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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130
ANO DE 1959 4 DE JULHO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 130, EM 3 DE JULHO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente
O Sr. Deputado Armando Cândido requereu informações sobra problemas da ilha de S. Miguel.
O Sr. Deputado Belchior da Costa referiu-se ao milenário de Aveiro o à visita do Chefe do Estado àquela cidade
O Sr. Deputado Ferreira Barbosa falou sobre questões corporativas e de coordenação económica.
O Sr. Deputado João Valença tratou de problemas de interesse para Viana do Castelo.
O Sr. Deputado Jorge Jardim ocupou-se do problema do algodão nas províncias ultramarinas.
O Sr. Deputado Nunes Barata falou sobre a simplificação dos serviços públicos.
Ordem do dia. - Continuou a discussão do projecto de alteração à Constituição Política apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Lima O artigo 4.º desse projecto, que alterava o § único do artigo 123.º, foi rejeitado.
Procedeu-se depois à apreciação e votação do projecto do Sr. Deputado Duarte do Amaral. Foi aprovado o artigo 3.º Foram rejeitados os artigos 4.º e 5.º
Começou a discussão na especialidade do projecto do Sr. Deputado Homem de Melo Foi rejeitada a emenda constante do artigo 2.º daquele projecto
O Sr. Presidente encerrou a sessão as 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se a chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Autuo Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
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Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Tasques Torneiro
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Ângelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do Sindicato do Pessoal dos Tabacos do Porto a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Urgel Horta em defesa dos trabalhadores da respectiva indústria.
De João Crisóstomo Manso, pelos funcionários aposentados do concelho de Proença-a-Nova, a apoiar a intervenção do mesmo Sr. Deputado em defesa dos referidos funcionários.
Vários a apoiar a inclusão do nome de Deus na Constituição Política.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Armando Cândido.
O Sr Armando Cândido: - Sr Presidente, pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte:
Requerimento
«O problema das ligações aéreas e marítimas com os Açores e entre as ilhas do mesmo arquipélago e o problema da electrificação da ilha de S. Miguel têm sido objecto da minha atenção, traduzida e demonstrada insistentemente nesta Assembleia através de várias intervenções, sucedendo que dei ao segundo daqueles problemas, o da electrificação, o meu directo esforço na qualidade de presidente da última comissão encarregada de o estudar e resolver, esforço que o Governo sabe ter sido grande e absolutamente gratuito. Assim, e porque tenciono voltar a ocupar-me dos referidos problemas para os apreciar, o primeiro no seu conjunto e o segundo quanto a certos aspectos ligados à forma da sua resolução, precisando, para tanto, de elementos que me elucidem, roqueiro que pelos Ministérios competentes me sejam dadas as necessárias informações sobre os seguintes pontos:
1.º Se a construção de portos de mar nas ilhas de Santa Maria e Terceira, de harmonia com as exigências do tráfego de mercadorias e do movimento de passageiros verificadas em relação a cada uma daquelas ilhas, está ou não definitivamente projectada e assente e, no caso afirmativo, qual a localização dos futuros portos e as suas característicos principais;
2.º Se além dos portos porventura definitivamente projectados para serem construídos nas ilhas Terceira e de Santa Maria está ou não projectada a construção de pequenos portos em qualquer das restantes ilhas do arquipélago dos Açores;
3.º Se já foi ou não adjudicada a construção dos navios-motores destinados a substituírem o Arnel e o Lima, da Empresa Insulana de Navegação, quais as características principais das novas unidades e o seu preço de custo;
4.º Se a projectada construção de um aeroporto na ilha de S. Miguel, envolvendo ou não o aproveitamento do actual Campo de Santa Ana alcançou já a sua fase definitiva, e, tendo alcançado, quais as características principais da obra a realizar e suas fontes de financiamento;
5.º Se estão ou não projectadas ou simplesmente previstas as construções de aeroportos em quaisquer ilhas do arquipélago dos Açores que não sejam as ilhas de S. Miguel, Terceira e Santa Maria;
6.º Quais os empreendimentos realizados, em execução ou previstos pela Federação dos Municípios da Ilha de S. Miguel com vista ao aumento de produção de energia eléctrica;
7.º Qual o número de kilowatts produzidos e consumidos na altura em que a Federação começou a explorar as redes de distribuição de energia eléctrica e qual o número de kilowatts produzidos e consumidos actualmente;
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8.º Quais as tarifas de compra e venda nas datas acima referidas e se está estudada ou prevista qualquer modificação das tarifas actualmente em vigor».
O Sr. Belchior da Costa: - Sr. Presidente: conforme programa previamente estabelecido, iniciaram-se em Aveiro as festas comemorativas do seu milenário e do seu centenário.
De acordo com uma antiquíssima tradição, desfilou, no domingo passado, pelas ruas da cidade lagunar a majestosa procissão em honra e louvar da rainha Santa Joana, excelsa princesa de Portugal e devota padroeira da cidade.
Começaram, assim, as comemorações por um acto da maior solenidade, tão grato no temperamento e às tradições religiosas de toda a população daquela região ribeirinha.
Não podiam ter melhor começo as comemorações festivas do milenário e segundo centenário da cidade, cujo perfil religioso e profundamente crente se espelha na alma do povo como o perfil da própria cidade se espelha e projecta nas águas tranquilas da sua ria.
Começaram, pois, as festas por um acto de fé e de crença que tem as suas raízes na nossa mais pura tradição de país cristão e católico; e decerto não podiam ter melhor início essas festas milenárias e centenárias.
Sr. Presidente: vão prosseguir as solenidades comemorativas desses factos históricos, e entre elas destacam-se como acontecimentos da mais alta importância e do maior relevo para a vida económica, social e até política da região a inauguração de alguns empreendimentos que bem atestam o cuidado e o interesse que ao Governo da Nação merecem todos os povos e todas as terras que constituem o agregado nacional.
Entre esses melhoramentos, de tanto interesse regional e nacional, destacam-se as obras do porto de Aveiro, nomeadamente as de defesa e protecção da sua barra, que, concluídas, vão agora ser inauguradas.
Mercê dessas obras de ampliação, protecção e defesa da barra pôde o porto de Aveiro tornar-se facilmente acessível à navegação de alto mar e colocar-se assim dentro das possibilidades de prestar, ao comércio e à navegação toda a sua função útil e há muitos anos desejada. Para bem se avaliar da importância dessas obras publicou o Ministério das Obras Públicas um documentado opúsculo, já distribuído por todos os Srs. Deputados, que contém uma série de dados e números concretos, além de um conjunto de judiciosas notícias que nos esclarecem completamente e por certo servirão a Nação de esclarecimento e justificação sobre a utilidade, rigorosa aplicação e reais resultados dos investimentos feitos.
Assim se vai seguindo, Sr. Presidente, com firmeza e tenacidade a política de investimentos necessária a dotar o País com as infra-estruturas indispensáveis ao seu progresso, ao seu desenvolvimento e ao crescente aumento do nível de vida e do bem-estar do povo; e assim se vai vencendo também com paciência e persistência o enorme atraso ou até desfalecimento em que tínhamos caído antes de termos iniciado esta cruzada de recuperação e reabilitação em que todos andamos empenhados desde há trinta anos para cá.
Com a inauguração deste importantíssimo empreendimento, levado a efeito pelo operante Ministério das Obras Públicas, em colaboração com o Ministério das Comunicações, cujos titulares muito grato me é saudar deste lugar, vão coincidir outras valiosas realizações, como as instalações interiores do porto industrial e do porto de pesca - obras complementares do porto exterior e como estas tendentes o possibilitar o exercício de todas as virtualidades da ria de Aveiro para a navegação, para o comércio e indústria e para a agricultura.
Com todas estas realizações coincidirá também a efectivação de uma exposição industrial e agrícola e um concurso agro-pecuário, abarcando uma e outro toda a área do distrito.
Sr. Presidente: vai presidir à inauguração de todos estes empreendimentos S. Exa. o Sr. Presidente da República, que dará entrada na cidade amanhã, dia 4, através da estrada mais característica e mais empolgante da sua paisagem marinheira, que é o estuário da sua ria.
É este um acto grande para a vida política e social de toda a região, que engloba o distrito de Aveiro e a sua formosa cidade. S. Exa. o Almirante Américo Thomaz, com a irradiação da sua simpatia pessoal, a afabilidade e a elegância do seu trato, o brio das suas tradições de marinheiro e de soldado, vai levar a Aveiro uma nota imperecível de presença e simpatia humanas, por certo com grande poder de receptividade na alma simples e boa da gente da ria e do mar; e, com a distinção da sua alta representação de insigne Chefe do Estado de um Governo que põe acima de todas as preocupações a preocupação do interesse nacional, vai emprestar às solenidades comemorativas do milenário e do centenário de Aveiro a mais alta dignidade, o maior realce e a mais justificada projecção.
Ao permitir-me, como Deputado pelo distrito, saudar deste lugar o Sr. Presidente da República, como respeitosamente saúdo, na véspera da sua entrada em Aveiro, faço votos, por que S. Exa. seja recebido pelos Aveirenses em triunfo e em glória, prestando-lhes estes, assim, o contributo das homenagens de respeito, de carinho e de apreço a quem mais uma vez se digna acercar-se do meio do povo, em serviço de Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
Q Sr. Ferreira Barbosa: - Sr. Presidente: foi publicado, tendo recebido o n.º 42 294, o decreto-lei anunciado pela Secretaria de Estado do Comércio em 21 de Março findo e objecto de algumas considerações minhas na intervenção que aqui fiz em 1 de Abril.
Propositadamente, para se não supor da minha parte qualquer vontade de o ver sujeito a ratificação por esta Assembleia Nacional, aguardei que se verificassem as condições constitucionalmente estabelecidas para que tal já não fosse possível.
Cumpri assim a minha promessa de pleno acatamento em determinada circunstância, verificando-se esta pela assinatura do Sr. Presidente do Conselho no referido diploma.
Seria, também e já, impertinente da minha parte voltar aqui com novos ou repetidos comentários de aspecto doutrinário.
Porém, Sr. Presidente, não posso deixar de me referir ainda uma vez a este assunto, mas sob outro aspecto. É que nas considerações um pouco restringidas após a reflexão de dois meses que pretendem justificar a publicação desse diploma legal faz-se referência a um risco que se afirma correrem os sectores económicos corporativamente organizados sob forma obrigatória, e que seria o da estratificação das respectivas actividades. Lança-se, pois, e de certa forma, um labéu sobre os profissionais actuais dessas actividades, e muito principalmente sobre os homens que tem sido responsáveis pela direcção de tais organismos corporativos, acusados, assim, não sei bem se de egoísmo, se de insuficiência, se de oportunismo, se mesmo de desonestidade.
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Daí só vai um passo até se poder deduzir, porventura e com malícia, que nos postos de direcção desses organismos se têm acantonado, por via de regra, os incompetentes, os falhados, aqueles que, pela sua falta de iniciativa e esforço próprio, seriam incapazes de singrar e que, por isso mesmo, teriam abusado das suas posições para travar o legítimo avanço e progresso dos outros.
Os que leiam aquelas considerações em letra de forma do Diário do Governo serão levados muito naturalmente à sua generalização, muito embora tenha havido o cuidado de repetir as expressões como «certos casos» e «por vezes»
Responsável que fui pela condução, quase ininterrupta, ao longo dos seus vinte e três anos de existência e até há pouco mais de um ano de vida de um grémio, daqueles e que a prática veio a chamar obrigatórios» e cuja acção se estende a mais de 50 por cento de uma das mais importantes actividades industriais e exportadores do País, desejo - quase em desforço pessoal - afirmar que da sua acção não resultou qualquer estratificação de posições entre os seus agremiados. Bastará para tal citar.
1.º Quando da sua constituição ficaram sob a sua disciplina em uma das suas secções vinte e cinco firmas e unidades industriais, hoje há quarenta e seis firmas com quarenta e sete fábricas; noutra secção eram vinte e duas e hoje são vinte e cinco firmas agremiadas; noutra ainda não ainda nenhuma e hoje há uma;
2.º Se bem se que encontrem determinadas, para certos fins e, aliás, pelo organismo de coordenação económica, respectivo, a capacidades teóricas de produção», estas não têm, nem nunca tiveram, efeitos restritivos na actividade dos seus agremiados, e, assim, é possível constatar-se que um deles (e por acaso um que nunca exerceu qualquer cargo directivo no grémio) utilizou na prática mais de 400 por cento da sua capacidade técnica de produção, enquanto, outro no mesmo ano utilizava somente 38 por cento;
3.º Só - sempre com carácter acidental e quase exclusivamente em relação à distribuição de matérias-primas, cujo aprovisionamento se tornara anormal ou difícil - se procedeu a rateios ou contingentamentos, e mesmo em tais casos a acção do grémio limitou-se à execução de regras de carácter e aplicação geral, que não eram de sua iniciativa e responsabilidade directa. Não creio que resultem vantagens do facto de essa aplicação se não processar por essa forma (com benefícios de ordem psicológica) e, ao contrário, passar a ser feita unicamente por via e adentro de serviços conduzidos por funcionários.
E agora, Sr. Presidente, mais duas observações a que não resisto.
Com a publicação desse decreto-lei parece-me ficar aberto o caminho até para a apropriação - inclusive com destino a fins absolutamente estranhos às actividades respectivas - de receitas criadas com o fim expresso da constituição de fundos corporativos, de reserva para a defesa das mesmas e de desempenho de funções interessando à sua economia geral. O futuro dirá se sempre se procederá, em tais casos, bem e com justiça ou, ao contrário, se não tomará por sombrias veredas.
O Sr José Sarmento: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. José Sarmento: - Tenho ouvida com o maior interesse a intervenção de V. Exa.
Estão ainda presentes na minha memória várias das considerações que V. Exa. tem feito nesta Casa sobre os organismos de coordenação económica, e com muitas delas tenho concordado No entanto - e peço desculpa de o dizer-, parece-me que V. Exa. talvez esteja a exagerar um pouco com o perigo dessa apropriação dos bens corporativos para fins diversos. Uma medida dessa natureza, tão violenta e odiosa pela sua flagrante injustiça, parece que nunca se poderá realizar.
O Orador: - Se V. Exa. me permite, tive o cuidado de dizer que «me parece» Entretanto justifico as razões por que me parece. É que na realidade o decreto permite seja atribuída inclusivamente ao Fundo de Abastecimento a cobrança de taxas e contribuições especiais arrecadadas pelos organismos corporativos. E, se combinarmos esta determinação com um despacho recente do Sr. Secretário de Estado do Comércio, já todas as dúvidas são possíveis e eu permito-me ler um excerto desse despacho «O facto de as receitas para a sustentação dos organismos de coordenação económica serem fornecidas pelos próprios sectores que estes organismos orientaram em nada altera o carácter de serviços públicos a que aludi» Nada impede que este sistema de contribuição seja alterado de um momento para o outro e, por exemplo, as actividades passam a entregar aos cofres gerais do Estado a sua contribuição, e o Estado, pelo seu orçamento, promova a sustentação daqueles organismos, como hoje o faz paia os serviços clássicos da Administração.
O Sr José Sarmento: - Às palavras que V. Exa. acaba de ler desse despacho provocam-me tal perturbação que não encontro agora as palavras necessárias para poder apreciar o facto que V Exa. acaba de apontar.
O Orador: - O risco é indiscutível e fica pairando mesmo acima das pessoas actuais e suas boas intenções, de que se não quer duvidar.
Por muito que custe reconhecê-lo, parece-me também, Sr Presidente, que em matéria de direcção económica estamos cada vez mais andando à roda de equívocos e às aranhas. Por um lado, uma autoridade central ciosa dos seus poderes a tal ponto que minimiza deliberadamente a colaboração activa e a cooperação dos representantes naturais das actividades, relegando a sua acção para plano secundário e dependente - naturalmente não propício -, não vá o aceitá-las representar abdicação desses poderes. (afinal aquela partilha razoável de poderes que se me continua afigurando estar na essência de um sistema verdadeiramente corporativo)
Por outro lado, um só aparente reforço de poderes dos organismos de coordenação económica, porque, na lógica da mesma posição, estes são afinal reduzidos à qualidade de serviços públicos, já sem mais afinidade com as respectivas actividades do que a sua pseudo-especialização, isto é, o âmbito restrito das suas funções Logicamente também restringidos nas suas possibilidades de iniciativa própria e independência de acção. A prática indica já mesmo em certos casos que a acção desses organismos se tem manifestado imperfeita, mais por carência e inoperância do que por abuso.
O Sr José Sarmento: - V. Exa. dá-me licença? Essa transformação progressiva que se tem verificado..
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O Sr. Presidente: - Peço a VV. Exas. que não prolonguem o diálogo, porque temos necessidade de entrar na ordem do dia.
O Sr. José Sarmento: - São só duas palavras, Sr. Presidente. Perguntava eu se essa transformação progressiva dos organismos de coordenação económica - e tenho sempre em mente o Instituto do Vinho do Porto - não será a musa de muitos prejuízos económicos que se têm verificado em diversos sectores, em particular no do vinho do Porto. Não será por isso que verbas avultadas da propaganda se não têm conseguido despender?
Parece-me que de facto uma das cansas, ou mesmo a principal, é a transformação desses serviços em serviços públicos, perdendo a sua elasticidade.
O Orador: - Estou inteiramente de acordo com V. Exa.
Finalmente, e ainda por outro lado, os responsáveis pelos departamentos governamentais, assoberbados por múltiplos afazeres e problemas, dedicando, naturalmente e de preferência, a sua atenção aos mais instantes e gerais, demorando o estudo final dos problemas específicos dos actividades, dilatando a sua resolução de forma inconveniente, evitando mesmo e também com lógica imiscuir-se era demasia neles.
De tudo isto não resultará, afinal e tantas vezes, a ausência de qualquer direcção económica efectiva?
A mim parece-me que sim.
Peço desculpa, mas permito-me um pouco de detalhe justificativo da afirmação que acabo de fazer.
Tenho para mim que a direcção económica - tal como a compreendo, da parte do Estado e em plano superior - não pode confinar-se a medidas de rotina ou simples emergência.
Uma verdadeira direcção económica tem de ir mais longe e, principalmente, ao estudo do âmago dos problemas, nomeadamente à averiguação exacta do que neles se contenha interessando verdadeiramente à economia nacional, ao planejamento daquilo que importaria e caberia ao Estado fazer em prol da sua solução, e então o Estado deve exigir dos interessados - por via dos seus órgãos naturais, no nosso caso a organização corporativa - a sua própria colaboração, se de tal não tenham tomado antes a iniciativa, e, na falta dessa colaboração e da actuação necessária, impor elo mesmo as soluções que entenda por convenientes.
Passo a referir-me a um passo determinado, embora com certa relutância, mas porque tem o seu interesse demonstrativo.
O nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros chamou a atenção do Instituto Português de Conservas de Peixe (organismo de coordenação económica) para as consequências perigosas que poderiam advir da continuação de uma nossa política de preços de exportação para França de um determinado produto, política essa que as autoridades e os interessados franceses consideravam de dumping e afectando os interesses da sua indústria nacional congénere. Em face dessa comunicação facilmente se pode tirar a conclusão de que de tal política resultam.
a) Prejuízos já verificados um menor revenu para a economia nacional,
b) Prejuízos possíveis: dificuldades na condução futura dos negócios.
Porque não se trata sequer da presumida política de dumping, mas, pura e simplesmente, com desprimor para a inteligência dos profissionais da actividade, das consequências de uma inglória luta de concorrência entre os produtores portugueses o da falta de apreciação realista das possibilidades do mercado.
Talvez porque a França não é propriamente ama república corporativa, veio de lá a sugestão (não sei bem só inteiramente apropriada à orgânica cá existente) da ida à França de uma missão de fabricantes portugueses para entrar em contacto com os seus colegas franceses. E, justificadamente ou não -repito-, essa sugestão foi sucessivamente adoptada pelo nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros, pelo conselho geral do Instituto Português de Conservas de Peixe e pela Secretaria de Estado do Comércio, neste último caso com o contrapeso da decisão - depois retirada em face de protestos - de que as despesas deveriam ser suportadas por todos os exportadores de conservas, e não pelo organismo de coordenação económica existente no sector, e cujas receitas, diga-se de passagem, sendo da ordem dos 15 000 contos anuais, tom já servido para costear variadas despesos de serviços oficiais.
Ora, Sr. Presidente, num caso destes, eu - defensor da liberdade de iniciativa e acção das actividades privadas, em tudo, mas só em tudo que não prejudique terceiros ou lese o interesse nacional - não posso compreender:
1.º Que antes de a queixa vir de fora o organismo de coordenação económica se não tenha apercebido dos males que a actuação errada dos profissionais comportava, como aliás se verifica desde há muito com casos idênticos em todos os mercados e com todos os tipos de conservas de peixe;
2.º Que da parte da Secretaria de Estado do Comércio se mostre ainda agora tal desinteresse ou incompreensão que a levem a confundir o caso - aliás simples reprodução miniatural do caso geral da indústria e exportação das conservas de peixe, para o qual venho, de há anos, chamando a atenção - com a condução de um negócio privado. Porque, meus senhores, num despacho do Sr. Secretário de Estado do Comércio a tal respeito se diz a certa altura: «Apesar disso julgo não ser de pedir a um serviço oficial o pagamento das despesas feitas com o desenvolvimento de um negócio privados. E ainda se acrescenta noutro ponto do despacho o seguinte: «No caso da missão a França o Instituto Português de Conservas de Peixe e o Ministério dos Negócios Estrangeiros cumpriram a sua missão: levantaram o problema - parecia-me mais correcto e verdadeiro dizer-se que o transmitiram ... -, criaram o ambiento a discussão, de acordo com os serviços oficiais franceses e concluíram que o problema deveria encontrar a melhor solução nó campo das relações privadas - dos contactos entre industriais portugueses e franceses; prepararam esse encontro, etc.».
Sr. Presidente: alguma coisa está a correr menos certa no Ministério da Economia. E, não podendo nós atribuir tal lacto à carência de talentos ou valor das personalidades ilustres e eminentes que se encontram à sua frente, há que procurar a sua origem em defeitos estruturais.
A reforma de estrutura dos serviços do Ministério da Economia, que precedeu a última remodelação ministerial, correspondeu certamente a uma necessidade. Julgo-a perfeitamente justificada na sua linha geral: a da criação de Secretarias de Estado dentro de um mesmo Ministério, que assim fica revestindo o aspecto de coordenador. O Ministério da Economia poderia, assim, chamar-se - e talvez com maior propriedade - o Ministério da Coordenação Económica. Creio, porem, que há defeitos de pormenor nessa reforma. Procurarei fazer uma rápida síntese dos meus pensamentos a tal respeito:
a) Talvez, e só por razões de carácter pessoal - a excepcional competência sectorial da personalidade designada para Ministro -, admi-
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tiu-se a acumulação da direcção da pasta, com a gerência de uma das Secretarias de Estado. Esta prática não me parece de todo conveniente: prejudica, porventura, o equilíbrio do conjunto;
b) Talvez, e ainda por razões da mesma Índole, a Comissão de Coordenação Económica, seguramente o primeiro, se não o único, dos serviços do Ministério que deveria ficar na dependência directa do respectivo titular, ficou adstrita a uma das Secretarias de Estado;
c) A criação das Secretarias de Estado obedeceu à clássica divisão das actividades económicas nos três ramos, comércio, indústria e agricultura.
Em meu modesto entender julgo esta fórmula ultrapassada e não correspondente às necessidades de momento, nem às verdadeiras realidades. Não será um facto que os problemas da agricultura (em muitos casos da verdadeira indústria agrícola) se aproximam muito mais e possuem muito maior afinidade com certas indústrias, como por exemplo a da alimentação, do que se pode apreciar entre esta mesma e outras, tais como a da construção civil?
E não o será também que a presente divisão se mostra incerta em certos casos e já permitiu mesmo dúvidas de jurisdição?
A mim quer-me parecer que o agrupamento de Secretarias de Estado dependentes de um mesmo Ministério deveria fazer-se mais em atenção a um aspecto funcional do que ao de base das actividades.
Podem, porventura, encarar-se proveitosamente com o mesmo espírito - e até com a mesma máquina burocrática - problemas tão dispares como, por exemplo, os que se relacionam com o comércio externo com aqueles que se ligam estritamente com o abastecimento público?
Evidentemente que haverá sempre entre eles pontos de contacto e, até, de atrito, mas para isso lá estaria precisamente o Ministro coordenador.
Mas, Sr. Presidente, não creio ser este o momento de desenvolver os meus pensamentos a este respeito e, pedindo desculpa pelo tempo roubado, tenho dito, Sr. Presidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. João Valença: - Sr. Presidente: pedi a palavra para tratar de alguns assuntos que interessam ao distrito de Viana do Castelo, que tenho a honra de aqui representar.
O primeiro, para chamar a atenção do Governo, especialmente do ilustre titular da pasta da Educação Nacional, para a necessidade e até urgência em ser construído um novo edifício para a Escola Industrial e Comercial de Viana do Castelo, secundando, assim, as solicitações oficiais que nesse sentido lhe têm sido feitas.
O actual edifício não satisfaz as exigências do ensino, nem tão-pouco comporta a população, cada vez maior e crescente, da referida escola.
Cidades que não são capitais de distrito, e até algumas vilas, têm as suas escolas técnicas instaladas em magníficos e condignos edifícios.
Pois Viana do Castelo, capital de distrito, tem a sua escola comercial, e industrial instalada num pequeno e acanhado imóvel sem condições para a sua função, não obstante a frequência anual dessa escola atingir cerca de mil alunos. E tão acanhado e pequeno ele é que algumas das suas aulas funcionam fora do edifício, em casa arrendada ou cedida para aquele fim.
Além disso, com a construção de um novo edifício poderá o actual ser destinado e adaptado à futura escola oficial do magistério primário, dado que a densidade da população justifica plenamente a criação dessa escola, evitando assim que muitos alunos se desloquem para outras terras e dando possibilidades a outros, cujas dificuldades financeiras lhes não permitam deslocar-se, a seguirem os seus cursos.
E, já que estou a referir-me à Escola Comercial e Industrial de Viana, quero aludir à vantagem da criação nessa Escola de um curso de montador electricista. Esta aspiração não só iria de encontro às necessidades da cidade - onde há falta de técnicos electricistas -, como contribuiria para o descongestionamento do curso de formação de serralheiro.
É que, terminado o ciclo preparatório, os alunos ingressam normalmente nos cursos de serralheiro e geral do comércio.
A maioria dos alunos que escolhem a secção industrial matricula-se no curso de formação de serralheiro, ocasionando assim uma superlotação nas oficinas dessa especialidade. De modo que, com a criação do curso de montador electricista, dividir-se-iam os alunos que desejam matricular-se na secção industrial, seguindo uns o curso de electricista e os outros o de serralheiro. De resto, a despesa que dai adviria é mínima, pois, sendo dois cursos afins, os alunos do curso de montador electricista apenas frequentavam sozinhos as aulas de electricidade, tecnologia, laboratório de electricidade e oficinas também de electricidade. Nas restantes as aulas seriam frequentadas pelos alunos de ambos os cursos.
Peço, pois, àquele membro do Governo - a quem presto e rendo aqui as minhas homenagens - que, sem delongas e o mais urgentemente possível, de realização e solução aos problemas a que acabo de me referir, promovendo a construção de um novo edifício para a Escola Comercial e Industrial de Viana do Castelo, a criação ali de um curso de montador electricista e de uma escola oficial do magistério primário, tão necessária e desejada em toda a região.
O segundo assunto a que quero aludir é o da construção do hospital regional na referida cidade de Viana. Já aqui nesta Assembleia tive oportunidade de fazer uma intervenção um pouco detalhada sobre este assunto.
As câmaras municipais do meu distrito e as forças vivas da região apoiaram então as minhas considerações e palavras, tão justas elas eram.
Nessa intervenção tive ensejo de demonstrar que o actual hospital daquela cidade não tem condições para desempenhar a função que lhe compete, pois trata-se de um edifício antigo, acanhado para a sua actual população hospitalar, estando além disso situado num lugar impróprio.
Já há anos uma comissão de inquérito que então percorreu o País reconheceu e afirmou publicamente que Viana do Castelo não tinha hospital, tão deficientes eram as suas instalações.
A situação mantém-se, não obstante a obra, a todos os títulos notável, da actual e anterior mesa administrativa da Misericórdia, a quem o referido hospital pertence.
Peço, por isso, ao ilustre Ministro das Obras Públicas - agora que já foram inaugurados e estão em funcionamento os hospitais escolar do Porto e regional de Setúbal - que com a maior brevidade possível se inicie a construção do hospital regional de Viana, para que há mais de uma dezena de anos foi adquirido o respectivo terreno.
O Sr. Araújo Novo: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Com muito gosto!
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O Sr. Araújo Novo: - Tenho estado a ouvir as palavras de V. Exa., às quais dou o meu apoio e, se me permite, este esclarecimento: já em 1949 se fizeram diligências para a expropriação do terreno, o que demonstra que se reconheceu a necessidade de tal obra. Pouco depois foi adquirido esse terreno e vão decorridos dez anos sobre a data em que se considerou a necessidade pública de tal construção.
Em 1954 o então ilustre titular da pasta das Obras Públicas prometeu que em 1950 se daria início a essa construção, que apenas seria precedida de um hospital nas ilhas adjacentes e outro em Setúbal. Depois disso decorreram mais cinco anos, e estamos a viver de esperanças.
Dou, portanto, o meu apoio às palavras de V. Exa. e lamento que tenhamos de esperar tanto tempo, quando a saúde é das coisas que menos podem esperar.
O Orador: - Agradeço os palavras de V. Exa. Nem, outra coisa era de esperar do seu conhecido bairrismo.
O terceiro e último assunto é pedir ao mesmo membro do Governo, a quem daqui apresento os meus cumprimentos e rendo as minhas homenagens, toda a sua atenção para um problema de magna importância para o distrito de Viana do Castelo, ou seja o caso do assoreamento cada vez mais acentuado do rio Lima.
Já nesta Assembleia tive ocasião de a ele me referir e foi ele também objecto de uma brilhante intervenção do ilustre Deputado Dr. Araújo Novo.
Pois, apesar disso, que eu saiba, esse problema não teve qualquer solução, nem mesmo me consta que alguma coisa se tenha feito no sentido de o resolver.
Peco, por isso, mais uma vez, dada a importância do assunto, que reveste um carácter regional e até nacional, que ele seja solucionado e enfrentado com o carinho, interesse e prontidão que requer e exige.
Senhor Presidente: oxalá eu, que agora - ao encerrar os trabalhos parlamentares - acabo de formular estes pedidos ao Governo, possa ao abrir a nova sessão legislativa agradecer-lhe a atenção que as minhas palavras lhe tenham merecido.
Seria para mim uma grande satisfação e para o distrito de Viana do Castelo grande e notável júbilo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Jorge Jardim: - Sr. Presidente: ergueram-se nesta Câmara as vozes dos ilustres Deputados que mais de perto contactam com as regiões onde se localiza a indústria têxtil algodoeira, apontando as dificuldades que atravessa esta actividade e solicitando, por parte do Governo, as providências urgentes adequadas para que se pudesse vencer a crise, cujas características se enunciaram, de modo a evitarem-se os graves reflexos sociais e económicos que de outra forma alastrariam como trágico e imparável cortejo.
No âmbito do sector algodoeiro a posição das províncias de Moçambique e Angola assume uma importância fundamental, que haveria de impor a mais séria ponderação governativa no exame das soluções a encarar. Entendeu-se, porém, conveniente não referir por nossa parte alguns dados essenciais do problema perante a Câmara naquele ensejo, para mais não perturbar, dados os aspectos gritantes que alguns factores assumem, a difícil missão de quem tinha a pesada tarefa de encontrar a solução e se sabia conhecer, no detalhe, todo o peso dos argumentos e toda a força da justiça que em prol dos legítimos interesses ultramarinos se afirmavam como verdades incontestáveis.
Anunciou já o Governo quais as medidas que vão ser postas em vigor e temos conhecimento dos textos legais em que se articulam e quais as directivas que conduzem a acção a desenvolver para enfrentar a crise. Parece, assim, ser este o momento de formular alguns comentários em referência às implicações resultantes para a economia dos territórios ultramarinos ligados ao problema algodoeiro e cujos interesses acompanhámos, interessada e preocupadamente, pelos reflexos que das providências governativas nesta grave emergência haveriam de resultar para a vida de Angola e Moçambique, dada a posição de relevo que a actividade algodoeira assume na economia daquelas províncias.
Através das disposições tomadas garante o Governo a colocação das produções ultramarinas de algodão, sem qualquer redução de preço, apesar de no mercado internacional se registarem cotações que permitiriam a importação do estrangeiro em condições mais favoráveis. E, no esforço feito para reduzir os encargos que incidem sobre a matéria-prima, teve-se ainda a preocupação de em nada sacrificar as receitas que naquelas províncias se arrecadam para fins de fomento e apoio às populações indígenas e no próprio preço original em boa verdade se têm de considerar incorporados.
Merece o Governo os melhores louvores pela firmeza e coerência da posição assumida, afastando o inaceitável recurso à redução dos preços do algodão ultramarino ou a sua Libertação, neste ensejo, para a voragem da concorrência internacional, onde a ruína aguardaria tão importante sector da vida económica das duas grandes províncias de África.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!
O Orador: - Aqui deixo essa palavra de merecido louvor, acentuando que, aliás, as medidas adoptadas no sentido de garantir a colocação da produção ultramarina a preços estáveis constituem o justo reconhecimento da contribuição que o ultramar, substancialmente, tem dado ao longo dos anos para o conjunto do sector algodoeiro.
Com efeito guardo na memória, até pela intervenção que me pertenceu no desempenho de funções públicas, o sacrifício que em nome da solidariedade nacional se exigiu dos interesses ultramarinos ao destinar-se à indústria metropolitana e ao abastecimento do Pais toda a produção disponível quando os mercados se mostravam ávidos dessa matéria-prima, oferecendo preços verdadeiramente aliciantes. E não esqueço, ainda, que em paralelo com tal sacrifício nem sequer o abastecimento do ultramar beneficiava de preços doa artigos acabados que tivessem relação aceitável com os praticados naquelas circunstâncias para o algodão que fornecia.
São factos do passado recente que apenas recordo para lembrar o princípio da solidariedade nacional, então invocado, que impõe a consequência actual de se receber a matéria-prima ultramarina sem aviltamento de preços num momento em que se regista condicionalismo diverso. É este sinal de coerência governativa que desejo frisar nas medidas promulgadas, que asseguram a colocação, naqueles termos, da produção ultramarina previsivelmente disponível. Faz-se, porém, excepção para as ramas de característicos de qualidade mais baixa, nas quais se verifica uma redução de 500 t no contingente que o ultramar teria interesse em fornecer.
Pode objectar-se que no conjunto de uma produção estimada em 41 000 t não tem significado grave aquela redução, imposta pela existência de elevados atocha de ramas daquele tipo que a indústria e o mercado não se revelam em condições de absorver. Sem negar o valor do argumento ou esquecer o peso das circunstâncias, afigura-se-me que os sacrifícios anteriormente suportados pela economia ultramarina bem im-
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põem, neste momento, que outros sacrifícios, agora em diferentes sectores e com peso menos notável, sejam suportados para que não se abra brecha na Coerência da atitude governamental e mais se estreitem os laços de solidariedade económica entre as diversas parcelas da comunidade portuguesa.
Estou certo de que o Governo em tal sentido dirigirá os seus melhores esforços tal como garantiu que a eventual importação de ramos estrangeiras, identicamente com o que aconteceu em relação às aquisições anteriores, só será feita na medida indispensável e depois de assegurada a compra da produção ultramarina.
As razões de justiça que acabo de invocar são, aliás, apontadas com notável objectividade pelo Governo ao afirmar autorizadamente no preâmbulo das providências legais anunciadas que «ao longo dos últimos anos a indústria metropolitana beneficiou - e nem sempre aproveitou devidamente - de um preço de algodão ultramarino sempre abaixo das cotações verificadas no mercado livre do algodão».
Pena foi, na verdade, que essa oportunidade favorável não houvesse sido aproveitada devidamente por alguns sectores da indústria e que não se tivesse evitado, por culpa de critérios errados de condicionamento, boa porte dos males com que hoje se debate a indústria algodoeira, esquecendo-se (como aqui já foi dito) que importava «agrupar as fábricas, dar-lhes dimensão capaz, modernizar-lhes o equipamento fabril e os processos de administração e exploração».
Para a realização de tais objectivos não pode deixar de reconhecer-se que a economia ultramarina ofereceu ensejo e contribuição, que devo sublinhar, através das condições de fornecimento da matéria-prima. Não seria, assim, justo - como criteriosamente o reconheceu e afirmou o Governo - que sobre o sector ultramarino do economia algodoeira viesse agora a incidir o peso de culpas que estão longe de lhe pertencerem.
Por isso revestem, ainda, as recentes disposições o mais vivo interesse e profundidade ao estabelecerem que o auxilio concedido ò indústria para lhe manter a actividade e tornar viável a necessária exportação reveste carácter transitório e destinado a oferecer base à reorganização indispensável, na certeza de que serão necessários sacrifícios inegáveis resultantes da reconversão deste sector.
Situa-se, assim, o problema na sua posição justa e é ainda a altura de considerar, na reorganização que se enfrenta, a situação especial dos territórios ultramarinos, tendo em vista a eventual localização mais acertada de algumas unidades fabris.
Compreende-se que no conjunto dos providências governativas, nesta fase crítica, se procurem defender os mercados africanos da infiltração da concorrência estrangeira que, usando artificiosamente a posição de Macau no conjunto nacional, limita as possibilidades de colocação para os tecidos metropolitanos e, até, para os fabricados naquelas províncias. É do interesse da economia ultramarina assegurar no máximo possível a preferência pelos têxteis nacionais, que lhes garantem a colocação da própria matéria-prima e tanto mais quanto se espera que das reduções que se tornaram viáveis nos preços das ramos a entregar à indústria, em resultado da diminuição de encargos de transporte e outros factores de custo, venha a verificar-se abaixamento correspondente de preço para os tecidos que, em boa parte, àqueles mercados se dirigem.
Foram troçados com clareza e oportunidade os passos a seguir para a revisão dos erros e vícios de que enferma a estrutura do sector industrial da economia algodoeira. Esperamos que esse objectivo se alcance no mais curto prazo possível e que nos vejamos dispensados do encargo de suportar a existência de parasita-
ríamos económicos, ao abrigo dos quais vegetam unidades obsoletas, que constituem peso morto na actividade de um sector dos mais importantes para o necessário equilíbrio do economia do País.
O Sr. ferreira Barbosa: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Ferreira Barbosa: - Como é que pode V Exa. conciliar esse desejo, perfeitamente justo, que acaba de exprimir com as declarações, ainda do Sr. Secretário de Estado do Comércio, num despacho que me permito ler: «A função do Estado é apenas a de orientar e fortalecer ...»
O Sr. Presidente: - V. Exa., Sr Deputado Ferreira Barbosa, está a dar uma explicação ou a ler um discurso?
O Sr. Ferreira Barbosa: - Estou a ler um pequenino despacho do Sr. Secretário de Estado do Comércio, a fim de dar uma explicação ao Sr. Deputado Jorge Jardim.
Dizia, pois, S. Exa. o Sr. Secretário de Estado: «A função do Estado é apenas a de orientar e fortalecer a iniciativa das empresas votadas à exportação. Daqui logo se tiram algumas conclusões: primeiro, impõe-se que em lugar de empresas pulverizadas ou de negociantes de ocasião nós possamos dispor de autênticas organizações comerciais com a idoneidade técnica, económica e financeira que nos convença da sua finalidade de propulsoras de exportação; em segundo lugar, se é à iniciativa privada, e não ao Estado, que compete a promoção do exportação, entendo que o Estado não deve procurar impor soluções, como deve a todo o custo evitar sancionar qualquer tipo de organização que se assemelhe o uma organização paraestatal, ainda mesmo que esta seja proposta pela iniciativa privada».
Confesso que não vejo possibilidade de fazer coincidir os desejos de V. Exa. com este despacho.
O Orador: - Trata-se de assunto ligado com as conservas.
O Sr. Ferreira Barbosa: - Sim, mas está escrito em termos genéricos.
O Orador: - Não é obrigatório que o ponto de vista do Sr. Secretario de Estado do Comércio seja coincidente com o meu. E parece-me que o problema posto para a indústria conserveira pode ter características diferentes, que eu hoje não conheço, daquelas que assume o da indústria algodoeira. E só faço votos de que para a indústria conserveira o Governo encontre soluções tão satisfatórios como aquelas que eu desejo para o problema do sector algodoeiro.
Sr. Presidente: as minhas últimas palavras são, assim, de formulação do voto, que traduz um anseio, de que tais objectivos claramente expressos se possam concretizar, brevemente, na serena e objectiva apreciação de um problema de amplitude nacional, à margem da apaixonada e nem sempre criteriosa defesa de interesses que algumas vezes se não enquadram no justo equilíbrio e legítima protecção dos próprios interesses nacionais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: pelos jornais de 20 de Março do corrente ano tomou o público conhecimento dos propósitos do Go-
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verno quanto à simplificação dos sistemas de funcionamento da burocracia administrativa. Na verdade, o Conselho de Ministros, em reunião de 18 de Março, tinha aprovado uma resolução do seguinte teor:
1.º Em todos os Ministérios civis seria constituída uma comissão de simplificação administrativa, composta por três funcionários, de nomeação do respectivo Ministro;
2.º Cada comissão deveria rever ou promover a revisão dos métodos do trabalho burocrático e a organização dos processos por que se estabelecem as relações com o público ou que se destinam a fazer valer pretensões ou direitos dos particulares, a fim de propor as providências que julgasse indicadas para a sua simplificação, tendo em vista a eficiência dos serviços, a maior produtividade do trabalho dos funcionários e a comodidade do público;
3.º As comissões deveriam acolher e estudar igualmente as sugestões que lhes fossem apresentadas por particulares ou através da Imprensa e estimular as iniciativas dos funcionários, mencionando nos relatórios quais de entre estas eram dignas de especial destaque, propondo para os seus autores recompensas adequadas;
4.º A Secretaria-Geral da Presidência do Conselho orientaria a acção de todas as comissões, estabelecendo, de harmonia com os respectivos presidentes, regras comuns de procedimento e respondendo às dúvidas cujo esclarecimento fosse solicitado;
5.º Os resultados dos trabalhos das comissões seriam postos em prática a medida que aprovados.
Podemos, pois, sintetizar que nos objectivos do Governo estava que cada comissão de Âmbito ministerial procedesse à revisão dos métodos de trabalho burocrático e à revisão dos processos de contacto com o público, propondo as medidas atinentes à melhoria de uns e de outros.
As finalidades visadas com tais trabalhos reconduziam-se à eficiência dos serviços, à produtividade dos funcionários e à comodidade do público, devendo, para a consecução de tais objectivos, ter-se era conta a iniciativa das respectivas comissões, as sugestões da imprensa e dos particulares e a colaboração de todos os funcionários.
O largo acolhimento desta iniciativa do Governo, expressivamente demonstrado no relevo que a imprensa tem dado ao assunto, revela a sua importância.
Pois de que se tratava? Era a burocracia, essa doença do mundo moderno, que estava em jogo, com todo o cortejo de vícios que a opinião pública de todos os países que lhe costuma assacar: lentidão, rotina, irresponsabilidade, descoordenação, gosto das complicações...
O Sr. Abranches de Soveral: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Abranches de Soveral: - Mas já se efectivou a simplificação administrativa?
O Orador: - Pelo que irei dizer seguidamente V. Exa. poderá ter uma noção, embora pálida e descolorida, daquilo que na verdade se passa.
O Sr. Abranches de Soveral: - É que continuamos com a mesma lentidão, rotina, marasmo...
O Orador: - Isso, aliás, não é só na burocracia.
Constituíram-se as comissões de simplificação em cada um dos Ministérios, ao mesmo tempo que na Presidência do Conselho funcionava uma comissão coordenadora, sob orientação do respectivo secretário geral e com a presença dos presidentes das comissões ministeriais.
Os apelos entretanto dirigidos ao público permitiram a recolha de algumas queixas e sugestões, não tantas quanto seria de desejar, elementos que foram tomados na devida conta ou a que se deu o merecido seguimento.
A comissão coordenadora assentava, entretanto, em alguns princípios de indiscutível importância no diagnóstico das insuficiências da burocracia. Assim:
A) Uma das causas principais das deficiências da máquina burocrática reside na existência de uma legislação por vezes demasiado rígida e mal adaptada às exigências da vida actual;
B) Importa definir e delimitar a competência dos funcionários, libertando os chefes de encargos absorventes, impondo-se instituir um sistema que, atenuando a excessiva centralização actual, permita aos funcionários de graus hierárquicos inferiores maior autoridade e mais responsabilidade;
C) A mentalidade dos funcionários deve ser valorizada não só no sentido de uma competência profissional, mas sobretudo numa conveniente noção dos seus deveres para com o público;
D) Não deve, finalmente, esquecer-se que o público, em dada medida, também carece de ser educado e instruído, pois a ele cabe, mercê de tais insuficiências, uma parte da responsabilidade nos atritos que se geram entre os particulares e a Administração.
Sr. Presidente: publicaram os jornais diários de ontem a noticia de que o Conselho de Ministros apreciou o relatório e as conclusões da primeira fase dos trabalhos da comissão coordenadora, tendo o Sr. Ministro da Presidência determinado que fossem postas em execução, com a possível urgência, as primeiras medidas relacionadas com a simplificação administrativa.
Apraz-me salientar estes factos.
Será, antes de tudo, justo prestar as minhas homenagens ao Sr. Dr. Teotónio Pereira pelo interesse que pôs nesta cruzada da simplificação administrativa. Mais uma vez S. Exa. dá testemunho daquele alto nível a que a sua carreira de insigne estadista nos habituou.
Constitui igualmente grato prazer destacar a brevidade com que toem decorrido os trabalhos de simplificação administrativa, o que constitui, certamente, o melhor penhor do sucesso final dos mesmos.
Convém, finalmente, salientar que o êxito dos propósitos em marcha depende fundamentalmente da colaboração que a este assunto souberem dar os particulares e os funcionários públicos que responderão ao inquérito que se vai lançar. Permito-me desta tribuna secundar os naturais apelos das respectivas comissões, na convicção de que presto, deste modo, um serviço de valor não despiciendo para a melhoria de funcionamento dos nossos serviços públicos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Na sequência dos trabalhos da sessão de ontem, vamos proceder à discussão do artigo 4.º do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima, que vai ser lido.
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Foi lido. É o seguinte
ARTIGO 4.º
O § único do artigo 123.º é substituído pelo seguinte:
§ único. A inconstitucionalidade orgânica ou formal da regra de direito constante de diplomas promulgados pelo Presidente da República, quando não resulte da violação do disposto no artigo 93.º e seu § único, só poderá ser apreciada pela Assembleia Nacional e por sua iniciativa ou do Governo, determinando a mesma Assembleia os efeitos da inconstitucionalidade, sem ofensa, porém, das situações criadas pelos casos julgados».
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente, já não é sem tempo que vou terminar as considerações suscitadas pelo projecto que entendi dever apresentar.
Sr. Presidente: o artigo 4.º do projecto de lei agora em discussão implica com a matéria da inconstitucionalidade das leis.
Julgo que para se poder fazer uma ideia mais precisa e um juízo exacto sobre a questão neste aspecto suscitada pelo projecto se torna conveniente fazer um ligeiro apontamento preliminar.
São vários os problemas relacionados com a inconstitucionalidade das leis: competência para dela conhecer, legitimidade para a arguir, forma de processo pára a discutir, etc.
De momento importa apenas acentuar que, sob determinado aspecto, se podem individualizar as seguintes questões diferentes:
Uma consiste em saber se a fiscalização da constitucionalidade das leis deve caber a um órgão de natureza política ou antes a um órgão de natureza jurisdicional, a um tribunal, portanto.
Trata-se, em certo sentido, de um problema de jurisdição.
Outra questão cifra-se em averiguar se, devendo a apreciação da constitucionalidade competir a um tribunal, deve, no entanto, caber a um tribunal comum ou a um tribunal especial.
Finalmente, um outro problema pode definir-se e enunciar-se assim: supondo que a fiscalização da constitucionalidade das leis cabe aos tribunais comuns, a qual destes, em função da respectiva hierarquia, deve competir? A todo e qualquer tribunal, ou apenas àquele que nessa hierarquia ocupa a posição superior?
Trata-se de um problema de competência em razão da hierarquia.
Todas estas questões, que podem enxertar-se na matéria da constitucionalidade das leis, têm uma clara autonomia, quer no plano conceitual, quer no prático, facilitando a sua enunciação a compreensão de determinados aspectos da parte do projecto agora em apreciação.
Consoante é sabido, o regime constitucional vigente pode, sob determinado aspecto, sintetizar-se nos seguintes termos:
1.º A inconstitucionalidade material, isto é, o vício das leis que contradizem com o que estatuem a doutrina da Constituição, pode ser apreciada - e deve até sê-lo ex offício - por todos os tribunais;
2.º Idêntico regime se aplica à inconstitucionalidade orgânica ou formal dos diplomas não promulgados pelo Chefe do Estado (decretos assinados, portarias, diplomas legislativos, etc);
3.º A inconstitucionalidade orgânica ou formal dos diplomas promulgados pelo Chefe do Estado apenas pela Assembleia Nacional pode ser apreciada.
É precisamente neste último aspecto que se insere a proposta que consta do projecto que apresentei e cujo conteúdo consiste em diferir para os tribunais o conhecimento da inconstitucionalidade orgânica ou formal mesmo de diplomas promulgados pelo Chefe do Estado, quando essa inconstitucionalidade resulte da infracção do disposto no artigo 93.º e § único da Constituição.
A alteração reduz-se, portanto, a subtrair esta hipótese à excepção consagrada no § único do artigo 123.º, reconduzindo-a à regra formulada no corpo do mesmo preceito, no sentido de que são os tribunais quem conhece da inconstitucionalidade.
Sendo assim, logo se vê que, de entre os vários problemas que comecei por enunciar conexos com a inconstitucionalidade das leis, a alteração que proponho apenas põe em causa e implica com o de saber se a inconstitucionalidade deve ser apreciada por um órgão de natureza política ou jurisdicional.
A posição que a este respeito deve ser adoptada não pode, por isso, deixar de ter naturais reflexos na atitude a adoptar perante a proposta.
Qualquer das soluções apontados - atribuição da competência para apreciar a constitucionalidade das leis a órgão político e atribuição dessa mesma competência a órgão jurisdicional - tem as suas vantagens e os seus inconvenientes. Assim se explicam as hesitações que não raro se notam quando se trata de tomar posição sobre o problema.
Pode, porém, afirmar-se que a tendência mais generalizada é no sentido de confiar o conhecimento da constitucionalidade das leis a órgãos jurisdicionais
Para esta orientação, que como regra foi acolhida na nossa Constituição, me sinto inclinado.
É antes de mais a solução natural e mais lógica. Na verdade, verificar se determinada lei é ou não conforme à Constituição envolve fundamentalmente um problema jurídico, cuja resolução, por conseguinte, deve ser confiada a juizes.
Contra isto tem-se dito que, se o objecto do problema é realmente jurídico, a verdade é que os efeitos que a ele andam associados têm nítido carácter político, extraindo-se daí argumento no sentido de confiar a respectiva apreciação a órgãos políticos.
Afigura-se-me, no entanto, que a circunstância de os problemas relacionados com a constitucionalidade das leis terem fortes nuances políticas constitui, precisamente ao contrário do que se tem pretendido, mais uma razão para entregar o sen conhecimento aos tribunais.
Na verdade, entregá-lo a um órgão de natureza política, directamente interessado nos efeitos da solução a adoptar e, portanto, explicàvelmente deformado em certo sentido, não pode deixar de conduzir a uma apreciação despida de objectividade e isenção, em termos de se cair não em soluções correctas, harmónicas com os princípios e portanto prestigiantes, mas sim em «arranjos» mais ou menos equívocos em que ninguém acredita e que, por isso mesmo, acabam por redundar em prejuízo de tudo e de todos.
De modo diverso se passarão as coisas se a matéria da inconstitucionalidade for confiada a juizes, independentes e cuja formação e radicados hábitos de espirito incitam à imparcialidade, homens de formação jurídica, que se limitarão, como se impõe, a verificar a conformidade ou desconformidade das leis com a Constituição.
Tenho, pois, para mim como melhor, no campo dos princípios, o ponto de vista segundo o qual devem ser
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os tribunais a fazer a fiscalização da constitucionalidade das leis.
E, sendo assim, justificada fica a proposta que está em discussão.
Algumas objecções opõe, no entanto, o parecer da Câmara Corporativa a tal proposta.
A inconstitucionalidade orgânica ou formal - diz-se no parecer - não tem, ou pretende-se que não tenha, relevância no domínio dos direitos e interesses dos cidadãos, tendo antes um alcance meramente político, que implica com as funções e prestigio da Assembleia. Sendo assim, não se justifica que os cidadãos disponham da arma contenciosa em que se cifraria a possibilidade de invocar a inconstitucionalidade formal, estando antes indicado que seja apenas a Assembleia quem possa apreciar infracções constitucionais que fundamentalmente a ela atingem.
Supondo que as coisas eram assim, a verdade é que subsiste de pé o argumento há pouco desenvolvido no sentido de vincar que devem ser os tribunais, como órgãos isentos de prejuízos políticos e independentes, quem deve conhecer das questões sobre constitucionalidade das leis. A tese sustentada no parecer implica ser a Assembleia, porventura ferida no sen prestigio, juiz em causa própria, o que de modo algum constitui garantia - muito pelo contrário - de isenção e imparcialidade nos julgamentos.
Tanto bastaria, segundo creio, para a condenar.
Depois, não se me afigura exacta a afirmação de que as infracções ao artigo 93.º da Constituição não têm relevância nos interesses dos cidadãos.
Por um lado, a estes nunca pode deixar de interessar o equilibrado funcionamento e coordenação eficiente dos órgãos da soberania, não pode deixar de interessar a consistência da estrutura política em que vivem, nem o respeito da respectiva lei fundamental.
Por outro lado, a verdade é que o conteúdo de uma lei pode ser diferente - e até muito diferente -, consoante o órgão da soberania de que dimane, e quanto a esse conteúdo não há dúvida de que tem relevo no âmbito dos interesses dos cidadãos. Quer dizer, ainda que o vício da inconstitucionalidade formal quando olhado em si mesmo não tivesse, como se pretende, reflexos nos interesses dos cidadãos, o certo é que pode tê-los indirectamente, e isto na medida em que a lei afectada de tal vicio seria - ou poderia ser - diferente se emanasse do órgão competente.
Acresce que, pelo menos em parte, a razão de ser da reserva de certas matarias reputadas mais importantes para a competência legislativa exclusiva da Assembleia deve residir precisamente na circunstância de se lhes assegurar um regime jurídico, porventura, diferente daquele que o chamado executivo, solicitado por motivos de conveniência ou comodidade, poderia ser tentado a gizar para as mesmas matérias.
Aliás, se devesse raciocinar-se à base da ideia de que as soluções jurídicas sempre são as mesmas, seja qual for o órgão de que provenham, nenhum alcance ou significado atendível teria a preocupação de fazer destrinças de competência quanto ao exercício da função legislativa. Porque tais destrinças se ao fim e ao cabo as leis sempre seriam iguais?
Portanto, e em resumo, a inconstitucionalidade formal pode ter, ao contrário do que no parecer se diz, reflexos de relevo nos interesses dos cidadãos.
Por outro lado, segundo o parecer, a modificação que proponho ao § único do artigo 123.º e que agora se discute já poderia compreender-se se o conhecimento da inconstitucionalidade formal coubesse apenas a um alto tribunal, e não indiscriminadamente a todo e qualquer tribunal perante o qual o problema seja suscitado.
Esta observação mostra que, afinal, o parecer está muito mais próximo da posição que defendo do que à primeira vista poderia julgar-se.
Vejamos:
A alteração que proponho seja feita ao § único do artigo 123.º apenas interfere e implica com o problema de saber se a fiscalização da inconstitucionalidade formal deve competir a um órgão político on a um órgão jurisdicional, orientando-se no sentido de submeter aos tribunais casos dessa espécie de inconstitucionalidade que actualmente são conhecidos pela Assembleia.
Designadamente, essa alteração não toca naqueloutro problema que enunciei e que se cifra em saber a qual tribunal, em função da respectiva hierarquia, deve caber a fiscalização da inconstitucionalidade.
Quer dizer, a sugerida modificação nada inova no que respeita à questão da competência em razão da hierarquia em matéria de inconstitucionalidade.
Sob este aspecto, limitando-se a subtrair certos casos de inconstitucionalidade - os resultantes da infracção do artigo 93.º da Constituição - à disciplina do § único do artigo 133.º e a reconduzi-los no regime do corpo deste artigo, redunda a modificação em causa em submeter esses casos, no que diz respeito ao problema da competência em razão da hierarquia, à solução actualmente vigente e que desse artigo 123.º deve extrair-se.
Ora, segundo a orientação que se me afigura ser melhor, o texto do artigo 123.º não exclui o sistema de centralizar a competência para o julgamento da inconstitucionalidade num tribunal supremo.
E, sendo assim, cumpre concluir que a aprovação da modificação que sugiro não impede que venha a consagrar-se a solução de atribuir a competência para conhecer da inconstitucionalidade a um alto tribunal, não impede, por conseguinte, que tal modificação venha a ser desenvolvida no sentido que o parecer já considera mais aceitável.
Em face do exposto, creio que não convencem as as razões no parecer aduzidas contra a posição que defendo.
Anotarei ainda que há uma razão a invocar em abono do artigo 4.º do projecto que profundamente me impressionou.
Trata-se de uma razão de ordem prática, a qual se cifra na constatação de que a fiscalização da inconstitucionalidade por órgãos políticos, comuns ou especiais, se tem revelado quase sistematicamente ineficaz. Constitui isto um incontestável dado não só da nossa experiência constitucional, mas também da de outros poises.
Por este motivo, e porque foi meu desejo rodear das necessárias garantias de efectivação prática as demais soluções que propus, entendi que devia propor também a alteração que agora se discute, e que se me afigura constituir uma dessas garantias.
Assim, segundo creio, esta alteração é essencial e básica na economia do projecto, apresenta-se-me como o natural complemento das ideias que o dominam e uma das pedras de toque da respectiva relevância prática.
Reputo, por isso, fundamental a sua aprovação.
Feitas as considerações que acabo de desenvolver, mais nada em rigor precisaria, pelo menos para já, de acrescentar.
Permito-me, no entanto, chamar a atenção de V. Exa. para um outro ponto. Se bem se reparar, o parecer para se pronunciar simultaneamente contra a alteração que proponho seja feita ao § único do artigo 123.º e contra a que o nosso colega Sr. Dr. Afonso Pinto propôs fôsse introduzida no corpo do mesmo preceito teve de mover-se em panos de fundo integrados por ideias que se afiguram por vezes quase contraditórias, ou pelo menos dificilmente harmonizáveis.
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Foco este aspecto apenas porque do que no parecer se diz sobre o projecto do Sr. Dr. Afonso Pinto se podem extrair curiosos argumentos em abono do meu ponto de vista.
Não vou, no entanto, fazer agora uma análise pormenorizada do que no parecer se diz sobre este ponto.
Observarei apenas:
1.º Que a fl. 713 do parecer se admite como solução que nesta matéria se poderia compreender a de existir um tribunal de garantias constitucionais ou a de atribuir a competência para fiscalizar a constitucionalidade das leis a uma alta instância judiciária e que a fls. 724 e 725 se defende o principio de manter dispersa essa competência por todos os tribunais;
2.º Que a fl. 713 se considera inadmissível - é a expressão usada - que todos os tribunais de todas as instâncias e de qualquer natureza tenham competência para conhecer da inconstitucionalidade das lei e a fl. 725 afirma-se ser inconveniente a solução de admitir que seja praticamente uma única instancia a decidir da aplicação ou não aplicação de determinada norma arguida de inconstitucional;
3.º Que a fl. 713 se argumenta contra a minha proposta com a incerteza e insegurança jurídica que resultariam de facto de serem todos os tribunais a conhecer da constitucionalidade das leis e a fl. 725 afirma-se que não parece ser necessário assegurar na matéria da inconstitucionalidade um grau de uniformidade jurisprudêncial que transcenda o que se julga suficiente quanto à generalidade dos pontos de direito controvertidos nos tribunais e que não é de deplorar que a uniformidade possível de julgados só venha a conseguir-se pela via dos recursos e, de qualquer modo, também pela lógica formação de correntes jurisprudênciais.
Entre estas divergentes afirmações do parecer interpõem-se apenas cerca de doze páginas.
Queiram VV. Exas. fazer o favor de procurar entender «isto».
Pela minha parte, prefiro não tentar ensaiar hipóteses explicativas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: como a Assembleia não é constituída só por juristas, talvez valha a pena pôr com nitidez a questão que se debate.
Segundo o nosso sistema constitucional, os tribunais, quaisquer tribunais, podem conhecer, como está consagrado, do que se chama inconstitucionalidade material ou de fundo.
Para dar uma ideia, a todos acessível, do que isto quer significar direi: quando se trate de uma disposição ou de um conjunto de disposições que ofendem um preceito constitucional, quer tais disposições estejam contidas num decreto-lei, quer numa lei, trata-se de inconstitucionalidade de fundo ou material. Assim, buscando um exemplo ao acaso, segundo o texto constitucional, não é permitido o confisco de bens. Se numa lei ou num decreto-lei se estabelecer que em certa hipótese é permitido o confisco, esta lei ou decreto-lei é inconstitucional, porque estabelece um princípio contrário a outro que está contido na Constituição e que respeita ao regime jurídico de fundo de uma relação jurídica.
Portanto, uma tal disposição, ou esteja contida num decreto-lei, ou esteja contida numa lei, é inconstitucional. Ou esteja contida num diploma emanado da Assembleia ou esteja contida num diploma emanado do Governo, é inconstitucional, e os tribunais, quaisquer tribunais, podem conhecer, e devem conhecer, desta inconstitucionalidade. Só desta inconstitucionalidade, nos termos da disposição vigente, os tribunais podem conhecer. Não podem conhecer da inconstitucional formal ou orgânica. Isto é, não podem conhecer da inconstitucionalidade que resulta de se não ter seguido na emanação da lei o processo constitucional que deveria seguir-se, ou de a lei que, por hipótese, só podia ser expedida por um órgão constitucional ter sido expedida por outro órgão constitucional.
Não se trata, portanto, de disposição ou de um conjunto de disposições cuja aplicação conduza a uma solução contrária à admitida na Constituição, a uma solução contrária aos princípios nesta estabelecidos.
Trata-se de uma disposição ou de um conjunto de disposições que - por hipótese e para não complicar - tem a sua fonte num órgão que constitucionalmente não era competente para a emanar ou expedir. A solução estabelecida - suponhamos que o diploma é do Governo - se estivesse contida numa lei formal ou fosse expedida pela Assembleia era constitucionalmente correcta. A solução, portanto, se se admitir a possibilidade da arguição da inconstitucionalidade formal, só não é aceitável porque em vez de provir do órgão. A proveio do órgão B. Pelo nosso sistema constitucional vigente a possibilidade de conhecer da inconstitucionalidade formal ou orgânica dos diplomas promulgados pelo Presidente da República não é admitida.
Como VV. Exas. não ignoram, há outros diplomas nos quais frequentemente aparecem disposições de carácter normativo. Estamos habituados a vê-las em portarias e mesmo em despachos. Mas estas portarias e estos despachos não são promulgados pelo Presidente da República e, portanto essas normas podem ser atacadas de formalmente inconstitucionais ou ilegais. Quer isto dizer que as normas contidas num despacho ou numa portaria não prendem os tribunais. O tribunal fica livre para interpretar a legislação por maneira a concluir que aquela portaria ou aquele despacho são ilegais.
Vê-se, assim, que o que está em causa, quando se invoca a inconstitucionalidade formal ou orgânica, não é a correcção constitucional da solução de fundo de uma relação jurídica; é - para não confundir refiro-me só à inconstitucionalidade orgânica - um conflito de - competência entre o órgão A e o órgão B ou, restringindo, entre a Assembleia Nacional e o Governo.
A solução do Sr. Deputado Carlos Lima é de que os tribunais devem, poder conhecer da inconstitucionalidade orgânica quando se trate de matérias da exclusiva competência da Assembleia. Se se aceita o principio, não se vê porque só destas. Como se disse, do que se trata é de resolver um conflito de competência. Hoje esse conflito só pode ser resolvido pela Assembleia; segundo a proposta de alteração poderia também ser resolvido pelos tribunais.
Deve aceitar-se tal solução? Creio que não. O contrário seria admitir que os tribunais resolvam uma questão prévia de carácter eminentemente político antes de resolver a questão de fundo. E não me parece que deva atribuir-se aos tribunais uma tal competência.
São estas, Sr. Presidente, as razões que me julguei obrigado a produzir no sentido de não dever ser aceite a alteração proposta pelo Sr. Deputado Carlos Lima.
Tenho dito.
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O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: desenvolvendo as considerações que já fiz, vou, antes de mais, pôr o problema agora em discussão em função da gravidade das implicações que a respectiva solução pode comportar.
Deslocada a questão para tal plano, parece-me oportuno observar que, se raciocinarmos à base de uma hipótese do estilo daquela que o Sr. Deputado Mário de Figueiredo formulou para dela tirar argumento contra a inclusão da matéria de impostos no artigo 93.º, cumpre concluir que a manutenção do § único do artigo 123.º tal como está redigido pode conduzir a situações em que o Governo fique paralisado e dominado pela Assembleia.
Na verdade, se é a esta que compete conhecer da inconstitucionalidade formal, fica-lhe aberta a possibilidade de vir a considerar, com ou sem razão, sistemàticamente inconstitucionais os decretos-leis publicados pelo Governo, em termos de, através de um indevido uso da referida competência constitucional, neutralizar e paralisar os poderes legislativos do Governo e, consequentemente, a respectiva acção.
E esta, repito, uma observação construída em termos semelhantes aos daquela que o Sr. Deputado Mário de Figueiredo trouxe ao debate a propósito da inclusão dos impostos no artigo 93.º
Há, no entanto, mais.
Entendo que S. Exa. pôs as coisas no seu exacto pé na medida em que afirmou cifrar-se o problema que a proposta em discussão visa resolver num conflito jurídico entre a Assembleia e o Governo.
Ora, por um lado, precisamente porque se trata de um conflito entre duas entidades, é que a mim me repugna que seja uma delas, funcionando como juiz em cansa própria, a resolvê-lo.
For outro lado, tratando-se de um conflito que se reconhece ter carácter jurídico, parece-me indicado que a respectiva resolução seja confiada aos órgãos especializados em questões de natureza jurídica, isto é, aos tribunais, e não a esta Assembleia.
Acentuou também o Sr. Deputado Mário de Figueiredo que a inconstitucionalidade formal ou orgânica apenas implica com problemas de forma, pelo que não tem a importância e gravidade da inconstitucionalidade material, na qual são postos em causa os próprios princípios de fundo da Constituição.
Sendo assim, acrescenta-se, não faz sentido que qualquer tribunal dela possa conhecer.
Todavia, como já anotei, as questões de forma envolvidas pela inconstitucionalidade formal podem redundar, sob determinado aspecto, em verdadeiras questões de fundo, sendo certo designadamente, como é, que o conteúdo de uma lei pode ser, completamente diferente consoante o órgão de soberania de que emane.
Finalmente, quero insistir era que a nossa experiência constitucional, como aliás também a dos demais países, é no sentido da ineficácia da fiscalização da constitucionalidade das leis quando realizada por órgãos políticos.
Não posso asseverá-lo com segurança, mas tenho ideia que ainda há poucos anos foi reorganizado determinado tribunal através de um decreto-lei, isto é, com flagrante desrespeito do disposto no artigo 93.º da Constituição.
Ora, o objectivo da proposta que se discute é claramente o de criar a possibilidade de sanção eficaz para os casos de violação desse artigo 93.º, por modo a que não seja na prática esvaziado de conteúdo, mas sim verdadeiramente respeitado.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se o artigo 4.º do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima, pelo qual se propõe alterar o § único do artigo 123.º da Constituição.
Há aqui uma referência ao § único do artigo 93.º, que foi declarada prejudicada ao votar-se o projecto do Sr. Deputado Carlos Lima relativo à alínea f).
Submetido à votação, foi rejeitado.
O Sr Presidente: - Está concluída a discussão e votação do projecto de lei de revisão constitucional apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Lima.
Segue-se a apreciação na especialidade do projecto do Sr. Deputado Duarte do Amaral. Mas alguns dos artigos desse projecto estão prejudicados pelas votações que se fizeram durante a discussão da proposta de lei.
Quando foi discutido o artigo 12.º da proposta de lei, que tratava também do artigo 84.º da Constituição, o Sr. Deputado Duarte do Amaral foi autorizado a retirar o artigo 1.º do sen projecto, e, portanto, este artigo já não tem lugar a ser discutido agora.
O artigo 2.º do mesmo projecto, visando a alterar o § 3.º do artigo 95.º da Constituição, foi prejudicado com a votação feita do artigo 14.º da proposta de lei do Governo.
Portanto, ponho agora à discussão o artigo 3.º do projecto do Sr. Deputado Duarte do Amaral, que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
ARTIGO 3.º
O artigo 96.º é substituído pelo seguinte:
Art. 96.º Os Deputados podem:
1.º Formular, por escrito, perguntas, para esclarecimento da opinião pública, sobre quaisquer actos do Governo ou da Administração;
2.º Independentemente do funcionamento efectivo da Assembleia Nacional, ouvir, consultar ou solicitar informações de qualquer corporação ou estação oficial acerca de assuntos de administração pública; as estações oficiais, porém, não podem responder sem prévia autorização do respectivo Ministro.
§ único. Em ambos os casos previstos nos n.ºs 1.º e 2.º só é lícito recusar a resposta com fundamento em segredo de Estado».
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Duarte do Amaral: - Sr. Presidente: a generosidade de V. Exa., permitindo que durante a discussão na generalidade eu mo alargasse em considerações sobre o meu projecto de lei, dispensa-me de ocupar agora mais tempo à Câmara, pois entendo, quanto a mim, que os assuntos estão já devidamente esclarecidos para votação.
O Sr Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai proceder-se à votação do artigo 3.º do projecto de lei do Sr. Deputado Duarte do Amaral.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à discussão o artigo 4.º do mesmo projecto, que vai ser lido.
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Foi lido. É o seguinte:
«ARTIGO 4.º
São acrescentados ao corpo do artigo 97.º os parágrafos seguintes:
§ 1.º As alterações sugeridas nas conclusões dos pareceres da Câmara Corporativa enviados à Assembleia Nacional serão consideradas propostas de eliminação, substituição ou emenda, conforme os casos, para efeitos de discussão e votação dos projectos ou propostas de lei, independentemente de outra iniciativa.
§ 2.º (O actual § único)».
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente a solução que aqui é sugerida já numa revisão constitucional anterior o fora pela Câmara Corporativa e a Assembleia Nacional rejeitou-a então. Também foi rejeitada agora pela Comissão de Legislação e Redacção e pela Comissão de Política e Administração Geral e Local. Entendo que, realmente, não deve ser admitida.
Em que consiste?
No seguinte: em as sugestões da Câmara Corporativa deverem ser consideradas propostas de alteração na discussão dos diplomas submetidos à votação da Assembleia. Quer dizer, ao fim e ao cabo trata-se da atribuição de iniciativa à Câmara Corporativa para apresentar propostas de alteração.
Não me parece que, realmente, deva atribuir-se à Câmara Corporativa essa iniciativa, tanto mais quanto é certo que qualquer Deputado pode perfilhar as suas sugestões e, em consequência, fazer com que sejam submetidas à votação desta Câmara.
Se nenhum Deputado o fez é porque, realmente, a nenhum Deputado interessou a sugestão, o que quer dizer que ela seria submetida à votação, evidentemente, para ser rejeitada, visto que a nenhum Deputado interessou.
É desagradável realmente que se admita uma solução de atribuição de iniciativa à Camará Corporativa para vir a verificar-se que essa iniciativa é absolutamente inoperante.
Uma coisa é uma votação ostensiva, outra coisa é o conhecimento de certa sugestão sem que a Camará sobre ela se pronuncie. Podia até ser interpretada a votação ostensiva como uma afirmação de menos consideração pela Câmara Corporativa, que não temos nenhum motivo para fazer.
Entendo, portanto, que este artigo 4.º do projecto do Sr. Deputado Duarte do Amaral não deve ser aprovado.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado pediu a palavra, vai votar-se o artigo 4.º do projecto do Sr. Deputado Duarte do Amaral.
Submetido à votação, foi rejeitado.
O Sr. Presidente: - Vou pôr agora em discussão o artigo 5.º do mesmo projecto de lei, que vai ler-se.
Foi lido. É o seguinte:
«ARTIGO 5.º
É adicionada uma nova alínea ao artigo 101.º, com a seguinte redacção:
c) As condições da formulação das perguntas previstas no n.º 1.º do artigo 96.º».
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi rejeitado.
O Sr Presidente: - Está concluída a discussão e votação do projecto de lei do Sr. Deputado Duarte do Amaral.
Vamos prosseguir nos nossos trabalhos com a discussão na especialidade do projecto do Sr. Deputado Homem de Melo, que no seu artigo 1.º preconiza a substituição do corpo do artigo 85.º da Constituição. Como este artigo 1.º foi rejeitado ao votar-se o texto do artigo 13.º da proposta de lei, que dava nova redacção ao corpo do referido artigo 85.º, não há que discutir o assunto.
Vamos ocupar-nos agora do artigo 2.º do mesmo projecto de lei.
Vai ler-se.
Foi lido. É o seguinte:
«ARTIGO 2.º
O § 3.º do artigo 89.º é substituído pelo seguinte:
§ 3.º O direito a que se refere a alínea e) subsiste apenas durante o exercício efectivo das funções legislativas, e as deliberações a que se referem as alíneas b) e d) serão substituídas, fora do exercício efectivo das funções legislativas, pela autorização ou decisão do Presidente».
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - A questão posta no artigo em discussão é a seguinte, as alíneas b) e d) do artigo 89.º estabelecem:
Leu.
O que é que se pretende com a proposta de alteração? Que estas regalias ou imunidades, que, segundo o § 3.º, subsistem apenas durante o exercício efectivo das funções legislativas, se mantenham fora desse período.
Esta é a ideia fundamental que ai está contida. Suponho que não se justifica, porque a razão da imunidade durante o funcionamento electivo é evitar que o Deputado seja posto em condições de não poder exercer efectivamente o mandato que lhe foi conferido. Se assim é, a imunidade deve prevalecer apenas durante o período em que o Deputado está a exercer esse mandato. Senão, tratar-se-ia de uma imunidade que não tinha como fundamento o exercício do mandato do Deputado durante o funcionamento efectivo da Assembleia, mas a protecção pessoal dele.
Isto não me parece de admitir.
Portanto, a disposição em causa não deve ser aprovada e a solução vigente deve manter-se.
Tenho dito.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: em princípio, parece-me justificado o fundamento do voto do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, mas é encarando-o apenas sob o aspecto objectivo do impedimento material para exercer determinada função. Mas esta disposição tem também por fim o prestígio da instituição e o da função de Deputado; não apenas prever se o Deputado pode ou não ser jurado ou testemunha sem prejuízo do exercício da sua função. E se entendermos que esta regalia de que gozam é realmente também destinada a dar, não privilégio, mas prestígio à função que exercem e à instituição que representam, entendo justificada a
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alteração proposta pelo Sr. Deputado Homem de Melo quanto a alínea b).
Quanto à alínea d), o assunto parece-me realmente mais grave e pode, porventura, afectar a acção da justiça. Havendo um longo período de duração do interregno, convém não sacrificar a actividade da justiça ao facto de gozarmos desta regalia a titulo permanente.
Assim, aprovo, do projecto do Sr. Deputado Homem de Melo, a referência às alíneas b) e c) e rejeito a relativa à alínea d).
Tenho dito.
O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: quero apenas fazer um breve apontamento às considerações do Sr. Deputado Cancella de Abreu.
Não me parece que o facto de um Sr. Deputado, fora do exercício da função legislativa, poder ser perito ou testemunha brigue com a dignidade pessoal ou da função de Deputado. Os próprios Ministros o podem ser, e nada disso prejudica o prestigio pessoal do Ministro ou a dignidade da função.
Para que precisa o Deputado da isenção de ser testemunha fora do período do funcionamento efectivo da Assembleia? Não vejo que isso acrescente nada ao prestigio da função ou ao do Deputado. Como disse o Sr. Prof. Mário de Figueiredo, esta garantia existe para assegurar o perfeito funcionamento da Assembleia e não para gozo pessoal do Deputado. Acho, por isso, que se deve manter o preceito constitucional.
Tenho dito.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para dizer que realmente me parecem mais ou menos procedentes todas as razões invocadas pelos Srs. Deputados Mário de Figueiredo, Soares da Fonseca e Cancella de Abreu, se nos colocarmos nos respectivos pontos de vista.
Històricamente, e o parecer da Câmara Corporativa cita o Prof. Marneco e Sonsa, esta situação não tom sido uma situação de regalia, mas antes relacionada com os trabalhos normais da Assembleia. Mas, se se quisesse erigir em regalia, não me repugnava nada.
Apenas queria frisar um facto: as regalias dos Srs. Deputados andam pouco precisadas no nosso país ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - e isto resulta de todo um conjunto de circunstâncias que conhecemos, entre as quais quero citar o caso do artigo 361.º do Código de Processo Civil, que atribui a certas entidades o privilégio de serem ouvidas em casa, privilégio de que os Deputados não gozam.
Queria realçar que, se a Assembleia resolver votar o projecto do Sr. Deputado Homem de Melo, não é nada de escandaloso, porque nós não trabalhamos para nós próprios, mas sim para o prestígio de uma instituição que deve ser a todos os títulos assegurado.
Tenho dito.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Realmente, era matéria de imunidades e de regalias, reconheço de boa vontade que havia muito a considerar e modificar na Constituição. Os problemas têm sido postos, mas não a respeito destas.
Nada justificaria que, a tocar-se no capitulo imunidades e regalias, se tocasse só nestas. Na verdade, devia tocar-se noutras, e o problema tem sido considerado. Só se não tem tocado nessas regalias para não dar a impressão pública de que são os próprios Deputados que estão a alargar as suas regalias e a reduzir as restrições a que estão sujeitos. Podia parecer, pelo menos, deselegante.
Nesta matéria há disposições que só se justificam porque já vinham de trás e ... não eram cumpridas.
Não se justifica que hoje se mantenham nos termos em que se apresentam, pois até trazem dificuldades sérias ao funcionamento dos serviços em geral. As que se propõem, além de não terem nenhum interesse, não se justificam.
Tenho dito.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Ao menos, mantenha-se o que está, pois todos reconhecem que é pouco.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o artigo 2.º do projecto do Sr. Deputado Homem de Melo, que visa a substituir o § 3.º do artigo 89.º da Constituição.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se a votação.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: parecia-me solução mais conveniente fazer a votação separada em referência a cada alínea.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu sugeriu a votação por alíneas, mas devo dizer a S. Exa. que o artigo 2.º do projecto não tem alíneas. Faz, sim, referência a alíneas do parágrafo do artigo 89.º Ora, o que tenho de submeter à votação é o artigo 2.º do projecto, que não tem alíneas.
Portanto, vai votar-se o artigo 2.º do projecto do Sr. Deputado Homem de Melo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: o que o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu queria significar é que nesse parágrafo se faz referência a duas alíneas, podendo a posição da Camará ser diferente quanto a cada uma delas. Praticamente, o que o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu sugeria a V. Exa., Sr. Presidente, era que em relação a cada uma das alíneas, não do artigo 2.º, mas referidas no artigo 2.º, fosse feita a votação em separado. Era apenas este esclarecimento que eu pretendia dar.
O Sr. Presidente: - Devo dizer que tinha percebido muito bem isso. Eu disse que o artigo 2.º faz referência a alíneas, mas que não contém alíneas. É evidente que qualquer Sr. Deputado podia ter apresentado uma proposta para que a votação fosse feita em relação a cada uma das alíneas do § 3.º do artigo 89.º da Constituição, o que, no entanto, não sucedeu. Mas, como noto que há desejo de que a votação se faça separadamente, faço a vontade à Câmara.
Para condescender com a vontade da Assembleia, declaro que farei a votação por alíneas.
Vou, pois, submeter à votação o artigo 2.º, quanto à alínea e).
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas a alínea e) não está em discussão.
O Sr. Presidente: - O § 3.º do artigo 89.º da Constituição diz:
As imunidades e regalias estabelecidas nas alíneas b), d) e e) subsistem apenas durante o exercício efectivo das funções legislativas.
E a redacção proposta agora é esta:
O direito a que se refere a alínea e) subsiste apenas durante o exercício efectivo das funções
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legislativas e as deliberações a que se referem as alíneas b) e d) serão substituídas, fora do exercício efectivo das funções legislativas, pela autorização ou decisão do Presidente.
Portanto, parece-me mais claro que a Câmara se pronuncie neste sentido.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas isso da alínea e) já é matéria constitucional.
O Sr. Presidente: - Vou submeter à votação o artigo 2.º do projecto na parte referente à alínea b).
Submetido á votação, foi rejeitado.
O Sr. Presidente: - Vou agora pôr à votação o artigo 2.º do projecto na parte referente à alínea d).
Submetida à votação, foi rejeitado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima será na terça-feira, dia 7, tendo por ordem do dia a continuação da discussão na especialidade dos projectos de lei de alteração à Constituição Política.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
António Calheiros Lopes.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Coelho.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Carlos de Sá Alves.
Joio Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.
José Dias de Araújo Correia.
José Hermano Saraiva.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA