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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES Nº 135
ANO DE 1959 4 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N. 135 , EM 3 DE DEZEMBRO
Presidente: Ex. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmo. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMARIO: - O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e Só minutos.
Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Duarte Silva, para chamar a atenção do Governo para a crise que avassala a província de Cabo Verde, Manuel Homem de Melo, sobre a necessidade da promulgação da lei de imprensa, Carlos Moreira, que enviou um requerimento para a Mesa, Júlio Evangelista, que se congratulou com a recente publicação das disposições legais regulando o regime jurídico dos espectáculos e reorganizando a Inspecção dos Espectáculos, Araújo Vovô, acerca do acidento ocorrido no mar de Viana do Castelo, com perda de algumas vidas, Belchior da Costa, para se congratular com a promulgação do Decreto-Lei n' 43 396, José Sarmento, que enviou um requerimento a Mesa, e Amaral Neto, sobro problemas do habitação popular
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao abastecimento de agua das populações rurais
Usou da palavra o Sr. Deputado Virgílio Cruz O Sr Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Cruz.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Finto dos Beis Júnior.
Américo Cortês Finto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
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Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D Maria Irene Leite da Costa.
Mano Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr Presidente: -Estuo presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
De Manuel Fonseca a apoiar as considerações do Sr. Deputado Alberto Cruz feitas na sessão anterior.
O Sr Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Duarte Silva.
O Sr Duarte Silva: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me referir à situação melindrosa em que se encontra a província de Cabo Verde, que a falta de chuvas lançou numa crise a que é preciso acudir sem demorai
Efectivamente, pode dizer-se que a falta de chuvas, este ano, foi absoluta. E daí resultam dois males a escassez dos mantimentos, que, com algum sacrifício, será suprida pela importação, e, o que é mais grave, a paralisação dos trabalhos agrícolas, que significa u desemprego de alguns milhares de indivíduos que deles vivem exclusivamente, isto é, a miséria e a desgraça para um número ainda maior de pessoas.
Sem quaisquer reservas ou economias a que possam recorrer, esses indivíduos vêem-se de repente condenados a morrer u fome se não lançam mão da única solução que se lhes oferece: o contrato para S Tomé
E, na verdade, segundo se dizia em princípios de Novembro, quando deixei a província, só na ilha de S Nicolau subia a mais de 1000 o número de inscrições para S Tomé
Essa conclusão, bem compreensível, pois não representa senão uma manifestação da lei da luta pela existência, está longe, porém, de ser a que mais convém aos interesses da província.
Emigrando em massa, esses indivíduos, que vão contratados por três anos, farão falta no próximo ano, quando vierem as chuvas tão desejadas. E, em segundo lugar, o que é pior, deixam atrás de si muitas pessoas de família, os velhos, os inválidos e as crianças, que não são contratados, e a quem nada poderão remeter, pois os baixos salários tal não permitem, e que terão, por isso, de ser sustentados pela assistência pública. O Estado terá, pois, a seu cargo uma despesa grande
Ora, se isso é assim, melhor será o Estado abrir desde já trabalhos públicos, realizando uma despesa produtiva e proporcionando a todos ganharem o pão para si e suas famílias, em vez de receberem uma esmola Encontrando trabalho na sua terra, muitos se deixarão ficai, e, assim, amanhã já não haverá falta de braços, quando a chuva os tornar necessários.
Estou certo de que o Governo está inteirado de tudo isto. O ilustre governador da província, Sr tenente-coronel Silvino Silvério Marques, que ainda há poucos dias esteve no continente, deve ter aqui vindo principalmente para pôr o Governo a par da situação.
A poucos meses de tomar contacto com a província, teve S. Ex. a pouca sorte de enfrentar uma crise. Mas, homem inteligente e dinâmico, como é, estou certo de que saberá vencer todas as dificuldades Necessário é, porém, que o Governo lhe conceda os meios adequados.
Como Deputado eleito pelo arquipélago, julgo-me na obrigação de secundar os esforços de S. Ex., de apoiar todas as medidas por ele preconizadas para debelar a ouse.
Espero, pois, SS. Ex. os Srs. Ministro do Ultramar e Subsecretário de Estado do Fomento Ultramarino determinem a abertura imediata de trabalhos nas ilhas agrícolas, tendo em conta a, situação, que é premente e não comporta delongas com mais estudos e projectos
Aproveito a oportunidade de estar no uso da palavra para me refém a outro assunto de maior interesse para Cabo Verde.
Quero falar do aeroporto do Sal
Se ele, de facto, não tem correspondido ao que dele se esperava, isso se deve, em grande parte, ao por vezes exagerado espírito de economia que acompanha sempre as nossas realizações.
Pela sua privilegiada situação geográfica, poderia e deveria ser o mais importante porto de escala da navegação aérea transatlântica se dispusesse de um hotel com a capacidade e comodidades necessárias de forma a impressionar agradavelmente quantos por lá passam, nomeadamente os delegados das diferentes companhias que ali têm ido estudar a possibilidade de ser o mesmo aeroporto utilizado como escola obrigatória dos seus...
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aviões que fazem carreira entre os continentes europeu, americano e africano.
Segundo estou informado, todos esses delegados, mostrando-se embora satisfeitos com a preta e os meios de assistência técnica de que beneficiariam os seus aviões, reconhecem, no entanto, que o hotel existente não oferece as condições indispensáveis para assegurar a hospedagem, em caso de necessidade, à lotação completa de qualquer moderno avião, e é justamente esse obstáculo que tem impedido o estabelecimento de novas carreiras. Limita-se o aeroporto do Sal ao movimento da companhia Alitalia, que desde o início ali faz escala regulai, e de outros aviões que acidentalmente por lá passam.
Efectivamente, o actual hotel, além da mediocridade da sua arquitectura e do seu precário estado de conservação, dispõe apenas de 28 quartos, muitos dos quais se encontram permanentemente ocupados pelas tripulações de reserva da Alitalia e ainda por funcionários superiores do aeroporto e de empresas e organismos oficiais a ele ligados, pelo que não poderá, normalmente, hospedar os passageiros e tripulantes de qual, quer avião que ali tenha de se demorar.
Impõe-se, pois, a construção de um novo hotel, com um mínimo de 80 quartos.
Além de estimular o desenvolvimento do tráfego aéreo e, consequentemente, das receitas do aeroporto, essa medida contribuiria, sem dúvida, para aumentar O prestígio do nosso país, pelo que se deve considerar de incontestável interesse nacional.
Peço, pois, para o coso a benévola atenção do Governo, e muito especialmente dos Srs. Ministros das Comunicações e do Ultramar, e da Direcção-Geral da Aeronáutica Civil
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Manuel José Homem de Melo: - Sr. Presidente: em l de Julho ide 1958 o Si. Presidente do Conselho, ao fazer o ponto sobre a situação política resultante da eleição do Chefe do Estado, declarava, a propósito da situação da imprensa portuguesa, que se vier a ser possível chegar a um texto legal que suprima ou diminua as razões de queixa apresentadas, ressalvando, como cumpre, o interesse público, ninguém por capricho ou teimosia se lhe oporá.
O País ficou, com natural impaciência, à espera que fosse possível chegar ao texto legal então referido, e parece que não serviríamos a verdade - a «política de verdade* proclamada por Salazar no início da sua experiência governativa se disséssemos que a opinião pública ficou indiferente à medida quedos meses comam e o texto não surgia.
Por seu turno, a Assembleia Nacional, no uso de poderes constituintes, veio a adoptar, por maioria, o artigo 23.º do projecto de revisão Carlos Moreira, que passou a ser matéria constitucional: Lei especial definirá os direitos e deveres quer das empresas, quer dos profissionais do jornalismo, por forma a salvaguardar a independência e a dignidade, de umas e outros
Aquela afirmação do Chefe do Governo e o imperativo constitucional referidos parece que indicavam claramente aos responsáveis que haveria de publico se quanto antes o novo regime legal de imprensa.
Ora, um ano e meses passados sobre as palavras do Presidente do Conselho e cerca de 130 dias após a votação da Assembleia, nada se exteriorizou no sentido preconizado, pelo que se me afigura indispensável que o País seja esclarecido e esta Gamara (cuja função essencialmente política e de controle da actividade governativa nunca é de mais recordar) ...
O Sr Augusto Simões: - Muito bem!
O Orador: - . . se pronuncie sobre a situação da imprensa portuguesa.
Como rapidamente disse o nosso ilustre colega José Saraiva, a este respeito se mal está em deixar ao arbítrio dos homens o que deveria pertencer à disciplina das leis». E é tão-somente contra este estado de coisas que desejo protestar.
Creio, Sr Presidente, que o Governo será o primeiro a aceitar a minha crítica, diligenciando normalizar juridicamente a situação no mais curto espaço de tempo.
Por num, apenas digo que o assunto merecerá maiores desenvolvimentos se afinal o Governo não exteriorizar, por qualquer forma, a disposição, em que deve estar, de tudo fazer para se instituir o novo regime de imprensa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Carlos Moreira: - Sr Presidente. desejo apresentar um requerimento, e as considerações que acabam de ser feitas pelo Sr. Deputado Homem de Melo mais me confirmam na razão que. julgo assistir-me E o seguinte o
Requerimento
«Ao abrigo do artigo 96 º, n º l º, da Constituição, de harmonia com as alterações introduzidas pela Lei n º 2100, de 29 de Agosto de 1959, desejo ser informado sobre se o Governo projecta elaborar o competente decreto-lei ou enviar a esta Assembleia uma proposta de lei em vista à promulgação de uma lei de imprensa, destinada a dar execução à doutrina do disposto no artigo 23.º da Constituição, conforme a alteração introduzida pela citada Lei n. 2100, que promulgou a última revisão constitucional».
O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: o Diário do Governo de 20 de Novembro findo insere alguns diplomas, dimanados da Presidência do Conselho, que seria grave pecado de omissão deixar passar sem comentário Refiro-me aos diplomas que reformam o regime jurídico dos espectáculos públicos e Reorganizara os serviços da Inspecção dos Espectáculos São, ao todo, dois decretos--leis e ti és decretos regulamentares, produto de um esforço sério para actualizar e concentrar matéria que Andava dispersa, baralhada, desarticulada por milhentos decretos, regulamentos, portarias, circulares, ordens de serviço ...Há muito que se impunham a revisão e clarificação desta insólita floresta legal, há muito que por elos só clamava. Eu sou dos que muitas vezes clamaram . Em boa hora o Governo meteu ombros à tarefa, com tenacidade e com eficiência. Reviu, actualizou, condensou. Condensou - repito É que hoje, entre nós, o problema de legislar implica também, e sobremodo, em face da luxuriante flora de leis e regulamentos, a simplificação dos diplomas extravagantes: reunindo o que anda disperso; dispensando ou revogando o que é tantas vezes inútil, mas, apesar disso, teima em vigorar e complicar; e remetendo, sempre que possível, para as leis fundamentais ou codificadas.
Nem sempre se faz assim, e por isso as colunas do Diário do Governo se vão enchendo, a cada passo, de articulados e mais articulados - bem dispensáveis e comprovativos A verificação deste facto já levou um
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ilustre professor a afirmar, com evidente ironia, que a babel da nossa legislação - onde o homem de leis volta e meia se perde - se resolveria eliminando uns dez mal artigos que circulam indevidamente ...
Não devemos, por isso, regatear louvores a tentativas sérias, como esta a que nos vimos referindo, para actualizar e simplificou legislação obsoleta e complicada. Pois nós, aqui estamos a cumprir de bom grado o dever de louvar - saudando esse notável Ministro Teotónio Pereira, autor desta reforma, que levou a efeito através do Secretariado Nacional da Informação. Para que a Câmara possa fazer uma leve ideia do seu alcance, HÃO resisto a ler o texto do artigo 77.º do Decreto-Lei n º 42 660, o primeiro dos diplomas agora vindos a lume. Diz assim:
Art. 77.º Ficam revogados:
l º O Decreto n º 13 564, de 6 de Maio de 1927;
2.º As Portarias a 6501 e 6502, de 26 de Novembro de 1929;
3 º A Portaria n º 6975, de 5 de Dezembro de 1930;
4.º A Portaria n.º 7142, de 2 de Julho de 1931;
5 º O Decreto n.º 22 333, de 17 de Março de 1933;
6.º Os artigos 1.º a 9.º, inclusive, corpo do artigo 13 º e artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 34 590, de 11 de Maio de 1945;
7.º Os artigos 8.º a 14.º, inclusive, do Decreto-Lei n º 35 165, de 23 de Novembro de 1945;
8 º O Decreto-Lei n.º 35 460, de 19 de Janeiro de 1946;
9.º O artigo 9 º do Decreto-Lei n." 40 572, de
16 de Abril de 1956
Pela amostra, creio que ficamos elucidados ... Que mais não fosse, só pois esta construtiva demolição, já tem valido a pena!
Das disposições agora consagradas, muitas vêm beneficiar as empresas,/como as que facilitam e simplificam os serviços e as formalidades até aqui exigidas e as que regulamentam a concorrência da televisão; outras beneficiam empresas e artistas, como as que definem os termos da concorrência estrangeira no nosso país, as que prevêem recintos de espectáculos em edifícios mistos e isenções de taxas para os novos cine-teatros; a coroar tudo isto, a declaração de que está em estudo a reforma do regime fiscal dos espectáculos.
£ de esperar da presente reforma novo surto da actividade teatral. De facto, o nosso teatro vem atravessando uma série de vicissitudes em vias de desaparecimento. Entre as causas da crise - a par do cinema, da televisão e de outras -, avultam as que respeitam ao ritmo e às preocupações da vida moderna
Em nossos dias, as pessoas têm falta de tempo e habituaram-se a divertimentos que sejam simultaneamente rápidos, de evasão e com sensações fortes. Na era da máquina, o esforço corporal, muscular, é diminuto, e todo o trabalho - desenvolvido dentro de recintos fechados, casas, gabinetes, fábricas - se realiza sobretudo a custa da atenção, mesmo que repetidora Por isso, o tempo que sobra é dedicado aos desportos, ao ar livre, ou a divertimentos fúteis, como certas fitas de cinema, e como a dança, o jogo, os próprios cabarets. E talvez isto explique até a insólita euforia de que se vêm revestindo ultimamente as manifestações folclóricas
As vantagens obtidas através da expansão da arte, e pela divulgação cultural entre o maior número de pessoas, são ultrapassados pelas desvantagens de um mundo atropelado pela velocidade e cujos valores estão desvairados, minimizados, ou ao invés.
Houve países, como a Alemanha, em que, apesar de tudo, se manteve sempre bem alto o amor ao teatro, graças ao auxílio que, desde cedo, o Estado lhes prestou. A tal ponto chegou o entusiasmo que, quando a vitória aliada lançou o povo germânico na mais extrema dificuldade e a braços com privações sem nome, os recintos de teatro -geralmente em ruínas- continuaram repletos de um público apaixonado; os actores, nos ensaios, chegavam a desmaiar de fome - e, entretanto, nenhum protesto se levantou contra a reconstrução dos teatros, que precedeu outras reconstruções, numa altura em que a falta de habitações era verdadeiramente angustiosa !
Mas, se atentarmos bem no que vai por esse Mundo fora, anotaremos um geral coro de lamentações Na Rússia, por exemplo, o caso tomou o aspecto de uma crise alarmante de originais, provocada pelo receio que os autores manifestam de se arriscarem, nas suas peças, a sair da rígida ortodoxia definida pelo Partido. O nível das obras foi decaindo mais e mais, a ponto de não haver possibilidades de atribuir o Prémio Estaline, como nos anos de 1950 a 1952.
A pobreza dos textos era compensada pela riqueza das montagens e pelos jogos bizantinos da encenação. No entanto, o público fartou-se desses espectáculos sem pensamento, baseados em sensações e vazios de texto, tendo sido, por isso, necessário lançar mão dos autores clássicos que obtiveram e continuam obtendo êxito um tanto alarmante - e que foi preciso moldar em interpretações políticas «convenientes».
Na França, desde 1939 a 1954, os preços dos bilhetes aumentaram 15 vezes, ao passo que o custo da vida aumentou 25 vezes. Entretanto, nesse período, as despesas de montagem de uma peça aumentaram de 30 a 40 vezes, Todavia, têm os empresários a consciência segura de que, a aumentar o preço dos bilhetes, se dará, fatalmente, a curto ou a longo prazo, a deserção do espectador Pui outro lado, não é brilhante o estado do público de teatro, em França, nem o dos empresários. Muitas iniciativas, das melhores, são sustentadas pelo público estrangeiro quê passa por Paris. Mesmo assim, Barrault declarava que fazia cinema com o simples intuito de ganhar o dinheiro que iria perder no teatro.
Na Itália, dada a desesperada situação financeira do Teatro da Opera de Roma, chegou-se a pensar, em tempos, na possível hipoteca do imóvel em que o teatro se encontra instalado.
E nem a Inglaterra fica isenta de várias dificuldades.
Vem isto a dizer que os problemas não sua privados do nosso país.
Em 1950 votou a Assembleia Nacional a Lei n º 2041, que criou o Fundo de Teatro, lei que só viria a ser regulamentada quatro anos depois, por decretos de 31 de Maio de 1954. O Fundo do Cinema Nacional, criado pela Lei n.º 2027, de 18 de Fevereiro de 1948, foi mais feliz, pois a sua regulamentação só demorou um ano Mas nem por isso foi muito longe, não lhe valeu de grande coisa . . E certo que, uma vez por outra, lá ganhamos um ou outro prémio de curtas metragens, pretexto agradável de certas representações ou digressões turísticas ... A coisa vai a tal ponto que, hoje, uma das mais insistentes reclamações das empresas exigidas é que se ponha cobro às exigências da Lei n º 2027 e do Decreto n.º 40 715, no. que respeita ao contingente de filmes portugueses a exibir obrigatoriamente dada a impossibilidade de, por deficiência de produção nacional, satisfazer lusamente as imposições legais Está constituída a comissão encarregada de proceder à revisão dos diplomas que estabelecem o regime
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jurídico e a protecção do cinema nacional: porque não é suspensa, entretanto, esta exigência que impende sobre as empresas exibidoras?
Mas, em matéria de teatro, temos de reconhecer, honestamente, que algo de sério se tem virado a cassar neste país. Já só timidamente se fala de crise Mas por isso mesmo, porque os problemas se revestiram
de novas perspectivas, porque a experiência tem vindo a acumular alguns ensinamentos, está a fazer-se sentir uma revisão de certos aspectos da legislação referente ao Fundo de Teatro, designadamente no que respeita ao alargamento das suas receitas e à aplicação das suas disponibilidades, permitindo atribuir, por exemplo, pelos verbas do Fundo, bolsas de estudo e prémios a autores, actores, encenadores, artistas plásticos; estabelecendo uma regulamentação de acordo com os ensinamentos da experiência Tem vindo o secretário nacional da Informação, com uma tenacidade e um dinamismo que o engrandecem, a procurar remediar estas insuficiências legais, realizando fora do Fundo de Teatro iniciativas que nele teriam o seu cabimento e o seu lugar mais próprio.
A revisão, actualização e condensação da matéria legal Sobre espectáculos públicos faz-nos acreditar que não se ficará por aqui. Honra seja feita ao legislador - que- procedeu a trabalho sério, trabalho ingrato e dificultoso. Mas à concentração da parte legal - cujo ideal seria um estatuto do espectáculo, por nós preconizado há alguns anos, onde se contivesse toda a matéria referente aos vários sectores e aspectos desta actividade -, à concentração da porte legal, repetimos, e para se obter a sua plena eficiência, tem de corresponder a concentração burocrática. É essa impõe-se desde há muito. A matéria de espectáculos anda, também ela, (Somo andava a legislação, baralhada, dispersa, desarticulada, por vários organismos, gabinetes, repartições e reparaçõezinhas. Basta lembrar que, dentro do Secretariado Nacional da Informação, têm atribuições nessa matéria a Repartição de Cultura Popular e, ao mesmo tempo, a Inspecção dos Espectáculos, agora reorganizada; que há um Fundo de Teatro, funcionando no Secretariado Nacional da Informação, para auxílio a companhias dramáticas, e há, sujeitos ao Ministério da Educação Nacional, os Teatros Nacionais de S. Carlos e D. Maria II; que há, vivendo e tropeçando, um Grupo de Bailados Verde-Gaio, dependente do Secretariado Nacional da Informação, e há um corpo de baile privativo do Teatro de S. Carlos; enfim, e para ficarmos por aqui, há os espectáculos tauromáquicos, sujeitos à disciplina da Inspecção, e há os espectáculos desportivos, sujeitos à Direcção-Geral dos Desportos ...
Tudo isto se há-de traduzir, naturalmente, em desgaste e em dispersão dê esforços e de dinheiro. A extensão e multiplicidade dos espectáculos, o número e natureza das questões que suscitam, estão requerendo coordenação e centralização de actividades E gritante a necessidade de um departamento da Administração para os assuntos referentes aos espectáculos Funcionando como? Dependente donde? Integrando o quê? São outros problemas que não destroem a necessidade fundamental Na França, por exemplo, o enquadramento administrativo faz-se numa Secretaria de Estado. Na Itália, ainda em Março deste ano, foi criado um Ministério do Turismo e do Espectáculo -que o princípio se previa ser designado do Turismo, do Espectáculo e do Desporto-, o qual abrange três direcções-
gerais, tendo à frente um ministro, coadjuvado por dois subsecretários de Estado. Na Finlândia, a actividade de espectáculos está integrada no Ministério da Educação, o que também acontece na Bélgica quanto a
cinema, teatro e música. Na Espanha há uma Direcção-Geral de Cinematografia e Teatro.
E vou terminar A batalha da governação é uma batalha nunca finda, pois a cada necessidade satisfeita nova necessidade se lhe sobrepõe, a reclamar novas soluções. Solucionado, por esta reforma, o regime jurídico dos espectáculos públicos, vem logo colocar-se no primeiro plano a reforma administrativa dessas actividades. Mas a quem possui, como poucos, o sentido da acção, da acção dinâmica e criadora, a quem deu alma a uma maravilhosa batalha do futuro e lhe lançou os alicerces da fé - a esse poderemos pedir o desfiar deste 'enredo burocrático, a vitória de mais esta singular batalha.
Tenho dito..
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Araújo Novo: -Sr Presidente: pedi a palavra para me refém a um acontecimento doloroso que, há três dias, enlutou Viana do Castelo, e de um modo muito especial a população piscatória daquela cidade.
Na madrugada do passado dia 30 de Novembro largaram para o alto mar umas duas dezenas de barcos, tripulados por pouco mais de uma centena de pescadores, em busca do pão das suas famílias
A partida nada fazia supor que, poucas horas passadas, estariam ameaçados de acrescentar uma página mais a história trágico-marítima de Portugal.
Com efeito, o tem poial de rara violência que, quase de repente, caiu sobre o mas de Viana do Castelo, açoitou a costa e fechou a barra à navegação surpreendeu-os ao largo, entregues à fauna da pesca, seu único modo de vida.
Desesperadamente, demandaram o porto o mais depressa que lhes foi possível, mas o temporal cedeu de violência e o mar tornou-se ameaçador.
Em terra pairava um ambiente de tragédia Adivinhava-se o perigo e temia-se, com razão, pela sorte daquelas vidas todas.
O barco salva-vidas fez-se ao mar, e, se não fora a sua notável acção, certamente que o número de vítimas se não limitaria a sete, como aconteceu.
Felizmente, mercê do seu esforço, todos os barcos que puderam aparecer nas imediações da barra foram salvos.
Em, porém, talvez por se encontrar mais afastado da costa no momento em que se desencadeou a intempérie, não apareceu, e ainda hoje, volvidos três dias, continua a desconhecer-se a sua sorte s a dos sete homens que constituíam a sua tripulação.
A esperança de que tenha podido arribar a outro porto está perdida, não sendo provável também a sua recolha por qualquer barco de longo curso.
O desaparecimento deste barco e dos homens que o ocupavam fez quinze órfãos e seis viúvas e lançou na miséria as respectivas famílias, que simultaneamente perderam os seus entes queridos e o pão que eles ganhavam com o seu trabalho.
Não sei de dor mais digna da atenção daqueles que podem mitigá-la
Daqui dirijo o meu apelo ao Governo para que, da forma mais conveniente, atenue o sofrimento e o luto daquelas famílias, lançadas na miséria no começo da quadra pior do ano
Estou certo de que, tal como tem sucedido em casos semelhantes,, não será em vão este apelo
Creio bem que a simples lembrança dos condições em que encontraram a morte aqueles sete homens, que pretendiam ganhar a vida há-de enternecer o coração
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dos que podem dulcificar as lágrimas dos seus órfãos e das suas viúvas.
Sr Presidente: não queria encerrar as minhas breves palavras sem uma (referência à tripulação do salva-vidas, que tão relevantes serviços prestou.
Esquecendo-se de si e dos seus, esses homens enfrentaram os maiores perigos para salvar a vida dos seus semelhantes
Aos seus esforços, coragem e abenegação se deve o não ter sido bem maior o número das vítimas.
Isto me basta para justificar as poucas palavras que entendi proferir nesta Câmara e que inteiramente acho lhes eram devidas.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem I O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Belchior da Costa: - Sr. Presidente: a minha palavra de hoje é para homenagear e para agradecer.
Há pouco mais de um ano, quando nesta Câmara estava em pleno desenvolvimento a discussão desse transcendente instrumento jurídico-político-económico que é o II Plano de Fomento, tive ensejo, a margem dessa discussão, mas a propósito dela, de lançar deste lugar um apelo, que tentei fosse naturalmente justificado, para que de uma só penada ou, de um só golpe fossem resolvidos, por forma satisfatória e por uma intervenção necessária e oportuna do Governo, dois problemas que entretanto me mereceram particular atenção.
Referi então que se impunha, como satisfação de uma necessidade premente da minha região, a criação imediata de uma escola técnica em Vila da Feira; e permite-me lembrar ao Governo a possibilidade de se utilizar para tal fim, e, portanto, sem sacrifício total do Estado, o conveniente aproveitamento dos fundos de uma larga benemerência com que um conterrâneo meu quisera, ao morrer, contemplar a terra que o viu nascer.
Preconizei para o efeito a instituição de uma fundação que, em homenagem à- memória daquele benemérito cidadão, fosse designada por Fundação Manuel António da Silva Coelho e Castro
A criação dessa fundação apresentava-se ao meu espírito como a. forma mais prática e viável de dar rigor jurídico e execução capaz ao seu pensamento testamentário - a criação da escola técnica; e ao mesmo tempo afigurava-se-me constituir o meio mais aconselhável para defender a importante soma de bens, porventura em risco de perder-se, que constituíam o fundo da sua benemerência.
Não foi esse apelo lançado em vão. Teve no seio do Governo assinalado eco; e felicito-me por uso.
Com efeito, durante o tempo em que esta Assembleia, finda a sessão anterior, teve os seus trabalhos suspensos, foi publicado o Decreto-Lei n.º 42 396, de 20 de Julho do corrente ano, que dá quase total satisfação aos votos que aqui emiti ao fazer a intervenção a que acabo de aludir
Precedido de um breve mas assaz elucidativo relatório, esse oportuno diploma criou, na freguesia de Fiães, do concelho da Feira, a Fundação Coelho e Castro, cujo património é constituído por metade dos bens que pertenceram àquele benemérito, conforme sua determinação testamentária, e cuja finalidade é preenchida exactamente pela instalação e manutenção da escola técnica que o mesmo visionou através do testamento com que faleceu
Sr. Presidente foi deste lugar que dirigi o meu apelo ao Governo para que, por forma conveniente e ajustada, se desse satisfação aos anseios generosos expressos em seu testamento por aquele prestimoso concidadão nosso.
Foi deste mesmo lugar que, interpretando as aspirações da gente da minha região, exprimi meus votos para que fosse criada a escola, como satisfação de uma necessidade imperiosa e urgente dos povos dessa mesma região
Há-de ser, pois, também deste mesmo lugar que, interpretando agora os sentimentos dessa gente e os meus próprios, desejo exprimir ao Governo, e especialmente ao Sr. Ministro da Educação Nacional, o mais vivo agradecimento pela publicação do diploma em referência Aqui se fazem - aqui se pagam 33, pois, para louvar e para agradecer que hoje tomo estes momentos à Câmara; mas creio que não pode haver tempo mais útil do que o que é ocupado para louvar e agradecer medidas de real interesse para a colectividade.
Só desejam agora, e era este um voto que queria formular nesta oportunidade, enquanto é tempo, que a constituição da junta directiva da Fundação fosse ajustada às circunstâncias a que se faz menção no decreto-lei a que venho a referir-me por forma a conciliarem-se os interesses da freguesia contemplada com os interesses, mais vastos e, por conseguinte, não menos respeitáveis, do concelho da Feira.
Reputa-se da maior conveniência essa conciliação de interesses; e julgo que para ela muito poderá contribuir uma junta directiva da Fundação que pela sua constituição e formação tenha a plena consciência desse primado.
Este seria o meu voto; e aqui o deponho à consideração do Sr. Ministro da Educação Nacional, a quem mais uma vez, e respeitosamente, felicito e cumprimento.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr José Sarmento: - Sr. Presidente: quero chamar a atenção do Governo, e muito particularmente do Sr. Ministro da Educação Nacional, sobre um facto que muito inquieta actualmente os engenheiros portugueses
Segundo informação que reputo fidelíssima, foi exarado nos últimos dias de Junho do corrente ano um despacho, não publicado no Diário Ao Governo, que permite aos agentes técnicos de engenhara» intitularem-se diplomados em Engenharia.
Tal despacho provocou, como era de esperar, o maior mal-estar entre os membros da Ordem dos Engenheiros, tendo já alguns marcado posição bem firme sobre tal deliberação. A manter-se a doutrina que presidiu à sua elaboração, fica aberta a porta a outros do mesmo teor. Assim, não seria de estranhar que um novo despacho do mesmo tipo autorize que os enfermeiros se intitulem diplomados em Medicina.
Tenho a certeza de que esta não é a doutrina que orienta a política do nosso Ministério de Educação Nacional
Espero, por isso, que, sem mais demora, tal despacho seja revogado.
Requeira, ao abrigo das disposições regimentais, que me sejam fornecidas as seguintes informações:
l º Cópia e data de um despacho do Ministério da Educação Nacional (não publicado no lhano do Governo) que permite aos agentes técnicos de engenharia intitularem-se diplomados em Entranharia;
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2.º Razões justificativos do referido despacho;
3.º Caso o despacho tenha sido originado por algum Requerimento, cópia do mesmo.
O Sr. Amaral Neto: - Sr Presidente: a devoção pelos problemas da habitação popular, que tanto tenho já patenteado a V. Ex. , e em que me mantenho firme, traz-me hoje a abrir com V. Ex. e com a Assembleia um sentimento de congratulação e a dirigir daqui ao Governo uma palavra de agrado bem sentido pelo seu decreto, de 18 de Agosto último, que estabelece o plano para a construção na cidade de Lisboa de novas habitações com rendas acessíveis aos agregados familiares de mais fracos recursos.
Não faltará quem diga - e poderíamos ser nós o primeiro, que desde há seis anos vimos aqui repetidamente animando a importância do assunto e a acuidade da crise e a urgência do problema - que devera o diploma, ou o que promete, ter vindo já há muito e quem se pergunte quantas agruras foram sofridas que providências mau temperas houvessem minorado, se não evitado. Legítimos sendo, porventura, reparos desta ordem, não obstante sabermos que muita inércia houve que vencer, alguns desconhecimentos que esclarecer e resistências mal confessadas, mas por de mais entendidas que varrer, resta que o diploma está finalmente promulgado com potencialidades de grande obra, se o quiserem utilizar bem, e por estas potencialidades e confiança no seu benefício é justo saudá-lo e aos que lhe deram forma e força. Tal é, pelo menos, a minha opinião, e para a expressar me levantei
Estritamente entendido, o decreto confere à Camará Municipal de Lisboa a incumbência de urbanizar novas zonas habitacionais na área da cidade por forma a poder oferecer às entidades interessadas, tanto oficiais como particulares, os terrenos necessários para a construção de habitações, tendo em vista a satisfação das necessidades actuais da população e as resultantes do seu desenvolvimento, em ordem especialmente à protecção dos agregados familiares de menores recursos; a substituição gradual dos chamados a bairros da lata» por habitações adequadas e de renda módica, e o realojamento das famílias atingidas por obras de urbanização ou vivendo em partes de casa e quartos arrendados E concede à Câmara autorização para tomar de empréstimo, a fim de poder executar estes trabalhos, até 200 000 contos num período de seis anos, além de lhe prometer 20 000 contos de comparticipação especial do Fundo de Desemprego
Pelo menos 28 por cento da totalidade dos fogos permitidos pelos terrenos urbanizados em cada ano hão-de ser para rendas mensais de 200$ a 300$, 21 por cento para rendas de 400$ a 600$, 14 por cento para rendas de 700$ a 900$, ide modo que praticamente dois terços da nova capacidade habitacional se conterão em escalões de renda que, não sendo ainda bem proporcionadas aos ganhos da população, representam, todavia, substancial descida das alturas inacessíveis para onde a ganância dos especuladores - dos terrenos e da construção - trouxe o preço dos alojamentos.
Ë certo, e é pena, que em parte alguma o decreto prescreve condições de habitabilidade para as categorias de rendas que define e que pouco nos dizem, afinal, sem esse esclarecimento; no entanto, o regime já estabelecido para algumas das classes de construção consideradas, como as casas económicas, s a responsabilidade das diversas entidades interessadas permitem crer que, com alguma vigilância, por essas rendas Se terão de facto casas suficientemente confortáveis para famílias normais.
Para garantia dessa vigilância cria o decreto um organismo que é princípio de resposta, a sugestões já velhas e muito repetidas, até mesmo dentro desta sala: uma comissão de habitação, funcionando na Presidência do Conselho, que há-de concorrer para coordenar a aplicação ao melhor aproveitamento dos, terrenos das assaz variadas modalidades de construção que os nossos legisladores têm concebido no desejo de fomentarem a habitação económica. Propor providências para a- boa realização dos fins do decreto é um dos objectivos expressos da comissão, onde somente não vejo o elemento que lhe dê as tão necessárias continuidade de acção e presteza de iniciativa.
Em suma, criam-se novas e, provavelmente, eficientes bases de resolução do problema crucial dos terrenos, em termos de se poder dar ímpeto decisivo a planos a que faltava o suporte físico.
O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Todo dirigido o decreto à Câmara Municipal de Lisboa, da boa vontade desta ficarão fundamentalmente dependentes os seus efeitos; mas a mesma promulgação do diploma pressupõe a confiança nessa boa vontade, que já foi, aliás, significativamente manifestada pelo ST. Presidente da Câmara, e em que esta não poderia arrepiar caminho sem trair gravemente um dos seus primeiros deveres para com os munícipes.
Por isto terá sido possível que, ao cabo de vários anos de diligências - aqui referi sucintamente, há poucos meses, o que delas transpirara para o público -, viesse a lume na imprensa, algumas semanas somente depois da data do decreto de que me estou ocupando, notícia de se 11 iniciar na zona sul dos Olivais um bairro de 700 casas económicas financiado por capitais das caixas de previdência Pouco mais do que gota de água no oceano das necessidades e fracção apenas do que os recursos disponíveis certamente consentirão, este bloco materializa uma iniciativa que vem já do tempo em que o nosso ilustre colega Dr. Soares da Fonseca geria a pasta dos Corporações e que o seu sucessor, tão devotado também ao problema habitacional, pertinazmente conseguiu fazer triunfar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Poderá pensar-se que para tonto alguma coisa houve que mudar na Câmara Municipal e que isso é bom augúrio para o decreto de 18 de Agosto r
Convencido de que é de interesse nacional a atenuação da crise do alojamento em Lisboa, como tenho explicado até a saciedade, se não ao enfado de V. Ex., só, posso regozijar-me com o que vejo, de mais não inquirindo
E dito o meu contentamento e as razões dele, para acabar permitir-me-ei apenas lembrar que a três dominadores requisitos importará obedecer na execução deste decreto, para não desmerecer dele ê das esperanças que levanta grandeza do planeamento, continuidade da programação e humanidade dos projectos.
Grandeza do planeamento, que se eleve à das faltas a vencer.
Continuidade da programação, equilibradamente repartida pelos anos além, para despertar e sustentar as organizações racionais indispensáveis à maior economia de construção, assegurando-lhes o afluxo regular de encomendas capaz de animar os empresários à reforma dos métodos de trabalho.
Humanidade dos projectos, que não encarem os novos edifícios como simples máquinas de habitar e os livrem, dos grandes males modernos, que começam a ser tão asperamente assacados aos blocos residenciais ainda há pouco tidos por maravilhas de arquitectura; dos.
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males do número e do ruído, do espaço ratinhado e do sossego impossível, das querelas è atropelos de escada, das dificuldades exteriores de abastecimento, de transportes, de distracção s de cultura, da falta de recreios para as crianças e da ignorância da natureza
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De que isto se pode fazer temos no exemplo da cidade do Porto, onde há apenas semanas O Século, que tão nobremente tem cumprido a sua missão de grande jornal, batendo-se persistentemente contra a crise habitacional, O Século, repito, viu um contraste de violência enorme» entre os novos bairros e as «ilhas» que vêm substituindo, sem que nenhum desses novos bairros se pareça com outro e encontrando em todos ambientes de comodidade, de segurança, de alegria, de confiança no futuro», numa atmosfera impressionante» de recuperação moral e social».
Porque não hão-de critérios de tão felizes resultados aplicar-se também em Lisboa?
Com este voto tenho dito,, Sr. Presidente
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão a proposta de lei sobre o abastecimento de água das populações rurais
Tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Cruz
O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: o abastecimento de água potável e abundante das populações rurais, pela incidência que tem no seu nível sanitário, na produtividade do seu trabalho e na sua saúde, é obra de infra-estrutura indispensável à valorização social e económica das zonas rurais do País. O Sr. Sequeira de Medeiros: -V. Exa dá-me licença O Orador: - Tenha a bondade. O Sr. Sequeira de Medeiros: - O aspecto que V. Ex. está à focar tem a maior importância e a maior projecção na economia dos Açores, porque a sua base económica reside na exploração do gado e, sobretudo, na produção leiteira O Sr Sequeira de Medeiros: - Estamos absolutamente convencidos de que para a economia nacional os lacticínios dos Açores hão-de ter sempre a maior importância, apesar de estarmos a contar com a concorrência do Mercado Comum e com o Mercado dos Sete, pois as condições de produção de leite nos Açores são extremamente favoráveis e hoje já representam cerca de 30 por cento da produção nacional. O Orador: - Tanto na área do litoral como nas zonas do interior precisamos de boa água, que é o espelho do saúde, e de suficiência de água, que é a base de melhoria da economia rural.
Por isso a proposta de lei em debate é do mais alto interesse e de grande alcance social
Para melhorar a sua vida e enraizar o camponês à terra há que esbater progressivamente e persistentemente o nítido contraste entre os níveis de vida das populações urbanas e das dos campos, levando gradualmente ao inundo rural o bem-estar de que desfrutam os que vivem na cidade Para isso é preciso pôr ao seu alcance água potável suficiente, electricidade, esgotos, habitação higiénica, estradas, trabalho mais regular e satisfatoriamente remunerado, etc.
As grandes causas do êxodo rural assentam em razões económicas e na falta de comodidades e possibilidades desse meio; por conseguinte, só i azoes económicas, maior conforto e mais largas possibilidades poderão atenuar apreciavelmente a fuga dos campos. £ preciso que a indústria e a agricultura, duas actividades essenciais à Nação, se desenvolvam sempre em equilíbrio harmónico através de métodos de acção que assegurem a prosperidade máxima para todo o nacional.
Sr. Presidente e Srs. Deputados propõe-se o Governo realizar um grande es f oiço financeiro e técnico para abastecer de água cerca de 11 200 povoações, com mais de 100 habitantes, facilitando o maior número possível de ligações domiciliárias.
Nesta obra grandiosa, de que beneficiarão 3 milhões de portugueses, o Estado chama a si 75 por cento dos encargos da execução do plano e, como as aldeias mais
pobres necessitam de maior ajuda que os mais ricas, a comparticipação, dentro do valor médio de 75 por cento, para cada obra conforme a capacidade financeira do município e as condições económicas da população a servir, isto para conseguir que as tarifas de vencia de água e os escalões de consumo mínimo obrigatório sejam compatíveis mesmo com a débil economia das famílias rurais mais pobres.
Simultânea e complementarmente à distribuição de água pelas populações será facilitada a rega dos hortejos e pomares anexos às habitações, a instalação de pequenas indústrias e o fomento da pecuária, medidas que se espera venham a ter grande influência na melhoria do nível alimentar e na própria economia lurai.
Quando o gado bebe água abundante e de boa qualidade bacteriológica,
Nos Açores o gado vive em regime pastoril permanente, mas não temos água em condições, e isso tem graves repercussões na saúde animal e também na qualidade da matéria-prima-o leite. Temos uma indústria apetrechada para o fabrico de lacticínios cos, mas não pode corresponder por falta de a matéria-prima - leite- nem sempre estar em condições
Foço votos por que esse aspecto focado por V Ex. a mereça a atenção dos Poderes Públicos, visto que noa Açores o substracto económico há-de ser sempre a exploração leiteira, e a produção de lacticínios nos Açores é da maior importância para a conveniente alimentação dos Portugueses.
O Orador: Agradeço a intervenção de V. Ex. que pôs em foco um problema importante dos Açores A solução adequada e urgente desse problema é de grande interesse em qualquer parte do País, mas no caso de Portugal insular esse interesse ainda se avoluma mais, por se tratar de regiões onde a exploração pecuária tem grande peso na sua vida económica.
As prospecções geohidrológicas já feitas mostram o fraco potencial hidráulico que caracteriza geologicamente o continente, em cuja superfície cerca de três quartas partes se apresentam desfavoráveis e acumulação de boas reservas subterrâneas, obrigando, por
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isso, em muitos casos, a tomar de futuro para mananciais abastecedores ou aproveitamentos hidráulicos já existentes e planeados para fins de rega, produção de energia, ou outros que possam conjugar-se vantajosamente com aquele objectivo, ou tomando directamente a água dos rios.
Prevê a proposta um importante trabalho preparatório - a larga campanha de prospecção e pesquisas de água -, a realizar no prazo máximo de seis anos, que fornecerá os elementos para elaborar as cai-tas das riquezas hídricas concelhias, a partir das quais se designarão as origens de água mais ajustadas a cada esquema e si amplitude de cada um dos agrupamentos a estabelecer.
Dado o resultado aleatório dos trabalhos de prospecção e a sua importância fundamental para a boa marcha do plano, o Estado chama a si quer o estudo geahidrológico, quer os encargos financeiros com a execução das obras de prospecção e captação. As câmaras municipais só comparticiparão as prospecções produtivas e não chegam a desembolsai qualquer, verba, porque o reembolso do Estado é feito por dedução na comparticipação da obra geral. Não obstante estas içais facilidades, ainda conviria que em casos especiais, e quando o estudo económico o mostrasse necessário, o Estado fosse mais além.
Na vizinha Espanha o Estado suporta inteiramente os encargos com. a realização de trabalhos desta natureza para as povoações até 2000 habitantes e na França a comparticipação do Estado vai até 95 por cento do custo dos trabalhos, se eles têm êxito, e até 100 por cento, no casos em que as pesquisas não são produtivas.
As águas subterrâneas deverão merecer em princípio o- preferência para os abastecimentos públicos, porque são águas mais defendidas contra poluições e que ou dispensam tratamento ou exigem depuração mais simples, fácil e económica que- as águas de superfície
Os tratamentos físico-químicos e biológicos das águas insalubres podem fazer subir as tarifas de venda a ponto de contrariar o seu consumo principalmente na rega de hortejo.
Mas nem só as águas superficiais estão sujeitas a poluições; os águas subterrâneas também podem correr esse risco Podem aparecer poluições nas nascentes da vizinhança de albufeiras de construção recente, onde se produz forte acumulação de detritos carreados pelo no, insalubridade nas infiltrações de água das chuvas através de terrenos que contenham produtos solúveis nocivos, utilizados na agricultura e horticultura para destruir insectos, ervas daninhas e certas pragas, nas infiltrações através de locais que contenham estrumes, detergentes, etc.
Na Jugoslávia houve grandes epidemias de febre tifóide de origem hídrica pela poluição de águas subterrâneas de formações calcárias. ,
Os países em franco desenvolvimento, como o nosso, devem tomar as medidas apropriadas para fazer face a esses riscos antes que eles se apresentem efectivamente.
As águas industriais precisam de ser cuidadosamente vigiadas para impedir extensos aumentos de poluição e evitar erros cuja correcção só seria possível à custa de enormes despesos
Sr Presidente e Srs. Deputados ao abrigo de várias providências legais que o Governo criou a partir de 1932 muito se tem. trabalhado em matéria de abastecimento de água
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ao abrigo dessa legislação foram realizados, até fim de 1958, mais de 1300 trabalhos de
abastecimento domiciliário e mais de 7000 com abastecimento só por fontanário, obras a que correspondeu um investimento superior a l milhão de contos.
Quase todas as cabeças de concelho se encontram providas de boa distribuição, visto o plano geral de abastecimento domiciliário de água às 273 sedes de concelho do continente ficar totalmente executado dentro dos próximos anos, mesmo sem aumento das dotações que a ele têm sido afectas. Essas dotações para as sedes dos concelhos, se forem mantidas ainda para além do plano referido, permitirão realizar em prazo adequado a 2.º fase de saneamento das sedes de concelho do País, ou seja a construção da rede de esgotos.
Ao contrário do que acontece com as sedes de concelho e apesar do esforço feito, as povoações rurais encontram-se ainda em condições muito precárias de abastecimento de água. Grande número delas não dispõem de água em quantidade suficiente e aquela que utilizam não obedece muitas vezes aos padrões sanitários médios
Segundo o inquérito realizado junto das câmaras municipais, ainda aguardam um satisfatório abastecimento as povoações que para cada distrito indicamos no quadro seguinte, referido a 1956:
(Ver tabela na imagem)
Por este quadro vemos que a onda marítima, desde o Minho ao Teju, e os distritos interiores com ela confinantes, Vila Real, Viseu e Santarém, somam só por si cerca de 82 por cento das povoações sequiosas.
A presente proposta de lei considera um plano que abrange as povoações com mais de 100 habitantes, para ser executado no menor prazo possível, prazo que se espera não vá além de 18 anos.
Serão introduzidos alguns princípios novos por esta lei, princípios aconselhados pela experiência e que dão muito mais largas possibilidades do que a orientação até agora seguida.
Passa a haver distribuição domiciliária em todos os casos, com maior ou menor intensidade, conforme as condições económicas locais, sem. que isso afecte o Limite da comparticipação. Daqui por diante o facto de existirem ligações domiciliárias não implica redução na percentagem da comparticipação do Estado.
Mas distribuições por fontanário que se têm feito, como a água tinha de ser grátis, ninguém pagava a elevação, e, por isso, procuravam-se abastecimentos feitos por gravidade, para o que se pesquisava só acima da cota da aldeia Podia haver muita água no vale abaixo
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do povoado, mas era como se não existisse, visto necessitar de elevação por bombagem.
Desta sujeição resultaram, por vezes, drásticas limitações nos caudais captadas e, desprezando-se as águas baixas, normalmente as únicas abundantes, comprometeu-se muitas vezes a duração da obra por a captação ter vida efémera
De futuro irá buscar-se a água onde exista, porque a distribuição a domicílio, mais cómoda para o consumidor e mais higiénica, cria receitas para fazer face ao custo de bombagem e cobrir outros encargos.
Para estimular a generalização deste sistema mesmo às famílias mais modestas o Governo facilita-lhes a construção dos ramais de ligação à rede pública, que poderão, para essas famílias, ser integrados nas obras gerais, beneficiando da comparticipação que o Estado concede para estas obras.
Quanto às captações de água, à grande dispersão existente vai suceder-se a concentração das origens abastecedoras, procurando que estas dêem garantia de abundância porá os povoados que servem, mesmo contando com o seu crescimento durante os quinze ou vinte anos que se seguem à obra.
Para aproveitar os benefícios dos aproveitamentos em conjunto, cada projecto englobará o maior número possível de povoações, independentemente do seu enquadramento administrativo, isto dentro dos limites aconselhados pelo estudo técnico-económico, visto o transporte de água acima de certa distância ser caro.
Dentro desta nova orientação estão sendo elaborados vários estudos e projectos de grandes captações e abastecimentos de conjunto, uns a partir de águas de superfície e outros a partir de águas subterrâneas captadas em formações geológicas favoráveis
De entre eles citaremos apenas um estudo para abastecer todo o concelho de Seia, grande parte do concelho de Oliveira do Hospital e uma parte do concelho de Gouveia, a partir dos águas da Hidroeléctrica da Serra da Estrela, tomadas à saída da central da Senhora do Desterro, depois de turbinadas
O estudo do abastecimento de todo o concelho de S. João da Pesqueira e porte dos de Penedono, Tabuaço e Moimenta da Beira a partir da albufeira de Vilar, no rio Távora.
O estudo, do abastecimento de todo o concelho de Idanha-a-Nova com água da albufeira do Ponsul, na Barragem Marechal Carmona
E o anteprojecto do aproveitamento do Mondego para, fins múltiplos, que possibilitar o abastecimento de água a 21 concelhos ribeirinhos.
No que respeita a abastecimentos regionais a partir da captação de águas profundas, referir-nos-emos somente ao anteprojecto para todo o concelho de Torres Novas, orçamentado em 34 000 coutos e ao estudo para abastecimento de todo o concelho de Ovar e parte dos de Oliveira de Azeméis e da Feira.
Em muitos casos as obras dirão respeito a mais que um município, e, por isso, a sua execução, exploração e conservação precisam de um serviço técnico responsável em comum, com vista a assegurar a sua conveniente utilização e a manter a boa qualidade química e bacteriológica da água distribuída.
Sr. Presidente a era de realizações e progresso em que vivemos faz com que de norte a sul do País se passe um anseio de renovação, todos procurando ver satisfeitas quanto antes as suas aspirações e necessidades mais prementes
No que respeita ao abastecimento de água, estão em curso cerca de um milhar de obras, e em meados do ano corrente uns 500 projectos aguardavam nos arquivos da Direcção dos Serviços de Salubridade a sua vez de inclusão nos planos a realizar.
Como as dotações para a comparticipação destas obras se têm situado nos 18 000 contos, o Ministério das Obras Públicas, no desejo de contemplar o maior número de interessados, tem dividido as comparticipações, e por isso vários trabalhos que poderiam ser executados em dois anos prolongam-se por quatro ou cinco, não podendo as câmaras realizá-los em menor prazo por receberem a comparticipação do Estudo de 75 por cento, não de uma só vez, mas repartida por vários anos económicos.
Como estas obras só são úteis às populações depois de concluídas, a lentidão com que são feitas descontenta o povo e as autarquias.
O Sr. Amaral Neto: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Tem a bondade
O Sr. Amaral Neto: - Quando as obras se arrastam por muito tempo, há uma séria perda para a economia dos projectos, pelas deteriorações sofridas durante as paragens
O Orador: - Inteiramente de acordo. Ficam mais caras do que se fossem executadas de uma só vez
Ao abrigo da proposta de lei em debate, as dotações anuais passam para 40 000 contos, mas como, desses 40 000 contos, 6000 se destinam aos trabalhos de inventário e prospecção das riquezas hídricas subterrâneas, ficam disponíveis para obras apenas 34 000 contos, donde terão de sair 18 000 contos até meados de 1965 para poder concluir até essa data o plano de abastecimentos rurais que estava em curso ao entrar em vigor o II Plano de Fomento.
Por isso ficam livres para o plano de obras novas 16 000 contos por ano, com os quais foi elaborado ura programa de trabalhos que até 1963 contempla 90 obras novas, algumas delas alongadas na sua execução por 5 anos.
Estas considerações mostram que, o plano de financiamento para os próximos cinco anos é escasso e que a curto prazo não conseguirá dar satisfação às justificados esperanças que as autarquias punham neste plano. Oxalá surja no decurso da sua execução a possibilidade de o reforçar substancialmente, é o desejo que aqui deixo expresso e penso que o desejo de toda esta ilustre Assembleia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O apoio do Poder Central aos municípios para a execução destas obras terá de ser intensivo, quer atribuindo comparticipações, quer autorizando operações de crédito.
A precária situação económica de muitos municípios pode, no aspecto financeiro, criar dificuldades à boa marcha do plano, pela impossibilidade que muitas câmaras terão de arranjar junto da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência as verbas que lhes cabem na execução das obras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Enquanto não forem tomadas medidas de franco desafogo financeiro para as câmaras, o que urge considerar, seria de todo o interesse que os municípios vissem facilitadas as autorizações de empréstimos da Caixa Geral de Depósitos para os habilitar a atingirem os objectivos expressos no presente diploma.
Quando o estudo económico seja aprovado pelo Ministério das Finanças e mostre dar receitas que garantam rentabilidade suficiente para cobrir os encargos do
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seu empréstimo deviam os municípios ser dispensados da regra financeira do «quinto limitei, estatuída no artigo 674.º do Código Administrativo, isto para fazer andar as obras e para colocar os pequenos municípios em pé de igualdade com os grandes, que, dispondo de serviços municipalizados, estão, através deles, isentos dessa regra financeira do «quinto limite».
E ao falarmos de facilidades de crédito para os municípios queremos salientar que se fosse possível tornar mais favoráveis as condições em que nos últimos anos se têm feito os empréstimos da Caixa Geral de Depósitos as câmaras municipais, alongando o período de amortização de 20 para 30 anos e baixando a taxa de juro de 4 por cento ao ano para 2 por cento, os encargos do município para juro e amortização do empréstimo baixariam de 7,3õ por cento para 4,46 por cento.
A duração média das instalações, que é da ordem dos 30 anos para os grupos electrobombas e superior a 40 anos para condutas, depósitos, etc., admite que o período de amortização se alongue aos 30 anos.
Quanto h forma de execução das obras, embora o regime normal continue a ser o de empreitada, facilita-se agora um pouco a administração directa do município nalguns trabalhos para aproveitar a cooperação voluntária das populações na execução das obras, o que, além do real interesse de aliviar a contribuição financeira a prestar pela câmara, também estimula o fenómeno salutar da cooperação dos munícipes na realização dos melhoramentos locais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As câmaras, como fazem os trabalhos para si próprias, são as primeiras interessadas em que eles fiquem bem feitos; além disso, o Governo fiscaliza-os.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, nas sedes dos nossos concelhos rurais as capitações diárias de consumos de agua têm. variado de 30 l a 50 l. Em muitas delas o consumo da água dos serviços camarários na rega de hortejos e jardins tem sido encarado pelos fornecedores como autêntico abuso, devido à sua escassez Com os novos sistemas de abastecimento a utilização de água para outros fins além dos domésticos vai passar de um abuso a direito, por imperativos económicos, sanitários e urbanísticos.
Da futuro as capitações de consumo diário a adoptar nos projectos de abastecimento não serão inferiores a 80 l por habitante, salvo em casos excepcionais devidamente justificados
Um dos factores que muito influenciam o consumo de água é o seu preço de venda.
Em vários concelhos as tarifas de venda da água têm sido as seguintes:
Em 11 sedes de concelho o metro cúbico de água é vendido a 5$.
Em 10 sedes de concelho o metro cúbico de água é vendido a 4$50.
Em 103 sedes de concelho o metro cúbico de água é vendido de 2$51 a 3$51.
Em 59 sedes de concelho o metro cúbico de água é vendido de 1$51 a 2$50.
Em 10 sedes de concelho o metro cúbico de água é vendido até 1$50.
Só dez municípios podem fornecer o metro cúbico a preço que não excede os 1$50, mas por este quadro vemos que a tarifa média para o conjunto das sedes de concelho anda pelos 3$50 o metro cúbico.
Como os escalões mensais de consumo obrigatório são, em geral, de 2 m3, 3 m3, 5 m3, 7 m3 e 10 m3, os encargos mensais variarão para a tarifa média de 3$50 por metro cúbico entre 7$ e 35$, a que ainda há a juntar a taxa de aluguer do contador - 3$50 por mês. Estes encargos mensais nos escalões superiores são excessivos, para o nível económico da grande maioria das famílias rurais.
Há que aproveitar todas as possibilidades de embaratecimento das tarifas de venda de água.
A extensão da rede de electrificação rural, vigorosamente impulsionada pelo Governo no II Plano de Fomento, permitirá a muitas câmaras dispor de energia nas suas centrais elevatórias, mas para que o preço de venda da água se molde ao nível económico das populações a servir é indispensável que as tarifas de energia eléctrica para aquele fim se tornem tanto quanto possível reduzidas
Os abastecimentos de conjunto a partir de origens seguras de água criam a necessidade de ir buscá-la às albufeiras, aos rios ou a lençóis de água profundos e a elevá-la por bombagem a 100 m, 200 m ou 300 m e até mais, conforme os casos.
A elevação de cada metro cúbico de água para estas alturas manométricas consome apreciável quantidade de energia eléctrica, como se vê pelos exemplos concretos do quadro que se segue:
[Ver tabela na imagem]
Esta necessidade de elevação por bombagem põe em plano de grande relevo a importância do custo da energia eléctrica no preço por que vai ser vendida a água.
As tarifas de venda de electricidade têm enormes diferenças de norte a sul do País
Na baixa tensão há tarifas de força motriz agrícola normalmente aplicadas à elevação de água e que nas redes com tarifas degressivas por escalões de consumo variam de um mínimo da ordem de $40/kWk a um máximo de l$60/kWh.
Há vários pedidos de revisão dessas tarifas e espera-se que a revisão seja para agravar as mais baixas e reduzir as mais altas.
Em alta tensão, que será de futuro o caso mais frequente de alimentação da bombagem, a fórmula tarifária é a mesma para elevação de água, força motriz e, por vezes, iluminação.
Se tomarmos para tarifa média do País em alta tensão o valor de $70/kWh, valor que não deve estar afectado de erro por defeito, o ónus que recai sobre o preço de venda de água só por efeito do consumo de energia será de $99 (4)/m* de água elevada a 200 m e de 1$49/m3 elevado a 300 m3
Como poderá aplicar-se a água na pequena irrigação caseira a $80/m3 e 1$/m3 se só o custo da energia eléctrica para a sua elevação excede em alguns casos e para a tarifa considerada aquele valor.
Sob o aspecto tarifário, o problema da bombagem pode ser resolvido, e bem, se o considerarmos não um problema de energia, mas sim de utilização.
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102 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 102
Para consumidores que ressalvem o período da ponta lia ]á tarifas mais favoráveis que as normais Num quadro mostramos as tarifas de alta tensão em vigor desde meados de 1958 nos concelhos de Montemor-o-Novo e Montijo para os consumidores que ressalvem a ponta.
[Ver tabela na imagem]
Para usos agrícolas os preços indicados no quadro ainda têm um desconto de 10 por cento.
Nas horas de ponta da rede distribuidora os utilizadores só podem consumir o que for estipulado no contrato, geralmente perdas a iluminação de vigilância.
Isto para os consumos diurnos e nocturnos; ora para utilizações só nocturnas e das 23 horas às 7 horas e 30 minutos a tarifa ainda pode ser mais favorável.
Se ao fazer as obras de abastecimento de água às populações rurais se construírem os reservatórios com capacidade suficiente para permitirem a bombagem só de noite e nas horas moitas do diagrama de cargas da rede, a tarifa poderá aproximar-se dos $40/KWh, sem sacrifício para as empresas eléctricas.
As concessões da grande distribuição vão ser todas revistas após a regulamentação da Lei n º 2002, que está a ser ultimada Nessa revisão serão fixadas as tarifas de venda de energia consoante a natureza dos consumos. Haverá preços diferentes para a energia de Verão ou de Inverno e paca a energia diurna ou nocturna.
A bombagem praticada só no período nocturno das 23 horas às 7 horas e 30 minutos proporcionará o abastecimento de água às populações rurais com tarifas de energia eléctrica favoráveis
Sr. Presidente durante o debate da proposta de lei relativa ao II Plano de Fomento tive a honra de subscrever, com outros colegas mesta Câmara, uma moção que recomendava ao Governo a inclusão no II Plano de Fomento dos obras de abastecimento de água às populações rurais.
Estos obras, de extraordinária importância social e humana, ficam incluídas nos planos de fomento Dirijo, por isso, desta tribuna o nosso agradecimento ao Governo e ao Ministro das Obras Públicas.
Vozes: - Muito bera!
O Orador: - E antes de terminar quero também deixar aqui uma palavra de justo apreço a todos os que na Direcção dos Serviços de Salubridade deram o seu contributo à tarefa preparatória do que vai seguir-se à aprovação desta lei, e especialmente ao seu director, o distinto engenheiro Macedo Santos, que sobre o assunto elaborou um primoroso e exaustivo trabalho, onde os vários problemas são tratados com grande extensão e profundidade.
O Sr Brito e Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Sr Presidente e Srs. Deputados: o abastecimento de água às populações rurais é mais ama conquista que está à nossa frente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será no dia 9 do corrente, tendo por ordem do dia a discussão da proposta de lei de autorização de receitas e despesas paxá 1960 e a continuação do debate sobre a proposta de lei de abastecimento de água das populações rurais.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Ornelas do Rego
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Frederico Bagorro de Sequeira.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Marchante.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José de Freitas Soares.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA