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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131

ANO DE 1959 8 DE JULHO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 131, EM 7 DE JULHO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinto Brandão, que se referiu a recente visita do Chefe do Estado a Aveiro, Costa Ramalho, sobre a restauração da Faculdade de Teologia de Coimbra, Camilo de Mendonça, para se congratular com a realização de uma série de melhoramentos na província de Trás-os-Montes, Urgel Horta, acerca de assuntos ligados a projectada extinção de uma fábrica de tabacos no Norte; Jorge Pereira Jardim, que felicitou o Governo pela pronta resolução da situação dos reformados da Beira Railways, e Ramiro Valadão, para chamar a atenção do Governo para a necessidade de serem revistas as condições de reforma dos jornalistas profissionais.

Ordem do dia. - Continuou o debate na generalidade sobre a proposta e projectos de lei de alteração à Constituição Política.
Usaram da palavra no decorrer da votação os Srs. Deputados Paulo Cancella de Abreu, Mário de Figueiredo, Afonso Pinto, José Saraiva, Carlos Moreira, Pinto de Mesquita, Franco Falcão, Agnelo do Rego, Melo e Castro, Abranches de Soveral, Vasques Tenreiro, Santos da Cunha, Nunes Barata, Cortês Pinto, Agostinho Gomes e Soares da Fonseca.
Foram discutidos o artigo 3.º do projecto do Sr. Deputado Homem do Melo, que foi rejeitado, bem como o artigo 6.º do mesmo projecto, igualmente rejeitado.
Seguidamente foi discutido e votado o projecto do Sr. Deputado Afonso Pinto, que foi rejeitado.
Passou-se depois à votação do projecto do Sr. Deputado Carlos Moreira e de uma proposta de substituição do Sr. Deputado Melo e Castro, que foram rejeitados, sendo a votação nominal.
A Assembleia aprovou uma moção, por maioria, subscrita pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo e outros Srs. Deputados.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 21 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Augusto Finto.
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.

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António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar,
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
J não Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Miguel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Orgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz

O Sr. Presidente: - Estão presentes 86 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Vários a apoiar a inclusão do nome de Deus na Constituição Política.
Do Grémio da Lavoura de Arraiolos a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Amaral Neto sobre o problema das lãs.
Da Câmara Municipal de Viana do Castelo a apoiar as considerações do Sr. Deputado João Valença em defesa dos interesses daquela cidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Pinho Brandão.

O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente, no dia 4 do corrente chegou a Aveiro, e aí se demorou até ontem, em visita oficial à cidade, S. Exa. o Sr. Almirante Américo Tomás, ilustre Chefe do Estado.
No Diário das Sessões desta Casa, não quero deixar de sublinhar, como Deputado pelo círculo de Aveiro, em breves palavras embora, o que foi esse notável acontecimento político.
É que todo o distrito de Aveiro, desde as classes sociais mais modestas às mais elevadas, acorreu à sua capital para saudar S. Exa. o Sr. Almirante Américo Tomás. E quando o ilustre Chefe do Estado transpôs a barra em navio de guerra e se dirigiu a Aveiro, a enorme massa de gente que estacionava entre a barra e a cidade sentiu bem profundamente que era o legítimo representante de uma nação de mais de oito séculos de história que ali estava, com todas as virtudes necessárias ao exercício da mais alta magistratura do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E quero afirmar aqui que a gente do distrito de Aveiro e, sobretudo, as populações da ria, durante o tempo em que S. Exa. o Sr. Presidente da República honrou a cidade de Aveiro com a sua presença, viveram horas do mais intenso júbilo, da mais franca e sincera alegria e do mais puro entusiasmo. E todos sentiram que o Sr. Almirante Américo Tomás, com a sua simplicidade e modéstia tão portuguesas, com a sua excepcional fidalguia e com o extraordinário sentido das suas elevadas responsabilidades, era verdadeiramente o Homem integrado na alta missão histórica da Nação Portuguesa, legítimo continuador dos grandes Chefes do Estado que fizeram grande esta nobre Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Foi S. Exa. de visita a Aveiro por ocasião em que se comemora o milenário da sua existência histórica e o bicentenário da sua elevação a cidade. Aveiro honrou-se sobremaneira com a visita do mais alto magistrado da Nação e recebeu-o, e à sua Ex.ma Senhora, com as mais vivas manifestações de simpatia.
Dignou-se S. Exa. presidir a inaugurações solenes e oficiais de vários melhoramentos públicos acabados de realizar.
Entre todos estes melhoramentos importa destacar, pela sua grandeza e profundos reflexos económicos em toda a região e até em todo o País, as obras exteriores do porto de Aveiro, cuja inauguração ficou a ser assinalada por um padrão levantado junto à praia da Barra.

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Quero, porém, vincar neste momento que a realização destas obras de tamanho vulto só foi possível com a governação de Salazar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Na verdade, Sr. Presidente, nunca o porto de Aveiro chegaria a atingir o seu actual desenvolvimento, com grave prejuízo para as populações ligadas à ria e até para o Pais, se não fora a política verdadeiramente nacional em que se tom empenhado o Sr. Presidente do Conselho.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Despenderam-se em tais obras muitas dezenas de milhares de contos, mas com isso determinou-se extraordinário desenvolvimento económico e elevou-se o uivei de vida das populações ribeirinhas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É esta, Sr. Presidente, a política que interessa ao Pais, e só tal não vê quem, perturbado por mesquinhas paixões, não consegue distinguir o verdadeiro interesse nacional, nem vislumbrar os autênticos factores do progresso e do desenvolvimento de um povo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ao prestar neste momento a homenagem do mais profundo respeito a S. Exa. o Sr. Presidente da República, quero afirmar também, como Deputado pelo circulo de Aveiro, os sentimentos da mais profunda gratidão de toda a população do distrito por S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho, pela obra governativa realizada sob a égide deste eminente estadista, na qual se integram as obras inauguradas em Aveiro no passado dia 5 do corrente.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Costa Ramalho: - Sr. Presidente: a Universidade de Coimbra nunca esqueceu a sua antiga Faculdade de Teologia, em má hora extinta, vai para quarenta e nove anos.
Repetidas vezes, em artigos e estudos de professores, em sessões inaugurais pela voz do seu reitor, e, ultimamente, a pedido unanime do conselho da Faculdade de Letras, com a unanime aprovação do Senado Universitário, a alma mater conimbrigensis vem reclamando, sem esmorecimento, a sua Faculdade de Teologia. O último pedido oficial, há porto do seis anos, não obteve até hoje qualquer resposta.
Em estudos que já deram glória no Mundo à Universidade de Coimbra, e ainda hoje continuam a dar, mas só por memória do passado, sempre que se fala dos Conimbricenses, a famosa plêiade de teólogos de outrora, em matérias que já conferiram lustre ao nome português, não temos hoje em Portugal nenhum centro de investigação universitário devidamente organizado. Faltam na Universidade os livros, as revistas, os mestres, os alunos, quer das matérias teológicas propriamente ditas, quer das disciplinas caldas no olvido entre nós, que a existência de uma Faculdade de Teologia faria reviver: as línguas orientais, a história das instituições eclesiásticos, a patrística, a própria história, enfim, do cristianismo.
A existência em Coimbra da Faculdade de Letras proporciona a base humanística indispensável à especialização teológica; por outro lado, a integração de uma escola de teologia no meio universitário conimbricense pode ser tão benéfica aos outros estudantes, de formação variada, como o convívio destes será decerto útil aos alunos teólogos.
Demais, as condições em que se verificou a extinção da Faculdade de Teologia, o conflito que mais de perto lhe antecedeu o fim, não é natural que possam repetir-se nos dias de hoje. E a própria acusação de decadência, feita por vezes à antiga escola teológica, como para justificar o seu desaparecimento, não é das mais convincentes, quando se pensa nos mestres teólogos que vieram a ser grandes professores dos Faculdades de Letras, em Coimbra e em Lisboa, e no papel meritório desempenhado pelos antigos alunos teólogos no renascimento cristão do Pais, depois dos desvios do século XIX.
Sr. Presidente: não deixarei de voltar mais tarde a este assunto e de tratá-lo mais em pormenor do que na ocasião actual, quando a estreiteza do tempo não permite que me alongue sobre tão importante matéria. Mas fique consignado aqui, perante a Assembleia Nacional e a opinião pública do Pois, que a Universidade de Coimbra reclama e reclamará a volta da sua Faculdade de Teologia.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: como previra, quando usei da palavra a propósito das facilidades fiscais concedidas pelo Decreto-Lei n.º 42 301, a electrificação de Trás-os-Montes acaba de sofrer um impulso decisivo. Nos próximos seis anos serão construídos cerca de 1000 km de ramais e linhas de alta tensão que permitirão servir um grande número de povoações e habitantes.
Tenho abusado da paciência de V. Exa., Sr. Presidente, e da Câmara falando, insistindo, repisando problemas e questões de que depende a electrificação e desenvolvimento económico da região transmontana. Sei bem que me excedi pela frequência e até pela irreverência. Hoje não enfadarei a Camará. Pretendo apenas agradecer com profunda emoção ao Sr. Ministro das Finanças que, com rapidez e decisão, deu pronta solução a uma das questões decisivas para a vida da pobre gente da minha região.
Pelo realismo, compreensão e carinho com que o Sr. Ministro das Finanças encarou e resolveu tão magno problema fica credor de profunda estima e vivo reconhecimento de todos os transmontanos.
Prestou S. Ex.ª mais um alto serviço ao Pais ajuntar, a tantos outros que ao longo da sua profícua, serena e firme actuação governativa vem realizando em favor do nosso desenvolvimento.
Hoje são os transmontanos que têm de agradecer-lhe, mas creio que outras regiões poderão breve vir a beneficiar igualmente se as companhias concessionárias cumprirem o seu dever e procederem como neste particular agiu a Chenop.
É um grande problema, de cuja resolução se começava a duvidar, que encontrou expressão capaz de lhe dar satisfação. A electrificação de Trás-os-Montes vai deixar de ser privilégio de algumas vilas e meia dúzia de aldeias, vai poder chegar a muitas terras e lares.
Ao Sr. Ministro das Finanças ficamos todos devedores desse alto serviço, que aqui pretendo fazer realçar, como merece, e agradecer vivamente com a expressão bem

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portuguesa e bem transmontana: bem haja, Sr. Ministro; bem haja!
Sr. Presidente: duas questões merecem também um agradecimento da nossa parte: a próxima instituição de uma escola agrícola em Mirandela, bem como a inclusão em planos da criação da escola industrial de Moncorvo e a aprovação, pelo Sr. Ministro das Obras Públicas, de um plano de obras a executar ainda este ano em Trás-os-Montes, num total de 17 200 contos, dos quais quase 2000 contos dizem respeito a obras não incluídas nos planos de viação rural.
Tanto a escola agrícola de Mirandela como a perspectiva da próxima criação da escola industrial de Moncorvo vêm preencher duas lacunas num meio em que a população tem necessidade de se valorizar profissionalmente e até agora estava praticamente impossibilitada de o fazer na generalidade.
O Transmontano não desiste do seu anseio de progredir, melhorar as suas condições de vida, valorizar o seu capital humano, chegar aos benefícios e comodidades do nosso tempo. Sente-se muitas vezes abandonado e incompreendido, mas persiste, teima, tirando de um solo pobre, num clima agreste, magro sustento para a população, que não sai em demanda de melhores terras ou condições devida; mas espera, mesmo quando podia ser levado a desesperar; mas aguarda a sua hora. É sempre que a vê chegar, ora aqui, ora ali, sabe ser grato, reconhece o beneficio recebido e ganha novos ânimos para continuar a esperar.
Sr. Presidente: cuido que a criação da escola agrícola de Mirandela e a futura instituição da escola industrial de Moncorvo trarão benefícios sob os mais diversos aspectos humanos e materiais.
Todos o reconhecem sem reticências e o agradecem sem rodeios.
Pois é esse agradecimento ao Sr. Ministro da Educação Nacional, que está abrindo novos horizontes neste, como noutros aspectos do nosso ensino, que desejo fazer aqui com a maior satisfação e fundada esperança no futuro.
Sr. Presidente: já foi trazido a esta Câmara o problema de um certo desemprego estacional em Trás-os-Montes, desemprego que a calamidade de pavorosas tempestades, que por tantos lados destruíram colheitas e danificaram propriedades, naturalmente há-de agravar.
Pois bem: com a sua habitual prontidão e oportunidade o Sr. Ministro das Obras Públicas, a quem Trás-os-Montes tanto deve já, acaba de aprovar um plano vultoso de obras a executar este ano que não deixarão de ter os mais benéficos efeitos, tanto no nível do emprego, como na atenuação de algumas consequências das temíveis trovoadas que atingiram os nossos campos, como ainda no desenvolvimento da região. Está assim de parabéns a população rural de Trás-os-Montes, que não deixa de agradecer aquilo que lhe fazem e mais o sente quando as medidas são prontas e oportunas. É o caso. Por isso desejo deixar aqui um sincero agradecimento ao Sr. Ministro das Obras Públicas e assegurar-lhe que os 9400 contos que pelo seu Ministério vão ser concedidos ao distrito de Bragança, especialmente para estradas municipais, além de abrirem perspectivas a muitas povoações e melhorarem as condições económicas de muitas outras, vão sobretudo assegurar o pão e o trabalho às populações rurais, bem carecidas. Assim se confere a maior segurança para o presente e se garantem melhores perspectivas para o futuro.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: vou concluir. Apenas usei da palavra para agradecer. Fi-lo com a mesma independência com que mais frequentemente a tenha usado para
criticar, mas fi-lo especialmente com maior satisfação, com verdadeira alegria e reconhecida gratidão. Deus queira que assim possa acontecer muitas vezes.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: ao iniciar as considerações que sou levado a fazer, quero chamar a esclarecida e autorizada atenção de V. Exa. para um comunicado dimanado da Companhia Portuguesa de Tabacos, que a imprensa de domingo publicou, comunicado demonstrativo de uma falta de respeito para com a Assembleia Nacional, muito especialmente para com um dos seus membros, Deputado pelo Porto, que nunca no exercício do seu mandato perdeu a noção do alto lugar que ocupa, procurando honrar e dignificar a missão que o trouxe a tão alto órgão da soberania nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nunca V. Exa., Sr. Presidente, teve motivo que o levasse a chamar à ordem um Deputado que, através de tudo, se tem conduzido de forma a merecer a consideração e a estima dos seus pares. E para V. Exa. poder aquilatar da verdade das afirmações que venho fazendo, passo a ler esse admirável comunicado, rico na clareza expressiva do seu conteúdo» como demonstração eloquente da intangibilidade a que certas empresas se arrogam, não querendo admitir critica às suas atitudes, crítica baseada sobre factos e acontecimentos que bem merecem ser discutidos neste lugar em defesa dos interesses da comunidade, que nada vale ou nada representa perante determinados potentados da nossa plutocracia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Passo, pois, à leitura do comunicado, afirmando, antes de mais, que o Sr. Deputado anónimo a quem a Companhia Portuguesa de Tabacos dirige os seus remoques sou eu, Srs. Deputados, que não enjeito responsabilidades nem acuso qualquer manifestação de aborrecimento perante toda a série de amabilidades com que a conhecida, generosa e portentosa Companhia pretende distinguir quem nunca precisou de lições indicativas do cumprimento do seu dever.
Diz o comunicado:

Apesar de elucidado sobre a inteira falta de responsabilidade directa da Companhia Portuguesa de Tabacos na resolução relativa ao encerramento da Fábrica Portuense de Tabacos, a realizar até 31 de Dezembro de 1962, e na consequente decisão do licenciamento, por escalões, do respectivo pessoal - actos que resultam de inequívocas disposições -, persiste um Sr. Deputado em atribuir à empresa a culpa de tais medidas, fazendo apelos ao Governo para que adopte providencias, que sabe estarem de há muito em estudo nas instâncias oficiais, tendentes a atenuar a situação em que ficará o pessoal da referida Fábrica quando o seu licenciamento começar.
Lamenta este conselho ver assim criado à Companhia um ambiente que ela está longe de merecer, pois mais do que ninguém desejaria não ter de dispensar um só dos seus servidores, e associa-se a todos quantos fazem votos por que o problema venha a encontrar a melhor e mais equilibrada solução.

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Na fidelidade extraordinariamente expressiva do conteúdo que encerra este comunicado tirará V. Ex.ª e a Gamara as conclusões, que definem em toda a sua extensão os sentimentos que certos plutocratas mantêm pelos direitos dos outros, neste caso pelos direitos que assistem a um Deputado, que, no pleno uso das suas funções, aprecia e defende interesses absolutamente legítimos de actividades que, no seu intenso labor, procuram dignamente satisfação das suas necessidades vitais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Sou eu, Sr. Presidente, esse Sr. Deputado anónimo, que muito se sente honrado pela atitude assumida na defesa que vem fazendo desses velhos operários, que na indústria tabaqueira consumiram grande porte da sua vida, a quem a generosidade da Companhia Portuguesa de Tabacos pretende humanamente, atirar para o desemprego forçado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado a quem a nota se refere, acusando-o de criador de um ambiente que a Companhia Portuguesa de Tabacos hoje lamenta, é um homem simples, não enfeudado a qualquer empresa, não tenda que defender interesses seus, vivendo exclusivamente da sua actividade profissional, contactando diariamente com o povo, o seu melhor conselheiro e amigo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-É alguém que não teme confrontos, inteiramente livre de compromissos! que aqui e lá fora, na vida social e política, tem merecido sempre o alto respeito de quantos o conhecem ou que com ele privam. É alguém a quem não entontece nem anestesia o fumo do tabaco, seja qual for o rótulo da empresa que o distribua.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-É, acima de tudo, um homem de espirito forte e ânimo resoluto, sem receios nem temores, que, dentro da verdade, sem artifícios de linguagem ou trocadilho de atitudes, conhece o caminho que trilha e defende com fé e com todo o entusiasmo da sua alma aqueles que julga vitimas de resoluções contrárias à boa aplicação da justiça social e humana, tantas vezes invocada e tantas outras contrariada.
É personalidade que, afirmando-se político na defesa dos princípios que professa, jamais procurou entrincheirar-se no campo da técnica, negando a política, como fizeram alguns, em período que não vai distante.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-É alguém que não deve nem teme, e que na defesa da verdade põe toda a sua energia - verdade contida no Evangelho, na pureza das suas virtudes, onde a caridade ocupa lugar cimeiro. Sou eu, Sr. Presidente, a quem a Companhia Portuguesa de Tabacos, na ânsia de elevar os seus créditos e minimizar a minha acção, demonstra o valor da relevância que esta acusa, gozando da inteira confiança que em mim depositam todos aqueles que necessitam, na sua humildade, da defesa da melhoria das suas condições de vida, da qual muitos se alheiam.
Sr. Presidente: perante a Assembleia Nacional tenho tratado em toda a sua verdade e em toda a sua amplitude o problema que envolve o despedimento dos operários da Fábrica Portuense de Tabacos e, consequentemente, a extinção desse estabelecimento fabril.
Estou inteiramente ao facto de tudo quanto se tem passado à volta dessa questão, que, a resolver-se como a Companhia Portuguesa de Tabacos pretende fazê-lo, acarretaria ao operariado que ali se emprega situação embaraçosa e grave para alguns milhares de criaturas, que vivem à custa do seu trabalho na indústria- tabaqueira.
Discordando sinceramente de tão injusta resolução, aqui a tenho combatido, demonstrando os prejuízos que acarreta e pedindo a quem de direito o possa fazer que não sejam aplicados ou aceites os moldes em que ela se pretende fazer, moldes definidos por uma determinação datada de 31 de Janeiro do ano corrente e a mim confirmada por carta que me foi enviada pela Companhia Portuguesa de Tabacos em 13 de Março, após nina intervenção parlamentar realizada a 11 do mesmo mês. A volta desta atitude tem girado a discordância que nesta tribuna venho expondo, defendendo soluções e princípios, baseados no respeito devido ao trabalhador que durante largos anos dedicou a sua actividade à indústria de tabacos e agora se v6 compelido a abandona-la, sem recursos a que possa recorrer no desempenho de outras funções de difícil adaptação.
É evidente que resoluções de que resulta um prejuízo total para algumas centenas de operários, que representam perto de 2000 seres humanos, dá causa à criação de um ambiente de certa hostilidade, não somente por parte dos que irão sofrer-lhe as consequências, mas também de quantos, dentro do aspecto social e humano de que o caso se reveste, tom o dever de discutir e contrariar essa resolução, pela violência que encerra e pelos malefícios que acarreta.
Não, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o ambiente que a Companhia Portuguesa de Tabacos sente não foi criado pela atitude persistente de um Sr. Deputado na defesa que vem fazendo de uma classe, inteiramente digna de instrumento de trabalho para ganhar o pão de cada dia, a quem a Companhia Portuguesa de Tabacos muito lamenta ter de dispensar dos seus serviços, esperando que outros façam aquilo que ela não quer fazer.
Só a sua atitude na intransigente defesa dos seus capitais, aliada a uma obstinada manifestação de caridade para com os seus servidores, «sentindo muito o ter de dispensar os serviços de empregados antigos que têm servido a Companhia com dedicação», como afirma na carta em meu poder de 13 de Março de 1959, podem justificar o ambiente que às minhas declarações quer atribuir.
E eu pergunto: o que se teria passado já se o meu protesto não rompesse essa cortina que escondia um acto de verdadeira indiferença pelos que nada mais pedem além da permissão de ganhar na oficina onde há tantos anos trabalham o pão para sustento dos seus?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Pertence a esse Sr. Deputado a satisfação de ter sido o estorvo causador de até hoje não haverem sido licenciadas muitas dezenas de operários, recebendo, «para além dos direitos que por lei lhes pertencem, o subsidio correspondente a mais de mês e meio de vencimentos no acto do seu despedimento». E depois ... a fome ...
Sr. Presidente: a quem pertence a responsabilidade da determinação de 31 de Janeiro que diz respeito ao licenciamento do pessoal, a iniciar no dia 1 de Abril próximo passado, quando a Fábrica Portuense de Tabacos só fecharia em 1962?
Não foi certamente o Governo que impôs à Companhia a prática imediata de semelhante deliberação, pois a Fá-

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brica só será encerrada em 1962, e até lá a Companhia, alem de outros benefícios, tem a sua receita aumentada no desconto que o Governo lhe concedeu no imposto ad valorem.
Porque não diz a Companhia, com toda a clareza, a quem pertence a responsabilidade directa da resolução relativa ao licenciamento do seu pessoal, afirmando, sem base para o fazer, que um Sr. Deputado se encontra elucidado sobre a sua inteira falta de responsabilidade?
Sr. Presidente: comunicados da natureza daquele que a Companhia Portuguesa de Tabacos subscreve não têm outra finalidade que não seja adensar o ambiente que uma obstinada acção vem desenvolvendo, males e razões que ditam uma explosão de insinuações, que repudio como Deputado da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Deve encontrar-se na avidez com que certas empresas defendem os seus interesses, sem atender ao clima ou à situação que gira à sua volta.
A Companhia Portuguesa de Tabacos porfiadamente lutou pela elevação dos preços de venda dos seus tabacos manufacturados, s manifesta certa indignação quando um Sr. Deputado, no pleno direito que a Constituição do sen pais lhe confere, luta para satisfação de interesses comuns. E nessa manifestação, como no caso presente, não primando pela elegância do sen dizer, só se pretende criar confusão à volta de quem não receia ataques envolvidos num véu transparente de subtilezas, já conhecidas e gastas.
E, porfiando, conseguiu a Companhia Portuguesa de Tabacos aumentar a sua receita liquida em quantia equivalente a 15:650.000$, a que há a juntar 1:910.000$, provenientes de 24,5 por cento do imposto ad valorem que paga, e não de 25 por cento, como paga A Tabaqueira. Mas estes aumentos de receitas e tudo quanto possa representar bons resultados em actos administrativos de gerência, que todas as empresas procuram no resultado dos seus exercícios, nada representa que deva merecer atenção para além daquela generosidade e daquela liberalidade que ela afirma, embora sofrendo com isso «certos prejuízos». Triste sinal dos tempos, em que nada representam afirmações baseadas num profundo sentimento de verdade, merecedoras da compreensão inerente ao valor que elas contêm.
Sr. Presidente: estou em absoluto convencimento de que este problema dará larga matéria para uma discussão, a que dei sempre feição construtiva, como em tantas outras, cujos resultados estão na linha de rumo de actividades desenvolvidas no ambiente da Assembleia Nacional.
A Companhia, em seus altos desígnios, escolheu a hora em que vai encerrar-se o mais notável órgão da soberania nacional para, através de um comunicado absolutamente infeliz, em que pouco ou nada esclarece situações, atingir os meus brios de homem e de Deputado, cujas afirmações e atitudes pairam muito acima desses comentários
Apoiados
Não me atemorizam esses comunicados tão apressadamente redigidos, onde tudo parece esquecer-se, desde as entrevistas realizadas no apartamento que ocupo quando me encontro em Lisboa, até às ansiosas atitudes de outros momentos, num sugestivo conteúdo de recalcados sentimentos dispares e na sugestão de um apaziguamento verbal conduzindo ao silêncio, sepulcro onde se enterram muitas aspirações legítimas.
O Sr. Deputado não era então um anónimo; não o foi e não será nunca, porque nunca demonstrou receio de
afirmar o que pensava e o que sentia. E, se alguma vez falhou, foi por haver acreditado naqueles que hoje tentam, por motivo que muito o honra, denegrir ou malsinar a sua acção.
E nesta tribuna esperamos pelo que se segue, e recomeçaremos, Sr. Presidente, na hora e no lugar próprios, que é ô que ocupamos, em defesa da grei, olhos postos nos princípios que outros esqueceram já.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Jorge Jardim: - Na sessão de 30 de Abril tive ensejo de me referir, solicitando a atenção do Governo, à situação dos funcionários que transitaram da Beira Railway para o Caminho de Ferro da Beira e cujos direitos de reforma, ao cabo de longos anos de dedicado e zeloso serviço, careciam de ser atendidos com urgência.
As palavras que proferi nesta Camará mereceram o melhor interesse dos Srs. Ministros do Ultramar e das Finanças, que prontamente se ocuparam da posição do problema e, dentro de um espirito de justiça a que quero prestar homenagem, dirigiram os seus melhores esforços para atender à justa reivindicação que neste lugar me permiti referir, transmitindo anseios de funcionários modestos que, há longo tempo, aguardavam decisão quo sã arrastava no emaranhado das formalidades burocráticas.
Recolhido o parecer favorável do Ministério das Finanças, pronto e decididamente prestado, o Sr. Ministro do Ultramar acaba de promulgar, no decurso da sua útil permanência em Moçambique, as providências legais que conduzem à imediata resolução do problema.
Congratulo-me por tão justa decisão e pelo espirito de justiça que a ela presidiu trazendo à família ferroviária da Beira, onde tão assinalados serviços têm sido prestados ao País, a certeza de que o Governo está atento aos seus problemas e sabe corresponder às preocupações que, fundamentadamente, em seu nome lhes são apresentadas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A muitos lares de modestos pioneiros da nossa acção em terras de Moçambique a decisão do Governo veio trazer o conforto do reconhecimento da justiça que lhes assistia e o amparo da concretização de direitos que lhes pertenciam, oferecendo ainda a outros a certeza de que o seu futuro será encarado com objectiva equidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tendo trazido aqui o eco de tão legítimos anseios, quero, neste ensejo, daqui igualmente testemunhar o agradecimento reconhecido que todos dirigem ao Governo pelas providências prontamente tomadas pelo Sr. Ministro do Ultramar, em intima colaboração com o Ministério das Finanças, e que constituem mais um motivo de estimulo para quantos dedicadamente servem nos quadros do Caminho de Ferro da Beira. Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ramiro Valadão: - Sr Presidente os problemas relativos às condições de vida profissional daqueles

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8 DE JULHO DE 1969 1153

que esgotam as suas energias na dolorosa e tantas vezes ingrato tarefa do jornalismo ameaçam tornar-se crónicos na medida em que, pelo menos os mata importantes, não conseguem ultrapassar a fase de um estudo que tão profundo deve ser que se perde em seus esconderijos abissais.
Ainda, não há muitos dias esse grande jornalista e diplomata que é o Dr. Augusto de Castro, com a fina ironia do sen espirito cintilante, escrevia no jornal que dirige, que «a empatocracía é antipolitica, podendo quase dizer-se que, no mundo actual, se tornou anti-humana pelas incontroláveis reacções que gera e prejuízos irremediáveis que pode criar. É preciso combatê-la onde quer que ela se aniche-para que a vida da Nação possa circular utilmente dentro da vida do Estado».
O caso dos jornalistas, designadamente o referente à sua reforma, cujos termos actuais em absoluto carecem de ser revistos, ó daqueles que exigem de quem comanda uma urgência que não se coaduna com as demoras mais do qne excessivos com que tem sido considerado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-O número reduzido dos jornalistas profissionais portugueses, as especialíssimas condições do seu trabalho e as especificas bases do sen viver -para não falar dos vastos recursos financeiros da sua Coisa de Previdência- aconselham uma solução que pode afastar-se de regras cujo geometrismo só pode ser compreensível para o mundo das grandes massas. Quero crer que os serviços terão compreendido esta necessidade e até julgo que mais altas entidades assim o entendem, mas o certo é que se não alteram os regulamentos e jornalistas há que atingem os setenta anos de vida e várias dezenas na profissão sem que possam reformar-se a não ser com quantias que não garantem a suo subsistência. A diferença imposta entre o ordenado recebido e a respectiva pensão de reforma seria ainda possível se a base sobre a anal são feitos os cálculos previstos pela legislação actual não pudesse ultrapassar os 3 contos mensais. Esta tem necessariamente de ser elevada para que justiça se preste aos esforçados trabalhadores da imprensa, humildes uns, ilustres outros, mas todos obreiros daquele papel impresso que todos os dias lemos como mensageiro das boas e das más novas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pedindo para a solução deste problema a urgente atenção do Governo bem medito na dedicada actividade dos jornalistas portugueses, meus camaradas nos angústias e ansiedades de quem nos jornais deixa, de mistura com a tinta, pingos do próprio sangue com o qual as vezes se escreve ás horas a que os outros dormem, sob a pressão do tempo, que inexoravelmente passa. Tempo que passa para que o jornal apanhe os comboios; tempo que passa a dobrar, pois a vida por ele assim só esvai ao ritmo de uma ampulheta esfacelante.
Bem merecem esses meus camaradas que o Governo lhes garanta aquilo que constitui seu indiscutível direito, renovando o que houver de renovar e, sobretudo, resolvendo com presteza, pelos departamentos competentes, o que já teve tempo para ser larga o profundamente estudado.
Consoante o actual presidente do Sindicato Nacional dos Jornalistas recordou, em cerimónia realizada por ocasião das comemorações do 25.º aniversário daquele organismo, «são já distantes os tempos em que a incerteza do trabalho e da sua remuneração; fixação de horários e de férias; regulamentação das condições de despedimento» eram grave preocupação dos jornalistas.
A Revolução Nacional deu a todos essas justas garantias e, porque as deu, é com as mais fundadas esperanças que nesta tribuna solicito ura novo e redobrado esforço de atenção para os problemas mais instantes de uma profissão a que tantos se honram de pertencer.
Outros problemas se põem relativamente aos jornalistas, mas não é esta a ocasião para os expor em pormenor. For hoje apenas pretendi referir o que se me afigurou essencial -pois até pode assumir aspectos pungentes- e acentuar a premência de situações perante as quais todos reagem de igual modo. E porque todos da mesmo maneira tom, efectivamente, de pensar, não será demais que actuem com urgência os que estão em condições de o fazer.
Aqui fica a minha lembrança; aqui registo o meu apelo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na especialidade o projecto de alteração constitucional da autoria do Sr. Deputado Manuel José Homem de Melo.
No último dia tínhamos rejeitado o artigo 2 º do mesmo projecto. Vamos passar agora à discussão do artigo 3 º, que respeita à alteração do artigo 93 º da Constituição.
Relacionado com este artigo há o artigo 1.º do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima, que visa igualmente à alteração do artigo 93 º da Constituição. Como a Camará rejeitou a alínea f) do projecto deste último Sr Deputado, temos de apreciar agora as alíneas g), h) e j). Vão ser lidas.
Foram lidas. São as seguintes

«g) O regime e a organização eleitorial que respeitarem à eleição do Chefe do Estado a dos membros da Assembleia Nacional;
h) A perda e aquisição da nacionalidade portuguesa;
j) A classificação dos crimes e delitos, bem como as penas que lhes são aplicáveis».
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como ninguém deseja usar da palavra, vai votar-se.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Requeira que estas alíneas sejam votadas separadamente.

O Sr. Presidente: - Está deferido o requerimento de V. Ex.»

Submetidas sucessivamente à votação, foram rejeitadas as alíneas g), h) e j) do artigo 3.º do projecto de lei do Sr. Deputado Homem de Melo.

O Sr Presidente: - Seguiam-se agora os artigos 4.º e 6.º Porém, já estão prejudicados pelas votações anteriores da Câmara, pelo que ponho agora à discussão o artigo 6.º do mesmo projecto do Sr. Deputado Homem de Melo, que vai ser lido.

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Foi lido. É o seguinte

ARTIGO 6 º

O n.º 1.º do artigo 150.º é substituído pelo seguinte:

Art. 150.º Os órgãos metropolitanos com atribuições legislativas para o ultramar são:
1.º A Assembleia Nacional, nos assuntos que devam constituir necessariamente matéria de liei, segundo o artigo 93.º, e ainda nos seguintes
a) Regime geral de governo das províncias ultramarinas ;
b) Definição da competência do Governo da metrópole e dos governos ultramarinos quanto à área e ao tempo das concessões de terrenos ou outras que envolvam exclusivo ou privilégio especial;
c) Autorização de contratos que não sejam de empréstimo quando exijam caução ou garantias especiais».

O Sr Presidente: - Está em discussão.

O Sr Mário de Figueiredo: - Sr Presidente a diferença entre a disposição do projecto e a disposição constitucional vigente é a seguinte: é que, enquanto nos termos da disposição constitucional vigente a Assembleia Nacional tem competência de decisão, mas só mediante propostas do Ministro do Ultramar, o projecto mantém a competência da Assembleia Nacional, mas não exige que essa competência se exerça só mediante propostas do Ministro do Ultramar.
Entendo, Sr. Presidente, que a disposição do projecto não deve ser admitida. O regime vigente vem de um tempo em que era menos melindroso do que actualmente que a Assembleia se pronunciasse em matéria legislativa relativa ao ultramar, independentemente de propostas do Ministro do Ultramar
Hoje, dispenso-me de dizer à Câmara a evolução que no domínio das coisas internacionais os problemas relativos ao ultramar têm sofrido. E não é preciso avançar mais nada, porque, para uma Câmara suficientemente esclarecida, isto chega para concluir que hoje, mais do que então, se impõe que a competência da Câmara não se exerça senão mediante proposta do Ministro do Ultramar.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa

O Sr Presidente: - A Câmara ficou esclarecida, com as palavras do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, da diferença entre o n º 1.º do artigo 6 º do projecto do Sr. Deputado Homem de Melo e a disposição correspondente da Constituição - o artigo 150.º
Vai passar-se a votação do referido artigo 6.º do projecto do Sr. Deputado Homem de Melo.
Submetido à votação, foi rejeitado.

O Sr Presidente: - Vai ler-se o artigo 7.º
Foi lido. É o seguinte
«ARTIGO 7º

O § 2.º do n.º 3 º do artigo 150.º é substituído pelo seguinte:
§ 2.º Todos os diplomas para vigorar nas províncias ultramarinas carecem de conter a menção, aposta pelo Ministro do Ultramar, de que devem ser publicados no Boletim Oficial da província ultramarina ou províncias ultramarinas onde hajam de executar-se.
Exceptuam-se os diplomas emanados da Assembleia Nacional, que serão, por direito próprio, obrigatoriamente publicados no Boletim Oficial de todas as províncias ultramarinas».

O Sr Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo:-Sr. Presidente, é só para esclarecer a Assembleia a respeito do seguinte. Suponho que a razão da disposição do projecto é esta. acredita-se que a Constituição permite ao Ministro do Ultramar deixar de publicar uma lei relativa ao ultramar votada por esta Assembleia. Nada mais errado do que isso. A única coisa que a Constituição estabelece é que os diplomas votados pela Assembleia, para serem publicados nos boletins oficiais do ultramar, carecem de ter a indicação aposta pelo Ministro do Ultramar de «Publique-se», que é uma ordem dada aos serviços dependentes do Ministério do Ultramar.
Esses serviços podem não saber se a disposição votada se aplica à província tal ou tal e só têm de ser publicadas nos boletins das províncias- às quais se há-de aplicar. Ora quem há-de definir isso é o Ministro do Ultramar.
Portanto, a disposição constitucional não representa qualquer possibilidade para o Ministro do Ultramar de evitar que uma lei votada pela Assembleia Nacional seja publicada no respectivo boletim.
Acresce que as leis votadas pela Assembleia Nacional são referendadas pelo Presidente do Conselho, e não se compreenderia que depois disso o Ministro do Ultramar deixasse de as mandar publicar. Parece uma coisa mais do que evidente.
Nestas condições, não vejo necessidade nenhuma de aprovar a alteração.
Tenho dito.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr Presidente: sem de modo algum pretender imiscuir-me em assuntos desta natureza, que julgo melindrosos e para os quais reconheço não ter competência, depreendi das considerações do Sr. Deputado Mano de Figueiredo que S. Ex.ª julga indispensável para que as leis se apliquem no ultramar, ou melhor, para serem publicadas no Boletim Oficial que seja determinado por despacho do respectivo Ministro.
Parece-me, porém, desnecessária e mesma injustificável esta formalidade para que aquela publicação se faça.
As leis, salvo nos casos em que determinam o contrário ou de. serem de âmbito limitado, são destinadas a todo o Império, e, portanto, agora que tanto se justifica a sua unidade só se compreende a necessidade de, para divulgação, serem publicadas nos boletins., mas isso sem dependência do despacho ministerial.
Como agora não são publicadas sem tal despacho, ou isto representa uma excrecência se ó obrigatória ou invasão ou inversão de poderes se é facultativo; a vontade do Ministro sobreposta à da Assembleia Nacional, ou seja, na realidade, o poder executivo sobrepondo-se ao legislativo. Não será, pois, inconstitucional este preceito da própria Constituição?
De resto, as províncias ultramarinas têm os seus legítimos representantes na Assembleia Nacional, que sabem zelar pelos interesses de todas e de cada uma delas e elucidá-la sobre as suas particularidades ponderáveis.
Dou, portanto, o meu voto à proposta do ilustre Deputado Homem de Melo.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pauta

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O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai votar-se o artigo 7.º do projecto de lei em discussão.

Submetido à votação, foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - Ponho agora à discussão o artigo 8.º e último do projecto do Sr. Deputado Homem de Melo, sobre o qual há na Mesa uma proposta de substituição apresentada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo e outros Srs. Deputados.
Õ artigo em discussão diz respeito a um artigo 176.º-A da Constituição.
Vão ser lidos o artigo 8.º do projecto e a proposta de substituição.

Foram lidos. São os seguintes

«ABTIGO 8º

É adicionado um § 4.º ao artigo 176.º:

§ 4 º Só podem apresentar propostas ou projectos de revisão constitucional o Governo, a Comissão de Legislação e Redacção da Assembleia Nacional, por intermédio do respectivo presidente ou secretário, e os Deputados, sendo obrigatório, neste último caso, que o projecto seja subscrito, pelo menos, por cinco membros da Assembleia Nacional em exercício efectivo».

«Proposta do substituição

Propomos que o artigo 8 º do projecto de lei n.º 21 (alteração da Constituição Política) seja substituído pelo seguinte.

Art. 8.º É adicionado um § 3.º-A ao artigo 176.º da Constituição:

§ 3.º-A. Os projectos de revisão constitucional devem ser subscritos pelo mínimo de dez e o máximo de quinze Deputados em exercício efectivo.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 2 de Julho de 1959. - Os Deputados. Mano de Figueiredo - José Soares da Fonseca - Camilo Lemos de Mendonça - João do Amaral - Fernando Proença».

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

Pauta.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai votar-se a proposta de substituição do artigo 8.º do projecto em discussão.

Submetida d votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está concluída a discussão e votação do projecto de lei do Sr. Deputado Homem de Melo.
Passamos agora à discussão do projecto de lei de revisão constitucional do Sr. Deputado Afonso Pinto.
Ponho à discussão o artigo 1.º, que visa a alteração do n.º 4.º do artigo 109º da Constituição.

O Sr Afonso Pinto: -Sr. Presidente: entre o artigo 1.º e a artigo 2.º há uma certa conexão. Se for aprovado o artigo 2.º, compreende-se a aprovação do artigo 1.º Na verdade, proponho no artigo 1.º um texto com eliminação de algumas palavras, que se referem a recursos de certos actos administrativos, e no artigo 2.º proponho que são susceptíveis de recurso contencioso todos os actos administrativos. Portanto, amplio. Sugeria, por isso, que fossem postos à discussão e votação os dois artigos.

O Sr. Presidente: - Está deferido o requerimento de V. Ex.ª Vão ser, portanto, postos à discussão os artigos 1.º e 2.º Vão ser lidos.

Foram lidos São os seguintes:

«ABTIGO 1º

O n.º 4.º do artigo 109.º da Constituição Política é substituído pelo seguinte:

4.º Superintender no conjunto da administração pública, fazendo executar as leis e resoluções da Assembleia Nacional, fiscalizando superiormente os actos dos corpos administrativos e das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa e praticando todos os actos respeitantes à nomeação, transferência, exoneração, reforma, aposentação, demissão ou reintegração do funcionalismo civil ou militar.

«ARTIGO 2º

Ao artigo 109.º é adicionado o seguinte parágrafo:

§ 7.º Todos os actos de conteúdo essencialmente administrativos definitivos e executórios dos órgãos da administração pública são susceptíveis de apreciação contenciosa, nos termos da lei, pelos tribunais competentes».

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr Afonso Pinto: - Sr Presidente: na minha intervenção neste debate na generalidade procurei, dentro das prescrições do Regimento, versar a oportunidade e vantagem do projecto agora em discussão
Restringe-se ele a dois pontos, que o parecer da Câmara Corporativa considera «de relevo e dignos, por isso, de constituírem objecto de um projecto de lei de revisão constitucional».
Ambos sugerem alterações referentes ao problema geral das chamadas garantias contenciosas do cidadão: a da fiscalização jurisdicional da legalidade da Administração e a da fiscalização da constitucionalidade das normas jurídicas.
Quanto ao primeiro ponto - a garantia da fiscalização jurisdicional da legalidade da Administração- diz também o parecer da Câmara Corporativa o seguinte: «Não se desconhece naturalmente que a fiscalização jurisdicional serve um interesse público da maior importância - a defesa da legalidade-, ao mesmo tempo que através dela se protegem, subsidiária ou reflexamente, os particulares cujos direitos ou interesses são afectados pela actuação ilegal dos agentes administrativos».
É assim mesmo Está certo.
Já tive oportunidade de referir que, em face da nossa Constituição, o Estado Português é um verdadeiro Estado de direito.
No que respeita ao exercício da sua função administrativa pode dizer-se, sem receio de errar, que ele é também um verdadeiro Estado de administração legal.

(Nesta altura assumiu a presidência o Sr. Deputado Laurénio Cota Morais dos Reis).

Quer dizer: entre nós domina a concepção normativista da vida do Estado, pois a nossa lei fundamental repele o totalitarismo ao afirmar no seu artigo 4.º que

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constitui limite à soberania do Estado, «na ordem interna, a moral e o direito, e na internacional, os que derivem das convenções ou tratados livremente celebrados ou do direito consuetudinário livremente aceite, cumprindo-lhe cooperar com os outros Estados na preparação s adopção de soluções que interessem à paz entre os povos e ao progresso da humanidade».
O nosso sistema legislativo consagra inteiramente o princípio da legalidade, que domina, de uma maneira geral, todo o direito público dos Estados de civilização cristã e ocidental.
Entre nós o Estado é forte, mas justo; não se considera omnipotente, princípio e fim de si mesmo, e por isso respeita as liberdades fundamentais e garante o seu exercício, respeita os direitos dos particulares - indivíduos ou grupos.
O Estado totalitário entre nós seria, na expressão luminosa e justa de Salazar, «incompatível com o génio da nossa civilização cristã e cedo ou tarde haveria de conduzir a revoluções semelhantes às que apontavam os velhos regimes históricos».
Ora, este estádio de progresso político-jurídico em que, felizmente, nos encontramos hoje representa uma das maiores conquistas da civilização, que a todo o transe nos cumpre defender e engrandecer.
Mas convém esclarecer o seguinte:
Há uma esfera da actividade do Estado que não está subordinada inteiramente às (normas do direito constituído, nem podia estar: é a actividade da função governativa
É que esta função consiste «na actividade dos órgãos superiores do Estado que livremente definem as normas do direito positivo, fixam os objectivos a atingir pelo poder político consoante as circunstâncias e escolhem os meios a utilizar para a realização de tais objectivos»
Quer dizer neste campo os órgãos do Estado actuam com liberdade jurídica, e por isso os seus actos, que são actos políticos, estão, por natureza, excluídos de qualquer fiscalização jurisdicional, salvo no que respeita à fiscalização da constitucionalidade das leis, decretos ou quaisquer outros diplomas não promulgados pelo Presidente da República.
Já o mesmo não acontece com o exercício da função administrativa, que consiste na realização efectiva dos interesses da colectividade em contraposição ou em conciliação com os interesses dos particulares (indivíduos ou grupos).
Aqui já o império da lei positiva é absoluto, e por isso todos os netos praticados pelos agentes da administração pública têm de obedecer à lei reguladora das competências, da forma que tais actos deverão revestir, do seu conteúdo e dos fins que visam
Na prática destes actos a Administração não procede com liberdade jurídica, mas com vinculação, até mesmo no que respeita aos actos discricionários, que se acham vinculados ao seu fim legal específico
No ordenamento do direito administrativo impera, portanto, o princípio básico da legalidade, segundo o qual a nenhum agente do poder público tem a faculdade de praticar um acto que interfira com interesses alheios senão em virtude de uma norma jurídica anterior de carácter geral e de harmonia com o que nessa norma estiver estatuído»
Deste princípio decorrem os seguintes corolários

1º O órgão que tiver decretado normas jurídicas de carácter geral não pode dispensar-se de as observar nos actos individuais que venha a praticar sobre as matérias por elas regulada;
2.º Todo o acto contrário a essas normas é nulo e como tal deverá ser declarado pelo órgão jurisdicional competente, quando este seja solicitado para exercer a revisão da legalidade desse acto.

Estes são os princípios consagrados pelo nosso direito positivo, em leis ordinárias, que regulam matéria administrativa, às quais se acha submetida a actividade dos órgãos do Estado no exercício da função administrativa.
O Estado Português é, portanto, um Estado de administração legal
O regime da legalidade ou da administração legal opõe-se, como diz o Prof. Marcelo Caetano (Manual, 3.º edição, p. 60), à tendência dos regimes absolutos para permitir aos órgãos da autoridade pública tudo o que a razão de Estado pareça exigir ou aconselhar - tendência também dos regimes totalitários, em que nenhum interesse individual ou social se reputa estranho ao Estado, considerando-se esses interesses identificados com os da comunidade política.
Ora esta tendência de absorção totalitária afigura-se-nos vê-la aflorar num passo do parecer da Câmara Corporativa no único argumento de fundo aí empregado contra o meu projecto, como mais adiante teremos oportunidade de evidenciar
«A existência do direito administrativo - diz ainda aquele ilustre professor - está intimamente dependente do direito constitucional, pois este deve assegurar á vigência da legalidade e a eficácia dos seus corolários»
Foi reflectindo sobre esta asserção e atentando em algumas leis de excepção que subtraem à fiscalização jurisdicional certos actos administrativos definitivos e executórios que me decidi a apresentar o projecto agora em discussão
Fi-lo com a recta e clara intenção de defender, por via constitucional, ti garantia contenciosa da fiscalização jurisdicional da legalidade da Administração dentro da economia do sistema da nossa lei fundamental.
Este problema da eficácia da fiscalização jurisdicional da legalidade da Administração é de tal relevância que não pode deixar de interessar vivamente esta Câmara.
E que, Sr. Presidente e Srs Deputados, os direitos e as libei d a dês dos particulares quando correm maior risco é precisamente na prática quotidiana do exercício da função administrativa do Estado através dos seus múltiplos agentes burocráticos Por isso o nosso ordenamento jurídico, para evitar o arbítrio, não só tornou o exercício dessa função administrativa dependente das normas do direito positivo preexistente como criou um sistema de fiscalização da legalidade dos actos administrativos definitivos e executórios, por meio de órgãos jurisdicionais, compostos de juizes que oferecem todas as garantias de independência, de imparcialidade e de ciência jurídica especializada, por forma a defenderem o superior interesse da legalidade e a prestigiarem a Administração, libertando-a, quantas vezes, de infundadas suspeitas, ou possibilitando-lhe, com o apagamento do quadro jurídico de alguns actos eivados de vícios determinantes da respectiva anulação, a correcção de erros, sempre possíveis na aplicação da lei aos casos individuais.
Tal fiscalização em cada caso concreto é, sem dúvida, a única verdadeiramente eficiente e nada tem de perturbadora para a marcha da Administração, uma vez que esta, gozando, como goza, do privilégio da execução prévia, não só tem a faculdade de definir o que supõe ser o direito, por meio de uma decisão definitiva que põe termo a um processo burocrático ou gracioso, como

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também pode executar tal decisão por autoridade própria, sem necessidade de recorrer ao» tribunais.
Só excepcionalmente é que a executoriedade do acto impugnado pode sor suspensa pelo tribunal de recurso, se for requerida pelo recorrente e se reconheça que a suspensão não determina grave dano para a realização do interesse público e que podem resultar da execução do acto prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação (artigo 60.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo).
À Assembleia Nacional também compete vigiar pelo cumprimento das leis e apreciar os actos da Administração (artigo 91.º, n.º 2.º, da Constituição), mas só os tribunais do contencioso administrativo têm competência para anular os actos administrativos feridos de ilegalidade; por isso digo que a fiscalização jurisdicional da legalidade da Administração é a mais eficiente e, portanto, absolutamente necessária.
A propósito da necessidade da fiscalização ocorrem-me as seguintes palavras do parecer da Câmara Corporativa sobre a revisão constitucional de 1940:

Os poderes não fiscalizados tendem naturalmente para o abuso, com perigo, inclusive, para eles próprios.

Portanto, subtrair por leia especiais, como já há vários exemplos entre nós, certos actos administrativos definitivos e executórios -e por isso subordinados ao direito constituído- à fiscalização jurisdicional da sua legalidade é, sem dúvida, escancarar a porta por onde sorrateiramente poderão entrar o arbítrio, dada a natural tendência para o abuso por parte dos agentes da Administração.
Com o meu projecto propus-me, nada mais nada menos, que defender eficazmente a garantia contenciosa da fiscalização jurisdicional da legalidade e fechar a porta a esse possível arbítrio e a esse possível abuso, consignando na Constituição um princípio geral que torne inconstitucionais todas as leis especiais que o contrariarem.
Esse princípio é o do § 7 º em discussão, que deverá ser aditado ao artigo 109.º da Constituição. Assim:

Todos os actos de conteúdo essencialmente administrativos definitivos e executórios dos órgãos da administração pública são susceptíveis de apreciação contenciosa, nos termos da lei, pelos tribunais competentes.

Portanto, a aprovação deste preceito implica, necessariamente, a inconstitucionalidade de todas as normas jurídicas que subtraiam à apreciação contenciosa, nos termos da lei, pelos tribunais competentes quaisquer actos de conteúdo essencialmente administrativo definitivos e executórios
As últimas palavras do n.º 4.º do artigo 109.º da Constituição foram eliminadas no texto que proponho para esse n.º 4.º, e são as seguintes: e com ressalva para os interessados de recursos aos tribunais competentes».
Como se vê, nestas palavras afiara já o princípio da garantia contenciosa da fiscalização jurisdicional da legalidade da Administração.
Porém, como elas se referem apenas à meia dúzia de actos administrativos especificados nesse n.º 4.º, entendi que deveria suprimi-las, uma vez que no projecto do § 7.º, agora em discussão, estabeleço princípio da mesma garantia contenciosa, mas por forma genérica, a abranger todos os actos administrativos definitivos e executórios.
Até aqui creio ter ficado demonstrado que o Estado Português é não só um verdadeiro Estado de direito, mas ainda um Estado de administração legal, uma vez que todos os actos respeitantes à sua função administrativa estão subordinados ao direito constituído.
Ora, sendo assim, como efectivamente é, todos esses actos da função administrativa do Estado, desde que sejam praticados com ofensa da lei que os regula, são nulos.
Mas para que tais actos sejam por nulidade apagados da vida jurídica e possam ser substituídos por outros legalmente praticados pelos seus autores necessário se torna que órgãos jurisdicionais competentes revejam ou fiscalizem a legalidade desses actos e os anulem.
A fiscalização jurisdicional da legalidade da Administração é da mais alta importância, tanto para a colectividade como para os indivíduos atingidos nos seus direitos e liberdades, pois, sendo a vida administrativa do Estado normativa, como efectivamente é, a legalidade é indispensável à realização dos fins do Estado, ou seja à justiça, à segurança, ao bem-estar colectivo, o que tudo se consubstancia na ordem.
Mas não existindo, como não existe, um preceito constitucional que garanta, em relação a todos os actos administrativos definitivos e executórios a eficácia da sua fiscalização jurisdicional, sempre é possível, por leis especiais1, subtrair a essa fiscalização muitos deles ou todos, com excepção dos poucos abrangidos pelo já citado n.º 4.º do artigo 109º da Constituição, para os quais esta ressalva o recurso para o tribunal competente.
Ora, nesta conformidade, não pode pôr-se em dúvida a oportunidade e a necessidade de consignar na Constituição o princípio genérico constante do artigo 2.º do meu projecto, segundo o qual deixará de ser possível aquela subtracção dos actos administrativos definitivos e executórios à fiscalização jurisdicional, obviando-se assim a todos os graves inconvenientes que daí possam resultar, como a possibilidade de arbítrio e de erro irremediável na aplicação da lei por parte dos agentes da Administração.
E o que diz a isto o parecer da Camará Corporativa?
Não recomenda a aprovação do meu projecto neste ponto por razões que, como V. Exas. já tiveram a oportunidade de apreciar, alinham pela ordem seguinte:

a) Em primeiro lugar -diz-se no parecer-, o projectado § 7.º iria enquadrar-se num título referente ao Governo e, apesar disso, abrangeria actos praticados por órgãos diferentes dos órgãos governativos, uma vez que se refere, genericamente, a todos os actos ... dos órgãos da administração pública. Esta, considerada no seu aspecto subjectivo ou orgânico, abrange não só a administração governativa, como também a administração descentralizada ou autárquica.

Pelo visto, não se ataca aqui a bondade intrínseca do projectado § 7.º, mas apenas se aponta um pretenso erro de técnica legislativa, que, a existir, seria fácil de corrigir e não seria motivo de rejeição.
Mas a verdade é que tal erro não existe Para ver que assim é basta confrontar o texto do § 7.º, cujo aditamento proponho ao artigo 109.º da Constituição, com o texto do n.º 4.º deste mesmo artigo para imediatamente verificar que entre esses dois textos existe perfeita concordância.
Segundo esse n.º 4 º, compete ao Governo e superintender no conjunto da administração pública, fazendo executar as leis e resoluções da Assembleia Nacional, fiscalizando superiormente os actos dos corpos administrativos e das pessoas colectivas de utilidade pública ...».

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No projectado § 7.º fala-se em actos definitivos e executórios de conteúdo essencialmente administrativo doa órgãos da administração pública.
Ora, tratando-se de um número e de um parágrafo do mesmo artigo 109º e empregando-se em ambos a expressão «administração pública», no conjunto da
qual o Governo superintende, certamente que o sentido as duas idênticas expressões só pode ser um e abrange todos os actos administrativos do Governo e dos seus agentes. E assim a questão deixou de ser de técnica legislativa somente, para ser também de bem simples e clara hermetêutica jurídica. Quer dizer: o § 7.º por mim projectado como aditamento ao artigo 109.º está tecnicamente perfeito e não poderá suscitar qualquer dúvida de interpretação, pois enquadra-se sem contradição nem repugnância na economia do citado artigo 109.º, seus números e respectivos parágrafos.
Logo a seguir o parecer aduz outro argumento, implicando com a expressão usada no projectado § 7 º, que diz «actos de conteúdo essencialmente administrativo»
Supõe-se, e bem, que esta expressão foi empregada para opor esses actos administrativos caos actos do Governo de conteúdo essencialmente político» usada com o n.º 2.º do artigo 16.º da lei orgânica do Supremo Tribunal Administrativo.
E então o ilustre relator do parecer aproveita o ensejo para afirmar a sua conhecida tese da «Teoria dos actos de governo», segundo a qual são actos políticos ou de governo Iodos aqueles actos de Executivo que a lei considere absolutamente insusceptíveis de apreciação contenciosa, qualquer que seja o grau da sua vinculação legal e não obstante o seu carácter de actos definitivos e executórios Por maiores que sejam a consideração e o respeito que me merece o ilustre relator do parecer, que é, sem dúvida, um distinto mestre de Direito Público, confesso que o sentido demasiadamente formal da sua tese e o desmentido que a realidade da vida funcional governativa e administrativa do Estado lhe opõem não são de molde a podê-la aceitar.
Quem se dê ao cuidado de consultar a legislação de carácter excepcional - e é bastante - que subtrai à apreciação contenciosa actos de natureza administrativa terá ocasião de se certificar de que nenhum desses actos perdem a natureza de actos administrativos para se transformarem, por simples taumaturgia jurídica, em actos de natureza política.
E que actos políticos são só aqueles que são praticados no exercício da função governativa, e o carácter próprio desse exercício é a independência do conteúdo esses actos em relação ao direito constituído.
Esta é a lição de outro mestre não menos autorizado que o relator do parecer, lição inteiramente convincente.
Com efeito, o Prof. Marcelo Caetano, a quem com toda a justiça se poderá atribuir o primeiro lugar entre os nossos administrativistas, repele, em absoluto, a tese a que nos vimos referindo, como pode ver-se a p. 4 do seu Manual de Direito Administrativo (3ª edição).
Segundo este ilustre professor, «serão actos especificamente governativos os praticados pelos órgãos da soberania, mediante a afirmação de uma vontade autodeterminada, isto é, que não tem outros limites que não sejam a realização do bem comum nacional, tal como é visto pelos suportes dos órgãos ou ansiado pela colectividade.
A liberdade jurídica na realização do interesse nacional, eis a característica dos actos do Governo. Repare-se bem que não se trata de actos de execução da lei, embora discricionários, ou actos indiscutíveis por serem praticados em última instância, mas sim de actos que desde a origem obedecem apenas às conveniências da razão de Estado como lídima expressão da soberania».
Em contraposição ao acto do Governo de conteúdo essencialmente político, temos o acto administrativo definitivo e executório.
Este, na clássica definição da doutrina, é a conduta voluntária de um órgão da Administração, no exercício de um poder público que, pondo termo a um processo burocrático ou dando resolução final a, uma petição, define, com carácter obrigatório e coercivo, situações jurídicas individuais. Não procede, portanto, o segundo argumento do parecer.
«Em terceiro lugar - argumenta o parecer - o projecto parece orientar-se no sentido de garantir a todos os actos definitivos e executórios (excluídos os actos políticos, de que se faz provavelmente uma ideia muito restritiva) a possibilidade de apreciação contenciosa».
Ora é isso mesmo. Mas, continua o parecer, «o legislador pode entender que há, nesta ou naquela hipótese, um interesse público de mais peso do que a defesa jurisdicional do direito - o interesse de deixar toda a independência aos agentes ante os tribunais, em termos de a decisão daqueles se ter de presumir correcta e legal, ainda que o não seja de facto». Salvo o devido respeito, este argumento parece-nos inquinado do vício da tendência absolutista ou totalitarista, e por isso incompatível com a ética do nosso Estado de administração legal. O legislador de um Estado que, como o nosso, adopta um regime de legalidade poderá estabelecer que certos actos, dada a sua natureza íntima inspirada numa superior razão de Estado, mão estão subordinados a qualquer lei positiva preexistente, mas, antes, poderão ser praticados com inteira liberdade jurídica. Isto sim, admite-se; portanto, também se admite, neste caso, que a lei geral ou especial exclua tais actos da apreciação contenciosa. E que esta apreciação destina-se a rever a legalidade, na prática de um certo acto e neste caso não há nada efectivamente a rever, uma vez que o acto é praticado com inteira independência das normas de direito positivo.
Mas o que já se não admite nem se compadece com a ética de um Estado de direito e de administração legal é que se dispense a fiscalização jurisdicional da legalidade de um acto inteiramente subordinado ao direito positivo preexistente, só porque se entenda que pode haver um interesse público quê supere o da fiscalização da legalidade. Não pode haver tal interesse público no nosso Estado de administração legal. Só se concebe que tal interesse possa existir num Estado totalitário em que se preste culto à sua omnipotência e em que se oponha à nossa concepção normativista da vida administrativa estadual uma concepção «salutista» de tendências absolutistas ou totalitárias. Mas esse Estado não é o Estado Português.
Portanto, também o último argumento do parecer da Câmara Corporativa contra o projectado § 7.º cai pela base.
Nestes termos, espero que a Câmara de ao projecto agora em discussão a aprovação que merece. Desta maneira ficará eficazmente assegurada, por forma constitucional, a garantia contenciosa da fiscalização jurisdicional da legalidade da Administração, base de todo o ordenamento do nosso direito administrativo. Ainda a este propósito, e para terminar, interessa citar o justo e autorizado comentário do Prof. Marcelo Caetano a respeito da exclusão da fiscalização contenciosa de certos actos administrativos definitivos e executórios. Diz esse ilustre professor a p. 726 do seu Manual (3ª edição): «A exclusão do contencioso desta categoria de actos deveria, em rigor desaparecer num verdadeiro Estado de direito ou há discricionariedade ou não há, mas não havendo deve sempre facultar-se o recurso contencioso. Tudo o resto é puro arbítrio, desprezador dos direitos

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dos particulares e temeroso de que seja fiscalizada a observância da lei».
Tenho dito.

O Sr. Mário de Figueiredo: -Sr. Presidente: o projecto do Sr. Deputado Afonso Pinto não mereceu a aprovação nem da Comissão de Legislação e Redacção nem da Comissão de Política o Administração Geral e Local.
Qual é o alcance deste projecto P O alcance deste projecto é o seguinte: submeter a fiscalização contenciosa todos os actos, que tenham conteúdo essencialmente administrativo, dos órgãos da administração pública.
Qual é o critério com base no qual hão-de distinguir-se actos de conteúdo essencialmente administrativo de actos que não suo de conteúdo essencialmente administrativo? Isto não se diz no projecto. Deixo-se à construção da doutrina e da jurisprudência. A doutrina viria a dizer no futuro o que deve entender-se por actos de conteúdo essencialmente administrativo e por actos de conteúdo não essencialmente administrativo.
Se não se define um critério de diferenciação entre uns e outros, a Assembleia não pode neste momento avaliar qual é o verdadeiro alcance da disposição.
Suponho que esta simples consideração é suficiente para pôr a Assembleia de sobreaviso acerca da inovação proposta. Votando-a, a Assembleia não sabe a extensão do que vota. Não conhece o alcance da disposição.
Por outro lado, segundo o projecto, são submetidos ao Contencioso Administrativo tanto os actos da Governo como os actos administrativos das autarquias locais, integrando-se, portanto, como diz a Câmara Corporativa, nestas disposições ou neste título da Constituição que trata de actos do Governo actos que não são actos do Governo, o que representa, pelo menos, um defeito metodológico.
Aprovada a disposição do projecto ficariam sujeitos ao Contencioso Administrativo actos em relação aos quais ninguém duvida de que lhe não devem estar sujeitos, apesar de não poderem interpretar-se como de conteúdo político.
Assim os actos relativos às actividades desportivas.
Estes actos, por consenso unânime das próprias actividades, não devem ser submetidos a recurso contencioso, porque as questões suscitadas devem ter solução rápida e o recurso contencioso não lha pode dar. Imaginem VV. Exas. o que seria se, em matéria de futebol, viesse a anular-se um resultado com influência noutros e que podia arrastar a inutilização do próprio campeonato.
Não parece que os actos relativos a actividades desportivas devam ser susceptíveis de recurso contencioso. Mas como deixar de os considerar de conteúdo essencialmente administrativo? Não atino com o critério de diferenciação entre os que devem considerar-se de conteúdo essencialmente administrativo ou não e, por isso, não posso pronunciar-me; mas posso afirmar que dos actos relativos a actividades desportivas não deve haver recurso.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Podem anular-se os golos!

O Orador: - E pode inutilizar-se toda uma época de futebol.

O Sr Paulo Cancella de Abreu: -Isso é grave!

O Orador: - Mais grave do que pode pensar-se ..
Suponho que este simples apontamento é suficiente para mostrar que não é admissível a solução do Sr. Deputado Afonso Pinto, pelo menos como disposição de
carácter constitucional, pois, como tal, não permitiria que amanhã a lei ordinária estabelecesse que os actos relativos a desporto mão são susceptíveis de recurso contencioso. Mas pode argumentar-se -e já se tem argumentado - que há actos que a lei ondularia declara insusceptíveis de recurso sem que qualquer razão séria o justifique.
Isto é verdade Reconheço, de boa vontade, que em alguns casos, inexplicavelmente, se subtraíram determinados actos a fiscalização contenciosa. Foi naturalmente este facto a razão por que se pretende a solução proposta. Mas a solução vai longe de mais e pode criar embaraços graves. De resto, quando a eliminação do recurso contencioso senão justifique é sempre possível a um Deputado apresentar um projecto que revogue a lei que o não admite. E o problema arruma-se sem necessidade de criar a perturbação que pode provir do facto de numa disposição constitucional se tornar impossível que haja actos dos quais não há recurso.
A solução sugerida no projecto não conduz a que haja necessariamente recurso, mas, desde que não aponta para o critério de distinção entre actos de conteúdo essencialmente administrativo e actos de conteúdo não essencialmente administrativo, só pode prestar-se a confusões e a incertezas.
No regime vigente a solução é simples.
Diz o n.º 4.º:

Superintender no conjunto da administração pública, fazendo executar as leis e resoluções da Assembleia Nacional, fiscalizando superiormente os actos dos corpos administrativos e das pessoas colectavas de utilidade pública administrativa e praticando todos os actos respeitantes à nomeação, transferência, exoneração, reforma, aposentação, demissão ou reintegração do funcionalismo civil ou militar, com ressalva para os interessados do recurso aos tribunais competentes.

Quer dizer: nós, em face desta disposição, sabemos que, segundo certa interpretação, os actos de nomeação, transferência, exoneração, reforma, aposentação, demissão ou reintegração do funcionalismo civil são sempre passíveis de recurso contencioso. A solução é nítida, clara. Só não é nítida, devo dizer, a interpretação desta última parte, pois há quem entenda que, realmente, não pode constitucionalmente deixar de admitir-se recurso dos actos administrativos que respeitem à nomeação, transferência, etc., e há também quem entenda que, mesmo quanto a estes, pode suprimir-se a possibilidade de recurso.
As duas interpretações são possíveis, mós, adoptada qualquer delas, a solução decorre líquida, clara, indiscutível.
E, pois, preferível a solução vigente.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr Afonso Pinto: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: ouvi, como era meu dever, com a maior atenção e respeito a palavra sempre clara e luminosa do Sr. Prof. Mário de Figueiredo. E tão luminosa que teve, creio eu, o condão neste momento de espevitar o meu espírito e o da Câmara, dando a esta maior receptividade para o assunto em debate. S. Exª, ao responder à argumentação desenvolvida na minha intervenção, deu-me azo a poder esclarecer melhor esta Câmara.
Comecemos pelo primeiro ponto: a confusão a que pode dar lugar o meu projecto ao referir actos de con-

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teúdo essencialmente administrativo. Essa confusão existe, não pode existir, desde que se atente no que está disposto no artigo 15.º da lei orgânica do Supremo Tribunal Administrativo, que diz o seguinte:
Leu.
Compete conhecer de actos administrativos definitivos e executórios Creio que nenhum profissional do direito pode ignorar o que seja um acto administrativo definitivo e executório.

O Sr. Mário de Figueiredo:- Pois não. Não há dúvida nenhuma de que não há recurso senão de actos executórios e definitivos

O Orador: - Não acabei o meu raciocínio. A distinção está definida claramente na doutrina. E nas considerações que produzi há pouco procurei esclarecer a distinção entre actos administrativos e actos de conteúdo político. Mas, mais adiante, na mesma lei orgânica, o artigo 16.º diz o seguinte:
Leu.
Creio que isto não pode dar lugar a confusão. Está na lei positiva, actos de conteúdo essencialmente político. Com o fim de esclarecer, empreguei a expressão de «actos de conteúdo essencialmente administrativo», mas poderia limitar-me a dizer «actos administrativos definitivos e executórios» E de supor que haja por vezes momentos em que seja difícil de distinguir um acto administrativo de um acto de conteúdo essencialmente político Acontece assim em todos os institutos jurídicos. Nas fronteiras deles há sempre uma zona cinzenta em que há dificuldade em distinguir; mas esse papel compete à jurisprudência e à doutrina. E a isso não podemos fugir.
Portanto, creio que está respondido assim à primeira objecção formulada pelo Sr. Prof. Mário de Figueiredo Não há confusão nenhuma no meu espírito, nem pretendi confundir
Quanto ao parágrafo que pretendi aditar e que pode ter o sentido de abranger todos os actos administrativos, quanto à sua colocação indevida na parte da Constituição que se refere a actos do Governo, não vejo também incompatibilidade nenhuma, porque no n º 4.º do artigo 109 º da Constituição diz-se o seguinte:
Leu.
Empregaram-se aqui as palavras «administração pública»
Ora, uma vez que no parágrafo que proponho seja aditado a este artigo se fala em actos da administração pública, tem de se entender que se refere aos actos da administração pública praticados pelo Governo. Ë apenas uma pura questão de hermenêutica jurídica.
Portanto, o argumento não me parece que possa proceder.
S Exª referiu a conveniência de excluir as questões sobre desporto à apreciação contenciosa. Claro que estão, por lei especial, mas não deviam estar Ninguém pode negar que eles são actos administrativos, e não actos políticos, e que a sua apreciação contenciosa não resultaria inútil, porque na lei administrativa vigente nós sabemos que relativamente às sentenças ou acórdãos dos tribunais administrativos, quando eles não podem ser executados, a Administração não os executa, mas a lei dá aos particulares a faculdade de, quando esses actos venham a ser anulados e se verifique que deles resultam prejuízos para eles, poderem pedir uma indemnização.
Ora, não me parece que um Estado de administração legal consigne uma disposição na lei ao paia fugir ao pagamento da indemnização, porque, como disse Salazar, «o Estado é uma pessoa de bem».
Portanto, parece-me que esse argumento também não procede
E não vi qualquer outro argumento que pudesse convencer a Assembleia.
Por isso, só me resta agradecer ao Sr. Prof. Mário de Figueiredo o toque de varinha mágica do seu espírito luminoso que me permitiu fazer esta exposição à Assembleia, que me parece clara. Aliás, na minha primeira intervenção neste debate na especialidade parece-me estar contida a resposta cabal e antecipada às objecções do Sr Deputado Prof. Mário de Figueiredo, que, salvo o devido respeito, em nada destruiu a minha argumentação, sobretudo no que respeita ao parecer da Câmara Corporativa, o qual me obrigou a demorar e cansar, talvez, a atenção desta Assembleia.
Tenho dito.

O Sr José Saraiva: - Sr Presidente, penso que o projecto de lei do Sr. Deputado Afonso Augusto Pinto é da máxima importância.
Dos projectos sujeitos a debate não escondo que este é um daqueles que mais atraiu a minha simpatia e o meu veemente aplauso.
Porque me permito eu tomar a palavra depois de o autor do projecto e S. Exª o Sr. Prof. Mário de Figueiredo terem discutido com brilhantismo a problemática que está por detrás da questão?
E porque se trata de uma questão muito técnica. Compreendo perfeitamente que quem não seja formado em Direito se sinta impedido de prestar muita atenção ao assunto, porque parece realmente matéria dos códigos, algo de especializado que escapa à inteligência dos profanos. Não é assim, e o meu propósito é precisamente o de demonstrar que se trata de questão de uma inexcedível clareza, cuja importância todos compreenderão
Não há nenhuma técnica melhor para estas discussões do que a técnica judiciária, que consiste em colocar na especificação o que está provado e que não suscita dúvidas e deixar para o questionário - e, portanto, para ser discutido - aquilo sobre que recaiam as dúvidas.
O que está neste caso provado ? Que nós constituímos um Estado de direito e que a regra é a de que para todos os actos existe uma garantia jurisdicional; que a Constituição aceita esse princípio da jurisdicionalidade, aplicando-o por via de uma enumeração taxativa. Pela dificuldade de enunciar uma norma geral foi-se para a solução da enumeração dos casos susceptíveis de recursos e diz-se: há recurso para os tribunais competentes nos actos respeitantes u nomeação, transferência, exoneração, reforma, aposentação, demissão ou reintegração de funcionários civis e militares.
Segundo ponto que está provado é o de que há matéria nitidamente de ordem administrativa que é inexplicavelmente subtraída à apreciação dos tribunais administrativos.
Isto resulta precisamente do facto de o artigo 109.º conter uma enumeração taxativa, unicamente aplicável aos casos que referi. Há, portanto, sempre a possibilidade de fazer um projecto-lei e dizer, destes actos não há recurso. De facto, desde que não sejam actos expressamente incluídos no artigo 109.º, as disposições que estabeleçam a irrecorribilidade não são inconstitucionais Pode assim, em resumo, disserte que a garantia contenciosa é um princípio geral e fundamental do nosso direito; mas o preceito constitucional que exprime esse princípio toma possível subtrair de tal garantia actos que lhe deveriam estar submetidos.
Qual é o alcance da proposta do Sr. Deputado Afonso Pinto? Que, em vez de uma enumeração taxativa, fique um princípio definitório, isto é, em vez de se indicarem

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certos actos em especial, se faça referência aos actos de conteúdo essencialmente administrativo.
Até aqui era matéria de especificação: estamos todos de acordo.
A dúvida surge agora.
O Sr. Prof. Mário de Figueiredo, com aquela razão que nunca lhe falta, porque realmente aos argumentos e S. Ex.ª nunca falta a razão, diz isto. a definição do artigo 109.º á perfeitamente clara, não suscita dúvidas, ao passo que «actos de conteúdo essencialmente administrativo» pode dar origem a confusões e discussões. Pode; simplesmente, de harmonia com este critério nunca poderia o texto constitucional usar outra técnica que não fosse a das enumerações taxativas.
Quero dizer que toda a remissão para um conceito de ordem genérica é susceptível de levantar discussão. E, portanto, a Constituição nunca poderia, qualquer que fosse o domínio considerado, indicar um conceito - tinha sempre de fazer enumerações taxativas, processo que não se pode aceitar, porque é da natureza do direito criar conceitos doutrinários e aplicá-los nas leis.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas do que me queixo é da falta de conceitos, da falta de um critério que permita distinguir actos de, conteúdo essencialmente administrativo de actos de conteúdo não essencialmente administrativo. Para esse critério nem sequer se aponta.

O Orador: - A enumeração é clara. O conceito proposto não é bastante preciso, uma vez que deixa uma margem de indeterminação. O direito administrativo é de formação relativamente recente, e em relação a alguns dos seus conceitos não se estabeleceu ainda um entendimento rigoroso; em certos casos não é fácil dizer onde acabam os actos essencialmente administrativos e onde começam, por exemplo, os actos essencialmente políticos. E uma dificuldade que tem de se reconhecer.
Mas julgo que em todos os conceitos jurídicos há uma margem inicial de indeterminação quando se passa a aplicação; é à jurisprudência que, depois, compete estabelecer qual é o alcance preciso desses mesmos conceitos.
Todo» os conceitos da doutrina - e V Ex.ª, que é um ilustre professor de Direito, a que através de um ensino que honrou a Universidade tanto tem contribuído para a elaboração dogmática do conceito, sabe que é assim - têm de ser determinados na prática; a interpretação jurisprudencial e a experiência judiciária é que vêm a fazer, com o tempo, essa determinação. Quer dizer, será a experiência que virá a dizer, dentro de algum tempo, o que deve entender-se por conteúdo essencialmente administrativo e por conteúdo não essencialmente administrativo.
A substituição de tuna lista de casos por um princípio geral parece-me, portanto, um progresso de técnica jurídica; neste caso, a tal vantagem acresce a de impedir que muitos actos possam vir a ser subtraídos & garantia jurisdicional a que todos devem estar sujeitos.
Não escondo, pois, que aceito o projecto do Sr Deputado Afonso Augusto Pinto, que está completamente dentro do espírito geral da nossa Constituição, e que, além disso, oferece maiores garantias daquela moralidade administrativa, que deve estar na base de toda a nossa vida política.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Afonso Pinto: -Pedi a palavra, Sr. Presidente, para agradecer ao Sr. Deputado José Saraiva a intervenção que acaba de fazer, brilhante, como não podia deixar de ser, dado o seu talento e a sua formação jurídica.
S. Ex.ª passou um traço a vermelho sobre os argumentos mais relevantes que produzi na minha última intervenção, apoiando-os e dando-lhes um relevo que eu não fui capaz de lhes dar. Reconheço que, dada a natureza muito técnica do assunto, fui demasiado prolixo, mas S. Ex.ª, com os dotes de espírito que o exornam, foi brilhante, claro, inexcedível, o fez um resumo perfeitíssimo de tudo quanto tinha dito em resposta ao Sr. Prof. Mário de Figueiredo.
Não tenho mais nada a acrescentar às palavras do Sr. Deputado José Saraiva.

O Sr Presidente: - Vai passar-se à votação destes artigos 1.º e 2.º

Submetidos à votação, foram rejeitados.

O Sr. Presidente: - Passamos agora à discussão do artigo 3.º, sobre o qual há na Mesa uma proposta de alteração do Sr. Deputado Afonso Pinto
Vão ser lidos o artigo e a proposta.
Foram lidos. São os seguintes.

«ARTIGO 3.º
O corpo do artigo 123.º é substituído pelo seguinte:

Art. 123.º Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar leis, decretos ou quaisquer outros diplomas feridos de inconstitucionalidade material por infracção do disposto nesta Constituição ou ofensa dos princípios nela consignados, devendo, para esse efeito, ser apreciada tal inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal, nos termos da lei».

«Proposta do alteração

Ao artigo 3.º do projecto de lei n.º 22 (alteração da Constituição Política), constante do n.º 46 das Actas da Câmara Corporativa, VII Legislatura, 1959, e apresentada pelo Deputado Afonso Augusto Pinto:

Art. 3.º O corpo do artigo 123.º é substituído pelo seguinte:

Art. 123.º Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar leis, decretos ou quaisquer outros diplomas feridos de inconstitucionalidade por infracção do disposto nesta Constituição ou ofensa dos princípios nela consignados, sendo sempre admissível recurso até ao Supremo Tribunal competente da decisão respectiva.

Palácio de S. Bento, 17 de Junho de 1959. - O Deputado, Afonso Augusto Pinto».

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Afonso Pinto: -Sr. Presidente: pouco tenho a dizer para justificação do meu projecto. A Câmara já está devidamente esclarecida sobre o espírito do artigo 123 º da Constituição, que regula matéria de fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das leis.
A pouco se reduz a alteração por mim proposta. Pretendo, Sr. Presidente, com essa alteração apenas o seguinte: que as decisões dos tribunais nesta matéria sejam susceptíveis de recurso até ao Supremo Tribunal. Não disse qual o Supremo Tribunal porque tanto pode

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ser o Supremo Tribunal de Justiça, como o Supremo Tribunal Militar ou o Supremo Tribunal Administrativo, conforme o foro a que as questões estiverem afectas.
Parece-me útil esta alteração pelo seguinte: é que as questões sobre a constitucionalidade das leis são de muito difícil apreciação e deixar a um tribunal de lª instância a apreciação dessas questões sem recurso acho que não é prudente. Pode até acontecer - e agora entro no domínio da exemplificação - que surja a apreciar uma questão desta natureza uma pessoa que não tenha formação jurídica, como pode acontecer com algum presidente municipal que não seja formado em Direito É um pouco anómalo, incongruente e absurdo que uma questão tão delicada se deixe nas mãos duma pessoa que nem tem cultura jurídica.
No que respeita ao processo penal, todas essas questões são susceptíveis de apreciação pelo Supremo Tribunal e o mesmo sucede quanto ao processo administrativo. No que respeita aos tribunais judiciais já assim não acontece porque as questões que estiverem na alçada dos juizes de direito podem ser julgadas sem recurso e as da alçada da Relação também.
Afigura-se-me muito útil a inclusão no texto constitucional deste aditamento, dada sobretudo a dificuldade que existe na apreciação de questões dessa natureza.
Acho que é dignificante para o Poder Legislativo ver apreciada a constitucionalidade das leis por um tribunal supremo, expressão mais alta da magistratura Isso em certo modo prestigia o Poder Legislativo - esta Assembleia e o Governo.
Dadas estas razões que me parecem suficientes, entendo que o meu projecto é digno de ser aprovado Poderá, é certo, dizer-se que estas questões podem ser resolvidas pelo legislador ordinário, mas o facto é que até ao momento nunca foi resolvido nesse sentido e por isso apresentei a minha proposta
Tenho dito.

O Sr Presidente: - Continua em discussão

O Sr Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pelo que acabámos de ouvir, o Sr. Deputado Afonso Pinto dá uma interpretação da disposição do artigo 3.º do seu projecto diferente daquela que por todos lhe tem sido dada.
Pareceu-me, se bem ouvi, que ao Sr Deputado Afonso Pinto o que repugna é que uma questão de constitucionalidade seja resolvida por um tribunal de lª instância, e o que pretende é que, sempre que se suscite uma questão de constitucionalidade, essa questão possa vir em definitivo a ser resolvida pelo Supremo Tribunal de Justiça. Não sei se interpretei bem o pensamento que acaba de expor o Sr. Deputado Afonso Pinto
Se é isto, confesso que não me parece que a questão seja digna de uma revisão constitucional. É uma questão praticamente de processo, que no código de processo tem o seu assento próprio Há muitas questões relativamente as quais não há alçada. Seria mais uma.
Suponho que as próprias palavras que acaba de produzir o Sr. Deputado Afonso Pinto conduzem à condenação da disposição que propõe, pelo menos nos termos sm que ela tem sido geralmente interpretada. É mais uma razão para entender que não deve ser votada
Tenho dito.

O Sr Afonso Pinto: - Sé bem ouvi as palavras do Sr Prof. Mário de Figueiredo, pareceu-me compreender o seguinte S. Ex.ª falou numa interpretação diferente
que dou ao preceito do artigo 123.º da Constituição, diferente da que correntemente lhe é dada.
Ora, não dei qualquer outra interpretação diferente dessa, e o equívoco deve ser este: S Ex.ª falou mais sobro o texto do artigo do que sobre a minha emenda. Mantenho o texto tal como está, apenas lhe acrescento a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal das decisões judiciais sobre a constitucionalidade da lei.
E certo que não se justificava uma revisão constitucional só para a introdução deste aditamento Mas, uma vez que estamos embrenhados numa revisão constitucional, aproveitei o ensejo de aperfeiçoar o preceito, dando-lhe mais eficácia Qual, é o fim deste preceito? Defender a Constituição. E como é mais eficaz essa defesa? Deixando a questão a um tribunal de 1.º instância, ou admitindo a possibilidade de ela subir ao Supremo Tribunal, que oferece maiores garantias de verdade jurisdicional? Este foi o meu propósito, e, além disso, é tão moderada a minha proposta que deixa ao arbítrio dos interessados recorrerem, ou não, como melhor lhes parecer.
Isto pode dar lugar a chicana, a demora da resolução dos processos S. Ex.ª não ignora, ninguém ignora, que há remédios contra a chicana, quais sejam as custas a que dão lugar os recursos que se perdem, pois os recursos até ao Supremo não ficam baratos e a condenação como litigante de má fé.
Suponho não proceder a argumentação do Sr. Prof Mário de Figueiredo.
Nada mais.

O Sr Presidente: - Como ninguém pede a palavra, vai votar-se o artigo 3º do projecto do Sr. Deputado Afonso Pinto, com a proposta de alteração apresentada pelo mesmo Sr. Deputado.

Submetido à votação, foi rejeitado.

O Sr. Presidente: - Está, assim, concluída a discussão e votação do projecto de lei do Sr. Deputado Afonso Pinto.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por cinco minutos.

Eram 18 horas e 55 minutos.

O Sr Presidente: -Está reaberta a sessão.

Eram 19 horas.

O Sr. Presidente: - Passamos à discussão na especialidade do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Moreira
Vai ler-se o artigo 1.º

Foi lido. É o seguinte
«ARTIGO 1º

A Constituição deve ser precedida de um preâmbulo que afirme a fé que vive na alma da Nação, e que será:

A Nação Portuguesa, fiel à fé em que nasceu e em que se engrandeceu, invoca o nome de Deus ao votar, pelos seus representantes eleitos, a lei fundamental que segue».

O Sr Presidente: - Está na Mesa uma proposta de substituição deste artigo lº, que vai ser lida à Câmara.

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Foi lida. É a seguinte

«Proposta do substituição

Propomos que o artigo 1.º 4o projecto de lei n.º 23 tenha a seguinte redacção:

No princípio da sua lei fundamental a Nação Portuguesa invoca o nome de Deus.

Assembleia Nacional, 7 de Julho de 1959. - Os Deputados: José Guilherme de Melo e Castro - Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis - Duarte do Amaral - João de Brito e Cunha - António Pereira de Lacerda - José Fernando Nunes Barata - Américo da Costa Ramalho - António Carlos dos Santos Fernandes Lima - José Gonçalves de Araújo Novo».

O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao tomar parte na discussão na generalidade do projecto de lei que tive a honra de subscrever com outros Srs Deputados tive ocasião de, a respeito da matéria deste artigo, afirmar que se tratava de matéria que não precisava de justificação. Aliás, o assunto foi versado com brilho e com largueza por todos os ilustres Deputados que dele se ocuparam.
Nós, Sr. Presidente, afirmamos Deus, não discutimos Deus.
Vejo, Sr. Presidente, que na Mesa se encontra uma proposta com a mesma ou semelhante intenção, subscrita pelo ilustre Deputado Melo e Castro e outros Srs. Deputados.
Sem embargo de ver suprimida uma pequena parte que, julgo, apontava uma razão forte, a da fidelidade à fé em que nascemos e nos engrandecemos, repito, sem embargo da falta dessa- afirmação, pequena no número de palavras, mas grande na realidade do seu sentido histórico da espiritualidade portuguesa, a nova redacção proposta é aceitável.
Nestas circunstâncias, por mim, e julgando interpretar o sentimento de todos quantos subscreveram comigo o projecto, aceito a proposta de substituição, porque, na essência, é a mesma, só divergindo na forma. E como só a essência nos interessa, sobretudo em matéria desta magnitude, pondo de lado a forma, aceito a proposta de substituição.
Tenho dito.

O Sr Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: é com grande constrangimento que vou discutir a matéria agora posta para exame da Assembleia. Graças a Deus sou católico, na fé de Cristo nasci e na fé de Cristo desejo morrer.
Isto quer dizer que, no plano individual, nada posso objectar ao que no artigo em discussão se contém.
Mas não é no plano individual que a questão tem de ser considerada. E no plano político.
E neste plano, se não posso tomar posições que contrariem a minha consciência, também não devo tomar aquelas que possam magoar a consciência dos outros.
A minha consciência não me obriga a votar que, no pórtico da Constituição, se invoque o nome de Deus, mesmo porque essa invocação não tem, por si, nenhuns reflexos no texto constitucional.
Só poderá tê-los na medida em que apontar para determinada doutrina, para determinada religião.
Significará então que nas instituições e nas leu o Estado deverá não só manter-se fiel ao espírito dessa religião, mas não permitir que seja legalmente possível a prática de netos ou a constituição de estados contrários à mesma religião. Entendida assim, a fórmula proposta conduziria a que a Constituição não é para todos os portugueses, mas só para uma parte deles, embora esta parte seja a grande maioria. Além de que seria uma expressão de violência sobre os consciências. Foi certamente diante da lógica destas consequências que pessoa particularmente qualificada na matéria sugeriu, da tribuna, a modificação da fórmula da proposta em termos de se não apontar para um Deus cujo conhecimento é iluminado pelas luzes da revelação, mas para Aquele a cujo conhecimento pode chegar-se só pela luz da razão.
Nesta orientação está a proposta de substituição agora apresentada.
Assim, o que se invoca é um Deus sem doutrina ou cuja doutrina é a que foi esculpida na própria natureza humana e a integra. A doutrina será a lei natural, sujeita à diversidade de interpretações a que necessariamente conduz o vário nível do conhecimento dos valores religiosos e morais, no espaço e no tempo.
Parece-me evidente que a invocação nestes termos não só não pode conduzir a nada de útil, mas até pode levar a soluções contraditórias na estruturação das instituições e das leis. Não obriga a seguir, nessa estruturação, nem a doutrina cristã, nem a maometana, nem a budista, mas admite que se siga qualquer delas. Admite que o Estado tome uma atitude confessional, mas tanto pode ser cristão, como maometano, etc. E admito que o Estado, guardado o respeito pelo direito natural, conforme a interpretação a que, no estado actual da civilização, se chegou da lei natural, tome uma atitude neutral.
Por mim, sou contra o Estado neutral, além do mais, porque julgo impossível que actue sem uma concepção o homem e da vida. A concepção do homem e da vida procede, segundo creio, da esfera religiosa.
A esfera religiosa abarca o social e o domínio da consciência individual Porque abarca o social, o Estado não pode desinteressar-se dela; porque toca a consciência individual, o Estado não pode impô-la. Só pode propô-la.
Entendo que o Estado Português deve adoptar como fundamento da sua actuação a concepção cristã da vida e do homem; mas não pode impô-la, de modo a violentar as consciências individuais.
Sou, por isso, contra a fórmula do projecto, que, apontando para a concepção cristã da vida, pode agravar, num documento que a todos respeita, a consciência de alguns milhões de portugueses; e sou contra a fórmula sugerida em substituição daquela, porque, além de aceitar como possível uma atitude neutral do Estado, admite como possíveis soluções contraditórias.
Creio que assim não sou contra Deus, mas por Deus; não sou pelo materialismo da foice e do martelo, mas pela civilização cristã; não sou agnóstico, mas crente
Creio mesmo que, procedendo assim, estou a defender os interesses da igreja católica em Portugal.
Não sou contra Deus. Nenhum de nós nesta Casa é contra Deus.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas importa, dadas as interpretações que têm sido dadas à atitude atribuída a certos Deputados, que isso fique afirmado por decisão da Assembleia. Como todos somos católicos, ou todos cremos em Deus, ou todos temos um fundo cristão, podemos, individualmente e no conjunto, reconhecer e afirmar Deus, o seu valor como fonte da justiça e da moral, o seu valor como fundamento do poder. Nada nos impede de o fazer. Feito uso, creio que ninguém poderá acoimar-nos ou declarar que nós, porque não votamos que no pórtico

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da Constituição fique uma determinada invocação, somos contra Deus.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não Nós somos por Deus O que entendemos é que não podemos, num documento que se dirige a todos os portugueses, impor a invocação de um certo Deus mesmo àqueles que o não sigam ou fazer a invocação inútil e, como demonstrei, perturbadora de um Deus sem doutrina, que admite que o Estado se oriente na sua actividade por qualquer doutrina e até que tome uma atitude neutral Estas as razões por que, Sr Presidente, peço licença para mandar para a Mesa a seguinte moção, em que peremptoriamente se afirma o reconhecimento de Deus como fonte de poder, da justiça e da moral, de uma justiça e de uma moral transcendentes, heteronomas, não de uma justiça ou de uma moral imanentes
Envio, pois, para a Mesa a seguinte.

Moção

«A Assembleia Nacional
Considerando que não está a elaborar uma Constituição Política nova e tão-somente a rever o texto da Constituição vigente;
Considerando que a revisão em curso, como consta da proposta e dos projectos apresentados, não toca nos princípios de ordem política, social, económica e espiritual que informam o actual estatuto constitucional:
Afirma nesta moção o seu profundo respeito por tudo quanto Deus representa como fonte e origem do poder, fundamento da moral e da justiça nas relações humanas, e presta homenagem às intenções dos signatários do projecto de preâmbulo

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 7 de Julho de 1959. - O Deputado, Mário de Figueiredo».

O Sr Simeão Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente pedi a palavra, em primeiro lugar, para uma questão prévia resultante do próprio Regimento desta Assembleia e que me parece estar nos termos precisos do mesmo Regimento, que prevê, realmente, a apresentação de moções como termo da discussão de avisos prévios.
É o § 2 º do artigo 49.º, quando trata de avisos prévios, e que diz o seguinte.
Leu.
De maneira que a apresentação de moções está prevista especificamente para o caso dos avisos prévios.
Quando se trata de uma proposta de lei ou de um projecto, não me parece que se preveja a apresentação de moções, e, nestas condições, eu ponho a questão prévia, independentemente de a moção apresentada ser admitida ou não. No caso de o ser, pergunto o seguinte, se a moção apresentada tender ao objectivo de prejudicar o projecto de lei, podei á atingir essa finalidade? É isto que desejo saber, paia depois me pronunciar sobre as palavras do Sr Deputado Mário de Figueiredo.

O Sr. Presidente: -O § 2.º do artigo 49º do Regimento prevê para os avisos prévios a possibilidade de terminarem por uma moção, mas nem ali nem noutra disposição se proíbe a apresentação de moções noutro terreno, como o da discussão das propostas ou projectos de lei Aquela possibilidade contemplada para os avisos prévios não importa a proibição das moções durante a discussão das leis. E a tradição repetida nesta Assembleia é precisamente esta jurisprudência que consagra Está assim respondida a primeira interrogação de V. Ex.ª.
Quanto à segunda interrogação, a admissão da moção não prejudica a votação do preâmbulo com a proposta de substituição que foi apresentada Ás moções são afirmações de princípios, de aspirações, muitas vezes necessárias nas assembleias políticas, mas não podem substituir as deliberações sobre textos de lei submetidos à sua apreciação Fica assim esclarecida a segunda interrogação de V. Ex.ª
Continuam em discussão o artigo l º, a proposta de substituição e a moção do Sr Deputado Mário de Figueiredo.

O Sr Simeão Pinto de Mesquita: - Muito obrigado a V. Ex.ª, Sr Presidente
Em primeiro lugar, cumpre-me respeitar as explicações do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, como cristão e como defensor de Deus Em todo o caso, as suas razões de que o nome de Deus no texto constitucional não pode conduzir a coisa nenhuma na prática, de positivo, de benéfico, inclusivamente para a Igreja e mesmo para outras religiões que assentam na existência de um Ser Supremo, criador s senhor do Mundo, não me parece que convençam, visto que essa inclusão teria uma repercussão reconfortante, ampla, receptível, na consciência nacional, na de todo o mundo português.
Sobre esta matéria já falaram pessoas idóneas e categorizadas, como os venerandos sacerdotes que se pronuncia iam sobre ela, de maneira que não quero alargar a discussão senão para apreciar uma interpretação, que não me parece, de maneira nenhuma, consequente.
Compreendo perfeitamente que em 1933, quando da plebiscitação da Constituição, a matéria não fosse introduzida nela, em virtude de não ter sido lembrada, por premente ou por razões políticas determinadas por factos e circunstâncias ainda muito próximos Mas o Mundo tomou, de então paia cá, aspectos gravíssimos, no sentido de se formar um movimento de ateísmo militante, que não existia nessa altura, pelo menos com a força actual, como bem resulta das informações dadas pelo Sr Presidente do Conselho e, nesta Câmara, pelo Sr Deputado André Navarro.
De maneira que há uma razão particularmente actuante, impulsionadora; no sentido de uma afirmação de Deus, que não havia em 1933 é exactamente essa agressão militante do ateísmo Em foce dela, nós vemos que na Constituição se marcou bem a orientação tradicional cristã e católica do espírito português, e isso representa grande triunfo sobre o que vinha de trás! Está bem marcada, mas, em todo o caso, é uma coisa que se respeita e anima, mas que se passa um pouco como que por fora, objectivamente, e não interiormente vivida. Pelo contrário, esta afirmação preambular, positiva, da invocação de Deus, não se limita a significação que parece atribuir-lhe q Sr. Dr. Mário de Figueiredo, de uma espécie de Deus vazio, que não significa coisa nenhuma- o Deus doa teístas do século XVIII; ora as coisas hoje não suo assim
E paia o demonstrar vou, ao gosto da sua dialéctica, exemplificar com um caso
Suponhamos que estávamos não em 1959, mas em 1822, a discutir a correspondente Constituição. Suponhamos, por hipótese, que nessa altura, quando se discutia o sabido preâmbulo da Santíssima Trindade, aliás aplaudido pelos livres-pensadores iniciadores do movimento, aparecia um Deputado que, na lógica da sua ideologia, reclamava que não deveria evocar-se a Santíssima Trindade, mas simplesmente Deus. Em tais circunstâncias essa invocação de Deus teria o puro aspecto teísta, próprio da filosofia dá época e que se

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pretende generalizar à invocação que propomos. Ora, as circunstâncias actuais são, só por si, veemente argumento contra tal sentido a atribuir u palavra Deus, hoje. O que só ilustra ter de se atribuir aos conceitos significação alterada segundo o tempo.
Através deste exemplo julgo ter assaz explicado como a invocação de Deus proposta não tem a mesma significação que teria há cento e tantos anos
A palavra é n mesma, mas o sentido é diferente.
Hoje ela significaria simplesmente fé, escudo, divisa e bandeira contra o ateísmo militante.
Encaremos outra objecção à admissão do preâmbulo a da palavra a Deus» representar um Deus vazio, vago, que pode considerar-se - como o hei-de dizer?- uma espécie de casulo paia todas as religiões.
Ora nós, exactamente, no sentido imperial da nossa vida em todos os continentes, em todas as partes do Mundo, defendemos uma posição essencial de Deus, que é atacada por esses atestas militantes Temos protestantes, muçulmanos, judeus, budistas, os quais, longe de o hostilizarem, só podem venerar Deus no que tem de irredutível Portanto, a sua invocação, longe de ser um elemento de discórdia ou de desarmonia, deverá antes tornar-se traço de união de todos os portugueses

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ë isto que eu queria dizer, e mais nada.
Tenho dito.

O Sr. Franco Falcão: - Sr Presidente ouvi com a maior atenção as palavras do Sr Prof. Mário de Figueiredo, proferidas, aliás, com aquele brilho e com aquela fluência a que me habituei quando tive a honra de ser seu modestíssimo aluno de Direito Comercial em Coimbra Impressionaram-me certos argumentos trazidos ao conhecimento da Câmara por S. Ex.ª, e por isso me abalancei a fazer umas breves considerações
Disse V Ex.ª, Sr. Prof Mário de Figueiredo, em primeiro lugar, que o problema foi por v. Ex a posto não com carácter pessoal, visto que isso certamente repugnaria à consciência de crente e de católico que V Ex.ª é e todos sabemos, mas apenas vinha trazei ao conhecimento da Câmara o problema sob o ponto de vista político.
É claro que o problema, colocado no ponto de vista político, daria motivo as mais variadas divagações, e se V. Ex.ª tivesse trazido à apreciação da Câmara, com aquele conhecimento de causa e o brilho que lhe são peculiares, por exemplo, as doutrinas teocráticas, certamente com elas V Ex.ª daria à Câmara uma maior convicção e, sobretudo, vinha a dar-nos a nós razão de que realmente o preâmbulo é oportuno.
Por outro lado, um outro argumento de V Ex.ª estriba-se no seguinte é que a indicação do nome de Deus no pórtico da Constituição estabelecia nitidamente uma divisão entre os católicos e os não católicos. E, portanto, a invocação do nome de Deus na Constituição ...

O Sr Mário de Figueiredo: - Eu não disse nada disso nem qualquer coisa que se pareça V Ex.ª está a criticar aquilo que diz que eu disse.

O Orador: - Peço desculpa se deturpei o pensamento de V. Ex.ª e vou ver se consigo integrar-me dentro dele.
V. Ex.ª disse que a invocação do nome de Deus no pórtico da Constituição daria margem a que a Constituição não fosse uma Constituição que albergasse todos os portugueses, e portanto os católicos e os não católicos. Será isto?
Ora, se o problema é posto assim, direi que ele pode ser posto debaixo do ponto de vista político e partir do princípio de que a Constituição portuguesa, sendo uma Constituição republicana, não alberga todos os pontos de vista políticos dos Portugueses, por exemplo o dos monárquicos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados votarei sem hesitações o preâmbulo submetido à votação da Câmara, ao qual, de resto, já tinha dado a minha total, firme e respeitosa aprovação na generalidade quando tive a honra de subir à tribuno, não para discutir Deus, mas para O afirmar em toda a sua grandeza, bondade e poder supremo.
Adorar a Deus e amá-lo sobre todas as coisas é o primeiro mandamento da lei de Deus, o qual vive, ardente de fé, na alma do povo português, que, sob o signo luminoso da cruz de Cristo, conquistou as glórias do passado e tem sabido no presente construir a doce paz em que vivemos, escapando às guerras, às paixões dos homens e às ganas do comunismo ateu A invocação do nome de Deus na nossa Constituição não pode deste modo forçar as consciências, pois obedece a imperativos de seculares tradições constitucionais e constitui ainda motivo de reafirmação das nossas crenças religiosas no momento elevado em que Fátima e Cristo-Rei anunciam ao Mundo que reencontrámos a luz esplendorosa de que nos tínhamos afastado por culpa dos erros dos homens, da irreligiosidade do Poder e do jacobinismo maçónico. Com efeito, logo a nossa primeira lei constitucional de 1822 abria sob a invocação da Santíssima Trindade e fixava em quatro os elementos da Nação, território, religião, governo e dinastia. Com a Constituição de 1911 rasgou-se toda a nossa tradição cristã, vítima das alucinantes fúrias demagógicas, onde o respeito por Deus e pela sua doutrina se transformou em repugnante assalto aos templos, em desordenada perseguição aos sacerdotes e violento ataque a todos aqueles que desejavam viver cristãmente no seu seio e coração.
Por isso a aprovação do preâmbulo impõe-se como tradição do nosso direito constitucional, como reparação das ofensas e do sacrilégio de um passado infame e pecador, e ainda como reconhecimento a Deus pelas graças p benefícios de que nos tem cumulado e pelos bens materiais e espirituais com que tem contemplado a Nação Portuguesa De resto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, paia num, entendo - e isto é uma opinião absolutamente pessoal- que a rejeição do preâmbulo representa pura e simplesmente renegar a Deus

Vozes: - Não apoiado! Não apoiado!

O Sr. Presidente: -Sr. Deputado Franco Falcão chamo a atenção de V. Ex.ª para as palavras que proferiu.

O Orador: - Sr Presidente se realmente as minhas palavras trouxeram para a Câmara uma reacção que vi que se traduz numa consciência bem formada dos Srs. Deputados, por quem tenho a maior consideração e estima, evidentemente retiro a palavra para S Exas. Posso ter fendo a sua consciência e sensibilidade, e resta-me simplesmente manifestar-lhes a minha maior simpatia e consideração e dizer-lhes nitidamente: foi uma opinião pessoal que não teve a intenção de melindrar VV Exas. na mais pequenina parcela que fosse Apresento, portanto, a todos VV. Exas. os protestos da minha maior consideração.
Disse.

O Sr Presidente: - Continua em discussão.

O Sr Agnelo do Rego: - Sr Presidente: pedi a V Ex.ª a palavra apenas para apresentar o meu depoi-

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mento e não propriamente para discutir Tenho diante de mim, para a aprovar ou rejeitar, a matéria do artigo 1º do projecto de lei n º 23, com a substituição hoje proposta Questão e melindrosa? Não, em si mesma, que o assunto se apresenta com tanta naturalidade que só com visão errada se fará dele uma questão.
De que se trata afinal? Concreta e simplesmente de , fazer, ou não, inserir na Constituição um preâmbulo invocativo de Deus, inscrevendo, pois, de maneira explicita e solene, nesse diploma fundamental o nome de Deus como expressa manifestação de fé nacional.
Ora, poderá negar-se, ou sequer pôr-se em dúvida, que a Nação acredita em Deus e O confessa, e que esta crença assim viva é uma das notas de maior relevo, que bem a caracteriza no passado e no presente e deve, por isso, figurar na Constituição, a fim de a completar, patenteando a identidade da Nação juntamente com as demais características ali expressas, e dando perfeito sentido a certas afirmações de conteúdo espiritual também já ali contidas?
E poderão, porventura, advir quaisquer inconvenientes de um preâmbulo com tal significado? Não vejo inconvenientes alguns e, pelo contrário, na rejeição dele, ou seja na resposta negativa à pergunta implícita no artigo 1.º do projecto de lei em apreciação, com a substituição pi oposta, é que vejo o inconveniente grave de fechar os olhos diante da verdade, mesmo politicamente, insofismável, de que a Nação crê e invoca Deus, ou -o que é equivalente - a grave inconveniência de esquecer essa verdade e, com ela, de certo modo, ao menos aparentemente, um dever resultante da minha qualidade de mandatário da Nação.
Ainda; além disto, se me afigura que se, como acabo de dizer, politicamente não pode negar-se a referida verdade, também politicamente se pode correr o risco de -não a afirmando depois de proposta a sua declaração - produzir desse modo o efeito de a negar, e não estou convencido de que nesta matéria não seja também politicamente inconvenientíssimo poder parecer-se o que estou certo de que ninguém desejará, seja qual for o seu íntimo.
Note-se, por conseguinte, que para pensar da maneira que venho expondo não preciso ser crente, bastando-me ser apenas objectivo e olhar as realidades
Mas, se tenho fé e francamente a afirmo, nisso me sentindo, portanto, identificado com a Nação, só encontro aí mais, um motivo para aprovar o preâmbulo em causa, visto que através deste se prestará a Deus a homenagem que -embora Deus não precise dela - Lhe é, aliás, sempre devida, tanto pelos indivíduos, como, logicamente, pela Nação organizada em Estado, e então não sei como é que a afirmação da minha fé poderia legitimar a minha recusa à invocação oficial de Deus por parte da Nação, que eu represento e sei ser crente como eu.
Em conclusão: sinto falar dentro de mim uma só consciência que, política e religiosamente, me impõe o mesmo procedimento.
Procedimento sob coacção este?
Nunca! Somente livre determinação, tomada serenamente com base nas razões da consciência esclarecida.
Tenho dito.

O Sr. Melo e Castro. - Sr Presidente: como signatário com outros Srs Deputados de uma proposta de substituição, e por só há pouco esta ter sido apresentada, sinto de meu dever não calar neste momento algumas palavras de justificação Serão breves, até porque não trago uma intervenção preparada para assunto de tanta magnitude como este de que nos estamos a ocupar.
Há ainda outra razão que me move a não deixar de dizer em voz alta uma breve justificação do que propusemos desde há cerca de dez anos que intervenho nos trabalhos parlamentares e quase sempre pude guiar-me, ao formar os meus juízos e votos, pela autoridade e grande experiência do Sr Deputado Mário de Figueiredo Se o não posso fazer neste caso não queria deixar de reafirmar a S. Ex.ª o meu respeito e a minha grande admiração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O objectivo da proposta de substituição que apresentámos condensa-se no seguinte proporcionar uma fórmula que não possa ser alvejada pela crítica, a meu ver procedente, do parecer da Câmara Corporativa contra a fórmula proposta no artigo l º do projecto em discussão - que ela é excessivamente confessional e há na comunidade portuguesa, espalhada pelas sete partidas do Mundo, crentes de outras religiões que não a católica A fórmula que apresentámos agora - «No princípio da sua lei fundamental a Nação Portuguesa invoca o nome de Deus»- permite que a ela possam aderir os crentes de todas as religiões, pelo menos de todas as religiões superiores Também, Sr Presidente e Srs Deputados, esta fórmula permite a adesão de quem quer que - raros entre nós - tenha de Deus uma noção puramente racional Esta fórmula, creio, é suficientemente ampla para nunca se poder ouvir, em relação a ela, palavras como as que há pouco proferiu o Sr Deputado Mário de Figueiredo, «que não se deve magoar a consciência dos outros»

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quem poderá, na sociedade portuguesa, diria no Mundo inteiro, encontrar obstáculos de consciência à afirmação, pura e simples do nome de Deus? Suponho que só os que sejam ateístas militantes, os que precisamente tenham por objectivo político riscar o nome de Deus dos textos e das consciências.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há uma expressão lapidar, há anos proferida pelo Sr Presidente do Conselho - a afirma-se a Nação na medida em que há quem a negue» -, que suponho pode aplicar-se, por maioria de razão, nesta matéria é preciso afirmar Deus, no nosso texto legal fundamental, na medida precisamente em que há quem O negue, ao serviço de ideologias materialistas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A inclusão do nome de Deus no texto constitucional não é assim uma inutilidade. Ela é necessária como afirmação do princípio espiritualista que deve informar todas as mossas leis e instituições E necessária como afirmação da raiz espiritualista do bem e da justiça que queremos Se a justiça não vier de Deus, de onde poderá vir?
A necessidade da afirmação de Deus como princípio da espiritualidade nunca a vi tão evidente como ainda há minutos, nesta sala, na indignação com que alguns Srs Deputados impugnaram uma interpretação - sem dúvida dada de boa fé - pelo nosso colega Franco Falcão de que rejeitar o nome de Deus na Constituição significa renegar Deus Pois então, se VV. Exas. tanto se indignam que essa interpretação possa ser dada, porque não afirmam claramente o nome de Deus na Constituição? Porque hesitam?

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Também, Sr. Presidente e Srs. Deputados, desejava observar, em relação à moção do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, há pouco lida, que não consigo compreender qual o obstáculo, perante a consciência, -que possa impedir a afirmação de Deus no texto da Constituição, um texto que permanece, quando essa afirmação é feita numa moção, que o tempo leva? Que obstáculo impede esse passo, que seria natural, da moção à Constituição? Se Deus é fonte do poder, da moral, da justiça e do bem na moção, porque não há-de ser na Constituição? Razões políticas? Não vejo nenhuma que possa levar a cindir a consciência individual da consciência política.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mais uma justificação da proposta desejava acrescentar em relação a uma das críticas do Sr. Deputado Mário de Figueiredo: a de que a simples alusão a Deus não obriga a seguir determinada moral concreta, e que só esta concretização é que teria real utilidade. Oporei que já a nossa Constituição, no artigo 45.º, concretamente alude à religião católica como a religião da Nação Portuguesa. Portanto, uma moral certa e determinada está já adoptada pela nossa Constituição. Não seria necessário repetir-se no preâmbulo. À luz deste artigo poderemos nós, católicos, facilmente interpretar a expressão-«Deus» que fique no preâmbulo como aludindo ao Deus da nossa fé, mas a expressão é suficientemente ampla para que outros crentes ou até os que não tenham confissão alguma com ela não se sintam em conflito. O fim que se tem em vista com a invocação do nome de Deus, repito, não é senão o de uma homenagem solene, no texto fundamental da vida jurídica do País, como já existe em muitos outros países civilizados, ao princípio da espiritualidade. Termino já, com o voto de que estas razões bem simples, que impressionaram a minha consciência, possam impressionar também a consciência de todos os Srs. Deputados daqui a pouco, ao proceder-se à votação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Abranches de Soveral: - Sr. Presidente: não é para discutir nem o preâmbulo nem a moção que eu pedi a palavra.
Das considerações hoje aqui feitas pelos outros subscritores do projecto, que inteiramente perfilho, deduz-se que não admitimos discussão sobre a ideia de Deus, e não entraríamos, consequentemente, nela. Porém, das afirmações do Sr. Prof. Mário de Figueiredo infere-se que todos somos crentes, havendo unanimidade quanto à fé em Deus. Está, assim, arredada qualquer discussão a este respeito; e o problema a justificar agora é tão-sòmente o de saber se esse nome deve encimar o pórtico da Constituição ou deverá ser relegado para a moção apresentada, a qual, na medida em que se propõe inutilizar o preâmbulo, supõe realizar o ideal de tantos: estar bem com Deus e com o Diabo.
Salvo o devido respeito pelas cintilantes e especiosas razões com que se procura justificar a injustificável moção, elas nem se justificam em si nem tão-pouco justificam a moção que preconizam.
Em qualquer outra altura a moção seria de aprovar. Simplesmente, quando a Assembleia está no exercício da sua função constituinte, reformando a lei fundamental da Nação, não se concebe uma moção que a leve a demitir-se da sua função legislativa nesta matéria transcendente. Acaso o assunto não está à altura da Constituição? Todos concordamos que está, porque todos nos confessamos crentes.
E, assim, só inserindo na Constituição o nome de Deus esta Assembleia constituinte lhe prestará a homenagem condigna que todos queremos prestar ao afirmarmo-nos crentes. Tudo o resto seria diminuirmo-nos ou diminuí-lo. Por isso não votarei a moção.
Posto isto, só uma sumária justificação do preâmbulo projectado.
Ao redigirmos este preâmbulo não tivemos nós, os seus subscritores, em vista defender qualquer credo religioso - que para tanto nos falecia até a legitimidade-, nem tão-pouco defender Deus, que não carece de defesa.
Só procurámos defender os homens. Tivemos principalmente em vista pôr no lugar próprio a ideia de Deus -que toda a Nação vive-, marcando posição ostensiva e solene, no momento em que, como salientou o Sr. Dr. Pinto de Mesquita, outros fazem afirmação ostensiva do seu ateísmo activo. Quisemos vincar a supremacia do espiritual, quando se quer subverter o Mundo numa onda de materialismo feroz.
Quisemos definir o valor supremo e fecundo, para evitarmos o caos axiológico em que já tantos se debatem.
Por outro lado, parece que, sendo a Constituição a lei fundamental organizadora do Estado, a inclusão do nome de Deus no seu pórtico constitui, quanto ao Estado, a limitação necessária para que se não volva em totalitário e, quanto ao indivíduo, o princípio moral que lhe impõe obediência ao poder legitimamente constituído, até ao limite em que lho permita a sua dignidade de pessoa humana.
A Constituição não é uma lei que o Estado emita para uso exclusivo dos particulares: é uma lei em que a Nação toda se organiza politicamente. E não me parece que seja despiciendo, numa hora em que o ponto fulcral dos problemas políticos está precisamente na dificuldade de saber onde termina o poder do Estado sobre o indivíduo e onde terminam as liberdades do indivíduo contra o Estado, não me parece despiciendo, dizia eu, que se inscreva no pórtico da Constituição o nome de Deus como única medida válida para a fixação dos direitos e dos deveres mútuos do Estado e do cidadão.
Os homens ainda não descobriram outro conceito que utilmente solucionasse a questão crucial de saber onde terminam os direitos e deveres do Estado para começarem os deveres e os direitos dos homens; é este o verdadeiro drama político em que se debate há um século a humanidade.
E nós só na ideia de Deus vemos a sua solução possível.
Ora, se, como se confessa na moção, Deus é fonte e origem do poder, porque se não há-de inscrever o seu nome na Constituição, que ordena esse mesmo poder?
É este o problema.
Mas não constitui ele apenas uma questão de forma, como entendem os proponentes da moção: é problema verdadeiramente fundamental, pelas razões que já enunciei.
Se a invocação do nome de Deus, fonte e origem de todo o poder - na frase da moção -, tem o extenso e profundo significado político que já sumariámos, o seu lugar próprio é à frente da Constituição, em que se organiza aquele, poder em Estado e se definem os direitos fundamentais do cidadão.
Era isto, Sr. Presidente, que eu queria dizer, quase telegràficamente, congratulando-me com a unanimi-

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dade da Assembleia a respeito da fé em Deus e justificando a razão por que entendo que esta unanimidade de uma Assembleia constituinte só pode dignamente expressar-se gravando o nome de Deus na Constituição viva que vai reger a vida nacional, e não numa moção morta, que se destina ao pó dos arquivos.
Tenho dito.

O Sr. Vasques Tenreiro: - Sr. Presidente: o assunto em questão é extremamente melindroso, como disse o Sr. Prof. Mário de Figueiredo, ou, pelo menos, isso se pode extrair da sua autorizada palavra.
Certamente que não sou eu a pessoa mais indicada, nem aquela que reúne maior capacidade, para vir, numa Assembleia desta qualidade, debater este problema. Limito-me, assim, a aflorá-lo. Depois de vários depoimentos que aqui foram feitos, parecendo-me desnecessário fazer qualquer profissão de fé, quero trazer uma palavra de concordância com o que o Sr. Prof. Mário de Figueiredo disse no início deste debate. Essa palavra de concordância baseia-se no seguinte facto, aliás pertinentemente apontado pelo Sr. Prof. Mário de Figueiredo: nenhum de nós discute realmente o sentimento colectivo da gente portuguesa, a necessidade de Deus, etc. O que está em discussão nesta Assembleia, que é uma Assembleia essencialmente política, o que deve estar em discussão, digo, são as possíveis repercussões que um preâmbulo do teor daquele que se quer introduzir na Constituição pode ter em Portugal e no estrangeiro.
Quando me refiro a Portugal, quero, salientar, particularmente, aquelas regiões portuguesas habitadas por populações de credos os mais diversos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já não são só religiões, mas credos ... De facto, nem todas as populações portuguesas, particularmente as do ultramar, se regem ou orientam, moral III ente j por religiões superiores. Isso é um engano. Muitas populações portuguesas -ia a dizer a maior parte - regem-se ainda hoje por religiões que estão longe de poderem considerar-se superiores. O ultramar português, ou a África no seu conjunto, neste caso particular, como VV. Ex.ªs sabem, são motivo de especulações as mais variadas e desvairadas. Deita-se realmente o fogo de fora ou nasce lá espontâneamente ... Para o facto tanto importa.
E, assim, só quero que, antes de se votar em plena consciência, não se exclua a meditação das consequências que pode ter a aprovação do preâmbulo que se propõe.
Será este o momento oportuno de abrirmos um preâmbulo na Constituição? Não sei se será. Quem nos diz a nós -e neste caso possuo uma autoridade particular para o afirmar -, quem nos diz a nós que amanhã não se dirá que os Portugueses mais uma vez deram prova de um etnocentrismo agudo? Quando passamos a vida a querer demonstrar que tal não é assim, quer no que se refere à raça, quer aos credos, não me parece prudente dar azo a que se afirme o contrário.
Chamo a especial atenção de VV. Ex.ªs para este aspecto, que me parece relevante; desejava que a Câmara meditasse profundamente a tal respeito.
Creio que o momento talvez não seja o mais azado para introduzirmos agora um tal preâmbulo na Constituição, por mais simpático que ele seja e esteja na alma de todos nós.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Santos da Cunha: - Sr. Presidente: vai já longa a discussão na especialidade e não a vou prolongar excessivamente, tanto mais que estou certo de que cada um de nós tem já a sua opinião formada e só aguarda, quero crer que com impaciência, a possibilidade de afirmar com o seu voto a expressão da sua consciência religiosa e política.
Simplesmente, está posta em discussão uma moção que, porventura, será votada antes do projecto em discussão e da proposta de substituição que foi apresentada na Mesa.
Ora, Sr. Presidente, desejo declarar -e penso que ao fazê-lo interpreto também o pensamento de mais alguns Srs. Deputados- que não vejo nada que obste à aprovação da moção na sua conclusão, visto que esta está concorde com .o nosso pensamento. Mas, Sr. Presidente, não aceitamos os considerandos em que ela se fundamenta, o que logicamente deixa a todos liberdade para aprovação do projecto ou da proposta de substituição.
Quero que esta declaração fique anotada, para que não possa depois dizer-se que houve qualquer incongruência.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente: tal como os outros Srs. Deputados, começo por prestar as minhas homenagens ao Sr. Prof. Mário de Figueiredo.
Na verdade, tenho aprendido muito com S. Exa., especialmente pelo espírito de humanidade que brota da sua rica personalidade.
Mas é precisamente este espírito de humanidade, este sentido largo de compreensão humana do Sr. Prof. Mário de Figueiredo, que nesta hora abona a minha posição, fortalece a ideia de discordância da minha parte.
Referir-me-ei a duas questões: a moção apresentada pelo Sr. Prof. Mário de Figueiredo e o projecto relativo ao preâmbulo invocando o Santo Nome de Deus. Eu próprio, como é do conhecimento de VV. Ex.ªs, sou um, signatário da proposta de substituição há pouco lida.
Quanto à moção do Sr. Prof. Mário de Figueiredo, põe-se desde logo a seguinte questão: em que qualidade a votamos? Para dar calma à nossa consciência individual ou na correspondência ao imperativo do mandato de que estamos revestidos?
Se fosse para acalmar a nossa consciência individual, era despropositada aqui a nossa intervenção. Nós estamos aqui como Deputados. Ora a moção é votada em consequência das funções da representação de que estamos investidos, não pela razão para que ela não suscite os melindres ou susceptibilidades que dizem poder suscitar a invocação do preâmbulo.
A moção consta de duas partes: uma justificativa, outra afirmativa.
Não voto a parte justificativa na medida em que a sua expressão formal parece arredar a votação do preâmbulo.
Nós, numa revisão constitucional, podemos alterar em tudo a Constituição, visto que a Assembleia tem tais poderes. Assim, nada impede que se introduza agora um preâmbulo.
Esta conduta está, de resto, na sequência de posições assumidas em revisões constitucionais anteriores. Quando, na revisão de 1951, se consagrou no artigo 45.º que a religião católica é a religião da Nação Portuguesa, não se tomou posição idêntica, talvez mesmo provocadora de maiores susceptibilidades, dada a restrição à confissão católica?

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Quanto à questão de fundo da moção, ou seja a parte que chamei afirmativa, se a votamos como representantes da Nação, ferimos as mesmas susceptibilidades, repito, que feriremos votando o preâmbulo.
Não há, pois, razão para não atacar o assunto de frente e dar sentido claro às nossas posições.
Mas porque voto eu o preâmbulo, na forma da proposta de alteração apresentada?
No decorrer da discussão na generalidade e, agora mesmo, na especialidade, foram aduzidas várias razões. Se não as trago de novo, limito-me a enumerar algumas das que pessoalmente me decidiram, depois de repensado o assunto, a assumir uma posição em defesa da invocação, no texto constitucional, do Santo Nome de Deus.
1.º «Se Deus existe -como se escrevia no parecer subsidiário da secção de Interesses espirituais da Câmara Corporativa, por altura da revisão constitucional de 1951 -, há que confessá-lo, reconhecer o seu domínio supremo e prestar-lhe q devido culto. E esta obrigação impende tanto sobre os indivíduos singularmente considerados como sobre o. próprio Estado, que os representa».
Tenho a estranhar que em 1959 a secção de Interesses espirituais não tivesse dado o seu parecer sobre esta matéria da invocação. Acontece mesmo que todos os pareceres da .Câmara Corporativa relacionados com a presente revisão constitucional foram sómente e sempre subscritos pelo mesmo grupo de muito Dignos Procuradores. Ora, talvez tivesse sido de interesse que outros Procuradores tivessem sido agregados. Exemplifico com representantes da imprensa relativamente ao projecto do Deputado Carlos Moreira que se refere a tal matéria.
Não creio, porém, que de 1951 para cá se tivessem alterado as condições que levaram a secção de Interesses espirituais de então a advogar a proclamação do nome de Deus. Antes pelo contrário.
Mas andamos nós a esgrimir com moinhos de vento ou a brincar às Constituições? Creio que a invocação do Santo Nome de Deus é feita nas Constituições de muitos países.
Umas vezes a invocação faz-se de uma forma simples. Por exemplo: «Em nome de Deus Todo Poderoso».
É o caso das Constituições do Chile de 1925, da Suíça de 1874 e dos cantões da Confederação Helvética de Friburgo (1857), Unterwald le hant (1902), Uri (1888) e Valais (1907).
Outras vezes a invocação completa-se na referência a certos atributos da Divindade.
Ë o caso das Constituições da Áustria de 1934, da Colômbia de 1886, do Paraguai de 1870 e do Irão de 1906. A própria Etiópia invocava o Santo Nome de Deus na Constituição em vigor antes 4a anexação à Itália.
Verifica-se assim que países de todos os continentes e nas mais variadas épocas dos tempos modernos invocam o nome. de Deus nos seus diplomas constitucionais.
Mas a enumeração não foi exaustiva.
As Constituições dê grande número de estados da União Americana também invocam o nome de Deus (Alabama -1901; Arizona, 1912; Arcansas, 1874; Califórnia, 1879; Colorado, 1876; Connecticut, 1818; Delaware, 1897; Florida, 1885; Geórgia, 1887; Idaho, 1890; Ilinóis, 1870; Indiana, 1851; Iowa, 1857; Cansas, 1859; Kentucky, 1891; Luisiana, 1913; Maine, 1819; Marilândia, 1867; Massachusetts, 1780; Michi-gão, 1908; Minesota, 1875; Mississipi, 1890; Missuri, 1875; Montana, 1889; Nebrasca, 1875; Nova Jérsia, 1844; Novo México, 1912; Nova Iorque, 1894; Dacota do Norte, 1889; Carolina do Norte, 1876; Oaio, 1912; Oklahoma, 1907; Pensilvânia, 1873; Rhode Island, 1842; Carolina do Sul, 1895; Dacota do Sul, 1889; Texas, 1876; Utá, 1895; Virgínia, 1902; Washington, 1889; Wisconsin, 1848, e Wyoming, 1889), exprimindo nesse preâmbulo sentimentos de gratidão para com a Divindade pelas liberdades de que gozam esses mesmos estados.
Esta prática tem, aliás, fundamentos bem longínquos. A Magna Carta inglesa, que data de 1225, formulava já em seu preâmbulo uma prece, exprimindo um acto de confiança em Deus (cf. a obra de Valérien Meys-ztowicz, La Religion dans les Constitutions des Etats Modernes, Roma, 1938).
2.º O texto das concordatas celebradas entre a Santa Sé e os Estados começa sempre por invocar a Santíssima Trindade (cf., por exemplo, as obras Raccolta di Concordati, de Angelo Mercati (Roma, 1919) e Concordata regnante sanctissimo domino Pio XI (Roma, 1934).
Esta prática verifica-se, aliás, nas concordatas celebradas entre a Santa Sé e Portugal, de que é exemplo mais recente a de 1940, já do tempo do Estado Novo (cf. por exemplo, a compilação em Libânio Borges, Concordatas e Concórdias Portuguesas) e que foi tão dignamente negociada pelo Sr. Prof. Mário de Figueiredo.
Ora as concordatas são instrumentos de direito internacional, o que, em dada medida, dá especial importância à invocação preambular contida nas mesmas.
3.º Também o nosso ilustre colega Dr. Agostinho Gomes demonstrou, na discussão na generalidade, e com que brilhantismo!, que as leis do Vaticano de 7 de Junho de 1929 não poderiam servir o argumento que a Câmara Corporativa pretendia tirar das mesmas.
Subsiste assim a ideia de quê a importância da inserção de um preâmbulo é revelada, quanto ao Estado do Vaticano, nas concordatas que celebra.
4.º E que dizer da prática tradicional portuguesa?
A. primeira Constituição escrita portuguesa dos tempos modernos, a de 1822, invocava a Santíssima Trindade.
Cai assim o argumento da Câmara Corporativa de que não há tradição.
Poderíamos, de resto, anotar aqui o seguinte: a Constituição de 1822 é a mais liberal de todas as Constituições portuguesas. Pois a mais liberal, ainda assim, invoca Deus.
Para a atitude tomada em 1822 podemos encontrar duas explicações:
1.ª Os que consagraram a invocação fizeram-no compenetrados da excelência de tal atitude. Sendo assim, temos de os louvar.
2.ª A invocação fez-se de má vontade mas fez-se.
E isto porquê? E que o legislador, não obstante o espírito contrário à nossa tradição que seguiu nas outras disposições, sentiu que o peso da presença de Deus era tamanho na tradição portuguesa e a invocação se impunha tão forçosamente que não conseguiu fugir a tal exigência da consciência nacional.
Mas aqui poderia até surgir outra dúvida: não ouvimos nós proclamar que um século de liberalismo em Portugal cortou com as tradições seculares da Nação? Não se diz que o Estado Novo reconduziu Portugal à linha das suas tradições? A que propósito, pois, a Câmara Corporativa invoca a tradição de um período que se considera em oposição às nossas tradições?
5.ª Também não me convenceu a falta de unidade religiosa da Nação Portuguesa, no argumento da Cá-

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mara Corporativa e em outros argumentos aqui aduzidos.
Tal facto estaria mais em oposição com o artigo 45.º, onde se diz que a religião católica é a religião da Nação Portuguesa, do que com a simples invocação do nome de Deus.
Uma grande maioria dos Portugueses (95 por cento) na metrópole são de confissão católica. Quanto aos 10 milhões do ultramar, talvez mais de 4 milhões sejam católicos ou pratiquem outras religiões positivas (protestantes, maometanos, etc.).
E os outros? Uma parte crê na existência de um Deus Supremo, a quase totalidade professa uma crença, embora em formas mais primitivas.
Eu, como católico, não afirmo o exclusivo de salvação aos católicos. Nesta medida também não fere a minha consciência uma invocação lata.
Vêm-me à mente as palavras de S. Paulo na Epístola aos Romanos, se não erro, no capítulo XI, versículo 6.
Já aqui foi referido o problema da religião natural. Referido e esclarecido. Não será ela, pois, causa de obstáculos à inserção da fórmula em discussão.
6.º Mas advirá da invocação qualquer dificuldade política considerando o ultramar português?
O Regime, por amor da verdade e do bem dos Portugueses, não tem tido dificuldades em proclamar, noutras ocasiões, as suas certezas.
A afirmação de espiritualidade coaduna-se com a política de assimilação que está na nossa prática civilizadora.
Mas será etnocentrista?
Er tão é natural que sejam etnocentristas as Constituições das repúblicas sul-americanas que invocam o nome de Deus, ou a da Abissínia, atrás referida. Não creio, porém, que se tenha feito, por tal motivo, uma acusação destas a tais Estados.
Será por outro lado etnocentrismo proibir certas práticas dos povos primitivos, por contrárias à vida e dignidade humanas?
Se é etnocentrismo, então já os nossos textos o consagram, na medida em que proíbem tais práticas.
O nosso querido colega Vasques Tenreiro escusa de ir para as conferências internacionais com medo de lhe surgirem novas complicações por conta da invocação.
Na verdade, àqueles que acusam a nossa posição no ultramar já hoje o fazem por razões que nós bem conhecemos. Os que se insurgem contra o Dr. Tenreiro fazem-no com ou sem invocação. Nem, de resto, as nações anticolonialistas do Ocidente terão autoridade para tomar tal atitude, dado que as suas Constituições invocam o nome de Deus.
Quanto às do Oriente ... a questão é outra. E com ela termino.
7.º Dizemos que pertencemos ao Ocidente e defendemos as concepções espirituais que norteiam tal civilização. Afirmamos que repudiamos as concepções materialistas da vida e do homem.
Ora, que melhor oportunidade do que a presente para reafirmar, sem tibiezas, na nossa lei fundamental, o que costumamos proclamar todos os dias?
Tenho dito.

O Sr. Cortês Pinto: - Sr. Presidente: serei muito breve nas minhas considerações, pois que o assunto tem sido debatido tão brilhantemente que quase me dispensaria de usar da palavra.
Há, porém, uma coisa que queria sublinhar, relativamente hs palavras do Sr. Deputado Mário de. Figueiredo. E ao citar S. Ex.ª não posso deixar de afirmar a altíssima consideração que por ele tenho, o que não quer dizer que não deseje sublinhar apenas uma pequena nota.
Parece-ma que S. Ex.ª se referiu à circunstância de o nome de Deus na Constituição poder não abranger o interesse de todos os portugueses, porque havia portugueses de várias religiões. Já foi o assunto também debatido e já se disse que para todas as religiões há um Deus único.
Mas há ainda aqueles que não pertencem a religião nenhuma: os ateus, que não estariam incluídos no interesse desta invocação.
É apenas este ponto que desejava sublinhar, para dizer que também os ateus estão abrangidos no interesse desta disposição legislativa, porque o nome de Deus não só é comum a todas as religiões, mas abrange também os próprios ateus. O Deus de todas as religiões é também o Deus dos ateus. Os homens podem renegá-lo, mas Ele não renega os homens. Era simplesmente esta nota que eu queria frisar, para dizer que a todos eles interessa que o nome de Deus seja posto no pórtico da Constituição, quê, determinando uma norma, estabelece realmente uma linha dei rumo, que tem interesse para todos, mesmo para os que não reconhecem a sua existência. Não quero prolongar mais as minhas considerações, mas pareca-me que era este o único ponto que ainda não tinha sido tocado e que eu não queria deixar passar em silêncio.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Espero, Sr. Presidente, não ocupar muito tempo a VV. Ex.ªs
Quero começar por agradecer o rico chuveiro de cumprimentos com que fui mimoseado por todos os ilustres colegas que fizeram uso da palavra. Nem o facto de ter a consciência de que não mereço os cumprimentos que me foram endereçados me dispensa de estar muito reconhecido por terem tido a amabilidade de mos endereçar. Pois, Sr. Presidente, quero chamar a atenção da Câmara apenas para uma posição tomada por mim, que não concordo com que no texto constitucional figure a invocação do nome de Deus, e a posição, com grande estranheza minha, tomada pelo Sr. Deputado Pinto de Mesquita, que começou por discutir, ou pareceu-me que queria discutir, a legitimidade da apresentação da moção que tive a honra de subscrever.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Mas eu não discuti; apenas pus o problema.

O Orador: - Pois pôs. Mas eu também podia ter posto vários. Podia ter posto vários se entendesse que a questão em debate, em vez de resolver-se, deveria eliminar-se, suscitando uma questão prejudicial. Podia ter suscitado questões prejudiciais capazes de conduzir a que a Câmara não pudesse pronunciar-se sobre o artigo em discussão. Não o fiz porque entendi que questões como esta se não devem resolver eliminando-as, mas considerando-as.
(Apoiados).
Podia, ter posto o problema de que o projecto em discussão foi subscrito por onze Deputados e o Regimento diz expressamente - expressamente - que em nenhum caso poderão os projectos de lei ou propostas de alteração ser subscritos por mais de dez Deputados.

O Sr. Pinto de Mesquita: - É cortar um.

O Orador: - V. Ex.ª sabe que a razão da lei não admite essa solução. Não levantei este problema por-

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que, como já disse, entendo que questões destas se não devem resolver eliminando-as - com fundamento em aspectos formais impostos por artigos ou parágrafos do Regimento.
Podia ter suscitado o disposto no § 3.º do artigo 176.º da Constituição, que diz: «Não podem ser admitidos como objecto de deliberação propostas ou projectos de revisão-constitucional que não definam precisamente as alterações projectadas».

Ora o artigo em discussão não altera nada; portanto, não pode definir, nem com precisão nem sem ela, a alteração projectada.
Pelo menos podia ter suscitado esta questão. Não o fiz pelo mesmo motivo por que não invoquei a do Regimento acima referida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Posto isto, só mais duas palavras, Sr. Presidente.
Afirmou-se que não se fazia distinção entre consciência individual e consciência política para se significar que eu a tinha feito. Ora eu. afirmei o mesmo. Eu também não faço distinção entre consciência individual e consciência política. Aquilo a que eu for obrigado pelas exigências da minha consciência individual, também sou obrigado a fazê-lo pelas exigências da minha consciência política.
O problema que pus foi outro: foi o de saber se a integração do preâmbulo proposto no texto constitucional é ou não um problema de consciência. Decidi-me no sentido de que não era e fiquei, por isso, à vontade para me pronunciar como julgasse que era politicamente mais conveniente.
Afirmar Deus ou negar Deus é que é um problema de consciência. Na minha moção afirma-se Deus. O problema de consciência está resolvido.
Invocar ou não invocar o nome de Deus no preâmbulo da Constituição, esse é um problema político, não é um problema de consciência. Isto o que pensei e continuo a pensar. Isto o que eu disse e não aquilo que, parece, alguns Srs. Deputados quiseram atribuir-me. Não, eu não distingo entre exigências da consciência individual e exigências da consciência política.
Àquilo a que sou obrigado pelas exigências da minha consciência individual, sou-o também por. exigências da minha consciência política.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Muito bem!

O Orador: - Quero ainda dizer que não se tocou no aspecto fundamental da minha argumentação. Invocar pura e simplesmente o nome de Deus sem apontar para uma doutrina é fazer uma invocação perfeitamente inútil. A doutrina é que pode ter influência na interpretação e aplicação que tenha de fazer-se das disposições constitucionais. Mas invocar o nome de Deus sem apontar para uma doutrina torna possível que a Constituição se interprete e aplique com fundamento em qualquer doutrina religiosa e até em nenhuma.
Portanto, a invocação assim, além de inútil, pode sei prejudicial.
Esta argumentação atinge a proposta de alteração agora apresentada, mas não a proposta inicial, porque essa apontava directamente para uma doutrina - a doutrina cristã.
No ambiente da Câmara, a proposta inicial não deve ser votada, porque foi considerado válido o argumento de que não deve invocar-se num texto que é para todos o Deus expressão de uma doutrina que é só de parte, embora esta parte seja a grande maioria.
O próprio Sr. Deputado Agostinho Gomes se impressionou com o argumento e sugeriu no seu discurso a solução da proposta de substituição do projecto inicial, que se deseja agora ver votada. Creio que sem razão.
E não ocupo mais a Câmara.

O Sr. Agostinho Gomes: - É sómente para um esclarecimento à Câmara e em relação àquilo que o Sr. Prof. Mário de Figueiredo referiu. Diz S. Ex.ª que eu apresentei um Deus vago, um Deus impreciso.
Ora eu pergunto: o Deus da razão não é o mesmo Deus da revelação?!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu não disse isso. O que eu disse foi que o Deus a cujo conhecimento se pode chegar só pela luz da razão é um Deus sem doutrina ou ao qual podem adaptar-se todas as doutrinas; conhecimento expedito, como dizem os teólogos, de Deus só as luzes da revelação o dão e esses têm uma doutrina. Eu conheço a proposição condenada pela Syllabus ...

O Sr. Agostinho Gomes: - Deus é uno e único. Portanto, se nós afirmamos Deus na Constituição, afirmamos tanto o Deus da razão como o Deus da revelação. Não negamos em nada o Deus da revelação. Referimo-nos a Ele, porque é o mesmo.
V. Ex.ª está a pôr o problema de vários deuses e nós só tratamos de Deus, que é uno.
Santo Agostinho fala no Deus dos platónicos, e diz expressamente que é também o nosso. S. Tomás de Aquino vai buscar os argumentos da razão de Aristó-teles, pelos quais o grande filósofo pagão descobriu a verdade de Deus. Vai buscá-los e argumenta com eles. Por isso, não fica prejudicada a causa da religião católica, e não sei mesmo em que é que os seus interesses poderão ficar prejudicados com a sua invocação no pórtico da Constituição. Por mim, dou o voto ao projecto e estou certo de que não vou ferir os interesses da religião católica.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª, Sr. Deputado Cancella de Abreu, tinha pedido há pouco a palavra ...

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Tinha, efectivamente, Sr. Presidente, mas desisto.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados desejar usar da palavra, considerarei encerrado o debate e irá passar-se à votação.

O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: peço prioridade para a moção do Sr. Deputado Mário de Figueiredo.

O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: dada a importância e o relevo do assunto, e uma vez que o Regimento não permite a votação por aclamação, peço se proceda à votação nominal.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à votação.
Informo o Sr. Deputado Carlos Moreira de que tomei nota do seu pedido e na altura própria se procederá à votação nos termos requeridos.
Vai passar-se à votação da moção apresentada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que vai ler-se na Mesa.

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Foi lida. É a seguinte:

Moção

«A Assembleia Nacional:
Considerando que não está a elaborar uma Constituição Política nova e tão-sòmente a rever o texto da Constituição vigente;
Considerando que a revisão em curso, como consta da proposta e dos projectos apresentados, não toca nos principies de ordem política, social, económica e espiritual que informam o actual estatuto constitucional:
Afirma nesta moção o seu profundo respeito por tudo quanto Deus representa como fonte e origem do poder, fundamento da moral e da justiça nas relações humanas, e presta homenagem às intenções dos signatários do projecto de preâmbulo.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 7 de Julho de 1959. - O Deputado, Mário de Figueiredo».

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Soares da Fonseca: - Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que sê consigne no Diário das Sessões que apenas houve cinco votos contra. E não requeiro que conste do Diário a sua designação nominal!...

O Sr. Melo e Castro: - Sr. Presidente: desejava ser esclarecia o sobre se o que vai agora votar-se em primeiro lugar é a proposta de substituição, porque, nos termos do artigo 39.º do Regimento, parece que tem prioridade.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª razão. Portanto, os Srs. Deputados que aprovam esta proposta de substituição dirão que aprovam no momento em que forem chamados; os outros dirão que rejeitam. Vou mandar ler novamente a proposta de substituição.
Foi lida novamente.

Fez-se a chamada, verificando-se terem votado a favor da proposta os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Américo Cortês Pinto.
Américo Já Costa Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António cê Castro e Brito Meneses Soares.
António Jorge Ferreira.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João de Frito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
José António Ferreira Barbosa.
José Fernandes Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.

Rejeitaram a proposta os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
André Francisco Navarro.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Cortês Lobão.
António José Rodrigues Prata.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José de Freitas Soares.
José Manuel da Costa.
José Soares da Fonseca.
Laurénio Cota Morais dos Beis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Mário de Figueiredo.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.

Não estavam, presentes à chamada na altura da votação os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
António Calheiros Lopes.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.

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Joaquim Pais de Azevedo.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Mana de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Seabra Carqueijeiro
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Mana Irene Leite da Costa.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

Presidente: - Está, portanto, rejeitada a proposta.

0 Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente pela minha contagem, se não houve lapso, há uma maioria de dois votos de aprovação.

O Sr Presidente: - Houve quarenta e três Srs Deputados que rejeitaram a proposta, contra trinta e sete que aprovaram
Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encenada a sessão.

Eram 21 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
António Calheiros Lopes.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença
João Maria Porto.
José Dias de Araújo Correia..
José Garcia Nunes Mexia.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel José Archer Homem de Melo
Manuel Mana de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Mana Irene Leite da Costa.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O REDACTOR - Luís de Avillez.

Declaração de voto

Demos a nossa aprovação ao preâmbulo pela seguinte ordem de considerandos.

l º Deus é um ser supremo invocado por religiões diversas, e, para além do conceito, da interpretação, do sentimento, da ideia, dá definição e do culto que cada religião possui de Deus, permanece o .reconhecimento dessa entidade divina e a submissão a ela; fazer confissão de crença em Deus, invocar a Sua protecção e adorá-l'0 é defender que exista uma concepção espiritualista e religiosa; tal invocação em nada colide com a legítima liberdade e é aceite por numerosas constituições, mesmo democráticas e individualistas.
2.º A nação não é apenas população, nem simples aglomerado ou somatório de indivíduos em determinada altura é uma entidade espiritualizada e transcendendo épocas e grupos; a Nação Portuguesa é tradicionalmente católica, por vocação e sentido, e, como tal, a sua Constituição Política deve declarar a supremacia divina e honrá-la, como o fazem todas as confissões religiosas; se a todo o poder vem de Deus», todo o poder deve reconhecer e proclamar Aquele que é a sua origem.
3 º Os Deputados, representando aqueles que os elegeram dentro de uma consciência nacional, devem intuir, expressar e interpretar a vontade nacional daqueles que lhes confiaram o mandato, e, por nossa parte, essa vontade, a nosso ver, determina o nacional e expresso reconhecimento de Deus. Por isso demos a nossa aprovação ao preâmbulo, sem prejuízo da possibilidade de fortes e respeitáveis argumentos em contrário.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 7 de Julho de 1959. - O Deputado, Júlio Evangelista.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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