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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 145

ANO DE 1960 21 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 145, EM 20 DE JANEIRO

Presidente: Ex.º Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão a 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 144.
Leu-te o expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Carlos Coelho, sobre problemas da indústria têxtil algodoeira; Cid Proença, acerca da condigna comemoração do VI centenário do nascimento do Santo Condestável, e Cortes Pinto, para se congratular com a acção desenvolvida pelo Secretário de Estado do Comércio nas recentes conversações internacionais.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei de abastecimento de água das populações rurais. Usou da palavra o Sr. Deputado Silva Mendes.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 10 minuto».

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Augusto Pinto.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.

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João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 144 do 19 do corrente.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamarão sobre o citado Diário das Sessões, considero-o aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Vários a apoiar as intervenções dos Srs. Deputados Cerveira Pinto e Franco Falcão em defesa das regentes escolares.
Do Grémio da Lavoura de Montemor-o-Velho a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Augusto Simões a pedir a criação de uma brigada agrícola em Coimbra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem, do dia o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho: - Sr. Presidente: na semana, passada, através de unia elucidativa intervenção do nosso ilustre colega engenheiro Rodrigo Carvalho, a Assembleia tomou conhecimento das fortes apreensões e manifesto desalento existentes na indústria algodoeira, pelo agravamento dos direitos de importação de um certo número de máquinas utilizadas naquela indústria,, como consequência da alteração das pautas ultimamente decretada.
O relato daquele Sr. Deputado impressionou então vivamente a Assembleia, e se hoje, no uso da palavra que me foi dada, venho corroborar as considerações já. produzidas, em sucinto apontamento, que respeita a» mesmo assunto, faço-o menos pela necessidade de aduzir novas razões do que pelo desejo de esclarecer a Câmara de que o problema em causa tem ainda maior amplitude, e portanto maior gravidade, do que poderia deduzir-se do depoimento que ouviu há oito dias, pois se estende também a outras actividades industriais.
Com efeito, os prejuízos invocados para a indústria, têxtil algodoeira irão, de igual modo, s talvez ainda em maiores proporções - em face da nova modalidade de tributação e porque utiliza maquinismos mais valiosos -, afectar um outro importante sector fabril da Nação: o da indústria de lanifícios.
Se me torno aqui mais uma vez porta-voz de aflitivas, preocupações dos industriais de lanifícios, faço-o com a arreigada convicção de que pleiteio por interesses legítimos, que transcendera um sector confinado para se situarem em inequívoco plano nacional.
Nem se poderá dizer que assumo nesta Casa uma posição da obstinada e sistemática defesa.
Relembro que ainda há meses, quando me pareceu decorrerem vagarosamente as negociações entre as federações de grémios e os sindicatos nacionais da indústria de lanifícios para a celebração de um novo contrato colectivo de trabalho, que seria, paru além de outras normas, o instrumento regulador de uma imperiosa actualização dos salários do seu pessoal, deste mesmo lugar me insurgi contra o lento caminhar das. coisas, apontando a urgente necessidade de se atingir uma decisão rápida.

O Orador: - E não me contentei com essa intervenção; no mesmo sentido realizei muitas outras diligências.
O contrato colectivo de trabalho do pessoal da indústria de lanifícios foi assinado e vigora desde l de Novembro do ano findo.
Inclui o necessário reajustamento de salários, e por mor dele se concederam novos e amplos benefícios às gentes trabalhadoras. Para tanto teve a entidade patronal de assumir pesados encargos. Mas fez-se obra de justiça ti paz social. E esses suo alguns dos grandes objectivos da política por que nos batemos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pareceu-me bem relembrar este passa recente de um sector da produção que na sua totalidade e desde os seus primórdios voluntariamente se integrou na organização corporativa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: é quase um lugar-comum falar-se da grave encruzilhada em que se encontra a indústria do nosso país e do decisivo papel, que lhe está reservado nos destinos económicos da Nação.

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A cada passo, pela boca dos nossos mais qualificados governantes, a consciência da Nação é alertada sobre a imperiosa necessidade do seu desenvolvimento industrial.
Lançam-se intensivos e repetidos apelos para que a indústria tome a consciência das suas responsabilidades actuais, com vista a um futuro que vertiginosamente
se tornou já em «presente».
A palavra de ordem, vinda daqueles que desfrutam da suprema autoridade para a proferir, é categórica.
Reapetrechem-se!
Partam máquinas antigas. Comprem novas, com garantias de maior perfeição e produtividade!
Quem assim não fizer sucumbirá!
A indústria de lanifícios não conhece de agora estas verdades. Já em 1957 o presidente da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, Dr. João Ubach Chaves, numa comunicação apresentada ao II Congresso da Indústria Portuguesa, em que fez um exaustivo estudo da indústria de lanifícios e os seus problemas, se lhes refere largamente.
Ao encarar em que medida os custos de produção e os preços de venda ao público são influenciados por vários factores, invoca o abastecimento de matérias primas, a tributação, os encargos sociais, o rendimento do trabalho, etc., e o custo de maquinismos.
Ao aludir à sobrecarga dos direitos aduaneiros no susto dos maquinismos, escreve:
Tamanho agravamento de preço reflecte-se no custo da produção, da imobilização de capital num longo período de amortização. Maquinismos de elevado preço para uma indústria que não é de exclusivo abastecimento interno justificariam por si a isenção de qualquer direito aduaneiro. Louvando a perícia dos artífices, não levemos o optimismo das nossas possibilidades a ponto de admitirmos a concorrência na produção de máquinas têxteis com as grandes fábricas estrangeiras, onde durante anos se estudam modelos e se experimentam materiais com objectivas de industrialização maciça e de venda em todos os países.

E nas conclusões a que chega, para que a indústria de lanifícios eleve as remunerações e reduza os preços da produção, reza a primeira:

Proporcionar matérias-primas, produtos auxiliares, máquinas e energia e combustíveis aos preços de cotação internacional.

Embora já aqui invocado, interessa ao desenvolvimento do nosso raciocínio aludir de novo ao Decreto n.º 40 874, de 23 de Novembro de 1950, subscrito pelo ilustro titular da pasta das Finanças, que procurou fomentar e incentivar em ritmo mais largo e urgente um programa de investimentos como «garantia de condições de sobrevivência».
Apeteceria transcrever aqui todo o magnífico relatório que precede o texto legal daquele notável diploma. Na impossibilidade de o fazer, relembro apenas que ali se diz:

Entre as condições favoráveis à maior inversão de capitais na produção figuram os incentivos de ordem fiscal ... no período de instalação ou reorganização das respectivas unidades industriais.

E mais adiante:

Procura-se incentivar a diversificação da produção, a melhoria e barateamento dos produtos, a própria produtividade, numa vasta área do sector industrial não abrangida directamente pêlos planos de fomento em curso, mas cujo desenvolvimento interessa sobremaneira ao progresso económico do País.
Como é sabido, aquele decreto estabeleceu certas reduções na contribuição industrial das empresas que procedessem a investimentos produtivos até 31 de Dezembro de 1960.
A indústria beneficiou ou calculou beneficiar de deduções que podiam atingir cerca de 39 por cento do valor total dos maquinismos no caso de se tratar de indústrias de exportação, 15 por cento nas indústrias substitutivas de importações e 10,5 por cento nas outras indústrias de reconhecido interesse económico.
Perante as advertências que de todos os lados lhe chegavam, perante as realidades que por si própria pôde descortinar, em face das condições, completamente novas, em que há-de movimentar-se, nas superorganizações do comércio internacional, um largo sector da indústria de lanifícios tomou a consciência das suas responsabilidades e empenhou-se num «ajustamento das suas estruturas às mais actualizadas técnicas de produzir e aos mais económicos processos de proporcionar o consumo».
Fez os seus estudos económico-técnico-financeiros e, incentivada pelas facilidades contidas no Decreto n.º 40 874, decidiu-se a um largo programa de compra de máquinas, em que vem investindo centenas de milhares de contos.
Firma os seus contratos, adianta os primeiros créditos, força as casas estrangeiras, lutando com a acumulação de encomendas, a fixar prazos de entrega que não excedam o fim de 1960, e, como fez contas, está segura de que os seus recursos financeiros cobrem os encargos assumidos.
Surge então o Decreto n.º 42 636 de 18 de Novembro de 1959, que promoveu a grande revisão pautai. Para as «máquinas e aparelhos, para o fabrico de fios, fiação e torção, bobinar, dobar e torcer», o direito, que era específico (cerca de 1$50 a 5$ 10 por quilograma) e pode situar-se numa posição inferior a 5 por cento ad valorem, passou a ser exclusivamente ad valorem, e fixado em 6 por cento naquela pauta. Uma excepção havia para as ajuntadeiras, que continuavam a ser despachadas por uma taxa específica (14$ por quilograma). Era um agravamento, já sensível, mas ainda no domínio das provisões admissíveis.
No último dia do uno findo, o Decreto n.º 42 795, que pretendia fazer alguns «ajustamentos e rectificações» ao Decreto n.º 42 656, inexplicavelmente e perante o espanto geral, fez subir a percentagem ad valorem das máquinas não especificadas de 6 para 18 por cento e passou a tributar com o ad valorem de 30 por cento as máquinas incluídas na posição 84.36.01.
Esta última taxa atira para valores impressionantes, e como tal incomportáveis, os direitos de importação dos maquinismos especificados naquela posição.
Mas dir-se-á: no maré magnum da pauta isso é tanto como uma gota de água no oceano!
Procurarei esclarecer.
A posição 84.36.01 engloba ajuntadeiras, contínuos de fiação, torcedores e encarretadeiras. Ora estas máquinas são fundamentais no trabalho de algumas secções da indústria de lanifícios. E estas secções constituem as maiores unidades de que se compõe aquela actividade industrial. São empresas que empregam, cada uma, de 500 a 1000 operários e têm investidos em prédios e maquinismos, também rada uma, de 60 contos a 150 000 coutos e mesmo mais.
Só na Covilhã estas casas ocupam para cima de 50 por cento da mão-de-obra!

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Insisto: aos leigos no assunto poderá parecer que se trata de quatro tipos de máquinas sem importância; mas quem procurar informar-se nas repartições competentes - na Direcção-Geral dos Serviços Industriais, nas circunscrições industriais na Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios - verificará o contrário.
O Ministério da Economia pode informar das licenças de importação que a sua Repartição do Comércio Externo tem passado para a aquisição destas máquinas.
As entidades alfandegárias podem também fornecer sobre as máquinas destes quatro tipos, que neste próprio momento se encontram a despacho, dados que merecem ser conhecidos e meditados.
E é no sector pautai a que me venho reportando que se deve prever um movimento mais intenso, pois abrange as máquinas onde as conquistas da técnica são progressivamente mais frequentes, u que implica uma continuada renovação para a defesa das produções tecnicamente económicas e rentáveis. Acrescentando-se, o que é importantíssimo para o juízo que haja de fazer-se, que os contínuos de fiação, os torcedores, etc., de forma alguma podem ser fabricados em Portugal.
Com a impressionante expressão dos números, aqui ofereço alguns exemplos que marcam o abismo que se cavou entre a pauta, revogada e a pauta actual.

Exemplo para uma caneleira automática:
Peso bruto - 1550 kg.
Valor - 72 contos.
Pela pauta anterior (artigo 657) - 3.450$.
Pela pauta actual (84.36.01) - 12.960$
(+273 por cento).

Exemplo de um retorcedor:

Peso bruto - 5860 kg.
Valor - 205 contos.
Pela pauta anterior (artigo 660) - 7.346$.
Pela pauta actual (84.36.01) - 61.500$
(+737 por cento).

Exemplo para dois contínuos de fiar:

Peso bruto - 21 271 kg.
Valor - 1066 contos.
Pela pauta anterior (artigo 660) - 31.251$.
Pela pauta actual (84.36.01) - 319.800$
(+923 por cento).
Uma fiação de 10 000 fusos de penteado que em Maio e Junho de 1959 adquiriu 6 modernos contínuos de fiar, com o total de 2784 fusos, para partir igual número de fusos de nações de «carruagem» (esclareço que não se trata de substituir máquinas gastas ou cansadas, mas sim de máquinas que têm hoje a mesma produtividade que tinham na data da sua introdução, mas que se encontram grandemente desactualizadas, em face dos maquinismos ultimamente introduzidos nesse sector, e que dispõem de uma produtividade extraordinariamente maior), e na mesma altura adquiriu também 2 torcedores, com 800 fusos, que há meses tem em sua mão as licenças de importação e já pagou 1/4 do valor das máquinas, vai pagar de direitos cerca de 1200 coutos, em vez dos 120 contos que previra nos seus cálculos!
Pergunto: qual a economia particular que pode enfrentar tamanha surpresa? Sobretudo quando não tem a apoiá-la, como é o caso, os financiamentos impessoais do Estado ou de outros organismos supercapitalistas afins, e em que o capital que gira é suor e trabalho do próprio industrial?
Desta ordem, só na Covilhã, em relação a encomendas firmadas, há pelo menos quatro firmas. E de uma outra
sabemos também que tem entre mãos, para decisão rápida, um plano de aquisição de máquinas de 10 000 contos. São muitos e muitos milhares de contos que estão em jogo!
Posso esclarecer a Câmara de que a indústria de lanifícios adquiriu, de 1945 a 1955, 302 000 contos de máquinas novas e tem em curso um plano de reapetrechamento, por substituição até fins de 1960, em que deve investir para cima de 240 000 contos.
Como vai reagir a indústria? Suspender as suas encomendas? Perder os adiantamentos já dados aos seu: fornecedores? Cancelar os seus largos planos de investimentos? Ou dispor-se a investir na aquisição de máquinas valores suicidas?
Pergunto ainda: se se criam dificuldades desta natureza a um indispensável e continuado apetrechamento fabril, como vai a indústria de lanifícios poder concorrer, na Zona Europeia de Comércio Livre dos Sete, por exemplo, com esse potentado têxtil que se chama Inglaterra?
O que acabamos de apontar é ale tal maneira chocante, envolvo aspectos tão contraditórios no domínio da superior governação pública, com propósitos anunciados o medidas efectivamente adoptadas, que só o podemos levar a conta de inadvertência.
Como explicar de outra forma o alheamento e desinteresse com que foram olhadas as situações de facto, incentivadas pelo Governo e decorrendo dentro da mais justa e razoável expectativa ?
É tão evidente a contradição entre o que se procurava atingir com o Decreto n.º 40 874 em vigor até fins de 1960 e o que agora se dispôs, que quase chega a parecer que o Estado dá dez com a mão direita para tirar vinte com a esquerda. O que evidentemente, não e bonito, nem cristão.
Andará nisto tudo um invisível poder maléfico que o desígnio dos homens não pode comandar? Não. Continuo convencido de que há lapso, unicamente lapso.
S. Ex.ª o Ministro das Finanças, governante dos mais ilustres, com assinalados serviços prestados à Nação e a quem nesta Assembleia reiteradamente têm sido dispensadas as homenagens do mais rasgado apreço e respeito, por certo encontrará a palavra de ordem que restabeleça de pronto a confiança e a tranquilidade na indústria têxtil, neste momento a braços com uma justificada inquietação.
É o que confiadamente esperamos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cid Proença: - Sr. Presidente: sem a necessidade de qualquer ajustamente de conveniência prática como há vinte anos, este ano da graça de 1900 será de dupla comemoração centenária.
Parece, porém, ter surgido no espírito de alguns, com desgosto não acomodado, a ideia de que uma fatal idade inexorável obrigaria a separar o que tanto a simples coincidência cronológica quanto a significação manifesta de certos passos da história haviam estreitamente aproximado.
O caso seria este. Como os nossos bons cuidados e esforços deveriam ficar mobilizados na justificadíssima exaltação do infante, forçoso seria por agora, muito a pesar nosso, sacrificar a de Nuno Alvares.
A razão, valha a verdade, por muito ponderosa e convincente que se afigurasse, dava magro consolo às expectativas desenganadas.

O Sr. Cortês Pinto: - Muito bem!

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O Orador: - Ás opiniões entretanto escritas sobre o assunto, com unanimidade impressionante, traduzem, a meu ver, uniu afirmação de consciência nacional, que constitui motivo de desvanecimento legítimo e de fundadas esperanças.

Nação Portuguesa não esqueceu o seu Nuno Alvares.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Algumas aparências conspiravam, aliás, para justificar aquela interpretação dos factos e os receios que nela se firmavam. De um lado, a necessária publicidade a longo prazo do programa oficial das comemorações henriquinas; de outro lado, o conhecimento antecipado do esplendor dessas mesmas comemorações, imposto pela projecção universal da figura e da obra do terceiro filho de El-Rei D. João.
Simplesmente, não poderia ser assim, e, Deus louvado, assim não será.
O 6.º centenário do nascimento do Santo Condestável - tudo o leva a crer - não passará despercebido e sem condigna memória.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tanto mais que não faltam a propósitos.

Assim, continua em aberto, Sr. Presidente, a dívida do monumento ao herói e será já sempre tardia a justiça que ele representa, sobretudo se nos dermos a recordar e a comparar ...
Creio que esta oportunidade única não a deixaremos fugir de mãos. Lembramos a todo o passo o dito famoso de Valverde; caiu-nos a nós agora a vez de proclamar que «é tempo», e bem tempo, de saldar tão velha conta.
O melhor do programa o faríamos depois, sem que fosse mister sobrecarregar em demasia o cerimonial e o orçamento, com a empresa benemérita de ao longo do ano ir prendendo a atenção e suscitando o entusiasmo da nossa juventude pelo herói generoso e puro que desde verdes anos combateu «defendendo justa causa» e sempre, ele também, «as graças deu a quem lhe deu vitória».
Dizia Carlyle, e tinha razão, que os homens superiores são de proveitosa companhia. Pois quando esta geração vê saírem-lhe a caminho os desvairados paladinos de todas as aberrações da inteligência e da vontade, bom é que o condestabre e o infante tenham vindo lambem e estejam e fiquem como modelos dignos de serem exaltados e vividos.
Estes não nos dividem, não nos apoucam, uno nos levam a transigir ou a renunciar.
Falam-nos da independência, da unidade e da missão de Portugal; convidam-nos à isenção e ao desinteresse pessoal, à fidelidade aos ideais jurados, no trabalho com persistência e sacrifício.
Só mais uma palavra, Sr. Presidente.
As homenagens que durante este ano jubilar hajam de ser prestadas ao nosso último grande capitão medieval em nada ensombrarão, evidentemente, a apoteose do ínclito descobridor dos segredos do mar oceano, que em si todos queremos expressiva e soleníssima e por parte do País será consciente e entusiástica.
E não prejudicarão, creio eu, novas e universais homenagens que ao próprio D. Nuno acaso venham a ser devidas nu hora, que Deus abrevie, do sumo reconhecimento das suas virtudes em nível heróico.
Até lá, porém, Sr. Presidente, só pode desejar-se que na devoção dos Portugueses, desta ou daquela sorte traduzida, apareçam lado a lado, como em Ceuta, o infante sonhador e pioneiro e o invicto e Santo Condestável. Merecem e obrigam-nos. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cortês Pinto: -Sr. Presidente, Srs. Deputados: pedi a palavra para antes da ordem do dia. E, em boa verdade, nunca assunto algum esteve mais relevantemente colocado antes de qualquer ordem do dia do que este, que representa um verdadeiro motivo de júbilo nacional, e que eu quisera ver bem posto, em toda a sua profundíssima evidência, perante a consciência de todos os portugueses.
Refiro-me ao triunfo económico e diplomático alcançado no seio da Organização Europeia de Coordenação Económica pela nação do Secretário de Estado do Comércio nas assembleias que reuniram em Paris, num elevado espírito de cooperação, defesa e auxílio, os representantes económicos de vinte países, dezoito europeus e dois americanos: Estados Unidos e Canadá.
Cabe a esta Assembleia, para bem corresponder ao alto significado do seu justo título de Assembleia Nacional, comover-se e palpitar com tudo o que representa uma vibração mais alta na constelação dos altos interesses nacionais, mormente quando eles se colocam no concerto das nações, e apontar ao reconhecimento público o nome de quem nos assegurou a posição que nos era devida na superestrutura económica do Ocidente, demonstrando aos estadistas da América e da Europa a autenticidade e alto valor da nossa armadura económica.
Este triunfo confirmou e coroou, dentro de um plano mais vasto, o êxito já obtido em Estocolmo, e do qual dependia a salvaguarda dos interesses de Portugal na difícil emergência económica motivada pela profunda revolução realizada no tradicional xadrez das relações comerciais entre as nações, quando se avizinha a formação de um novo mundo em moldes nunca dantes conhecidos.
É sobre este problema e sobre a solução referente a Portugal que me parece conveniente dizer algumas palavras de esclarecimento, expondo em traços muito largos os principais pontos dos convénios que interessam no ponto de vista nacional.
Que esta obra se não resume ao campo restrito da ordem económica, mas o transcende na ordem política, basta abarcar o panorama genérico da renovando da vida internacional para disso nos apercebermos.
Se a Organização Europeia de Coordenação Económica anunciava já uma necessidade de adaptação a novos condicionalismos da vida internacional, promovendo a formação de uma frente de interesses comuns que as nações de per si eram já insuficientes para salvaguardar, a primeira cristalização operada no seio da Organização Europeia pela formação do 1.º Mercado Comum conduziria naturalmente os outros estados da Europa a defenderem-se em face do grupo neo-formado e a reverem as suas orgânicas, anula estabelecidas em relação no passado, organizando-se rapidamente, para entrarem numa nova coligação preventivamente ordenada em relação ao futuro.
Na realidade, o 1.º Merendo Comum - constituído pela França, Benelux, Alemanha e Itália, organizado pelos estadistas daquelas nações, que a si próprias, e sem se preocuparem tom a existência de outros povos europeus, se atribuíram a representação de toda a Europa, designando-se impropriamente por Euromercado - representava alguma [...] de novo na sociedade dos povos europeus. O seu bloco, estabelecido sob

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(...) o signo de interesses económicos mais particularistas, considerava estes interesses de tal maneira dominantes que chegava a subordinar-lhes a autonomia plena dos respectivos estados, submetendo-os a uma direcção supernacional.
É curioso verificar como nesta época, jungida sob o numerador comum da economia., se admite um poder supranacional si que se obedece sob o signo da moeda de César, em substituição da hegemonia espiritual que em outros tempos unira as nações sem sacrifício da sua autodeterminação plena, sob o signo da cruz.
Essa coesão que durante séculos uniu os povos da Europa, que também nesses tempos se encontravam perante a ameaça iminente da. barbaria pseudocivilizada. era, contudo, mais ampla, pois no que respeitava ao objectivo comum não deixava qualquer nação europeia fora dos blocos parcelares constituídos, ao contrário do que sucedeu de certa maneira com o Mercado dos Seis.
Esta organização comercial e industrial primeiramente constituída colocava as outras nações da Organização Europeia de Coordenação Económica numa situação mais ou menos difícil, quando não precária, desorbitada como ficava da constelação forte das seis nações unidas.
O futuro de Portugal, nos conturbados tempos que se avizinhavam, tornava-se sombrio. E enchia de preocupações os que viam levantar-se um obstáculo inesperado e grave ao progresso que se ia desenvolvendo.
Impunha-se aos outros países a Organização Europeia do Comércio Livre, em moldes de certa maneira diferentes, que, sem forçar os países associados a sujeições restritivas da sua soberania, conservasse a sua liberdade independente de quaisquer organizações supernacionais.
Qual a nossa posição no incipiente organismo?
E aqui que o Secretário do Comércio, Dr. José Gonçalo Correia de Oliveira, desempenhando superiormente não só a actividade especializada de economista, mas ainda a função delicada, e decisiva que cabe à diplomacia, consegue salvaguardar na Conferência de Estocolmo a posição de Portugal num momento iminentemente crítico para o futuro da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Importava, de certo modo, como questão prévia, classificar economicamente as nações deixadas de fora do Mercado Comum em dois grupos: nações desenvolvidas e subdesenvolvidas. O caso de Portugal, junto de outras nações poderosas, constituía um caso sui generis, e havia de se enfrentar o falso juízo de que Portugal é um país pequeno, fazendo tábua rasa do conceito dominantemente quantitativo que minimiza certos países, classificando as nações em grandes e pequenas e discriminando-as apenas pelo número de metros e milhões de habitantes.
A inteligência da exposição do representantes de Portugal consegue esclarecer e elucidar os outros estadistas, muitos dos quais teriam, porventura, um conhecimento menos exacto da nossa posição actual, sob a qual incidia o peso dos conceitos desprestigiosos de tempos passados e felizmente desactualizados. E ao formar-se o bloco europeu do Comércio Livre. Portugal, considerado país desenvolvido, figura como um dos membros da organização, ao lado da Inglaterra, dos três países escandinavos, da Suíça e da Áustria.
Entretanto, não pára aqui a acção do nosso representante no campo dos largos benefícios conquistados para o País. O Secretário do Comércio, Dr. Correia de Oliveira, consegue fazer compreender e aceitar um conceito ainda não atendido para as classificações dos países s que havia de ter em conta, em face de um país que se apresenta com um aspecto sui generis entre as nações da Europa.
E é aqui que se insere, no decorrer das negociações, o importante conceito histórico da unidade euro-africana, realizada pelo prolongamento da Europa pela África Negra, que desbravou e tem civilizado e cuja história começa com os descobrimentos dos Portugueses, os brancos da primeira cela.
Numa a geografia da natureza esteve mais naturalmente ligada à geografia política e económica.
Entretanto, estamos numa época em que se pretende substituir esta unidade euro-africana por uma sujeição afro-asiática. Foi esta a consequência da desagregação social da Europa, resultante de uma guerra intestina em que os vencedores não souberam ganhar a vitória alcançada sobre os vencidos, deixando que a Ásia lhe viesse colher os frutos.
E os sinais dessa intromissão começaram já a sentir-se. Aos trabalhos de civilização, assistência e valorização da terra e dos nativos sobrepõe-se o plano de domínio das novas influências, que, sem se importarem com o grau de adolescência atingido, opõem aos esforços do humanização superior dos nativos e a pregação do ódio e a preparação da revolta. E à paz, tão frutuosamente estabelecida, substitui-se a bárbara revolta dos instintos excitados, que se desencadeia e rapidamente se desenvolve entre as próprias tribos que a civilização europeia conseguira manter em mútuo respeito.
Entretanto, na estrutura da nova orgânica da resistência europeia, o representante de Portugal expõe a natureza peculiar do País sob o aspecto euro-africano e dos outros prolongamentos ultramarinos. A par de um conceito expansionista que pode manifestar-se pelo sentimento de uma dissociação entre as pátrias exclusivamente europeias e as suas possessões, como possuidor e objecto possuído, como aliança de povos ligados por simples conjunção de interesses imediatos ou futuros, ou como detentor provisório e eventual de terras estranhas, pronto a passá-las às influências asiáticas, Portugal sentia que era a mesma a vida que pulsava aquém e além-mar como num só corpo que, à semelhança da vida de Camões, se encontra pelo Mundo em pedaços repartido.
Nem sempre tem sido fácil fazer compreender esta essencialidade espiritual e corporal de uma pátria que se realizou para além do território em que nasceu.
O Secretário de Estado do Comércio conseguiu fazer vingar este ponto de vista e os seus frutos. E a Organização do Mercado Livre reconheceu que a diferença de condições particulares num país de tanta diversidade territorial e que ainda há tão poucos anos conseguira a sua reconhecida independência económica não lhe permitia atingir ao mesmo tempo um desenvolvimento homogéneo e isócrono em todas as parcelas do seu território.
A obra de valorização havia de realizar-se, naturalmente, por sucessivos escalões, a principiar pela metrópole, onde se alcançara já o período de estado da sua saneara de desenvolvimento e se saneara a moeda, que havia de realizar o fomento agro-industrial do resto da Nação.
Ao mesmo tempo reconhecia-se que o esforço já iniciado no Portugal ultramarino assegurava o nivelamento desse progresso com o da metrópole: e compreendia-se que esse nivelamento estava exigindo das nossas finanças um esforço ingente a pesar na economia geral de uma nação que na Europa se encontra já nítida e insofismavelmente desenvolvida.
Convinha aos próprios fins para cuja realização a O. E. C. E. fora criada que não fosse por qualquer maneira diminuído o ritmo dessa actividade. E desta fornia se conseguiu obter para Portugal uma situação

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(...) compatível com o que representava uma necessidade para si e uma conveniência para todos.
E convém que o País conheça os termos em que se assegurou uma posição particularmente favorável no convénio estabelecido entre os sete países do Mercado Livre. Por isso me atrevo a tentar expô-los nas suas linhas gerais.
Logo, em face do desarmamento pautai, se conseguiu que o escalonamento das sucessivas diminuições, até à total liberalização, se pudesse prolongar no nosso país durante um período de tempo superior no das outras nações. Assim, quando em 1970 já se encontram totalmente abolidos entre as outras nações, os direitos persistem ainda para Portugal, no escalão dos 50 por cento, durante tempo a determinar, conforme as conveniências do País.
Isto, que já representa muitíssimo para facilitar a continuidade do nosso progresso agro-industrial, não representa, porém, o benefício total alcançado pelo nosso representante no grupo dos Sete. Ele previu a conveniência, e conseguiu fazê-la aceitar, de não só manter determinadas protecções pautais, mas ajuda a de poder criar novas pautas, até 1972, para aquelas indústrias posteriormente fundadas que não tivessem podido ainda, atingir suficiente resistência económica.
Por último, nas reuniões de Paris, onde se efectuaram múltiplas sessões, isoladas e conjuntas, do grupo do Mercado Livre, ou dos Sete, do Mercado Comum, ou dos Seis, da O. E. C. E., que compreende dezoito nações, e a que se juntaram ainda os dois representantes dos Estados Unidos e do Canadá, a perfazer os vinte, Portugal, cuja estrutura particular lhe confere de facto um conhecimento, experiência e competência que é justo reconhecer, s por fim escolhido para ocupar um lugar entre os países coordenadores dos auxílios a prestar às nações subdesenvolvidas.
Em suma: das reuniões do Estocolmo e de Paris resultava para Portugal:
1.º A sua presença, como país desenvolvido e em pleno progresso, no bloco das nações desenvolvidas que formam a Associação Europeia de Comércio Livre;
2.º Urna situação particular para as partes do seu território de além-mar que as torna beneficiárias dos mesmos auxílios a conceder aos países subdesenvolvidos;
3.0 Um escalonamento de obrigações que, dentro do mesmo período, reduz a metade os seus sacrifícios pautais;
4.º A possibilidade de fixar direitos novos quando eles se encontram já inteiramente abolidos nos outros países;
5.º A inclusão de Portugal na comissão dos países coordenadores dos auxílios a conceder.
Devemos reconhecer que os êxitos obtidos representam o coroamento, dentro do plano universal, de uma obra admirável e imprescindível para o fim em vista, realizada anteriormente no plano nacional pela acção directa que estabeleceu os fundamentos e o rumo, e se continuou depois, ininterruptamente prosseguida até ao actual, momento, pelos ilustres Ministros das Finanças por cujas mãos tem passado a pasta do ressurgimento da vida nacional, que depois se desdobrou no Ministério da Economia.
Nem por ter uma linha de rumo anteriormente traçada n obra realizada deixa de ser também a obra individual de cada Ministro. E nem por ela ter firmado uma situação que permitiu o conseguimento dos notabilíssimos êxitos do Secretário de Estado esta obra deixa, de ser bem uma obra do Dr. Correia de Oliveira.
Já vimos atribuir o êxito

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nelas se tem mostrado que esta liga de metal e de honestidade com que tem sido fundida a nossa moeda lhe confere um valor material capaz de lhe garantir maior estabilidade e garantia de futuro.
Sim. É certo que estes valores são exactos. Não confundamos, porém, condições com realizações. Ë evidente que ninguém pode edificar sobre nuvens nem erguer monumentos sem materiais sólidos para a sua construção. Mas nem por isso a obra deixa de dever a sua existência ao arquitecto que a construiu.
Tudo foi realizável, é certo, porque as nossas condições eram de molde a justificar as posições alcançadas. Nem de outro modo as outras nações nos teriam garantido as situações que usufruímos. Era, porém, necessário que alguém as soubesse tornar evidentes e operantes na consciência e acção deliberativa dos Ministros representantes das vinte nações, muitos dos quais não estariam suficientemente esclarecidos e até, porventura, estariam de certa maneira iludidos por lima propaganda antiportuguesa.
É por isso que o Dr. Correia de Oliveira merece o reconhecimento de toda a Nação pelos inestimáveis serviços prestados, os quais excederam todas as expectativas, por mais optimistas que pudessem ser, e todos nós sabemos muito bem que o não eram.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, eu ousaria pedir â imprensa que insista em levar a todos os portugueses, repetidamente, o esclarecimento dos benefícios que esta acção diplomática nos trouxe no campo económico, pois penso que é esta uma daquelas circunstâncias em que todos, sem distinção de partidos, devem regozijar-se, porque a todos tocam os benefícios recebidos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre abastecimento de água das populações rurais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Mendes.

O Sr. Silva Mendes: -Sr. Presidente: tem o Governo dedicado a sua atenção ao momentoso problema do abastecimento de água às cidades, vilas e aldeias de Portugal, e a sua obra neste sector, como em muitos outros, tem sido formidável e será cada vez maior e mais perfeita até que o abastecimento desse precioso líquido esteja ao alcance de toda a população portuguesa, e em especial dos habitantes das nossas aldeias, onde, em avultado número, se nota uma carência aflitiva.
No distrito de Leiria, e em especial nos concelhos de Alcobaça, Pombal, Ansião e Porto de Mós, há mui-

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280 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 145

(...) tas povoações onde nem sequer existem as chamadas «fontes de chafurdo» e toda a população se abasteço da água das chuvas, caída nos telhados ou eiras e guardada em cisternas, donde é tirada durante todo o ano.
Nas faldas e no alto da serra dos Candeeiros, região que muito bem conheço, há numerosas aldeias onde, durante o Verão e quando está bastante tempo sem chover, os habitantes têm de ir buscar a água para eles e para os seus gados a 5 km e 6 km de distância
Calculem VV. Ex.ªs o que é a vida dessa pobre gente, tendo de andar 10 km ou 12 km, a maior parte das vezes durante a noite e depois de um dia de trabalho fatigante, para trazer uma bilha de água com que possa matar a sede da família e dos animais domésticos e cozinhar as suas modestas refeições!
Quando, ao fim de tantas canseiras, tropeçam e caem, devido aos péssimos caminhos que têm de percorrer, e a bilha se parte, perdendo o fruto de tanto trabalho, isto representa uma verdadeira tragédia para as pobres vítimas dos acidentes.
Nas regiões a que me refiro, geralmente cheias de algares, por onde a água se escoa para grandes profundidades, é difícil e muito oneroso captar a água para o abastecimento das populações, mas estas, que são tão boas, trabalhadoras e verdadeiramente portuguesas, pelas suas magníficas qualidades, são indiscutivelmente dignas de protecção do nosso Governo, que confiadamente solicito, tendo a certeza de que o meu apelo será atendido, como é de inteira justiça.
Abençoadas serão as obras que se efectuem para este fim e que contribuirão para a melhoria das condições sanitárias dos habitantes dos pequenos aglomerados populacionais e para a satisfação de uma das suas mais prementes necessidades.
Tem o Governo norteado a sua acção atendendo em primeiro lugar os pedidos que são mais justos e que representam a satisfação de necessidades mais prementes. Pois, Sr. Presidente, não creio que se possa fazer um pedido mais justo do que aquele que nesta minha intervenção estou formulando a favor das populações das abas da serra dos Candeeiros e dos habitantes de muitas outras aldeias do País onde a água no Verão não chega para beber e muito menos para praticar os mais elementares princípios de higiene.
Na região a que me refiro todos os anos há febres intestinais devido à péssima e inquinada água que se bebe e algumas preciosas vidas humanas são anualmente sacrificadas por esse motivo.
Sabe-se também que a radioactividade da água das chuvas tem aumentado, sendo esse aumento de vinte vezes na Itália, devido às experiências com bombas atómicas que se têm efectuado nos últimos anos. Não sei o que se tem passado em Portugal, mas é de recear que o alimento não seja inferior ao que foi constatado em Itália, e que no caso de uma guerra nuclear esse aumento se torne perigoso e até mortal para quem tiver de fazer uso da água das chuvas para beber.
Deus afaste de nós mais outra guerra, mas, como é sempre prudente prever o pior, o perigo que acabo de apontar é mais um argumento a favor da satisfação do meu pedido.
Com a proposta de lei que esta Assembleia está a discutir veio o Governo da Nação mostrar, mais uma. vez, o seu interesse pelas desprotegidas populações rurais e tornar possível, dentro de um prazo que todos desejamos que seja curto, a satisfação da mais premente das suas necessidades.
Depois de chamar a atenção do Governo e da Assembleia para a situação em que se encontram muitas povoações do nosso país, idêntica à que acabo de apontar, vou fazer ligeiras considerações a respeito da proposta de lei em discussão, não me alongando, para não repetir o que já foi dito por distintos colegas que fizeram uso da palavra.
A proposta de lei é indiscutivelmente digna da aprovação da Assembleia, concordando eu na generalidade com as alterações propostas pela Câmara Corporativa, limitando-me a observar que quanto à base IV se deve ter em atenção que geralmente as câmaras municipais não têm possibilidades de abastecer de água os povoações que se encontram nas condições atrás apontadas, a não ser que o Estado faça todas as despesas com a prospecção e abastecimento, visto que, encontrando-se a água a grandes profundidades, a sua captação importará em quantias muito elevadas, que as câmaras, mesmo com a comparticipação do Estado, não poderão fazer na maior parte dos casos.
Abençoada será, porém, toda a despesa que o Estado faça em benefício dos camponeses, especialmente dos habitantes das serras, que são, na sua imensa maioria, portadores das mais nobres qualidades que distinguem a raça portuguesa.
Bem sei que é necessário proceder a estudos demorados, fazer prospecções laboriosas e planear com cuidado os trabalhos a realizar para execução desta lei, mas será um benefício de altíssimo valor que o País ficará a dever ao Governo de Salazar quando todas as povoações portuguesas ficarem com o seu abastecimento de água devidamente assegurado.
Até sob o ponto de vista político esta lei é de um enorme alcance, contribuindo, certamente, para que as populações rurais, e especialmente os pequenos proprietários, não continuem a abandonar as suas aldeias, criando uma situação ruinosa para a nossa agricultura, que, além de todos os males que a perseguem e que nesta Assembleia têm sido apontados numerosas vezes, está a lutar com uma falta de trabalhadores que em muitas povoações do distrito de Leiria, e, aliás, de outros distritos, se está a tornar um facto alarmante, digno da atenção do Governo.
Os trabalhadores e, ao mesmo tempo, os pequenos proprietários, que têm sido a grande força desta situação política, abandonam as suas aldeias e as suas modestas courelas e vão para as vilas e cidades, e os trabalhadores que vão ficando, geralmente os que menos valem, exigem salários que, embora sejam modestos comparados com os que auferem os operários da indústria e da construção civil, são incomportáveis para os proprietários da terra, cujos produtos mantêm os mesmos preços, ou pouco mais, há longos anos, quando tudo aquilo de que precisam e os salários dos trabalhadores têm aumentado em proporções bastante elevadas.
Pela leitura do projecto de lei, da autoria do grande Ministro engenheiro Arantes e Oliveira, já hoje uma figura nacional admirada e estimada desde o Minho ao Algarve, vê-se que há a preocupação de fazer a distribuição de água aos domicílios no maior número possível de povoações com grande número de habitantes.
Estou de acordo com a realização desta utilíssima medida, mas entendo que muito mais necessário será atender, em primeiro lugar, ao abastecimento de água às povoações ou agrupamentos de povoações que a não tenham e necessitam de a ir buscar muito longe, como aquelas a que me referi no principio da minha intervenção.
Não desejo terminar as minhas considerações sem manifestar o meu pleno acordo com o parecer da Câmara Corporativa no que diz respeito à falta de agentes técnicos de engenharia para auxiliarem os engenheiros encarregados da execução dos planos de fomento e das causas que tem originado essa carência.

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refere-se o parecer da Câmara Corporativa, e muitíssimo bem, à exiguidade dos vencimentos desses diplomados, que, para auxiliarem devidamente os engenheiros, são obrigados a adquirir conhecimentos das várias modalidades da engenharia, que os obrigam a estudar e trabalhar muito e que só podem ser bem assimilados para quem tiver vocação e um grau de inteligência bastante elevado.
Tiram os seus cursos, que os habilitam a auxiliar eficazmente os engenheiros diplomados com os cursos superiores e até a substituí-los em certas ocasiões, nomeadamente por motivo de doença, e encontram-se numa situação de inferioridade que se lhes não afigura justa.
Já durante algum tempo foram considerados engenheiros auxiliares e puderam frequentar as escolas de oficiais milicianos e prestar o seu serviço militar com esta categoria, com evidentes vantagens para o Exército, onde, especialmente na arma de infantaria, são necessários oficiais com alguns conhecimentos de engenharia.
Na minha modesta opinião, o País e o Exército tinham vantagem em que se mantivesse esta legislação.
Para a própria engenharia havia vantagem em manter os dois escalões: no cimo, os técnicos universitários; mais abaixo, os diplomados pelos institutos industriais, que são efectivamente os auxiliares dos primeiros.
Actualmente os agentes técnicos de engenharia são considerados, injustamente, na minha opinião, num escalão muito mais baixo. Têm vencimentos muito mais modestos nos serviços do Estado e dos corpos administrativos, viajam em 2.ª classe ou na classe turística quando se deslocam em caminho de ferro ou em navios por conta do Estado e quando são chamados para prestar o seu serviço militar apenas podem ser simples furriéis milicianos, como qualquer outro rapaz que apenas tenha o 1.º ciclo do curso liceal, o que não está nada certo. Dar a mesma categoria a um rapaz com estas habilitações e a outro que tenha um curso ou uma parte de um curso em que é obrigado a obter conhecimentos de matemática e ciências com o desenvolvimento muito aproximado daquele a que suo obrigados nos cursos superiores de Engenharia não me parece justo nem conveniente para os superiores interesses da Nação, que continuará a sofrer a falta de diplomados em Engenharia de um escalão imediatamente mais baixo do que os universitários.
Efectivamente, os agentes técnicos de engenharia, sentindo-se inferiorizados nos serviços públicos, procuram colocar-se, sempre que podem, em empresas particulares, às quais interessa mais a habilidade, competência e inteligência dos seus técnicos do que a categoria oficial que lhes dá a sua classificação.
Outros há que procuram colocações no estrangeiro e ainda outros que tiram o curso de engenheiro, mas que tirariam o mais modesto curso dos institutos industriais se aos diplomados por estes institutos fossem dadas regalias, categoria e vencimento que não têm.
A legislação actual dá origem a que a percentagem de engenheiros formados nas escolas superiores de Engenharia, comparada com a de diplomados nos institutos industriais, seja de 1:1/2 quando logicamente deveria ser de 1:3, coma muito bem o acentua o ilustre relator do parecer da Câmara Corporativa e antigo Ministro das Obras Públicas, engenheiro Frederico Ulrich.
Da situação actual resulta que há agentes técnicos a menos, cuja falta se fará sentir com certeza na execução dos grandiosos planos de fomento que estão em curso em Portugal e nas nossas províncias ultramarinas.
Tenho esperança de que o inteligente, dinâmico, sensato e sabedor Ministro da Educação Nacional estudará este problema de fundo e o resolverá com o seu costumado e sábio critério, no que prestará mais um assinalado serviço ao nosso país.
Sr. Presidente: já abusei excessivamente da paciência de V. Exa. e dos ilustres colegas que tiverem a bondade de me escutar, e por isso vou terminar, declarando que aprovo a proposta de lei na sua generalidade, fazendo votos para que, de harmonia com as suas inteligentes e sensatas disposições, seja possível abastecer devidamente todas as cidades, vilas e aldeias de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão, tendo por ordem do dia a continuação da discussão na generalidade da presente proposta de lei e a discussão na especialidade.
Está encerrada a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados que faltaram à sessão :

Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Frederico Bagorro de Sequeira.
João Pedro Neves Clara.
Jorge Pereira Jardim.
José dos Santos Bessa.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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