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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N º 148

ANO DE 1960 28 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 148, EM 27 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 147.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Urgel Horta requereu informações sobre a construção da ponte da Arrábida, no Porto.
O Sr. Deputado Ferreira Barbosa ocupou-se de um projecto de decreto para a reorganização da indústria de refinação de azeite.
O Sr. Deputado Sarmento Rodrigues referiu-se à tragédia na mina de Clydesdale, na África do Sul.
O Sr. Deputado André Navarro falou sobre a ofensiva comunista na Europa e a contra-ofensiva que é necessária.
O Sr. Deputado Martinho da Costa Lopes ocupou-se da situação dos funcionários publicou de Timor.
O Sr. Deputado Pacheco Jorge tratou da situação dos funcionários públicos de Macau.

Ordem do dia. - Na primeira parte concluiu-se a votação da proposta de lei relativa ao abastecimento de água das populações rurais. Foram aprovadas, sem emendas, as bases XIV, XV, XVIII, XIX e XX; com alteração a base XVI, e foi substituída a bane XVII.
Na segunda parte discutiu-se a proposta de lei em que se transformou o Decreto-Lei n.º 42 178. O artigo 1.º foi aprovado com uma substituição no § 2.º, proposta pelo Sr. Deputado Melo e Castro e outros Srs. Deputados.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.

Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Finto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.

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Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 147.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pediu a palavra, considero aprovado aquele Diário das Sessões.
Deu-se conta do seguinte

Expediente
Ofício
Do Ministério dos Negócios Estrangeiros acerca da constituição do Grupo Interparlamentar de Amizade Turco-Português.

Telegramas
Dos industriais de Gouveia Belino & Belino a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Santos Júnior sobre a situação da indústria têxtil perante o agravamento pautal.
Do advogado Ferreira Lourenço a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Nunes Barata sobre a equivalência oficial dos estudos nos seminários.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para apresentar um requerimento o Sr. Deputado Urgel Horta.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento
"A ponte da Arrábida, notável empreendimento realizado sob a égide do Estado Novo, será forte motivo de extraordinária importância, quer pelo arrojo da sua construção, quer pelo interesse inerente à função que lhe vai caber, estabelecendo as comunicações necessárias, que ao desenvolvimento e ao progresso da Nação trarão os mais reconhecidos benefícios.
Obra de alta engenharia, realizada à custa de pesados encargos, a sua exploração desempenhará na economia do País papel do maior relevo e magnífica valorização nos diversos sectores da nossa actividade.
Todo o País, e no caso especial o Porto, ficará a dever ao Estado Novo, representado pelo Sr. Ministro das Obras Públicas, estadista e técnico de reconhecida envergadura, assinalados benefícios fomentadores da exploração das nossas riquezas, concedendo-lhe meios indispensáveis ao seu desenvolvimento.
A ponte da Arrábida, enfileirando no número das mais gradas realizações, encontra-se na hora presente bastante atrasada em relação ao período de tempo que lhe foi concedido para a sua construção, e este facto leva-me a requerer:
1.º Que, pelo Ministro das Obras Públicas, ao abrigo das disposições constitucionais, me sejam prestados esclarecimentos das causas e razões do atraso sofrido pela obra na execução do plano referente à ponte da Arrábida;
2.º Que me sejam fornecidos dados informativos acerca da data provável em que a ponte estará concluída e se poderá efectuar a sua inauguração."

O Sr. Ferreira Barbosa: - Sr. Presidente: a Direcção-Geral dos Serviços Industriais submeteu recentemente à apreciação das empresas directamente interessadas - apreciação que teria de ser fugaz e precipitada, dado o curto prazo para ela consentido - um projecto de reorganização da indústria de refinação de azeite, que se propunha entregar em dia certo e já determinado
- não sei mesmo se realmente o fez - a S. Exa. o Sr. Ministro da Economia.
Trata-se de um projecto assaz ambicioso, em que a fantasia e o delírio das grandezas parece terem dado as mãos. Dominado inteiramente pela preocupação da "dimensão" em todos os seus aspectos - na

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grandiosidade de instalações, para as quais se começa por fixar, em puras condições de arbítrio, um mínimo de área territorial; em capacidade de laboração tal que reduziria para duas instalações únicas, quando muito, a sua viabilidade perfeita; no volume de capital mínimo exigido; nas exigências sobre a estruturação administrativa e técnica, etc. -, tal projecto afasta-se do mínimo senso das realidades e constituiria, na sua execução, a prática de um erro de consequências incalculáveis e talvez irremediáveis.
Mas, Sr. Presidente, não pretendo (nem para isso teria tempo ou nisso vejo o maior interesse) criticar o referido projecto de decreto sob o aspecto restrito da sua incidência sobre a vida da actividade que ele pretenderia reorganizar. Porém, as características conclusivas e genéricas de algumas afirmações produzidas no relatório que o deveria preceder quando publicado, o signo de premência e o conceito, certamente e verdadeiramente actual, que parece ter presidido à sua elaboração, pois ressalta claramente da sua leitura - a adaptação da nossa estrutura económica à influência da zona europeia de comércio livre -, levam-me a supor que se trata de um simples elo de uma cadeia e que a referida Direcção-Geral deve ter em sua mente um plano mais vasto: o de estudar e propor a reorganização de muitas, senão de todas, as indústrias portuguesas. Ignoro, aliás, se já terá procedido da mesma forma em relação a algumas outras.
Ora é sobre alguns aspectos de carácter geral que me permitirei fazer algumas considerações. São elas de várias espécies.
Quanto a um primeiro ponto, limitar-me-ei a deixar uma pergunta em aberto, já que me não sinto competente para definir posição própria: será legítima a inserção num simples decreto regulamentar de algumas das disposições previstas nesse projecto? Exemplo: a imposição do tipo de sociedade (a anónima de responsabilidade limitada) a adoptar pelas unidades industriais reorganizadas ou a criar de futuro.
Também me limitarei a aflorar o que me parece a ausência de providência e formalidades claramente previstas nas Leis n.ºs 2005 e 2052, sob cuja égide temos do colocar o referido projecto. Exemplo: a falta de conclusões do trabalho de uma comissão reorganizadora da respectiva indústria, que nunca existiu, porque nem sequer foi nomeada.
Ainda só como gato sobre brasas passarei por outro aspecto gritante: o evidente interesse em colocar pessoal técnico ou, talvez em expressão mais correcta, pessoal diplomado - em profundo contraste com a mais completa indiferença pelos interesses do pessoal operário actualmente ao serviço da actividade em causa. Que um amigo me perdoe usar a tal respeito palavras suas, porque não encontrei outras que se lhes pudessem substituir: «se se quer produzir barato, se o objectivo fundamental é a adaptação da indústria portuguesa ou da sua estrutura económica à influência da zona europeia de livre cambio, como é que se encontra como melhor caminho para essa adaptação os encargos chorudos provenientes de um delegado do Governo, um engenheiro, um meio engenheiro, um analista, etc., quando afinal de contas o Estado, nas suas próprias actividades, tem enveredado pelo caminho das acumulações, que por vezes se encontram já por dezenas. Atente-se bem não só no paradoxo, como na imoralidade, que isto representa: em nome de uma redução de encargos fabris e administrativos criarem-se empregos para os protegidos».
Finalmente, e fiel aos princípios de uma doutrina que sigo e procuro defender, na medida das minhas possibilidades, é no seguinte aspecto que me deterei: a
forma como se entendeu consultar a actividade - melhor diria, dar conhecimento aos directamente interessados - sobre o referido projecto.
E ela sintomática daquilo que infelizmente se verifica tantas vezes: serem os próprios serviços públicos a ignorar as verdades do nosso sistema, a proceder como se desconhecessem a existência da organização corporativa e a infligir-lhe assim profundos golpes no seu prestígio. De facto, o projecto a que me venho referindo foi enviado individualmente aos empresários e dele se não deu conta de espécie alguma à organização corporativa respectiva, que para nada foi ouvida nem achada. Creio até - para triste consolação minha ... - que tal esquecimento abrangeu mesmo o organismo de coordenação económica existente no respectivo sector e, como é óbvio, dependente do mesmo Ministério!
Pensar-se-á, realmente, prosseguir na tão anunciada revolução industrial - a sua necessidade é invocada no relatório do referido projecto - com tão completa ignorância e desprezo pela organização corporativa, pilar do regime?
Por outro lado, pude informar correctamente quem parta única e exclusivamente dos seus próprios pensamentos ou de simples frases ou palavras feitas? E que até se não esforce por compreender e analisar as opiniões dos outros, limitando-se, quando muito e displicentemente, a admiti-las como elementos acessórios de estudos definitivamente concluídos em seu entender?
Sr. Presidente: não pense que nego aos técnico-burocratas, incluindo aqueles do departamento que hoje pus em causa, o alto valor pessoal, competência e dedicação que a grande maioria, senão em muitos casos a totalidade, possui. Simplesmente, o que não posso - até porque a evidência o demonstra - é reconhecer-lhes conhecimentos enciclopédicos ou de ciência absoluta, admiti-los como sendo potencialmente os detentores de qualidades que fariam deles os melhores técnicos, os melhores comerciantes, os melhores industriais, talvez e até, a continuarmos assim lá chegaríamos, os melhores portugueses.
E desejo afirmar que, em minha opinião, os serviços, procedendo dessa forma, se desviam na realidade das suas funções de servidores dos interesses públicos e gerais, em que lhes cabe agir, não como tutores de quem quer que seja, mas sim como colaboradores - dando e recebendo ideias - de todos os que contribuem com o seu esforço e com os seus capitais para o desenvolvimento económico da Nação, procurando o justo ponto de encontro e conciliação harmónica entre as várias opiniões divergentes (que todas elas podem ter o seu lado aproveitável) e preparando-se assim para ser os informadores fiéis, justos e imparciais dos homens que governam.
Ora, creio sinceramente ser no seio da organização corporativa que essas várias opiniões (e não só dos mais directamente interessados) se podem concretizar de forma mais eficiente, com verdadeiro sentido das realidades, e creio ainda que, pelo menos nesta Casa, ninguém duvida da bondade da organização corporativa quanto às suas funções representativas das várias actividades e informativas dos problemas que lhes digam respeito.

Vozes: - Muito bem, muito bem

O Orador: - E é tudo isto, Sr. Presidente, que me leva impertinentemente a malhar mais uma vez ... no ferro frio.
Quando da comemoração do 26.º aniversário do Estatuto do Trabalho Nacional, e coincidindo com mais um passo dado no caminho da estruturação corporativa das actividades económicas, e esse verificado já em

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campos que se avizinham, que participam mesmo do carácter de actividades culturais (quero referir-me à instituição das Corporações da Imprensa e Artes Gráficas e dos Espectáculos), S. Exa. o Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social proferiu um importante discurso, ao qual talvez não tenha sido dado o necessário e merecido relevo. Foi o caso de certa imprensa - e até aquela que maiores responsabilidade tem -, que, não o transcrevendo na íntegra, omitiu precisamente aqueles pontos em que S. Exa., com inteiro espírito realista e com inegável coragem, apontou a existência de duas correntes extremistas a respeito da extensão dos legítimos poderes de acção e intervenção económica que, na sua justa medida, penso eu, têm de constituir necessário apanágio das corporações, para que elas se não transformem ou em perigosas e anti-sociais cidadelas de defesa de interesses particularistas ou, na inversa, em organizações vazias de conteúdo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Soube S. Exa. denunciar, primorosa e magistralmente, os perigas que se acoitam de um e de outro lado dessas concepções, ambas contrárias ao espírito da nossa política e da nossa doutrina.
E é preciso realmente que todos compreendamos e sintamos o mal que pode resultar de atitudes extremas, embora sinceras e bem intencionadas, possivelmente e mesmo muitas vezes justificadas sob determinados aspectos de carácter restrito.
Esquece-se frequentemente que a procura e oferta simultâneas de real colaboração, que o uso da persuasão com a autoridade resultante da verdadeira competência e dedicação se substituem com vantagem aos iluminismos, autoritarismos ou pedantismos de ciência certa; que é bem fácil, com um pouco de maleabilidade e de ecletismo razoável e prudente, sem histerismos, desbravar caminhos, cortar arestas, facilitar soluções, adquirir mais e mais sinceros colaboradores, atingir os objectivos necessários e convenientes, sem bravatas e sem bravames, enfim, construir de facto, não talvez optimamente, mas o melhor possível!
E porque todos nunca seremos de mais para as tarefas que nos incumbem, nunca também me cansarei de repetir que se torna indispensável e urgente definir, clara e nitidamente, o meio termo justo em que todos nos possamos e devamos encontrar.
Mas, Sr. Presidente, eis porque também julgo ser impossível a coexistência de formas diferentes de encarar os grandes problemas de parte dos vários departamentos do Estado.
Um nosso ilustre colega, hoje chamado a funções de maior responsabilidade, pois é membro do Governo, o Deputado Dr. Dias Rosas, actualmente Digmo. Subsecretário de Estado do Comércio, falou aqui, na última sessão legislativa, da divergência de óptica dos Ministérios das Corporações e da Economia.
Se ela realmente existe - e todos nós sabemos que isso depende sempre e afinal mais do espírito e da actuação do funcionalismo do que dos próprios titulares das pastas -, urge fazê-la desaparecer, empregando para tal todos os meios, mesmo os mais drásticos.
Os assuntos económico-sociais não podem ser dissociados ou encarados com espíritos diferentes. Ora, se, em atenção àquela necessidade apontada pela sabedoria popular no apólogo, da galinha dos ovos de ouro, será por vezes prudente ocorrer - sempre e só com cunho de transitoriedade - a interesses de carácter económico imediato e exclusivo, forçando mesmo a demoras ou retardamentos - nunca a desvios - na execução de um programa de melhorias de índole social (e isso será afinal mais aparente do que real), a verdade é que nunca os aspectos puramente económicos poderão ou deverão sobrepor-se ao problema social, dado que a solução deste é um fim, um objectivo, e aqueles só podem ter relevância considerados como meios de a encontrar, apressar, e nunca de a retardar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Se a indispensável acção da parte do Estado para a consecução de uma vida melhor e de uma mais perfeita justiça social depende, afinal, da actividade - e da actividade conjugada - de todos os Ministérios, não é mimos certo que será com aquela que for conduzida pelos departamentos ligados com os assuntos económicos que estará em mais íntima correlação.
Por outro lado, se aos próprios empresários particulares se exige - e muito bem - que se conformem com as limitações, para a sua acção e para os seus lucros, resultantes do reconhecimento dessa finalidade, como se poderá admitir que as- coisas se passem diferentemente em relação com a acção e o espírito dos departamentos ministeriais?
Destas premissas resultam facilmente os seguintes corolários:
a) A necessidade de uma coordenação superior e efectiva das actividades e dos assuntos económico-sociais que abranja - respeitando, evidentemente, a sua necessária e conveniente autonomia específica nos aspectos particulares das suas respectivas esferas de acção - a actividade das Secretarias de Estado das questões económicas, dos departamentos do trabalho e previdência social e ainda de quaisquer outros no tocante à sua acção sobre actividades económicas, hoje não integradas no Ministério da Economia;
b) Certos, como estamos, de que, adentro do nosso regime, a existência dos três elementos - capital, técnica e trabalho - é considerada indispensável à orgânica económica da sociedade e consentânea, se não também indispensável, aos objectivos de carácter social que prosseguimos, só será lógica e justa a política que procure, por igual e imparcialmente, a defesa e coordenação dos interesses e das legítimas posições de todos eles.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: porque sinceramente convicto do que em tais problemas pode estar um calcanhar de Aquiles da nossa política, que não da nossa verdadeira doutrino, insisto nestes depoimentos de homem simples.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sarmento Rodrigues: - Sr. Presidente: no fundo de uma mina de carvão de Clydesdale, na vizinha União Sul-Africana, estão soterrados, talvez para sempre, 194 trabalhadores moçambicanos, vítimas d desmoronamento e obstrução que lhes impedem o caminho da saída. Nem porque a catástrofe teve lugar num país estrangeiro podemos nós alhear-nos de triste realidade de que se trata, da perda provável de 104 compatriotas nossos, que honestamente procuravar ganhar a sua vida, tendo afinal encontrado no seu caminho a morte. Moçambique está de luto, e com ele a Nação Portuguesa.

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Não tenho qualquer conhecimento oficial sobre as condições em que se deu o desastre. Sei apenas que a imprensa refere possíveis más condições em que a velha mina já se encontrava. Mas estou certo de que o nosso Governo estará atento a tudo o que possa dizer respeito à segurança dos trabalhadores portugueses, visto que nós sabemos que existem até entidades portuguesas especiais encarregadas de velar pelas condições de trabalho e pela protecção aos trabalhadores que de Moçambique se deslocam à África do Sul e Federação da Rodésia e Niassalândia para exercer a sua actividade nas minas e na agricultura.
É certo que neste momento existem já em Moçambique cada vez melhores condições de vida, mais trabalho e ocupações para os naturais, podendo esperar-se que se não torne necessária a saída para o estrangeiro em busca de trabalho. As obras de povoamento do vale do Limpopo, as notáveis obras levadas a cabo com o enxugo dos machongos da Inhamissa, o desenvolvimento industrial, etc., estão concorrendo cada vez mais para a fixação das populações. No entanto, há uma tradição de trabalhos nas minas que ainda se mantém e que leva muitos portugueses do Moçambique a deslocarem-se temporariamente para a União.
Foi entre estes homens que a má sorte agora desabou, lares e esperanças desfeitos, famílias e aldeias de luto.
São 194 portugueses que perderam as suas vidas; daqueles portugueses que nem por estarem no fundo soturno das minas de carvão, em terras estrangeiras, deixavam de proclamar o seu portuguesismo, como bem o souberam personalidades destacadas portuguesas que acidentalmente as visitavam e que eram surpreendidas, com frequência, por estas palavras saudosas: «Eu também sou português».
São destes os 194 portugueses quo consideramos perdidos e que tanto se orgulhavam da sua nacionalidade. Esses honestos e modestos portugueses cuja perda hoje todos nós lamentamos, acompanhando Moçambique no seu luto e na sua dor.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: quanto mais se desenvolve no mundo ocidental, por via de múltiplas formas, a acção ofensiva desta guerra fria movida pela Rússia Soviética, mais se esclarecem as verdadeiras finalidades de tão apregoada «coexistência pacífica», fórmula ofensiva iniciada por Khruschtchev e que define uma nova fase táctica do comunismo russo para o domínio do mundo pelo imperialismo soviético. De pacífico, porém, tem esta fórmula apenas o nome e a atitude quase passiva adoptada pelo mundo ocidental, em referência a vários aspectos da sua defesa, perante as ameaças soviéticas.
Quem atente nas formas variadas da acção ofensiva da força materialista do comunismo russo, na actual conjuntura política, económica e social do Mundo, não lhe pode, contudo, negar nem valor potencial nem efectividade dos meios postos em acção para diminuir a resistência das forças do Ocidente. Dentro das suas fronteiras criou a Rússia e mantém em plena actividade uma incomensurável máquina industrial, em que a unidade humana é apenas simples peça deste complexo maquinismo e em que as necessidades materiais e espirituais da pessoa humana furam reduzidas a escala do estritamente necessário, sob o ponto de vista biológico, para a manutenção de elevada produtividade, desligando, porém, o homem de todos os elos que o elevavam permitindo a natural supremacia do espírito.
As liberdades da pessoa humana, bandeira desfraldada pelas democracias velhas e novas, criadas todas elas à imagem largamente ultrapassada de 89, constituíram o principal trunfo neste jogo tão desigual, dando possibilidades efectivas de êxito ao marxismo em espaços imensos do continente asiático e mais recentemente, do africano, estimulando em ricos meios de cultura, todos eles mais ou menos socialistas, o germinar da má semente. E, como epílogo, até a própria liberdade da escolha do trabalho e ainda outros direitos jamais negados ao homem livre são suprimidos no paraíso moscovita e no imenso espaço chinês - digo - negados em nome da mesma liberdade e considerados apenas como miragens que o mundo burguês erigiu para conseguir o domínio total da massa proletária.
Não nos deve, por isso, admirar que a propaganda comunista seja agora sub-reptìciamente dirigida no sentido de destruir progressivamente o que há de mais sólido nos alicerces da civilização ocidental - aquelas verdades que dois milénios de civilização têm vindo sucessivamente a consolidar.
A noção de patriotismo, que liga intimamente todos aqueles que nasceram no mesmo torrão;
O ideal de família, fundamento da estrutura das sociedades;
O sentimento, que é saudade dos entes queridos, que liga o passado ao futuro - força que é tradição e que em cada momento é essencia da continuidade da Nação; E, acima de tudo, o amor que o homem vota ao Criador e que os agentes da dissolução pretendem fazer crer, aos simples, ser apenas idolatria habilmente criada para o domínio dos povos pelas oligarquias do capital. Tudo, digo, valores incomensuráveis, sedimentados por milénios de civilização e que a ofensiva comunista deseja, por razões óbvias, fazer desaparecer totalmente do espírito humano, para assim facilmente impor o domínio da sua força materialista a um mundo reduzido à mais negra das escravidões.
«Ofensiva» é, pois, a única palavra de ordem do mundo comunista; ofensiva em todos os campos e em todos os sectores, usando as mais variadas formas e servindo-se dos mais variadas tipos de agentes, dispersos e imiscuídos nas sociedades do mundo ocidental.
Como tem respondido a esta guerra total o mundo do Ocidente? Procurou, de facto, este mundo criar uma estrutura própria, política, social a económica, suficientemente forte, estimulando ele próprio a sua evolução por forma a poder, fortalecendo-se espiritual e materialmente, vencer, nesta luta titânica, as forças do mal?
Apenas a luz que brilha nesta pequena península do ocidente europeu, e que já foi suficientemente forte para alumiar séculos de civilização, volta hoje a ter alta culminância no mundo do espírito. Do seu irradiar surgem, a cada momento, em múltiplos horizontes, os verdadeiros caminhos da salvação da humanidade. Razão por que sobre ela incidem também, com redobrada violência, as arremetidas do inimigo. Porém, infelizmente, os passos dados pela maioria dos condutores da política ocidental continuam a pecar por falta de originalidade, limitando-se a repetir, teimosamente, erros do passado e não permitindo, assim, que floresça uma nova renascença capaz de dar frutos correspondentes às exigências do século. Assim é que para combater alguns dos grandes erros consequentes do caminhar por falsas veredas, como a dos nacionalismos e racismos exacerbados de povos evoluídos, tem seguido por atalhos não menos perigosos, como o de estimular nacio-

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nalismos e racismos de povos atrasados, gerando, assim, perigosa anarquia em vastos territórios dos continentes asiático e africano e preparando meio propício para o fácil germinar de todas as sementes de subversão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, o comunismo russo, praticando, no seu dilatado espaço, uma preparação técnica e económica francamente dirigidas, por forma a estimular a criação de bens de uma indústria posada e assim armazenar material bélico suficiente para as grandes ofensivas do futuro, semeia, pelo contrário, para cá da «cortina de ferro», e a semente tem germinado bem, uma euforia de novas necessidades de bens de consumo que as metrópoles da moda diversificam ao máximo. E, paralelamente, acompanhando este desgaste incomensurável de riquezas, vai estimulando o comunismo, o dessoramento dos costumes, por via de uma literatura pré-fabricada nas suas oficinas de dissolução e que difunde especialmente entre a juventude, conseguindo por esta forma acentuar a anemia das resistências pelo desaparecimento das virtudes. Não nos deve, pois, admirar que instituições que deveriam sor apenas destinadas a premiar valores indiscutíveis, excepcionais, da inteligência e da cultura, se encontrem hoje enfeudadas a uma política de sectores de duvidosa acção, nesta luta de vida ou de morte que o Ocidente trava com o mundo comunista. Assim, também, não nos deve admirar, nesta acção contínua de sabotagem desenvolvida pelo inimigo, que, por exemplo, foguetões americanos vão estoirando, nos vários andares, como peças de fogo de vista do nosso delicioso Minho ou que fabricas de aço, na América do Norte, paralisem durante meses a vida industrial dessa grande nação, quando factos como estes na livre Rússia, caso se verificassem, logo se extinguiriam, porém, por processos que é inútil referir, por serem de todos conhecidos. Não deve constituir também motivo de admiração que alguns cubanos, nas barbas da América do Norte, se disponham a instalar um foco de irradiação comunista, que já vai tendo desagradáveis reflexos em alguns países sul-americanos. E como admitir, também, por outro lado, que, em pleno Paris, continuem a morrer parisienses, simples e involuntários espectadores de ferozes lutas entre agitadores norte-africanos?
Quando tudo isto e muito mais é possível na época que decorre, factos que até muitos insistem ainda em considerar como definidores da superioridade das livres democracias, não podemos deixar de afirmar, embora nos contriste fazê-lo, que, infelizmente, trabalham a soldo do império russo muito mais espiões e traidores que a maioria dos ocidentais poderia supor. A dificuldade em os denunciar e classificar reside apenas no desenvolvimento da técnica do mimetismo político em que os especialistas russos se tornaram verdadeiros mestres e no número elevado de alunos que têm para cá da «cortina de ferro».

(Assumiu a presidência o Sr. Deputado Joaquim Mendes do Amaral).

Vem todo este arrazoado como simples prólogo de algumas intervenções que me proponho fazer nesta Assembleia sobre aspectos políticos, económicos e sociais, consequentes de uma atitude do mundo ocidental, que representa, a meu ver, o primeiro passo importante dado nos últimos tempos no sentido de acrescer, por forma efectiva, à sua defesa. Trata-se, na realidade, de uma defesa concebida segundo a única forma que considero profícua, isto é, levando o cabo uma ofensiva, em moldes adequados, contra o trabalho destrutivo conduzido pelo inimigo e tendo em atenção os principais objectivos que ele pretendo, neste momento conjuntural, atingir.
O Plano Marshall evitou, na realidade, no fim da última guerra, que o mundo do Ocidente caísse, por inanição, nas garras do comunismo. As organizações subsequentes de carácter político, económico e social consolidaram o inteligente plano ideado por esse notável estadista americano recentemente desaparecido. Faltava, porém, que o Ocidente realizasse o indispensável trabalho de procurar estimular a vida económica e social dos países menos evoluídos e corrigir também as desigualdades sociais mais gritantes, dando por essa forma a todos os povos situados para cá da cortina de ferro condições para poderem usufruir, progressivamente, dos benefícios da civilização que os ilumina.
Organizado o mercado dos seis para materializar mais uma utópica ideia, quem sabe se estimulada pelos peritos da União Soviética, de abolir, a par das fronteiras económicas, a autoridade nacional, pela criação de um superestado europeu, surgiu em outra banda da Europa o bom senso, representado pelo bloco dos sete, tendo, de facto, o mesmo objectivo de eliminação das fronteiras alfandegárias, que artificializaram a vida económica e social do Mundo, permitindo, porém, que continuem a florescer as nacionalidades, principal viço da unidade da civilização do Ocidente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Presentemente estão-se realizando os primeiros trabalhos para que essa nova força só generalize a todo o continente europeu - para cá da «cortina de ferro» - e a ele se associem os Estados Unidos e o Canadá. E uma vez conseguido, em bases sólidas, esse desiderato, ter-se-á estruturado, de facto, a grande ofensiva com que o mundo ocidental poderá fazer valer então, neste século que decorre, os seus incontestáveis direitos de continuar a ser mentor de novas civilizações.
As perspectivas que resultam dos acordos previstos obrigam-nos, porém, a todos, países pobres e países ricos, e a nós especialmente, país de larga expansão territorial, abrangendo vastas zonas em estado imperfeitamente evoluído, a caminhar por directrizes bem diferentes daquelas que o clima dos nacionalismos económicos tinha imposto em fase já ultrapassada da história contemporânea. A série ale bataglias dei grano e tantas outras campanhas da produção levadas a cabo no sentido da auto-suficiência económica, sem olhar sèriamente a problemas de níveis de existência e de justiça social, deu lugar a um clima bem diferente de adaptação das actividades nacionais às possibilidades reais do meio, evitando os artifícios que possam conduzir a acréscimos de custos de produção e a declínios de níveis de existência social.
Não serão assim admissíveis de futuro iniciativas que conduzam ao aparecimento de mais unidades industriais parasitárias, nem auxílios para manutenção das existentes além do que for considerado necessário para a sua reestruturação, sob pena de estarmos a contrariar a louvável iniciativa que tem por fim melhorar as condições de vida de todos os povos da Terra. Como também não se poderá olhar, apenas, de futuro, sob o prisma restrito da economia de uma unidade ou de várias unidades empresariais ou ainda mesmo de um sector, na resolução de problemas que lhes digam principal respeito, quando sabemos, hoje, que a economia e a vida social só dilataram a espaços muito mais largos e que também qualquer injustiça social, embora circunscrita, mas não rectificada a tempo, irá originar decerto

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reflexos mais ou menos acentuados no conjunto da vida económica e social de uma nação ou de um grupo de nações. Haverá assim, por exemplo, entre muitos, que evitar as inúmeras delapidações de capital e de trabalho consequentes da concorrência estéril de certas actividades industriais, como largamente se verifica entre nós em referência aos transpores rodoviários e ferroviários, criando situações económicas puramente artificiais, com nefasta influência nas remunerações do trabalho de extensas massas trabalhadoras e prejuízos incalculáveis para a economia da Nação, pela diminuição acentuada da rentabilidade do sistema em virtude de ele responder por forma cada vez menos perfeito às solicitações do procedo produtivo.
São estas ligeiras notas ditas apenas para exemplificar entre o muito que havia a dizer sobre a profunda mutação que haverá de se operar na mentalidade dos nossos dirigentes, no mundo da administração pública e do privado, por forma a podermos caminhar, de futuro, com a necessária celeridade, na conquista do tempo perdido durante quase século e meio de anemia económica, com os consequentes reflexos no nível de existência do nosso povo.
A decisão tomada pelo Governo de associar o País, nas condições que foram aprovadas entre as sete nações participantes, à zona do mercado livre da Europa, representa, por tudo o que foi dito, atitude de valor excepcional na definição dos futuros horizontes da nossa vida económica. Merece, por isso, o Governo, e muito especialmente o ilustre Secretário de Estado do Comércio, Doutor Correia de Oliveira, o agradecimento da Nação, muito especialmente pela forma inteligente e sensata como conseguiu que fossem respeitados os legítimos interesses de um país empenhado num apreciável esforço de desenvolvimento económico em largos espaços do seu extenso território.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Porém, a atitude tomada pelo Governo da Nação impõe, como se deduz das bases do acordo, deveres imediatos, de que serão responsáveis entidades várias nos diversos graus de hierarquia da administração pública, da organização corporativa, bem como administradores, e gestores de empresas e explorações privadas; digo obrigações, cujo exacto cumprimento faculte, uma vez ultrapassados os prazos previstos no acordo, o podermos tomar em posição de igualdade com os restantes membros da convenção o nosso lugar à mesa redonda das conferências e reuniões dos países participantes.
Serão as perspectivas que se apresentam para a resolução de tão importante como difícil situação, em relação aos principais sectores da vida económica do País, que constituirão os temas de futuras intervenções que me proponho fazer nesta Assembleia.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Martinho da Costa Lopes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: de acordo com os objectivos de política social que o Governo do Estado Novo, sempre atento à evolução dos acontecimentos, se tem empenhado em realizar na medida do possível, saiu o ano passado a publicação do diploma governamental que permitiu a remodelação dos vencimentos do funcionalismo, desde a mais modesta à mais elevada categoria.
Ao faze-lo, foi certamente objectivo do Governo corrigir, dentro das possibilidades económico-financeiras de que o País dispunha, a desactualização dos vencimentos, efectuando os reajustamentos que então se impunham, a fim de melhorar a situação dos servidores do Estado, nomeadamente, do pequeno funcionalismo, aumentando-lhe o poder de compra de forma a permitir-lhe enfrentar um tanto mais desafogadamente o nível de vida, que subiu consideràvelmente a partir de 1936.
Ora, é dentro deste, espírito de equidade, que preside à política do Estado Novo, que me não parece fora de propósito trazer à consideração desta Câmara a diferença de situação em que se encontram os funcionários de Timor com respeito ao regime vigente de licença graciosa concedida pelo Estado.
Na verdade, o Estatuto do Funcionalismo Ultramarino prevê no corpo do seu artigo 221.º o seguinte:
Os funcionários que tenham prestado serviço contínuo nas qualidades indicadas no § l.º do artigo 214.º durante cinco anos no Estado da Índia, em Macau e em Timor e durante quatro anos nas restantes províncias têm direito a licença graciosa...
Não resta dúvida de que, reconhecendo tal direito nos funcionários ultramarinos, ao legislador não passou despercebida a necessidade premente de os servidores do Estado que se encontrem destacados em serviço activo no ultramar virem de tempos a tempos retemperar as suas forças na metrópole, respirando os ares pátrios, actualizando os seus conhecimentos, arejando as suas ideias, para, depois, remoçados de novas energias, regressarem ao seu posto e se dedicarem de alma e coração à tarefa grandiosa de servir o Portugal ultramarino.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E assim como, no organismo humano, o fluido sanguíneo, à medida que se vai afastando do coração para a periferia mais carece de oxigénio, que volta a haurir junto do órgão central, para depois ir alimentar as células distantes, assim também penso que nas províncias ultramarinas que pela sua situação geográfica se acham mais afastadas da metrópole maior precisão tem o seu funcionalismo de voltar a receber dela novo alento, novo calor e nova vida para a salutar e indispensável reparação das suas energias físicas e morais, depauperadas pelo desgaste inelutável do tempo e dos climas tropicais.
Sendo isto assim, não se percebe por que motivo os funcionários das províncias do Oriente, nomeadamente do Timor, precisam de completar cinco anos para terem direito a licença graciosa, quando nas províncias da África esse tempo é fixado em quatro.
Nem se diga que o critério que levou u adoptar-se tal contagem de tempo para aquisição do direito a licença graciosa obedecia a factores de ordem económica, pois, quanto a nós, Sr. Presidente, maior soma de energias se pouparia aos funcionários, com a sua natural projecção benéfica nos serviços públicos, e, consequentemente, maior rendimento se obteria do funcionalismo de Timor, se este fosse tratado, não digo já em condições mais vantajosas, mas ao menos em pé de igualdade com os das províncias africanas.
Mais. Tendo em conta que a província de Timor é de facto a que geogràficamente. mais afastada se encontra da metrópole, e não perdendo de vista que esta diferença de tratamento não serviria a ninguém de incentivo para nela trabalhar desinteressadamente, mais se evidencia a necessidade de se proceder a um indispensável reajustamento, que, a ser levado a efeito nos termos já sugeridos, não só atenuaria a dificul-

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dade quase insuperável que representa tantas vezes para o Governo recrutar pessoal hábil e competente que queira prestar serviços na província, como até ajudaria, em certa medida, a vencer a relutância de muitos funcionários, que, ao serem designados para Timor, ou se recusam a lá ir, ou, se para lá vão, forçados entre a espada e a parede, como se costuma dizer, passam por um verdadeiro suplício e fazem da província apenas um trampolim estratégico, que os habilita a dar mais facilmente o salto para as demais províncias ultramarinas.
Sr. Presidente: outro ponto que me proponho focar hoje é a situação em que se arrasta penosamente na província de Timor um punhado de esforçados e valorosos portugueses, dignos de toda a consideração.
Refiro-me, Sr. Presidente, a velhos militares, sargentos e oficiais aposentados, quase todos com uma larga folha do serviços relevantes prestados à Pátria, sobretudo nas campanhas de 1914 e 1918, tendo honrado com provas inequívocas de patriotismo a farda que vestem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se, com efeito, de homens que, além do mais, deram à província o melhor do seu esforço, da sua juventude, em suma, da sua vida, e, por isso, têm jus a serem mais bem tratados pelo Governo da Nação, que praticaria certamente um acto de justiça, digno de todo o elogio, se procurasse reajustar-lhes a diminuta pensão de reforma que recebem e que, se a aferirmos com o custo de vida que se tem processado em Timor, se encontra inteiramente desactualizada.

ozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não ignoro que o assunto, mercê de exposições feitas pelos próprios interessados a quem de direito, tem merecido o apoio das instâncias superiores.
Todavia, sei também que questões desta natureza se não resolvem apenas com boas vontades, mas requerem uma solução mais rápida e eficaz da parte das entidades competentes, para que não resulte virem somente a ser contemplados os beneficiários depois de os mesmos terem baixado à sepultura.
Sr. Presidente: na minha intervenção parlamentar de 17 de Abril de 1958 procurei, com toda a honestidade e Lealdade dentro da exegese jurídica, abordar o direito de aposentação que assiste, nos termos concordatários, aos missionários seculares que vinham trabalhando na evangelização de Timor desde meados de 1941 em diante, aos quais, atingidos em cheio pelo Decreto-Lei n.º 31 207, de 5 de Abril do mesmo ano, foi pura e simplesmente negado esse mesmo direito.
Infelizmente, já vai para dois anos quase e a situação continua no mesmo pé, não sei por quanto tempo, talvez indefinidamente, sem deixar sequer vislumbrar no horizonte uma rèsteazinha de luz fagueira a sorrir de esperança por entre as brumas de incerteza que pairam sobre o futuro desses valorosos pioneiros da fé cristã.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As razões do ordem jurídica e social que então aduzi para apoiar as considerações nela produzidas e que hoje têm a sua plena validade nada mais terei a acrescentar, mas tão-sòmente quereria mais uma vez solicitar ao Governo que, considerando atentamente a situação delicada das missões de Timor, atravessando uma crise perigosa do crescimento, fortemente caracterizada pelo aumento considerável do número de católicos, em profundo contraste com a escassez numérica de obreiros missionários, se reconhecesse efectivamente ao clero secular que ali trabalha esse mesmo direito.
Tal procedimento da parte do Governo, sem dúvida mais de acordo com os termos concordatários não só viria pôr cobro a unia situação anómala, de flagrante injustiça, como até dignificaria o próprio Governo, que timbra em ser fiel aos compromissos tomados, mormente quando são, como este, de carácter interestadual.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Além disso, o reconhecimento efectivo do direito de aposentação ao clero secular viria ainda facilitar o recrutamento de pessoal missionário na metrópole e ilhas adjacentes para o ultramar português e serviria de lenitivo humano, de reconfortante estímulo moral, para todos aqueles que, depois de uma vida, feita de amarguras, de privações, de heroísmo e sacrifício sem conta em prol de Deus e da Pátria, tenham de regressar um dia ao cantinho de terra que os viu nascer, quando para eles soar a hora do render da guarda.
Termino fazendo votos por que o assunto, dada a importância, o interesse e o carinho que deve merecer do Governo da Nação, não seja votado a um imperdoável esquecimento, e dirijo, mais uma vez, deste lugar, o meu apelo nesse sentido à inteligência esclarecida dos homens que nos governam, confiado nas palavras do Divino Mestre: "Pedi e recebereis; batei e abrir-se-vos-á".
Sr. Presidente: a imprensa divulgou esta manhã a notícia, deveras alarmante, do desaparecimento do avião português que faz a carreira de ligação entre a Austrália e Timor.
Aproveitando o momento em que estou no uso da palavra, não queria, de forma alguma, abandonar este lugar sem acrescentar um voto muito sincero que eu formulo a Deus para que só não confirme a tragédia que facilmente se deixa adivinhar com o desaparecimento do malogrado avião.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pacheco Jorge: - Sr. Presidente: não é a primeira vez, e bem quisera que fosse a última, que, nesta Assembleia, me refiro a tão agudo como momentoso problema qual seja o da situação dos funcionários civis, no activo e aposentados, da província de Macau, no que respeita aos seus vencimentos e pensões de reforma.
Claro é que, referindo-me genericamente a funcionários, a minha atenção e simpatia não podem, contudo, deixar de se concentrar principalmente nos mais humildes e pequenos, para os quais uma melhoria de situação se impõe por forma a permitir-se-lhes um mínimo necessário à sua manutenção e de sua família, dando, por outro lado, à Administração o direito e a força moral necessários para deles exigia o cumprimento integral do seu dever. Tal como a situação se apresenta não pode causar admiração que determinados funcionários sejam louvados pelo zelo no desempenho das suas funções, sejam louvados até pela sua honestidade (louvados por honestidade, meus senhores!), como se não fosse dever imposto por lei a todos os funcionários o serem zelosos e honestos no exercício dos seus cargos.
E tal anomalia encontra explicação exactamente na precária situação em que vegeta a grande maioria dos

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funcionários da província, que não percebe o mínimo dos mínimos necessário para uma existência digna e decente, ainda que modesta, consentânea com a respectiva hierarquia social. Por isso, alguns desses funcionários - felizmente numa pequena percentagem - vêem-se tentados a servir-se de expedientes, recalcando a consciência e deixando-se arrastar por tentações fáceis e aliciantes, tão vulgares, não direi só em Macau, mas em todo o Oriente, para compensarem o déficit de seu orçamento familiar ocasionado pela insuficiência dos parcos vencimentos.

(Reassumiu a presidência o Sr. Deputado Albino dos Reis.)

Uma vez lançados nesse caminho, com sucesso aparente, e animados pela impunidade dos actos de uns quantos que ainda vêem no ultramar um meio fácil e cómodo de conseguir fortuna em curto prazo, embora por meios menos lícitos, vem a natural ambição de também quererem mais e melhor; já não basta o equilíbrio alcançado, é preciso mais, muito mais, para poderem viver num luxo que a sua posição funcional jamais poderia permitir, para, enfim, poderem enriquecer como os outros!
Daí os louvores aos funcionários pelo seu zelo e honestidade, qualidades que, afinal, parecem constituir mera excepção!
Contudo, Sr. Presidente, não considerando o caso esporádico daqueles que procuram expedientes condenáveis para melhorarem a sua situação, e até enriquecerem, é deveras difícil a situação da maioria dos pequenos funcionários da província de Macau, que, em face da insuficiência dos proventos, se vê compelida a entregar-se nas garras dos agiotas, que, a juros elevadíssimos, lhes emprestam o mínimo necessário para se manterem durante algum tempo, findo o qual verificam, impotentes, acharem-se com a situação ainda mais agravada, pois que com as dívidas acumuladas e não pagas vem a penhora dos vencimentos e o subsequente desconto legal, de que o desgraçado funcionário jamais se livrará!
É este, Sr. Presidente, o negro panorama dos modestos funcionários de Macau, e tão evidente e confrangedor é ele que S. Exa. o Governador da província, tenente-coronel Silvério Marques, decorridos poucos meses da sua chegada a Macau, pela Portaria n.º 6464, de 28 de Dezembro findo, restabeleceu a todos os agentes dos serviços públicos da província o direito a assistência médica e cirúrgica, hospitalização e assistência farmacêutica gratuitas, exactamente por reconhecer que em virtude da situação económica dos funcionários públicos, não estão estes em condições que lhes permitam dispensar aqueles benefícios.
É de louvar tão justa como humanitária decisão do primeiro magistrado da província, e por isso desejo, neste lugar, deixar expressa a S. Exa. uma palavra de gratidão e agradecimento.
Bem haja!
Todavia, o auxílio concedido, embora apreciável, não basta para afastar o problema. Há que se lhe dar solução definitiva e adequada, que prestigie a Administração e o regime. Nada de miragens ou melhorias aparentes, em que, ao fim e ao cabo, o infeliz pequeno funcionário fica a vencer tanto ou ainda menos do que anteriormente vencia, mercê dos aumentos nos descontos a efectuar na sua folha de vencimentos.
Sr. Presidente: estou informado de que S. Exa. o Governador, compenetrado da situação aflitiva dos funcionários de Macau e com base num saldo apurado de cerca de 7000 contos, admite e encara a possibilidade de uma melhoria na situação económica desses servidores do Estado, por forma a obviar ou atenuar os males já por mim apontados. Nesta ordem de ideias, e para que o benefício seja efectivo e real para os pequenos funcionários, de pouco servirá dar execução, como se pretende, a uma reforma de vencimentos que, por razões de ordem financeira, não foi ainda posta em vigor em Macau, pois tal reforma, em relação aos pequenos funcionários, seria ilusória por conceder melhoria por um lado e tirar por outro, a ponto de se verificarem casos em que o pretendido aumento, quando não quase nulo, redunda em prejuízo para o beneficiário!
É o caso constante do quadro que se segue:

[Ver quadro na imagem]

(a) Depois de deduzidos 3 por cento para compensação de aposentação.
(b) Depois do deduzidos 6 por cento para compensação de aposentação e 0,5 por cento para assistência aos tuberculosos.

Vemos assim que, com a aplicação do Decreto n.º 42 325, o aumento mensal concedido a um primeiro-oficial é de 8$36, ao passo que um contínuo do liceu, um oficial de diligências da administração civil e um terceiro-oficial, para apenas citar três categorias de pequenos funcionários, viriam a sofrer uma diminuição
seus vencimentos mensais respectivamente de 132$75, 219$45 e 118$96(5), o que é apreciável tendo em consideração os seus respectivos vencimentos.
Por isso, Sr. Presidente, volto a insistir em que a melhoria, a conceder-se, deverá ser, como disse, efectiva e real, por forma a abranger todos, sim, mas contem-

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plando principalmente os mais pequenos e tendo em mente o que se fez em relação à metrópole, em que o aumento foi concedido na razão inversa do montante dos vencimentos.
Estou certo de que o Governo não deixará de apoiar e sancionar o desejo de S. Exa. o Governador de conseguir uma melhoria, para os funcionários de Macau, melhoria esta que se impõe a todos os títulos, visto o Estado, conforme se lê no preâmbulo da Portaria n.º 6464. por mim já citada, «não poder nem dever, embora sacrificadamente, abstrair-se das obrigações que sobre si impendem um relação àqueles que dedicadamente o servem e lhe possibilitam afinal o exercício da própria acção».
E tal melhoria é tanto mais premente quanto é certo que, tendo em boa hora sido publicado o Decreto n.º 42 309, de 6 de Junho de 1959, que promulgou a reforma dos vencimentos militares das forças terrestres ultramarinas, concedendo a estas apreciável e justa melhoria da sua situação económica, coloca os funcionários civis em situação económica de manifesta desigualdade e inferioridade em relação àqueles.
Sr. Presidente: não ficaria de bem com a minha consciência se, nesta minha breve intervenção, não fizesse igualmente um veemente apelo ao Governo para a não menos triste situação dos funcionários aposentados, no sentido de também a estes ser concedida uma melhoria nas suas pensões de reforma, de modo a permitir-se-lhes uma velhice relativamente descansada e desafogada, sem u espectro da fome e da miséria, a bater-lhes à porta.
Impõe-se uma revisão total da sua situação; importa acabar com as anomalias que ainda hoje se verificam, de funcionários da mesma categoria e com o mesmo tempo de serviço, aposentados ao abrigo de disposições legais diferentes, receberem pensões de reforma também diferentes, e, o que ainda é pior, funcionários aposentados de determinada categoria a perceberem pensões de reforma superiores às dos funcionários de categoria superior aposentados anos atras, em regime legal diverso.
As duas tabelas que se seguem são suficientemente elucidativas e convincentes, dispensando quaisquer comentários.

TABELA A
Tabela das importâncias líquidas que como pensão são abonadas aos aposentados civis do ultramar residindo na metrópole:

[Ver tabela na imagem]

(a) A porcentagem indicada diz respeito nos naturais da metrópole o aos que, sendo naturais de uma provindo ultramarina, foram aposentados por outra.

Notas
As importâncias ilíquidas dos grupos são: do grupo C 9.000$, do D 8.000$, do E 7.000$, do F 6.500$, do G 5.900$, do H 5.400$;

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do I 4.900$, do J 4.500$, do K 4.000$, do L 3.600$, do M 3.200$, do N 2.900$, do O 2.600$, do P 2.400$, do Q 2.200, do R 2.000$, do S 1.750$. do T 1.600$, do U 1.500$, do V 1.400$, do X 1.300$, do Y 1.150$, do Z 800$, do ZI 700$ e do ZII 600$.
As diferenças a contar do grupo X são era relação à importância da classe 20.ª

TABELA B
Tabela das importâncias líquidas que como pensão são abonadas aos aposentados civis do ultramar, residindo na metrópole

[Ver tabela na imagem]

(a) A percentagem indicada diz respeito aos que foram aposentados pela província ultramarina de que são naturais.

Na primeira contempla-se a hipótese de funcionários metropolitanos, ou oriundos do ultramar, mas tendo servido em províncias diferentes das da sua naturalirare e que residam na metrópole. Na segunda foca-se a posição dos naturais do ultramar que serviram na própria província donde são naturais e estejam a residir na metrópole.
A título meramente exemplificativo, quero apenas citar a seguinte hipótese: um juiz da Relação do ultramar, contando 40 anos de serviço, atingido pelo limite de idade em 30 de Julho de 1956, sob o regime do Decreto n.º 25 371, receberia de pensão, residindo na metrópole, a quantia mensal de 4.008$60; mas se um outro juiz, também da Relação, com o mesmo tempo de serviço, foste atingido pelo limite de idade 2 dias depois do primeiro, portanto em 1 de Agosto de 1956, e sob o regime do Decreto n.º 40 708, receberia a pensão de 6.580$, ou seja mais 2.571$40 que o primeiro desembargador e apenas com uma diferença de 2 dias nas suas respectivas aposentações!
E se considerarmos o caso de um terceiro desembargador, com 40 anos de serviço, aposentado sob o regime do Decreto n.º 42 325, a diferença é ainda mais acentuada, pois este desembargador receberia a pensão mensal de 7.520$, portanto, quase o dobro do desembargador aposentado em 30 de Julho de 1956!
Estará certa semelhante situação?
Será moral e justa?
Sr. Presidente: situações idênticas se verificam quanto aos funcionários aposentados residentes no ultramar, em que, mutatis mutandis, o quadro se apresenta também desolador.
Para o caso específico de Macau poderei citar o de um primeiro-oficial (recebedor de Fazenda), com 40 anos de serviço, aposentado sob o regime do Decreto n.º 25 371, que percebe a pensão de reforma mensal de $498,33, ou sejam 2.740$81(5), ao passo que um terceiro-oficial - portanto, dois graus abaixo na hierarquia -, com igual tempo de serviço, mas aposentado sob o regime do Decreto n.º 40 708, que percebe a

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pensão de reforma mensal de $446,26, ou sejam 2.454$37(5), o que representa apenas uma diferença de 286$44, para a pensão percebida pelo primeiro-oficial, o que também não está certo nem é justo!
São inconcebíveis e inadmissíveis as disparidades existentes, e mal se compreendem situações semelhantes, que, por isso, urge remediar.
Sr. Presidente: se o direito à aposentação é, por um lado, o reconhecimento do Governo pelos serviços prestados pelo seu agente e a recompensa a este dada, por outro é o triste aviso ao funcionário de que a sua eficiência já não é a mesma e que, portanto, terá de ser substituído, para que a máquina administrativa não empene e o serviço se não ressinta. O funcionário já está velho ou está doente, e portanto, deixou de servir?
Será de mais pedir-se para os aposentados um pouco de simpatia e compreensão?
Será de mais lembrar que os aposentados também têm direito a viver e têm as mesmas necessidades que os dos activo?
Será de mais pedir-se uma actualização e uma revisão das suas pensões de aposentação em conformidade com as actuais condições de vida?
Julgo bem que não.
Ao Governo deixo este apelo, certo de que não será em vão!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador fui muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - A primeira parte da ordem do dia constará da continuação do, discussão na especialidade da proposta de lei sobre o abastecimento de água das populações rurais.
A Câmara tinha ontem discutido e votado na especialidade a proposta de lei até à base XIII, inclusive.
Vão ser lidas agora as base XIV e XV, sobre as quais não há qualquer proposta de alteração.
Foram lidas. São as seguintes:

BASE XIV
1. As obras de abastecimento de água executadas ao abrigo do presente diploma não poderão entrar em funcionamento sem autorização, dada em portaria, do Ministério das Obras Públicas, mediante vistoria da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização e comprovação da potabilidade da água pelos serviços competentes do Ministério da Saúde e Assistência.

BASE XV
1. Poderá ser integrada no programa de execução da obra de abastecimento, beneficiando do regime de financiamento que tiver sido fixado para essa obra, a construção dos ramais de ligação à rede de distribuição de água dos prédios de rendimento colectável inferior ao limite a fixar pelo Ministro das Obras Públicas, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 20 216, de 6 de Dezembro de 1938.
2. Igual disposição poderá ser aplicada, ao funcionamento e instalação dos respectivos contadores.
3. Entrada a obra em exploração, as câmaras municipais ou federações de municípios poderão manter o regime de comparticipação para a construção de novos ramais domiciliários e fornecimento e instalação dos contadores, ou autorizar o reembolso em prestações das respectivas despesas, devendo, porém, os encargos correspondentes passar a ser assumidos pelo serviço de exploração de água.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra sobre estas bases, vai passar-se à votação.
Submetidas à votação, foram aprovadas.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se agora a base XVI, relativamente a qual há na Mesa uma proposta de substituição ao n.º 3. que também vai ser lida.
Foram lidas. São as seguintes:

BASE XVI
1. Cada, serviço de abastecimento de água obedecerá a regulamento a aprovar por portaria do Ministério das Obras Públicas, do qual constarão as condições o que deverá subordinar-se a exploração, particularmente no que respeita às tarifas de venda de água, taxas de aluguer de contadores e escalões de consumo mínimo obrigatório para as diferentes categorias de consumidores.
2. Deverá, quanto possível, assegurar-se a uniformidade das disposições aplicáveis a um mesmo concelho, em especial no que respeita ao valor das tarifas de venda de água.
3. Sempre que as circunstâncias o recomendem, poderá o Ministério das Obras Públicas, ouvidas as câmaras municipais ou federações interessadas, promover a revisão dos regulamentos aprovados e, em especial, com base em estudo económico devidamente elaborado, dag tarifas de venda de água, dos escalões de consumo mínimo obrigatório e das taxas de aluguer de contadores fixados nesses regulamentos.
As alterações que forem estabelecidas constarão de portaria a publicar para cada caso.

Proposta de substituição
Propomos que no n.º 3 da base XVI da proposta de lei n.º 28, onde se lê: "ouvidas as câmaras municipais ou federações interessadas", seja substituído por: "ouvidos os respectivos organismos locais".

Os Deputados: Francisco Cardoso de Melo Machado - José Guilherme de Melo e Castro - José Fernando Nunes Barata.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vou submeter à votação a base XVI, com a emenda formulada ao seu n.º 3.
Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Antes de passarmos à discussão da base XVIII, chamo a atenção da Câmara para o n.º 2 da base XV, que acaba de ser aprovada.
Diz este n.º 2: "Igual disposição poderá ser aplicada ao funcionamento e instalação dos respectivos contadores".
Creio que; a palavra "funcionamento" está aqui posta por erro tipográfico. Deverá entender-se "fornecimento".

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A Câmara Corporativa já chamou a atenção para este facto. Por isso, chamo a atenção da Assembleia para esta circunstância, que a Comissão de Redacção deverá ter em conta ao redigir definitivamente o texto da proposta.
Vou agora submeter à discussão a base XVII, sobre n qual há na Mesa uma proposta de substituição. Vão ser lidas a base e a proposta de substituição.
Foram lidas. São as seguintes:

BASE XVII
1. Os abastecimentos de água executados ao abrigo deste diploma serão, em regra, explorados no regime de serviços municipalizados, que deverão abranger os abastecimentos já existentes.
2. Excepcionalmente, enquanto o volume global da exploração não justificar a existência de serviços municipalizados, poderá ser autorizada a exploração directa pelas câmaras municipais ou federações de municípios, observando-se, porém, o disposto no artigo 10.º e seus parágrafos do Decreto-Lei n.º 33 863, de 15 de Agosto de 1944.
3. Nos casos previstos no número anterior, as câmaras municipais ou federações de municípios deverão criar e manter um serviço técnico competente, responsável perante elas pela condução e conservação das instalações e obras de abastecimento de água, com vista a assegurar a sua conveniente utilização e, em especial, a manutenção da boa qualidade química e bacteriológica da água distribuída.

Proposta de substituição
Propomos que a base XVII da proposta de lei n.º 28 tenha a seguinte redacção:
1. Os abastecimentos de água realizados ao abrigo deste diploma só deixarão de ser explorados em regime de serviços municipalizados quando a sua importância não justifique a municipalização.
2. Sempre que possível, a actividade dos serviços municipalizados já existentes, criados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 33 863, estender-se-á à execução e exploração dos abastecimentos previstos neste diploma ou serão integrados esses mesmos serviços municipalizados num organismo maior resultante da federação de municípios.
3. Nos casos de exploração directa pelos municípios ou da existência de serviços municipalizados não resultantes da federação, deverão as câmaras municipais criar e manter em comum um serviço técnico competente responsável perante elas pela condução e conservação das instalações e obras de abastecimento de água, com vista a assegurar a sua conveniente utilização e, em especial, a manutenção da boa qualidade química e bacteriológica da água distribuída.

Os Deputados: José Guilherme de Melo Machado - José Fernando Nunes Barata - Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente: o serviço de distribuição de água nas sedes de concelho, conforme o disposto nos artigos 6.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 33 863, de 15 de Agosto de 1944, quando não seja explorado por concessionário, deverá sê-lo em regime de municipalização, salvo nos casos em que o Ministro do Interior, ouvido o das Finanças, autorize a sua exploração directa pela câmara, sem a organização a que se refere o artigo 168.º do Código Administrativo.
Entendemos que princípio idêntico se deve consignar na presente proposta de lei.
É esse o objectivo do n.º 1. da base XVII.
Ainda, aqui, porém, se ressalvam os pequenos abastecimentos, normalmente relativos a municípios de pequena importância, onde poderá ser aconselhável a exploração directa pulas câmaras municipais.
A base XVII na redacção do n.º 2 procura evitar, sempre que possível, uma duplicação de serviço. De facto, como, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 33 863, se constituíram serviços municipalizados destinados ao abastecimento nas sedes de concelho e como agora se prevêem serviços municipalizados destinados a abastecimentos conjuntos de povoações rurais, poder-se-á dar o caso da existência de dois serviços municipalizados num mesmo concelho. Foi para contrariar, sempre que possível, este risco quê se redigiu em termos largos o n.º 2 da base XVII. O bom senso e a eficiência das administrações encarregar-se-ão, por certo, de fazer desta norma uma disposição útil.
O n.º 3 da base XVII corresponde a um princípio já afirmado na proposta governamental e cujos efeitos práticos poderão, na verdade, revelar-se úteis.
Deve ainda esclarecer-se que a nova redacção da base XVII evitou o princípio constante do n.º 2 da base XVII, na redacção do Governo, segundo o qual seria possível a existência de uma federação sem serviços municipalizados. Em princípio uma federação é um serviço municipalizado. Por outro -lado. se a importância do abastecimento ainda não justifica a municipalização, parece também não se justificar a federação. Em tais casos revela-se útil o disposto no n.º 4 da base IV quanto à possibilidade de os estudos e obras serem executados por uma das câmaras municipais interessadas, mediante o acordo das outras, ficando estas obrigadas a compensar aquela na parte que lhes competir. Servirá ainda estas situações o disposto no n.º 3 da base XVII, que também considera a possibilidade de exploração directa pelos municípios, exigindo, porém, a existência de um serviço técnico comum a vários municípios.
Tenho dito.

O Sr. Virgílio Cruz: - Dentro do espírito da nova lei os abastecimentos a executar serão, sempre que possível, abastecimentos de conjunto; ora nessas condições as obras dirão respeito em muitos casos a mais que um concelho ou mesmo até a mais de um distrito. Por isso a menção das obras e a conservação e exploração da rede de abastecimentos precisam de um serviço técnico responsável em comum. Estão em causa aspectos económicos e sanitários relevantes: alguns abastecimentos regionais vão custar dezenas de milhares de contos. É preciso não só assegurar a conveniente utilização e conservação da obra, como também a boa qualidade química e bacteriológica da água distribuída.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se a proposta de substituição da base XVI da proposta de lei, subscrita pelos Srs. Deputados cujos nomes foram lidos.
Submetida à votação, foi aprovada.

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O Sr. Presidente: - Ponho agora à discussão as bases XVIII, XIX e XX da proposta de lei, que vão ser lidas.
Foram lidas. São as seguintes:

BASE XVIII
1. Para a execução da presente lei poderá o Ministro das Obras Públicas autorizar a Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, nas condições que forem por ele estabelecidas:
a) A promover a elaboração, em regime de prestação de serviços, dos estudos e projectos das obras abrangidas por este diploma;
b) A contratar ou assalariar, em conformidade com as leis em vigor, o pessoal técnico, administrativo, auxiliar ou menor que se mostre necessário.
2. Os encargos resultantes da aplicação do número anterior serão suportados pelas dotações destinadas à execução do plano de abastecimentos rurais, dentro dos limites de percentagem a que se refere o n.º l da base VI.

BASE XIX
1. O pessoal técnico contratado ao abrigo da alínea b) do n.º l da base anterior poderá ser admitido aos concursos para o preenchimento de lugares da mesma categoria do quadro da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização sem dependência do limite de idade legal, desde que tenha sido contratado com menos de 35 anos e nessa situação se tenha mantido sem interrupção até à abertura do concurso.
2. O tempo de serviço prestado sem interrupção pelo pessoal abrangido por esta base, na situação de contratado, até à data do provimento no quadro, será contado para efeitos de ulterior promoção.

BASE XX
As dúvidas e omissões verificadas na aplicação deste diploma serão resolvidas, conforme a sua natureza, por despacho dos Ministros das Finanças ou das Obras Públicas.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vão votar-se as bases XVIII, XIX e XX da proposta de lei.
Submetidas à votação, foram, aprovadas.

O Sr. Presidente: - Estão concluídas a discussão e a votação desta proposta de lei.
Como já é do conhecimento da Câmara, foi apresentada durante a discussão na generalidade uma moção relativa a esta proposta de lei, que vai uma vez mais ser lida e, depois, submetida à votação.
Foi lida. É a seguinte:

Moção
A Assembleia Nacional, ao concluir a votação da proposta de lei relativa ao abastecimento de água das populações rurais e em face da grande importância social e humana da matéria em causa, largamente demonstradas no debate, associa aos seus votos a recomendação ao Governo de que, na medida do possível, procure reforçar as dotações anuais destinadas a estas obras durante a execução do II Plano de Fomento.

Os Deputados: Francisco Cardoso de Melo Machado - José Guilherme de Melo e Castro - Carlos Monteiro do Amaral Neto - José Monteiro da Rocha Peixoto - João Pedro Neves Clara - Augusto Duarte Henriques Simões - José Fernando Nunes Barata - Francisco José Vasques Tenreiro - Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se a moção que acabou de ser lida.
Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: era apenas para requerer que ficasse consignado que a aprovação da proposta de lei e da moção foi feita por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Ficará consignado.
Vamos passar à segunda parte da ordem do dia: discussão na especialidade da proposta de lei em que se transformou o Decreto-Lei n.º 42 178, publicado no Diário do Governo de 9 de Março de 1959.
Trata-se do decreto que limita a duração de mandato dos presidentes das câmaras municipais.
Como a Câmara sabe, não há discussão na generalidade desta proposta de lei, de acordo com o Regimento, visto que se considera feita a discussão na generalidade quando o decreto foi submetido à ratificação da Assembleia.
Para melhor ordem na discussão desta matéria, é conveniente separar a discussão das alterações que a proposta de lei pretende introduzir no Código Administrativo, começando a discussão pelas alterações que se pretende introduzir nos §§ 1.º, 2.º e 3.º do artigo 55.º do mesmo código. Só depois de discutida e votada esta matéria passaremos às alterações que a proposta de lei pretende introduzir nos outros artigos.
Estão, portanto, em discussão as alterações que o referido artigo 1.º pretende introduzir no artigo 55.º do Código Administrativo, em relação ao qual há na Mesa uma proposta de substituição do § 2.º
Esclareço a Câmara de que, embora aquela proposta seja apresentada sob a forma de proposta de substituição, ela é nitidamente uma proposta de emenda.
Vai fazer-se a leitura do citado artigo 55.º o das proposta referidas.
Foram lidos. São os seguintes:
«Art. 55.º......................................................................
§ 1.º As posturas e regulamentos relativos a polícia sanitária e ao trânsito na via pública carecem de aprovação do Governo, pelos Ministérios da Saúde e Assistência e das Comunicações, respectivamente.
§ 2.º As deliberações que respeitem a municipalização de serviços, concessão de exclusivos por prazo superior a um ano e criação ou supressão de partidos, depois de aprovados pelo conselho municipal, carecem de aprovação do Governo, pelo Ministério do Interior, ouvido o Ministério respectivo quando se trate de deliberações sobre partidos.
§ 3.º As deliberações sobre instalação de geradoras de energia eléctrica, sobre municipalização ou concessão do serviço de distribuição de energia eléctrica e aprovação das respectivas tarifas e sobre a dissolução de federação de municípios que tenha por objecto a produção, o transporte ou a distribuição de energia eléctrica carecem unicamente de aprovação do Governo, pelo Ministério da Economia».

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Proposta de substituição
Propomos que a redacção do § 2.º do artigo 55.º do Código Administrativo, tal como se encontra no Decreto-Lei n.º 42 178, agora transformado em proposta de lei, seja substituída pela redacção seguinte, sugerida pela Câmara Corporativa:
§ 2.º As deliberações que respeitem à municipalização de serviços, concessão de exclusivos por prazo superior a um ano e criação, remodelação ou supressão de partidos, depois de aprovadas pelo conselho municipal, carecem de aprovação do Governo, pelo Ministério do Interior, ouvido o Ministério respectivo quando se trate de deliberações sobre partidos.

José Guilherme de Melo e Castro.
Joaquim, de Pinho Brandão.
Manuel Tarujo Almeida.
João Carlos de Sá Alves.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Artur Proença Duarte.
José Fernando Nunes Barata.
Paulo Cancella de Abreu.
Urgel Abílio Horta.

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente: no parecer da Câmara Corporativa estabelece-se um paralelo entre a redacção do § 2.º do artigo 55.º do Código Administrativo, antes da publicação do Decreto-Lei n.º 42 178, e a que resultou deste diploma.
Seria ocioso referir aqui de novo tais diferenças.
Desejo apenas acentuar que parece defensável a solução proposta pela Câmara Corporativa quanto ao aditamento da palavra "remodelação".
Secundo aqui a observação feita por administrativistas de que, através da remodelação das áreas dos partidos, pode alterar-se o que ficou estabelecido ao criar-se um partido novo. Seria menos aceitável que, aprovada pelo Governo a deliberação que criou um partido médico, pudesse a respectiva câmara municipal, através de uma remodelação, afectar o estabelecido, libertando-se do controle do Poder Central, imposto normalmente para a criação ou supressão de partidos médicos.
O parecer da Câmara Corporativa, ao referir-se à possível intervenção do Ministério da Saúde, sugere-me uma ideia que tem sido voto de muitas câmaras municipais: a de que a assistência médica rural passe para o Governo, fazendo-se uma revisão das áreas dos partidos segundo as conveniências de uma assistência efectiva e proporcionando-se aos clínicos uma remuneração compatível com as suas funções. Mas isto, Sr. Presidente, é apenas um desejo que a sugestão da Câmara Corporativa me autoriza, embora incidentalmente, a referir aqui.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai proceder-se à votação.
Vamos, portanto, votar o artigo 1.º da proposta do lei, mas simplesmente com referência às modificações que se pretendem introduzir no artigo 55.º do Código Administrativo, e com a substituição do seu § 2.º, nus termos da respectiva proposta.
Submetido à votação, foi aprovado com a emenda apresentada.

O Sr. Presidente: - Vai agora ler-se o mesmo artigo 1.º da proposta de lei, mas apenas na parte que pretende dar uma nova redacção ao artigo 72.º do Código Administrativo.
Foi lido. É o seguinte:
Art. 72.º O presidente e o vice-presidente da câmara são nomeados por quatro anos, podendo ser reconduzidos, até duas vezes, por períodos de igual duração, o tomam posse perante o governador civil do distrito, prestando o juramento exigido aos funcionários públicos.
§ único. Os indivíduos que hajam exercido as funções a que este artigo se refere durante doze anos consecutivos só poderão voltar a exercer o mesmo cargo quatro anos decorridos sobre a data em que houverem deixado de desempenhá-lo.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se uma proposta de substituição que foi apresentada.
Foi lida. É a seguinte:

Proposta de alteração
Propomos que na redacção do artigo 72.º do Código Administrativo, tal como se encontra no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 42 178, sejam introduzidas as seguintes alterações:
1.º Omissão da expressão "até duas vezes" no corpo do artigo;
2.º Que o § único do mesmo artigo passe a ter a seguinte redacção:
§ único. Para além de duas vezes a recondução só pode ter lugar mediante decreto.

José Guilherme de Melo e Castro.
Artur Proença Duarte.
João Carlos de Sá Alves.
Artur Márimo Saraiva de Aguilar.
Manuel Tarujo de Almeida.
Manuel José Archer Homem de Mello.
Joaquim, de Pinho Brandão.
Paulo Cancella de Abreu.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: conquanto tenha sido daqueles Deputados que subscreveram o requerimento oportunamente apresentado na Mesa com o fim de ser submetido à apreciação desta Assembleia, nos termos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 42 178, a verdade é que até ao presente nenhuma contribuição tentei dar no sentido do esclarecimento dos problemas suscitados à volta das disposições legais desse diploma que estimularam e explicaram a apresentação do referido requerimento.
Além do mais, a segurança e proficiência com que pude constatar ter sido abordado o assunto radicou em mim a convicção de que constituiria clara redundância a intervenção no debate que a propósito dele aqui se abriu.
Posteriormente, porém, atraído pelo agradável estilo do parecer da Câmara Corporativa dado sobre o assunto, e aguçada a curiosidade pelas suas bem deduzidas observações, fui naturalmente levado a debruçar-me mais de perto e mais atentamente sobre algumas das questões nele versadas.
Daí a presente intervenção, na qual nada de substancialmente novo me proponho trazer ao debate, tendo

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tão-sòmente em vista traçar um singelo apontamento sobre umas questões, fruto de alguma reflexão sobre razões e argumentos já aqui agitados e postos à luz.
O parecer da Câmara Corporativa constitui, sem dúvida, alguma, um trabalho notável, concebido sob uma forma atraente e estruturado à base de uma lógica viva e penetrante.
Vê-se bem que aos efeitos rebuscados de sofística barata, se proferiu nele a naturalidade desprendida da argumentarão própria de quem com seriedade se esforçou, através de uma inteligência aguda, por chegar a uma solução, ainda que porventura discutível.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!

O Orador: - Com sincero gosto faço esta constatação, por tudo e até porque, infelizmente, não é rara, em emergências diversas, a preocupação deformada e deformadora de, à força de montes de razões sem qualquer ponta de razão, se procurar impingir ao próximo, sem o menor respeito pela sua inteligência, os pontos de vista mais inconsistentes e inaceitáveis.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Aflora o parecer diversos problemas, como o da unidade ou dualidade de magistrados municipais e o da forma de designação dos presidentes das câmaras, problemas esses, sem dúvida, dignos de cuidado estudo e atenta meditação, mas que o próprio parecer afasta, e bem, com o fundamento de estarem, pelo menos de momento, fora de causa.
Por isso, e porque a presente intervenção foi decidida um tanto tardiamente, cingir-me-ei, nas subsequentes considerações, à questão central que realmente cumpre discutir e que, segundo penso, pode formular-se assim:
Deve manter-se o princípio consignado no Código Administrativo da livre recondução dos presidentes das câmaras, sem qualquer limite ao número de reconduções, ou, ao contrário, devem ser estabelecidas restrições a esse princípio, ainda que porventura menos radicais do que a constante do Decreto-Lei n.º 42 178, que fixa como limite máximo o de duas reconduções?
Estes, em resumo, os termos da questão.
Segundo se acentua no parecer, o nosso colega Dr. Homem de Melo, partindo do pressuposto de que o lugar de presidente da câmara constitui um cargo de confiança política, confiança cuja subsistência ou insubsistência não é, evidentemente, função de fixação de prazos, concluiu no sentido da inadmissibilidade de limites à sua livre recondução.
Analisando esta posição, vinca-se no parecer que, a ter-se como exacto o ponto de partida - ser a presidência da câmara um lugar do confiança política - dado como bom pelo nosso colega, implicaria ele, como consequência, não apenas a inadmissibilidade de restrições à recondução dos presidentes, consoante se pretende, mas também e desde logo, em primeira linha, a própria inadmissibilidade do princípio da sua nomeação por um período determinado.

O Sr. Pinho Brandão: - Muito bem!

O Orador: - Acrescenta-se, no entanto, que o pressuposto de que parte o Dr. Homem de Melo - e, portanto, as consequências que dele devem inferir-se - não é exacto, e isto porque, se é certo que o cargo de presidente da câmara, enquanto magistrado administrativo e, por conseguinte, representante do Governo no concelho, é na realidade de confiança política, também é verdade que, por outro lado, enquanto representante da comunidade local, está em conexão e associado, já não há confiança que porventura nele deposite o Poder Central, mas antes há capacidade e dignidade com que represente os interesses locais.
Ora, diz-se, esta circunstância - representar o presidente da câmara a colectividade local -, se envolve como consequência a necessidade de o cargo ser de nomeação por tempo determinado, em termos de se proceder a uma indagação periódica em ordem e averiguar se a pessoa que em concreto estiver em causa continua ou não a representar capazmente a comunidade municipal, apenas implica essa nomeação temporária, não exigindo ainda, como pretende o Dr. Homem de Melo, que a possibilidade de recondução não tenha limites.
Quer dizer, o parecer, a partir da configuração jurídico-administrativa com que se apresenta o presidente da câmara, mais precisamente, a partir da circunstância de a esse cargo ser inerente, além do mais, a representação dos interesses locais, infere duas conclusões, uma positiva e outra negativa, a saber:
1.º A lógica do nosso sistema administrativo exige que a nomeação dos presidentes das câmaras seja feita por período determinado;
2.º Não impõe essa lógica que a possibilidade de recondução seja livre, e, portanto, comporta o estabelecimento de limites a tal recondução, comporta, de um modo especial, a proibição de que tenha lugar para além de um certo número de vezes.
Aceito como boa a primeira conclusão, mas não hesito em repelir a segunda.
Será, efectivamente, exacto que o facto de o presidente da câmara ser também um representante da comunidade municipal faz com que se não imponha, no plano doutrinal, a inadmissibilidade de um limite de tempo à recondução, antes se compadecendo com o estabelecimento desse limite?
Reconhece o parecer que o princípio da livre recondução é inteiramente comportado pelo pressuposto de que o presidente da câmara também é um órgão de representação de interesses locais. Na verdade, todo o esforço de construção que nele se faz não é no sentido de excluir das soluções possíveis, adentro da lógica do sistema, a livre recondução, mas apenas no sentido de demonstrar que não é essa a única solução reconduzível à ideia de que o presidente da câmara também representa a comunidade local. Como já acentuei, sob este aspecto, a conclusão do parecer é meramente negativa.
Mas se o parecer, olhando o presidente da câmara como órgão representativo da comunidade local, reconhece, por um lado, que o princípio da liberdade de recondução também é possível e se olhando-o como magistrado da confiança do Poder Central, aceita, por outro lado, que a conclusão logicamente necessária é a dessa livre recondução, de concluir é ser esta a única solução doutrinalmente correcta, dado ser a única que, não entrando em conflito com a sua qualidade de órgão local, se harmoniza simultaneamente com a sua qualidade de magistrado administrativo.
Compreendia-se que o parecer, aceitando, como aceita, que o facto de se tratar de um cargo de confiança política implica logicamente a possibilidade de livre recondução, afastasse, no entanto, tal conclusão mediante a alegação de que sendo simultaneamente o presidente da câmara, consoante entende, antes de mais e acima de tudo, um representante da comunidade local, esta outra qualidade é incompatível com a ausência de Limites à recondução.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Em tal hipótese uma das consequências lógicas -liberdade de recondução- de determinado pressuposto -e confiança política- seria, no jogo da própria mecânica do sistema, paralisada por uma das consequências lógicas - inadmissibilidade da recondução sem limites - de um outro pressuposto da figura do presidente da câmara - representante dos interesses municipais.
Todavia, não sendo assim, uma vez que esta qualidade de modo algum vai de encontro ao princípio de livre recondução, fácil é ver que, sob o aspecto em causa, a mesma qualidade nada conta para a lógica do sistema -consente todas as soluções- e, não contando, tem de continuar a extrair-se todas as consequências, por nada paralisadas, da circunstância do o cargo de presidente da câmara ser do confiança política, e entre essas consequências tem de extrair-se precisamente, tal como pretende o Dr. Homem de Melo, a da inadmissibilidade de limites de tempo à possibilidade de recondução.
Por conseguinte, ao contrário dó que se pretende no parecer, a posição deste nosso colega, ou, pelo menos, a posição que aqui defendeu anteriormente ...

O Sr. Homem de Melo: - E que defendo ...

O Orador: - ... afigura-se-me ser aquela que doutrinalmente é correcta.
Há, porém, mais no mesmo sentido.
Consoante se encontra no parecer, a qualidade de órgão municipal do presidente da câmara envolve como consequência lógica a de ser nomeado por prazo determinado, em termos de ao fim de cada período de exercício se rever a sua posição frente às exigências dos interesses da respectiva comunidade concelhia e indagar se continua a ser o mais idóneo representante desses interesses, tal como sucederia se fosse eleito.
Mas se a razão que explica a nomeação e termo dos presidentes das câmaras é a que fica apontada - reexame periódico da sua posição enquanto representante do município-, fácil é ver que esse reexame pode sempre concluir em um de dois sentidos diferentes: no sentido de que o presidente da câmara continua a ser o mais genuíno e qualificado representante do município, ou no sentido de que tal não sucede.
Ora basta a circunstância de, ao fim de um ou vários períodos de recondução, ser possível concluir que determinado presidente da câmara ainda representa melhor do que qualquer outra pessoa, de entre os «possíveis», a comunidade concelhia, para logo se constatar que a sua qualidade de órgão municipal e, ao contrário do que no parecer se afirma, doutrinalmente incompatível e, portanto, exclui a fixação de um limite de tempo às reconduções, pelo menos nos termos estabelecidos no Decreto-Lei n.º 42 178, uma vez que essa fixação pode pôr em causa e ir de encontro à própria finalidade da revisão periódica da posição do presidente da câmara no meio local, paralisando a possibilidade de extrair dessa revisão as naturais consequências no plano prático quando a mesma revele dever continuar à frente do município e o limite legal de tempo às reconduções o impeça.
Quer dizer: diversamente do que no parecer se sustenta, a solução do Decreto-Lei n.º 42 178 exorbita da lógica do sistema, o qual, se é certo poder comportar mais de uma solução para o problema em análise, também é verdade que exclui, pelo menos, o desse decreto-lei, motivo por que a autonomia doutrinal de tal problema não é tão grande nem tão vincada quanto no parecer se pretende.
Assente, assim, que a posição tomada no diploma com exame se afigura ser doutrinalmente incorrecta, que dizer, porém, anuiu no plano da lógica, do sistema da solução preconizada pelo próprio parecer?
O ponto de vista deste consiste em, por um lado, aceitar o estabelecimento de um limite de tempo às reconduções e, por nutro lado, admitir excepcionalmente que esse limite seja ultrapassado, sendo então a recondução feita por decreto, em vez de o ser por portaria.
É claro que esta maneiro do ver da Câmara Corporativa, deixando aberta a possibilidade, ainda, que excepcional, de os presidentes serem reconduzidos para além do limito de tempo em regra posto ao exercício das suas funções, permite a recondução daqueles que, mesmo depois de esgotado esse limite-regera, se revelem como sendo ainda os mais qualificados representantes do município, e assim, pelo menos em certa medida, tem em couta as implicações envolvidas pelo facto de o presidente da câmara ser um órgão municipal.
Tal maneira de ver não é, por conseguinte, pelo menos em absoluto, excluída pela lógica do sistema.
No entanto, implicando ambas as coordenadas delimitadoras da função de presidente da câmara - representação do Poder Central e representação do concelho - o princípio da possibilidade de recondução sem limites de tempo, tal como me esforcei por demonstrar, a solução natural para o problema em apreciação é a de consagrar esse princípio como tal, de harmonia com o regime do Código Administrativo, e não sob a forma de excepção, consoante defende a Câmara Corporativa.
Se a revisão da situação do presidente da câmara aquando das reconduções se explica pela necessidade de averiguar periodicamente da conformidade ou desconformidade da sua manutenção no cargo com os interesses do concelho, a solução de boa lógica é a de a decisão sobre a recondução ou não recondução ficar tão-somente dependente do juízo que a tal respeito deva ser feito, e isto seja qual for o número de reconduções, não se descortinando, uma vez que esse juízo sempre deve ser feito nos mesmos termos e em função do mesmo dado - o interesse do município -, justificação aceitável para ao fim de um certo número de anos se estabelecer o princípio da não recondução ou agravar as suas formalidades.
Deste modo, o ponto de vista do parecer, se não é, em absoluto, excluído pelas características da função de presidente da câmara que foram assinaladas, envolve, no entanto, um certo «entorse», é solução doutrinalmente mais natural.
Deslocando, porem, a questão do plano doutrinal para o fias razões de oportunidade e conveniências práticas, também se me afigura não convencer a argumentação da Câmara Corporativa.
No sentido da solução que propõe, aliás influenciada no essencial pelas ideias já aqui defendidas pelo nosso colega Dr. José Saraiva, o aspecto fundamental a ter em conta reside na circunstância de a experiência revelar que o decurso do tempo opera, na plano local, um acentuado desgaste nos presidentes das câmaras, que impõe a sua substituição ao fim de um certo número de anos de exercício das funções.
Esta razão tem sido invocada e vincada várias vezes, mas também já foi dito e repetido que dá-la como boa não envolve, de modo algum, a conclusão de que há que aceitar a solução do decreto-lei, ou mesmo a preconizada pela Câmara Corporativa. É que o regime do Código Administrativo, deixando ao Governo liberdade de não fazer a recondução e até de, em qualquer altura, demitir os presidentes das câmaras, dá-lhe a possibilidade, sem reservas, de, demitindo-o - com

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maior ou menor jeito -, satisfazer as exigências em tal sentido do meio e ambiente local, esgotando, assim, esse regime a força de convicção do argumento em causa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de uma razão que só por si não conduz de modo específico a qualquer das soluções aventadas, dado que a todos pode quadrar.
Sendo assim, cabe perguntar qual é, afinal, a razão que, no plano prático, especificamente justifica a posição do parecer.
Essa razão ou razões podem talvez resumir-se assim: com o decurso dos anos os presidentes das câmaras acabam por criar um ambiente de particular compreensão o simpatia junto das esferas do Governo e até, às vezes, por aí radicar verdadeiras amizades e crescente intimidado, o que explica a tendência, até como meio de evitar melindres, para fazer reconduções sistemáticas, sem cuidar da sua conveniência ou inconveniência à luz dos interesses locais; ora tal dado da experiência, associado à circunstância do a recondução ser a solução que melhor quadra à força da inércia e às exigências da comodidade, revela que não basta para afastar os presidentes das câmaras que deixaram de corresponder às solicitações da respectiva comunidade local o mero poder de o não reconduzir, mas que se torna ainda necessária uma imposição legal que impeça a recondução para além de certos limites de tempo.
Estas as razões.
Terão elas realmente relevo o consistência para justificar a introdução do alterações no regime consignado no Código Administrativo?
Como já disse, o essencial da solução proposta no parecer cifra-se nisto: a recordação dos presidentes das câmaras para além de doze anos de exercício deverá ser excepcional e efectivada mediante decreto.
Ora, posto um problema concreto do recondução, de duas uma: ou o respectivo membro do Governo está realmente influenciado pelo contacto de muitos anus com o presidente da câmara em causa, em termos de se sentir pouco à vontade para o afastar e do recear ferir susceptibilidades, ou, pelo contrário, nada o perturba ao por si hipótese do respectivo afastamento.
Neste último caso não há dificuldades.
Na primeira hipótese afiguro-se-me claro que a situação o estado de espírito criados pelas acima referidas circunstâncias do mesmo modo que podem levar o respectivo Ministro, por hipótese, contra as conveniências da administração local, a publicar, no regime do Código Administrativo, a respectiva portaria de nomeação, levá-lo-ão amanhã, dentro da solução proposta pela Câmara Corporativa, a fazer num que seja publicado o necessário decreto.
E compreende-se. Quer no regime do Código Administrativo, quer no que se propõe, todos, designadamente Ministro e presidentes das câmaras, sempre estarão plenamente conscientes de que aquele «pode», se quiser, fazer a recondução, uma vez que, por força de elementares dados de experiência, todos também sempre saberão - ou pelo menos disso estarão radicadamente convencidos, o que para o efeito é o mesmo - que, com decreto ou sem decreto, mesmo que tenha de ser tidas em conta circunstâncias imperiosas, será o Ministro quem terá uma interferência decisiva na resolução dos vários problemas concretos, e isto por virtude da própria natureza das suas funções.
De modo que, pretendendo-se através da solução da Câmara Corporativa superar o conjunto de dificuldades
- que, aliás, em rigor, o não devem ser- que ficaram apontadas, a verdade é que com ela nada se superaria e tudo continuaria como anteriormente, uma vez que, ao fim e ao cabo, sempre a não recondução por decreto seria imputada à vontade do Ministro.

O Sr. Homem de Melo: - O que vai é responsabilizar o Presidente do Conselho.
O Orador:-Mas a sugestão da Câmara Corporativa, em vez de as debelar, como pretende, só poderá servir para agravar as dificuldades que refere e põe em relevo.
Na verdade, passando a constituir a recondução por decreto, sob determinado aspecto, como que uma honra excepcional, é claro que quase todos se sentirão com direito a ela, de maneira que o facto de ser concedida, excepcionalmente, a determinados presidentes das câmaras só poderá avolumar as dificuldades no trato com todos os demais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Julgo, por conseguinte, não ter base a particular razão em que se pretende alicerçar a alteração do regime consignado no Código Administrativo.
Por outro lado, tal razão constrói-se a partir da possível criação de determinado tipo desolações dos presidentes das câmaras com o respectivo Ministro. Mas, sendo assim, ou se entende que normalmente são necessários doze anos - limite proposto para a recondução - para que tal tipo de relações se redique, e em tal caso são descabidas as preocupações associadas às dificuldades delas emergentes, tuna vez que, segundo a experiência, os Ministros não permanecem no Governo tal período de tempo. Ou se entende que esse mesmo tipo de relações pode criar-se em mais curto período de tempo, e então o limite à recondução deveria fixar-se em menor número de anus, para que o respectivo Ministro se sentisse à vontade para afastar os presidentes das câmaras aquando de qualquer recondução e logo que, para além da questão de confiança política, constatasse já não corresponderem à sua função de representantes de município.
Quer dizer: a razão em exame ou é ininvocável, por falta de oportunidade para se configurar em concreto, ou, então, é demasido frequente para impor um limite à recondução inferior a doze anos.
Direi, finalmente, que, se a política exige tacto, maleabilidade, ponderação, etc., não significa isso que deva evitar as suas responsabilidades detrás de equívocas soluções legislativas.
Afinal, a questão em causa não ó, não deve ser, uma questão legislativa, antes se integrando no campo da acção, sendo de exigir aos homens, mormente ao nível do Governo, que, com a plena consciência das suas responsabilidades, os resolvam por si, sem o injustificável recurso a «muleta» da lei.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Em conclusão:
A solução consignada no Decreto-Lei n.º 42 175, além de mio ser aceitável no plano doutrinal, é vulnerável, pelos motivos aqui várias vexes apontados.
A solução preconizada pela Câmara Corporativa, além de não ser a que mais naturalmente se integra na lógica do sistema, não consegue superar as dificuldades que se propõe eliminar, antes as avolumando, devendo acentuar-se ainda que essas dificuldades não me parecem ser de atender, uma vez que devem ser

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28 DE JANEIRO DE 1960 331

resolvidas nu plano da acção pelos homens responsáveis, e não no plano legislativo, através de disposições legais mais ou menos equívocas.
Por todas estas razões votarem quer contra o texto do decreto, quer noutra a solução proposta no parecer da Câmara Corporativa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Joaquim Pais de Azevedo.
Jorge Pereira Jardim.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Laurénio Cota Morais dos Beis.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Tito Castelo Branco Arantes.

O REDACTOE - Luís de Avillez.
Sr t. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco José Tasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.

Requerimento enviado para a Mesa na sessão de ontem pelo Sr. Deputado Paulo Cancella- de Abreu:

«Ao abrigo do artigo 96.º da Constituição, requeiro que, pelo Ministério do Interior, me sejam fornecidas as seguintes informações:
1.º Tiragem actual do Diário das Sessões da Assembleia Nacional;
2.º Tiragem actual de assinantes daquele Diário;
3.º Número total de repartições públicas, instituições jornais e pessoas a que actualmente aquele Diário é enviado gratuitamente, incluindo as permutas;
4.º Número actual de assinantes da 1.ª série do Diário do Governo».

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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