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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N º 144
ANO DE 1960 20 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 144, EM 19 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados ou n.ºs 142 e 143 do Diário das Sessões.
Leu-se o expediente.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foi recebido na Mesa, remetido pela Presidência do Conselho, o Diário do Governo n.º 10, 1.ª série, de 14 do corrente, inserindo diversos decretos-leis.
Usaram da palavra, os Srs. Deputados Pavio Cancella de Abreu, para lembrar a figura do antigo Deputado Dr. Artur Morais de Carvalho; Rocha Lacerda, que e enviou um requerimento à Mesa; Melo e Castro, acerca da viagem do Sr. Ministro da Presidência ao Estado da Índia: Calheiros Lopes, que se congratulou com a nomeação da comissão do plano director da região de Lisboa; Mário de Oliveira, sobre problemas ligados ao turismo nacional, e Manuel Nunes Fernandes, que chamou a atenção do Governo para diversos assuntos de interesse para as regiões das Beiras e Trás-os-Montes.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre o abastecimento de água, das populações rurais.
Usou da palavra o Sr. Deputado Augusto Simões.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Pinto.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
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Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 73 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 142 e 143 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente:- Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, considero-os aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários a apoiar as intervenções dos Srs. Deputados Franco Falcão e Cerveira Pinto em defesa das regentes escolares.
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Rodrigo Carvalho sobre a situação da indústria têxtil.
Do Grémio da Lavoura de Coimbra a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Augusto Simões em que pediu a criação de uma brigada agrícola em Coimbra.
O Sr. Presidente: - Enviado pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no $ 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontra-se na Mesa o Diário do Governo n.º 10, 1.ª série, de 14 do corrente que contém os Decretos-Leis n.ºs 42 805, que aprovou o Regulamento das Disposições de Segurança Relativa à Indústria e Comércio de Armamento, Munições e Explosivos e revoga os artigos 3.º e 17.º do regulamente aprovado pelo Decreto-Lei n.ºs 41 764, e 42 806, que define os atribuições da autoridade nacional de segurança O. T. A. N., cargo previsto no n.º 14 do Anexo C do documento C-M (55) 15 (Def.) da Organização do Tratado do Atlântico Norte.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: não sei, Sr. Presidente, não sei se o estado de espírito e o coração a sangrar me vão permitir articular alguma:, palavras de homenagem ao antigo Deputado Dr. Artur de Morais Carvalho, pelo menos como ela lhe é devido e os seus méritos solicitam. É que perdi um grande, e maior amigo, amigo como irmão e de sempre.
Em Coimbra, com um meu irmão querido, vivemos na mesma casa, eles no seu 5.º ano e eu no 1.º de Faculdade, a cuja cátedra não ascendeu, porque, podendo ser tudo, nunca de tanto, como de nada, teve aspiração.
Depois, em Lisboa, durante mais de 40 anos, juntos estivemos, até no dia da sua morte, no mesmo escritório de advogados e simultaneamente, encontrámo-nos nos conselhos políticos da Causa Monárquica, na direcção da antiga e nobre Associação dos Advogados de Lisboa e nos conselhos directivos da sua Ordem, de que foi presidente, elevado e honroso título a que ascendeu pelo seu aprumo moral e por seus méritos de jurisconsulto e de profissional e em que prestou assinalados serviços à sua classe, nomeadamente preparando e tornando possível, de colaboração com o Dr. Sá Nogueira, a Caixa de Previdência da Ordem, que o Ministro da Justiça Prof. Cavaleiro de Ferreira criou e é já uma instituição próspera, segura e valiosa.
Depois, aqui, sim, também aqui na Câmara dos Deputados, mais uma vez nos encontrámos na legislatura de 1922 a 1925, como Deputados por Lisboa, formando uma minoria monárquica com o conselheiro Aires de Ornelas, um dos grandes das campanhas de África, antigo Ministro da Marinha e do Ultramar, e então lugar-tenente de El-Rei, e os Drs. Manuel Duarte, Jaime Duarte Silva e Artur Carvalho da Silva. Restávamos os dois. Resta um só.
Foi ele o primeiro a chegar ao fim da nossa jornada. A morte, lei implacável da vida, cortou-lhe o caminho. Parece que Deus, por ser eu o pior, quis reservar-me, como penitência, esta dolorosa provação!
Homem perfeito, homem completo na pura acepção da palavra, Morais Carvalho legou aos outros homens o grande exemplo de um somatório ímpar de virtudes: na sua quantidade, dificilmente transponíveis; na sua qualidade, raramente igualadas.
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Carácter impoluto, alma grande, lúcida inteligência, reforçada por vasta cultura e apurado equilíbrio mental, selado por inexcedido bom senso, e a tal ponto escrupuloso que duvidava da própria certeza, por temor ao erro e à injustiça.
Modesto, generoso e tolerante, espírito gentilíssimo, impecável nas maneiras, fidalgo no trato para com todos, de tal modo, em tal extremo, que chegava a revestir-se de humildade.
Para culminar, recebeu da Providência, em infinita escala, a maior graça que pode ser doada ao homem: a bondade.
Aqui, no Parlamento, revelou bem o que era e quanto valia, quando, durante quase um lustro, nos empenhámos numa enérgica e exaustiva campanha contra a demagogia dominante, ora isolados, ora secundados pelas minorias republicanas, ou secundando-as nós n elas, sem abdicarmos e actuando sempre sob os signos da Pátria e do nosso ideal.
O campo era de luta violenta, como o era o duelo entre direitas e esquerdas dos defensores do regime, fragmentados em facções; mas quando estavam em causa interesses vitais da Nação, que a tudo sobrepúnhamos, não negávamos tolerância ou mesmo o apoio necessário. Confronte-se ...
E Morais Carvalho, sempre igual a si mesmo, calmo, ponderado, leal e coerente, mas enérgico quando necessário, conquistou o respeito e a simpatia de toda a Câmara, de um ao outro extremos.
Como seu pai, o ilustre estadista conselheiro Alberto António de Morais Carvalho, que foi Ministro da Fazenda, dedicou-se de preferência a assuntos financeiros e jurídicos, mas todos os seus discursos se revelaram modelares na forma e no conceito.
Chamava-lhe eu o meu poder moderador. E, meus senhores, quando com ele me confronto e recordo a caminhada que em comum empreendemos, mais me certifico de que as índoles e os temperamentos diferentes ou mesmo opostos se conciliam, se congraçam e completam, estruturando um todo, um conjunto uniforme, que prevalece e domina todos os sentimentos díspares, permitindo assim seguir a par e sem escolhos o caminho da vida.
Depois de exercer aquele mandato, recolheu-se de novo na sua modéstia; mas nunca deixaram de interessá-lo os problemas da Nação e a política e obra de Salazar e do seu Governo.
Nos arquivos de El-Bei D. Manuel, que tanto o estimava, deviam existir, e existem nos de alguns distintos homens públicos, cartas suas, impecável e valioso documentário de aprumo, de equilíbrio mental, de bom senso e de interesse pela coisa pública.
Não me detenho no seu curriculum profissional. Não é este o lugar mais apropriado, e, além disto, a imprensa já se lhe referiu, embora em breves traços.
Confirmo apenas, numa síntese, que os seus tratados sobre Companhias de Colonização e Trusts e Cartéis, os seus artigos dispersos, especialmente na revista de jurisprudência O Direito, de que era colaborador, as minutas em processos judiciais importantes, os pareceres emitidos sobre consultas, etc., revelam, a toda a luz, saber e competência, que o colocaram ao nível das maiores figuras contemporâneas do foro português.
Sr. Presidente: dificilmente podia ser mais breve; e nào foi tempo perdido divulgar, para que se tomem como exemplo, os méritos de que foi paradigma este homem singular e português insigne que, na plenitude das suas faculdades, acaba de perder a vida.
Para lhes falar dele tive de falar de mim, porque só assim podia assegurar-vos a autoridade e a ciência certa- deste sucinto depoimento.
Morais Carvalho morreu, mas ressuscita agora para quem o ignorava, para quem o esquecera, para quem não media a envergadura dos seus dotes inigualáveis.
Meus senhores: relevai-me o que nas minhas palavras porventura se contenha de mais íntimo. E que elas foram expressão sentida do meu coração amargurado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Rocha Lacerda: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Em Outubro de 1954, acedendo a várias solicitações de organismos corporativos da lavoura, nomeou o Governo uma comissão encarregada de estudar o sistema tributário dos organismos corporativos e de coordenação económica.
Ao abrigo do Regimento, requeira que, pelo Ministério competente, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
a) Relatórios e estudos que essa comissão tenha apresentado;
b) Informações, pareceres ou despachos que sobre o trabalho da comissão tenham recaído.»
c)
O Sr. Melo e Castro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: nesta primeira sessão após a visita a Goa do ilustre Ministro da Presidência, desejava, em singelas palavras, juntar uma voz da metrópole e do ilustre Deputado goês Sr. Cónego Castilho Noronha, que, já há dias, aqui manifestou os sentimentos de congratulação devidos pelo êxito dessa visita e pelo alto significado de que se revestiu.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Há pouco tempo ainda tive a dita de conhecer Goa; e depois de Goa, em brevíssimas mas inolvidáveis visitas, os distritos do norte de Damão e Diu -, distritos geogràficamente como que insulados, mas espiritualmente tão chegados a tudo quanto há de mais forte e genuinamente português.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Goa, a índia Portuguesa, se é lícito dizê-lo em termos recolhidos da lírica de Camões, quando por ali se sublimava, Goa, Sr. Deputado Castilho Noronha, deixou-me verdadeiramente cativo. Cativo de espírito e sensibilidade, muito pelo prodígio da paisagem, das de mais peculiar beleza que tenho encontrado pelo Mundo fora, muito pela amabilidade das gentes; sobretudo cativo me confesso do extraordinário atractivo da experiência de contacto e abraço fraterno de raças que a cultura goesa representa. Cativo ainda da índia pela força e pelo prestígio que as monumentais memórias ali ainda erectas do esforço português de antanho acrescentam às motivações mais nobres do nosso patriotismo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Goa, Sr. Presidente, na sua autonomia cultural, bem destacada e cimentada pelo decurso dos séculos entre o imenso e heterogéneo subcontinente indostânico, na paz rácica e política de que tem desfrutado, Goa, compreende-o logo quem ali vai, é um bem inestimável para os Goeses. Um bem que cultivam e zelam ciosamente na intimidade dos seus costumes e tradições, na permanência das suas instituições, um bem que os emigrantes veneram, com unção saudosa, onde quer que labutem, na África, no Brasil, na vizinha União Indiana; um bem que os Goeses têm defendido contra todas as ameaças e cobiças; um bem que há pouco, sob os nossos olhos, mereceu o sangue generoso de Aniceto do Rosário.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se é um bem assim para os portugueses naturais de Goa, o que não hão-de representar para todos nós, portugueses nascidos em todos os lugares do Mundo cobertos pula bandeira que permitiu criar-se e fortalecer-se aquele bem?
Portugal entrou em Goa a defender liberdades indígenas; foi fugaz qualquer proveito de expressão económica que Portugal obteve de Goa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Deu Portugal a Goa luzes do Ocidente, deu-lhe crenças, leis, instituições suas, estilos, técnicas, mas nada impôs com exclusivismo de invasor; permitiu que vigorassem até hoje entrecruzadas com as do génio indígena e até com vestígios de outras civilizações que por ali migraram; acima de tudo, Portugal deixou, como cimento aglutinador, a memória imarcescível da justiça de grandes estadistas, do sacrifício dos heróis, da espiritualidade e da caridade dos santos. E são estes os verdadeiros pilares das culturas e das pátrias - obra sempre do espírito, jamais os simples dados da geografia, da economia, do idioma, da raça, conseguiram explicá-las! Certo isolamento que os Gates permitem não está mal que seja encarecido, mas nada teria significado se não fossem Xavier e Albuquerque.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se as grandes coisas da vida e da história coubessem em medidas de mera economia, como havia de explicar-se o afinco dos Goeses e o sentimento dos demais portugueses de todo o Mundo que o acompanhou em 1954 e tão alto exprimiram o sangue de Rosário e a firmeza de Salazar?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Goa, produto do espírito, da liberdade de consciência humana, do direito dos povos disporem de si próprios, Goa exibe, perante um mundo incerto, resultados exemplares de uma experiência de promoção humana, pelas vias da fraternidade, da compreensão mútua, da caridade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Poderão deixar de ser respeitadas até ao fim estas realidades, que, perante tantas razões de cepticismo, deixam ainda acreditar na viabilidade dos grandes ideais colectivos? Há-de a Providência permitir que o sejam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A nobreza obriga. A nobreza obriga. Sem dúvida, as basílicas impressionantes de Velha Goa, n fábrica colossal da fortaleza de Diu, a uma de prata que guarda o corpo incorrupto do Santo Apóstolo, bem legitimam o nosso desvanecimento patriótico. Este sentimento, porém, bem pouco seria hoje para preencher as nossas obrigações. São os planos e os factos da restauração administrativa que em Goa está a processar-se, a que foi dar significativa autoridade a presença de tão proeminente membro do Governo, que mostram quererem o País e o Governo manter-se à altura de tamanhas responsabilidades.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Deus permita que a soma considerável de 209 000 contos reservada para a Índia Portuguesa no II Plano de Fomento, acrescida à de 172 000 contos despendida no abrigo do I Plano, acompanhadas pelas possibilidades que recentemente foram rasgadas à indústria mineira local, venham a traduzir-se, num ritmo de certo modo acelerado, como é preciso, em realizações de bem-estar e promoção cultural, social e económica, que bem as merecem os povos da Índia Portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Foram estes os votos com que o Sr. Deputado Castilho Noronha há dias nobremente celebrou a visita ministerial a Goa.
São os votos também com que endereço daqui uma saudação calorosa ao ilustre goveruador-geral, brigadeiro Vassalo e Silva.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tive a oportunidade de presenciar os primeiros passos da administração do novo governador-geral. Não me foi difícil prognosticá-la como muito digna e proficiente. Vejo que começa a traduzir-se em seguras realidades. Nem sequer aquele distinto militar, que é também um experimentado engenheiro, esqueceu que o indispensável e, de certo modo, urgente fomento económico-social tem de ser acompanhado com a valorização dos produtos do espírito. Já o plano de reintegração de Velha Goa, há um ano apenas perspectiva esfumada, começou a executar-se.
Que as bênçãos de Deus, à sombra augusta do túmulo de S. Francisco Xavier, cubram a sua acção. Que as bênçãos de Deus cubram a Índia Portuguesa, a que queremos como a qualquer outro torrão de Portugal !
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Caldeiros Lopes: - Sr. Presidente: com a mesma espontaneidade com que devemos tornar-nos eco dos reparos que nos suscitam, por vezes, determinados factos ou medidas oficiais, não devemos calar o aplauso e reconhecimento merecidos pelos actos administrativos dignos de gratidão dos povos e do estímulo que. como é natural, o nosso louvor representa para quem tem sobre os seus ombros o peso das responsabilidades da governação.
Dentro deste pensamento, pretendo apenas registar a satisfação com que há poucos dias vi que foi empossada
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a comissão do Plano Director do Desenvolvimento Urbanístico da Região de Lisboa, que, sob a presidência de um dos mais competentes e dedicados técnicos do Ministério das Obras Públicas, o Sr. Director-Geral dos Serviços de Urbanização, é constituída por um grupo valioso de funcionários e técnicos de diversas especialidades, em cuja proficiente acção o País confia absolutamente para o êxito das importantes atribuições que lhes foram conferidas.
Aprovada por esta Assembleia e tornada lei da Nação, há apenas cinco meses, a Lei n.º 2009, que determinou a elaboração do plano, e constituída por portaria de 30 do mês findo a respectiva comissão, logo em 4 do corrente o Sr. Ministro das Obras Públicas lhe deu posse e, num discurso de impressionante vigor e clareza, lhe apontou as bases essenciais a seguir para levar a efeito a vasta e proveitosa obra que dela esperam não somente a capital, mas as diversas regiões circunvizinhas. Porque estou ligado, por laços pessoais e pela representação política que me foi honrosamente atribuída, a algumas dessas regiões e porque tive ocasião de manifestar aqui o meu sincero aplauso a essa iniciativa do Governo, não quis deixar de exprimir agora a satisfação com que eu (e comigo todos os habitantes dos concelhos marginais da capital) vejo entrar em funções a comissão elaboradora do plano destinado a ordenar, a sistematizar, a disciplinar, o inevitável e prometedor desenvolvimento económico e social da vasta zona da margem sul do Tejo.
No importante discurso proferido no acto da posse da comissão o Sr. Ministro das Obras Públicas enumerou clarividentemente a imperiosa necessidade dessa ordenação: «torna-se indispensável modificar radicalmente o panorama actual do crescimento desordenado das povoações suburbanas, ao sabor das iniciativas e de conveniências particulares, a que estão sujeitos os centros populacionais mais importantes, incluindo a capital».
Nesta definição encontramos traduzidos os vários aspectos do problema em causa. Se, por um lado, se impõe travar a concentração industrial e encarar mesmo corajosamente a deslocação de algumas das indústrias actualmente existentes na capital, ao mesmo tempo há que planificar o desenvolvimento, sob todos os aspectos, entre eles os das condições de habitabilidade, das regiões vizinhas de Lisboa para as quais pretendemos deslocar a actividade industrial concentrada na capital.
Não podemos ignorar a transformação radical que vai dar-se na fisionomia económica e social da margem esquerda do Tejo por efeito da instalação da siderurgia no Seixal e das indústrias em funcionamento e a criar nas várias regiões do distrito de Setúbal e ainda da construção da ponte sobre o Tejo.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!
O Orador: - Ao mesmo tempo, o desenvolvimento industrial que se está verificando em toda a zona no norte da capital, e que já hoje vai até Vila Franca de Xira, e mais tarde, segundo confiadamente se espera, se estenderá por toda a vasta região da margem sul do Tejo, exige cuidados e providências de orientação localizadora, de condicionamento de actividades e de desafogamento dos embaraços e ónus actuais do tráfego que a desoprimam e lhe facilitem a recuperação económica necessária. Não esqueçamos que essa ampla zona marginal do Tejo. devastada há 50 anos por um grande cataclismo, sofre ainda hoje as consequências desse flagelo, e por todos os motivos me parece atendível uma das suas mais instantes reclamações: ser desonerada das dificuldades e encargos que hoje incidem no tráfego entre as duas margens do Tejo e que a colocam em inferioridade de concorrência económica relativamente a outras regiões, com evidentes reflexos prejudiciais no sector social.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Cada vez mais se impõe a planificação de toda a acção do Estado e das actividades privadas, de modo que a produção seja devidamente orientada no sentido do interesse geral do País e para que, em vez de concorrências indiscriminadas entre as várias actividades, se obtenha a estreita coordenação dos vário» sectores, desde a produção e a transformação das matérias-primas até à distribuição dos produtos e ao seu transporte para os mercados de consumo ou portos de saída no que respeita aos exportáveis.
Julgo que um dos mais importantes objectivos a alcançar pelo plano director da região de Lisboa consistirá em evitar o sacrifício da terra arável e altamente produtiva na implantação de construções urbanas, industriais ou residenciais. Não esqueçamos que nos tempos presentes, em que as facilidades de transporte são imensamente superiores às de há 30 ou 40 anos, e em que, por outro lado, está geralmente reconhecida a vantagem de rodear as grandes concentrações populacionais de zonas rurais que coloquem à disposição da gente das cidades saudáveis e tonificantes «espaços verdes», e ao mesmo tempo grandes centros abastecedores dos indispensáveis produtos hortícolas, não nos esqueçamos das altas vantagens da manutenção, no perímetro das grandes urbes, de áreas mais ou menos vastas dedicadas à produção agrícola, às massas florestais, aos logradouros campestres.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Todos estes pensamentos, segundo creio, se integram no espírito do Plano Director de Lisboa - que me atrevo a visionar um ensaio que será repetido, se resultar profícuo, em outras cidades, e, pelo menos, no Porto. Apontou-os o Sr. Ministro das Obras Públicas no seu brilhante discurso de há dias. E se os recordo aqui é apenas para manifestar, tanto ao ilustre membro do Governo, responsável pela iniciativa em marcha, como aos que vão estudar e planificar a sua realização, que as populações urbanas e rurais dos concelhos circunvizinhos de Lisboa sentem e aplaudem vivamente a ideia basilar desta obra, que tende a descongestionar a capital de uma parte das suas actividades e populações, fixando umas e outras nas regiões limítrofes.
Só quem conhece o que se verifica quanto ao aumento populacional nos concelhos do Seixal e de Almada, onde está nascendo uma importante cidade de cerca de 50 000 habitantes - população cuja a maior percentagem trabalha em Lisboa -, pode avaliar com segurança as vantagens da transferência para aquela margem de uma parte considerável das actividades comerciais e industriais agora localizadas na capital e que obrigam aqueles milhares de pessoas a percorrer quilómetros, atravessando o rio, sob a invernia ou sob a canícula. Dir-me-ão que a ponte sobre o Tejo resolve este problema dos transportes da população ribeirinha. A verdade, porem, é que, embora constitua um extraordinário benefício, tanto na ordem local, como para o interesse nacional, a ponte sobre o Tejo não basta para dar a solução para o problema em foco. Este problema, constituído essencialmente pela necessidade que a massa trabalhadora da capital tem de procurar alojamento
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fora da cidade, não se resolve com o facilitar o transporte dos trabalhadores das zonas residenciais para os bairros de Lisboa onde trabalham: resolve-se, sim. com a deslocação dos locais de trabalho, dos estabelecimentos industriais e comerciais, para fora da capital, criando, como deve ser o pensamento do Plano Director, diversas cidades e centros industriais na periferia da grande urbe.
Um outro alto benefício há a esperar da aplicação do Plano, não já no seu aspecto, digamos, restritamente citadino, mas considerando a extensão regionalista que a Assembleia Nacional, ao aprová-lo, sugeriu que se lhe imprimisse. Refiro-me ao que me permitirei designar como «ocupação industrial da zona de Setúbal». Efectivamente, Sr. Presidente, causa pena, mesmo aos menos interessados na geografia económica da magnífica região constituída pelo estuário do Sado, verificar o desaproveitamento das extraordinárias possibilidades que essa zona oferece para a localização de numerosas indústrias. Um amplo porto de mar, um rio navegável em muitos quilómetros, terrenos marginais aptos para a edificação de armazéns e instalações fabris, uma cidade em crescimento, de clima magnífico, rodeada de belezas naturais - tudo isto são factores que já deviam ter atraído para a região de Setúbal as atenções, tanto as dos órgãos do Estado que orientam a localização industrial, como as dos empresários interessados na criação de novas indústrias.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: sabe-se o que representa na vida económica de diversos países, como a Holanda, a Bélgica, a Alemanha e modernamente a Rússia, uma rede de canais, naturais uns, outros resultantes de obras mais ou menos consideráveis de engenharia, e que de forma tão importante facilitam e embaratecem os transportes de mercadorias e poupam as estradas. Seguindo o exemplo dessas nações, Portugal, que há 30 anos riscou do seu vocabulário das obras públicas a palavra «impossível», e, num esforço verdadeiramente heróico, sob o comando do eminente Chefe do Governo, ergueu do nada essa vasta obra de fomento constituída pelos portos, rodovias, barragens, pontes, etc., porque não acrescentará essa obra formidável com mais o valioso melhoramento que será o canal Tejo-Sado?
Penso, Sr. Presidente, que temos motivos para não considerar utopia esta obra. O seu estudo económico encontra-se feito, assim como o respectivo anteprojecto, que foi em tempos entregue à Comissão Técnica das Zonas Francas. Para corporizar a ideia, para a transformar de almejada esperança dos povos interessados em mais uma magnífica realidade nacional, julgo que de algo servirá ir falando, ir insistindo, aqui e em toda a parte onde as aspirações do País possam ser interpretadas e tenham eco nas esferas do Poder. For isso me atrevo a confiar nas entidades a quem foi entregue o estudo do Plano Director de Lisboa para que nesse estudo seja considerado o canal Tejo-Sado e, a ele ligado, o aproveitamento industrial da zona de Setúbal. Sob a competente orientação do Sr. Ministro das Obras Públicas, o grupo de escolhidos técnicos que constitui a comissão do Plano vai iniciar os seus importantes trabalhos. Confiemos inteiramente no saber e na dedicação de um e outros, para que, com a brevidade compatível com tão sério problema, possa ser ultimado e dado a conhecer ao País - que deve apreciá-lo vastamente - esse Plano, que tanto influirá no panorama económico e social de importantes regiões dos distritos de Lisboa e Setúbal. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mário de Oliveira: - Sr. Presidente: em clima político particularmente propenso a intensificar a livre circulação de capitais, mercadorias e pessoas, o turismo internacional assume hoje, no espaço económico europeu, um papel de singular importância.
O turismo é, por si só, a viva expressão da nossa época, a traduzir-se num estado de espírito de inquietação, em que o homem procura evadir-se do meio onde sofre 05 efeitos depressivos do sedentarismo urbano, da monótona rotina de um estilo de vida cada vez mais estandardizado.
Por isso, e já que, desgraçadamente, perdeu o contacto reconfortante com a meditação, com a sua vida interior, o homem tende a deslocar-se em demanda de outras latitudes, de outros ambientes, na ânsia de aí encontrar novas forças, novas perspectivas, novos estímulos do acção.
Não é nosso intuito formular um juízo de valor sobre o tema, que é, aliás, extraordinariamente rico na sua problemática política e sociológica, mas simplesmente considerar o fenómeno em si, como uma das grandes realidades do nosso tempo, e ponderar algumas cias suas transcendentes expressões económicas.
Deste último ponto de vista, poderá ver-se que o turista propriamente dito é uma entidade que se desloca com o único objectivo de gastar os seus dinheiros. Não visa qualquer finalidade de lucro - é, essencialmente, uma unidade de consumo.
Ao lado desta categoria de viajantes existe outra que se move em função de necessidades da natureza profissional. A gestão dos negócios públicos e privados fornece uma grande legião humana que contribui para o alargamento deste tipo de correntes migratórias.
E certo que neste domínio já existe um objectivo de lucro directo ou indirecto que suscita a deslocação, mas os seus efeitos económicos imediatos são os mesmos.
Todos os meios de transporte, desde o avião ao automóvel, desde o autocarro e do comboio ao barco, recebem forte pressão de procura.
O avião, sobretudo, com n sua velocidade, a sua frequência e a sua lotação progressivamente acrescidas, está a contribuir decisivamente para o engrossamento das correntes turísticas, canalizando-as e transportando, mas em poucas horas para regiões noutros tempos inacessíveis às bolsas mais abastadas ou às vontades mais caprichosas.
E quase lugar-comum dizer-se que o Mundo se encurtou, que os povos estão mais próximos uns dos outros, mas nunca tais assertos tiveram tanta propriedade como agora no esquema da vida social do nosso tempo.
O movimento turístico, que se acentuou depois da última guerra de forma notável, deu, assim, lugar a intensa proliferação de agências de viagem, que promovem digressões para todos os gostos e para todas as bolsas, com o objectivo de explorarem comercialmente esse estado de espírito.
Se quisermos anotar em breve apontamento os efeitos político-sociais do fenómeno, poderemos acrescentar que a multiplicidade desses movimentos humanos está a contribuir para estabelecer uma recíproca influência entre os povos, uma interpenetração de usos, costumes e culturas.
Se este é um dos factores que podem actuar fortemente para uma melhor compreensão das nações entre si, há,
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todavia, que ter em conta os efeitos profundos que daí podem resultar, a mediu e a longo prazo, no plano da individualidade, do carácter, do modo de ser de cada povo. Se a isto se juntar a observação do próprio processo de mobilidade humana, que decorre do movimento de integração económica europeia, já a abranger outros continentes, numa afirmação de solidariedade ocidental particularmente significativa, teremos do considerar que esto problema do turismo constitui simples manifestação, particular e concreta, do um gigantesco fenómeno com tendência, a situar-se no curso das grandes viragens da história.
Há povos que sabem resistir melhor do que outros à invasão do «estrangeirismo», essa espécie de doença endémica que ataca, sobretudo, os países de mais brandos costumes e que lhes vai roubar justamente as suas características peculiares, afinal o próprio fulcro impulsionador da atracção turística.
Por isso, e sem que isto possa ou deva interpretar-se como qualquer manifestação de xenofobia, imporia resguardar zelosamente os atributos que distinguem entre si as nações, como centros coesos de agregação humana, evitar que nelas se intrometam sub-repticiamente factores de dissolução e subversão da ordem de valores morais e sociais que as gerou, que lhes deu vida e imprimiu carácter.
Uma coisa é certa: o turismo é o grande factor de exportações invisíveis, em que a «mercadoria» não sai do seu lugar de origem, antes aí é procurada e utilizada. Por isso constitui hoje um sector de transcendente importância, que importa ser detidamente considerado à luz da política económica, como poderoso meio de ampliar os valores activos da nossa balança de pagamentos.
«A deslocação dos homens - como algures, um dia, escreveu André Siegfried - obtém aquilo que a deslocação dos produtos não consegue jamais realizar».
E nós devemos ter bem presente este conceito, na medida em que o restrito elenco dos nossos produtos de exportação e a sua fraca essencialidade nos coloca em precário, situação no quadro do movimento do comércio externo.
É essencialmente nesta ordem de preocupações que abordarei o problema do turismo.
Sr. Presidente: nesta rápida observação do espírito ambulatório da nossa época, quero implantar algumas considerações sobre o nosso turismo em geral, para passar a focar em especial aquele que, ainda em simples potência, oferece a província do Algarve.
O movimento turístico em Portugal começa a proporcionar uma séria contribuição no campo dos valores positivos da nossa balança de pagamentos.
Com base nos últimos elementos estatísticos obtidos através do Secretariado Nacional da Informação, pode afirmar-se, que a contribuição do turismo em divisas estrangeiras durante o ano de 1959 atingiu a ordem de 1 000 000 de contos.
O movimento de turistas nos últimos dez anos tem vindo a crescer nos seguintes termos: 1949-55 400; 1950 - 76 307: 1951 - 86 576; 1952 - 110 011; 1953 - 152 690: 1954 - 165 460: 1955 - 202 190: 1956 - 232 261: 1957 - 251 385; 1958 - 263 890; 1959 - 295 942.
Portugal começa n ser incluído nos roteiros turísticos. A sua história, para além da sua música, do seu folclore, das suas belezas naturais, é também motivo de atracção.
Gerado, criado e fixado à ilharga de uma grande nação europeia, este naco de terra lusíada, cujo povo, por seu génio o virtude, por sua vocação marítima e missionária, «deu novos mundos ao Mundo», a sua imperturbável presença africana, asiática e oceânica, perante o torvelinho de lutas e paixões que ali se desencadeiam agora, estão a despertar, naturalmente, neste mundo revolto e insubmisso n todas as tradições históricas, uma vaga de curiosidade e, ao mesmo tempo, de admiração.
Os estrangeiros olham quase com espanto esta espécie de sortilégio de coerência histórica com que nos manifestamos perante o desvario dialéctico que perpassa entre os povos.
E, afinal, esta atitude portuguesa resulta da, expressão actual de uma grande nação civilizadora, que sempre, quando unida e coesa, deu lições ao Mundo sobre o que representa a força de vontade colectiva dos povos no desenrolar dos acontecimentos históricos. Foi assim, apoiados nessa vontade, que levámos a cruz de Cristo onde a não havia; que, sem preconceitos de raça ou de credo, outorgámos, há séculos, direitos sociais a homens que os desconheciam; que trouxemos à vida de relação internacional povos que jamais a alcançariam por seu desejo, mérito e iniciativa próprios.
A quem vem visitar-nos na consciência do papel histórico que Portugal desempenhou e está a desempenhar no Mundo fica a certeza de que o nosso país só foi grande quando soube manter-se fiel às suas tradições e teve a personificá-lo e a representá-lo homens ou instituições que se devotaram à sua unidade moral e política.
Há, na verdade, muitos estrangeiros que acorrem a nós na pesquisa dos factores que servem de suporte àquilo a que muitos já chamam o caso português. E depara-se-lhes um povo acolhedor como nenhum outro, com um clima ameno, que amacia os nervos e retempera as forças. E sentem-se presos, enleados por tudo quanto os cerca, desde as belezas naturais com que Deus nos dotou até a afabilidade de um quadro social e humano sempre pronto a receber cordialmente quem vem de fora.
O comportamento colectivo do nosso povo a este respeito é, aliás, verdadeiramente notável. Raro é o estrangeiro que não leva da nossa gente as melhores e mais gratas recordações.
Só é certo que muitos factores e circunstâncias contribuíram paru que esse movimento turístico se estabelecesse, o facto é que a paz e a ordem que caracterizam o Portugal destes últimos 30 anos foram, por si sós. elementos de atracção para quem se sente cercado, enfadado e cansado do tumulto de paixões, da luta, tantas vezes estéril, da política pela política, perigoso germe de insegurança e de instabilidade social.
A serenidade que se respira no nosso país é, em si mesmo, um bem precioso, que urge defender, não só como património moral, mas até como valor económico.
Mas é certo que isso não chega para fixar as correntes turísticas. Não se vem a Portugal apenas porque se procura o bucolismo ou a quietude. O País tem de tomar a consciência de que poço assumir um alto papel no quadro do turismo internacional, que a fonte caudalosa de divisas e de irradiante reprodutividade social, quando se saiba aproveitá-lo em toda a extensão tios seus reflexos económicos.
Em todos os recantos do Mundo se procura inventariar os atractivos de que se dispõe.
Nós já conseguimos ultrapassar aquela fase em que contemplávamos, quase com surpresa, a curiosidade e o interesse com que os estrangeiros nos visitavam.
Pulo Secretariado Nacional da Informação foi feito um esforço notável de interpretação dos nossos problemas turísticos, que permitiu alinhar uma política cujos resultados estão hoje já à vista de todos.
Do período das pousadas, do reviver do nosso rito folclore, da estruturação dos itinerários turísticos de Portugal europeu para o que muito contribuiu o poder
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de iniciativa das empresas de camionagem -, passou-se à fase de fomento hoteleiro, com providências legislativas de largo alcance, que merecem ser aqui registadas e realçadas como termos de uma orientação objectiva e consequente.
Intervieram, coordenadamente, nessa política de fomento hoteleiro incentivos fiscais e de crédito que muito ajudaram a impulsionar esse surto de construção de hotéis que vemos felizmente processar-se por todo o País, essencialmente com base na iniciativa privada.
Instiga seja feita ao Secretariado Nacional da Informação. O seu esforço de orientação e realização é verdadeiramente notável em prol do turismo nacional, que me seja permitido daqui dirigir-lhe uma palavra de saudação e alto apreço na pessoa do nosso ilustre colega César Moreira Baptista, a quem o Secretariado já deve inestimáveis serviços.
Sr. Presidente: o equipamento hoteleiro, que é, naturalmente, factor que avulta no domínio de uma política de fomento turístico, nào pode, todavia, deixar de ter em conta o sentido da sua exploração comercial.
O Estado, através do seu departamento próprio - quantas vezes em difíceis condições de actuação -, fez aquilo que lhe competia no plano de criar as condições básicas de estímulo â iniciativa privado.
O impulso desta trouxe já resultados positivos, em que o caso do Hotel Ritz, pela sua ordem de grandeza e majestade, bem merece ser assinalado e realçado como vultoso investimento imobiliário de largas repercussões económicas, nacionais e internacionais.
Ao assinalar e realçar o mérito desse empreendimento quero juntar o meu aplauso, não só pela iniciativa do investimento imobiliário em si, que é de origem estritamente portuguesa, mas ainda pela fórmula adoptada para a exploração do referido hotel.
A sua entrega a uma cadeia internacional de hotéis constitui, na verdade, e em meu entender, o melhor caminho a seguir em empreendimentos desta natureza.
São justamente organizações deste tipo, por poderosas e de larga irradiação externa, que detêm, a bem dizer, o elemento motor do grande turismo internacional.
A atracção dos turistas não só faz só por simples chamamento publicitário confinado a interesses estritamente locais ou mesmo nacionais na proclamação da excelência dos nossos ambientes. Somos infelizmente pequenos demais para nos erguermos, com eficiência, ao nível dos encargos de propaganda internacional do turismo e suportarmos o embato frontal da concorrência com elementos tão poderosos.
É indispensável por isso convocar as grandes organizações internacionais que se dedicam, de longa data, a descobrir os recantos do Mundo mais apropriados a uma volumosa clientela que compassivamente ouve e segue os seus conselhos e a sua orientação.
Para isso torna-se, porém, necessário atrair a Portugal e «interessar» efectivamente essas organizações no quadro da exploração do nosso turismo.
Aliás, a indústria de turismo possui hoje uma técnica própria, extremamente evoluída, que deve inspirar e estruturar os empreendimentos destinados a promover a sua exploração em bases económicas.
O equipamento hoteleiro é, em verdade, um elemento fundamental da estrutura do turismo, mas não é tudo, como dissemos.
O seu esquema de exploração, que é afinal o método de obter a reprodutividade do investimento, envolve um sem-número de organizações satélites ou periféricas, que vão desde os transportes colectivos que proporcionam roteiros turísticos, a mostrarem, em rápida visão, pontos estratégicos de panorâmica o monumentalidade,
até ao aluguer individual de automóveis, até às diversões diurnas e nocturnas, até aos centros de repouso e de desporto, para quem vem predisposto a deixar-se orientar obedientemente, segundo os seus gostos e tendências.
Ora todas estas organizações, que fazem parte integrante da estrutura de exploração turística, só podem efectivamente aperfeiçoar-se e prosperar se tiverem a apoiá-las um fluxo regular de turistas que lhes garanta uma exploração económica.
Se é certo que na nossa época de Verão se acentua e condensa o movimento turístico - tendo apenas em mente o Portugal europeu, quando os nossos territórios ultramarinos possuem fortes motivos de atracção turística, nomeadamente Angola e Moçambique -, a verdade é que, quando esse movimento é olhado à escala e na perspectiva de uma grande organização internacional, pode daí promover-se uma política que tenda a aproveitar, em largos espaços económicos e ao longo do ano, as particularidades climatéricas de certas regiões que oferecem atractivos de amenitude muito propícios a estimular também o movimento de turistas durante o Outono e o Inverno. E os nossos, sobretudo nas regiões do Sul do País, são essencialmente atractivos para quem vive a inclemência das brumas e dos frios setentrionais.
Não pode, de facto, esquecer-se que, em matéria de turismo, o factor «procura» tem uma mobilidade extremamente pronunciada, ao passo que o da «oferta» mantém marcadas características de rigidez.
Por isso, e do ponto de vista económico, importa assinalar que todas as dormidas em vazio constituem uma perda definitiva de rentabilidade do investimento hoteleiro.
Daí o sucesso que tem obtido o regime de exploração comum de hotéis da mesma estrutura funcional localizados em regiões climatéricas diferentes, permitindo, assim, não só uma redução dos encargos de investimento e também um coeficiente mais elevado de utilização, com benéfica incidência na economia da respectiva exploração.
Nice e Vichy fornecem a este respeito curiosos e significativos exemplos pela alternância que proporciona de movimentos turísticos repartidos entre o Inverno e o Verão.
Nesta ordem de preocupações, a Suíça calculou que a ocultação média na sua rede hoteleira é de 71 por cento de camas e que a rentabilidade de exploração somente começa a partir dos 55 por cento.
Se as correntes turísticas nacionais não são por si suficientes para compensar uma exploração onerosa como é a hoteleira, com pesado volume do encargos fixos, empenhemo-nos no aproveitamento do favorável condicionalismo de que desfrutamos em ampliar o nosso circuito económico, trazendo a ele uma corrente humana mais caudalosa e regular.
Para se atingirem os objectivos referidos é necessário, porém, não considerar apenas os turistas ricos, mas aqueles que a classe média, constituída por larga gama de profissões e ocupações, tão amplamente comporta. E é esta classe de turistas que pode trazer largo contributo para um esquema económico mais social da nos«a exploração hoteleira e da nossa própria política de turismo.
A democratização do turismo é, aliás, um fenómeno visível, que segue, pari passu , o progresso do rendimento real das várias ramadas sociais.
Sr. Presidente: é neste quadro de considerações que só insere o problema que mais concretamente quero focar - o do Algarve.
As excelências do seu clima, as maravilhas da sua paisagem soalheira, a que o mar e a serra emprestam
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singulares perspectivas e contrastes, os seus valores artísticos e folclóricos, constituem, em potência, um rico património para o fomento turístico.
Dizia em editorial de há dias o Século, sempre atento aos grandes temas de interesse nacional, que não chegava ao Algarve «exultar as belezas, os encantos, os atractivos da Praia da Rocha, de Lagos, de Sagres, de S. Vicente, de Monchique, de Loulé, de S. Brás, de Albufeira, de Faro e de Olhão».
O Algarve reúne, realmente, condições excepcionais para um turismo em larga escala, mas não pude atingi-lo enquanto não surgirem iniciativas públicas e privadas, empreendimentos capazes de alterar a sua fisionomia actual em matéria de equipamento hoteleiro, de transportes, de comunicações.
A província do Algarve, para ser considerada no plano do fomento turístico, precisa, em primeiro lugar, tornar-se mais acessível, mais «próxima» dos grandes entroncamentos migratórios. Entalada entre o Alentejo e o mar, com serranias nuas e daninhas de permeio, os Algarvios sentem-se dominados pelo seu condicionalismo geográfico.
O seu magnífico portuguesismo, tão exuberantemente demonstrado ainda há bem pouco tempo quando da visita que o Chefe do Estado fez ao Algarve por ocasião da inauguração da barragem do Alvor, resiste à adversidade geográfica e espera e confia em dias melhores.
Chega a enternecer o amor e desvelo que o Algarvio mostra pela sua terra.
Exalta sistematicamente as virtudes dos seus filhos, proclama a beleza dos seus recantos como quem se ergue para alcançar uma evidência, uma irradiação e uma notoriedade que lhe traga mais ampla presença nacional e internacional.
O Algarvio está ciente e consciente de que detém um precioso património de turismo.
Os semanários regionais algarvios tocam sistematicamente, com uma perseverança digna de registo, o problema do turismo algarvio. Põem-no à frente das suas reivindicações como a expressão porventura mais viva da sua problemática regional.
Mas ao pôr o problema turístico estão, e bem, a assinalar implicitamente a necessidade de uma gama de soluções que constitui, a bem dizer, a sua infra-estrutura regional, elemento básico de toda uma economia.
O povoamento florestal, para a defesa do seu clima e da sua terra arável, que tão estreita e insuficiente se vai tornando para o agricultor, a conclusão do plano de irrigação hidroagrícola, o ordenamento da sua produção e comercialização frutícola, a defesa da sua actividade piscatória e conserveira, o alargamento da sua rede de esgotos e de electrificação, a maior frequência dos transportes ferroviários que ligam a província ao Norte, a construção de um aeroporto, de um porto acostável por barcos de grande calado, o instante pedido de construção de hotéis, são um conjunto de solicitações que denuncia um estado de coisas e de espírito a requerer desvelada atenção de quem possa impulsionar, em movimento ordenado e coordenado, a concepção e rápida execução de um plano de reordena mento da estrutura e infra-estrutura regional do Algarve.
Poder-se-á dizer, porventura com verdade, que hoje tudo se pretende resolver através de uma política de planeamento, mas o certo é que, quando se verifica a conjugação de factores como aqueles que concorrem no caso algarvio, a traduzir uma comunidade humana peculiar, caracterizadamente coesa na sua tradição de vida activa, há que olhar coordenadamente o quadro político regional como um todo interligado por estreito encadeamento de interesses, actividades e ocupações.
Quando se encontra, como no Algarve, uma comunidade humana tão definida e diferenciada, em que todos e cada um tom os olhos postos e a atenção presa às vicissitudes da sua unidade económico-social, pode encontrar-se, através da ordem política, um interlocutor qualificado e receptivo para cooperar, numa acção conjugada e objectiva, em ordem ao desenvolvimento harmónico regional.
Todo o algarvio sente no seu espírito e na sua fazenda, como se fora coisa de cada um deles, independentemente da actividade a que se dedica, o problema da pesca, o das conservas, o da fruticultura, o do turismo.
É possível e é indispensável, por isso, trazer as camadas responsáveis do Algarve, que tão generosa e meritòriamente contribuem em tantos sectores para o engrandecimento da Pátria, ao campo de uma mais íntima convivência com o sector público no sentido de estabelecer um planeamento regional ordenado e unitário.
Este é um dos pontos que se considera fundamental no quadro político-económico do Algarve como forma de ali fazer incidir um movimento mais eficaz do que aquele que avulsamente se suscita, tantas vezes ao sabor de factores de circunstância que não chegam a atingir o fulcro, o cerne da sua complexa problemática regional.
Sr. Presidente: propus-me tratar do problema hoteleiro do Algarve e deixei-me enlear pela problemática genérica da região. Fi-lo, porém, de caso pensado, na medida em que reconheço não ser possível nos dias de hoje confinar as nossas reflexões políticas e perspectivas imediatas.
Todos os exames de problemas económicos que envolvam dimensão à escala nacional devem articular-se na sistemática consideração dos factores regionais, na detida interpretação do meio humano onde se processa uma vida de relação intensiva, pela interdependência de interesses que lhe estão subjacentes. Aí estão os elementos básicos para polarizar e estimular a vontade e o comportamento activo dos particulares que se dispõem a suportar o risco dos empreendimentos de interesse nacional.
A presente, situação em matéria de hotéis e pensões na província do Algarve é verdadeiramente lamentável. Apenas 1 hotel de 1.ª classe, com 29 quartos, 18 dos quais com casa de banho privativa, e 2 hotéis de 2.ª classe, com um total de 81 quartos, dos quais sòmente 15 com casa de banho privativa.
Para além disto, apenas 28 pensões, sendo 2 de 1.ª classe, com um total de 50 quartos, dos quais com casa de banho privativa, 7 de 2.ª classe, com um total de 106 quartos, dos quais 5 com casa de banho, e 19 de 3.ª classe, com 208 quartos. A acrescer a este restrito e modesto elenco de unidades de alojamento apenas mais 1 estalagem, com 11 quartos e somente 1 casa de banho privativa.
Se, ao lado disto, observarmos o total de saídas e entradas de turistas estrangeiros que se verificou, por exemplo, no ano de 1957 pelo posto fronteiriço de Vila Real de Santo António, atingiremos um número da ordem dos 52 000.
Quantos por falta de alojamentos não permaneceram no Algarve?
O quadro é, na verdade, viva expressão de uma dolorosa insuficiência, que só um esforço gigantesco pode modificar.
É certo que estão em curso algumas iniciativas de incontroverso interesse para modificar o actual estado de coisas. Já se lhe chamou mesmo, com certa propriedade, «a operação Algarve».
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Em Albufeira, Armação de Pêra, Lagos, Monte Gordo, Portimão, Praia da Bocha, Vila Real de Santo António, Quarteira e Sagres os empreendimentos vão-se processando, quer por iniciativa dos particulares - em que tomam lugar de relevo os Algarvios -, quer por impulso de órgãos locais.
Se todos esses esforços de iniciativa suo de louvar e acarinhar, nem por isso devemos abstrair de algumas considerações que atrás se deixaram esboçadas.
Ainda há pouco tempo tivemos oportunidade de ler no Jornal do Algarve, que de há muito se vem dedicando com afincado interesse e pertinácia a estudar o problema turístico local, um judicioso artigo, subscrito por Rogério Bastos, focando a mesma ordem de apreensões que atrás já de algum modo ficou enunciado.
Na verdade, não podemos ver sem funda preocupação essa pluralidade de pequenas e grandes iniciativas fora de um enquadramento planeado numa época em que tudo deve revestir um sentido prático e objectivo, em que os movimentos da própria iniciativa privada se derem processar ordenadamente segundo programas de orientação capazes de evitar a delapidação dos capitais e o estiolamento dos esforços no campo aberto de uma concorrência inconsiderada.
A multiplicidade de pequenos concelhos com réditos insuficientes, a visão restrita de um subregionalismo, que tende quantas vezes a sobrepor-se à perspectiva ampla da comunidade provincial, não podem manifestamente servir os grandes objectivos que se pretendem alcançar.
A fluidez da oferta de serviços turísticos dentro do Algarve, em que cada praia ou cada recanto se pretende arvorar em fulcro de turismo regional, numa luta estiolante entre empresas concorrentes débeis, sem aquela emulação sadia e vigorosa - que, essa sim, é preciso cultivar -, há-de, por força, vir a produzir um desgaste de iniciativas e dos capitais investidos, pelo espaço limitado e acanhado em que cada uma pode projectar-se.
Para evitar esses perigos e para a própria Administração poder actuar localmente com eficiência é indispensável personalizar a região de turismo do Algarve, estruturando-a num órgão local verdadeiramente representativo, ao mesmo tempo que coordenador das iniciativas capazes de fazer do Algarve um grande elemento de apoio do turismo nacional.
A esse órgão, que a lei, aliás, prevê, deverá competir justamente, em estreita cooperação com o Secretariado Nacional da Informação, a definição da coordenada regional, a estruturação de um plano de investimentos hoteleiros que sirva efectivamente a província no seu conjunto económico-social. Através dele poder-se-ia facilitar a promoção de uma política de turismo regional objectiva e consequente. Seria naturalmente o interlocutor local qualificado com quem a Administração Central poderia e deveria tratar.
Os problemas de infra-estrutura que o turismo algarvio suscita e solicita poderiam ser identificados e enfrentados por esse órgão - que não seria mais do que unia das comissões regionais de turismo previstas na alínea c) da base V da Lei n.º 2082 - em estreita colaboração com os serviços do Estado.
É certo que estes precisam também adaptar-se à nova conjuntura da política de turismo, sabido como é que esta ' exige uma intervenção sistemática e um comportamento activo da Administração no sentido de salvaguardar a reputação colectiva do País.
Importa, efectivamente, reestruturar os serviços centrais que se ocupam do turismo, dando-lhes maior evidência e perspectiva orgânica em termos de lhes proporcionar mais extensa e penetrante acção polarizadora, orientadora e coordenadora.
Quando assim modelados e coadjuvados por um fundo de turismo financeiro e funcionalmente apto, esses serviços poderiam promover uma política de turismo mais consentânea com a transcendente importância do problema, a solicitar constante desvelo e atentos e simultâneos cuidados de vários sectores da Administração.
A maior presença funcional dos serviços centrais do turismo dar-lhes-ia, por outro lado, mais autoridade para actuar junto da comissão regional e com ela, em estreita cooperação, estudar e planear zonas de concessão, incentivar iniciativas locais, nacionais e internacionais.
Enquanto se deixar viver o Algarve sob o impulso caprichoso de iniciativas mais ou menos generosas e mais ou menos ousadas de quem se deixa possuir pelo sentimento da afectividade do seu pequeno mundo, do seu limitado recanto, na praia ou no lugar serrano onde viveu a sua juventude, não se estará a enfrentar o seu problema turístico, Estará, sim, a deixar processar-se um movimento que tende a perder-se na frustração de alguns ou de muitos microempreendimentos, a que faltará um mínimo de condições de exploração económica.
Encaminhar os capitais nacionais e estrangeiros e dar-lhes perspectivas de reprodutividade dentro de um condicionalismo tecnológico previamente estabelecido na coordenada do interesse nacional e local constitui imperativo forte do nosso tempo em plano de economia de mercado. É este, aliás, o grande princípio orientador do II Plano de Fomento. Pena é que este não tenha abrangido o turismo, que bem poderá ser em breve a primeira indústria nacional.
Acresce ainda, e como já atrás se acentuou, que o mercado do turismo não pode confinar-se aos nacionais. O fluxo, tanto quanto possível, regular e programado de estrangeiros torna-se uma necessidade instante.
Para obtê-lo é necessário, insiste-se, atrair ao nosso meio o interesse e os capitais das grandes empresas hoteleiras que, com larga experiência, vivem e participam activamente no mercado internacional. E isto não quer significar que se lhes outorguem poderes que possam traduzir-se em perigoso domínio económico. Nesta matéria há-de prevalecer sempre o interesse nacional. Essas organizações, repetimos, são os grandes elementos motores do movimento turístico, e são elas que asseguram a regularidade da visita de estrangeiros, pois têm ao seu serviço a força activa das mais representativas agências do turismo internacional, sempre dispostas a encaminhar os seus clientes para os destinos que o interesse comercial lhes impõe ou aconselha.
O numerário, a técnica, o próprio mercado de que dispõem essas organizações, serão a melhor garantia de larga contribuição para a nossa balança de pagamentos, mesmo que isso nos custe o refluir para sedes sociais distantes de alguns valores monetários - e bom sinal seria - decorrentes da sua actividade em Portugal. Mas alguma coisa, mas muito, porventura, ficará em Portugal e servirá os Portugueses, sobretudo se os nossos empresários souberem consociar os seus esforços e os seus capitais com a técnica e a aptidão dos mais experimentados, ao mesmo tempo que a nossa escola de hotelaria for preparando cada vez maior número de profissionais aptos e qualificados. Estamos convencidos de que muito há ainda a fazer no sentido de impulsionar o desenvolvimento do nosso turismo através de concessões condicionadas de zonas turísticas, em que os interesses regionais e nacionais podem ser zelosamente resguardados. E isto reveste hoje especiais possibilidades na medida em que alguns países têm taxas de investimento elevadíssimas, que
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tendem a saciar os respectivos mercados. Por isso mesmo, algumas empresas estrangeiras procuram zonas ou países menos evoluídos, justamente para alargar o seu circuito económico, já que no seu próprio meio há como que uma saturação que lhes dificulta a continuidade do seu movimento expansivo.
E penhor do exposto a recente visita de uma missão oficial alemã, que se deslocou a Portugal e percorreu detidamente o Algarve, em ordem a estudar um programa de investimentos hoteleiros naquela província.
A exploração do turismo internacional exige uma larga perspectiva de acção, para a qual não estamos, ainda, porventura, preparados.
Todos não sumos de mais para promover um impulso de acção, que quereríamos ver partir da articulação harmónica da iniciativa e cooperação de portugueses com estrangeiros que nos oferecessem a garantia suficiente do respeito pela nossa independência política e moral.
Não será isto possível ensaiar e activar no domínio da província do Algarve, que aguarda ansiosamente o seu restabelecimento económico, .tão comprometido hoje pela depressão das suas actividades tradicionais?
Um apontamento desejo ainda formular relativamente ao fomento do turismo no Algarve.
A oportuna criação de uma zona de jogo naquela província, que, aliás, já existiu, poderia vir a despertar, em fase mais evoluída do respectivo equipamento hoteleiro, o interesse de muitos turistas estrangeiros, designadamente dos espanhóis que procuram em regiões distantes essa derivação recreativa.
Não se poderia ali ensaiar um regime de exploração do jogo que fizesse canalizar exclusivamente para um fundo de desenvolvimento turístico regional, ou mesmo para o Fundo de Turismo, os resultados financeiros dessa exploração?
Não se poderia adoptar para esse efeito um tipo de gestão directa ou indirecta de um órgão da Administração Central ou local?
Por extremamente delicado e passível de larga controvérsia, nunca tocaria este problema se não fora o facto de existirem noutros pontos do País zonas de jogo autorizadas que são exploradas num domínio predominantemente comercial.
Mas se esta situação se verifica e se o interesse do jogo não desaparece, infelizmente, pela sua simples proibição - sendo por isso uma triste realidade a considerar -, convertamo-lo, ao menos no Algarve, numa fonte de réditos que sirva integralmente o interesse geral.
Deixo esta nota posta mais como uma interrogação do que como uma sugestão.
Tenho conhecimento de que o Secretariado Nacional da Informação tem projectados um ambicioso e bem delineado programa de investimentos hoteleiros e uma profunda revisão da 'estrutura financeira e administrativa do Fundo de Turismo, ao qual está reservado transcendente papel no fomento de iniciativas privadas e públicas.
Daqui reafirmo ao Secretariado o meu reconhecimento de português pela acção já realizada em prol do desenvolvimento turístico, esperando e confiando que prossiga activamente o rumo que a si próprio traçou.
Ao Governo, na pessoa do ilustre Ministro da Presidência, a quem o País já tanto deve em serviço e devoção pela causa nacional, dirijo viva solicitação no sentido de promover as mais adequadas providências com vista ao desejado incremento do turismo algarvio.
Quando se fala de problemas do Algarve e da acção ali realizada pelo sector público, não pode deixar de lembrar-se essa extraordinária personalidade de Ministro e de homem que é o engenheiro Arantes e Oliveira.
A sua devoção por aquela província, a atenção e o escrupuloso cuidado que lhe merecem os seus problemas, deram-lhe jus à profunda estima e à alta consideração que lhe dedicam todos os algarvios.
Desse grande Ministro, que, por sua irradiante simpatia humana e firmeza de acção, conquistou o coração e o reconhecimento de todos quantos se interessam pelas coisas públicas, continua o Algarve a esperar a dádiva do seu fecundo labor para continuar a dedicar aos problemas que o fomento turístico da província suscita aquela presença activa a que tão generosamente o habituou.
O que se disse e sugeriu mais não foi do que modesta contribuição para evidenciar quanto o Algarve sente e reconhece poder oferecer, com as suas excepcionais condições naturais, para o desenvolvimento do turismo nacional.
Há hoje, infelizmente, é certo, a viciosa tendência de pedir ao Estado mais do que lhe compete no domínio de um regime de economia de mercado.
Esperemos, porém, que o espírito dos homens de boa vontade, nacionais ou estrangeiros, se manifeste no sentido de congregarem os seus esforços em termos de imprimir à reconhecida potencialidade turística do Algarve um cunho de efectiva acção e realização.
É praza a Deus que pelo melhor dos recursos locais, as iniciativas se desenvolvam e floresçam, para que efectivamente se eleve o nível de vida dos Algarvios.
Sr. Presidente: seis conclusões são de tirar de todo o exposto:
1.º A transcendente importância que o turismo internacional pode assumir no domínio económico nacional aconselha a promover uma política de rasgada perspectiva e ampla coordenação.
2.º As exigências de reprodutividade dos investimentos hoteleiros e o próprio interesse geral do nosso crescimento económico impõem que se convolem, mais intensamente, no fomento do nosso turismo os capitais e a técnica das grandes organizações hoteleiras internacionais, no sentido de estimular o aumento progressivo das correntes de turistas estrangeiros para o nosso país.
Para isso:
3.ª Importa que os serviços da Administração Central que se ocupam do problema, apoiados por um Fundo de Turismo mais bem dotado, sejam reestruturados em termos de se lhes conferir maior evidência orgânica e funcional, ao mesmo tempo que mais larga flexibilidade de acção e poder de iniciativa.
4.º O caso turístico do Algarve, pelas suas singulares possibilidades naturais, merece ser especialmente tratado no quadro de um programa urdido sob o signo de convivência sistemática entre os serviços da Administração Central e um órgão local activo e representativo, apto a proporcionar a visão global e harmónica dos problemas da província.
5.º É preciso, através de acção adequada, que se corrijam os inconvenientes de uma pulverização desordenada de iniciativas de investimento hoteleiro, seleccionando-as e enquadrando-as em plano de conjunto, designadamente no que respeita ao seu regime de exploração.
6.º Admite-se, finalmente, que o estudo e definição de zonas de concessão turísticas, subordinadas a um condicionalismo tecnológico e a um prévio ordenamento de infra-estruturas, possam contribuir decisivamente para o desenvolvimento harmónico da economia regional algarvia.
Sr. Presidente: o mar algarvio, se está avaro na dádiva do peixe, mantêm-se generoso na presença da ame-
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nitude que confere n terra que abraça desde Sagres a Vila Real.
Ali reside, ainda em simples potência, uma das grandes riquezas turísticas do Pais.
Saibamo-la aproveitar, em orientação ordenada e persistente, sem nos deixarmos seduzir, nem por um comopolitismo descaracterizado, igual em todos os lugares e latitudes, nem por um regionalismo estreito e economicamente inviável. No meio termo está a virtude. Saibamos encontrá-lo na consideração dos factores que melhor sirvam o interesse regional e nacional.
São estes os meus votos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Fernandes: - Sr. Presidente: há poucos dias que o diário portuense Comércio do Porto lamentava o esquecimento a que eram votadas as terras do Norte d» País quando se elaboravam roteiros turísticos para conhecimento e difusão no estrangeiro.
O facto é verdadeiro e, por isso, bastante de lamentar. As regiões nortenhas das Beiras e Trás-os-Montes sofrem do fatalismo dos paralelos que as situam longe do Terreiro do Paço.
Os benefícios, quando lá chegam, parece que se vão diluindo pelo caminho, e ainda não surgiu a ocasião propícia para se encarar o problema da valorização dessas terras bem portuguesas, habitadas por gente de indefectível e são patriotismo e toda ela exaltando a obra magnífica das últimas décadas, embora tenham sido contempladas com um quinhão mínimo.
Sem indústria de relevo, com uma agricultura depauperada, nem sequer ainda viram ao menos salientado, definido e aproveitado o seu tesouro turístico, ainda desconhecido da maior parte dos visitantes que, abaixo de determinado paralelo, perdurem o País de lés a lés.
Salazar afirmou um dia que se «são abertas de par em par as fronteiras e que é sempre obsequiosa a hospitalidade portuguesa».
Assim é, de verdade, e nada haverá que supere a acolhedora hospitalidade das gentes das Beiras e Trás-os-Montes.
Entretanto, o ferrolho oficial ainda não se abriu suficientemente para franquear aos turistas essas regiões panorâmicas sem par e detentoras de um excelente recheio artístico.
Embora a construção de pousadas represente um esforço no sentido da atracção turística, não poderão elas, só por si, atrair o que viaja.
Impõe-se a reparação total das principais vias de comunicação e apresenta-se como indispensável o estudo de roteiros turísticos completos e aliciantes, com a necessária difusão, dentro e fora de fronteiras.
No II Congresso Nacional de Turismo, o dinâmico secretário nacional da Informação, que teve uma fugaz, mas fulgurante, passagem por esto Casa. anunciou que o Secretariado pensava em dotar as capitais de distrito e outras localidades turísticas importantes de hotéis de turismo.
Na verdade, não pode haver turismo onde não exista um hotel acolhedor que receba todos quantos se deslocam através das estradas de Portugal.
Por outro lado, a Lei n.º 2082 permite que o mesmo Secretariado tome a iniciativa da criação de regiões de turismo que orientem, aproveitem e divulguem as belezas turísticas dos vários concelhos.
Ora, sem menosprezar os interessantes aspectos turísticos de outras regiões nortenhas, há que sugerir a criação, desde já, da região turística da Beira-Douro,
tendo por cabeça a linda e vetusta cidade de Lamego, e que o Século, com tanta propriedade, exaltou há dias.
Essa região poderia ser constituída pelos concelhos de Lamego, sede da região, Resende, Armamar, Tarouca, Moimenta da Beira, Tabuaço, S. João da Pesqueira, Penedouo e Sernancelhe, pois Iodos eles têm motivos históricos, artísticos e panorâmicos que merecem um mais amplo e pormenorizado conhecimento.
Ainda há bem pouco tempo que um ilustre membro do Governo me afirmava que Lamego ora bem uma cidade-museu. por virtude dos artísticos monumentos nacionais que encerra e o número, ainda maior, de edificações particulares armoriadas e de traça arquitectónica de grande beleza.
Possui uni museu de real valor artístico, seja pelos seus quadros, seja pelas suas ricas tapeçarias, a colecção mais rara e valiosa do País.
E se da parte arquitectónica derivarmos para a panorâmica, há que concluir que a natureza foi pródiga nos seus abundantes benefícios a esta região.
Desde o termo do concelho de Resende até Lamego, ao longo de cerca de 00 km, percorre-se uma encantadora estrada, permanentemente debruçada sobre o rio Douro, que corre no fundo das altas montanhas que o ladeiam.
Logo que se encontre concluída a estrada marginal Porto-Entre os Rios, ela será o traço de união entre o Norte do País e a fronteira, em Vilar Formoso, por mais curta e de encantadora panorâmica.
E para que o turista possa rodar, com prazer, por essa admirável região bastará reparar o troço de estrada do Resende-Lamego, ao presente em deplorável estado, e outro de Moimenta da Beira-Ponte do Abade, na estrada nacional n.º 226, já que o ilustre titular das Obras Públicas, a quem Lamego tanto deve, honrou a promessa feita de reconstrução do troço que vai desta cidade a Moimenta da Beira, em vias de conclusão.
O Sr. José Sarmento: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Tenha a bondade.
O Sr. José Sarmento: - A estrada de Lamego a Resende, que tão bem conheço, encontra-se num estado de conservação deplorável. Considero-a mesmo como uma das estradas pior conservadas do País.
Através dela faz-se um tráfego intensíssimo de mercadorias que se dirigem, via Lamego, para a estação da Régua, visto todas as freguesias dessa zona estarem separadas da, linha férrea pelo vale escarpado do Douro.
Do ponto de vista paisagístico, essa estrada é considerada, por quem conhece todas as estradas de Portugal e desempenha, na nossa Administração papel de grande relevo, uma das mais belas do País. A ela se referiu elogiosamente, em Jornadas de Portugal, o grande prosador que foi Antero de Figueiredo.
O Orador: - Ainda há poucos dias, dado o estado lastimoso em que essa estrada se encontra, se deu lá um desastre que mandou para o hospital vinte e tantas pessoas.
E se o ritmo de trabalhos na estrada nacional n.º 2, entre Viseu e Lamego, for acelerado, poderão todos quantos tenham o prazer de viajar dar por bem empregado o passeio por uma região de maravilha, até agora quase desconhecida.
Mais se valorizará a região se for dada execução ao plano rodoviário de 1945, abrindo-se novas estradas de penetração, do maior interesse para a economia e
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turismo da mesma região, nomeadamente as estradas Lamego-Tabuaço e Tarouca-Vila Nova de Paiva.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seria fastidioso, Sr. Presidente, fazer o inventário artístico e panorâmico da região.
Não me furto, porém, a uma rápida digressão itinerante nela.
Quem de Vilar Formoso se dirigir ao Porto terá oportunidade de contemplar as interessantes fortificações de Trancoso, admirar o monumento único da ponte fortificada da Ucanha, berço esquecido do sábio Dr. José Leite de Vasconcelos, visitar os Conventos de Salzedas e de S. João de Tarouca, onde sobressaem os
Quadros de Grão-Vasco, descer à Capela de S. Pedro e Balsemão, nos arredores de Lamego, contemplar o excelente recheio artístico que esta cidade apresenta, subir ao alto do majestoso Santuário e Parque dos Remédios, visitar o Mosteiro de Cárquere, em Resende, etc., e ir admirando os soberbos panoramas que se vão desbobiuando perante os olhos maravilhados do viajante.
E, se o desejar, ainda pode o turista fazer uns ligeiros desvios para admirar o Castelo de Penedono, o Convento das Águias, em Tabuaço, e a igreja românica de Armamar.
£111 Lamego, como centro irradiante desta região, para complemento do esforço a despender na sua valorização turística, deverá ser instalado um hotel confortável e acolhedor, que dê a quem por ali passe a possibilidade de se deter e permanecer.
Só assim se encontrará uma pequena compensação para suprir a falta de uma indústria de vulto e de uma exploração agrícola rendosa que dessem aos seus habitantes um melhor nível de vida.
As regiões nortenhas, Sr. Presidente, tem sabido esperar com a melhor das paciências, mas o surto do progresso que se verifica na maior parte do País começa a inquietá-las e leva-as quase a jurar que o tal paralelo geográfico, impeditivo do seu progresso, existe na verdade.
Que se faça uni esforço no sentido de dar satisfação aos anseios dessas regiões e que o ilustre secretário nacional da Informação tome a iniciativa de dar corpo aos desejos .prementes da gente da Beira-Douro, possibilitando-lhe melhor nível de vida através da cuidada exploração de uma riqueza até agora quase ignorada.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre o abastecimento de água das populações rurais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Simões.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: a conhecida posição que, desde o início da minha vida parlamentar, entendi dever tomar nesta Câmara perante os problemas da nossa ruralidade, não me consentiria apenas uma atitude de tácito aplauso à proposta de lei em que se estrutura a solução de um desses mais ingentes problemas, qual seja o do abastecimento de água às
Mias populações, e de apagada concordância com os valiosos depoimentos que, em sua apreciação e louvor, outros, com inexcedível brilhantismo, já produziram nesta tribuna.
Não me podia sofrer o ânimo que deixasse de vir expressar o meu júbilo quando verifico que, finalmente, o direito fundamental ao abastecimento de água limpa e abundante para todos os fins de um viver civilizado e digno das gentes dos nossos centros rurais parece ter ultrapassado os limites da legítima expectativa em que se tem mantido, para obter o reconhecimento e a consideração em categorizado documento oficial da alta estirpe do II Plano de Fomento, já em vigor.
E, sem embargo de saber de ciência certa que não foram os meus pobres apelos, aqui tão repetidamente lançados nesse sentido, alguma das causas determinantes desse reconhecimento, nem por isso experimenta qualquer diminuição a grandeza do meu contentamento.
Sendo testemunha, qualificada por longo e difícil servir os meios rurais no governo de um dos mais pequenos concelhos do meu distrito de Coimbra, que é destacado paradigma de necessidades, da abnegada devoção do Sr. Ministro das Obras Públicas e do escol de competentes técnicos do seu Ministério à nobre causa da dignificação total da vida rural, e conhecendo, até pela minha directa observação, muitos dos triunfos que vão ganhos em tal sentido, sei perfeitamente que só àquele ilustre governante se fica a dever essa expressiva vitória nacional, e por isso, sob o mais elementar mandamento da justiça, lhe quero endereçar a justa homenagem de agradecimento que lhe pertence de pleno direito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E classifico tal reconhecimento de expressiva vitória nacional porque, Sr. Presidente, através dos preciosos ensinamentos do completo e exaustivo estudo da situação do País perante os abastecimentos de água às populações rurais, elaborado pelo Sr. Director dos Serviços de Salubridade da Direcção-Geral de Urbanização, engenheiro Macedo Santos - um técnico competentíssimo, a quem não me é lícito deixar de felicitar também por tão completo trabalho -, ficou absolutamente demonstrado que, se houvesse deixado finalmente de considerar tais abastecimentos, o II Plano de Fomento enfermaria de lacuna de intransponível profundidade, que lhe roubaria parte importante do seu muito reconhecido valor.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por isso me causou certa estranheza, devo confessá-lo agora, como já o fiz notar, aliás, na altura própria, que as poderosas realidades do estado de carência que ficaram amplamente denunciadas não tivessem imposto, desde o primeiro momento das conferência» de estudo daquele Plano, a inclusão nele das verbas necessárias para a atenuar, considerando-se o legítimo e fundamental direito a água das gentes do meio rural pelo menos em paridade com outros empreendimentos a que se atribuiu a virtude incontestada e uma decisiva influência na melhoria das condições de vida dos Portugueses.
E que, sem água limpa e abundante, «boa, água, espelho da saúde», e muita água, «sangue da terra», na feliz expressão do aludido estudo, não se pode conceber qualquer efectivo melhoramento da vida rural, nem esperar aumento da produtividade do solo a que se pede e de que se espera o pão de cada dia.
Desprovido desse elemento vitalizador e indispensável, perde o torrão todo o seu natural aliciamento, e, por
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nada ou quase nada ter para oferecer aos seus filhos, impele-os a trocarem-no por outros onde a vida é, aparentemente, menos dura ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Lá, porém, onde tudo faltava, a vida não tinha o sentido de um mínimo de dignidade ... Ora sem essa dignidade, natural ambição de todas as gentes pela qual é forçoso trabalhar, os conceitos de progresso e civilização não podem encerrar o sentido social que lhes pertence e o mal-estar e o sofrimento das infra-estruturas - se for licito chamar «infra-estruturas» à parte menos favorecida do capital humano da Nação - acabam sempre por atingir tom gravidade o aparente esplendor das grandes coisas e dos grandes empreendimentos.
Política que desconhecesse tais princípios acabaria por forjar, como na antiguidade babilónica, uma estátua de corpo esplendoroso, mas com pés de frágil argila ...
A proposta de lei que está em apreciação, tão ansiosamente aguardada e com. tanto júbilo recebida, ao denunciar o claro intento de fomentar o melhoramento da vida local com abastecimentos de água dentro dos padrões da civilização dos nossos dias, envereda pela política que melhor serve o alto interesse nacional que a ditou.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E para bem se avaliar da necessidade de uma vigorosa política de realizações tendentes ao melhoramento apontado, para se aquilatar do atraso considerável a que nos deixámos chegar, basta considerar que, pelo condicionalismo agora vigente e à sombra do seu ritmo retardado, sem embargo do incontestável valor da obra realizada nas últimas décadas, ainda na actualidade muito mais de duas dezenas de milhares de povoações se debatem com os muitos problemas emergentes do inexistente ou defeituoso abastecimento de água, sendo até. volumoso o número daquelas que só podem dispor do preciso líquido através de obsoletas e trágicas fontes de chafurdo, que são verdadeiras e repugnantes antecâmaras da doença e da morte.
Ora, demonstrado ficou pelo consciencioso estudo referido, cuja seriedade é manifesta, que, na actual cadência de realizações, haveriam de decorrer mais de duas centúrias antes que se atingisse o estádio de melhoramentos que se mostra necessário atingir em tempo conveniente.
Esse ritmo, traduzindo o impulso fornecido pelo investimento anual de cerca de 25 000 contos, se for aumentado apenas para 40 000 contos, como a proposta indica, deixará demonstrado ser ainda necessário o decurso de pouco mais ou menos oito ou nove décadas para se chegar a um certo equilíbrio.
Não importa, porém, tomar ao pé da sua expressão a duração desses prazos; o que, na verdade, mais interessa considerar é que não é lícito minimizar o conjunto de problemas do abastecimento de água às populações rurais, por eles concernirem à própria estrutura da vida nacional, dado que a condicionam a mais de metade da nossa população.
Estas ligeiras considerações mostram com clareza que o financiamento previsto para os seis anos do vigência do II Plano de Fomento, no total de 320 000 contos, não permitirá realizar o conjunto de trabalhos que se deveriam executar para que os índices da apontada carência experimentem a queda de valor que se impõe.
Não se esqueça que a proposta de lei que se discute apenas considera as povoações com mais de 100 habitantes, deixando ainda no seu primitivismo ou entregues à sua abominável míngua todas aquelas cuja população é inferior, e suo mais de dezena e meia de milhares ...
A insuficiência do investimento anotado mais avulta quando se considere que, segundo a lição dos dados oficiais, obtidos com cautelosa observância das realidades, se tornam necessários aproximadamente 2 750 000 contos para se levar a cabo, dentro dos moldes agora fixados, o previsto abastecimento das povoações com mais de 100 habitantes que, em número de 11 200, se arrolaram na metrópole e nas ilhas adjacentes.
Se para a conclusão deste abastecimento se quiser fixar um período de dezoito anos de administração, isto é, se se quiser repartir por três Planos de Fomento - o que parece perfeitamente ajustado a um ritmo cauteloso de realizações -, seria necessário que em cada Plano se investissem cerca de 900 000 contos, ou sejam 150 000 contos por cada ano de vigência.
É efectivamente muito grande a diferença ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A insuficiência do investimento previsto mereceu também o justo reparo da Câmara Corporativa, como se alcança do seu douto parecer.
Ali se faz notar que, destinando-se cerca de 6009 coutos da verba anual de 40 000 contos as despesas do inventário hídrico do País com vista a conhecerem-se as possíveis origens da água a captar e à elaboração da projectos para obras, restará apenas uma disponibilidade mensal de 34 000 coutos para efectivo fomento das obras, o que, ao cabo e ao resto, se traduz em aumento muito pouco sensível das dotações previstas no regime anterior.
O facto torna altamente desejável que sejam devidamente consideradas as disponibilidades nacionais em ordem a um aumento substancial dos auxílios do Estado aos que com ele irão colaborar na conveniente execução deste importantíssimo capítulo do II Plano de Fomento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O exame do programa geral dos seus investimentos e da estimativa da repartição dos encargos deixa antever a possibilidade de, sem grandes mutações, se fazerem convergir para a aceleração da patriótica campanha do abastecimento de água às populações rurais os meios indispensáveis.
Não faria sentido que, perante necessidades essenciais de tanta monta para satisfazer, se desviassem os recursos nacionais da sua missão específica de as mitigarem se as não puderem resolver completamente, colocando-os a criar outras riquezas que seriam sempre incompletas por não deixarem estabilizadas as condições de vida daqueles a quem se destinam.
O voto da Câmara Corporativa para que se reforce até aos convenientes limites a verba que se deixou referida representa, assim, mais do que uma valiosa sugestão, o instante apelo da própria consciência nacional, dolorida perante o mundo de inibições que lhe foi dado conhecer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vem a propósito considerar de seguida, ainda que com a leveza que se impõe, a posição das câmaras municipais - que são os organismos específicos
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da execução desta importante parte do Plano de Fomento.
Gomo muito bem e muito justamente se observa no douto parecer da Câmara Corporativa, o atraso a que já se fez referência no tocante aos abastecimentos de água às populações rurais não significa, de nenhuma maneira, qualquer desinteresse das autarquias que as servem.
Indica esse parecer que pendiam nas direcções distritais dos serviços de urbanização, em Outubro de 1958, nada menos de 485 pedidos de comparticipação do Estado para tais obras, e tira do facto a ilação de que tal situação só se tornou possível por falta de dotações orçamentais para ocorrer a todos os pedidos feitos.
Sem embargo de tal número, no seu já grande valor, documentar suficientemente a afirmação emitida, ele ainda não reflecte a verdadeira posição do problema.
Na verdade, a acumulação de dificuldades resultante da insuficiência das dotações restringiu substancialmente a capacidade fomentadora que o Ministério das Obras Públicas criou através de uma notável plêiade de técnicos a que já se fez a merecida referência. Colocado assim na impossibilidade de satisfazer todos ou a maior parte dos pedidos de comparticipação que lhe têm sido dirigidos, viu-se este departamento na dura necessidade de elaborar planos de trabalho muito restritos nos quais escalonou por vários anos a sua comparticipação nas obras consideradas, com o fim de não deixar sem provimento um maior número das mais instantes necessidades que ali se tornaram conhecidas.
Desta sorte, como condição sine qua da atribuição de uma fragmentada e, às vezes, pulverizada comparticipação do Estado pelos fundos manobrados por aquele Ministério, passou a estar a sua inclusão nos planos de trabalho.
Essa inclusão, porém, também se deixou dependente, no geral, da apresentação de um projecto cuja complexidade e formalismo o convertem em cara iniciativa, por exigir trabalho de especializados técnicos, aos quais, desde logo, se torna necessário solver a sua remuneração, na qual o Estado também comparticipará, mas somente quando a obra venha a ser considerada.
Tornou-se, por isso, necessário à entidade peticionária da comparticipação, quase sempre uma câmara municipal, fazer um adiantamento cujo reembolso não podia saber quando seria feito.
Iniciou-se então um tremendo círculo vicioso; sem projectos não há possibilidade de se obterem comparticipações, mas sem a imediata comparticipação do Estado também é extremamente difícil mandar elaborar os projectos.
Neste pé de intransponível dificuldade, e como sua necessária consequência, abrandou extraordinariamente o ritmo dos pedidos de comparticipação; e por tal forma que o aludido número, que tão justamente impressionou a Câmara Corporativa, a não terem surgido as dificuldades apontadas, apresentaria hoje uma expressão ainda mais aterradora.
É claro que, mesmo assim, tal número é suficientemente eloquente quanto ao interesse das câmaras municipais pelos abastecimentos de água às suas populações.
Mas da situação apontada ainda se pode e deve tirar uma outra e importante ilação, que é a da tremenda debilidade financeira das câmaras municipais, tantas vezes aqui denunciada e comentada.
Colocadas dentro do acertado condicionalismo da lei, que, sem lhes permitir as possibilidades adequadas e suficientes, lhes impõe, além do mais, as pesadas responsabilidades de muitos dos encargos gerais da Nação, antes de lhes consentir a solvência dos seus próprios, a grande maioria das câmaras municipais está inibida de empreender mais do que uma limitada acção administrativa.
Não cabe examinar agora com detalhe o problema que de todos se tornou amplamente conhecido.
Bastará afirmar que a situação financeira dos municípios é hoje, como já o ora ontem, de verdadeira e angustiosa inibição.
Esta verdade não podo ser iludida nem desconsiderada, se se quiser trabalhar dentro do mandamento das realidades para se alcançar a obra que se impõe. Não será com autarquias inoperantes, por destituídas de pujança financeira, que se podem vencer certos atrasos da vida nacional, entre os quais avulta o que se observa nos abastecimentos de água às populações rurais.
Sendo assim, a estrutura da obra de cunho eminentemente nacional de que nos dá conta a proposta de lei em apreciação, para não ficar desde logo condenada à contaminação dos mesmos males que pretende curar, tem de ser preservada de todas as artificialidades em relação ao poder financeiro dos municípios, que são os mais categorizados executores dessa obra.
É por isso, Sr. Presidente, que me não satisfaz inteiramente o regime estatuído na proposta.
Quanto à comparticipação não reembolsável do Estado nos custos dos empreendimentos, merece o mais rasgado aplauso a ideia de a fixar na razão inversa das possibilidades do município peticionário, dado que tal sistema, representa uma justa nivelação dos valores de realização.
Ficarão colocadas numa paridade muito necessária com as mais favorecidas as câmaras municipais cujos recursos, por muito minguados, as privariam de poderem competir nas despesas das obras.
Ë que, entendendo-se que devem ser incluídos na global economia dos empreendimentos não somente os custos da captação e adução da água, mas ainda a sua efectiva distribuição domiciliária e os custos dos ramais e contadores para os lares dos mais pobres - o que representa uma das mais valiosas facetas do novo regime -, estes empreendimentos terão de ser de custo necessariamente elevado.
Desta sorte, as empobrecidas finanças de tantos dos nossos municípios, vergadas ao invencível poder da sua míngua, obrigariam ao desinteresse pelas obras se não lhes tomasse em conta a sua posição. Às populações veriam passar para outros mais favorecidos o melhoramento de que tanto carecem e o atraso continuará, com o seu vasto cortejo de inconvenientes.
Como a necessidade de fomentar ao mais alto nível toda a dignificação de vida local não se compadece com qualquer inibição perante uma obra indispensável, entendo que o auxílio do Estado, partindo dessa irremovível verdade, deve tornar essas obras exequíveis, suprindo efectivamente a incapacidade financeira do município nela interessado.
Na medida em que o coeficiente das comparticipações do Estado se deve restringir para os mais ricos, deve ser elevado até ao máximo quando as necessidades o imponham.
É o interesses nacional que assim manda.
No que concerne à autorização para que as câmaras municipais se socorram dos empréstimos da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência para conseguirem a parte que lhes ficará a caber na execução do programa previsto também se me afigura de conveniência um ligeiro reparo.
O sistema de abastecimentos domiciliários, com efectiva e simplificada entrega de água nos lares rurais preconizado na proposta de lei, representa uma consi-
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derável melhoria de rendimento, não só pelo volumoso cortejo de inconvenientes que vai banir - faltas de higiene, perdas de tempo, etc. -, como ainda pela rentabilidade dos empreendimentos.
Sem embargo, é naturalmente mais dispendioso, tornando, por isso, mais elevados os empréstimos a contrair.
Desta sorte, a manter-se o travão do «quinto limite» do artigo 674.º do Código Administrativo, imposto u capacidade financeira passiva das câmaras municipais perante o crédito oficial, e a persistir-se nas onerosas condições em que este é concedido pelo seu organismo específico - a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência -, que, exigindo amortização em vinte anos a uma taxa de juro de 4 por cento, os eleva a cerca de 7,35 por cento, deixar-se-ão os corpos administrativos praticamente inibidos, como até agora o têm estado, de serem a força realizadora que o forte interesse nacional impõe que sejam.
E até seria bom não esquecer que as importâncias emprestadas por este organismo mais não são do que o próprio dinheiro dos erários municipais, obrigatoriamente entregue à guarda daquela Caixa e pelo qual ela não paga em média mais do que 1/4 por cento ao ano.
Para investimentos que, ao cabo e ao resto, representam também aumento de receitas públicas, pela sua saliente produtividade futura, hemos de concluir que não é nada modesto o ganho exigido.
Seriamente comprometida ficaria a obra que se pretende realizar. Tão poderosa inconveniência ficará, porém, sensivelmente atenuada com a emenda prevista pela Câmara Corporativa, desde que lhe seja dada uma nova e mais apropriada redacção.
O banimento do limite do artigo 674.º do Código Administrativo para os empréstimos possibilitadores da realização das obras do abastecimento de água impõe-se como medida do maior alcance.
Na verdade, se se pretende colmatar a reconhecida carência financeira dos municípios para colaborarem na realização dos vastos planos destas obras com a possibilidade de contraírem empréstimos no referido organismo oficial, essa possibilidade, como remédio quase único para tão grande mal, não pode ficar condicionada por forma tão estreita que para a grande maioria dos corpos administrativos se torne em sonho irrealizável.
De antemão se sabe que, no regime de limitação do citado artigo 674.º do Código Administrativo, as diminutas receitas ordinárias que muitos cobram em cada ano não lhes consentiriam obter por empréstimo as verbas indispensáveis para custearem a parte que lhes cabe nas obras que se tem de executar.
Sem possibilidade de lançar mão de qualquer outro recurso, ficariam então submetida» ao terrível suplício de Tântalo ...
É tão evidente este facto que nem se compreendem as três negativas declarações de voto que ensombram o parecer da Câmara Corporativa, onde o estranho ponto de vista dos seus autores nenhum ganho de causa conseguiu.
A concessão do crédito oficial tem de repousar necessariamente no estudo económico da obra que o torne essencial.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E a este estudo que cumprirá determinar as condições específicas do financiamento a conceder.
Fixado-se, e simultaneamente aprovado por quem se entenda que o deve fazer -quero crer que haverá a maior das vantagens de coordenação e ganho de tempo em se consignar uma aprovação prévia e única, e não um sistema de gradativas censuras dos vários departamentos do Estado que actuam no mesmo paralelo administrativo -, só de tal estudo se deve partir e só a ele se ficará a dever inteira obediência.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Serão arredados assim muitos dos tremendos escolhos com que se têm deparado os responsáveis pela administração municipal quando ao serviço do bem público pretendem contrair o empréstimo que se lhes afigurou necessário.
Interessante me parece também, Sr. Presidente, que deixe consignada a obtenção de empréstimos no mercado particular do crédito, desde que as condições oferecidas sejam evidentemente favoráveis.
E julgo este aspecto do financiamento tão conforme ao alto espírito da proposta de lei que tenho intenção de, em tal sentido, apresentar uma proposta de acrescentamento à base VIII.
Um outro singelo reparo se me oferece ainda neste capítulo; concerne ele à fixação do momento a partir do qual começam a vencer-se os juros e a exigir-se as amortizações dos empréstimos concedidos.
Tem-se estabelecido que findo o prazo de utilização começa o do vencimento dos encargos. Sucede, porém, que algumas vezes, por circunstâncias da mais variada ordem, a execução das obras foi retardada e os abastecimentos só mais tarde entram no período de funcionamento.
Há um período durante o qual não há rendimento para compensar os encargos previstos.
Essa possibilidade e mais os seus inconvenientes fazem tornar absolutamente desejável que se faça coincidir o começo do vencimento dos encargos e amortizações dos empréstimos com a entrada em serviço do empreendimento que lhes deu lugar.
Sr. Presidente: vou dar por findas as minhas considerações.
Bom conhecedor das necessidades e dos grandes anseios das gentes rurais em tudo quanto concorra para o melhoramento e dignificação da sua vida tão sacrificada, procurei deixar vincado o cunho eminentemente nacional dos empreendimentos concernentes ao abastecimento de água limpa e abundante como elementos específicos dessa dignificação.
Os meus juízos apenas visaram a colocar alguma da experiência adquirida em muitos anos de efectivo contacto com as dificuldades da vida local ao serviço da benemerente cruzada que se estrutura na proposta de lei de que esta Câmara se tem ocupado.
Ela representa a legítima ambição de um decidido passo em frente no progresso da vida da nossa grei.
Não será ainda, na sua actual expressão, o passo largo e amplo que se esperava; sem embargo, já representa efectiva progressão.
Esperemos que as novas fontes de rendimento criadas pelo II Plano de Fomento nos tragam a possibilidade de acelerarmos progressivamente o ritmo menos vivo do começo.
Nessa esperança, Sr. Presidente, e em plena concordância com a comissão parlamentar a que pertenço, votarei a proposta cuja estrutura me merece o mais caloroso aplauso.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia da de hoje. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Frederico Bagorro de Sequeira.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Hermano Saraiva.
José dos Santos Bessa.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Purxotoma Ramanata Quenia.
Ramiro Machado Valadão.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA