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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 141

ANO DE 1960 13 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 141, EM 12 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata

Nota. - Foram publicados dois suplementos ao Diário das Sessões: o primeiro ao n.º 133, inserindo o relatório das contas de gerência e exercício das províncias ultramarinas de 1058, e o segundo ao n.º 140, inserindo o texto, aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção, do decreto da Assembleia Nacional nobre a autorização das receitas e despesas para 1960.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 140.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa o parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta- de lei de alterações ao Código Administrativo, que baixará à Comissão de Política e Administração Geral e Local.
Deu-se conta da expediente.
Para os efeitos do cumprimento do disposto do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foram recebidos na Mesa os n.ºs 284, S95, 196, 286, 887, 291, 298, 299, 300, 993 e 294, do Diário do Governo, 1.ª série.
Foram igualmente recebidos na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Finanças em satisfação de um requerimento do Sr. Deputado Nunes Mexia.
Também foram recebidos na Mesa os elementos fornecidos pela Presidência do Conselho e Ministério da Economia em satisfação de requerimentos dos Srs. Deputados Augusto Simões, Calheiros Lopes, Vítor Galo e Camilo de Mendonça e que foram entregues a estes Srs. Deputados.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Urgel Horta, que se referiu à figura do Prof. Mendes Correia, há pouco falecido; Pinto de Mesquita, sobre o mesmo assunto; Castilho de Noronha, acerca da visita do Sr. Ministro da Presidência ao Estado da índia; Proença Duarte, sobre a homenagem prestada há dias em Santarém pelo embaixador do Brasil a Pedro Aluares Cabral; Melo Machado, acerca de assuntos de interesse citadino e sobre as recentes medidas de simplificação administrativa: Rodrigo Carvalho, que fez considerações sobre a indústria têxtil e algodoeira, e Pinho Brandão, que chamou a atenção para a obra da missão católica de assistindo, aos emigrantes portugueses em Paris.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei de abanicai incuto de água às populações rurais. Usou da palavra o Sr. Deputado Munoz de Oliveira.
O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 18 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Augusto Finto.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.

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António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Tasques Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 140 do Diário das Sessões, de 15 de Dezembro findo.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação, considero aprovado o referido número do Diário das Sessões.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Carta

De José Augusto, do Rossio de Abrantes, juntando cópia de exposição enviada ao Sr. Ministro da Economia sobre o indeferimento, pelo Sr. Subsecretário de Estado da Indústria, de um pedido de instalação de uma fábrica de descasque de arroz em Rio Maior.

Telegramas

Muitos, de aplauso no discurso do Sr. Deputado Camilo de Mendonça e à atitude da Assembleia Nacional em relação às manobras internacionais contra o ultramar português.
Vários, a discordar da intervenção do Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho na sessão de 14 de Dezembro findo.
Da direcção do Centro Académico de Democracia Cristã, a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Nunes Barata referente à Universidade Católica, estudo de teologia e direito canónico nas Universidades do Estado.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa relativo à proposta de lei de alterações ao Código Administrativo.
Vai baixar ti Comissão de Política e Administração Geral e Local.
Enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 284, 1.º série, de 11 de Dezembro do ano findo, que insere os Decretos-Leis n.ºs 42 711, que habilita o conselho administrativo do Fundo de Fomento Nacional com os poderes e meios indispensáveis à prática de actos subsequentes inerentes à extinção daquele Fundo; n.º 42- 713, que autoriza, o Governo a despender u quantia de 33:000.000$ com a aquisição de munições à Fábrica Militar de Braço de Prata, e n.º 42 714, que mantém para o ano de 1960 a isenção de contribuição industrial e da taxa de compensação do imposto sobre as sucessões e doações, criada pelo artigo 10.º da Lei n.º 2022, dos prédios rústicos e urbanos das freguesias de Capelo e Praia do Norte, do concelho da Horta, concedida pelo Decreto-Lei n.º 41 999.
Para o mesmo efeito estão na Mesa tis n.º 1 295 e 290 do Diário do Governo, 1.ª série, respectivamente de 24 e 26 de Dezembro do ano findo, que inserem os Decretos-Leis n.º 42 759, que alarga até 31 de Dezembro de 1961 o período fixado no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41 009 (pessoal do Exército e da Armada, do activo ou da reserva, em serviço na Força Aérea); n.º 42 761, que cria vários lugares nos quadros do pessoal da Agência-Geral do Ultramar e regula o exercício do cargo de chefe de secção de contabilidade da Repartição dos Serviços Administrativos, a que se refere o artigo 76.º do Decreto-Lei n.º 41 169; n.º 42 707, que altera para 1 de Janeiro de 1961 a data, fixada no ar-

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tigo único do Decreto-Lei n.º 40 496, para o início do reembolso ao Estado pela Administração-Geral do Porto de Lisboa do em préstimo referido na alínea a) da base IV do Decreto-Lei n.º 35 716, e n.º 42 768, que determina que a comissão instaladora e administrativa do Hospital de S. João, criada pelo Decreto-Lei n.º 39 558, cesse as suas funções em 1 de Janeiro de 1961.
Para o mesmo efeito estão na Mesa os n.ºs 286 e 287 do Diário do Governo, 1.ª série, respectivamente de 14 e 15 de Dezembro do ano findo, que inserem os Decretos-Leis n.º 42 725, que contém disposições destinadas a esclarecer dúvidas suscitadas na execução das alterações introduzidas no Código Administrativo pelo Decreto-Lei n.º 42 536e considera extensivo às federações de municípios compreendidos num só distrito o disposto no § 2.º do artigo 13.º daquele decreto-lei, e n.º 42 727, que autoriza o Governo a despender no ano findo a quantia de 31.5 500 contos em conta do montante fixado nu artigo 10.º da Lei n.º 2090 e abro um crédito no Ministério das Finanças, a favor dos encargos gerais da Nação, para ser adicionado à verba descrita no artigo 218.º, capítulo 11.º, do orçamento respeitante ao ano económico findo.
Para o mesmo efeito estão na Mesa os n.ºs 207, 298, 299 e 300 do Diário do Governo, 1.ª série, respectivamente de 28, 29, 30 e 31 de Dezembro do ano findo, que inserem os Decretos-Leis n.º 42 780, que reintegra no Exército, no posto de coronel, na situação de reforma, um ex-tenente-coronel de infantaria: n.º 42 782, que determina que a chefia do serviço da farmácia do Comando-Geral da Guarda Nacional Republicana passe a ser desempenhada por um capitão ou major farmacêutico; n.º 42 783, que autoriza o Ministério da Justiça a subsidiar, pelo Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça, até ao limite de 20:000.000$, a construção de edifícios prisionais ou de estabelecimentos jurisdicionais de menores; n.º 42 784, que prorroga, até 31 de Dezembro de 1900 o disposto no Decreto-Lei n.º 40 049, que permite que aos subsidiados pelo Comissariado do Desemprego presentemente ao serviço seja mantida a sua actual situação; n.º 42 787, que suspende até 31 de Dezembro de 1900 o pagamento do imposto de minas liquidado à Empresa Industrial Carbonífera e Electrotécnica, S. A. R. L., pelas suas minas de Rio Maior e que se encontra por pagar; n.º 42 790, que autoriza o Banco de Angola a realizar uma nova emissão de obrigações. 110 montante de 100:000.000$; n.º 42 791, que define as entidades com competência para autorizar despesas nos Serviços Sociais das Forças Armadas e fixa os limites dessa competência; n.º 42 792, que fixa os vencimentos e abonos do pessoal das tropas pára-quedistas; n.º 42793, que cria os Serviços Sociais da Guarda Nacional Republicana ; n.º 42 794, que cria os Serviços Sociais da Polícia de Segurança Pública, e n.º 42 795, que introduz alterações na pauta de importação e nas respectivas instruções preliminares, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 42 G56.
Para o mesmo efeito estão na Mesa os n.08 293 e 294 do Diário tia Governo, 1.ª série, respectivamente de 22 e 23 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.º 42 750. que modifica algumas disposições do Decreto-Lei n.º 39 889 e introduz alterações no quadro do pessoal da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho e da Secretaria da Assembleia Nacional, a que se refere o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 42 593; n.º 42 751, que dá nova redacção a vários números do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 42 142, que altera a área das freguesias do concelho de Lisboa; n.º 42754, que aprova, para ratificação, o Acordo de coordenação antipalúdica entre Portugal e Espanha; n.º 42 756, que dá nova redacção a várias disposições do Código de Processo Penal, revoga o n.º 3.º do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 37 047 e o artigo 289.º do Estatuto Judiciário e dá nova redacção aos artigos 53.º, 56.º e 244.º do mesmo Estatuto, extingue um lugar de primeiro-oficial no quadro do pessoal de secretaria do Conselho Superior Judiciário e cria, em sua substituição, um lugar de escriturário de 1.ª e outro de 2.ª classe, os quais poderão ser admitidos ao concurso para chefe de secção das secretarias judiciais; e n.º 42 758, que autoriza o Governo, pelo Ministro da Educação Nacional, a aceitar uma quantia para fundo do manutenção de uma cantina escolar anexa às escolas do núcleo de Cabeção, concelho de Mora, a qual se designará «Cantina Escolar D. Josefa da Conceição Penha Lopes Aleixo».
Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Finanças em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 10 de Dezembro do ano findo pelo Sr. Deputado Nunes Mexia.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 6 de Maio do ano findo pelo Sr. Deputado Vítor Galo.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 14 de Dezembro do ano findo pelo Sr. Deputado Augusto Simões, está na Mesa um ofício, enviado pela, Presidência do Conselho, que transcreve o despacho do Sr. Presidente do Conselho .sobre o assunto e de que vai ser dado conhecimento àquele Sr. Deputado.
Está igualmente na Mesa parte da resposta fornecida pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 14 de Dezembro último pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
Vai ser entregue àquele Sr. Deputado.
Estão ainda na Mesa, enviadas pela Presidência do Conselho, cópias de dois processos de inquérito realizados pela Inspecção de Assistência Social a factos ocorridos na Santa Casa da Misericórdia de Benavente e que foram remetidas por aquele organismo pura satisfação do requerimento apresentado na sessão da Assembleia Nacional de 11 de Setembro do ano findo pelo Sr. Deputado Calheiros Lopes.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Urgel Horta.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: pedi a palavra a palavra a V. Exa. para lembrar um tristíssimo acontecimento: a morte do mestre ilustre que foi o Doutor Mendes Correia, antigo Deputado à Assembleia Nacional, onde ocupou lugar destacado.
Sr. Presidente: são bem merecidas, inteiramente devidas, todas as homenagens que possam prestar-se à memória do Prof. Mendes Correia, cujo desaparecimento marca uma data triste e negra nos anais científicos dos nossos institutos de alta cultura.
Não é tarefa fácil fazer a síntese de uma vida, demonstração clara de valor tão eloquentemente testemunhado na vultosa e magnificente obra científica que nos legou.
Na hora em que a angústia e a dor, perante o trágico acontecimento, dominam e oprimem inteiramente os corações e as almas de quantos com ele colaboraram ou conviveram, sentindo a profunda emoção que a todos domina, não ocorrem à nossa imaginação expressões adequadas, próprias, verdadeiras, através das quais possa exteriorizar a admiração e o respeito devido ao homem e ao cientista que com extraordinário zelo prestigiou o nome da sua pátria, com manifestações nas

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quais a inteligência e o coração eram coordenadas demonstrativas de altas qualidades e magníficas virtudes reunidas em tão eminente personalidade.
Cumpro, Sr. Presidente, um sagrado dever imposto à minha consciência, na sua mais digna e meritória expressão, rememorando essa figura de extraordinária projecção, alma ardendo em labaredas de fé e de entusiasmo, que me habituei a admirar, como mestre e como amigo, quando, em preparatórios médicos, tive a oportunidade de o ouvir preleccionar, transmitindo aos seus discípulos, que atentamente o escutavam, os conhecimentos indispensáveis à vida profissional que lhes estava reservada.
E então, como sempre, pude apreciar as extraordinárias faculdades da sua inteligência, q seu poder de observação e de síntese, os dotes de tolerância e bondade que se albergavam no íntimo daquele ser, em que o seu forte arcaboiço, de homem e de lutador, se harmonizava inteiramente com um admirável somatório de predicados que tornaram extraordinariamente notável uma actividade científica tão intensa como proveitosa e lhe abriram as portas dos institutos das grandes nações.
A sua notável obra de cientista, investigador profundo, antropológica de altos méritos, biologista, filósofo e tratadista, expositor e orador de altos recursos, é um apelo à vida e um desafio à morte, pois continuará vivo esse espírito que viveu inteiramente consagrado ao labor educativo dos estudiosos, que pelas gerações fora lhe renderão as homenagens devidas a esse portuense ilustre, amando estremecidamente a sua terra, o generoso e altivo burgo tripeiro, onde ele consumiu energias sem par, numa actividade criadora, de tão reconhecida projecção.
Sr. Presidente: não cabe nos estreitos limites de uma intervenção parlamentar a biografia de quem tanto se notabilizou numa vida de generoso e intenso labor intelectual. Mendes Correia desde muito novo fez demonstração clara e plena de uma privilegiada inteligência, quer no curso liceal, quer nos cursos superiores, no curso de Medicina, que frequentou na prestigiosa e velha Escola Médico-Cirúrgica do Porto, onde se formou, destacando-se sempre como o primeiro, com as mais altas e merecidas classificações.
Dotado de um espírito cintilante, perfeitamente ordenado e disciplinado, atingiu, mediante concurso de provas públicas, lugares de larga projecção nas Faculdades de Letras, de que foi mestre insigne, e de Ciências, da Universidade do Porto, de que foi assistente, professor catedrático e director, onde iniciou e continuou os seus aturados estudos de antropologia, nos diversos e complexos ramos. Então, como sempre, a sua actividade não tinha limitações, trabalhando afincadamente na matéria que o apaixonou, escrevendo em revistas e jornais científicos, nacionais e estrangeiros, numa afirmação da sua personalidade ávida de conhecimentos e pronta a divulgar as suas opiniões, filhas da sua experiência e do seu raciocínio, do seu estudo.
Os trabalhos publicados sobre antropologia, que atingiram número de muitas centenas, deram-lhe grande autoridade na matéria, tornando-o conhecido por toda a parte no domínio das ciências positivas e especulativas, chamando-o a justa participação em numerosíssimos congressos internacionais, onde sempre foi recebido e escutado com aquele sentimento de admiração que a obra realizada justificava.
Essa obra, toda concebida em profundidade, reveladora de uma actualização constante, verificada através da publicação de numerosos e completos trabalhos, atribuir-lhe as portas de grande número de academias e de sociedades científicas da Europa e da América, onde desfrutou de um prestígio que só podem merecer e gozar aqueles que, como Mendes Correia, sacrificam uma vida inteiramente consagrada ao culto das ciências.
Enumerar as suas publicações não cabe neste apontamento, visto ser enormíssima a bibliografia do Prof. Mendes Correia, atingindo extraordinária notabilidade a maior parte dos trabalhos, em especial os de antropologia, ramo científico a que o Prof. Mendes Correia deu um impulso de especial realce. E, ao lado dessas publicações, outras produziu, confirmando exuberantemente o seu destacado valor e o seu porfiado labor intelectual, tratando assuntos referentes à criminologia, à pré-história, à demografia, a questões pedagógicas e à investigação de problemas científicos ligados os nossas províncias ultramarinas, que lhe valeram citações honrosas em revistas, jornais e tratados escritas por cientistas da maior categoria.
No Instituto Superior de Ciências Ultramarinas, de que foi director, deixou bem vincada a sua passagem, sabendo sempre criar à sua volta colaboradores dedicados.
Há um facto no campo da biologia humana merecedor de um destaque especial, pelo que apresenta: o ter sido dos primeiros a estudar e a classificar os grupos sanguíneos, tirando desse estudo conclusões que mais farde vieram a ser confirmadas por biologistas da maior reputação científica.
Outros estudos prenderam a sua atenção, numa avidez compatível com o acréscimo da sua bagagem de erudito reconhecido em todos os meios. Pode afirmar-se, com toda a propriedade, ter sido apaixonado cultor das ciências e das letras e que a sua larga preparação filosófica lhe foi extraordinariamente útil no desenvolvimento de uma actividade que o tornou credor da melhor admiração.
Em Em Face de Deus revela e demonstra o Prof. Mendes Correia a evolução sofrida pelas suas ideias sobre filosofia e religião, renegando um passado de incompreensão e descrença e seguindo e perfilhando princípios e conceitos, em perfeito acordo com o sentido cristão da vida, subordinados aos ditames da fé.
O Prof. Mendes Correia, no cumprimento dos seus deveres cívicos, ocupou no Porto a presidência da Câmara Municipal, onde apaixonadamente se dedicou ao progresso da sua cidade.
Como homem, como cientista e como cidadão foi cultor fidelíssimo dos ditames da honra e das obrigações do dever, servindo e louvando sem reserva de espírito, não se albergando neste sentimentos que pudessem, elevando a sua personalidade, inferiorizar a dos outros, sempre tolerante, bondoso e compreensivo perante as dificuldades e amarguras em que se debate o mundo de hoje.
Serviu com nobreza e isenção a política do Estado, e nas missões da mais alta responsabilidade cumpriu integralmente, adoptando atitudes e criando situações que o elevaram no conceito geral e o tornaram amado e respeitado por todos quantos com ele conviveram.
Muitos dos que me escutam contactaram com n mestre ilustre e Deputado à Assembleia s tiveram ocasião de admirar a clareza com que do alto da tribuna parlamentar defendia os problemas que estavam dentro do seu pensamento, do seu sentir e da sua devoção pela causa pública.
Recordo neste instante, com a maior saudade, rendendo-lhe a maior e a mais sincera homenagem, o mestre sabedor e respeitado, o cientista ilustre, o investigador consciente, o jornalista e o conferencista brilhante, o antropologista notável e consumado, o biologista cintilante, o orador e expositor iluminado pelo entusiasmo dos seus ideais e, acima de tudo, o tripeiro, o portuense nato, português e patriota, que dedicadamente serviu e honrou a sua terra, que tanto idolatrava, lutando por

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um Portugal cada vez mais prestigiado no Mundo, que amou enternecidamente, trabalhando pelo seu engrandecimento e pela sua perene unidade, ruim imperativo a que todos nos encontramos fraternalmente ligados. Mas quero, sobretudo. Sr. Presidente, prestar homenagem ao homem que afastado da angústia em que viveu e dominado pela fé na sua ascensão ao infinito e no seu espírito, encontrou a bênção de Deus a acolhê-lo misericordiosamente no seu reino.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: relações de vário nexo me prendiam à pessoa do Prof. António Mendes Correia e me prendem hoje à sua memória.
Acaba de ser recordado pelo Sr. Deputado Urgel Horta o valor da sua multifacetada obra científica e pedagógica, bem como o relevo da sua passagem por estes hemiciclos - o desta Assembleia Nacional e o da Câmara Corporativa.
Por isso vou ater-me só a circunstâncias que a ele mais directamente me prenderam. Somos ambos naturais do Porto. Pertencemos praticamente à mesma geração, diferença de um ano no curso do liceu - ele mais velho -, coincidência na formatura (1911), que em Medicina era e é mais longa do que em Direito.
Por meu pai aprendera já a estimar a família exemplar de seus pais; ao tempo, o pai Mendes Correia ocupava na cidade posição destacada de médico e de político, como vereador da Câmara.
Sofremos com a mocidade de então a anarquia do pensamento, entre os pólos do positivismo filosófico e de um idealismo insubstancioso, com lógicos meridianos de cepticismo.
Nesse clima o interesse do espírito de Mendes Correia soube inclinar predominantemente, para além da estreita vida prática e rendosa, antes à cultura desinteressada.
A medicina preparou-o, com insatisfeito espírito de investigador, para a biologia; passou, como professor ilustre, daí à antropologia, nas suas variadas facetas, e por algumas delas a arqueologia, a etnografia, com seus pressupostos geográficos ascendeu à integração dos principais factores formativos da nacionalidade portuguesa, e, que o mesmo é dizer, depois conservadores dela.
Assim, publicou sucessivamente A Raça e a Nncionalidade, Povos Primitivos da Lusitânia e As Raízes de Portugal. Nesta ordem de deduções históricas, como português que era, portuense, legou-nos uma séria interpretação da importância do nosso burgo nas origens da nacionalidade.
Partido de outra formação universitária, a jurídica, encontramo-nos praticamente, em obra de administração construtiva, na Câmara Municipal do Porto, ele como seu presidente, eu como vereador. Destinou-me ele presidir, nessa qualidade, a sua principal iniciaram cultural camarária, como menina dos seus olhos - os Estudos Portugueses -, que foram e têm sido alargados pelos seus sucessores como viva saudade e renascida esperança da restaurada Faculdade de Letras.
E nesta qualidade de cidadão do Porto que principalmente o venho recordar aqui. Como geralmente sucede em toda a vida política, nem todas as horas lhe foram fastas. Mas sob tal aspecto não contribuiu pouco para desgostos inerentes à política a sua fundamental virtude de bondade e fidelidade aos amigos, com o seu reverso de medalha, de contemporiza coes discutíveis.
Orientando na última fase da vida o seu dinamismo pedagógico para o nosso ultramar, pôde o seu espirito porventura encontrar as satisfações de uma mais larga e compreensiva audiência, quer no patriotismo prático do seu magistério superior, quer na alta e merecida dignidade a que foi chamado: presidir à benemérita Sociedade de Geografia.
Sr. Presidente: assim, tirando a conclusão destas palavras e da sentida oração proferida pelo Dr. Urgel Horta e interpretando, estou certo, o sentir não só dos Srs. Deputados pelo meu distrito, mas o de toda a Assembleia, proponho um voto de profundo sentimento pelo falecimento do ilustre professor que foi o Dr. Mondes Correia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Interpretando o sentimento da Assembleia Nacional, defiro o pedido do Sr. Deputado Pinto de Mesquita para 4110 na acta da sessão de hoje fique consignado um voto de sentimento pelo falecimento do Sr. Prof. Mendes
Correia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Castilho Noronha: - Sr. Presidente: com o mais vivo prazer cumpro o grato dever de dirigir deste lugar as minhas sinceras e entusiásticas saudações a S. Exa. o Ministro da Presidência, Dr. Pedro Teotónio Pereira, que desde o último sábado se encontra em Goa em visita oficial àquela província ultramarina.
Filho da índia Portuguesa, quero juntar a minha voz às vozes que nestes dias aí se erguem, num coro de vibrantes aclamações, em homenagem ao ilustre membro do Governo.
A distância a que me encontro não amortece o entusiasmo com que em espírito acompanho a triunfal jornada, que está a decorrer num ambiente de incomparável grandiosidade, de impressionante solenidade. Nem podia deixar de ser. A índia não podia manter-se indiferente, não podia ser insensível e honrosa visita de tão ilustre individualidade - ilustre pelas altas funções que exerce e mais ilustre ainda pela sua elevada categoria mental e moral, que lhe dá o direito de ser considerado como uma das figuras mais prestigiosas, como um dos maiores valores do Portugal de hoje.
Por isso não seria exagero afirmar que a índia revive nestes dias momentos mais felizes, mais gloriosos. da sua plurissecular história.
É o que inculcam e significam as apoteóticas manifestações que aí se multiplicam em honra do Sr. Dr. Teotónio Pereira. Essas manifestações proclamam bem alto a importância da visita, que é a primeira que o Sr. Dr. Teotónio Pereira, como Ministro da Presidência, faz às províncias ultramarinas.
Não me deterei a pôr em relevo o largo alcance político dessa memorável visita, que tão vincadamente assinala os dias que correm.
O Sr. Dr. Teotónio Pereira não encontrará, nas torras que está percorrendo, a índia do cravo e da pimenta. Não encontrará nelas a índia que, em tempos idos, deslumbrava pelo brilho do seu ouro, pelas cintilações dos seus rubis e diamantes. Nada disso. A índia na o atrai hoje pelas suas pedras preciosas, pelas suas especiarias. S. Exa. não verá aí nada que, no ponto de vista material, importe opulência, fausto, grandiosidade. Atravessará talvez com o coração angustiado as terras que, estendendo-se por uns escassos milhares de quilómetros quadrados, são tudo o que resta do vastíssimo império luso-oriental na Índia.

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Mas a terra, como os homens, não se mede aos palmos, nem se afere o seu valor pela abundância de fugazes valores materiais.
Goa é, sim, pobre de haveres materiais, mas é rico o seu património espiritual.
Não nos envergonha a pobreza em que vivemos. Mas a riqueza de nossos valores morais e espirituais, que tanto sublimaram a nossa terra, levantando bem alto o seu nome, enche-nos de orgulho.
Por uma feliz coincidência, o Sr. Ministro da Presidência presidiu à cerimónia do início dos trabalhos de reintegração da Velha Cidade no seu espírito histórico-arqueológico, monástico e religioso - trabalhos esses que se destinam à reconstituição de uma parte do nosso património espiritual.
O ilustre governador-geral, brigadeiro Manuel António Vassalo e Silva, que vem dando ao Estado da índia, cujos destinos lhe estão confiados, o melhor do seu inteligente e patriótico esforço, concebeu o simpático e - porque não dizê-lo - arrojado projecto de reanimar a Velha Cidade, que é, como S. Ex.ª muito bem disse, um repositório de valores artísticos, históricos, culturais e religiosos.
Iniciativa feliz e cheia de significado - iniciativa plena de espiritualidade, merecendo o mais caloroso apoio.
O Sr. Ministro, no discurso que proferiu no Instituto Vasco da Gama após a conferência, subordinada ao sugestivo tema e Goa, fanal da espiritualidade portuguesa», feita pelo distinto e erudito magistrado Dr. Ismael Gracias, presidente do Tribunal da Relação de Nova Goa, referiu-se ao projecto em termos muito animadores e, exprimindo ao Sr. Governador-Geral o seu aplauso pela iniciativa, afirmou que se sentia feliz por ter vindo tomar parte e acompanhar a cerimónia.
A Velha Cidade é um sagrado documentário do muito que os Portugueses fizeram no Oriente. No silêncio que a envolve tumultua todo um mundo de recordações a que nenhum espírito culto pode ser insensível. Foi ela a urbs mater do império português no Oriente; «a cidade mãy de toda la índia», na conceituosa e lapidar expressão do ínclito Afonso de Albuquerque.
Não durou, porém, muito essa sua próspera e privilegiada situação. Factores de vária ordem contribuíram para o seu rápido declínio. Hoje tem ela o triste aspecto de uma vasta necrópole, onde avultam, soturnas e sombrias, as ruínas de templos e outros edifícios que, na sua majestade e grandiosidade, emolduravam o esplendor dessa gloriosa cidade.
Reanimá-la, dar-lhe nova vida, por forma a (impedir que se esbatam os valores espirituais de que ela é repositório», é a ideia mestra em que se inspirou o plano do Sr. Governador-Geral.
A efectivação desse plano vem sendo uma das mais absorventes preocupações de S. Exa. Em Maio último nomeou uma comissão de estudo à qual competiria
estabelecer as bases principais em que deve assentar o programa das realizações, que passarão a ser levadas a efeito por um número reduzido de técnicos e consultores, mais de acordo com a preocupação de materializar a ideia».
A comissão, ao cabo de um aturado estudo em pormenor, elaborou um interessante e lúcido relatório, em que se indica o que há a fazer para a efectivação «da obra altamente nacional de reintegração dos monumentos s edifícios que restam da Velha Cidade no ambiente respeitável e austero da cidade religiosa e histórica».
Frisando a necessidade de se inventariar tudo quanto resta na Velha Cidade, que carece de ser delimitada, localizando-se todos os monumentos existentes e as ruínas, sendo possível; de dispor os edifícios para a finalidade que tinham ou podem ter; de promover a construção de artérias necessárias com vista a facilitar o acesso aos lugares históricos da cidade e salvaguardar o que lá existe ainda não arruinado - a comissão tomou resoluções que comportam a realização de obras em duas fases: na 1.º - a) Restauro de monumentos e ruínas; colocação da estátua de Camões; b) Construção de arruamentos e praças; ajardinamentos.
Como se vê, o plano é grandioso.
Os trabalhos que já começaram, convenientemente conduzidos, como é de esperar, culminarão numa obra colossal, gigantesca, revivificando a histórica cidade que hoje jaz morta.
Praza a Deus que cheguem a bom termo os trabalhos que sob tão bons auspícios se iniciaram.
O Sr. Ministro, num outro passo feliz do seu discurso, realçou a importância da obra, dizendo: e O maior e mais alto papel da evocação do passado é servir de cimento para o futuro».
Mas quanto mais grandioso é o plano tanto mais cheia de dificuldades é a sua efectivação, dificuldades que provêm, sobretudo, da escassez de recursos. Mas nem por isso há esmorecimento, há desânimos.
Não escapou este aspecto ao Sr. Ministro, que, a terminar o seu discurso, disse: «Teremos recursos para terminar a obra? Há sempre recursos quando u alma é grande. O que primeiramente é necessário é a convicção. O resto virá depois».
Pois é verdade. Nilo devemos esquecer que a fé transporta montanhas.
Além de autorizar com u sua presença o começo dos trabalhos de reconstituição da Velha Cidade, o Sr. Dr. Teotónio Pereira teve, durante a sua visita, a oportunidade de ver os vários e importantes melhoramentos com que o Estado da índia ultimamente tem sido dotado, destacando-se de entre eles os estaleiros navais e a fábrica de farinação de peixe, melhoramentos esses que- terão uma repercussão acentuadamente benéfica na economia do País.
Não me detenho a fazer referências especiais a vários outros interessantes números do programa da visita. Pela excepcional importância de que essa visita se reveste, é de esperar que ela resulte muito proveitosa para o Estado da índia.
Digo-o na plena convicção de que o Sr. Dr. Teotónio Pereira, após a sua visita, levará a índia no seu coração e, tomando-a sob o seu alto patrocínio, defenderá as suas justas aspirações e os seus legítimos interesses.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: no dia 16 de Dezembro próximo passado foi em romagem ao túmulo de Pedro Alvares Cabral, a Santarém, o Sr. Embaixador do Brasil, Dr. Negrão de Lima, decorridos que eram poucos dias sobre a entrega das suas credenciais a S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.
Deram S. Exa. e o Governo Português a essa visita carácter oficial, pelo que Santarém o recebeu com as honras devidas à sua alta hierarquia e ao país que tão dignamente representa.
Constituiu o facto uma das primeiras manifestações da actividade diplomática do Sr. Embaixador no nosso país e creio ter ele um sentido digno de ser assinalado nesta mais alta assembleia política da Nação.
Foi Pedro Alvares Cabral o varão assinalado que, partido da ocidental praia lusitana, primeiro aportou a terras de Santa Cruz.
Ele foi «o homem que inventou o Brasil, no dizer de Afrânio Peixoto.

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Repousam os restos mortais do insigne capitão-mor em campa rasa na capela lateral direita da Igreja da Graça, sa mais delicada jóia de arte que Santarém, para honra sua, ainda conserva como preciosíssima relíquia da arquitectura gótica», como escreveu António Áreosa Feio, na sua bela obra Santarém Princesa das Nossas Vilas.
Já tinha sido erguida há mais de um século, na nobre vila de Santarém, essa Igreja da Graça, quando Pedro Alvares Cabral, «tão versado em cosmografia e marinharia», partiu da praia do Resido, desta cidade de Lisboa, capital do Reino e cabeça de um império em começo de formação. Em boa parte anula hoje perdura esse império, mercê de Deus e, porventura, da riqueza humana, da potencialidade criadora, da nobreza dos ideais K dos princípios que inspiravam os portugueses que o formaram & mantiveram e dos que ainda agora o sustentam e defendem com o mesmo ideário, a mesma devoção patriótica e o mesmo sentido universalista que sempre presidiu à nossa acção civilizadora levada a cabo nas cinco partes do Mundo.
Foi nessa Igreja da Graça, da hoje cidade de Santarém, que o Sr. Embaixador do Brasil, Dr. Negrão de Lima, ajoelhou e orou junto da campa de Pedro Alvares Cabral, erguendo ao céu, por certo, as mesmas preces u orações que o insigne capitão-mor ergueu com todos 05 seus comandos quando pela primeira vez pisaram as então desconhecidas terras de Santa Cruz.
Repetiu, assim, o Sr. Embaixador o gesto do seu compatriota e grande lusófilo Dr. Afrânio Peixoto, que este refere na sua obra - escrita na «nossa amada língua portuguesa» - Viagens na Minha Terra, dizendo:
«Na Igreja da Graça ajoelho-me e venero uma grande memória: Pedro Alvares Cabral aqui jaz ... Pelo Brasil que ele revelou no Mundo rendo-lhe homenagem ...».
O gesto do Sr. Embaixador Negrão de Lima é mais um testemunho vivo e eloquente de que os brasileiros esclarecidos e responsáveis cultivam e afervoram o sentido profundo dos laços históricos que unem Portugal e o Brasil, pois o Sr. Embaixador pertenço ao verdadeiro patriciado intelectual do Brasil.
Por isso ele disse, com ajustada propriedade, em discurso proferido em Santarém, que nas ruas calmas e tranquilas daquela cidade e sob as arcarias ogivais da Igreja da Graça vinha retemperar o seu espírito.
Obra do espírito foi, na verdade, a que logo de início e sempre os Portugueses realizaram no Brasil, desde que ali aportaram e tomaram contacto com os íncolas dessa terra prodigiosa, que hoje se afirma como das mais progressivas em todo o hemisfério austral e também das mais fiéis às crenças dos seus antepassados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Obra de espírito, tão luminoso e são que pôde vivificar e continua a presidir à estruturação e desenvolvimento da vida de uma já grande 6 próspera nação, que antevemos, e ardentemente desejamos, seja das que mais decisiva influência venha a exercer no ordenamento do mundo d« amanhã.
É que no recheio humano das naus e caravelas com que Cabral fez rumo a terras ignotas que deviam existir para além do mar Atlântico, lá para as bandas do Sol-Poente, se continha como que uma síntese dos princípios e conhecimentos que informavam uma civilização já milenária que se esclarecera e fixara com a verdade revelada por Cristo, que cada ano o mundo cristão celebra.
E que nelas seguiam mareantes, matemáticos, cosmógrafos e geógrafos esclarecidos e experimentados, que em sua formação científica provinham em linha ruela dessa Escola de Sagres, que o ínclito e genial infante D. Henrique criara para que os Portugueses dessem novos mundos ao Mundo.
Nelas iam outros letrados: cronistas, físicos, jurisconsultos, ecónomos e mais de que as crónicas nos falam e dão memória, conjuntamente com freires, abados, vigários e outros representantes da milícia espiritual, futuros divulgadores do. palavra, do Evangelho nessas sociedades que íamos trazer para a luz da civilização.
Ao lado destas elites, e formando um todo com elas iam os simples marinheiros, gente do povo, todos animados pela mesma fé ardente e por indomável desejo de cumprir a missão que a Pátria lhes incumbira pela voz do seu chefe e rei. Assim era a tripulação da frota que Joio de Barros disse ser «mui poderosa em armas e gente luzida».
E quando o mar era revolto e a tempestade açoutava, e sacudia as naus era a ideia da Pátria que, sobrepondo-se a tudo, até mesmo ao instinto de conservação, unia s conjugava seus esforços obedecendo a voz de comando, para dominar os elementos, vencer o perigo e chegar a porto de salvamento.
Magnífica e sempre actual lição a que dessa epopeia se colite, por força da qual temos de reconhecer que é constante da nossa história, como de resto da de todas as nações que têm verdadeiro sentido da sua vocação e do seu destino, que nos lances decisivos da nossa vida colectiva só podemos subsistir e criar mais fortes raízes da vida perene pondo de parte o que nos divide para só fortalecermos os sentimentos que nos devem unir: de respeito pelos sacrifícios e ardor patriótico dos que nos antecederam e pelos direitos dos que se nos hão-de seguir.
Mas por força do feito de Pedro Alvares Cabral e da acção igualmente heróica e persistente de ta til os portugueses que depois dele ali missionaram as almas, fecundaram a terra e defenderam suas gentes criou-se nu nutra margem do Atlântico uma nova comunidade lusíada que perante o mundo de hoje é mais um testemunho irrefutável das virtudes e potencialidade criadoras da raça.
Foi para prestar homenagem a essas virtudes e potencialidades, que transmitimos e se mantêm vivas na alma brasileira, que o Sr. Embaixador Negrão de Lima foi em romagem espiritual ajoelhar e rezar junto do túmulo de Pedro Alvares Cabral, segundo penso e creio.
Havemos de tê-lo como um gosto de esclarecido e são nacionalismo, daquele nacionalismo de sentido universalista que impulsionou a gesta heróica dos portugueses de 1500.
Havemos de considerá-lo como afirmação de que sendo comum a raiz e seiva das duas comunidades lusíadas, a uma e outra se impõe fortalecer, dar vida nova e actual aos laços históricos que as prendem o tornam comuns os seus destinos; e denunciar como atentatórios dos interesses da grei todas as atitudes, todos os actos, todas as condutas pessoais ou colectivas que possam por qualquer forma dividi-las ou amortecer os sentimentos fraternos por que estão vinculadas.
O mar Atlântico nos separa e simultaneamente nos une.
Somos nele duas bases estratégicas donde impulsionar e defender esses interesses comuns.
E foi, por certo, este pensamento que inspirou as palavras do Sr. Ministro da Marinha do Brasil proferidas em entrevista recentemente dada à Imprensa, a sugerir a realização de manobras navais conjuntas das armadas brasileira, e portuguesa nesse oceano Atlântico que é vínculo ila nossa coexistência e legítimo a necessário instrumento do desenvolvimento e progresso da grande comunidade luso-brasileira.

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Se me falha competência especializada para emitir parecer sobre essa sugestão, é certo que o meu sentimento lusíada me faz inclinar para a ela aderir com entusiasmo e alvoroço, pois me parece forma real e efectiva, ainda que indirecta, de afirmar nossos direitos históricos legitimamente adquiridos, de que adveio manifesto benefício para todos os povos modernos e cuja subsistência, parece evidente, continua a ser indispensável para o progresso espiritual e económico do mundo actual e para a paz entre as nações.
Sr. Presidente: o Sr. Embaixador do Brasil manifestou em Santarém quanto o impressionara o vibrante, carinhoso e vitoriante acolhimento que lhe dispensaram alguns milhares de jovens dos estabelecimentos de ensino daquela cidade no momento em que chegou junto do pórtico monumental da Igreja da Graça para nela se recolher e concentrar, por instantes, perante o túmulo daquele que, por seu feito, deu origem a que Pedro Vaz de Caminha escrevesse a primeira página da história da sua pátria.
Essa espontânea manifestação da juventude traduz os sentimentos de Portugal inteiro para com o Brasil.
Que o alto pensamento que estava no espírito do Sr. Embaixador e os sentimentos que se albergavam no seu coração e determinaram a sua romagem a Santarém se traduzam, por parte dos governantes das duas nações irmãs, em actos e factos de conteúdo espiritual, cultural e económico, como exigem os novos tempos, que ainda mais avigorem, robusteçam e imponham ao Mundo a comunidade luso-brasileira.
É o voto que, por sentimento e por acto de inteligência, aqui quero deixar expresso.
Foi para o formular que pedi a palavra e no uso dela abusei da generosidade da Câmara.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: tudo o que interessa à capital interessa necessariamente ao País.
Inaugurou-se no passado dia 29 o metropolitano de Lisboa.
Na expressão de progresso que dá à nossa capital, no concurso que vai prestar para a resolução do problema de trânsito, o metropolitano, essa grande obra que os habitantes de Lisboa viram realizar interessados uns, resmungões outros -, granjeou já a compreensão geral através dos benefícios que dispensa nas zonas em que funciona.
Essa compreensão foi aliás, exuberantemente demonstrada no interesse manifestado logo no primeiro dia de funcionamento.
O que é preciso é que se continue com a mesma decisão com que se começou, pois não se aceitará que uma capital como Lisboa continue permanentemente sofrendo os congestionamentos de trânsito, que tornam hoje a vida dos seus habitantes incómoda e enervante.
Trata-se de uma grande obra - grande pelo volume de capitais nela empregados, pelas consequências felizes que nos trará, pelo esforço técnico despendido na sua realização, que nos honra.
Não pode comemorar-se este acontecimento, esta inauguração, este progresso, sem lembrar-se o nome de Álvaro da Salvação Barreto, antigo membro desta Assembleia, a cuja energia, inteligência e acção inteiramente se deve.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A S. Exa., como presidente da Câmara, deve a cidade de Lisboa um preito de admiração e gratidão pelo muito que por ela fez.
Não tenho dúvidas de que o seu nome ficará gravado a letras de ouro na história da nossa capital e de que essa mesma história lhe prestará um dia inteira e merecida justiça.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não importam os que conservam o espírito saudosista do Passeio Público, não importa a resmunguice e a crítica fácil contra os buracos, como se fosse possível fazer obras deste vulto sem incómodos para a população.
Esse foi o seu concurso, já que outro não deu, para essa obra admirável, concebida, realizada, em seu proveito.
Indispensável será prosseguir, pois não está nas normas nem na tradição do Estado Novo alterar os planos concebidos e estudados no sentido de alcançar um determinado fim.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estudar na dúvida, realizar na fé, disse Salazar, e, consequentemente, não parar no meio.
Estudar na dúvida, para que os assuntos sejam estudados cabalmente; realizar na fé, que é como quem diz que encontrado o caminho, nele se prosseguirá até ao fim.
A população de Lisboa começa, tenho a certeza disso, a ter orgulho nessa obra, a abençoar os transtornos que sofreu para a ver hoje concluída e triunfante. Sabe que se lhe antepõem tremendas dificuldades técnicas, mas por isso mesmo tem como capricho terminá-la, para que a todos os habitantes da cidade chegue o benefício que já alguns desfrutaram.
Louvemos a obra, o sen grande animador Salvação Barreto, todos os técnicos responsáveis que na sua realizarão puseram um notável esforço, sem esquecer todos os operários a cujo trabalho e esforço comum se deve a sua realização, e assinalemos mais uma vez que só sob a égide do Estado Novo, com ordem nos espíritos, nas ruas e nas finanças, com uma técnica evoluída, graças à possibilidade de exercitar-se, foi certamente possível e tornada necessária, o que é mais, esta demonstração de progressiva evolução económica.
Felicitemo-nos, regozijemo-nos, mas que a alegria deste momento não nos faça esquecer, antes relembre e louve, todos aqueles a quem a devemos.
Outro assunto:
Também neste interregno foi publicado o decreto sobre a simplificação administrativa.
Não quero - eu, que, aqui, em vários anos e por várias vezes, a última das quais durante a discussão da Lei de Meios, levantei estes problemas - deixar de ter uma palavra de encarecimento e de agradecimento ao Governo por ter começado a atender aquelas reclamações que estavam porventura no espírito de todos e que tive a felicidade de trazer aqui repetidas vezes.
São do preâmbulo desse decreto as seguintes afirmações:
No seguimento do propósito já expresso pelo Conselho de Ministros de simplificar os métodos do trabalho burocrático e melhorar a eficiência dos serviços públicos, tem natural cabimento a preocupação de dispensar do despacho dos membros do Governo todos os assuntos que possam sem inconveniente ser resolvidos em outro nível.

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Na verdade, frequentemente se sentem os efeitos de uma organização administrativo com aspectos ou pormenores de excessiva centralização, que coloca na dependência de decisão ministerial numerosas questões cuja resolução pode ser confiada aos directores-gerais ...
Interessa, pois, atenuar uma concentração de .competência» nem sempre justificada e conferir nos funcionários de chefia nos vários graus hierárquicos a maior autoridade e maior responsabilidade.
A consideração destes problemas, no conjunto dos seus variados aspectos e implicações, só poderá naturalmente ser feita através de uma reforma administrativa, cuja expressão final não Se julga ser ainda viável. Todavia, é possível tomar desde já algumas providências, que, nem por dizerem respeito a casos limitados, deixam de ter significado como efectiva aplicação da orientação já mencionada.
Trata-se, portanto, de um primeiro grupo de medidas de ordem prática, que se julgam de harmonia com as indicações da experiência e as exigências de uma sã e eficiente administração.
Ë evidente, Sr. Presidente, que leio agora estas afirmações com o maior prazer. Também me compraz saber que estas medidas são apenas um princípio de realização, porque, se assim não fora, o decreto não me daria satisfação inteira. Mas, como se diz que vai continuar-se o caminho agora encetado, dirijo daqui o meu aplauso ao Governo por ter finalmente encetado esse caminho de simplificação administrativa, que, se tem algum defeito, é só o de não ter vindo mais cedo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Rodrigo Carvalho: - Sr. Presidente: as minhas primeiras palavras nesta Assembleia, no alvorecer do novo ano, são de cumprimentos a V. Exa. e de agradecimento pela valiosa colaboração que sempre prestou tios seus Deputados, na defesa dos legítimos e justos interesses nacionais, aqui postos em causa por .todos nós, e a mim, especialmente, quando, em 13 de Maio de 1909, desta tribuna chamei a atenção do Governo para a grave crise que a indústria têxtil atravessava naquela data e lhe solicitei auxílio para a atenuar.
O apoio e carinho com que V. Exa. acompanhou o assunto, para ser encontrada a desejada solução, calou fundo no meu coração agradecido, e aqui, publicamente, do desejo testemunhar.
Perdoe-me V. Exa. a singeleza das minhas palavras, mas não podia iniciar a- minha breve intervenção de hoje sem cumprir este dever.
Sr. Presidente: conforme referi aqui oportunamente, ao manifestar o reconhecimento da indústria têxtil ao Governo, em 29 de Junho de 1959, a criação do Fundo de Estabilização do Algodão iria possibilitar uma mais ampla penetração dos nossos tecidos em novos mercados, reforçar aquela que com tantos sacrifícios se havia conquistado, mas em risco de perder-se, e tornar possível, ainda, melhorar consideravelmente o nível de emprego, que nessa data era extremamente precário, pois grande número de fábricas trabalhavam apenas ires ou quatro dias por semana.
Foram, efectivamente, com esse auxilio, atingidos todos os objectivos desejados, e mais uma vez a indústria encontrou no Governo o apoio indispensável para a realização dos seus anseios.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: Às medidas tomadas pelo Governo, através da Secretaria tio Estado do Comércio, respondeu prontamente a indústria com os seus esforços, e justo é destacar a forma como o fez. Assim, facilitada a exportação pelas disposições do Decreto n.ºs 42 375, de 9 de Julho de 1959, o seu volume subiu de uma forma expressiva. Enquanto em meados do ano entre Maio e Julho, a exportação se mantinha na média de 320 t, passou em Setembro para cerca de 500 t, atingindo em Outubro e Novembro, respectivamente, 617 t e 914 t, e em Dezembro cerca de 1300 t, volume este nunca alcançado em qualquer época anterior.
A repercussão de tão alto nível de exportação fez-se sentir na continuidade e aumento da utilização de mão-de-obra e ainda no contributo apreciável que trouxe em divisas para o equilíbrio fia nossa balança comercial, na qual os têxteis ocupam um lugar de merecido destaque.
Se outras razões ponderosas não houvesse, estas, só por si, são bem significativas do quanto é possível realizar no interesse geral, com a colaboração atenta e eficiente entre o Governo e os diversos sectores de produção.
Sr. Presidente: não me queria alongar muito nas minhas considerações, mas, por imperativo da projecção que ao assunto em causa se pode atribuir, mais extensa terá de ser a minha intervenção.
Conforme já expus, uma colaboração constante entre os sectores da produção nacional e o Governo poderá melhorar as condições de vida daqueles que nela labutam para viver, de modo que o interesse de cada um desses sectores seja conjugado com o alto interesse nacional, sem discrepâncias, tantas vezes nocivas, e desalentadoras, e a algumas destas tenho de me referir neste momento.
A criação da Zona Europeia de Comércio Livre dos Sete, a que Portugal aderiu, veio abrir novas perspectivas ao nosso comércio externo e, simultaneamente, criar graves responsabilidades u produção. Sendo assim, há que ter em conta as condições em que a mesma se processa e atender com cuidado a todos os seus factores. Qualquer alteração com influência em um deles pode comprometer toda a política de fomento industrial em curso. Neste aspecto, posso citar o caso da indústria têxtil, agora em franca recuperação de um equilíbrio há muito perdido, cuja situação há meses quase a levou às portas do abismo. Todos os desvios no caminho da sua ascensão poderão ter consequências de gravidade incalculável. É ponto assente e claramente definido que o auxílio concedido através da Secretaria de Estado do Comércio pelo Decreto n.º 42 375, que a desonerava de diversos encargos, veio tornar possível o desenvolvimento da exportação dos seus produtos, em medida conveniente e necessária.
A sua manutenção é tão indispensável à continuação do ritmo em que actualmente se processa a sua laboração que o ilustre Subsecretário de Estado do Comércio, Exmo. Sr. Dr. João Augusto Dias Rosas, tendo vivido intensamente este problema, pois que dele tem conhecimento profundo, despachou no sentido da sua continuidade por mais algum tempo, pois a debilidade dos mercados compradores, tanto nacional como estrangeiro, e a fraca estrutura industrial deste sector não permitiriam, neste momento, qualquer diminuição daquele auxílio. A par deste, é necessário fazer-se o reapetrechamento das fábricas têxteis, aumentando a sua

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produtividade e dando-lhes assim condições de sobrevivência em face da nova conjuntura económica.
Chamo a atenção deste facto porque outros factores que condicionam a produção, como matérias-primas, equipamento, mão-de-obra e pressão fiscal, poderão do mesmo modo, por qualquer pequena alteração, comprometer todo o esforço de recuperação em que estamos empenhados.
Infelizmente verificou-se já a alteração de alguns dos factores inerentes a esta indústria, que, sem dúvida, terão inevitável repercussão nos custos da produção. Refiro-me, em primeiro lugar, no aumento de direitos de 4$ em quilo nas fibras artificiais, que são largamente aplicadas por grande número de fábricas, muitas das quais as utilizam em percentagens superiores a 50 por cento no fabrico de diversos tecidos.
Devo esclarecer que, segundo os elementos que colhi, foi de 9000 t aproximadamente o'«eu consumo no ano de 1958, sendo o de 1959 muito semelhante, que representa cerca de 20 por cento do total de matéria-prima consumida pela indústria. Estas fibras são utilizadas simples ou em mistura com algodão na confecção de artigos de baixo preço, largamente adquiridos pelas classes de menor poder de compra. A manter-se o aumento verificado do seu custo, este terá inevitável repercussão nos preços do mercado consumidor, com todos os inconvenientes que daí advirão.
Verifica-se também neste momento um agravamento considerável e proibitivo nos direitos de importação de grande número de máquinas têxteis.
Tal alteração de pautas trouxe à indústria algodoeira, principalmente, em virtude do grande número de máquinas que para uma eficiente produção precisa de importar, fortes apreensões e manifesto desalento, paru os quais chamo a atenção do Governo, na pessoa do Sr. Ministro das Finanças, a quem há pouco ainda muito se ficou devendo na concessão dos meios que possibilitaram a criação do mencionado Fundo de Estabilização do Algodão.
Não <_5 encargos='encargos' com='com' máquinas='máquinas' tais='tais' de='de' incalculáveis.br='incalculáveis.br' os='os' agravamento='agravamento' e='e' serão='serão' consequências='consequências' renovar='renovar' as='as' deste='deste' resultados='resultados' dúvida='dúvida' produção='produção' possível='possível' sem='sem'> Este facto, extremamente grave, no momento em que n indústria têxtil, num esforço enorme de recuperação, procura reequipar-se, está em contradição flagrante ...

O Sr. Melo Machado: - Apoiado!

O Orador: -... com a política de fomento industrial em curso, que implica necessariamente novo equipamento, e ainda com o afirmado em preâmbulos de alguns decretos, como, por exemplo, o que se lê n.º Decreto n.º 40 874:
Ë preocupação constante .do Governo a criação de condições favoráveis ao desenvolvimento de uni programa de investimentos suficiente para assegurar o nível elevado de actividade económica.
De entre as suas finalidades principais que dominam este programa de investimentos destacam-se o da elevação do nível de vida nacional e de volume de emprego e a melhoria da composição, qualitativa e quantitativa, das trocas externas. E de uma evidência flagrante que no campo das trocas externas a luta contra a concorrência estrangeira tem de partir de um plano de acção em que os investimentos desempenham a condição primária, na medida em que possam .permitir, através dos processos técnicos e do próprio volume da produção, a apresentação de produtos nacionais a preço e qualidade susceptíveis de competir internamente e nos mercados externos.
Entre as condições favoráveis u maior inversão de capitais de instalação ou reorganização das respectivas unidades industriais. Procura-se assim incentivar a diversificação da produção, a melhoria, v barateamento dos produtos, a própria produtividade, num vasto sector industrial não abrangido directamente pelos planos de fomento em curso, mas cujo desenvolvimento interessa sobremaneira ao progresso económico do País.

E, a terminar, diz ainda:

Espera-se, assim, que as medidas agora adoptados constituam estímulo suficiente para que da. sua ampla utilização pela iniciativa privada possam resultar mais vantagens económicas e sociais.

Foram, deste modo. concedidas, através do citado decreto, deduções, na parte da contribuição industrial, que atingiram no ano de 1959, até 31 de Outubro, segundo expresso no relatório da Lei de Meios. 0387 contos na indústria têxtil de algodão e seda. Os aumentos agora verificados nas pautas em relação às máquinas para esta indústria, estão em contradição absoluta não só com o que acima acabo de transcrever como ainda com o que tem sido concedido como isenções ou reduções de direitos na. importação de máquinas para o reapetrechamento de outros sectores industriais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim, no que respeita ao equipamento de fiação, a alteração apresenta-se deste modo: o aumento de direitos para 6 por cento sobro o valor das máquinas, pelo Decreto n.º 42 656, de 18 de Novembro de 1959. que representava um agravamento aproximado de 20 por cento sobre os encargos alfandegários anteriores, foi considerado como reajustamento justificável. No entanto, a nova revisão de, pautas, estabelecida pelo Decreto n.º 42 795, de ?5l de Dezembro último, fixou os direitos de importação destas máquinas no seguinte quantitativo:

18 por conto sobre o valor das máquinas de preparação, ou seja aumento de 200 por cento;
30 por cento sobre o valor dos contínuos e torcedores, o que corresponde a uni agravamento de 400 por cento;
30 por cento sobre o valor das encarretadeiras, o que significa aumento do 400 por cento.

Finalmente, para os teares estabeleceu-se um aumento de 50 por cento.
Para melhor se ajuizar aos encargos agora criados pelo citado aumento de direitos, convém esclarecer que uma instalação de fiação pagará de direitos, no acto do despacho, aproximadamente uma quarta parte do seu preço de custo.
Estes encargos são não nó incomportáveis como também a negação de tudo o que até agora se tem dito escrito sobre a orientação do Governo nu política de fomento industrial.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Uma política de coordenação efectiva entre os Ministérios da Economia, das Finanças e das

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Corporações torna-se indispensável ao prosseguimento da política de revigoramento do nosso sistema industrial e valorização da riqueza nacional em que todos estamos empenhados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Só assim acontecer, a indústria portuguesa saberá corresponder, como provou já o sector algodoeiro, bem expressivamente. Há que ponderar claramente sobre estes problemas e atender ao conjunto de interesses em causa, pois de contrário correremos o risco de tudo submergir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ao Governo, na pessoa do Sr. Presidente do Conselho, renovo os agradecimentos pelo auxílio concedido há meses e peço a melhor atenção para o que acabo de expor.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente: há perto de dois meses li no diário Novidades uma entrevista concedida a este jornal pelos padres Monteiro Saraiva e Vaz Pinto, da missão católica portuguesa em Paris. Incidiu essa entrevista sobre a necessidade de protecção e de assistência espiritual e moral aos emigrantes portugueses que vivem em Paris e arredores, os quais atingem o elevadíssimo número de cerca de 30 000, e sobre a obra que essa missão se propõe realizar em ordem àquela protecção e assistência.
Entendeu o Episcopado Português que urgia dar amparo e assistência moral aos 30 000 portugueses que mourejam em Paris e arredores, e. por isso, há cerca de ano e meio para lá enviou o padre Monteiro Saraiva. com o fim de aí fundar a missão católica portuguesa.
Instalou-se então o padre Monteiro Saraiva numa pequena dependência da missão católica espanhola, e dessa dependência, que provisoriamente serve de sede da missão católica portuguesa, iniciou a sua notabilíssima e prodigiosa actividade, com o objectivo de encontrar todos os portugueses que labutam em Paris e arredores, dispersos nas mais variadas profissões.
Trabalho tenaz e persistente, de largo sentido humano, que o obrigou a percorrer em todas as direcções essa vasta região de Paris, penetrando nas fábricas e nos campos, nas barracas que servem de residência e até nas casas nocturnas, no meio da escória da grande urbe.
Assim o padre Monteiro Saraiva conseguiu localizar, num esforço persistente e contínuo, os 30 000 portugueses e chamá-los, depois, até junto de si, paru inquirir dos seus problemas e necessidades,. das suas angústias e insatisfações, dos seus dramas pessoais e íntimos e até da sua vida de todos ns dias.
Grande obra é esta. Sr. Presidente, do mais puro sentido cristão e do mais alto interesse nacional. Do mais puro sentido cristão, pela assistência moral dispensada a esses portugueses; e do mais alto interesse nacional porque 30 000 portugueses representam uma força importante que convém permaneça enquadrada nos sentimentos e aspirações gerais da Nação.

O Sr. Cortês Pinto: - Muito bem!

O Orador : - Mas a obra está apenas no seu início. A missão católica portuguesa, que se propõe realizar a obra de protecção e de assistência moral ao emigrante português em Paris e arredores, nem sequer tem sede própria, nem recursos que lhe permitam instalar e desenvolver os serviços indispensáveis a sua nobre função, à sua patriótica actividade. Tem boa vontade e os melhores propósitos; mas faltam-lhe os meios necessários para levar a cabo o sou elevado, cristão e patriótico objectivo.
É necessário fundar escolas de francês e de português que ministrem o ensino aos nossos compatriotas, conferências de S. Vicente de Paulo que protejam os vê lios e os doentes, centros de reuniões e de convivência social que apertem os laços de solidariedade entre todos eles, etc.
Pois bem, Sr. Presidente: esta obra magnifica, de elevado sentido cristão e altamente patriótica, precisa de ser amparada pelo Governo Português, com a concessão do auxílio financeiro indispensável. Os 30 000 portugueses que vivem na região de Paris merecem amparo, protecção e carinho de todos nós. A sorte deles não nos pode ser indiferente e há que encaminhar os seus passos pelas vias que conduzam no amor de Deus da Pátria e da família.
Por isso, crente de que interpreto neste momento os sentimentos gerais da Nação, faço apelo ao Governo para auxiliar a obra da missão católica portuguesa em Paris, concedendo-lhe subsídio necessário u realização dessa obra. Ela s de tamanho relevo e de interesse para o País que bem se justifica seja subsidiada pelo Estado. E tudo que tenha a fortalecer os laços entre os numerosos portugueses espalhados pelo Mundo e a Mãe-Pátria é feito no interesse da Nação, e por isso compete ao Governo, zeloso do bem comum, auxiliar esse fortalecimento.
Aqui deixo, pois, em duas palavras, este apelo, confiado no homem excepcional que, pelos seus talentos e virtudes e fiel a história da Nação, soube imprimir o mais alto sentido cristão e português à marcha da Revolução Nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de abastecimento de água das populações rurais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Munoz de Oliveira.

O Sr. Munoz de Oliveira: - Sr. Presidente: a leitura da proposta de lei n." 28, em discussão nesta Assembleia, trouxe-me à ideia o notável livro de Frei António de Guevara, Menosprecio de Corte y Alabanza de Aldea, em que o conselheiro e cronista de Carlos V enaltecia a salubridade dos aglomerados rurais em confronto com o nefasto ambiente da cidade. E fazia-o, em s eu dizer, com «muitas e muitas e muito boas doutrinas».
Como vão longínquos e mudados aqueles tempos, tanto mais longínquos quanto maior vai sendo o progresso das cidades, quanto mais lento e difícil se vai tornando o benefício da aldeia.
É, no entanto, consolador verificar que o espírito que presidiu à elaboração desta proposta de lei, e cuja presença claramente transparece quase que em cada linha do seu relatório justificativo, é o de uma excelente

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política de valorização dos meios rurais, cie uma inteligente concepção do que deve e pode ser o equilíbrio de condições de vida entre os mais diversos aglomerados populacionais.
Começa o relatório por referir o contraste entre os níveis de vida das populações urbanas e rurais provocado por uni fenómeno que acentuou o desequilíbrio entre a vida das cidades e dos campos para benefício daquelas e em detrimento destes. E felizmente que mais uma vez, vem a esta Assembleia, em documento do Governo, o reconhecimento desse desequilíbrio e, o que mais importa notar, a declaração de que se torna, cada vez mais imperioso contrariar o agravamento de uma situação que, a permanecer, poderá trazer ao Puís perturbações de tal modo graves que podem fazer perigar unia estrutura erigida com devotado sacrifício e enraizado amor a esses mesmos meios rurais, que constituem a melhor e mais sã reserva dos nossos valores humanos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A aldeia necessita de águas e esgotos, vias de comunicação e transportes, necessita de todo o conjunto de benefícios que o progresso da técnica e da civilização lhe pode conferir, mas necessita também de permanecer detentora, dos tradicionais valores espirituais que têm sido apanágio das gentes portuguesas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Que se não perca a aldeia portuguesa por permitir que se despovoe ou incentivar que se transforme num amálgama urbano sem personalidade, sem linha de vida definida, sem a existência de um traço comum nos seus habitantes, que ela continue, como sempre foi, na pureza de uma, associação de famílias que se entreajudam e vivem lias canseiras ou alegrias, na tempestade ou na bonança, sob o superior estímulo de um ideal comum.
Todos quantos nesta Assembleia têm largamente debatido a necessidade de suster a corrida aos aglomerados urbanos podem felicitar-se, e tantos têm sido e tilo insistentemente que é legítimo afirmar-se ser a própria Assembleia que, no seu todo, se pode felicitar.
Não será, por si só, o abastecimento de água das populações rurais benefício que impeça a fuga da aldeia e o abandono dos campos. Não; o problema que se põe é por de mais amplo e complexo para solução tão simplista, mas não nos caiba a menor dúvida de que, se não é medida suficiente, é-o, sim, primariamente necessária, ou não fossem o bem-estar económico e o saneamento duas condições intimamente ligadas e não estivesse o fundo da questão num fenómeno do tipo económico social.
Que o Governo, na sua proposta de lei, não quis esquecer a estreita ligação entre o saneamento e o bem-estar económico, que não deixou circunscrever o abastecimento de água em limites de mero âmbito sanitário, mas antes se preocupou com factores mais latos, embora tantas vezes esquecidos, como são os do bem-estar dos povos e o da produtividade das famílias rurais, atestam-no, pelo menos, dois princípios que se podem considerar inteiramente novos em relação ao que vinha sendo, não talvez o pensamento dos governantes, mas uma directriz de execução, decerto condicionada por mal compreendidos imperativos.
São esses princípios o da previsão do mais largo emprego da distribuição domiciliária e o da «generosidade» com que deverão ser previstas as capitações de consumo, que terão em couta «não só as necessidades domésticas, como também as de rega das hortas e pomares nos quintais anexos à habitação rural, da alimentação das cabeças de gado e da exploração das pequenas indústrias caseiras, agrícolas e pecuárias, que tão importante papel desempenham na economia das famílias rurais».
Srs. Deputados: nestes dois, aparentemente singelos, mas fecundos, princípios enunciados na proposta de lei se patenteia um sentido de realidades, uma noção exacta das justas exigências dos nossos povos, um conhecimento preciso do que é a missão do Governo na plena latitude das suas funções, que honram o Ministério das Ohms Públicas e a nós, lídimos representantes desses povos e dos seus direitos e anseios, nos enche da júbilo.
Custe embora ao poeta, deixe Leonor de ir à fonte e leve-se a, fonte a cada família portuguesa, com agira abundante, água que, longe de representar, pela sua penosa obtenção, um sacrifício, muito longe de ser um luxo, seja. sim, um factor de bem-estar s produtividade.
Registe-se ainda, como francamente louvável, a intenção governamental de coordenar os abastecimentos rurais com as obras hidráulicas de rega ou de produção de energia e de planear procurando, como se estabelece na base III, englobar em cada projecto o maior número possível de povoações, independentemente da sua subordinação administrativa, de modo a poderem ser colhidos os benefícios dos abastecimentos em conjunto, a partir de origens de águas seguras e abundantes.
Fazem-se votos por que quantos são responsáveis pela gerência administrativo, dos nossos concelhos meditem nas generosas consequências destes conceitos e, pela influência do seu prestígio u pelo seu exemplo, não permitam que falsas noções de autonomia administrativa ou confrangedoras e pueris rivalidades de vizinhança prejudiquem uma intenção tão objectiva quão eficiente será a sua concretização.
Não desejamos também deixar de referir a consagração que o relatório da proposta de lei n.º 28 confere aos benefícios que normalmente advêm para a câmaras municipais da cooperação das populações locais directamente interessadas, e dizemos consagração porque, embora de há muito aceite e até almejada pelas administrações municipais, nem sempre a orgânica estadual e parecia desejar ou compreender, quer como valioso contributo material dado ao município, quer ainda, no feliz dizer do relatório, como fenómeno salutar que não deve impedir-se, mas antes estimular-se.
Srs. Deputados: estamos de facto perante uma proposta de lei do mais elevado alcance e que poderá trazer os mais frutuosos benefícios para os nossos meios rurais, proposta alicerçada em são critério, amarrada a profundo conhecimento do problema e impulsionada por directrizes que, apraz registar, são de molde a permitirmo-nos um franco optimismo, mesmo quando se tome em linha de conta quanto ainda é de presumível em relação aos recursos hídricos do País.
De presumível, dizemos, pois que ao esforço já despendido pelos respectivos serviços há ainda muito esforço a somar antes que se possa ter uma ideia suficientemente exacta das nossas possibilidades hidráulicas.
A propósito refere a Câmara Corporativa quanto de cruciante é o problema da escassez de pessoal técnico, sobretudo, diz o citado parecer, de pessoal técnico auxiliar, que, continua, tão larga aplicação poderia ter na realização de um plano como o definido na proposta de lei em apreciação. Oportuna referência a da Câmara Corporativa, mas não menos oportuno é também lembrar como esse problema se agrava no âmbito das possibilidades técnicas dos municípios.

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A falta do recursos em pessoal técnico cia maioria dos nossos municípios e a situação anómala, injusta, verdadeiramente clamorosa, dos técnicos municipais tem de merecer urgentemente uma atenção aturada e corajosa do Governo, através dos Ministérios do Interior e das Obras Públicas.
Aqui se deixa este ligeiro apontamento, sem prejuízo de na primeira oportunidade trazermos o assunto à Assembleia, com todo o interesse e desejo de poder contribuir para a valorizarão de uma classe de técnicos que, pelos relevantes serviços já prestados ao País, tem pleno direito a obter condições de trabalho mais favoráveis e a esperar do exercício da sua profissão possibilidades de reais progressos, quer no âmbito dos conhecimentos profissionais, quer no das naturais compensações que legitimamente devem competir a estes conhecimentos à medida que se vai aperfeiçoando e dilatando o campo do seu emprego. E quando nos referimos a técnicos municipais englobamos engenheiros e agentes técnicos de engenharia, acentuando até a referência conjunta quando pomos a esta Assembleia a nossa total discordância pela enunciação do critério relatado no parecer da Câmara Corporativa ao querer estabelecer que uni engenheiro saído da escola não deveria ganhar mais - palavras do texto daquele Câmara - que um agente técnico com longa experiência da sua profissão, essencialmente afim daquela. Ë que se levanta - e registe que sem grande necessidade para a defesa do tema que se enunciou um problema de competência profissional, que nem se admite, nem sequer favorece a tese do parecer da Câmara Corporativa.
Serei dos primeiros a entusiasticamente apoiar qualquer medida tendente a promover a melhoria de uma classe de técnicos - a dos agentes técnicos de engenharia -, que reputo altamente meritória e imprescindível ao completo aproveitamento dos recursos do País, mas nem por isso deixarei de protestar quando se pretende estabelecer um princípio que, pela ilegítima extrapolação de unia afinidade de profissões, nos leva a uma sobreposição ilógica e inaceitável. Como se explicará, à luz da lógica exarada no parecer da Câmara Corporativa, a ausência de candidatos aos lugares de engenheiros postos a concurso pelos serviços do Estado? Como resistirá ainda esta lógica ao constatar-se que essa ausência se não verifica para os lugares de agentes técnicos e regentes agrícolas?
Melhor caminho teria sido, sem dúvida, a apreciação das diferentes classes de técnicos, sem necessidade de as comparar entre si ou sobrepor, mas com consciência de quanto o País, na conjuntura que o Mundo nos faz viver, tem de ir buscar aos seus técnicos, dando-lhes o lugar relevante que lhes compete no quadro geral dos valores que a Nação tem de possuir.
Até porque o ponto crucial do problema posto pela Cá mu rã Corporativa reside muito mais na limitação que uma orgânica inadequada impõe a grande parte de técnicos apetrechados com um cursei universitário, empregando-os na escala profissional dos técnicos diplomados pelos institutos industriais, com flagrante prejuízo destes e em detrimento de uma melhor exploração da produtividade nacional, do que no insustentável âmbito defendido no parecer da Câmara.
Mas adiante.
Voltemos à apreciação da proposta de lei. Sem nos querermos embrenhar numa discussão na especialidade, não desejaríamos no entanto deixar de pedir a esclarecida atenção da Assembleia para algumas das divergências que mais ressaltam do confronto entre o texto da proposta de lei e o sugerido pela Câmara Corporativa.
Assim, propõe a Câmara Corporativa a supressão do n.º 4 da base I:

Os aglomerados urbanos não abrangidos pelo número anterior continuarão a beneficiar do regime estabelecido para as sedes de concelho pelo Decreto-Lei n.º 33 863, de 15 de Agosto do 1944.

Depreende-se - diz o parecer - ser intenção do legislador permitir a aplicarão do todas as disposições da proposta de lei em apreciação aos aglomerados urbanos que venham a ser associados com povoações rurais para efeito dos abastecimentos em conjunto previstos - e aconselhados - na alínea a) da base III.
Nem outro caminho poderio seguir o legislador, sob pena de grave entrave às possibilidades e facilidades 11 e englobar o maior número possível de povoações, sem dependência de subordinação administrativa, num abastecimento comum. No entanto, não consideramos de facto razoável que os centros urbanos ainda por abastecer e sem possibilidades de se enquadrarem com povoações rurais vizinhas fiquem em situação de desfavor, pelo que damos inteiro apoio à sugestão da Câmara Corporativa de que diploma especial nivele o tratamento a dispensar aos diferentes centros populacionais, independentemente da sua possibilidade de associação com povoações rurais.
Razões idênticas nos levam a dar a nossa concordância à redacção proposta pela Câmara Corporativa para a alínea a) da base III, dado que, como multo bem só acentua no parecer daquela Câmara, a redacção governamental parece restringir as possibilidades de agrupamento, o que não está de acordo com o espírito claramente definido no preâmbulo da proposta.
É, no entanto, na alínea b) da base viu que se nos depara uma maior diferença de critério entre o texto da proposta e o do parecer. Pretende a Câmara Corporativa que os empréstimos a contrair pelas câmaras municipais na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência para execução das obras de abastecimento abrangidas da proposta de lei possam sor concedidos, com prejuízo do disposto no artigo 674.º do Código Administrativo, quando o estudo económico seja aprovado pelo Ministério das Finanças e demonstre a garantia de receitas próprias da obra suficientes para cobrir os respectivos encargos.
Confessemos que a lógica dos fundamentos aduzidos no parecer da Câmara Corporativa para justificação da alteração proposta resisto a mais aturada análise, mas pressupõe para o abastecimento de água uma excepção que, por não menos furtes razões, se pode generalizar a muitos dos problemas que hoje afligem os nossos municípios e para os quais, pela criação do receitas específicas, se poderia também defender a concessão de em préstimos, com prejuízo do disposto no artigo 674.º do Código Administrativo.
São para pesar e avaliar com todas as cautelas as declarações de voto insertas no parecer da Câmara Corporativa, e não resisto a mencionar estas palavras do Digno Procurador Tose Pires Cardoso:

Se é grave ferir um princípio acautelador do uma sã administração e a cuja observância se deve, em notável parte, a boa gestão financeira que na generalidade caracteriza a nossa vida municipal, mais grave me parece a quebra desse princípio quando o alcance real da medida é praticamente insignificante.
Colocando na balança de uma decisão os cautelosos conceitos expostos nestas palavras e contrapondo-os à necessidade do regime especial que o saneamento das

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populações merece, sinto-me em sérias dificuldades pura determinar o pendor da minha opinião, lamentando não poder trazer perante VV. Exas. os possíveis argumentos de uma atitude já esclarecida.
Sr. Presidente: nada mais se me oferece dizer sobre a proposta de lei referente ao abastecimento de água das populações rurais do que dar a minha entusiástica aprovarão na generalidade a este diploma e fazer votos por que ele constitua o passo decidido e firme no sentido da necessária e urgente valorização das nossos meios rurais, que o Ministério das Obras Públicas, como todos nós ambiciona.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Jorge Pereira Jardim.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

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CÂMARA CORPORATIVA

VII LEGISLATURA

PARECER N.º 25/VII

Proposta de lei n.º 17

Alterações ao Código Administrativo

(Ao período do mandato dos presidentes e vice-presidentes das câmaras municipais e outras disposições)

A Câmara Corporativa, consultada acerca da proposta de lei n.º 17, em que, nos termos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, se transformou o Decreto-Lei n.º 42 178, ratificado com emendas pela Assembleia Nacional na sessão de 24 de Abril de 1959, emite, pelas suas secções de Autarquias locais e de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e administração geral), às quais foram agregados os Dignos Procuradores João Mota Pereira de Campos, Jorge Augusto da Silva Horta, José Augusto Vaz Pinto e Mamede de Sousa Fialho, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

INTRODUÇÃO

1. O Código Administrativo vigente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31 095, de 31 de Dezembro de 1940, fixou em três princípios básicos o regime jurídico tia nomeação e demissão dos presidentes e vice-presidentes das câmaras municipais:

a) E o Governo quem livremente os nomeia, embora dentro do curtas directrizes e de cortas limitações (artigo 71.º e seus parágrafos);
b) É o Governo quem livremente os demite (artigo 73.º);
c) Apesar disso, a sua nomeação não é feita por tempo ilimitado, mas apenas por um período de oito anos, podendo ser livremente reconduzidos por períodos sucessivos de igual duração (artigo 72.º).

Este estado de coisas foi modificado pelo Decreto-Lei n.º 42178, de 9 do Março de 1959, que manteve intactos o primeiro e o segundo dos princípios apontados, mas estabeleceu em novos moldes o terceiro. Na verdade, pelo artigo 1.º do referido decreto-lei foi dada nova redacção a vários artigos do Código Administrativo; e um dos artigos atingidos foi justamente o artigo 72.º, relativo ao mandato dos presidentes e vice-presidentes das câmaras: de oito anos, o mandato passou para quatro e de livremente renovável passou a poder sê-lo apenas "até duas vezes por períodos de igual duração". Consentâneamente, acrescentou ao artigo um § único, a determinar que após doze anos consecutivos de exercício do cargo de presidente ou vice-presidente de câmara, ninguém pode voltar a exercer o mesmo cargo sem que decorram quatro anos completos.
Para resolver o problema da aplicação imediata do novo dispositivo legal, o decreto-lei teve de formular no seu artigo 2.º uma disposição transitória, desdobrada em duas cominações: o corpo do artigo determina que "os indivíduos actualmente providos em cargos de presidente ou vice-presidente de câmara poderão manter-se em exercício até se completar o pé-

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ríodo de oito anos por que foram nomeados ou o período tios quatro anos posteriores à recondução", e o § único considera automaticamente exonerados, a partir de 31 do Março, os presidentes e vice-presidentes de câmaras em exercício há mais de doze anos.

2. Contra as inovações acabadas de referir, pronunciou-se na Assembleia. Nacional o Sr. Deputado Homem de Melo no período de "antes da ordem do dia" da sessão de 17 de Março. E na sessão do dia imediato, em requerimento assinado pelo mesmo e por mais treze Deputados, era solicitada, ao abrigo do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, a apreciação do referido decreto-lei pela Assembleia Nacional.

3. O requerimento foi imediatamente deferido, mas a Assembleia interrompeu os seus trabalhos logo no dia seguinte (19 de Março), por motivo das férias da Páscoa, só os retomando em 1 de Abril, já em regime de prorrogação da sessão legislativa; e, desse modo, o requerimento tornou-se automaticamente inoperante quanto à disposição do decreto-lei destinada a produzir efeitos em 31 de Março (§ único do artigo 2.º).
Quando o assunto foi incluído na "ordem do dia" (sessão de 22 de Abril), a Assembleia já não podia, pois, evitar - mesmo recorrendo à solução extrema de recusar a ratificação do decreto-lei - o facto consumado da exoneração colectiva de todos os presidentes e vice-presidentes de câmaras com mais de doze anos de exercício do cargo em 31 de Março anterior.

4. A Assembleia Nacional reagiu, então, contra o que lhe era possível ainda reagir: a improrrogabilidade, no futuro, do mandato dos presidentes e vice-presidentes das câmaras para além de doze anos consecutivos de exercício do cargo (nova redacção dada pelo artigo 1.º do decreto-lei ao artigo 72.º do Código Administrativo) e a caducidade do mandato daqueles que se encontravam nesse momento investidos em tais cargos à medida que os doze anos de exercício se fossem completando (artigo 2.º do decreto-lei).
Não faltou quem propusesse - dada a impossibilidade de a Assembleia suspender de outra forma a execução do diploma legislativo até completo estudo do problema- a recusa pura e simples de ratificação; mas a Assembleia optou pela solução mais moderada da ratificação com emendas.
Em consequência disso, e em cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição Política, o Decreto-Lei n.º 42 178 foi enviado à Câmara Corporativa, competindo agora a esta emitir sobre ele o seu parecer.

5. Não goza a Câmara Corporativa, em casos destes, da mesma liberdade de apreciação de que desfruta quando é chamada a pronunciar-se sobre projectos e propostas de lei presentes à Assembleia Nacional ou sobre projectos de diplomas do Governo. Efectivamente, nos termos expressos do regimento (artigo 22.ª, § único), "nos parerecer relativos a ratificações com emendas haverá apenas lugar ao exame na especialidade e às respectivas conclusões, podendo, porém, quando necessário, fazer-se preceder o exame na especialidade de uma introdução".
Isto quer significar, manifestamente, que a Câmara Corporativa não tem qualquer liberdade de "apreciação na generalidade" dos decretos-leis ratificados com emendas pela Assembleia Nacional, pois deve entender-se que, nesse aspecto, o diploma se encontra definitivamente aprovado. E daí deriva, como corolário lógico, que o "exame na especialidade" a que haja de proceder não pode mover-se senão no quadro da "generalidade" já aprovada pela Assembleia 1.
Mas o que isto implica, evidentemente, é a necessidade de apurar, antes de mais nada, o verdadeiro sentido da "generalidade" aprovada pela Assembleia ao ratificar o decreto-lei, pois não pode deixar de ter-se em conta que a Assembleia condicionou essa ratificação à introdução de emendas e pode, desse modo, ter pretendido atingir o diploma em certos aspectos da própria "generalidade".
Por outras palavras: o que não pode a Câmara Corporativa, em casos destes, é fazer uma apreciação autónoma da "generalidade"; mas pode e deve apurar em que medida a "generalidade" aprovada pela Assembleia se conforma com a "generalidade" que inspirava o diploma na sua versão primitiva, pois é no âmbito daquela, e não no âmbito desta, que a Câmara tem de mover-se ao proceder ao "exame na especialidade" que lhe é solicitado.
Para esse efeito, há-de a Câmara socorrer-se essencialmente de dois elementos: as votações verificadas e os discursos proferidos durante o debate na Assembleia Nacional - as primeiras, como expressão da própria vontade da Assembleia; e os segundos, como elemento de hermenêutica para esclarecer o verdadeiro sentido daquelas votações.

6. Aplicando estes princípios ao caso presente, uma conclusão resulta logo nítida do debate e da votação a que o Decreto-Lei n.º 42 178 foi submetido na Assembleia Nacional: a de que a Assembleia desejou ostensivamente abster-se de discutir na "generalidade" as disposições daquele diploma que não estão relacionadas com o problema do mandato dos presidentes e vice-presidentes das câmaras. E são elas: a nova redacção dada pelo artigo 1.º do decreto-lei aos §§ 1.º, 2.º e 3.º do artigo 55.º, ao § 4.º do artigo 145.º, ao § 2.º do artigo 149.º, aos artigos 180.º, 184.º, 187.º e 272.º e ao § único do artigo 469.º do Código Administrativo e o disposto no artigo 3.º do decreto-lei, em manifesta correlação com a nova redacção dada pelo artigo 1.º do mesmo diploma ao artigo 272.º do Código Administrativo.
Que esta foi, sem sombra de dúvida, a vontade da Assembleia Nacional mostra-o o facto de nenhum dos Srs. Deputados que intervieram no debate ter esboçado

1 Nem faria sentido que fosse de outro modo, pois a Assembleia Nacional já não volta a discutir na "generalidade" o decreto-lei ratificação com emendas; e seria supérflua, portanto, qualquer consideração formulada a esse respeito pela Câmara Corporativa.
Foi logo na primeira sessão legislativa da I Legislatura que a Assembleia Nacional teve de fixar doutrina a este respeito, estabelecendo, depois de largo e elucidativo debate, que nos decretos-leis ratificados com emendas "a discussão por ocasião da ratificação é a discussão na generalidade e que não há outra na generalidade" (Diário das Sessões n.º 18, do 23 de Fevereiro do 1935, p. 367).
Foi na sequência desta deliberação que o Regimento da Assembleia determinou, no seu artigo 34.º, que "os decretos-leis submetidos a ratificação da Assembleia Nacional serão postos à discussão e votação na generalidade, independentemente do parecer da Câmara Corporativa". E essa discussão na generalidade, segundo elucida o artigo 41.º, alínea a), do mesmo regimento, "terá por fim apurar se deve ser concedida ou negada a ratificação e, além disso, apreciar a oportunidade e vantagem dos novos princípios legais e a economia do decreto-lei".
Seria erróneo, portanto, supor que a Assembleia Nacional, ratificando com emendas um decreto-lei, apenas se pronunciou sobre o problema da ratificação, deixando campo livre à Câmara Corporativa para sugerir as emendas que entender, qualquer que seja a sua amplitude. Para além do problema da ratificação a Assembleia Nacional deixou arrumado o debate, de uma vez para sempre, quanto à oportunidade e vantagem dos novos princípios legais e quanto à economia da decreto-lei. E é restritamente dentro do âmbito dos princípios assim fixados pela Assembleia que a Câmara Corporativa tem do pronunciar-se no seu "exame na especialidade".

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a mais ligeira crítica ao decreto-lei quanto a essas disposições. E não deixa de ser elucidativo também, no mesmo sentido, que o Sr. Deputado Amaral Neto, ao defender a rejeição pura e simples do diploma em discussão - como única maneira de suspender a vigência do preceito referente à caducidade do mandato dos presidentes e vice-presidentes das câmaras - tenha proposto que a Assembleia, simultaneamente com aquela rejeição, afirmasse todavia ao Governo o seu apoio para que fizesse logo reviver os restantes preceitos nele contidos.
O não ter querido bulir na essência dessas disposições deve, de resto, ter pesado no espírito da Assembleia ao optar pela ratificação com emendas. A Assembleia Nacional preferiu ver mantido transitoriamente em vigor, sem qualquer alteração, o preceito legislativo que lhe suscitou reparos, a rejeitar na íntegra um diploma com cujos dispositivos, na sua quase totalidade, se encontrava de acordo.
Não oferece dúvida, portanto, que a Assembleia Nacional, abstendo-se deliberadamente de pôr em causa, na "generalidade", estes preceitos do decreto-lei, implicitamente aprovou a própria "generalidade" que os inspira dentro desse diploma legislativo, sancionando, assim, a oportunidade e a vantagem de serem alteradas, na linha de pensamento com que o foram pelo decreto-lei, as disposições do Código Administrativo por ele visadas. E não oferece dúvida, de igual modo, que só dentro do mesmo espírito a Câmara Corporativa poderá sugerir - se for caso disso - qualquer alteração dos mesmos preceitos, no "exame na especialidade" a que adiante terá de proceder.

7. Bastante diferente foi, porém, a atitude da Assembleia Nacional quanto à nova redacção do artigo 72.º do Código Administrativo, constante do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 42 178, e quanto ao disposto no artigo 2.º do mesmo diploma legislativo.
Quando se procura apurar, neste domínio, qual a "generalidade" a que a Assembleia deu a sua aprovação e dentro da qual tem de mover-se o "exame na especialidade" da Câmara Corporativa, verifica-se sem grande custo:

a) Que a Assembleia, votando a ratificação do decreto-lei, desejou manter - como o diploma mantém - a natureza jurídica da magistratura municipal consignada no Código Administrativo: magistrado único de livre nomeação e demissão governamental;
b) Que a Assembleia, tomando a atitude que tomou, desejou igualmente conservar o princípio - que o decreto-lei também conserva - e que os presidentes e vice-presidentes das câmaras municipais não devem ser nomeados por tempo indeterminado, mas por um período de tempo pré-fixado;
c) Que, pelo contrário, ao declarar o diploma carecido de emendas, a Assembleia parece ter querido repudiar a aplicação rígida do princípio da renovação, preconizada pelo decreto-lei para os casos de doze anos consecutivos de exercício do cargo por parte dos presidentes e vice-presidentes das câmaras municipais, contra o que até agora o Código Administrativo permitia.

8. Pela aprovação do primeiro princípio, pôs a Assembleia Nacional fora de causa o problema da vantagem ou oportunidade de restabelecer a dualidade de magistraturas municipais - presidente da câmara, como representante eleito da colectividade municipal, e administrador do concelho, como representante do
Governo junto do município -, sistema que entre nós foi já adoptado e deu as suas provas, boas e más, durante quase um século de monarquia liberal e de regime republicano.
Não faltou, durante o debate na Assembleia, quem sustentasse com brilhantismo a necessidade de restabelecer essa dualidade de magistraturas, justamente como maneira de resolver o problema suscitado pela nova medida legislativa quanto à caducidade do mandato dos presidentes e vice-presidentes das câmaras. E não faltou também quem chamasse a atenção para os riscos de um eventual regresso a essa dualidade. Mas nem o primeiro orador (o Sr. Deputado Simeão Pinto de Mesquita) concretizou qualquer proposta imediata nesse sentido, nem o segundo (o Sr. Deputado José Saraiva) deu às suas palavras qualquer sentido de contradita à tese do primeiro.
A Câmara Corporativa está vinculada, a respeito desse problema, a pareceres que oportunamente emitiu sobre a proposta de lei n.º 73 da I Legislatura 1 e sobre o projecto de lei n.º 95 da IV Legislatura, da iniciativa do Sr. Deputado Mário de Aguiar 3, o que, aliás, não a impediria, se fosse caso disso, de rever a sua posição. Mas a forma puramente incidental como o problema foi posto na Assembleia e a concordância implícita que esta deu, na sua votação, ao princípio monista não só desoneram como impedem esta Câmara de entrar na apreciação do assunto.

9. Desonerada e impedida está também a Câmara Corporativa de discutir o problema de saber se os presidentes e vice-presidentes das câmaras municipais devem ser nomeados por tempo indeterminado -como os Ministros, os governadores civis e outros magistrados de confiança política- ou por um período de tempo certo e determinado.
Foi este, manifestamente, um segundo ponto sobre que a Assembleia Nacional tomem posição ao dar, em princípio, a sua ratificação ao Decreto-Lei n.º 42 178. Na verdade, o decreto-lei não só manteve, como afirmou de modo mais incisivo ainda -reduzindo de oito para quatro anos o mandato dos presidentes e vice-presidentes das câmaras - o princípio da nomeação por período certo de tempo, já perfilhado pelo Código Administrativo. E, não tendo esse princípio sido posto em crise por nenhum dos Srs. Deputados que intervieram no debate, é forçoso concluir que a ratificação do diploma abrange uma implícita concordância da Assembleia com tal princípio, que assim entra no domínio da "generalidade" já aprovada e em cuja "apreciação" a esta Câmara é vedado entrar.

10. Há, é certo, no discurso proferido em 17 de Março pelo Sr. Deputado Homem de Melo algumas passagens que parecem querer referir-se expressamente ao problema e tomar posição em favor da nomeação por tempo indeterminado 3. Mas uma leitura mais

1 Publicado no suplemento ao Diário das Sessões n.º 75, de 8 de Fevereiro de 1936. Foi relator desse parecer o Prof. Doutor Domingos Fezas Vital.
2 Publicado no suplemento no Diário das Sessões n.º 62, de 11 de Dezembro de 1940. Foi relator desse parecer o digno Procurador Álvaro Malafaia.
3 Reportamo-nos, sobretudo, à seguinte passagem do seu discurso: "A confiança política, tal como a confiança administrativa, não são coisas que se concedam a prazo. Ao nomear um governador civil ou um presidente de câmara o Governo faz saber que tem confiança em determinada pessoa para o exercício da função, mas que se reserva o direito de lha retirar DO momento que entender. Em cargos electivos impõe-se a fixação de um prazo para que o corpo eleitoral volte a pronunciar-se, e neste caso aceitasse até que se proíba a reeleição ao fim de certo tempo, no intuito de evitar que influências permanentes junto dos eleitores desviem a vontade dos mesmos. Não pode ser idêntico o processo no preenchimento de cargos de confiança".

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atenta do discurso, nu seu conjunto, logo mostra que não foi rigorosamente deste assunto que o ilustre Deputado quis tratar, mas tão-somente do problema da substituição obrigatória dos magistrados municipais ao cabo de um certo número de anos de exercício do cargo. O que sucede, porém, é que -como adiante se verá (n.º 16)- o pressuposto em que assentou a sua argumentação -serem os presidentes das câmaras um mero cargo de confiança- não obriga apenas a concluir pela inadmissibilidade de um limite à livre recondução; obriga, de paisagem, a concluir pela inadmissibilidade de uma nomeação por período de tempo certo e determinado.

Mas, fora daquele pressuposto - e é, como já vai ver-se no número imediato, o caso do sistema administrativo vigente, que a Assembleia não pôs em causa-, os dois problemas silo doutrinal mente distintos; e convém que não sejam confundidos, tanto mais que a Assembleia Nacional tomou posições bem diversas em relação a cada um deles, aceitando o principio da nomeação por período mirto de tempo e discordando, pelo menos na sua aplicação rígida, do princípio da substituição obrigatória ao cabo de certo número de anos.

11. O principio da nomeação por -período certo, que a Assembleia sancionou ao ratificar o decreto-lei, tem a sua justificação no facto de os cargos de presidente e vice-presidente das câmaras municipais terem uma natureza jurídica mista.
Como acentuam os administrativistas 1 e como muito bem lembrou no seu discurso o Sr. Deputado José Saraiva 2, o presidente Já câmara 6 simultaneamente um magistrado administrativo - e como tal representante do Governo- e um órgão do concelho - e, como tal, representante da colectividade para a administração municipal. O facto de ser nomeado pelo Governo pode fazer esquecer ao observador desprevenido esta sua posição de representante da colectividade municipal; mas a verdade é que ele mantém, apesar de tudo, essa qualidade e pude mesmo dizer-se que, de certo modo, ela sobreleva a de representante do Governo.
Se o presidente da câmara fosse exclusivamente um representante da Governo, o seu cargo seria então, exclusivamente também, de confiança política; e justificar-se-ia que ele fosse - como os Ministros, os governadores civis e os outros magistrados de confiança política - nomeado por tempo indeterminado.
Como ele é, porém, simultaneamente, um representante da colectividade, compreende-se que essa representação não lhe seja dada senão a titulo transitório, tal como sucederia se fosse eleito pela própria colectividade.

12. E note-se que o facto de se ter sancionado, no sistema administrativo vigente, esta regra do mandato transitório é deveras significativo, pois quis-se com isso nitidamente acentuar que a qualidade de representante da comunidade para a administrarão municipal sobreleva, no presidente da câmara - como dizíamos há pouco - a de representante do Governo. Por outras palavras: o presidente da câmara não é rigorosamente, um representante do Governo que acumula as funções de representante da colectividade; é um representante da colectividade municipal que acumula as funções de representante do Governo no concelho.

1 Cf. J. G. da Cruz. Filipe "O Presidente da Câmara no Código Administrativo de Salazar" na revista O Direito, ano 75.º, p. 98, e Marcelo Caetano, Manual do Direito administrativo. 3.ª edição, Coimbra. 1951, p. 896.
2 Diário das Sessões n.º 99, do 25 de Abril do 1959, p. 606. col. 1.ª

Isto tem a sua importância, pois significa que, embora seja o Governo a escolhê-lo e nomeá-la, não deve nem pode essa escolha e nomeação ser feita de forma arbitrária, mas sim em obediência àquela ordem de valores das duas qualidades que na pessoa do presidente da câmara se concentram. O Governo, em suma, não tem de escolher a pessoa que melhor possa representá-lo no concelho e que, subsidiariamente, tenha competência para gerir a administração municipal; tem de escolher, sim, a pessoa que dê garantias de representar da forma mais digna, mais ponderada e mais sábia os interesses da colectividade na gerência do município e que, subsidiariamente, ofereça também a idoneidade bastante para assumir as funções de magistrado governamental. E é talvez por isso que o artigo 71.º do Código Administrativo estabelece directrizes de urdem positiva e de ordem negativa para a escolha do presidente e vice-presidente da câmara, todas elas relacionadas com a necessária idoneidade para representar o concelho, e não com a idoneidade para representar o Governo: devem ser escolhidos "entre os respectivos munícipes, de preferência vogais do conselho municipal, antigos vereadores ou membros das comissões administrativas municipais ou diplomados com um curso superior"; e "não podem ser nomeados - é o § 1.º que frisa este aspecto negativo - os que, nos termos dos n.º 1.º e 10.º a 18.º do artigo 18.º, não puderem ser eleitos vogais do conselho municipal".

13. Diga-se ainda, em jeito de parêntesis, que é este conjunto de princípios que justifica, no sistema jurídico-administrativo vigente, que o presidente da câmara seja escolhido pelo Governo, e não eleito pelos munícipes.
À primeira vista poderia, parecer que devia ser ao contrário: se a qualidade do representante da comunidade sobreleva, no presidente da câmara, a de representante do Governo, parece que devia ser a comunidade, e não o Governo, a designá-lo. Mas é fácil de ver porque não convém que seja assim.
Em sistema monista de magistraturas municipais, a escolha do presidente da câmara não pode deixar de pertencer ao Governo, mesmo que a sua qualidade de representante do concelho sobreleve -como no nosso sistema - a sua qualidade de magistrado governamental. É que o Governo, fora e acima das paixões e rivalidades locais, possui, em princípio, a isenção e independência bastantes para escolher o mais idóneo representante da municipalidade, sem descurar o aspecto da qualidade da magistrado administrativo que elo há-de conjuntamente assumir; enquanto que o eleitorado poderia, quando muito, atender com igual cuidado ao primeiro aspecto, mas desprezaria certamente o segundo.
O sistema oferece o risco, sem dúvida nenhuma, de o Governo ser tentado a inverter, na sua escolha, a ordem de valores assinalada, olhando primeiro às qualidades que o escolhido possa ter como agente governamental e colocando em segundo plano a sua idoneidade para representar os interesses municipais. Mas esse risco, de qualquer maneira, é muito menor e muito mais controlável e evitável do que o de a colectividade escolher um representante seu que não tivesse a menor noção das suas responsabilidades como delegado do Poder Central.
Isto equivale a dizer que só em sistema dualista de magistraturas municipais é possível aceitar a existência de presidentes das câmaras eleitos. E, de resto, a história aí está a demonstrá-lo abundantemente: seja no antigo regime - desde a Idade Média até começos do século XIX-, seja no regime monárquico liberal e no regime republicano, nunca um representante eleito dos

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municípios acumulou as funções de magistrado governamental dentro do concelho. O Poder Central, ou não está representado no concelho - como sucede nos alvores do municipalismo medieval-, ou, quando o está - e hoje seria inconcebível que o não estivesse-, nomeia ele próprio o seu representante, seja este o alcaide ou o juiz de fora dos velhos tempos ou o administrador do concelho da monarquia liberal e da época republicana; o os interesses municipais, ou são geridos por um representante eleito, que coexiste ao lado do magistrado governamental, ou entregues directamente a este.
Por isso é que, na base de todo este problema - como argutamente viu o Sr. Deputado Simeão Pinto de Mesquita - está a questão da unidade ou dualidade de magistraturas municipais. Mas essa questão, como se disse (supra, n.º 8), foi posta fora de causa pela votação da Assembleia Nacional; e a Câmara Corporativa, portanto, não pode ceder à tentação de a abordar.

14. Todas estas considerações visam a salientar que a nomeação dos presidentes e vice-presidentes das câmaras por período certo de tempo - que o Código Administrativo perfilhou e o Decreto-Lei n.º 42 178 respeitou - está na lógica do sistema que entre nós vigora quanto à natureza jurídica daqueles cargos.
Tal como a respeito do problema da unidade ou dualidade de magistraturas - e conforme se disse já (supra, n.º 9) -, não tem a Câmara Corporativa de se pronunciar sobre este ponto, que faz parte, como aquele, da "generalidade" já aprovada pela Assembleia a respeito do Decreto-Lei n.º 42 178. Mas o que nada a impede é de frisar que não se pode, a este respeito, perfilhar uma solução diversa sem rever, desde a base, toda a arquitectura da administração municipal, tal como o Código Administrativo a concebeu.
Quer dizer: aceitando a solução de fazer convergir na mesma entidade, dentro do concelho, a representação municipal e a representação do Poder Central, não pode deixar de confiar-se a designação dessa entidade (presidente da câmara) à escolha do Governo. E aceitando a ideia de dar maior relevo, na magistratura municipal, à representação da colectividade do que à representação governamental, não pode deixar de aceitar-se também a transitoriedade e periodicidade do cargo. O presidente da câmara, numa palavra, embora escolhido pelo Governo, tem de receber um mandato a curto prazo, como sucederia se fosse realmente eleito pelos munícipes. Só assim se vinca devidamente a sua qualidade de órgão do concelho e a obrigação que o Governo tem de rever periodicamente o problema da representação municipal, como o eleitorado o faria se lhe fosse dado pronunciar-se.

15. Inteiramente diferente deste é o problema de saber se os magistrados municipais devem ou não ser obrigatoriamente subsistiu ao cabo de um certo número de anos de exercício do cargo. Foi este o terceiro e último ponto sobre que a Assembleia Nacional tomou posição; e, desta vez não para aprovar o disposto no decreto-lei - como nos dois pontos anteriores - mas antes para o declarar carecido de emendas. O decreto-lei pretendeu introduzir o principio da substituição obrigatória para os casos de doze anos consecutivos de exercício do cargo; e a Assembleia discordou desse princípio, pelo menos na aplicação rígida que o decreto-lei preconizava.
Porque se trata, aqui também, de um ponto de "generalidade" fixado pela Assembleia Nacional, não compete à Câmara Corporativa discutir o problema em toda a sua amplitude, mas tão-somente conformar-se com a decisão já tomada e sugerir a alteração do preceito legislativo no sentido mais consentâneo com o espírito que dominou a discussão e a votação na Assembleia.
Nada impede, porém, a Câmara -ato pela importância que isso tem para o "exame na especialidade" a que adiante terá de proceder- de observar e registar que este problema não tem uma solução doutrinalmente imposta pela solução adoptada quanto aos problemas anteriores. Esses problemas, sim, na lógica do nosso sistema administrativo local, exigem -conforme se viu - uma solução em cadeia, de forma que não se pode bulir na solução de um sem rever a solução dos que ficaram para trás; mas este, chegados ao ponto a que chegámos, pode ser solucionado com perfeita autonomia doutrinal.

16. Repare-se. efectivamente, que o sistema da transitoriedade e periodicidade do cargo de presidente da câmara -última solução em cadeia dos problemas já anteriormente focados- não formula, só por si, qualquer exigência na solução do problema que agora nos ocupa. Esse sistema de mandato a curto prazo só uma coisa exige: que o Governo periodicamente reveja a representação municipal, verificando se o presidente cessante continua a ser a pessoa mais idónea para representar a colectividade - merecendo, portanto, continuar no seu posto -, ou se outrem surgiu entretanto com maior idoneidade que mereça substitui-lo. Mas, na lógica do sistema, nada impede que a recondução se faça um número indefinido de vezes, como nada impede que se lhe imponha um limite, se circunstâncias de outra ordem o justificarem.
Tudo seria diferente se o problema em apreciação tivesse de ser colocado perante outros pressupostos doutrinais, designadamente se a presidência das câmaras municipais, em vez de ser um cargo de natureza mista, fosse apenas uma magistratura administrativa da confiança cio Governo. Então, sim, a lógica do sistema exigiria, como sucede nos demais cargos de confiança (Ministros, governadores civis, regedores, etc.), que a nomeação do presidente da câmara fosse feita por tempo indeterminado; e o nosso problema teria de ser solucionado em conformidade, ou melhor, nem chegaria sequer a pôr-se, pois, sendo a nomeação feita por tempo indeterminado, seria contraditório impor uma substituição obrigatória ao fim de um tempo determinado.
Foi assim, de resto, que argumentou o Sr. Deputado Homem de Melo no seu discurso de 17 de Março, embora com um salto lógico, pois a conclusão que directamente se tira do pressuposto "lugar de confiança" não é a da inadmissibilidade de um limite à livre recondução - único problema sobre que o ilustre Deputado quis pronunciar-se -, mas a da inadmissibilidade de a nomeação ser feita por período certo de tempo; e esta é que implica aquela. De qualquer modo, a sua argumentação parte de um falso pressuposto: o de os presidentes das câmaras serem, entro nós, actualmente, um puro cargo de confiança política; e isto toma vã a sua tentativa de demonstrar que o problema de dever ou não existir um limite à livre recondução dos magistrados municipais tem de ser, do ponto de vista doutrinal, forçosamente resolvido em certo sentido. Tê-lo-ia, sem dúvida, se fosse certo o pressuposto de que partiu o Sr. Deputado Homem de Melo; mas, dentro dos pressupostos em que de facto assenta o nosso sistema administrativo local, não acontece assim: o problema tem completa autonomia.

17. Dizer que, na lógica do sistema administrativo vigente, o problema em exame não tem uma solução doutrinalmente imposta pela solução já dada aos que

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o antecedem na pirâmide de que ele é o vértice equivale a afirmar - e era aqui que pretendíamos chegar - que a sua solução tem de ser ditada apenas por considerações de mera conveniência.
Quer dizer: na altura em que foi elaborado o Código Administrativo julgou-se conveniente admitir a livre recondução dos presidentes e vice-presidentes das câmaras, no termo de cada mandato, por um número indefinido de vezes. Na presente conjuntura entendeu o Governo que era mau conveniente estabelecer um limite a essa livre recondução, ao cabo de doze anos de exercício do cargo. E a Assembleia, numa visão diferente das conveniências, entendeu dever vetar a deliberação do Governo.
E é tudo.

Exame na especialidade

18. Determinado o verdadeiro sentido da "aprovação na generalidade" que a Assembleia Nacional deu ao Decreto-Lei n.º 42 178 quando o ratificou com emendas, importa agora proceder, dentro das directrizes fixadas, ao "exame na especialidade" do mesmo diploma legislativo.

19. Relativamente às alterações introduzidas pelo decreto-lei no texto dos §§ 1.º e 3.º do artigo 55.º do Código Administrativo, nada tem a Câmara Corporativa a observar.
Já não sucede o mesmo, porém, quanto à nova redacção dada ao § 2.º do mesmo artigo.
São três as alterações aí introduzidas ao texto primitivo:

a) Onde se falava de partidos médicos passou a falar-se simplesmente de partidos, o que significa que a "aprovação do Governo, pelo Ministério do Interior" passou a ser exigida tanto para certas deliberações camarárias respeitantes a partidos médicos como para as deliberações congéneres respeitantes a partidos veterinários e a outros partidos, que são os mencionados no artigo 155.º do Código Administrativo (partidos farmacêuticos e partidos para agrónomos, parteiras ou enfermeiras );
b) Onde se falava de deliberações camarárias respeitantes à criação de partidos médicos passou a falar-se de deliberações respeitantes à criação ou, supressão de partidos;
c) Finalmente, por virtude da autonomização do Ministério da Saúde e Assistência e por virtude do alargamento da disposição a outros partidos de carácter não sanitário, houve necessidade de acrescentar que a aprovação do Governo, pelo Ministério do Interior, será dada depois de "ouvido o Ministério respectivo quando se trate de deliberações sobre partidos".

A primeira alteração de há muito que se impunha e vinha sendo reclamada 1. E a última, por ser exigida logicamente por esta, não oferece também discussão.
Já não se compreende, porém, por que motivo a segunda alteração só estendeu a intervenção tutelar do Governo, para além do caso já previsto de criação de partidos, ao caso de supressão dos mesmos, e não ao caso da respectiva remodelação. Na verdade, como bem observa o Código Administrativo Actualizado e Anotado, de Pires de Lima e Manuel Fonseca, "através da remodelação das áreas dos partidos bem pode alterar-se o que ficou resolvido ao criar-se um partido novo". E "seria absurdo admitir que, aprovada pelo Governo a deliberação que criou um novo partido médico, atendendo à área que ficou a pertencer-lhe, pudesse a câmara, em seguida, transferir desse partido para outro determinadas freguesias ou lugares, sem sujeitar a nova deliberação à aprovação do Ministro do Interior" 1.
Uma vez que se mexe na redacção desta disposição legal deve aproveitar-se, pois, o ensejo para a generalizar a todos os casos de criação, remodelação e supressão de partidos.
Há ainda o problema de saber se, em relação aos partidos médicos, farmacêuticos e de parteiras ou enfermeiras, não deveria passar para o Ministro da Saúde a competência hoje atribuída ao Ministro do Interior. Mas parece prematuro tomar posição a seu respeito enquanto não for publicado o diploma, que está em preparação, sobre a orgânica do Ministério da Saúde e Assistência.

20. A alteração sugerida tem, além do mais, a vantagem de permitir que se acabe com o regime, a todos os títulos estranho e injustificável, do recurso previsto no § 4.º do artigo 145.º do Código Administrativo.
Também esse preceito foi alterado pelo decreto-lei em discussão, mas apenas para transferir da Direcção-Geral de Saúde para a Direcção-Geral de Administração Política e Civil o enquadramento da comissão ai prevista. Quanto ao mais, manteve-se, na nova redacção do preceito, o sistema que já a redacção anterior previa: autorizam-se os médicos municipais a reclamar das deliberações camarárias sobre delimitação das áreas dos partidos médicos, não directamente para o Ministro, mas para uma comissão por este nomeada; e atribui-se às decisões desta comissão a mesma força executória das sentenças dos auditores administrativos, considerando-as susceptíveis de recurso, restrito aos vícios de incompetência, excesso de poder e violação da lei, directamente para o Supremo Tribunal Administrativo.
Além de outros inconvenientes que os comentaristas têm salientado 2, o sistema previsto por este preceito legislativo dá lugar a uni recurso verdadeiramente anómalo dentro do regime do nosso direito administrativo, que nada justifica se mantenha. Se, conforme esta Câmara propõe, ficarem subordinadas à aprovação do Governo, no § 2.º do artigo 55.º, não só as deliberações camarárias respeitantes à criação e supressão de partidos, mas também as respeitantes à respectiva remodelação, já no § 4.º do artigo 145.º se poderá e deverá consignar que é directamente para o Ministro do Interior que devem os médicos municipais reclamar das deliberações camarárias sobre delimitação das áreas dos partidos médicos.
À comissão aludida no parágrafo competirá, então, dar um parecer meramente consultivo, sobre o qual o Ministro proferirá a respectiva decisão. E a referência ao recurso desaparecerá, pois ele passará a incidir sobre a decisão do Ministro, e não sobre uma deliberação da comissão, seguindo o regime geral dos recursos administrativos.

21. As mesmas razões que obrigam a condenar o recurso previsto no § 4.º do artigo 145.º levam a Câ-

1 Vide, por exemplo. António Pedrosa Pires de Lima e Manuel Baptista Dias da Fonseca, Código Administrativo Actualizado e Anotado, parte I, Coimbra, 1954, p. 128.

1 Cf. Ob. e vol. cits., p. 127.
3 Vide Pires de Lima e Manuel Fonseca, ob. e vol. cits., pp. 263 e 264.

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mara Corporativa a pronunciar-se contra a alteração que o decreto-lei pretendeu introduzir no § 2.º do artigo 149.º do Código Administrativo, transferindo do Ministro do Interior para a comissão a que se refere aquela disposição legal a competência para autorizar os médicos do partidos rurais a residir na sede do concelho e admitindo recurso administrativo, directamente para o Supremo, das decisões da referida comissão.
Tudo parece aconselhar que, como até agora, a competência para autorizar a residência dos médicos de partidos rurais na sede do concelho pertença ao Ministro do Interior, com o parecer concordante da comissão a que se refere o § 4.º do artigo 145.º Não há nada, porém, a opor - antes tudo aconselha - a que se exija que seja "ouvido o delegado de saúde do distrito", consoante a nova redacção preconizada pelo decreto-lei para o preceito em causa.

22. De todas as demais alterações introduzidas pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 42 178 ao Código Administrativo só a nova redacção do artigo 72.º carece de ser revista; e propositadamente se deixou para o fim a sua apreciação.
Um primeiro problema suscita logo essa nova redacção, que é o de saber se o mandato dos presidentes e dos vice-presidentes das câmaras deve ser reduzido de oito para quatro anos.
Nem se diga que a Assembleia deu já a sua concordância a essa alteração e que se trata, pois, de uma questão arrumada, sobre a qual a Câmara Corporativa não tem de pronunciar-se. Se é certo que ninguém levantou a sua voz contra a alteração proposta e que houve até quem a aplaudisse (o Sr. Deputado Neves Clara), não parece menos certo que a votação da Assembleia apenas significa uma concordância com o princípio da nomeação por período de tempo certo e determinado, pois só isso faz parte da "generalidade" que à Assembleia competia de momento definir. Saber se esse período certo de tempo deve ser deste ou daquele número de anos é nitidamente um problema de "especialidade", que a Câmara Corporativa não está impedida de examinar e sobre o qual a Assembleia Nacional não está inibida de se pronunciar ainda.
Dado o significado doutrinal que a fixação de um período certo para o mandato dos magistrados municipais possui no nosso sistema administrativo local, a Câmara Corporativa não tem senão que aplaudir a redução desse período de oito para quatro anos. Se a transitoriedade e periodicidade do mandato dos presidentes da câmara está doutrinalmente ligada, conforme se demonstrou (supra, n.ºs 11, 12 e 14), ao facto de eles serem, acima de tudo, representantes da comunidade municipal, parece só haver vantagem em que a autenticidade dessa representação seja obrigatoriamente revista de quatro em quatro anos, tal como por certo sucederia se eles fossem eleitos por sufrágio directo dos munícipes.

23. São realmente de quatro anos, na nossa lei, os mandatos da generalidade dos cargos políticos e administrativos electivos; de quatro anos é o mandato dos Deputados (artigo 85.º da Constituição); por períodos de quatro anos são eleitas as juntas de freguesia (artigo 247.º do Código Administrativo); de quatro em quatro anos são -renovados os conselhos municipais (artigo 17.º do Código Administrativo); por quatro anos era eleito o antigo conselho provincial e hoje o conselho distrital (artigo 289.º do Código Administrativo); e até as próprias vereações das câmaras municipais são eleitas quadrienalmente (artigo 36.º do Código Administrativo).
Isto parece significar que o período de quatro anos no exercício de cargos electivos é entre nós o que melhor estabelece o equilíbrio entre a autenticidade da representação e as necessidades de uma certa permanência ou estabilidade no exercício dos cargos, sem a qual qualquer obra duradoura seria impossível de conceber e executar.
Desempenhando o presidente da câmara também um cargo representativo - que só razões ponderosas obrigam, na lógica do sistema vigente, a não considerar eléctrico (cf. supra, n.º 13) -. mal se concebe que ele possa ter um mandato mais longo que os dos demais agentes políticos e administrativos de representação popular ou de representação orgânica. O mandato de oito unos, que lhe outorgava a anterior redacção do artigo 72.º do Código Administrativo, constituía uma verdadeira anomalia na estrutura do sistema. Bem andou, pois, o Governo em ter reduzido para metade a duração desse mandato.

24. Vem seguidamente o problema que suscitou o debate parlamentar sobre o Decreto-Lei n.º 42 178, ou seja, a determinação segundo a qual os presidentes e vice-presidentes das câmaras não podem ser reconduzidos senão duas vezes, devendo abandonar obrigatoriamente o cargo ao cabo de doze anos consecutivos de exercício do mesmo.
Conforme se deixou dito (cf. supra, n.º 15), a Assembleia Nacional já fixou, a este respeito, uma directriz de que não pode a Câmara Corporativa desviar-se: a doutrina do decreto-lei neste ponto é de rejeitar; e, consequentemente, a nova redacção nesse sentido proposta para o artigo 72.º do Código Administrativo tem de ser modificada. Mas o que a Assembleia Nacional não disse nem tinha, de momento, de dizer- é em que sentido deve essa modificação ser feita. Compete, pois, à Câmara Corporativa emitir sobre esse ponto o seu parecer, a fim de habilitar a Assembleia a pronunciar-se em definitivo.

25. Três soluções apenas são possíveis, no sentido de satisfazer o voto da Assembleia; e todas elas encontraram eco nos discursos proferidos no debate que precedeu a ratificação do decreto-lei com emendas:

a) A primeira será a solução -radical de voltar, pura e simplesmente, ao sistema que esteve em vigor desde a promulgação do Código Administrativo até à promulgação do decreto-lei em exame, admitindo que os presidentes e vice-presidentes das câmaras possam ser reconduzidos um número indefinido de vezes. É a solução de que se fizeram paladinos os Srs. Deputados Homem de Melo e Homem Ferreira nas suas vibrantes intervenções o que se encontra igualmente implícita no aplauso que lhes foi dado por outros ilustres Deputados;
b) Outra solução - que parece de certo modo quadrar-se com o pensamento expresso no discurso do Sr. Deputado Neves Clara - seria a de admitir, em princípio, a livre recondução, mas estabelecendo medidas que obrigassem o Governo a não usar desse poder como solução de comodidade, de modo a serem efectivamente afastados, no termo do mandato, aqueles que, por cansaço do cargo ou perda de faculdades administrativas, carecessem de ser substituídos:
c) Uma terceira e última solução - solução de compromisso, como a anterior, mas inversa dela - será a de aceitar, em princípio, um

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limite à livre recondução, na esteira rio preconizado pelo decreto-lei, mas reconhecer que há casos excepcionais que merecem ser tomados em consideração e determinar que a recondução pode, nesses casos, ir além do limite estabelecido. Foi a solução defendida pelos Srs. Deputados Pinto de Mesquita e José Saraiva.

É na escolha de uma destas soluções que tem de mover-se, dentro deste problema, o "exame na especialidade" da Câmara Corporativa: e já ficou demonstrado (supra, n.ºs 15, 16 e 17) que não têm de intervir nessa escolha senão considerações de conveniência ou oportunidade, pois o problema não tem nina solução doutrinalmente exigida ou imposta pela lógica do sistema administrativo vigente.

26. Posto o problema nestes termos, a Câmara Corporativa não tem dúvidas em manifestar-se desde já contrária ao regresso puro e simples ao statu que ante preconizado pela primeira solução.
Compreende-se que o Código Administrativo, na altura em que foi elaborado, não tenha visto necessidade de impor um limite à livre recondução dos presidentes e vice-presidentes das câmaras e que tenha encarado até com certa simpatia a sua longa permanência nos cargos, fixando-lhes um extenso mandato - primeiro de, seis, e desde a revisão do 1940, de oito anos - o admitindo, toties quoties, a sua recondução por iguais períodos de tempo. Vinha-se de uma época de instabilidade governativa e administrativa e conservava-se fresca a memória dos efeitos desastrosos das constantes mutações nos cargos directivos, suscitadas pelas rivalidades políticas; e vivia-se, por isso mesmo, uma verdadeira ânsia de permanência, de ordem, de estabilidade. As conveniências da época - numa palavra - levavam à solução que efectivamente foi adoptada.
Mas essa solução deu, .posteriormente, as suas provas numa experiência que dura já lia mais de vinte anos; e o tempo encarregou-se de pôr a descoberto alguns vícios do sistema, que só podem ser evitados mediante a imposição de um limite à liberdade absoluta de recondução. Pretendendo pôr cobro ao risco da instabilidade administrativa, o sistema deu largo campo à verificação do risco oposto: o da permanência pela permanência ou da estabilidade pela estabilidade, com manifesto prejuízo do rejuvenescimento dos quadros e da revelação de novos valores nas tarefas da administração local.

27. Uma forte corrente de opinião pública começou, por isso, a formar-se contra este excesso de permanência ou exagero de estabilidade para que, a pouco e pouco, se foi orientando o panorama político e administrativo do País. A ideia de que "tudo o que não se renova morre" começou a conquistar os espíritos; e alguns grupos políticos, sobretudo da gente nova afecta ao regime vigente, tomou como cartaz ou bandeira a "necessidade de renovação".
E evidente que este estado de espírito, exacerbado pelos entusiasmos fáceis, pode transformar-se inadvertidamente - como disse o Sr. Deputado Homem Ferreira com tanta propriedade - num "vento subversivo, que altera posições, desintegra planos, ofende esforços e faz deflagrar as mais sérias dificuldades"; e seria erro palmar não levantar uma barreira contra esse vento subversivo, evitando a tempo e horas os seus efeitos devastadores. Mas é evidente também que não seria menor erro fechar inteiramente os ouvidos aos clamores daquela corrente de opinião, na medida em que ela representa uma benéfica e salutar reacção contra o imobilismo político e administrativo, no que ele tem de verdadeiramente nocivo.

28. Regressar, pura e simplesmente, ao sistema da liberdade absoluta de recondução dos presidentes e vice-presidentes das câmaras seria menosprezar este novo condicionalismo, tão diverso daquele que se respirava em 1936, à data da elaboração do Código Administrativo - condicionalismo ao encontro do qual pretendeu ir a medida preconizada pelo Docreto-Lei n.º 42 178, agora em exame.
Não faltará quem diga - nem faltou quem o dissesse já na Assembleia Nacional- que os amplos poderes da Ministro do Interior para demitir, em qualquer altura, os presidentes e vice-presidentes das câmaras são meio bastante para garantir a renovação dos quadros da administração local, quando eles estiverem realmente carecidos de ser renovados. Mas a isso se responde, mais uma vez, com a experiência de mais de vinte anos de execução do sistema.
Viu bem o -problema o Sr. Deputado José Saraiva, quando pós em destaque, olhando para essa experiência, a diversidade de efeitos que a acção do tempo produz sobre cada um dos dois aspectos em que a função do presidente da câmara se desdobra - a de presidir à administração municipal, como representante da comunidade, e a de representar o Governo junto do concelho: "À medida que os anos vão passando, a inserção ao plano da autarquia vai sendo minada; abranda o dinamismo, crescem os descontentes, diminui-se a capacidade pela acção política, a actividade tende a confinar-se aos aspectos burocráticos da administração ou até simplesmente à rotina"; e a este mesmo ritmo, a sua posição de magistrado administrativo vai-se solidificando, porque "o contanto frequente com o governador civil ou com o Terreiro do Paço vai transformando o simples conhecido dos primeiros anos no amigo, cujos méritos se descobrem e se apreciam e sem o qual, á certa altura, já se não admite se possa passar".
Ora - sem falar já da força da inércia ou da solução do comodidade que a recondução representa - salta à vista o grave risco de inversão de valores que a liberdade absoluta de recondução pode acarretar. Já se pôs devidamente em destaque (supra, n.º 12) que no nosso sistema administrativo a mais importante das duas funções que se concentram na pessoa do presidente da câmara é a de representante dos interesses locais, e não a de representante do Governo junto do concelho; e já se destacou também (ibidem) que o Governo, por isso mesmo, não deve utilizar a liberdade de escolha que a lei lhe faculta no sentido de procurar para presidente da câmara quem melhor o represente e possa subsidiariamente gerir a municipalidade, mas quem mais idóneo seja para administrar o município e subsidiariamente possa servir como delegado governamental. Dada a diferente acção do tempo sobre um e outro aspecto da função do presidente da câmara, pode afoitamente afirmar-se que uma recondução é quase sempre um passo dado no caminho que se desvia daquele são critério e que uma série de reconduções acaba por redundar, quase inevitavelmente, numa inversão completa do referido critério. E não há humanamente maneira de evitar isto

1 Diário das Sessões n.º 97, de 23 de Abril de 1959, p. 555. col. 2.ª

1 Diário das Sessões n.º 99, do 25 de Abril do 1959, p. 606,

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- porque o Governo, não se esqueça, é feito de homens, com todas as virtudes e todas as fraquezas da natureza humana - senão através da imposição de limites à discricionaridade da recondução.

29. Há, sem dúvida, os casos excepcional -verdadeiramente excepcionais- daqueles a quem o exercício do cargo não desgasta, a quem o tempo não faz esmorecer o entusiasmo e o dinamismo na prossecução de uma obra administrativa e a quem os anos só conquistam louros e não suscitam críticas nem descontentamentos. E há também os casos excepcionais -muito menos excepcionais, infelizmente, que os anteriores- da escassez de elites locais e da impossibilidade de encontrar quem substitua, no plano sequer do sofrível, um presidente da câmara que embora já gasto pelo tempo, ainda cumpre com dignidade a sua missão.
Ora o mal do decreto-lei esteve, evidentemente, em não ter olhado, como devia, a esses casos de excepção, dando excessiva rigidez à medida legislativa que introduziu.
Foi especialmente este ponto que determinou a Assembleia Nacional a votar a ratificarão com emendas; e, embora a Câmara Corporativa não seja convidada a pronunciar-se a esse respeito -por se tratar de matéria já arrumada pela votação da Assembleia-, nada a impede de exprimir a sua plena concordância com a atitude que a Assembleia tomou.
Simplesmente, para atender a esses casos excepcionais não é necessário regressar ao sistema da liberdade absoluta de recondução, com sujeição a todos os riscos que ele acarreta e que a experiência de vinte anos tornou patente. Pode e deve bastar a segunda ou a terceira das soluções indicadas atrás, no n.º 25.

30. Mais rigorosamente: só pode e deve aceitar-se, a terceira dessas soluções.
A solução de conservar, em princípio, a liberdade de recondução por qualquer numero de vezes, mas limitada por uma enumeração taxativa ou exemplificativa dos casos em que o Governo não deveria usar dessa prerrogativa, oferece tais dificuldades do concretização que deve considerar-se condenada por si própria.
Seria sempre difícil organizar, sem risco de falhas graves, uma lista das principais hipóteses em que a recondução devia ser vedada; e mais difícil seria apreciar depois, perante cada caso concreto de recondução, se devia ou não considerar-se abrangido em alguma das hipóteses enumeradas na lista.

A terceira das soluções indicadas, pelo contrário, afigura-se de execução fácil e dá plena realização ao desiderato da Assembleia, ao declarar carecido de emendas o Decreto-Lei n.º 42 178. A recondução terá um limite na ordem temporal; mas esse limite:, em vez de se aplicar com a rigidez imposta por aquele diploma legislativo, será afastado nos casos que possam considerar-se verdadeiramente excepcionais.

31. É a essa solução que adere a Câmara Corporativa, restando só, dentro dela, resolver os dois pontos capitais de saber de quantas reconduções há-de ser o limite imposto e como hão-de determinar-se os casos excepcionais em que aquele limite poderá ser ultrapassado.
Quanto ao primeiro ponto, esta Câmara não tem dúvidas em perfilhar o limite das duas reconduções preconizado pelo decreto-lei, pois pode afirmar-se que a terceira recondução, cumpridos já doze anos consecutivos de exercício do cargo, está justamente no limiar daquele risco de inversão de valores a que atrás se aludia, no n.º 28.
Quanto ao regime de excepção, entende a Câmara Corporativa que elo tem de ser estabelecido em termos de tal "excepção" não poder facilmente transformar-se em "regra". Sendo o Ministro do Interior quem nomeia e reduz livremente, pela primeira e pela segunda vez, os presidentes e vice-presidentes das câmaras, parece razoável fazer depender as reconduções, para além desse limite, de especial solenidade; e, para tanto, bastará estabelecer que a recondução, nesses casos, em vez de ser feita por simples portaria, deva ser feita por meio do decreto.

32. Dentro desta ordem de ideias, a Câmara Corporativa dá também a sua concordância à doutrina do § único que o decreto-lei mandou acrescentar ao artigo 72.º do Código Administrativo, desde que subordinada à mesma excepção que acaba de propor-se para a doutrina do corpo do artigo.
Simplesmente, se o nítido alcance do preceito é dar a natureza de verdadeira recondução à nova nomeação para o mesmo cargo antes de decorridos quatro anos sobre a data em que o nomeado deixou de desempenhá-lo, não se percebe por que só há-de aplicar-se essa medida a quem tenha exercido o cargo "durante doze anos consecutivos", e não a quem exerceu três mandatos sucessivos intermeados por intervalos de tempo inferiores a quatro anos. Na hipótese considerada, de facto, cada nova nomeação ocorrida antes de quatro anos sobre a anterior cessação de funções deve, dentro do espírito do preceito, ser havida como uma verdadeira recondução.
Tudo se simplificará se, numa disposição mais breve que a proposta pelo decreto-lei, se disser justamente que a nova nomeação feita nas condições indicadas é equiparada à recondução para os efeitos deste artigo.

33. E razoável a disposição transitória do artigo 2.º do decreto-lei, conservando o mandato de oito anos aos presidentes e vice-presidentes das câmaras que a essa data se encontravam providos no cargo em primeira nomeação, como é razoável igualmente -dado o novo limite dos doze anos consecutivos no exercício do cargo que esse mandato de oito anos se considere reduzido a metade se se encontravam à mesma data a exercê-lo em regime de primeira recondução.
A própria redacção do artigo pode manter-se, salvo pequenos retoques formais; mas onde aí se falava de presidentes e vice-presidentes "actualmente providos" no cargo é forçoso falar agora de "providos no cargo à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 42 178".

34. O § único do artigo 2.º tem de desaparecer, pois o seu conteúdo esgotou-se em 31 de Março de 1959.
Em compensação, e necessário incluir no seu lugar um outro preceito - que melhor ficará sob a forma de um artigo autónomo - que regule a aplicação do novo regime das reconduções ao caso transitório previsto no artigo 2.º
Bastará, para tanto, determinar que o mandato de oito anos exercido ao abrigo desse artigo deve ser considerado, para efeitos de aplicação do referido regime, como abrangendo um primeiro mandato de quatro anos e unia recondução por igual período de tempo.
Mas não há razão nenhuma para não aplicar o mesmo regime aos mandatos de oito anos cujo exercício só esgotou ainda antes da entrada em vigor do decreto-lei. Se, por exemplo, um presidente de câmara foi exonerado antes dessa data, depois de ter exercido um mandato do oito anos, e vera a ser nomeado de novo, após essa data, para o mesmo lugar, não há qualquer motivo para deixar de considerar aquele mandato de oito anos como abrangendo, para efeitos do novo regime de recon-

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duções, um mandato de quatro anos e uma recondução por igual período de tempo. Por isso se procurou formular o preceito em termos de abranger também casos desses.

Conclusões

35. Em face do exposto, a Câmara Corporativa propõe que o Decreto-Lei n.º 42 178, de 9 de Março de 1959, seja redigido como segue:
Artigo 1.º Os §§ 1.º, 2.º e 3.º do artigo 55.º, o artigo 72.º, o § 4.º do artigo 145.º, o § 2.º do artigo 149.º, os artigos 180.º, 184.º, 187.º e 272.º e o § único do artigo 469.º, todos do Código Administrativo, passam a ter a seguinte redacção:

Art. 55.º ......................................................................

§ 1.º (Como no decreto-lei).
§ 2.º As deliberações que respeitem à municipalização de serviços, concessão de exclusivos por prazo superior a um ano e criação, remodelação ou supressão de partidos, depois de aprovadas pelo conselho municipal, carecem de aprovação do Governo, pelo Ministério do Interior, ouvido o Ministério respectivo quando se trate de deliberações sobre partidos.
§ 3.º (Como no decreto-lei).
Art. 72.º O presidente e o vice-presidente da câmara são nomeados por quatro anos, podendo ser livremente reconduzidos, até duas vezes, por períodos de igual duração, e tomam posse perante o governador civil do distrito, prestando o juramento exigido aos funcionários públicos.
§ 1.º Para além de duas vezes, a recondução só pode ter lugar quando circunstâncias excepcionais imperiosamente o exijam, devendo ser feita mediante decreto.
§ 2.º Para os efeitos deste artigo é equiparada à recondução a nomeação para o mesmo cargo antes de decorridos quatro anos sobre a data em que o nomeado deixou de desempenhá-lo.

Art. 145.º .....................................................................

§ 4.º Os médicos municipais podem reclamar para o Ministro do Interior das deliberações sobre delimitação das áreas dos partidos médicos, com fundamento em inconveniente público. O Ministro decidirá sobre parecer de uma comissão por ele próprio nomeada e de funcionamento permanente junto da Direcção-Geral de Administração Política e Civil, composta por um representante da mesma Direcção-Geral, um representante da Direcção-Geral de Saúde e um funcionário dos serviços geográficos e cadastrais. A comissão ouvirá obrigatoriamente a câmara interessada antes de formular o seu parecer.

Art. 149.º .....................................................................
§ 2.º O Ministro do Interior, sob proposta da respectiva câmara municipal, ouvido o delegado de saúde e com o parecer concordante do governador civil do distrito e da comissão a que se refere o § 4.º do artigo 145.º, poderá autorizar o médico municipal de um partido rural a residir na sede do concelho quando se mostre que assim facilita o acesso a todas as povoações do partido e que não há melhor forma de delimitar as áreas dos partidos existentes.
Art. 180.º (Como no decreto-lei).
Art. 184.º (Como no decreto-lei).
Art. 187.º (Como no decreto-lei).
Art. 272.º (Como no decreto-lei).
Art. 469.º, § único. (Como no decreto-lei).

Art. 2.º Os presidentes e vice-presidentes das câmaras providos no cargo antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 42 178 poderão manter-se em exercício até se completar o período de oito anos por que foram investidos em primeira nomeação, ou o período de quatro anos a contar da recondução.
Art. 3.º O mandato de oito anos exercido ao abrigo da legislação anterior ou ao abrigo do artigo 2.º deste diploma é considerado, para efeitos dos §§ 1.º e 2.º do artigo 72.º do Código Administrativo, como abrangendo um mandato de quatro anos e uma recondução por igual período de tempo.
Art. 4.º Texto do artigo 3.º do decreto-lei.

Palácio de S. Bento, 7 de Janeiro de 1960.

António Vitorino França Borges.
José Albino Machado Voz.
Luís Gordinho Moreira.
Luís de Castro Pereira.
José Seabra Castelo Branco.
Francisco Manuel Morena.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
Augusto Cancella de Abreu.
José Pires Cardoso.
Jorge Augusto da Silva Horta.
José Augusto Vaz Pinto.
Mamede de Sousa Fialho.
Guilherme Braga da Cruz, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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