
Derivando para outro aspecto, cumpre acentuar que também não procede a observação feita no parecer de que a supressão da data-limite para o encerramento das sessões legislativas faria correr o risco de uma assembleia periódica se tornar mais ou menos permanente.
Não sei qual o conceito de «periódico» e «permanente» em que se assenta e de que se parte no parecer.
O que sei é que esse conceito não coincide com aquele que é corrente e geralmente aceite.
De qualquer modo, parece-me evidente que, quer haja, quer não, data-limite para o encerramento das sessões, sempre o funcionamento da Assembleia será periódico - período de três meses no regime vigente e de cinco no que proponho -, podendo apenas suceder que esse período seja contínuo ou quebrado por soluções de continuidade, isto é, intermitente.
Finalmente, o facto apontado pelo parecer de o adiamento das • sessões pelo Chefe do Estado não poder redundar num encurtamento do respectivo período de duração, ainda que, por virtude dos adiamentos, esse período ultrapasse a data-limite de 30 de Abril, não satisfaz -ao contrário do que se diz no parecer - o objectivo que tive em vista com a alteração que propus ao § único do artigo 94.º
Para ver que assim é basta ter em conta que o n.º 5.º do artigo 81.º e o § único do artigo 94.º regulam situações diferentes, permitindo a última destas disposições que o período de funcionamento da Assembleia seja praticamente inutilizado mediante interrupções.
Certo que no presente momento nada, absolutamente nada, justifica esse receio, sendo tal hipótese meramente teórica e académica.
Todavia, como em princípio as soluções constitucionais têm de ser olhadas e valorizadas na sua consistência e significado objectivo, e não em função de certas e determinadas situações concretas, julgo ser indicada a aprovação da alteração que proponho ao § único do artigo 94.º, sendo certo, como me parece ser, que as demais razões do parecer não convencem.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: ao percorrer as disposições contidas no projecto apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Lima, uma coisa tem de reconhecer-se e salta logo aos olhos: há entre essas disposições uma correlação lógica muito íntima.
Assim, esta disposição do artigo 2.º estava em correlação lógica com a disposição do artigo 1.º No artigo 1.º alargavam-se os poderes, a competência ria Assembleia, em termos que naturalmente poderiam conduzir a que o período actual dê duração da. Assembleia era demasiado reduzido para que ela desempenhasse completamente as funções alargadas que lhe eram atribuídas.
Sucede, porém, que, depois da votação do artigo 1.º, essas funções, ainda que em certo modo alargadas, ficaram alargadas em termos muito anais circunscritos do que aqueles que se propunham, e eu até admiti -dada a atitude sempre lógica do Sr. Deputado Carlos Lima - que, depois da votação de ontem, já que o artigo em discussão está no prolongamento lógico de uma certa doutrina que não triunfou, o Sr. Deputado, não insistiria pela solução, que nele propõe, do alargamento do período do funcionamento da Assembleia.
Não sucedeu assim, mas não me parece que seja de aceitar esse prolongamento.
Todos VV. Exas., que já têm, uns, uma mais larga experiência, outros, uma experiência mais circunscrita, hão-de reconhecer que mal se justifica o alargamento do período de funcionamento da Assembleia Nacional.
Não me parece, portanto, que deva realmente ser admitido tal alargamento.
Quanto no limite no tempo do exercício das funções da Assembleia, que também se suprime no projecto e estava no prolongamento lógico da alteração de três para cinco meses do período de funcionamento efectivo da Assembleia, uma vez que não seja votada essa alteração, não se justifica também.
Não quero deixar de notar que já numa revisão constitucional anterior sucedeu que o limite de 30 de Abril previsto desapareceu numa votação da Assembleia. Isto conduziu a esta posição: o Governo não promulgou, e houve que considerar de novo o problema, tendo então a Assembleia votado que o limite deveria manter-se.
Não tenho mais nada que dizer. Suponho que as considerações que acabei de produzir são suficientes para que realmente não seja alargado nem o período de funcionamento nem o limite estabelecido no § único do artigo 94.º vigente e que se mantenha o estabelecido na Constituição.
Em resumo: entendo que não deve ser votado o projecto do Sr. Deputado Carlos Lima nesta parte.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Carlos Lima: - Se bem ouvi e apreendi as considerações de Sr. Deputado Mário de Figueiredo, julgo ter-lhes respondido antecipadamente na minha exposição de há pouco.
Quanto ao proposto alargamento de duração das sessões legislativas, a razão trazida ao debate por S. Exa. creio poder resumir-se assim: dentro da economia do projecto, o aumento do período das sessões legislativas constituía natural complemento e lógica consequência do alargamento dos poderes da Assembleia implicado pela proposta feita relativamente ao artigo 93.º; este alargamento não foi aprovado, e, portanto, logicamente, deixou de ter razão de ser aquele aumento de período das sessões legislativas.
Acontece, simplesmente, que S. Exa. esqueceu, antes de mais, que, das três alíneas cujo aditamento propus fosse feito ao artigo 93.º, duas foram aprovadas. Esqueceu, além disso, que eu, como fundamento de proposta agora em discussão, invoquei, além do alargamento dos poderes da Assembleia, outras razões. Sendo assim, o facto de estar parcialmente prejudicada uma dessas razões não impede, é evidente, que susbistam todas as demais. Deste modo, permanecendo o essencial dos fundamentos da proposta, na medida em que a mantenho sou rigorosamente coerente e lógico, ao contrário do que afirmou o Sr. Prof. Mário de Figueiredo.

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Designadamente, continuam de pé e com o mesmo alcance a circunstância de já há vinte e cinco anos se ter afirmado aqui que três meses era um período demasiado curto para a duração das sessões legislativas, o facto de a duração normal das sessões já ser realmente de quatro meses, o facto de a vida pública se ter intensificado e de essa intensificação dever ter naturais reflexos no aumento de actividade da Assembleia, etc.
Sou, por conseguinte, lógico enquanto mantenho o artigo 2.º do projecto.
Quanto à proposta de supressão da data-limite para o encerramento das sessões legislativas, já demonstrei a autonomia do problema que suscita relativamente ao de saber se deve ou não aumentar-se o período das sessões legislativas. Na verdade, ao contrário do que foi afirmado, nada impede que as sessões legislativas continuem a durar apenas três meses e que, no entanto, por virtude de interrupções, se imponha seja ultrapassada a data de 30 de Abril para que efectivamente a Assembleia funcione tal período de tempo.
Quer dizer: no regime vigente pode-se, através de interrupções, inutilizar as sessões legislativas.
Como já acentuei, não há neste momento a mínima possibilidade de que tal aconteça. No entanto, não posso ajuizar das soluções em função das pessoas que concretamente e em certo momento estão em causa, mas apenas tendo em conta o seu significado e consistência objectiva.
Tenho dito.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - O Sr. Deputado Carlos Lima acaba de justificar a necessidade da amplitude do período das sessões legislativas, admitindo, segundo me parece, uma transacção razoável no sentido de que o período de cinco meses ficasse reduzido a quatro. Era este esclarecimento que queria pedir a S. Exa., isto é, se aceitava que no seu projecto ficasse reduzido o período dos cinco para quatro meses.

O Sr. Carlos Lima: - O meu ponto de vista continua a ser o de que o período das sessões legislativas deve ser de cinco meses. Mas, se não puderem ser os cinco, sejam ao menos os quatro. No entanto, não me parece que deva ser eu a tomar a iniciativa de uma proposta de emenda em tal sentido.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Parece-me uma transacção razoável.

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente: hesitei duas vezes antes de pedir a palavra, e hesitei porque me pareceu que daí não resultariam efeitos práticos e talvez pudesse deslocar a discussão do problema, o que me parece pernicioso para quem acompanha os trabalhos. O que me deu certo ânimo para esta intervenção foi a do Sr. Deputado Pinto de Mesquita.
Quanto a mim, a melhor solução para os nossos trabalhos parlamentares seria a que passo a expor: o período parlamentar deveria ser dividido em dois períodos, um abrangendo os meses de Novembro e Dezembro e outro os meses de Março e Abril.
Passo a justificar esta posição: é que nós lemos visto, aquando da discussão da lei de meios, o apertado em que ela decorre. Mais do que isso. Acontece que, pelo Decreto n.º 25 300, o lançamento das contribuições e impostos tem de estar feito até 25 de Novembro de cada ano. Verifica-se assim esta singularidade: é que tem o serviço do lançamentos de estar pronto e expedidos em Dezembro os respectivos avisos, antes de estar aprovada pela Assembleia a lei de meios.
V. Ex.ª, Sr. Presidente, suspende normalmente os trabalhos da Assembleia por um mês nos princípios do ano civil. Se todos nós que estamos aqui sabemos a eficiência dos trabalhos desta Câmara, já o mesmo não sucede com o público, que pode ver essa interrupção com outro aspecto, o que é desagradável.
Acontece que, normalmente, no segundo período, se discutem as contas públicas. Creio que é dos momentos da maior importância da vida desta Assembleia. Ora a interrupção nos meses de Janeiro e Fevereiro permitiria não só à comissão e respectivo relator elaborar o parecer, mas ainda que a discussão se generalizasse depois com largueza, sem exiguidade de tempo.
Acontece ainda que, por princípio muito português, as coisas aparecem sempre à última hora. A Câmara Corporativa tem de dar os seus pareceres sob o signo da urgência. Ora esta interrupção permitiria à Câmara Corporativa trabalhar mais calmamente e depois à Assembleia discutir no segundo período (Março e Abril) as propostas e projectos de lei. Entendo ainda que deveria haver um mês de prorrogação de trabalhos, se o Presidente assim o reconhecesse: o mês de Maio. Discordo quanto à possibilidade de este período não ter limite, como pretende o Sr. Deputado Carlos Lima, pelas razões do parecer da Câmara Corporativa.
A interrupção pelos dois meses de Janeiro e Fevereiro e o aumento de mais um mês de funcionamento normal tornaria possível uma mais efectiva presença da Assembleia na fiscalização da Administração.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o artigo 2.º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Lima, que altera o artigo 94.º da Constituição e o seu parágrafo. Como aquele já foi lido, julgo dispensável nova leitura.

Submetido à votação, foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - Quero dar aos Srs. Deputados Pinto de Mesquita e Nunes Barata uma explicação: as sugestões que VV. Ex.ªs fizeram no decurso das suas intervenções não foram concretizadas em qualquer proposta que, regimentalmente, pudesse ser submetida à aprovação da Assembleia.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Ponho agora à discussão o artigo 3.º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Lima, tendente à alteração do § 3.º do artigo 109.º da Constituição e à adição de um § 3.º-A. Este artigo 3.º está relacionado com o artigo 9.º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Moreira, relativo à, supressão do § 2.º do artigo 109,.º da Constituição, passando o § 3.º a § 2.º, com nova redacção. Vão ser lidos.

Foram lidos. São os seguintes:

«Artigo 3.º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Lima

O § 3.º do artigo 109.º é substituído pelo que segue, sendo ainda ao mesmo artigo adicionado um outro parágrafo:

§ 3.º Os decretos-leis publicados pelo Governo fora dos casos de autorização legislativa serão sujeitos a ratificação, que se considerará concedida quando, nas primeiras dez sessões posteriores a publicação, cinco Deputados, pelo menos, não requeiram que tais decretos-leis sejam submetidos à, apreciação da Assembleia.
No caso de ser recusada a ratificação, o decreto-lei deixará de vigorar desde o dia em que sair no

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Diário do Governo o respectivo aviso, expedido pelo Presidente da Assembleia.
A ratificação pode ser concedida com emendas; neste caso, o decreto-lei será enviado à Câmara Corporativa, se esta não tiver sido já consultada, mas continuará em vigor, salvo se a Assembleia Nacional, por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções, Suspender a sua execução quanto à criação ou reorganização de serviços que envolvam aumento de pessoal ou alteração das respectivas categorias em relação aos quadros existentes.»

«Artigo 9.º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Moreira

E suprimido o § 2.º do artigo 109.º e o actual § 3.º passará a ser o § 2.º, com a seguinte modificação na redacção da sua primeira frase:

Os decretos-leis publicados pelo Governo durante o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional serão sujeitos a ratificação, que se considerará concedida quando, nas primeiras dez sessões posteriores à publicação, dez Deputados, pelo menos, não requeiram que tais decretos-leis sejam submetidos à apreciação da Assembleia.»

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: a extrema simpatia - simpatia de alma e simpatia de razões- em que me encontro perante a posição do Sr. Deputado Carlos Lima, vendo-o esforçadíssimo e quase isolado a defender critérios em que, todavia, nem de longe está só, movem-me a importunar V. Ex.ª e a Assembleia pi rã explicar as razões que se me oferecem para votar favoravelmente a emenda proposta pelo Sr. Deputado Carlos Lima ao § 3.º do artigo 109.º da Constituição Política do nosso país.
Não são razões filhas de qualquer intenção de assertividade parlamentarista, que tão frequentemente vejo assacar-se aqui e nesta altura a quem quer que pretenda apresentar ideias originais sobre a redacção da C institui cão Política. E a propósito direi que as palavras recentes em que o Presidente do Conselho da França afirmou, segundo a imprensa noticiou, que é maior o perigo da omnipotência parlamentar que o do arbítrio governativo, calaram fundo no meu espírito, não porque encontrassem nele um lugar vazio de noções, mas por se ajustarem perfeitamente às minhas próprias.
Gostaria de ver aprovada a emenda proposta. Há, antes de mais, uma simples questão de congruência de razões. Parece-me, Sr. Presidente, ser completamente líquido que é politicamente inócuo e de modo nenhum inconveniente o facto de a Assembleia poder requerer a ratificação de decretos-leis emanados do Governo. Confirma-mo a permanência do preceito constitucional, mesmo através de algumas vicissitudes. Simplesmente, essa possibilidade está-lhe limitada no tempo e não posso compreender como é que, se a capacidade é conveniente, se a capacidade é legítima de exercer, a Assembleia tem de funcionar como uma espécie de entidade a dias ou a sessões, e não direi a meses porque são raros aqueles em que, pela força cãs suspensões, a Assembleia tom funcionamento efectivo de princípio a termo. O meu espírito não atinge porque é que, se há uma capacidade que é conveniente c admissível durante ires, seis ou oito meses no ano - e nós acabamos de verificar que o período efectivo da Assembleia na sessão de 1958-1959 foi longo-, ela não pode exercer-se durante todo o ano. Afigura-se-me, Sr. Presidente, que esta temporalidade dos nossos poderes contém em si mesma um grave risco, que é o de considerar os agentes do Executivo a aproveitarem o período do defeso da intervenção parlamentar para promulgarem aquelas medidas, legislativas que receiem poder levantar, ou na opinião pública ou na Assembleia, que a representa, reacções de discordância.
Esse perigo não serei eu a dizer que pode verificar-se ou se já se verificou, mas quando, em épocas passadas, se manifestou com força deixou recordação que legitima ainda as mais vivas censuras e as mais severas reprovações. Se em grau lato o perigo é de temer, em grau restrito parece-me também não ser de aceitar. Direi, pois, Sr. Presidente, que, em primeiro lugar, por questões de coerência, voto a proposta. Aceitaria e não reagiria contra uma argumentação que me dissesse não ser adequado, conveniente ou politicamente útil que a Assembleia Nacional possa exercer crítica positivamente restritiva às disposições governamentais. Ô que não entendo é que esta capacidade só seja útil, adequada e politicamente conveniente quando exercida a prazo limitado. E isto; Sr. Presidente, não porque eu duvide da capacidade do Executivo para bem legislar. Levo quase dez anos de permanência nesta Casa e lembro-me de que, quase sem excepção, foi sobre pontos de pormenor, sobre pontos em que as doutrinas e grandes princípios não estavam em causa, que as raras intervenções ratificadoras incidiram. Acredito, Sr. Presidente, que a colaboração do uma assembleia política e da opinião pública que ela representa na formulação da vida legislativa pode exercer-se utilmente, sobretudo no campo da apreciação de pormenores mal adaptáveis às realidades da vida quotidiana. Não duvido da bondade e capacidade dos formuladores dos decretos e das leis do meu país, embora às vezes possa perguntar se eles constróem por si próprios, se por intermédio dos colaboradores que a sua elaboração pressupõe, e se quando se socorrem destes auxiliares e informadores eles não podem ser tão falíveis como qualquer de nós.
Ouvimos ontem aqui bocas ilustres defenderem a superioridade da discussão de ideias gerais sobre a da apreciação de casos particulares; todavia, creio firmemente quê é na aplicação dos princípios gerais aos problemas individuais que melhor se pode aferir a justiça e bondade dos grandes preceitos. Não esqueçamos que as ideias gerais têm frequentemente na origem causas acidentais ou fortuitas, e o exemplo corriqueiro da maçã de Newton ou da chaleira da mãe Papin pode ser citado mais uma vez para. abonar esta tese.
Não esqueçamos que as ideias, mesmo as mais gerais, são produtos de elaboração da inteligência sobre noções adquiridas, na experiência, no estudo, na intuição, até na fé; na fonte primitiva de muita construção intelectual estão, pois, frequentemente, causas acidentais, pormenores e circunstâncias fortuitos; da meditação destes, do estudo da sua ocorrência e das leis gerais que os podem ter determinado e a que devem amoldar-se na repetição é que decorrem os grandes princípios. Parece-me, Sr. Presidente, que uma Assembleia como a nossa, em contacto com a opinião pública, com gente de todos os domínios, poderá utilmente, com uma informação adicional, um reparo de pormenor, um comentário rectificativo, ajudar u melhoria da elaboração legislativa do Governo, fazendo-a mais perfeitamente ajustar-se às realidades e respeitar os casos individuais. Bem sei que se tem aqui devidamente afirmado que, a posteriori, a Assembleia pode exercer a sua crítica, reclamar as emendas. Não vale a pena alongar-me, Sr. Presidente, para lembrar que essa acção posterior requer muito maior soma de esforço o tende a ser muito menos eficiente que a intervenção positiva na origem do diploma.

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Uma intervenção positiva deste tipo pode ser assegurada pelo pedido de ratificação de diplomas que impressionem a opinião pública. Daqui a minha adesão ao projecto.
E, repito, porque não há-de a Assembleia Nacional estender a sua capacidade- de observação a todos os diplomas governamentais, e não somente aos que são publicados durante três, ou quatro, ou mais meses?
Tenho dito.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: o artigo em discussão é mais importante do que à primeira vista se afigura,; e essa importância redobrou por virtude da rejeição da alínea f) do artigo 93.º, proposta pelos Srs. Deputados Carlos Lima e Homem de Melo.

Depois de uma votação não é licito fazer declaração de voto, nem é este o meu propósito, pois seriam inoportunas, e mesmo impertinentes, novas considerações sobre a matéria daquela alínea.
Ela, bem como a emenda proposta por alguns Srs. Deputados, foi rejeitada por terem calado no espirito da maioria dos votantes as fortes razões opostas aos notáveis discursos do Sr. Carlos Lima.
Sem embargo, afigura-se-me conveniente tentar atenuar por outra via a situação quase passiva da Assembleia Nacional em presença dos poderes discricionários de que o Poder Executivo dispõe para, querendo, criar e aumentar impostos sem limite nem controle, desde que o faça no interregno parlamentar.
Na verdade, durante este período - o maior do ano - ó praticamente inoperante a função fiscalizadora da Assembleia sobre os actos do Governo .e da Administração, que lhe é atribuída no n.º 2.º do artigo 91.º Em última análise, não se pode geralmente ir além de comentários, criticas, protestos ou reclamações, tudo, muitas vezes, sem resultado ou solução prática; isto é: ... só palavras e pouco mais.
Quer dizer: a não ser com projectos de lei que anulem ou alterem o que o Governo legislou sob a forma de decretos-leis, o Poder Legislativo tem de submeter-se, com a agravante de ser precisamente no interregno parlamentar que o Governo mais frequentemente promulga as grandes medidas, nomeadamente as fiscais; a tal ponto que me parece não haver precedente de apresentação ao Parlamento de propostas desta natureza desde a vigência do § 3.º do artigo 109.º ora em discussão, que admite a avocação dos decretos-leis, a fim de a Assembleia Nacional poder ratificá-los, ou negar-lhes a ratificação ou ratificá-los com emendas, tão-sòmente no que respeita aos que forem publicados no período do seu funcionamento.
Ora, é esta situação anómala que o artigo 3.º do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima se destina a remediar.
Por outro lado, a meu ver, nada justifica semelhante distinção, sem precedente que se lhe assemelhasse, e suponho-a tanto mais indefensável quanto é certo nem sequer aquele recurso a projectos de lei revogatórios dos decretos publicados durante o interregno poder ser utilizado quando estes decretos criem ou aumentem impostos, pela imperiosa razão de o artigo 97.º proibir os Deputados de apresentarem projectos de lei que envolvam aumento de despesa ou diminuição de receita criada por lei anterior, restrição esta que mergulha as suas raízes na chamada «Lei Travão», de João Franco, de fim altamente moralizador, especialmente no que se refere a aumento de despesas.
Acresce, Sr. Presidente, que da distinção estabelecida no § 3.º do artigo 109.º resulta, na prática, o Diário do Governo crescer geralmente de volume nas vésperas do inicio da sessão legislativa devido ao maior número de decretos, pelo processo do retardamento na publicação deste Diário ou por número indeterminado de suplementos ao do dia anterior àquele inicio; e preenchem-nos diplomas de alta importância, onde sobressaem os de matéria tributária. Impede-se assim a sua avocação pela Assembleia Nacional, julgada inconveniente ou pela natureza do assunto ou pela urgência ou pela convicção de que a última palavra está dita. Bem entendido, isto não significa que estejamos no risco de voltarmos aos famosos trinta- suplementos ao Diário do Governo de 10 de Maio de 1919, célebre escândalo da república velha, que sentou à mesa do orçamento mais de uma dezena de milhares de comensais. Eis, meus senhores, muito resumidamente, as razões por que dou o meu apoio à alteração proposta pelo r. Dr. Carlos Lima, destinada a tornar o § 3.º do artigo 109.º aplicável em todos os casos, ou seja, tanto no período da sessão legislativa como no interregno.
Todavia, se assim não se entender, não terei dúvida em aprovar ou mesmo subscrever uma proposta de alteração do actual § 3.º do artigo 109.º no sentido de o . seu preceito se aplicar também quando se trate de criação ou de aumento de impostos. Seria uma solução intermédia entre a rigidez da alínea f) rejeitada e a intangibilidade dos diplomas tributários publicados pelo Governo durante o interregno das sessões.
Expus a minha sincera opinião sobre a matéria agora em debate; e confio em que por isto não ides chamar--me «parlamentarista» ou outras coisas feias e ultrapassadas ...
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: antes de mais, quero fazer um agradecimento.
Estou certo de que V. Exa. compreenderá que, por mais radicadas que sejam as convicções quanto aos pontos de vista que se sustentam, por maiores que sejam a têmpera e a energia, ninguém gosta de se sentir só.
Eu sei, e senti-o diversas vezes desde que se iniciou a discussão das alterações à Constituição, que vários Srs. Deputados apoiavam, em maior ou menor grau, com emendas ou sem emendas, algumas das sugestões que constam do meu projecto.
Tal circunstância envolvia, só por si, um certo consolo.
No entanto, porque se tratava de posições tomadas no foro íntimo, sem expressão externa, ou, pelo menos, sem expressão pública no decurso do debate, devo confessar que por vezes me tenho sentido realmente só, embora sabendo que, efectivamente, o não estava. E compreende-se até porque não disponho daquelas qualidades que há pouco referi.
Deste modo, o facto de alguns Srs. Deputados, para atém da adesão aos meus pontos de visto, terem gentilmente querido, exteriorizando a sua posição, fazer sentir que eu, na realidade, não estava só, foi-me verdadeiramente agradável e tocou-me muito sinceramente.
Talvez por temperamento e maneira de ser, sou comedido e pouco exuberante na expressão dos sentimentos mais puros e belos. E isso que explica que mal tenha dito «obrigado> a pessoas a quem muito devo na vida e profundamente estimo.
Tenho tido sempre a impressão de que as palavras, com todas as suas insuficiências, só prejudicariam o significado dos sentimentos que reciprocamente sabíamos, e sabemos, unir-nos com radicada sinceridade.
Neste momento, porém, num debate que é público, concorrem circunstâncias especiais que me levam, embora com singeleza, a manifestar o meu reconhecimento a todos os que, quando pensavam como eu, o exteriorizaram, permitindo-me destacar os Srs. Deputados Melo Machado, Amaral Neto e Paulo Cancella de Abreu.

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Posto isto, creio ser redundante, Sr. Presidente, insistir lia defesa da proposta agora em discussão, uma vez que já foi bem fundamentada pelos oradores que me precederam.
E queira V. Exa., Sr. Presidente, reparar em que eu, sendo relativamente novo e, talvez, por virtude da minha formação jurídica, um pouco inclinado para um certo racionalismo, posso por vezes deixar arrastar-me para soluções dominadas por excessivas preocupações lógicas, que porventura as exigências práticas aconselhariam fossem temperadas com os seus ensinamentos.
Todavia, antes de mim, ouviram V. Exas., através de brilhante» inteligências, a voz da experiência, do equilíbrio e do bom senso, pondo em relevo a bondade da solução que proponho e agora se discute.
Apesar de isso se me afigurar, repito, redundante, creio, Sr. Presidente, que, como autor do projecto, devo dizer alguma coisa sobre a proposta em apreciação.
Sr. Presidente: sob o aspecto que de momento interessa, o regime constitucional em vigor referente ao exercício da função legislativa pode definir-se e caracterizar-se assim:
1.º A fixação das bases gerais relativas a algumas, poucas, matérias é da exclusiva competência da Assembleia Nacional;
2.º Quanto aos demais assuntos, o Governo pode sobre eles legislar paralela e cumulativamente com a Assembleia:

a) Fora do seu período de funcionamento efectivo, sem quaisquer restrições;
b) Durante esse período de funcionamento, com a reserva de os respectivos decretos-leis poderem ser submetidos à apreciação da Assembleia.

O alcance da alteração ao § 3.º do artigo 109.º da Constituição, proposta no artigo 3.º do projecto que apresentei, cifra-se em poderem ser submetidos à apreciação da Assembleia, mediante a mecânica da ratificação, todos os decretos-leis pelo Governo publicados, e não apenas, como acontece actualmente, os "que o forem durante o funcionamento efectivo da Assembleia.
Esta a doutrina que pretendo seja consagrada no texto constitucional, e cuja justificação se extrai sem esforço do que aqui disse aquando do debate na generalidade, bem como de referências incidentais feitas em outras emergências.
Traçarei, no entanto, um ligeiro apontamento sobre o assunto.
Quer à face das ideias mais razoáveis relativas ao exercício da função legislativa, quer à face do direito constitucional comparado, quer ainda perante as ideias que, neste aspecto, estruturam e se inferem da nossa própria Constituição, o órgão legislativo é, e deve ser, em princípio, a Assembleia Nacional.
Há, porém, um outro dado a ter em conta, qual seja o de que a Assembleia, por razões que de momento não importa referir, não pode satisfazer todas as exigências e necessidades legislativas da nossa época.
Da coordenação dos dois dados que ficam apontados resulta que não pode ser só a Assembleia a legislar, mas também o Governo.
Deste modo, a questão que, com verdadeiro interesse e relevo prático, se põe é a de saber em que termos, por que modo, como há que repartir o exercício da função legislativa pelos dois órgãos da soberania.
Ora, sendo princípio o de que a Assembleia Nacional é o órgão legislativo, cumpre concluir que esse princípio apenas deve ceder se e quando isso for imposto por inafastáveis exigências de ordem prática.
A solução por mim proposta, tendente a submeter ao regime da ratificação todos os decretos-leis, em nada prejudica a possibilidade de o Governo legislar sem peias, conforme for oportuno e conveniente, uma vez que essa possibilidade não fica dependente do cumprimento de qualquer formalidade perante a Assembleia Nacional.
Quer dizer: tal solução não vai de encontro nem colide com .as exigências práticas com virtualidade para justificarem a abertura de restrições ao princípio constitucional de que a Assembleia Nacional é o órgão legislativo.
Por outro lado, representa a mesma solução um esforço no sentido de cumprir e fazer respeitar esse princípio, e isto na medida em que se salvaguarda aquele mínimo dos mínimos que consiste em a Assembleia poder chamar à sua apreciação, quando o entenda, os decretos-leis livremente publicados pelo Governo.
Assim se justifica a proposta.
Anotarei também, a propósito, que só a generalização do regime de ratificação a todos os decretos-leis assegura um real respeito do princípio vigente de submeter a esse regime os decretos-leis publicados durante o funcionamento da Assembleia, tornando inútil e inoperante a atitude consistente em forçar o natural desenvolvimento da actividade legislativa no sentido de publicar os decretos-leis fora do período de funcionamento da Assembleia, com o objectivo de antecipadamente prejudicar a possibilidade da aplicação da mecânica da ratificação.
O parecer da Câmara Corporativa, consoante pode constatar-se, manifesta-se contra a proposta alteração do § 3.º do artigo 109.º
Verdadeiramente nada diz, porém, com um mínimo de valor e consistência em defesa do ponto de vista que dá como bom.
Limita-se, essencialmente, a remeter para as considerações feitas sobre o assunto em parecer de 1945, considerações que se cifram em acentuar que o Governo passou, na realidade, a ser o órgão legislativo normal e a Assembleia o órgão legislativo excepcional, para daí concluir -porventura implícita, mas necessariamente- não ser de aceitar a pretensão, de certo modo envolvida pela proposta que fiz, de estabelecer, em matéria legislativa, uma hierarquia entre a Assembleia e o Governo, hierarquia na qual aquela ocuparia uma posição superior.
No debate na generalidade já fiz desenvolvida análise das objecções do tipo daquela que acabo de enunciar, pondo designadamente em relevo:
1.º Que dentro dos quadros da Constituição de 1933 a Assembleia é, como sempre foi, o órgão legislativo hierarquicamente superior, estando o Governo, sob tal aspecto, numa posição subordinada;
2.º Que esse princípio em nada é prejudicado pela realidade consistente em ser o Governo quem mais legisla, uma vez que a legítima atribuição do poder de legislar não pode depender da quantidade de legislação emanada dos vários órgãos da soberania;
3.º Que a minha proposta é consequência lógica do mesmo princípio.
Assim, ò parecer só poderia, convincentemente, pô-la em causa, ou demonstrando, ao contrário do que sustento, que a Assembleia e o Governo estão, sob o aspecto qualitativo e quanto ao exercício da função legislativa, no mesmo plano, ou demonstrando que a solução que sugiro colide com atendíveis e legítimas exigências de ordem prática.
No entanto, nem sequer tenta fazer tal demonstração.
Daí, segundo creio, permanecer intocada a proposta.

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Sr. Presidente: consoante é sabido, para que os decretos-leis sujeitos a ratificação sejam efectivamente submetidos à apreciação desta Assembleia, necessário se torna, além do mais, que isso mesmo seja requerido, pelo menos, por dez Deputados, no regime vigente, e por cinco, de harmonia com o projecto de lei que apresentei.
O § 3.º-A, agora em discussão, cujo aditamento proponho seja feito ao artigo 109.º, redunda, no fundo, em abrir uma excepção a este princípio, na medida em que estabelece que a Assembleia, a requerimento de um só Deputado, terá de apreciar os decretos-leis sujeitos a ratificação, quando estes revoguem, total ou parcialmente, leis emanadas da. Assembleia, ou seja, portanto, leis em sentido formal.
Não é difícil concluir não ser grande o alcance e significado da proposta alteração, a qual, no entanto, se integra e acomoda naturalmente dentro da economia do projecto e quadro de ideias que o enformam.
Dada a circunstância de a Assembleia ter, a meu ver, no regime constitucional vigente, uma categoria mais elevada no que respeita ao exercício da função legislativa, entendi que devia ser atenuado o condicionamento da sujeição à apreciação da Assembleia dos decretos-leis que ponham em causa ou atinjam leis dela emanadas.
Também quanto a este ponto se manifesta o parecer da Câmara Corporativa contra o projecto, raciocinando essencialmente nos seguintes termos: quando o Governo altera uma lei da Assembleia Nacional, é de presumir que tem motivos muito sérios para o fazer; sendo assim, não é desejável tornar mais provável a abertura de atritos entre o Governo e a Assembleia, facilitando a discussão- por esta dos decretos-leis emanados daquele; a proposta agora em causa facilita essa discussão, consequentémente, não é de apoiar.
Pela minha parte, quando elaborei a proposta agora em apreciação, não pensei nem por um momento em atritos, conflitos, ressentimentos políticos e outras ideias mais ou menos belicosas que o parecer trouxe ao debate.
Não pensei, nem tinha qualquer razão para pensar, uma vez que ninguém pode justamente acusar esta Assembleia de por qualquer modo ter alguma vez sido fonte de atritos na coordenação funcional dos órgãos da soberania, isto não obstante certos aspectos do vigente regime constitucional poderem facilitar tais atritos.
Limitei-me antes, ao fazer a proposta, a ser coerente dentro do espírito do projecto e a consignar uma solução que se me afigurou ser razoável.
Anotarei, no entanto, que tal solução não pode com razão ser atacada nos termos em que o faz o parecer.
Na verdade, na emergência por este referida, a causa de atritos só poderia ser o facto de o Governo tomar a iniciativa de alterar leis da Assembleia, em vez de, como lhe cumpriria, submeter os respectivos assuntos à apreciação desta, e nunca a circunstância, secundária, de ser mais ou menos fácil trazer os decretos-leis à discussão da Assembleia.
Aliás, no regime vigente, a hipótese posta pela Câmara Corporativa é meramente teórica e académica, uma vez que, não estando sujeitos a ratificação os decretos-leis publicados fora do período de funcionamento da Assembleia, o Governo não deixaria de aproveitar este período para alterar leis da Assembleia, por modo a assim afastar qualquer possibilidade de ratificação.
Observarei ainda que na posição tomada pela Câmara Corporativa parece estar subjacente a ideia de que no plano legislativo, e em caso de divergência, deve prevalecer em definitivo a opinião do Governo em termos de se legitimar a alteração de leis da Assembleia, desde que aquele, por motivos sérios -de que é ele, afinal, o único juiz-, entende que esta vai pelo mau caminho.
Porque não tem oportunidade neste momento, abstenho-me de discutir tal tese, bem como de pôr em relevo as vastas implicações que comporta e o plano para que, ao fim e ao cabo, relega a Assembleia no quadro dos órgãos de soberania.
Repetirei apenas que, ao contrário do que é pressuposto por tal ideia, a Assembleia Nacional é, à face da nossa Constituição, o orgão legislativo hierarquicamente superior, o que, só por si, põe em cheque o referido pensamento que julgo poder inferir do parecer.
De qualquer modo, afigura-se-me não ter razão de ser a observação do parecer.
Tenho dito.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: apenas usei da palavra para um esclarecimento. A propósito da generalidade defini a minha maneira de ver, creio que por forma suficiente para ser compreendida logicamente a minha posição. Nessas circunstâncias, a minha orientação plaudente a este ponto da proposta do Sr. Deputado Carlos Lima não envolve de maneira nenhuma que eu esteja inteiramente de acordo quanto aos seus fundamentos, sobretudo quando aprecia doutrinas constitucionais da superioridade ou da inferioridade de soberania, ou de posições de soberania quanto a leis, mas apenas porque me parece ser ainda uma, forma de fiscalização, que se me afigura neste ponto específica e realmente fundamental desta Assembleia, a do projecto que apresenta. Portanto, as conclusões, quaisquer que sejam, não implicam que eu esteja ligado a toda a sua argumentação, que reconheço, aliás, brilhante, dentro da sua maneira de ver.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: é conhecida a posição que tomei relativamente à doutrina contida na alínea f) do artigo 1.º do projecto apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Lima. Considerava a votação dessa alínea como representando alguma coisa de muito grave na nossa vida constitucional. Pois bem, Sr. Presidente: consideraria a votação deste artigo 3.º como representando uma coisa muito mais grave do que seria a votação daquela alínea f). Como é sabido, segundo a nossa orientação constitucional, a actividade da Assembleia em matéria legislativa deve limitar-se à aprovação das bases gerais dos regimes jurídicos. Compreende-se que assim seja, porque, se não pode negar-se à Assembleia competência legal ou constitucional para votar bases gerais dos regimes jurídicos nem competência legal e constitucional para votar desenvolvimentos que estão longe de apresentar-se como bases gerais, pode -digo isto sem intuitos desprimorosos- negar-se-lhe competência efectiva para se pronunciar sobre estes desenvolvimentos.
Ora, o que se passa na realidade da vida é isto: os decretos-leis não vêm formulados em bases gerais, mas apresentam-se como o regime, a regulamentação completa das matérias que visam a regular. E, porque se apresentam assim, não devem, naturalmente, ser submetidos à ratificação, porque o serem-no significaria que a Assembleia tem não só competência legal, mas também competência efectiva para se pronunciar sobre os desenvolvimentos das bases gerais. E não tem.
Eis, Sr. Presidente, porque eu consideraria mais grave a votação da parte do projecto agora submetida à consideração da Assembleia do que propriamente a alínea f) do artigo l.º do projecto, que ontem foi rejeitada.
É claro que pode observar-se, e já foi salientado pelo Sr. Deputado Amaral Neto, que, se é assim, tanto o é

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para o período de funcionamento efectivo da Assembleia como fora desse período.
Confesso reconhecer que raciocina bem quem assim raciocina. Simplesmente, em face do que acabo de dizer, o que era lógico era acabar com a ratificação mesmo quanto aos decretos publicados durante o funcionamento efectivo, ë não alargá-la aos publicados fora desse funcionamento.
Isso é que era razoável, isso é que punha a questão nos verdadeiros termos: nos termos que decorrem do espirito da Constituição, segundo o qual, salvas certas matérias reservadas à Assembleia, a competência legislativa pertence igualmente ao Governo e à Assembleia.
O Governo e a Assembleia estão no mesmo plano e não deve haver subordinação daquele a esta.
Acresce que o instituto da ratificação é um instituto híbrido, injustificável. O decreto ratificado com emendas fica em vigor, mas com a sua autoridade diminuída. Pode criar, e já tem criado, situações de grande perturbação. O Governo não o executa? As hipóteses nele reguladas ficam sem regime jurídico. O Governo executa-o, e a sua execução, se não vier a ser votado ou f Dr substancialmente alterado, pode ser causa de injustiças graves.
De resto, salvas as hipóteses de diminuir receitas ou aumentar despesas, pode a Assembleia, por intermédio cê um projecto apresentado por qualquer Deputado, revogá-lo no todo ou em parte.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Mas isso iria reduzir as receitas ...

O Orador: - Em matéria financeira não temos iniciativa, mas só poder de decisão.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Podemos criar impostos ...

O Orador: - Não está lá expressamente, mas pode extrair-se de lá.
Estava tentado a dizer que, através do mecanismo da ratificação, se tinha descoberto um processo de frustrar f. disposição constitucional, que não dá à Assembleia iniciativa de projectos que diminuam as receitas. Todos provam a disposição que lhe nega esta iniciativa. Mas a sujeição a ratificação de um decreto-lei sobre impostos parece vir a representar, afinal, uma iniciativa que pode conduzir à diminuição de receitas. A matéria está longe de ser líquida e não insisto neste ponto.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - A questão tem fido posta nas comissões, e entendeu-se que os decretos sujeitos a ratificação ficam, por assim dizer, ainda em evolução ou em vigência provisória desde que sejam avocados pela Assembleia, e nesse caso já esta tem poderes para reduzir as receitas criadas por tais decretos.

O Orador: - Isso vem da ideia, que estava na Constituição e já lá não está, de que os decretos-leis ratificados com emendas se convertem em propostas de lei; mas não convertem. Se a ideia se mantém no Regimento, o porque este está desactualizado.
Continuando, Sr. Presidente, estas são as razões fundamentais por que entendo poder afirmar que a votação desta parte do projecto seria mais grave do que a votarão da alínea f) do artigo 1.º do mesmo projecto.
Ainda estão em discussão a eliminação do § 2.º do artigo 109.º e uma alteração do § 3.º do mesmo artigo, que não são no sentido de sujeitar a ratificação os decretos publicados fora do funcionamento efectivo da Assembleia, mas sim no de suprimir as autorizações legislativas. Creio que estas propostas de alteração à Constituição se basearam no equivoco de se supor que já não se justificava a existência de autorizações legislativas, desde que o Governo tinha a possibilidade de legislar através de decretos-leis. Não há dúvida, porém, de que com a faculdade de o Governo legislar através de decretos-leis não se inutiliza a disposição respeitante à possibilidade de autorizações legislativas. Na verdade, tal disposição subtrai à ratificação os decretos-leis publicados com base numa autorização legislativa, mesmo quando expedidos durante o funcionamento efectivo da Assembleia.
Não são, portanto, inúteis e tom conteúdo as disposições em discussão que se pretende suprimir ou alterar.
Acrescento que os autores do projecto -e isso pode acontecer a qualquer- deixaram de fazer referência, ao artigo 91.º, n.º 13.º, que estabelece como uma das atribuições da Assembleia conferir autorizações legislativas.
Tenho dito.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: o Sr. Deputado Mário de Figueiredo ofereceu, em oposição ao projecto de lei a que tive a honra de associar-me, algumas afirmações. Mas pareceu-me que as afirmações foram muitas mais que as razões, a não ser que tenhamos de aceitar -e de boa vontade aceitamos- os argumentos de autoridade que se escondem por detrás dessas afirmações.
Direi ao Sr. Deputado Mário de Figueiredo que, quando S. Ex.ª peremptoriamente afirmou negar competência efectiva à Assembleia para se pronunciar sobre o desenvolvimento das bases dos regimes jurídicos, acrescentando logo a seguir convencer-se de não ofender ninguém, S. Ex.ª não ofendeu de facto ninguém, mas acontece que não convenceu as pessoas que gostariam de firmar em razões a sua convicção.
E agora notem VV. Ex.ªs como, quando se entra no campo da desarmonia dos preceitos, se chega a conclusões estranhas. Em Dezembro de 1958, há menos de sete meses, a Assembleia Nacional aprovou um aditamento ao artigo 4.º da Lei de Meios segundo o qual os diplomas de reformas fiscais serão submetidos à apreciação da opinião pública durante trinta dias. Conjuguem VV. Ex.ªs o facto de termos considerado necessário que esses diplomas fossem submetidos a essa opinião durante o prazo referido e a afirmação agora feita da incompetência da Assembleia para se pronunciar sobre os desenvolvimentos das bases gerais dos regimes jurídicos. A conclusão que se me oferece, associando a emenda que votamos à Lei de Meios com esta afirmação do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, é a de que, pelo menos sobre certos desenvolvimentos das bases gerais dos diplomas legislativos, toda a gente neste país tem competência para se pronunciar menos a Assembleia Nacional.
Não posso aceitar este corolário e gostaria de uma demonstração mais convincente das razões de S. Exa.
Criticou também S. Ex.ª o instituto da ratificação, asseverando que o considerava um instituto híbrido. Mas o instituto está na Constituição, e não é a propósito desta emenda que vamos acabar com ele ou com o que contenha de híbrido. E a conclusão de que, se a Assembleia tem poderes ratificadores mas não os pode exercer durante todo o ano, o lógico seria não os exercer de todo, parece-me quando muito tão adequada, mas menos clara, do que a contrária.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Abranches de Soveral: - Sr. Presidente: supunha que a discussão do artigo 9.º do projecto de lei que

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tive a honra de- subscrever se situaria mais logicamente depois de completamente discutido e votado o artigo 3.º do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima. Seria essa, a meu ver, a ordem natural, porque, se acaso a Assembleia se pronunciasse no sentido de aprovar o projecto do Sr. Deputado Carlos Lima, já daí se tirariam lógicas conclusões a respeito da sorte que esperaria o referido artigo 9.º

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. razão. Simplesmente, é a altura de se discutir. Se for aprovado o projecto do Sr. Deputado Carlos Lima, o outro fica prejudicado, mas não era justo que neste momento V. Exa. não tivesse oportunidade de defender a posição tomada.

O Sr. Abranches de Soveral: - Pois é isso, Sr. Presidente.
E, demais a mais, depois de o Sr. Deputado Mário de Figueiredo se ter pronunciado também a respeito deste projecto, parece-me que é altura própria para explicar as razões que determinaram a apresentação do artigo 9.º deste projecto de lei. Os argumentos produzidos, a douta argumentação do Sr. Deputado Mário de Figueiredo em volta das alterações deste parágrafo do artigo 109.º, são de duas ordens, de ordem doutrinária quase todas eles, e portanto não podem interessar ao problema que aqui se discute, visto que os argumentos doutamente apresentados tanto visam as projectadas alterações como visam o que está na lei, e portanto não interessam a uma discussão que, seja qual for o seu resultado, mantém na Constituição aquelas possibilidades de ratificação contra as quais S. Exa. se insurgiu. Parece supérfluo estar a discutir agora essa espécie ou Categoria de argumentos. Aludiremos apenas àqueles que podem ter interesse no sentido de que se referem por qualquer forma àquilo que está projectado e constitui diferença sensível da, quilo que está- já legislado. Ë fácil de ver pela proposta do artigo 9.º que tive a honra de subscrever que se propõe pura e simples supressão do § 2.º do artigo 109.º e a modificação do § 3.º, por forma a retirar desse § 3.º a referência que nele se faz aos decretos-leis fora dos casos de autorizações legislativas.
Disse-se que este projecto parte de um equívoco no sentido de que continua a haver autorizações legislativas, e tanto que o n.º 13.º do artigo 92.º ainda aã mantém.
o devido respeito, quem suprimiu a possibilidade das alterações legislativas não foi o projecto que agora apresentamos; essas autorizações legislativas já estão há longos anos suprimidas, de facto e de direito, pela Constituição. Estão-no desde que a Lei n.º 2009 e a Lei n.º 2048 modificaram, respectivamente, a redacção do n.º 2.º do art. 109.º. e a redacção do corpo do artigo 93.º

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Na verdade, Sr. Presidente, quando se plebiscitou a Constituição, ao Governo não se reconheceu a faculdade legislativa autónoma, mas somente a competência derivada de certas condições e circunstâncias.
Por isso se diz na primitiva redacção do n.º 2.º do artigo 109.º que competia ao Governo «fazer decretos--leis no uso de autorizações legislativas ou no caso de urgência e necessidade pública».
Fora destes casos não se reconhecia ao Governo competência autónoma para legislar. Nesse mesmo plebiscito, e na forma originária da Constituição, o corpo do artigo 93.º tinha a seguinte redacção: e Constitui, porém, necessariamente matéria de lei:».
Porque na interpretação do corpo do. artigo 93.º surgiram discrepâncias graves sobre o sentido material ou forma da palavra o lei» usada na Constituição, a Lei n.º 2009, de 17 de Setembro de 1945, procurou solucioná-las indirectamente, modificando a redacção do n.º 2.º do artigo 109.º no seguinte sentido: a Fazer decretos-leis».
Foram, assim, radicalmente modificados o espírito e a letra da Constituição, pela atribuição ao Governo de competência legislativa autónoma, que ele não possuía. Isto é: aquilo que até à Lei n.º 2009 só podia ser exercido pelo Governo dentro das apertadas e taxativas condições fixadas na lei passou a ser da competência própria e livre do Governo.
Assim, não se compreende muito bem, desde que o Governo legislava por direito próprio, para que careceria ele de autorizações legislativas.
Nesta ordem de ideias, a posterior modificação da Constituição através da Lei n.º 2048 frisou, se necessário fosse tal, a ordem de raciocínio que estou seguindo.
E então, para obviar à dúvida que surgira na prática sobre o sentido formal em que a Constituição emprega a palavra «lei», a Lei n.º 2048 modificou a redacção do corpo do artigo 93.º pela forma seguinte: a Constitui matéria da exclusiva competência da Assembleia Nacional:».
Parece, assim, que nas matérias enumeradas .no artigo 93.º só à Assembleia Nacional pode legislar, com exclusão de qualquer outra entidade. E sendo assim, todas as outras matérias são da competência própria do Governo, não se compreendendo a utilidade ou necessidades actuais das autorizações legislativas:
E assim, aquela proposta constante do. artigo 9.º do projecto de lei que subscrevi não vem inovar nada, mas apenas pôr as coisas de harmonia com as realidades criadas pelas Leis n.ºs 2009 e 2048.
Não é, porém, despicienda esta proposta modificação dos parágrafos do artigo 109.º Já o Sr. Deputado Amaral Neto frisou há pouco as dúvidas que surgiram quando se discutiu o célebre artigo 4.º da Lei de Meios. Nessa altura a Assembleia teve dúvidas sobre se a palavra «lei» usada no artigo 70.º da Constituição tinha ò sentido material ou formal; e se, portanto, em matéria da impostos, a competência legislativa caberia apenas à Assembleia Nacional ou também ao Governo.
A questão, neste momento, está afastada, porque a votação aqui feita há dias a respeito da alínea f) do artigo 1.º do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima e a respeito do artigo 70.º constante do projecto que subscrevi tirou ao problema a actualidade que ele poderia ter e resolveu (bem ou mal, não interessa) que a competência legislativa sobre a matéria de impostos pertence não apenas à Assembleia mas também ao Governo.
Simplesmente, com a modificação actual, com a supressão do § 2.º e a modificação do § 3.º do artigo 109.º evitam-se no futuro discussões que possam surgir (como já surgiram aquando da publicação- da Lei n.º 2048) a respeito do verdadeiro sentido do artigo 93.º
Se assim fizermos, se a Assembleia revogar o § 2.º do artigo 109.º e modificar,- na forma que fica referida, o § 3.º do mesmo artigo 109.º, sem dúvida que amanhã essa disposição ficará de harmonia com a redacção actual do n.º 2.º do artigo 109.º e do texto do artigo 93.º, no sentido de ao Governo caber, por direito próprio, a faculdade de legislar, em todas as matérias, salvo naquelas que estão abrangidas nas diferentes alíneas do artigo 93.º - porque para essas só

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a Assembleia Nacional tem competência exclusiva e intransmissível.
Suponho, aliás, que foi na base desta convicção que discutiu o projecto do Sr. Deputado Carlos Lima a respeito da modificação das diversas alíneas do artigo 93.º e foi com base neste pressuposto que se rejeitaram algumas dessas modificações.
Embora não tivesse estado presente à sessão de ontem, pela discussão havida nas sessões anteriores fiquei com a impressão de que tudo se resumia no seguinte: a proposta do Sr. Deputado Carlos Lima sobre o artigo 93.º implicava a ideia de que sobre a matéria do artigo 93.º só a Assembleia podia legislar.
Portanto, não me parece haver um equívoco, mas sim um raciocínio, que, como acabo de dizer a VV. Exas., tem base sólida nas Leis n.ºs 2009 e 2048 que modificaram a Constituição.
Desta forma se punha termo a uma possível discussão no futuro, discussão que, como quase sempre sucede em matérias desta natureza, não tem vantagens nenhumas e pode ter graves inconvenientes.
Está, assim, justificada a proposta sobre o artigo 109.º da Constituição, que também tive a honra de subscrever.
Tem a referido proposta indiscutível vantagem; mas mesmo que, por hipótese, se admitisse que a Assembleia tinha a faculdade de delegar no Governo aqueles escassíssimos podares que lhe estão reservados no artigo 93.º, mesmo assim eu não via, Sr. Presidente, qual fosse a vantagem de no artigo 109.º se manter a excepção que lá está estabelecida.
O § 3.º do artigo 109.º diz, textualmente, o seguinte:

Se o Governo, durante o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional, publicar decretos-leis fora dos casos de autorização legislativa, serão aqueles sujeitos a ratificação, que se considerará concedida quando, nas primeiras dez sessões posteriores à publicação, dez Deputados, pelo menos, tão requeiram que tais decretos-leis sejam submetidos à apreciação da Assembleia.

Eu pergunto: por que razão se hão-de subtrair à possibilidade de rectificação os decretos-leis publicados nos casos de autorizações legislativas? Se se reconhece
- e a Câmara Corporativa não nega - à Assembleia a faculdade da examinar o uso que o Governo faz das suas autorizações legislativas, porque se há-de ir, como propõe a Câmara Corporativa no seu comentário, para tanto lançar mão da posição do § único do artigo 123.º, que versa, pobre a inconstitucionalidade orgânica ou formal, e se não há-de usar de meio mais simples, que é concedido no § 3.º do artigo 109.º?
Qual a razão que .permitirá à Assembleia apreciar outros decretos do Governo, e não aqueles decretos que porventura o Governo emitisse no uso de autorização legislativa ? Não vejo razão para esta excepção, e nem se diga que a Assembleia pode ir além dos seus- limites apreciando disposições regulamentares, quando só lhe cabem as bases gerais, porque o argumento não colhe, visto ter igual cabimento no actual §3.º do artigo 109.º, que se pretende manter em vigor.
No statu quo há a possibilidade de os decretos publicados pelo Governo durante o funcionamento- da Assembleia serem chamados à ratificação; e, se o há, tal faculdade implica do mesmo modo a apreciação de disposições regulamentares e de outras que podem não ser puros princípios gerais.
O argumento do Sr. Deputado Doutor Mário de Figueiredo a esse respeito pode vir a colher em teoria, mas não tem eficiência para o caso prático a discutir, porque o § 3.º mantém-se com as mesmas possibilidades de ratificação de decretos e, consequentemente, com os riscos e perigos que apontou, quando comentava a proposta de modificação do Sr. Deputado Carlos Lima.
Assim, Sr. Presidente, a vantagem que havia em evitar amanhã uma discussão em volta do artigo 93.º, como já anteriormente se suscitara, por forma a obrigar a Lei n.º 2048 a modificar a antiga redacção para a actual, impõe a aprovação da matéria do artigo 109.º, suprimindo o § 2.º do artigo 109.º, ao mesmo tempo que o seu §3.º ficaria com a redacção que lhe é proposta, e que é exactamente a que existe, apenas com a supressão da referência às autorizações legislativas, que, a nosso ver, não tem hoje utilidade prática nem útil.
O facto de permanecer o n.º 13.º do artigo 92.º é um mero lapso, sem significado, como tantos que infelizmente há na Constituição.
Explicadas, Sr. Presidente, o mais sumariamente possível as razoes determinantes da apresentação deste projecto e as razões que me parece deverem levar a Câmara à supressão do aludido § 2.º e. à modificação do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, vou terminar. Julgo que as razões desse projecto ficaram sumariamente justificadas, e não quero roubar mais tempo a VV. Exas.
Tenho dito.

O Sr. Carlos Lima: -Sr. Presidente: não vejo qualquer razão para que a discussão e divergências de ideias sobre quaisquer problemas devam dar lugar a animosidade ou antipatia. Porque assim entendo, muito tenho discutido na minha vida profissional, sem que com isso tenham surgido atritos ou desentendimentos pessoais.
Todavia, também não vejo. motivo para que essas discussões constituam fonte de particulares simpatias.
No entanto, embora tenha divergido já várias vezes das ideias aqui defendidas pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo, a verdade é que isso em nada tem impedido que continue a manter por S. Ex.ª a maior simpatia e respeito.
Tenho, por isso, pena de que não seja ainda esta vez aquela em que, além de vencido, fico também convencido.
Vou procurar demonstrar que as razões apresentadas pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo não têm base consistente.
Creio que, fundamentalmente, essas razões podem resumir-se assim:

1.º Se se compreende que a Assembleia Nacional discuta bases gerais dos regimes jurídicos, já se não compreende que entre na apreciação dos pormenores de regulamentação, inclusive de carácter técnico, constantes dos decretos--leis, como seria implicado pela aprovação da proposta em discussão;'
2.º A lógica não conduz, ao contrário do que afirmou o Sr. Deputado Amaral Neto, a generalizar a ratificação a todos os decretos-leis, mas antes a suprimir a exigência da ratificação para os publicados durante o período do funcionamento efectivo da Assembleia;
3.º A proposta em discussão implica consequências muito graves, ainda mais graves do que a inclusão da matéria de impostos no artigo 93.º

Anotarei desde já que S. Ex.º diverge da Câmara Corporativa na medida em que reconhece a esta Assembleia, sem reservas, competência para discutir bases gerais, e diverge também enquanto entende que a proposta em discussão é grave, uma vez que a Câmara Corporativa a considera de pouco relevo e somenos importância.

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No rigor dos princípios, há, além do mais, decretos-leis e decretos regulamentares, correspondendo a cada um determinado tipo de regulamentação jurídica. Assim é que todos nós a cada passo vemos no Diário do Governo um decreto-lei sobre determinada matéria, logo seguido do respectivo decreto regulamentar.
Em rigor, nos decretos-leis apenas deveriam conter-se os princípios e disposições mais genéricas, tal como deve suceder nas leis emanadas desta Assembleia. Todas as disposições de pormenor deveriam ser remetidas para os decreto» regulamentares.
Acontece, porém, como acentuou o Sr. Prof. Mário de Figueiredo, que é frequente as disposições de pormenor e até técnicas aparecerem logo nos decretos-leis.
A verdade, porém, é que nenhum argumento daí pode extrair-se contra a minha proposta.
E que, na realidade, o que se impõe é que o Governo passe, de harmonia com a boa técnica, a fazer o ajustado desdobramento, inserindo nos decretos-leis apenas aquilo que destes deve ser objecto, isto é, os princípios mais gerais, e devolvendo para os regulamentos tudo o mais.
Portanto, desde que o Governo passe a legislar com correcção técnica, como está indicado, cai pela base o argumento em causa na medida em que acentua a inconveniência de esta Assembleia apreciar a parte regulamentar dos decretos-leis.
Assim, a solução que proponho, além de ter todo o fundamento, ainda terá a vantagem de levar, o Governo a legislar com correcção técnica, uma vez que, perante a perspectiva da sujeição a ratificação, não deixara de limitar os decretos-leis apenas àquilo que deles deve constituir objecto.
Por outro lado, mesmo que o Governo não proceda por tal modo, a verdade é que esta Assembleia não entrará na análise das disposições de pormenor e técnicas porventura contidas aios decretos-leis, seleccionando naturalmente para discutir apenas os princípios mais gerais, e isto precisamente porque, segundo se pretende, não está preparada para discutir aquelas disposições.
Acresce que a compensação de se atribuírem ao Governo largos poderes legislativos está justamente na salvaguarda daquele mínimo em que se traduz a sujeição a ratificação.
Derivando para outro aspecto, independentemente de se saber se é lógica ou não a sujeição a ratificação dos decretos-leis publicados durante o funcionamento da Assembleia, o que não há dúvida é de que ela é constitucional, e, consequentemente, tendo-se de aceitá-la, é com base nela que se tem de raciocinar.
Além disso, não vi a demonstração de que o lógico era suprimir o instituto da ratificação, e não generalizá-lo a todos os decretos-leis.
Pelo contrário, como já demonstrei mais de uma vez, à face da Constituição, o princípio é o de que a função de legislar cabe à Assembleia Nacional. Sendo assim, e se, por outro do, se entende que os exigências práticas impõem que o Governo tenha largos poderes legislativos, o lógico, para se procurar respeitar o aludido princípio de que se parte, é salvaguardar aquele mínimo dos mínimos: a ratificação.
Também não vejo, ao contrário do que afirma o Sr. Deputado Mário de Figueiredo, em que é que reside a hibridez do instituto da ratificação.
Trata-se até de um instituto comum ao- direito constitucional de muitos países. Apenas acontece que, em regra, funciona como meio facultado às assembleias de apreciarem a legislação emanada dos governos no exercício de prévias autorizações legislativas por aquelas concedidas.
Por outras palavras: em regra a ratificação acresce, como complemento, às autorizações legislativas concedidas aos governos, ao contrário do que entre nós acontece, uma vez que, à face da nossa Constituição, quando uma tem lugar fica excluída a outra.
Além disso, não se descortina que mal existe na hibridez doutrinal dos institutos quando estes são impostos e se amoldam às realidades sociais.
Aliás, no caso concreto, a preocupação de eliminar a hibridez das soluções constitucionais conduziria logicamente a suprimir o poder legislativo do Governo para que se mantivesse intacto o princípio de que a Assembleia Nacional é o órgão legislativo ...
Finalmente, não se descortina porque é que seria grave a aprovação da proposta agora em causa.
Trata-se de uma afirmação não fundamentada e cuja inexactidão é posta em relevo pelo próprio parecer da Câmara Corporativa na medida em que acentua o limitado relevo e descolorido alcance da proposta, e isto pela circunstância de, tendo já a Assembleia a possibilidade de revogar os decretos-leis de que discorde, pouco acrescentar aos seus poderes a necessidade de os mesmos serem submetidos a ratificação. Em qualquer altura pode revogá-los.
Devo dizer que não aceito sem reservas a maneira como o parecer encara a proposta. Não vale a pena estar a explicar porquê.
No entanto, a observação que faz, sendo em grande medida correcta, serve para mostrar que a aprovação da proposta, ao mesmo tempo que contribuiria para prestigiar esta Assembleia, nenhumas dificuldades atendíveis poderia vir a suscitar.
Tenho dito.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: vou fazer umas breves notas, sobretudo para afirmar a consideração que tenho pelos ilustres Deputados que criticaram o que eu disse na minha primeira intervenção. Queria dizer ao Sr. Deputado Amaral Neto que tenho sempre, a maior consideração por ele e respeito pelas suas posições e pelas suas opiniões e que me habituei a ver no desenvolvimento dos seus raciocínios alguma coisa que está muito acima do vulgar.

O Sr. Amaral Neto: - Muito obrigado.

O Orador: - Muito acima, insisto. Quero afirmar, no entretanto, que são posições muito diferentes aquelas que se tomam quando se entende que deve ser dado conhecimento público de regimes jurídicos a estabelecer e as que exprimem a ideia de que à Assembleia não pode reconhecer-se competência efectiva para se pronunciar sobre determinados pormenores de regime que vão para além de bases gerais ou para além de grandes princípios de orientação. Uma coisa é a atitude de quem quer auscultar a opinião sobre certos regimes jurídicas, outra coisa é a atitude de quem toma posição, já depois de auscultar a opinião, sobre determinadas matérias em discussão. O que eu digo e afirmei é que a Assembleia Nacional, muito embora a tenha legal, não tem competência efectiva para esses pormenores, de regime, não porque cada um dos que a compõem não tenha qualidades para poder vir a tê-la, mas porque cada um não tem ao seu serviço o apetrechamento burocrático que hoje é indispensável ter-se para se organizar um diploma legislativo qualquer, quanto mais um diploma legislativo sobre impostos. E isto que eu quero dizer, o que em nada diminui os Srs. Deputados nem os põe em contradição com a moção que, a propósito da Lei de Meios, foi votada, no sentido de, em matéria de impostos a estabelecer, se auscultar a opinião pública.

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1128 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 129

As considerações que fez o Sr. Deputado Abranches de Soveral só me confirmam na opinião que manifestei. É que realmente aquela proposta de alteração se baseia num equívoco. S. Exa. o que pretendeu foi demonstrar que realmente já não havia necessidade de autorizações legislativas, e se já não havia necessidade, não. tinham mesmo sentido essas autorizações.
Ora, para demonstrar que a solução se baseia num equívoco, basta-me demonstrar, o que já demonstrei, que realmente continuam a ter utilidade as autorizações legislativas. Utilidade quer dizer efeito jurídico.
E não preciso de me meter na complexa questão de saber se as matérias da exclusiva competência da Assembleia Nacional podem ou não ser por ela delegadas no Governo. Não me meto nessas questões. Digo apenas isto: o texto é claro, é nítido. Os decretos-leis estão sujeitos a ratificação, diz o texto, fora dos casos de autorização legislativa. Logo, se se tratar de diplomas que foram emanados, ou melhor, expedidos ao abrigo das autorizações legislativas, não estão sujeitos a ratificação, mesmo que normalmente o estivessem. Portanto, não pode negar-se efeito jurídico às autorizações legislativas.
Quer dizer: todas as considerações que fez o Sr. Deputado Abranches de Soveral para demonstrar* que, realmente, a proposta se não baseava num equívoco vieram demonstrar à evidência que efectivamente ela se baseava num equívoco.
Quanto às observações feitas pelo Sr. Deputado Carlos Lima, tomo, neste momento avançado em que todos estamos muito cansados, tomo uma, a mais importante,. segundo creio, e que é esta: é que com os decretos-leis se deve proceder como a Constituição estabelece que se proceda com as leis, isto é, não devem conter, como estas, senão as bases gerais dos regimes jurídicos.
Tenho a mesma opinião de S. Exa. A verdade, porém, é que nem nas leis se tem conseguido manter o princípio e, que eu saiba, nunca se conseguiu sequer ensaiá-lo nos decretos-leis. Compreende-se a dificuldade. Mas, votada a alteração em discussão, se o Governo o tentasse então, não se salvava da acusação de querer assim frustrar a disposição que a todos submetia a ratificação.

O Sr. Proença Duarte: -Pode V. Exa. dizer-me se entende que há uma inconstitucionalidade formal da, parte do Governo quando legisla envolvendo no mesmo diploma as normas jurídicas e as normas regulamentares? Suponho que não.

O Orador: - Não, senhor, não há. Eu disse isso mesmo, isto é, que tal procedimento não é inconstitucional. Trata-se de uma orientação geral, e a própria Constituição estabelece que o facto de se não seguir essa orientação não é fundamento de arguição de inconstitucionalidade. Foi a grande dificuldade que pode haver em distinguir o que é uma base geral e o que é um regime que está para além da base geral ou é um desenvolvimento dela que determinou aquela solução. Por isto é que se estabeleceu que a competência é só para bases gerará; mós não 'pode, com fundamento de que o não são, arguir-se a inconstitucionalidade dos diplomas. Isto é assim para as leis; e seria do mesmo modo ainda agravadamente para os decretos-leis.
Lembrem-se VV. Exas. dos problemas que têm sido discutidos aqui quando se tem requerido que sejam submetidos a ratificação alguns decretos-leis, e -digo-o sem melindre para ninguém. Verificarão o seguinte: nunca sucedeu que o que aqui se discutiu fosse um princípio geral, um princípio de orientação: Discutiram-se sempre questões de pormenor, questiúnculas que não podiam ser objecto de bases gerais. Quem tiver experiência dos trabalhos da Assembleia sabe que tem sido assim.
Insisto em que, contra o parecer da Câmara Corporativa, a votação da alteração proposta seria mais grave do que teria sido a votação da alínea f) do artigo 1.º E verdade que realmente podemos atingir o mesmo resultado através da apresentação de um projecto de lei. Mas organizar um projecto não é o mesmo que trabalhar sobre ura diploma já organizado. Obriga a esforços particulares, para os quais VV. Exas. têm muita competência, é certo, mas para os quais têm pouco tempo ...
Tenho dito.

O Sr. Abranches de Soveral: - Sr. Presidente: só duas palavras, porque e quase noite e a questão está a tornar-se de lana-caprina.
Continuo a manter que não se compreende, nem lógica, nem juridicamente, que a Assembleia Nacional possa dar autorizações legislativas a uma entidade que à face da Constituição pode legislar por direito próprio. E parece-me, sem necessidade de me alongar em considerações, que o § 3.º do artigo 109.º, tal como o seu § 2.º, estava em directa correlação e imediata dependência do n.º 2.º do artigo 109.º quando este tinha a redacção originária. Então estava bem; porque quando o Governo legislava apenas no uso de autorizações legislativas, e no caso de urgência e necessidades públicas, havia lógica necessidade dê ratificação para os decretos publicados fora de autorizações legislativas.
Mas desde que esta disposição do n.º 2.º do artigo 109.º foi modificada por forma a conceder capacidade legislativa autónoma ao Governo, o § 2.º e aquela parte do § 3.º em que se fala de autorizações legislativas perderam conteúdo útil e sentido. O Sr. Deputado Mário, de Figueiredo, que foi meu ilustre professor e por quem julgo desnecessário estar a afirmar mais uma vez a minha maior consideração, diz que tem o sentido útil de subtrair tais decretos a ratificação.
Se assim é, se é apenas esse o seu sentido útil, parece que tal razão confirma a necessidade de suprimir as autorizações legislativas, pois basta que o Governo não publique o decreto durante o funcionamento da Assembleia, mas sim três dias depois, para que essa ratificação já não tenha cabimento.
Parece-me, assim, desnecessário continuar a discutir o que constitui pura logomaquia, sem conteúdo útil.
Não se deve manter na Constituição disposição que não tenha um conteúdo valioso.

Os §§ 2.º e 3.º tinham um conteúdo lógico e útil na primitiva redacção do n.º 2.º do artigo 109.º e corpo do artigo 93.º - deixaram de ter qualquer utilidade' desde que as Leis n.ºs 2009 e 2048 modificaram aqueles preceitos constitucionais.
Nesta conformidade, mantenho que são muito mais harmoniosas com o espírito e a letra actual da Constituição as alterações constantes do artigo 9.º do projecto de lei que tive a honra de subscrever.
E termino, porque entendo que o respeito devido a esta Assembleia me impede de discussões sem conteúdo e sem sentido.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai passar-se à votação.

O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: peço a palavra, pois desejava encerrar o debate.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: o Sr. Deputado Mário de Figueiredo só analisou duas das respostas que

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dei aos argumentos de S. Exa. invocados contra a minha proposta. As demais respostas subsistem, portanto, de pé.
Deste modo, apenas vou responder ao que o Sr. Deputado Mário de Figueiredo acaba de afirmar.
Para mostrar a improcedência do argumento de que, com a aprovação da proposta em exame, poderia ser-se conduzido, situação de a Assembleia, através da ratificação, vir a embrenhar-se na discussão de pormenores regulamentares, acentuei, além do mais, que para o evitar bastaria que o Governo, adoptando a técnica correcta, inserisse nos decretos-leis apenas aquilo que destes deve constar, isto é, os princípios mais gerais.
Observa porém S. Exa. ser difícil a destrinça entre princípios e parte regulaamentar, por modo a distribuí-los, respectivamente, por decretos-leis e decretos regulamentares.
Aceito que é difícil fazer tal destrinça em termos rigorosos. Como sucede em tantas outras matérias, fica sempre uma margem de dúvida quanto aos casos extremos e às zonas cinzentas.
Isso, porém, não impede que em regra, e quanto à grande massa de casos, a distinção seja fácil de fazer. Sendo assim, a aludida margem para dúvidas apenas poderia conduzir a que nos decretos-leis viesse a ser incluída uma ou outra disposição regulamentar.
Mas é evidente que tal circunstância não poderia suscitar as dificuldades para que S. Exa. chamou a atenção.
Sob outro aspecto, também que não convence a resposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo quanto à afirmação que fiz de que a possibilidade de revogação dos decretos-leis tirava muito significado à necessidade da respectiva ratificação.
Disse S. Exa., e muito bem, para assinalar a diferença entre as duas situações, que quando se ratifica se tem à vista um diploma já organizado, o que facilita muito a respectiva apreciação, ao passo que quando se pretende apresentar um projecto de lei revogatório se tem de fazer todo o esforço inicial necessário à sua organização ...
Todavia, se a observação tem um fundo exacto, a verdade é que nada prova relativamente à proposta em discussão.
É que quanto aos decretos-leis emanados do Governo a Assembleia sempre terá em qualquer hipótese para exame um diploma já organizado - o decreto-lei -, quer se proponha alterá-lo (?) negando a respectiva ratificação, quer utilizando para o efeito um projecto de lei.
Subsiste, assim, a afirmação feita de que o alcance da proposta é limitado.
Quanto à observação de que a experiência mostra ter-se esta Assembleia preocupado no passado com pormenores regulamentares, deve dizer-se que a culpa tem sido do Governo, por não ter limitado os .decretos-leis àquilo que rigorosamente deve constituir seu objecto, ou seja aos princípios mais gerais.
Estou certo de que, se a proposta for aprovada, o Governo se encarregará no futuro de delimitar com mais rigor o âmbito aos decretos-leis e dos decretos regulamentares.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o artigo 3.º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Lima, que visa à alteração do § 3.º do artigo 109.º da Constituição. Segundo creio, a alteração incide sobre o primeiro período do referido § 3.º For consequência, o facto de os Srs. Deputados virem a aprovar essa alteração não toca uma parte desse artigo, que não está em causa.

Submetido à votação, foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - A rejeição do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima neste ponto não importa a rejeição do projecto do Sr. Deputado Carlos Moreira na parte em que propõe a eliminação do § 2.º e uma nova redacção para o § 3.º do artigo 109.º da Constituição, que passará a vigorar como § 2.º
Submeto, portanto, à votação da Câmara o projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Moreira- em relação aos §§ 2.º e 3.º do artigo 109.º da Constituição Política.

Submetido à votação, foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - Em virtude do adiantado da hora, vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia, quer dizer, conclusão da discussão e votação do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima e continuação da discussão dos outros projectos de revisão constitucional até onde for possível.
Está encerrada a sessão..

Eram 20 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Belchior Cardoso da Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Pais de Azevedo.
José Dias de Araújo Correia.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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