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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 151
ANO DE 1960 12 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 151, EM 11 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou alerta, a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 150.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Homem de Melo foi autorizado a depor como testemunha, no tribunal de Vila Franca da Xira.
O Sr. Deputado Bagorro de Sequeira falou nobre a situação política e económica de Angola.
O Sr. Deputado Vítor Galo agradeceu ao Governo a construção das Escolas Técnicas da Marinha, Grande e de Peniche.
O Sr. Deputado José Sarmento examinou os problemas do vinho do Porto.
O Sr. Deputado Melo Machado referiu-se à Cooperativa dos Produtores de Leite de Mafra e às pensões dos reformados.
O Sr. Deputado Homem de Melo ocupou-se da venda de energia eléctrica no concelho de Águeda.
O Sr. Deputado Urgel Horta solicitou do Governo a resolução dos problemas da classe médica.
O Sr. Deputado Pinto de Mesquita exaltou o significado e esplendor das comemorações henriquinas e a personalidade do infante D. Henrique.
Ordem do dia. - Começou o debate sobre o projecto do novo Regimento da Assembleia.
Falou o Sr. Deputado Cancella de Abreu.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
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Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.
João Pedro Neves Clara.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 75 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 150.
Pausa.
O Sr. Presidente:- Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero-o aprovado.
Deu-se couta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários a apoiar as intervenções dos Srs. Deputados Henriques Jorge, Peres Claro e Nunes Mexia sobre a criação do estudos superiores em Évora.
Vários a apoiar as intervenções dos Srs. Deputados António Jorge Ferreira, Franco Falcão e Cerveira Pinto sobre a situação dos regentes escolares.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do juiz de direito do tribunal da comarca de Vila Franca de Xira pedindo autorização para que o Sr. Deputado Homem de Melo possa depor como testemunha de defesa, naquele tribunal, no dia 5 de Abril próximo, pelas 14 horas. Informo que aquele Sr. Deputado não vê qualquer inconveniente para a sua actuação parlamentar em que a Câmara conceda a autorização solicitada.
Consultada a Assembleia, foi concedida autorização.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, os elementos fornecidos pelo Ministério das Comunicações em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu na sessão de 21 de Janeiro último.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem de dia o Sr. Deputado Bagorro de Sequeira.
O Sr. Bagorro de Sequeira: - Sr. Presidente: no dia 16 do mês passado realizou-se em Luanda a cerimónia oficial da transmissão de poderes do Governo da província de Angola para o novo governador-geral, Sr. Dr. Silva Tavares, que, para exercer aquela função, deixou o cargo de Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, no Ministério do Ultramar.
Trata-se de um acontecimento do mais alto significado e relevo na vida da Nação, e, por isso, não posso, na qualidade de Deputado representante daquela nossa província, abster-me de o realçar nesta Assembleia Nacional, prestando ao novo governador-geral as minhas homenagens o desejando-lhe as maiores felicidades no exercício do seu cargo e a Angola as maiores prosperidades em tudo que respeite a tranquilidade da sua vida política e ao seu progresso económico e social, para maior projecção e exaltação da comunidade portuguesa.
Para exercer aquele alto cargo leva o novo governador-geral, entre outros, um ascendente da maior importância, e utilidade, ou seja o ter exercido funções de governo no sector do ultramar, por consequência em condições excepcionalmente favoráveis para ali realizar melhor, em todos os domínios da política e da administração ultramarina, o pensamento do Governo Central e com ele manter as melhores relações em tudo que ultrapasse o seu critério pessoal e se reporte às ocorrências da administração local.
Em todos os discursos e declarações públicas feitos desde a sua nomeação até ao acto da sua investidura de funções afirmou o governador-geral plena confiança em si próprio, nas possibilidades e recursos da província e na dedicação e inestimável patriotismo de toda a população de Angola, de quem espera receber, não como unia dádiva de favor, mas como uma obrigação imprescindível, toda a colaboração necessária para a preparação de um melhor futuro para Angola, sob a sua prestimosa acção governativa.
Uma outra nota impressionante das declarações públicas de S. Exa. é o conhecimento que possui das dificuldades que vai encontrar pela sua frente e a grandeza de consciência própria e colectiva da província com que espera superá-las.
Não queremos deixar de referir aqui também, a favor de Angola, o apoio certo e dedicado que lhe prestará o ilustre Ministro do Ultramar, homem de Angola, pelo coração e pelo conhecimento que tem de todos os seus problemas e pela extremosa dedicação que vota à sua população, cujas virtudes nunca deixa de exaltar em todas as ocasiões, como primeira garantia da confiança indispensável a quem a governa.
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Sr. Presidente: todos os problemas inerentes ao governo e administração de Angola, de que depende o sou progresso e a tranquilidade da sua população, mormente nas circunstâncias autuais, se rodeiam de nina grandeza e agudeza muito especiais, quer se reportem à salvaguarda dos valores materiais e morais ali já criados, e que representam uma dura o longa caminhada, de esforços e sacrifícios despendidos, quer se dirijam para a valorização da extraordinária e incalculável promessa de potencialidades em reserva que aquela imensidade de território nos oferece, e que no rodar do tempo, longe, hão-de desabrochar em novas e fecundas realidades económicas.
São múltiplas e complexas, de maior ou menor grandeza e importância, as dificuldades que embaraçam a acção dos serviços públicos, administrativos e técnicos, principalmente no seu ordenamento e falta de planificação, com prejuízo da sua eficiência e das boas relações com o público que se destinam a servir.
É também de extraordinária confusão e ainda de mal definida orientação o exacerbado movimento da chamada nova política africana, que nos enche a todos de preocupações, não tanto pelo que se possa passar entre nós, por iniciativa e vontade dos povos com quem vivemos no mais completo ambiente de paz e entendimento, mas, sobretudo, pelas campanhas organizadas e dirigidas contra nós vindas do exterior.
Nas cidades e nas vilas; planos do litoral e do mar: nas vertentes das montanhas; nas planícies sem fim do interior até às lonjuras das fronteiras, por toda a parte, indiferente, ao isolamento e as agruras do clima, é, Portugal que vive, é Portugal que grita os seus direitos de soberania, é Portugal, que se afirma a si mesmo e ao Mundo, confiante e seguro do seu espírito de unidade nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E podemos afirmar, em consciência, que em parte alguma nunca tão poucos, com tão minguados recursos e, tão grandes sacrifícios, fizeram tanto!
E é por tudo isto, e englobando no mesmo conceito todo o ultramar português, que a nossa posição em África não consente comparação ou interpretação com qualquer outro caso, aparentemente semelhante, porque não estamos ali, nem nunca estivemos, em situação ou período de transição, mas sim em posição de dar continuidade à Nação Portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não precisamos, por isso, de recorrer, como medida de emergência, a uma política do improvisação e, de habilidades oportunistas, mas tão-sòmente prosseguir, sem nos deixarmos influenciar por opiniões estranhas, de grandes ou pequenos, cada vez com maior espírito realizador, na orientação e na acção, na ordem e na paz, no caminho inalterável da nossa missão civilizadora.
Sabemos perfeitamente que é vasta, profunda u complexa, a obra que temos de enfrentar e realizar nas províncias do ultramar, de maneira a correspondermos com maior e mais rápida projecção, de exigências da recente evolução do problema africano que se debate, mas sabemos também em que sentido e em que plano se localiza melhor o interesse nacional.
O que é preciso, pois, a reunir todas as boas vontades, todas as competências e, energias da Nação, numa conjugação de esforços que abranja todos os poderes do Estado, políticos, técnicos, económicos, morais e humanos, e, bem assim, a colaboração da população inteira, «em qualquer distinção ou diferenciação, pois são os interesses de todos que estão em causa, tudo dirigido num só sentido, com uma só consciência, que confirme e projecte para o futuro, cada vez, com maior coesão e firmeza, a determinação mais valiosa da nossa existência como povo unido e independente.
Reportamo-nos novamente a Angola e, pela ordem geral da sua importância, anotamos que desenvolvimento dos problemas do ensino e da educação, principalmente nos escalões e termos que, mais interessam à exigências técnicas da província; os cuidados com a saúde pública, sobretudo de natureza assistencial; os melhoramentos locais que mais directamente respeitem à higiene e conforto das populações; a intensificação do povoamento europeu, de origem nacional ou estrangeira, encarada sob todas as formas praticáveis; o desenvolvimento das comunicações e meios de transportes; a revisão do regime de concessão e distribuição de terras, com vista a uma mais justa e equitativa ocuparão, reduzindo ao mínimo as formalidades exigíveis; a melhoria dos serviços administrativos e burocráticos, nas suas relações com a população, de maneira a conseguir a mais conveniente simplificação e compreensão nessas relações; a difusão da assistência técnica, de extensão, levada a efeito pelo aumento de número de técnicos, diminuição de áreas divisionárias e melhorias dos meios de transporte que e são atribuídos; ordenamento justo e equitativo das imposições fiscais, com vista a proteger as actividades produtoras, e entre elas, com carácter preferencial, a agricultura, a pecuária, e a pela que são ainda as fontes principais da movimentação de valores, no consumo a na exportação; o saneamento e o fortalecimento do crédito; a regularização das relações comerciais tem o exterior; a organização do trabalho e a protecção aos trabalhadores, e, enfim, o incitamento a todos os empreendimentos do fomento com ordem a dar primazia as iniciativas e aos investimentos cujo desenvolvimento e votação sejam do mais segura e rápida produtividade, tal qual e prevê no Plano de Fomento Nacional, são a súmula da obra grandiosa que precisamos, realizar em Angola, corajosamente, com objectividade o confiança, a tem de vais fazermos ainda melhor às exigências da época histórica que estamos vivendo.
É esta obra grandiosa que o Governo do Angola e o Governo da Nação têm de estruturar em novos moldes e enfrentar com toda a autoridade e decisão que dimana da sua posição e qualidade de dirigente responsável, pondo em acção todos os meios ao seu alcance, e que todos os portugueses têm de ajudar a construir, na ordem e na paz, com firmeza e confiança, para que Portugal cumpra a sua missão histórica de dar novos mundos ao Mundo o todos sejamos dignos continuadores e fiéis realizadores do sonho do Infante, cujas glórias e feitos nesta hora grande da lusitanidade, estamos comemorando festivamente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Vítor Galo: - Sr. Presidente: em menos de um ano tive o grato prazer de. já por duas vezes usar da palavra nesta Assembleia para agradecer aos operosos Ministérios das Obras Públicas e da Educação Nacional a construção de magníficos edifícios para osculas técnicas no distrito de Leiria, um na Marinha Grande, e outro em Peniche.
Hoje novamente peço a palavra para acto idêntico e da mesma maneira do maior reconhecimento ao Go-
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verno da Nação. Acabam de ser inauguradas, na vila da Marinha Grande, pelo Sr. Subsecretário de Estado da Educação Nacional, que propositadamente ali se dignou deslocar para esse fim, mais oito escolas novas, com doze salas de aula, e anula duas cantinas escolares.
Embora sejam já hoje acontecimentos banais, a que os nossos governantes nos estão habituando, as inaugurações de vulto por todo o País - a prová-lo está o facto de menos de um ano a eles me referir por várias vezes nesta Assembleia -, não posso deixar de trazer-lhes aqui mais uma referência dado o elevado alcance que acontecimentos desta natureza revestem para a desejada e necessária elevação de nível de vida do povo português.
Disse o Sr. Subsecretário de Estado da Educação Nacional na Marinha Grande que «a educação é a empresa mais difícil, complexa e dispendiosa da sociedade, mas, mas mesmo tempo, a mais nobre, a mais fecunda, a mais reprodutiva».
E, porque assim é, a educação do nosso povo está merecendo do nosso Governo a melhor das atenções e a obra que se está realizando é de mérito notável. Nunca será do mais, pois, realçar este grandioso trabalho e manifestar aos nossos governantes não só os nossos agradecimentos, como os maiores elogios pela maneira proficiente como estão encarando os problemas de educarão, apesar da- complexidade que revestem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É do conhecimento geral o projecto da proposta de lei dos Ministérios das Obras Públicas e da Educação Nacional sobre o plano de construções para o ensino primário que se encontra na Câmara Corporativa; nele se prevê não só a construção de mais dezenas e meia de milhares de salas de aula, mas ainda um número adequado de cantinas e também a recuperação plena, por reparação e remodelação, de alguns milhares de salas de aula existentes em más condições de funcionamento. Não é sequer esquecido neste diploma o problema do alojamento dos professores primários nos moios rurais mais humildes, procurando-se assim dar solução aos principais problemas que dizem respeito ao ensino primário.
Chegámos agora ao ponto em que tantas e tão graves são as implicações que nos acarretam os compromissos tomados perante os movimentos de integração económica europeia que haverá que lutar, ao lado do próprio tempo, instruindo em massa e na profundidade possível tanto a criança (para assegurar o futuro do País) (como o adulto (para segurança do presente).
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Só assim poderemos colher frutos da grande árvore chamada «Produtividade».
O Governo da Nação assim encara o problema, e por isso o País não pode deixar de estar gratíssimo aos esforços despendidos na decisiva obra da educação nacional a que meteu ombros e eu não posso deixar mais uma vez sem uma palavra e um agradecimento muito especial, em nome dos povos que aqui represento, este «bom caminhar», que agora na muito industrial vila da Marinha Grande acaba de dar mais um grande, passo em frente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: no passado sábado dia 4 de Março o Sr. Secretário de Estado do Comércio foi propositadamente â cidade do Porto empossar o director e o director adjunto do Instituto do Vinho do Porto.
Tal facto, de importância fundamental em tudo o sector do vinho do Porto, merece bem ser destacado. Como Deputado pelo círculo de Vila Real, no qual se encontra grande parte, da região demarcada, desejo chamar a atenção da Assembleia sobre, a sua repercussão na produção.
Mas, antes de o fazer, quero agradecer o relevo que propositadamente o Sr. Secretário de Estado do Secretário quis dar ao sector do vinho do Porto, aproveitando a sessão de posse para expor ao País, num magistral e oportuno discurso, os problemas relacionado» com o fomento das exportações. Com tal relevo o Sr. Secretário de Estado quis demonstrar o interesse que o Governo está a tomar pelos problemas do vinho do Porto.
O Douro, preocupado e inquieto com o reduzidíssimo quantitativo que nos últimos anos se tem transformado em vinho do Porto, sente-se novamente esperançado por saber, pela voz autorizada do Sr. Secretário de Estado, que o Governo não descura os seus problemas.
Já se passaram longos e longos anos desde que o Governo, do qual fazia então parte o Sr. Engenheiro Sebastião Ramires, a quem rendo as minhas homenagens ...
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - ... criou na região do Douro, através de medidas salvadoras, uma onda de entusiasmo e esperança em melhores dias. O decorrer dos anos, as vicissitudes da guerra e outros factores que não destaco conduziram, talvez erradamente, à impressão de que o Governo se tinha desinteressado do sector do vinho do Porto.
As recentes palavras do Sr. Secretário de Estado, assim como outras já pronunciadas, fizeram novamente, renascer no Douro a esperança de melhores dias.
Sr. Presidente: antes de continuar com a minha exposição desejo saudar o novo director do Instituto do Vinho do Porto, Sr. Engenheiro João de Brito e Cunha, nosso ilustre colega nesta Assembleia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A sua inteligência aliada às suas qualidades de grande trabalhador, organizador e fino trato humano são penhor seguro de que a sua dura e dificultosa missão será coroada de êxito. Bem haja o Sr. Secretário de Estado por em boa hora ter escolhido a pessoa capaz para dirigir o Instituto. Difícil e espinhosa será de facto a missão do seu director.
Terá de coordenar os interesses da produção e do comércio, tantas vezes antagónicos.
Simultâneamente terá de os coordenar com o interesse geral da Nação. Para obter uma visão não deformada de todo o sector não deverá tentar avistá-lo através do comércio, como também, evidentemente, não o deverá fazer debruçado ùnicamente sobre a produção. O desequilíbrio entre o número de produtores (cerca de 20 000) e o número reduzido de exportadores, aliado à localização do Instituto na cidade do Porto, não facilita uma visão perfeita do sector. No entanto, tenho a certeza de que as qualidades já destacadas do Sr. Engenheiro João de Brito e Cunha lhe permitirão vencer todas estas dificuldades.
Sr. Presidente: como ainda há pouco referi, o Douro, a quem diz o Douro diz, com certeza, todo o sector do vinho do Porto, encontrava-se deveras preo-
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cupado com o abandono a que parecia votado o Instituto, por este se encontrar há tanto tempo sem director. Salvo erro, foi em Abril de 1958 que, oficialmente, o antigo director desse organismo, a quem já aqui nesta Assembleia prestei justa homenagem, fui exonerado, a seu pedido.
Mas já antes, nos meados de 1957, efectivamente tinha cessado a sua actuação com director. Isto é, este organismo esteve praticamente quase três anos sem director. Tal facto inquietava profundamente o Douro. Numa tentativa de explicação racional de tal abandono formulavam-se várias hipóteses, todas elas mais ou menos pessimistas e que se podiam resumir no desinteresse do Governo pelos problemas do Douro.
No entanto, no horizonte sombrio uma luz e descortinou quando, em Outubro de 1958, o Sr. Secretário de Estado do Comércio, através do seu memorável despacho, mostrou estar decidido a tomar as providências necessárias para o fortalecimento do nosso comércio de exportação. As qualidades do então recentemente empossado na Secretaria de Estado do Comércio, aliadas ao conhecimento que possuía de certos problemas do Douro, faziam prever uma mudança benéfica no panorama.
Mais tarde, em 21 de Outubro de 1959, a publicação dos Decretos-Leis n.ºs 42 604 e 42 605 veio provar que o Sr. Secretario de Estado do Comércio estava atento, e muito atento, aos problemas do vinho do Porto.
O primeiro desses diplomas estabeleceu um novo condicionamento para a exportação, venda ou cedência, do vinho do Porto e, o segundo actualiza os limites da área do entreposto único e privativo dos vinhos generosos do Douro em Vila Nova de Gaia e regulamenta o processo da sua fiscalização.
Com o primeiro desses decretos pretende-se assegurar a defesa, da qualidade do vinho do Porto e obter um justo equilíbrio de preços (factores essenciais de prestígio e incremento de exportação), bem como aliviar a lavoura, dos encargos do guardar massas vínicas beneficiadas. Nesse mesmo diploma - para atenuar os inconvenientes resultantes de uma utilização excessiva de crédito, por vezes desviada, dos seus fins normais - determina-se que os respectivos certificados de existência só possam ser utilizados sobre 50 por cento da quantidade de vinho que cada exportador possui em armazém.
O referido diploma legislativo teve imediatas repercussões benéficas. A direcção, do Grémio dos Exportadores do Vinho do Porto deslocou-se, propositadamente a Lisboa para agradecer a sua publicação. O Douro
- posso asseverá-lo - recebeu-o com grande júbilo. A procura, dos vinhos beneficiados na mão da lavoura, assim como os respectivos preços, firmaram-se.
Estes diplomas legislativos vieram provar que o Sr. Secretário de Estado do Comércio está bem atento ao que se passa no sector do vinho do Porto. Finalmente, a resolução do problema da direcção do Instituto do Vinho do Porto demonstrou que o Douro tem na pessoa do Sr. Secretário de Estado do Comércio alguém que bem conhece os seus problemas e tenta resolvê-los.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: antes de terminar quero chamar a atenção do Governo sobre alguns outros problemas que fortemente preocupam a região produtora do vinho do Porto.
Nos último; anos o quantitativo de benefício autorizado tem sido, devido ao declínio das exportações, extremamente reduzido. Resulta um excesso de produção
na região demarcada que necessàriamente deve ser escoado pela Casa do Douro. Como é sabido, o granjeio na referida região, devido à natureza e ao acidentado do terreno, aliado à pouca fertilidade, e apesar de salários extremamente baixos, fica por um preço muito elevado. Consequentemente, os seus vinhos de pasto não podem, em preços, concorrer com a das outra regiões, em que o custo do granjeio é muito inferior.
Impõe-se por isso, enquanto a exportação do vinho do Porto não aumentar substancialmente, que se dêem possibilidades à Casa do Douro para poder escoar os vinhos por beneficiar por preços não de ruína. Como estes vinhos são excelentes vinhos de mesa, fácil seria lançá-los no mercado geral dos vinhos do consumo através do um fundo de compensação.
Outro problema, este de ordem orgânica, preocupa há já muito o Douro.
A organização chamada corporativa dos lavradores do Douro é formada na sua base pelos grémios dos vinicultores, cujas direcções são eleitas pelos seus associados. Um nível superior é constituído pela federação dos respectivos grémios (Casa do Douro), cujo conselho geral é eleito pelos grémios. Este conselho, por sua vez, elege o conselho da direcção, que assiste à direcção constituída por um presidente e vice-presidente, nomeados pelo Governo. Com certeza que na ideia do legislador de então se admitia, que a nomeação estatual do presidente e vice-presidente seria medida meramente, provisória. Por isso se criou um lugar de delegado do Governo junto da direcção da Casa do Douro. Este estado de coisas não só poderá manter indefinidamente, pois enquanto o Grémio dos Exportadores - que ocupa no plano económico do sector do vinho do Porto um papel simétrico ao da Federação dos Grémios dos Vinicultores (Casa do Douro) - elege a sua direcção, os produtores não elegem a sua.
E já agora que a Secretaria de Estado do Comércio está resolvida a encarar do frente os problemas do vinho do Porto parece-me oportuno destacar esta posição pouco lisonjeira em que se encontra, a produção.
Não quero terminar sem destacar as judiciosas considerações feitas polo Sr. Secretário do Estado do Comércio no seu recente discurso acerca do problema do fomento das exportações do vinho do Porto.
Servindo-se das estatísticas de consumo do xerês e vinho do Porto no Reino Unido, mostrou a necessidade de o nosso comércio de exportação se adaptar às necessidades do mercado fornecendo vinho do Porto seco, que melhor se adapta a ser bebido como aperitivo.
Acrescentarei que foi precisamente o vinho do Porto seco que há séculos deu fama ao vinho do Douro e que nos recentes certames e feiras internacionais o vinho do Porto seco tem tido o melhor dos melhores acolhimentos.
Esperamos que o nosso comércio de exportação possa satisfazer em qualidade o quantidade as solicitações do mercado pelos vinhos do Porto secos, para que se não venha a dizer que somos unicamente exportadores de mostruários.
É com agrado que a produção encara esta evolução do mercado, pois bem mais difícil será falsificar um vinho do Porto seco do que um doce.
Sr. Presidente.: termino esta intervenção prestando as minhas homenagens à energia, capacidade e fé com que o Sr. Secretário de Estado do Comércio tem- trabalhado em prol do fomento das nossas exportações.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: há questões candentes para as quais todo o cuidado é preciso para lhes pegar. E esta que me proponho mais uma vez tratar - a da Cooperativa dos Produtores de Mafra - é uma delas.
Antes de ler a resposta que S. Exa. o Sr Subsecretário do Estado da Agricultura prontamente me enviou, em satisfação do requerimento que fiz aqui antes do interregno desta Assembleia, queria dizer a VV: Exas. Como e porquê esta questão me preocupou.
Devo dizer que não conheço ninguém em Mafra e que apenas duas vezes na minha vida, já há bastantes anos, fui àquela vila. Compreende-se, por consequência, que não tenho neste assunto o mais pequeno interesse pessoal, dadas as circunstâncias que acabo de revelar a VV. Exas., e ainda menos qualquer interesse directo.
Mas porque seria então que me lembrei de pegar neste assunto?
Um dia chegou a minha casa pelo correio um folheto. Que tenho aqui, assinado pelo conselho fiscal da respectiva Cooperativa. E tão tremendas eram as afirmações feitas neste folheto que imediatamente tive para mim como certo que o Governo iria, através dos seus órgãos a isso dedicados, intervir.
Efectivamente, Sr. Presidente, de duas uma: ou eram falsas as afirmações feitas neste folheto, e deviam ser chamados à responsabilidade aqueles que o subscrevem, ou eram verdadeiras, e devia ser chamada à responsabilidade a direcção. Simplesmente, passaram-se tempos e tudo continua na mesma.
Por consequência, explicados a VV. Exas. Os motivos, as razões pelas quais peguei neste assunto, que, aliás, já deixei transparecer no requerimento ùltimamente apresentado, devo ainda dizer a VV. Exas. Que as posições do conselho fiscal e da direcção são absolutamente inconciliáveis.
O meu requerimento não tinha outro objectivo que não fosse esclarecer-me, não imiscuindo-me no assunto localmente, mas através das instâncias oficiais, que,
Por dever de ofício, têm de estar esclarecidas.
Devo dizer a VV. Exas. Que recebi muitos telegramas, muitas cartas, algumas delas subscritas por várias assinaturas de uma mesma localidade de um concelho - e todas contra a direcção. A favor da direcção apenas houve, como todos VV. Exas. Sabem, uma exposição da previdência da direcção, que a enviou ao Sr. Presidente desta Assembleia e depois a cada um dos Srs. Deputados, através da qual se pretendia dar resposta ao meu requerimento, substituindo-se ao Sr. Secretário de estado da Agricultura. Mas das cartas e telegramas recebidos, subscritas por pessoas certamente muito estimáveis, mas que me são completamente desconhecidas, quero apenas trazer aqui um ofício do Grémio da Lavoura de Mafra, que é a entidade oficial encarregada de representar a lavoura e a agricultura locais. Ou não será? Suponho que sim.
Pois bem, esse ofício enviava a cópia de uma acta da direcção, que passo a ler:
«Tomou a direcção, pela imprensa diária, conhecimento da intervenção na Assembleia Nacional do Exmo. Sr. Deputado Francisco Cardoso de Melo Machado acerca da forma como tem decorrido e está decorrendo a administração da Cooperativa Agrícola dos Produtores de Leite do concelho de Mafra.
Conhecedora, como é, a direcção deste Grémio da administração perdulária por parte da direcção da referida Cooperativa, com prejuízo manifesto dos associados e com a agravante de Ter transformado um órgão cooperativo numa empresa de administração e critério puramente pessoal, empresa esta de recolha e venda de leite, não pode deixar de transmitir a S. Exa. o Sr. Deputado Melo Machado a confiança que lhe mereceu a sua intervenção e a esperança que deposita na resolução do grave problema da administração da maior riqueza do concelho , que é a exploração pecuária com destino ao fornecimento de leite, problema este que a direcção considera de aspecto grave sob o ponto de vista político social e económico».
Outras coisas se dizem nesta acta, que todavia, reservo para mais tarde.
E passo, Sr. Presidente, a ler o que interessa na resposta de S. Exa. o Secretário de Estado da Agricultura. Como VV. Exas. Sabem, tinha feito duas perguntas: se àquelas assembleias tumultuosas da Cooperativa de Mafra tinham assistido, como lhes competia., delegados da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas e, em caso afirmativo, que relatos tinham feito dessas sessões.
A isso responde o Sr. Secretário de Estado:
Dada a situação lamentável em que têm decorrido as relações entre o conselho fiscal e a direcção da Cooperativa, que nas suas divergências têm recorrido a processos pouco recomendáveis, S. Exa. o Secretário de estado da Agricultura, para poder esclarecer-se quanto à natureza e extensão dessas divergências, solicitou de S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça a designação de um magistrado para inquirir da situação.
A primeira parte está confirmada pelo Sr. Secretário de Estado da Agricultura.
Poderia dizer a VV. Exas. Algumas dúvidas que tenho sobre o funcionamento destas assembleias gerais tumultuosas, mas também reservo a minha opinião para mais tarde.
Depois formulava uma outra pergunta: se a Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas teria pedido à Procuradoria-Geral da República um magistrado para inquirir o funcionamento da Cooperativa, e, em caso afirmativo, quais as conclusões do relatório que tivesse apresentado.
A isso responde S. Exa.:
Porque os factos apurados no presente inquérito não revelam a necessidade inadiável de substituir a normal autonomia dos corpos gerentes da Cooperativa pela intervenção do Estado, propositadamente se aguardou a conclusão dos trabalhos relativos à assembleia geral do organismo.
Ora muito bem, S. Exa. com aquela cativante amabilidade que todos nós lhe reconhecemos, não fica por aqui na sua resposta e afirma o seguinte:
Apuradas que foram as contas de gerência relativas ao exercício de 1958, podemos agora concluir:
1.º Nos corpos gerentes da Cooperativa instalou-se um espírito de luta e de discordância que impede a colaboração e o funcionamento desapaixonado dos seus órgãos e a razão nem sempre se consegue encontrar sob o jogo confuso das razões;
2.º O desanuviamento completo e salutar do ambiente social é, fora de dúvidas, o objectivo que os associados e os corpos gerentes deverão procurar atingir, e é nele que está o interesse da Cooperativa, mas, a breves meses da eleição de novos corpos gerentes, não se justifica a alteração da normalidade estatutária pela intervenção legal do Estado;
3.º Arquive-se o processo, na certeza de que os associados (especialmente os mais esclarecidos), a direcção, o conselho fiscal e a mesa da assembleia geral saibam submeter ao in-
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teresse comum dos largos serviços e benefícios, que a Cooperativa para todos representa, sentimentos e exageros que só podem prejudicar o bem que está feito, sem eliminar o mal que porventura exista.
Quer dizer: S. Exa. o Secretário de Estado da Agricultura, no n.º 3.º das suas considerações, tem ainda esperança de que se conciliem para a boa administração da Cooperativa precisamente aqueles cuja discordâncias e lutas assinalou como impeditivas do bom funcionamento da Cooperativa no n.º 1.º das suas considerações.
Diz ainda que a eleição dos corpos gerentes terá lugar brevemente.
Realizar-se-á mais uma assembleia geral tumultuosa e tudo ficará como dantes.
E porque pressinto que assim sucederá, requeira que, pela Secretaria de Estado da Agricultura, me seja enviada cópia do relatório e conclusões do magistrado que, por solicitação de S. Exa. o Secretário de Estado da Agricultura a S. Exa. o Ministro da Justiça, realizou um inquérito à situação criada entre os corpos gerentes da Cooperativa dos Produtores de Leite de Mafra; no caso de ser muito extenso esse relatório, poderei contentar-me com as suas conclusões, se desde já me for dada vista de todo o processo.
Sr. Presidente: sob este aspecto, concluí as minhas considerações.
Agora, outro assunto: todos nós, em tempos muito distantes, infelizmente, da nossa meninice, e ainda as crianças de boje, nos enlevávamos nesta frase: «Era uma vez ...».
Pois, Sr. Presidente; suponho que há no nosso país, neste momento, muitas pessoas que, apesar de não serem crianças, estão ainda, efectivamente, enlevadas nestas palavras: «Era uma vez ...».
«Era uma vez...» o prometido aumento das pensões de reforma dos funcionários e pensionistas do Estado, etc.
Sr. Presidente: a vida dos pensionistas e dos reformados do Estado é, por vezes, tão angustiosa, e para alguns tão grave e tão séria, que a simples promessa de um aumento, que se não definiu mas que todos têm a consciência de que não pode ser muito grande, importou todavia uma fundada esperança de dias um pouco menos sombrios.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Não tenho dúvidas de que essa esperança se tornará em realidade, porque o Governo de Salazar nunca prometeu nada que não cumprisse. Mas, para que, dar essa esperança e deixar passar depois tantos meses sem a efectivar?
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Não compreendemos todos qual será a ansiedade dessas pessoas para quem alguns escudos são, na sua vida de privações, uma satisfação, uma esperança, uma possibilidade?
Sr. Presidente: não sei o que retém a resolução deste assunto tão importante para uma tão grande massa de funcionários públicos, que o foram, e, por isso, Sr. Presidente, eu peço, secundando as palavras que ontem aqui foram proferidas pelo nosso ilustre colega Sr. Dr. Rodrigues Prata com muito bom senso e alguma energia, que, efectivamente, tão depressa quanto possível, e este quanto possível deve ser rápido, apareça o decreto que estabeleça o aumento das pensões dos funcionários públicos aposentados, etc.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Homem de Melo: - Sr. Presidente: levanto hoje a minha voz para me referir a um caso que directamente respeita à minha terra, mas que não deixa de ter larga incidência geral.
Faço-o com humana emoção, recordando a confiança que os eleitores de Águeda em mim depositaram, vai para três anos, confiança que eu não desejaria atraiçoar.
Sei perfeitamente que sou Deputado da Nação, eleito por todo um distrito, mas ninguém poderá criticar que me ocupe, uma vez por outra, da terra a que estou ligado por vínculos que tanto me honram e de que tanto me orgulho.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - E, por assim ser, voltarei a ocupar-me do meu concelho numa das próximas sessões.
Passo em claro alguns dos problemas que mais preocupam a Câmara de Águeda, tantas vezes têm aqui sido focados em relação às várias regiões do País, tão raro embora o Poder pareça ouvir as vozes que se levantam em prol das populações rurais.
O Município de Águeda luta, exactamente como as restantes edilidades do País, com uma aflitiva carência de recursos financeiros, que não lhe permite fazer face a cerca de 200 km de estradas municipais, em vias de se tornarem intransitáveis; ao abastecimento de águas, para que as fontes de chafurdo desapareçam e deixem de constituir marcado índice do nosso subdesenvolvimento; à electrificação do concelho, que, mau grado a ajuda das instâncias superiores, está ainda longe de poder ser completada nestes mais próximos anos.
Tudo isto são problemas que respeitam ao País, e nào só à minha região. Limito-me a juntar a tantos outros o meu grito de alarme e a pedir que se faça justiça.
Não saberia dizer mais nem melhor do que, aqui, vozes bem mais autorizadas do que a minha já inúmeras vezes tiveram ocasião de afirmar.
Sr. Presidente: em 27 de Julho de 1928 foi dada à União Eléctrica Portuguesa uma concessão para o «transporte e distribuição de energia eléctrica de alta tensão aos serviços públicos de transportes em comum, de iluminação pública e privada e de fornecimento de energia a particulares entre Porto e Coimbra».
Naquela data não se incluía nas atribuições das câmaras municipais a «instalação de geradores de energia eléctrica e distribuição desta pelo concelho para fins industriais e domésticos», como veio a acontecer por força do artigo 46.º, n.º 11.º do Código Administrativo. Por outro lado, o artigo 164.º do mesmo diploma permite que os serviços municipalizados tenham por objecto «a produção, o transporte e a distribuição de energia eléctrica», o que significa que, de jure constituto, as câmaras municipais têm competência, no uso das suas atribuições de fomento, para produzir, distribuir para fins industriais e domésticos e transportar a energia eléctrica necessária ao concelho.
Ora, ainda por força do artigo 345.º do código, a competência dos corpos administrativos é inalienável e irrenunciável.
Daqui se concluirá, necessariamente, que só as câmaras municipais (no caso em análise, a de Águeda) podem vender energia eléctrica a particulares dentro do respectivo concelho, dado que a referida actividade
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constitui uma atribuição de fomento das câmaras, como tal irrenunciável, sol) pena de nulidade.
Isto significa, que a entidade transportadora- (neste caso a União Eléctrica Portuguesa) só pode vender energia eléctrica à Câmara do Águeda e só esta a pode vender para consumo industrial e doméstico na área do concelho. Unia única excepção seria possível: a outorga de uma concessão à União Eléctrica Portuguesa pela Câmara Municipal - o que, aliás, até este momento não se verificou.
Ora sucede, Sr. Presidente, que contràriamente ao que tão claro se afigura, a União Eléctrica Portuguesa vem fornecendo energia eléctrica a consumidores particulares dentro da área do concelho de Águeda, sucedendo que a fornece precisamente aos melhores consumidores, o que, como é óbvio, acarreta prejuízos irreparáveis aos serviços municipalizados.
Consciente porventura da manifesta irregularidade, a União Eléctrica Portuguesa leva a energia em alta tensão até ao consumidor para aí instalar um posto de transformação de potência, de modo a que a corrente entre em casa do consumidor em baixa tensão.
Ora o facto não altera o condicionalismo imposto pela lei, nem esta deverá ser iludida com o simples expediente da montagem de um transformador de potência.
A este respeito a base XIII da Lei n.º 2002, de 26 de Dezembro de 1944, é elucidativa: «As empresas produtoras e transportadoras venderão a energia aos concessionários de grande distribuição e estes, por sua vez, aos consumidores ou distribuidores de pequena distribuição».
Assim, e por exemplo, as empresas produtoras (normalmente uma barragem) venderão a energia aos concessionários de grande distribuição (por exemplo a União Eléctrica Portuguesa) e estes, por sua vez, fornecerão aos consumidores ou distribuidores.
Ora no concelho de Águeda, por força de lei, o único consumidor ou distribuidor a quem a União Eléctrica Portuguesa pode vender é a Câmara Municipal.
Chamo a atenção do Governo, designadamente do ilustre titular da pasta da Economia, que nos problemas da electricidade tanto tem dedicado o seu talento e o seu esforço, no sentido de ser dada ordem à Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos para que providencie no sentido de obrigar a União Eléctrica Portuguesa a cumprir o que a lei claramente indica, de forma a que os serviços municipalizados passem a ser os únicos distribuidores de energia a consumidores industriais ou domésticos na área do concelho de Águeda.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: pretendo na curta intervenção que vou realizar trazer à Assembleia Nacional um problema de alto interesse social e moral, de reflexos sentidos e profundos na vida da sociedade, problema que nos seus variados aspectos, de verdadeiro interesse geral, há que encarar serena e corajosamente, procurando, na hora difícil em que a classe médica vive, solução adequada, própria, inerente aos interesses da comunidade. Tão notável é a projecção de que o caso se reveste.
Trata-se de problema grave, a que está inteiramente ligada a vida da classe médica, na sua formação, na sua acção e nos seus interesses, cujos rumores ainda aqui não chegaram na justa medida do seu valor, mas que eu, como Deputado da Nação e membro de tão nobre como sacrificada classe, me sinto na obrigação de trazer a este corpo legislativo, não para apresentar ou discutir soluções, indicando medidas ou providências legais, mas apenas, no uso de um direito, chamar a atenção do Governo para problema de tanta magnitude e tanta grandeza.
Urge encará-lo à luz das realidades, perante programa estruturado em bases convenientes, oferecendo garantias e direitos compatíveis com obrigações e deveres a cumprir rigorosamente a liem da saúde, e da higiene pública.
Exige-o a nossa consciência, a consciência de uma classe, que em todos os momentos, em todas as emergências, ainda as mais graves, tem mostrado eloquentemente dignidade e saber, aliados ao desinteresse material, a um espírito de sacrifício inigualável, numa demonstração plena de virtudes em que a profissão, verdadeiro sacerdócio, assenta, um desprezo total pela própria vida. e de dedicação e amor pela vida do semelhante.
Exige-o também a consciência da Nação, que pretende ver o problema da saúde pública resolvido, dentro de precisos e actualizados moldes, à face das graves necessidades que o País revela, no seu aspecto médico-sanitário, acusando índices que se torna urgente combater.
Não me compete, nem quero, Sr. Presidente, defender agora e aqui os interesses materiais de uma classe, ao labor da qual está confiada a saúde e, a vida de um povo, mas bem preciso que se afirme a necessidade absoluta que existe de proceder à reforma de toda a nossa velha orgânica, visto que da boa orgânica dessa actividade, a mais notável e proveitosa para a vida da, Nação, resultarão os maiores benefícios para o homem de hoje e para as gerações futuras.
É inegável ser o problema da saúde, aliado ao problema da educação, o problema mais delicado, mais complexo e mais urgente que temos a encarar, resolvendo-os dentro de uma estrutura convenientemente estudada, liberta de subordinações, contribuindo assim para a defesa de direito que a todos assiste de viver e utilizar livremente meios necessários e suficientes para o equilíbrio normal do homem no seu todo, que é nem mais nem menos que o viver em estado de saúde completa.
Sr. Presidente: o problema médico em Portugal é, em boa, verdade, um problema difícil, que não pode resolver-se sem amadurecido e consciente estudo, tão notória é a sua complexidade, tão trabalhoso o seu equacionamento, tão delicado e preciso o valor das incógnitas que o compõem.
Cabe ao médico, ao profissional da medicina, que despendeu o gastou notável soma d« energia, de esforçados sacrifícios, na obtenção da sua licenciatura, uma alta função, meritória função de natureza pública profiláctica e curativa das doenças; função representativa de um alto valor social e económico a que tem de prestar-se a devida atenção, n fio lhe diminuindo o que vale ou o que representa na sociedade e no Mundo.
O exercício da medicina exige da parte do seu praticante um espírito de renúncia, que não pode igualar-se, ou pedir-se a nenhuma das outras profissões colocadas no mesmo plano de estudo e acção.
Compreender a situação moral e material em que os médicos vivem, inferiorizados no desempenho da sua missão o diminuídos na retribuição devida aos serviços prestados, é mister que se impõe, combatendo pelos princípios morais e espirituais em que assenta a ética profissional, mas procurando também dar realidade às aspirações e anseios de melhoria de vida, que é de inteira justiça reconhecer.
Não pretendemos, como já disse, expor ou discutir pormenorizadamente, nesta tribuna, providências ou
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medulas preconizadas por alguns, por muitos, para dar pronto remédio a uma situação que se agrava de dia para dia, obrigando os médicos a ocupar situação moral e económica deprimente, esquecendo o que a classe médica vale, inutilizando os seus componentes numa dispersão de esforços, de energias e até de vontade, compelindo-os a viver divorciados dos preceitos em que assentam as verdadeiras normas da ética profissional, onde reside interesso máximo para o médico e para o doente.
Mas, se não temos a pretensão, o que teria inteiramente justo, de agora discutir ou apreciar certos factos, assiste-nos o direito de clamar bem alto contra o esquecimento a que está votada uma classe tão útil como prestimosa, nas suas manifestações do actividade, nunca ouvida ou consultada em problemas de seu interesse e do interesse da comunidade, dando o facto lugar à prática do erros de que todos somos vítimas inocentes.
Impõe-se a adopção de medidas que, possam contribuir pura a elevação do nível técnico e do nível moral da classe, combatendo tudo quanto possa inferiorizá-la ou diminui-la, perante as dificuldades acumuladas na defesa da saúde, pública.
Sr. Presidente: a crise que invade e domina a medicina portuguesa tem sido objecto de estudos realizados quer pelo conselho geral da Ordem dos Médicos, quer pelas secções regionais de Lisboa, Porto e Coimbra.
Os relatórios elaborados sobre matéria de tanta importância são documentos demonstrativos do pensamento da classe, integrados num espírito do renovação, que, embora discutíveis em muitos dos seus pontos, é manifestação clara de que os problemas inerentes à profissão médica são bem compreendidos, urgindo remediá-los.
Ao Sr. Presidente do Conselho foi entregue, em Junho de 1958, uma larga exposição de natureza informativa, onde se encontram explanadas as circunstâncias especiais em que hoje vive a medicina portuguesa, circunstâncias particularmente ligadas com o estudo sanitário do País, a pedirem uma planificação de funções de harmonia com os interesses da Nação e os justos interesses dos médicos.
Através de um inquérito de larga amplitude, realizado pelo conselho geral da Ordem dos Médicos, foram convenientemente estudados e expostos todos os factores esclarecedores do problema inerente à medicina organizada e as limitações que esta acarreta à clínica livre, tendo presentes as bases reafirmadas pela Associação Médica Mundial, a que a Ordem dos Médicos dá todo o seu apoio, e que passo a enumerar:
Escolha livre do médico pelo doente e do doente pelo médico, excepto em casos de urgência ou caso equivalente.
Proibição de intervenção de terreiros nas relações entre médico e doente. Fiscalização exercida por médicos quando haja necessidade para tanto.
Liberdade de ordem terapêutica ou diagnostica na actividade médica.
Acesso possível de todos os médicos à medicina organizada.
Limitação da medicina organizada aos indivíduos economicamente débeis. Representação da Ordem dos Médicos nos planos de estudo da organização da medicina.
Não permissão da exploração do médico por determinadas organizações.
Liberdade de escolha, por parte do médico, do local onde deve trabalhar.
Dentro destas bases a Ordem dos Médicos apresentou ao Sr. Presidente do Conselho a sua exposição. Esta é um notável documento, abrangendo, na sua síntese, os elementos para estudo da questão colhidos no sector da previdência, Federação dos Serviços Médico-Sociais, Casas do Povo, Casas de Pescadores, sindicatos, organismos de assistência pública e assistência particular e outros, e ainda certos elementos subsidiários, como sejam os referentes ao número de inscrições na Ordem dos Médicos, à frequência nas Faculdades de Medicina, à concorrência aos internatos complementares nos Hospitais Civis, tirando conclusões que se torna necessário encarar dentro do espírito de acatamento pelos princípios que conferem direitos ao doente, e obrigações ao médico.
A exposição levada ao Sr. Presidente do Conselho, personalidade eminente, que tão brilhantemente tom prestigiado a sua alta magistratura, no propósito firme, já realizado, de dar à Nação o verdadeiro lugar que lhe compete no concerto mundial, é demonstração eloquente da confiança que lhe merece o estadista que através de todos os sacrifícios, de todas as dificuldades, vem mantendo bem viva e bem alta a fé nos destinos de Portugal.
Eu, como médico que vivo orgulhosamente a profissão que há 40 anos exerço, daqui apelo para o Governo, e muito especialmente para o Sr. Presidente, do Conselho, para que não seja esquecido o problema médico-sanitário do País, estudando em toda a sua objectividade, resolvendo-o dentro dos seus múltiplos aspectos e dos princípios ajustados às nossas necessidades e às nossas possibilidades.
Sr. Presidente: mais meia dúzia de observações sobre o problema que acabo de tratar. A Ordem dos Médicos, através das suas três secções regionais - Lisboa, Porto e Coimbra - acaba de dar por terminado o largo estudo a que procedeu, em que define as necessidades acusadas pela medicina nos diversos sectores da sua acção e onde expõe, pontos de vista solucionutórios da questão que tanto vem agitando a classe, em seu interesse, e no interesse da comunidade.
Separadamente, cada uma das secções regionais da Ordem dos Médicos elaborou um relatório que distribuiu pelos seus associados, aguardando oportunidade para, em conjunto, no conselho geral da Ordem, se discutirem e aprovarem as bases a apresentar, que formarão um todo, saído do conteúdo aproveitável de cada um, visto existirem certas discordâncias nus pormenores tendentes à solução do problema.
Esses relatórios, produto de aturado e laborioso estudo, realizado por comissões escolhidas para tal fim, encerram um conjunto de aspirações da maior nobreza e valia, dignas de estudo sério, meditado e profundo, visto o problema exigir observação cuidada, calma, mas não retardada.
O relatório global, destinado à apreciação do Governo, com base nos relatórios das secções regionais, será a demonstração clara do que a classe médica sente e pede na hora presente.
Embora possa não existir unanimidade de vistas sobre alguns pontos, confiamos inteiramente no espírito governativo, que meticulosamente, como sempre, tem sucedido, saberá agir e resolver perante as circunstâncias actuais.
É ao Governo, e só ao Governo, realizador de uma obra inteiramente séria, reconhecidamente digna, proveitosa e honesta, obra de ressurgimento e actualização em todos os sectores da vida nacional, que, compele o exame da situação à face das suas necessidades e das necessidades do País.
É o Governo que, dentro dos poderes que legitimamente, lhe estão confiados, terá de estudar e resolver
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assuntos de tão magna importância, a que está ligado o futuro de uma classe tão laboriosa como esquecida, que à sociedade e à Nação vem prestando serviços jamais igualados em abnegação ou renúncia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Bem merece a classe médica ser ouvida atendida no pouco ou no muito que justificadamente pede, e maus dias lhe estarão reservados se assim não suceder.
Eu, Sr. Presidente, na firmeza do meu proceder e do meu sentir, continuo a depositar no Governo da Nação a confiança que nunca lhe regateei, e bem a merece pela obra plena de grandeza e de patriotísmo que vem realizando, nosso e seu orgulho, que bem pode e deve ser orgulho de todos os portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: dado o avultado número de inscrições ontem para antes da ordem do dia adiei para esta sessão as considerações que passo a fazer, sobretudo com explicação que entendo dever Câmara.
Iniciaram-se a 4 deste mês, dia seu natalício, as comemorações do centenário relativas à data da morte de D. Henrique - o Infante.
Vão elas desenrolar-se com a larga projecção universal que se planeou condigna do universalismo das Descobertas; à altura do Príncipe do Mar que, com rara felicidade Pessoa proclamou:
O único imperador que tem deveres.
O globo do Mundo em sua mão.
Efectivamente o domínio do mar tem sido sempre - e decerto no futuro atómico sucederá o mesmo - condição essencial de tutelar-se a terra.
E dizemos sempre porque, através da história isto não se verificou só depois do Infante e suas descobertas. mediante as quais na esfera os continentes vieram revelando-se modestas manchas isoladas em subordinação à contiguidade generalizada das oceânicas águas envolventes - tal proeminência se verificara já na era pré-henriquina, embora talvez não tão decisiva, quando no mundo de Ptolomeu o mar se limitava a pouco mais do que ao extenso corredor do Mediterrâneo, com os seus apêndices dos golfos arábico e pérsico: mar rodeado de terra por todos os lados: Grécia e os Persas, Cartago-Roma, Veneza-Bizânico, são desta constante de hegemonia nítida ilustração.
Serviram de consagração introdutória a estas homenagens como de rigor convinha ao cristianismo, capitão da mais eficiente das Cruzadas solenes Te Deum, que se celebraram por toda a Nação, de aquém e de além. Seguiram-se-lhe, nesse mesmo dia, as mais alta homenagens civis iniciais.
Embora a lei cronológica deste centenário henriquino não seja a do nascimento - quando o foi em 1894, no Porto, berço do Infante, deu início às comemorações com Majestades e Governo - por feliz determinação da Comissão Nacional do Centenário estas se iniciaram também na data natalícia do herói. Não podia a iniciativa ser mais sensibilizante para o Porto, e isso lho agradecemos.
Ao Governo da Nação, que se fez representar pela pessoa prestigiosa do Sr. Ministro da Presidência nas cerimónias da Sé e na sessão solene da Câmara Municipal do Porto, e tanto a esta, nas pessoas dos seus ilustres presidentes e vereadores, como às autoridades eclesiásticas, aos oradores sagrados e profanos que ali versaram, para nossa lição e reconforto, aspectos várias do imenso tema henriquino, também a nossa gratidão do portuenses.
Isto se pasmou tudo em sincronismo com as comemorações que tiveram lugar na capital, nos Jerónimos e nesta Assembleia Nacional.
Compreensível a consequente espécie de colisão, de ordem prática que tal coincidência tinha de acarretar aos Deputados pelo circulo do Porto: ou não faltarem ao dever que lhes impunha o direito próprio que representam de assistirem no quadro desta Assembleia à consagração da maior figura portuguesa - não exclusivamente mística - com projecção universal, ou, segunda alternativa, infringindo embora aquele dever, prestar as suas homenagens de presença na terra que aqui representam, que é a do Infante.
O Sr. José Sarmento: - V. Exa. referiu-se a uma reunião realizada nesta Assembleia e na qual tive muita pena de não ter tomado parte. O certo é que apesar de ter residência fixada em Lisboa, não tive conhecimento dessa reunião.
O Orador: - Talvez tivesse havido uma falta de comunicação e, por isso, falei no direito próprio. V. Exa. não teve conhecimento dessa reunião, e suponho que, se o tivesse e aqui viesse, a ela assistiria muito bem por direito próprio.
Isto é significação daquilo que eu disse.
O Sr. Homem de Melo: - Assim seria, efectivamente, se, todos os Deputados não tivessem recebido convite; ora a verdade é que alguns receberam (eu, por exemplo) e por sinal para a galeria, lapso, aliás, eliminado na véspera da sessão solene.
O Orador:- O direito próprio é o direito próprio, como V. Exa. como jurista, muito bem sabe. De resto, eu estava ausente e nada tenho com essas particularidades. Mas, continuando:
Nascido no Porto, optei, como a maior parte dos Srs. Deputados, pela segunda alternativa. Ali estávamos, ali tirámos; naquela cidade, onde o Infante tem particularíssimo jus a ser festejado como que em família, embora com o embevecido ... e respeitoso pudor que a distância da sua grandeza da altura das nuvens nos impõe..
As ligações entre o Infante e a cidade do Porto, sabido é, não foram apenas as de um fortuito nascimento. Particularmente a preparação da frota de Ceuta fez-se e na sua mais larga parte na Ribeira do Porto, sol a chefia do Infante, no fervet opus de meses. Os vínculos entre ele e a cidade seu berço tornaram-se perpétuos e, para além da vida, até hoje. O nome de tripeiros que nos honra, foi consagração dos sacrifício; tão gostosamente consentidos nessa hora alta que precedeu Ceuta.
Para reconduzir-nos ao ambiente do tempo não resisto a recordar curto trecho de Zurara:
O Infante teve tal modo em meus feitos que naqueles três meses seguintes aviou todas suas gentes e armas do mês de Maio, foi dentro na cidade do Porto, onde logo começou dar trigoso aviamento à sua frota, e fazendo encaminhar todas as causas que por ela pertenciam, e tão ordenadamente que nem a sua nova idade, nem falecimento de práticas de tais feitos não o puderam empachar que não recebesse mui grande louvor de seu maravilhoso trabalho, cá diziam aqueles velhos, que era muito
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para maravilhar, um homem de vinte anos ser tão destro e desempachado para aviar tamanho feito ...
Mas, Sr. Presidente, estou a desviar-me do fim limitado desta singela intervenção: teremos um ano inteiro para aprender a tirar proveitosa lição da ocidental gesta henriquina.
Ao usar agora da palavra apenas quis vincar quais as razões de opção tomada, que era, segundo penso, nosso dever explicar a V. Exa., Sr. Presidente, e a VV. Exas., Srs. Deputados.
Estou certo de que se na orientação preferida da minha da nossa parte houve, falta, ela foi por bem e nos será, assim confio, relevada por falta do Infante.
E como esta explicação, Sr. Presidente, foi a razão determinante de ter pedido a palavra, disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade o projecto de alterações ao Regimento da Assembleia Nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: à primeira vista, afigura-se do pequena importância o projecto em discussão; e. realmente, numa análise superficial e meramente objectiva, ele apresenta-se-nos como um simples e vulgar regulamento interno dos serviços e dos trabalhos correntes da Assembleia Nacional, sem nada de transcendente conter ou representar que transponha o condicionalismo do seu funcionamento normal.
Outra será, porém, a conclusão a tirar da contemplação do problema em profundidade, na sua expressão, no seu sentido e nos seus efeitos e resultados.
Na verdade, uma análise mais circunstanciada, uma meditação mais subjectiva sobre o assunto, leva-nos a reconhecer que o regulamento interno da Assembleia, ou seja o seu Regimento, longe de se confinar nos limites normais de diplomas desta natureza, antes transpõe estes limites e apresenta-se-nos, sim, como um estatuto de larga envergadura, cujo conteúdo constitui a própria estrutura deste corpo legislativo, vastamente projectada na sua função, na sua autoridade, no seu prestígio, pura não falar já na indispensabilidade para a regularidade, a disciplina, e a eficiência do funcionamento.
Em suma: o Regimento, que tem de ser também corolário dos preceitos constitucionais correlativos, o Regimento - dizia - é, afinal, a nossa lei interna, dando-se a esta expressão o amplo sentido e o alcance de lei basilar e simultâneamente normativa da actividade funcional.
Quer dizer: do Regimento interno depende, pois, em muito e indubitavelmente, o prestígio da Assembleia Nacional, que se faz mister manter e defender em qualquer caso e, em todos os momentos, sejam quais forem as ideias que se professem e os príncipes que se formulem ou as reservas que se ponham sobre as vantagens e os inconvenientes da sua existência ou do modo como está estruturada, no respeitante à sua constituição ou formação, aos limites da sua competência e ao seu funcionamento.
Ora, a meu ver, umas circunstâncias não podem nem devem deixar de ser consideradas e ponderadas no momento em que se estuda, discute e vota no Regimento novo ou só altera substancialmente o que exista, como sucede no caso presente. E estas mesmas circunstâncias justificam ou mesmo impõem que o Regimento, além de diploma cuidadosamente elaborado, seja completo, claro, consentâneo com a sua finalidade, e, simultaneamente, esteja actualizado e seja exequível.
Repito: actualizado e exequível; e, sendo assim, resta saber se o Regimento actual obedece a estes dois requisitos, ou se neles fica a obedecer com as alterações que lhe são feitas no douto projecto ora em discussão.
Quando ao primeiro requisito, a leitura atenta do articulado, em confronto com o dos Regimentos anteriores, conduz-me à conclusão do que, no actual e mesmo naquilo que agora se propõe, alguns preceitos estão antiquados e outros não se justifica que prevaleçam, por não se coadunarem com as realidades presentes. Caíram em desuso, por já não terem justificação ou por terem, cessado as razões que os determinaram.
Justificavam-se, em tempos idos, até por serem mais latas sob certos aspectos as atribuições do Parlamento.
Os Regimentos anteriores, especialmente, nas partes restritivas da liberdade de discussão, foram elaborados em conformidade com a característica mais larga e mais acentuadamente política da Câmara dos Deputados sob o regime constitucional então vigente, pois era mister contrariar o deflagrar de paixões, a luta dos partidos, os incidentes constantes e n esterilidade das infindáveis discussões políticas, com sacrifício total da actividade dos Governos ou dos Ministros visados e aqui forçadamente presentes para, ao fim, tomarem o rumo traçado por uma moção política triunfante, mesmo que o fosse por um voto apenas.
Aqueles que ignoram ou fingem ignorar que agora o sistema é muito diverso baseiam as suas críticas contra a Assembleia Nacional num díspar confronto do seu sistema e do seu comportamento com o dos parlamentos do tempo «bota abaixo». em que a sorte dos governos estava inteiramente à mercê das contingências resultantes de lutas demolidoras em que predominava o jogo de interesses e de paixões pessoais ou partidárias perante os quais sucumbiram governos da Monarquia, e, durante apenas 16 anos de República, de mais de 40 governos todos os que as revoluções ou os ultimatos não derrubaram na rua.
Numa palavra, ignoram ou fingem ignorar que o artigo 112.º da Constituição actual eliminou radicalmente este nefasto expediente político do passado, pois determina que «o Governo é da exclusiva confiança do Chefe do Estado e a sua conservação no Poder não depende do destino que tiverem as suas propostas de lei
Nem de quaisquer votações da Assembleia Nacional».
No que diz respeito à exequibilidade das disposições regimentais, devem ser considerados como fundamentais, entre outros, os preceitos respeitantes aos direitos e deveres dos Deputados, consubstanciados, por exemplo, no uso da palavra e nas respectivas restrições ou limitações.
Quero referir-me, Sr. Presidente, ao facto de os Deputados poderem ou não poderem ler os seus discursos e à limitação do tempo em que elevem proferi-los. assuntos a que, em alguns passos, directa ou indirectamente, o projecto diz respeito. E são de transcendente importância, especialmente o primeiro.
É evidente que, se é certo as restrições a este respeito terem por objectivo abreviar os trabalhos da Assembleia e as discussões e prevenir exageros em pormenorizações inoportunas ou dispensáveis e inoperantes
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392 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 151
para os fins em vista, certo é também que elas têm os seus inconvenientes s mesmo são impraticáveis, como só tem revelado através do tempo larga e permanentemente.
E porquê? Porque a oralidade não é fácil para todos ou é-o menos para uns do que para outros, sem que isto signifique um complexo de inferioridade, pois, se é certo que a palavra foi dada ao homem para exprimir o pensamento, a verdade é, porém, que nem todos têm as mesmas possibilidades ou facilidades de utilizar esse dom de Deus, por questão de temperamento, por timidez, por falta de experiência ou por quaisquer outros requisitos alheios à vontade, de ordem psíquica ou fisiológica, e, todavia, pode tratar-se de letrados ilustres, cientistas e técnicos categorizados e experimentados, autoridades incontestáveis, etc., predicados estes que podem não ser excedidos ou igualados em oradores de palavra fluente, brilhante e sugestiva e em quem o improviso seja fácil e a expressão, o gesto e o próprio timbre da voz colaborem no brilhantismo da oração.
E, assim, estamos em frente de uma desigualdade, manifesta, de uma injustiça clamorosa que instintivamente pode conduzir ao retraimento de muitos dos maiores valores que façam parte da Assembleia, com a agravante de a Assembleia ficar privada dos seus ensinamentos da sua colaboração, tantas vezes necessária e preciosa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pode haver, mas são raros, oradores que gozem da inestimável facilidade de fixar e reproduzir de memória os seus discursos. Privilégio este de que se têm utilizado oradores consagrados sem que isso os diminuísse, como por exemplo, já na era actual, José de Alpoim e António Cândido, a «Águia do Marão». Um e outro decoravam os seus discursos mais importantes, da primeira à última palavra, e, nem por isso deixaram o primeiro de ser tribuno de justa nomeada e o segundo o maior orador do seu tempo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, a proibição de discursos lidos importa também manifestos inconvenientes do ordem política e prática.
E contraria até as modernas tendências, que não é legítimo contrariar com as velharias regimentais, há muito ultrapassadas. Novos tempos, novos costumes.
A melhor solução é a que permita discursos proferidos de improviso ou de memória, ou lidos, conforme o jeito e a vontade de cada orador ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... sem, entretanto, esquecermos ainda que o discurso escrito e lido tem ainda a suprema vantagem de melhor se pensar o que se diz e se dizer o que se pensa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Podem objectar-me que os discursos lidos resultam, por via de regra, demasiado extensos. Mas parece-me que não têm razão em só por isso os condenarem, porquanto igual inconveniente podem ter os que são proferidos de cor e até os improvisados, quando o orador seja loquaz, prolixo e de imaginação fértil que lhe permita largas divagações. E, de facto, todos reconhecemos - os que lêem ou não lêem - que a brevidade, quando possível, pode beneficiar a discussão e Ter maior eficiência. A não ser que, na expressão de Vieira, não tenhamos tempo de ser breves.
É certo que este projecto de alteração ao Regimento, em contrário do que sucedia até agora, não proíbe expressamente a leitura dos discursos; mas a proibição está implícita no § único do artigo 46.º, ao estabelecer que só permitido o orador socorrer-se de apontamentos». A não ser que se admitisse o absurdo de considerar como um simples apontamento o texto completo de um discurso, esta disposição, a contrário sensu, além daquela faculdade, não confere nenhuma outra e, portanto, a de ler os discursos. Não sendo assim, aquele preceito redundava em completa inutilidade, pois quem pudesse ler os discursos por maioria de razão podia socorrer-se de apontamentos.
O próprio Regimento actual faz esta distinção fundamental no § único do artigo 46.º, pois proíbe, a leitura dos discursos, mas permite o recurso a apontamentos.
Dir-se-á também que a proibição dos discursos lidos nunca ou quase nunca foi respeitada. é verdade, mas a verdade manda dizer também que o costume não faz lei quando a própria lei o contraria.
E julgo absurdo o elaborar uma lei, um decreto, um regulamento ou um regimento partindo do pressuposto de que não são para cumprir; e recuso-me a aceitar o argumento.
Sr. Presidente: resta ocupar-me ainda de outro aspecto a que aludi, mas, para não tornar mais demorado e fastidioso (não apoiados) este discurso, reservo-me para tratá-lo na discussão na especialidade. Quero referir-me aos discursos contra-relógio ...
Por agora, tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima será no dia 15, com a mesma ordem do dia.
Convoco a Comissão de Educação Nacional para reunir no dia 10, depois da sessão plenária, a fim de apreciar a proposta de lei sobre a reorganização do desporto, que já tem o parecer da Câmara Corporativa.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Cruz.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
António Cala pez Gomes Garcia.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Coelho.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João de Brito e Cunha.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
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12 DE MARÇO DE 1060 393
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Rectificação ao Diário das Sessões n.º 150
A p. 351, col. 1.º, 1.32, onde se lê: estou, deve ler-se: estava.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA