Página 421
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154
ANO DE 1960 18 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 154, EM 17 DE MARÇO
Presidente: Ex.mos Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão eram 16 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente informou estar na mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei do Sr. Deputado Camilo de Mendonça sobre remunerações dos lugares de gerente de certas empresas. O projecto e o respectivo parecer vão baixar às Comissões de legislação e Redacção, de Finanças e de Economia e Política e administração Geral e Local da Assembleia.
Usaram da palavra os Srs. Deputados pinto brandão, para se referir à recente inauguração do hospital sub-regional de Arouca: Santos Bessa , que se congratulou com a visita há pouco efectuada do Ministro do Interior a Coimbra: D. Maria Irene Leite da Costa, acerca da acção que vem desenvolvendo o Instituto António Aurélio da Costa Ferreira; António Lacerda, sobre problemas de interesse para a lavoura, e Rocha Peixoto, que chamou a atenção do Governo para a situação dos trabalhadores rurais do distrito de Vila Real, provocada pelo Inverno rigoroso.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na especialidade das alterações ao Regimento da Assembleia nacional.
Foram discutidos, votados e aprovados os artigos 17.º a 31.º inclusive.
Usaram da palavra no decorrer da discussão os Srs. Deputados Paulo Cancella de Abreu.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 15 horas e 30 minutos.
CÂMARA CORPORATIVA. - parecer n.º 28/VII acerca das remunerações dos corpos gerentes de certas empresas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Página 422
422 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154
Carlos Coelho.
Castilho Serpa do Rosário Noronha
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Finto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: -Estão presentes 86 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto do lei do Sr. Deputado Camilo de Mendonça sobre remunerações dos corpos gerentes do certas empresas.
O projecto e o respectivo parecer vão baixar às Comissões de Legislação e Redacção de Finanças, de Economia e de Política e Administração Geral e Local desta Assembleia.
Previno a Assembleia do que em seguida à discussão da proposta de lei de reorganização do desporto será este projecto dado para ordem do dia dos trabalhos desta Câmara.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Pinto Brandão.
O Sr. Pinho Brandão: - Sr. Presidente: no dia 13 do mês corrente foi inaugurado, oficial e solenemente, o novo hospital sub-regional de Arouca, pelo Ministro das Obras Públicas, Sr. Engenheiro Eduardo de Arantes e Oliveira, mandado construir pela respectiva Misericórdia e mediante comparticipações do Estado, concedidas pelos Ministérios das Obras Públicas e da Saúde e Assistência Social, e entrou na ocasião em funcionamento, com enfermagem religiosa, aquela esplêndida e magnífica unidade hospitalar e desta forma a servir a assistência clínica à população do respectivo concelho.
Não quero, Sr. Presidente, deixar passar esta sessão, a primeira em que tomo parte depois da referida inauguração, sem que se consigne no Diário desta Câmara o memorável acontecimento e a gratidão da gente de Arouca pelo Governo de Salazar, que criou as condições necessárias à realização da obra.
V. Ex.ª, Sr. Presidente, que honrou Arouca com a sua presença na cerimónia da inauguração, pode testemunhar que nem as chuvas torrenciais que caíam impediram que os sentimentos dos habitantes do concelho se manifestassem em profundo agradecimento ao Governo e ao sen insigne e eminente Chefe pela realização de obra tão útil e necessária.
E que esta boa gente de Arouca, gente de paz e de trabalho, dotada dos melhores sentimentos de solidariedade humana, reconhece que a construção do seu novo hospital só foi possível no enquadramento da política verdadeiramente nacional que Salazar vem realizando no País inteiro, a qual, por isso, bem merece os aplausos de todos os bons portugueses.
São obras desta natureza, Sr. Presidente, que interessam ao País, obras que promovam a saúde e combatam as doenças dos Portugueses. Entendo mesmo que a realização destas obras e das que tendam à elevação do nível cultural e moral dos Portugueses deve estar em primeiro lugar nas preocupações do Governo. Porque, Sr. Presidente, tais obras fortalecem e valorizam directamente o mais precioso elemento de uma nação, o elemento humano, e as nações só se tornam grandes e progressivas através dos seus filhos.
Ora, para a construção do hospital sub-regional de Arouca e seu apetrechamento, com o custo total do cerca de 2400 contos, o Governo contribuiu com a magnífica verba de perto de 1640 contos, o que tornou possível a construção.
Isto revela as preocupações do Governo em matéria de assistência à saúde pública, e são tais essas preocupações que foi criado o Ministério da Saúde e Assistência Social, cuja pasta está sendo sobraçada por esse homem de excepcional inteligência e de coração magnânimo que é o Sr. Dr. Henrique Martins de Carvalho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, Sr. Presidente, quero hoje deixar no Diário das Sessões o agradecimento dos
Página 423
18 DE MARÇO DE 1960 423
Arouquenses ao Sr. Presidente do Conselho e aos Srs. Ministros das Obras públicas o da Saúde e Assistência Social, pela ajuda eficaz e auxílio valioso dispensados à construção e equipamento do referido hospital.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: a interrupção dos trabalhos da Assembleia Nacional impediu-me de me referir, em tempo oportuno, à visita que S. Ex.ª o Ministro do Interior se dignou fazer ao distrito que aqui represento s de lhe agradecer publicamente a honra que nos concedeu. Faço-o neste momento porque entendo que aquela visita, eminentemente política e ligada com o sistema de reuniões político-administrativa ali em curso, deve ser objecto de uma referência nesta Assembleia.
Quis S. Ex.ª conhecer de perto e visitar algumas das instituições, que compõem a vasta obra assistencial erigida no Centro do País por um português da melhor estirpe e graças ao clima político desta era de renovação que temos atravessado, obra polivalente, a que muito queremos, que temos como título de honra e que enobrece o próprio País. Mas quis também acompanhar-nos muna das jornadas de trabalho em que, desde Novembro último e por iniciativa do governador civil, engenheiro Horário de Moura, estão empenhados os presidentes das câmaras e a União Nacional. Quis conhecer os nossos métodos de trabalho, inteirar-se dos problemas a discutir, documentar-se sobre o plano de assistência rural e sobre outros em curso e quis, sobretudo, pela sua presença e pelas suas palavras, aprovar o sistema, estimular a nossa coesão e demonstrar o espírito de unidade que deve existir entre todos os sectores nacionalistas que apoiam a extraordinária obra do ressurgimento nacional que, há mais de três decénios, vem sendo realizada sob a égide de Salazar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Honra lhe seja, pelo conforto que nos trouxe, pelo alto exemplo que nos deu e pela honra com que nos distinguiu.
Essas jornadas a que me referi são reuniões mensais que se realizam nos vários concelhos do distrito, sob a presidência do governador civil e com a assistência de todos os presidentes das câmaras municipais, dos presidentes da comissão distrital da União Nacional e da comissão concelhia respectiva, dos Deputados pelo círculo, do engenheiro director da urbanização, do comandante distrital da Polícia de Segurança Pública e do comandante do batalhão da Guarda Nacional Republicana. Ali se debatem com toda a objectividade e num ambiente da maior franqueza e liberdade todos os problemas económicos, assistenciais e políticos dos detritos.
Na sequência destas reuniões, fazem-se outras destinadas às vereações e aos presidentes das juntas de freguesia, onde são analisados os pequenos-grandes problemas de cada uma delas.
Não é meu intento trazer à Câmara uma informação pormenorizada sobre estas reuniões e o trabalho ali realizado, embora as considere de grande interesse político e saiba que alguns dos problemas ali discutidos transcendem o distrito, têm mais larga incidência e que pelas soluções já adoptadas, atingem mesmo o País inteiro.
Mas é meu desejo, a respeito delas, deixar aqui uma palavra de reconhecimento a SS. Ex.ªs os Ministros do Interior das Obras Públicas e da Saúde e Assistência pela maneira, como as têm acompanhado e pela forma como têm estimulado os nossos trabalhos.
Para além da visita a que já me referi, devemos ao Sr. Ministro do Interior a atenção de se ter dignado dar a sua aprovação ou de ter mandado submeter a estudo pelas repartições competentes algumas das resoluções tomadas nas primeiras reuniões.
O plano de assistência, que esperamos ver amparado com o maior carinho nos vários concelhos, pretende atenuar a incidência de muitos problemas que afligem, sob vários aspectos, tantas famílias do nosso meio rural. Mas visa também a servir para um estudo sério das causas reais que os geram, os mantém e os agravam e das medidas mais convenientes que devem ser adoptadas para a sua profilaxia e para a sua resolução, numa espécie de «estação-piloto» desta modalidade de assistência. Por isso mesmo ele mereceu do ilustre titular da Saúde o Assistência o melhor acolhimento. Está já em curso em alguns concelhos e esperamos que, graças ao auxílio que ele nos concedeu, à boa compreensão das comissões de assistência e à colaboração dos que podem, ele nos traga, no decurso do ano, preciosos elementos de estudo e nos permita atenuar ou resolver muitas situações delicadas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O plano de fomento distrital e o das pequenas obras rurais têm sido especialmente acarinhados pelo Sr. Ministro das Obras Públicas. As resoluções tomadas nas suas reuniões, uma vez apresentadas no seu Ministério, têm merecido quer aprovação imediata, quer despacho que as submete a estudo mais profundo.
Deste modo se estão já executando várias obras do interesse imediato, aguardam resolução algumas outras e se mantém um contacto íntimo e constante entre aquele Ministério e as autarquias.
Este regime não pode deixar de ter uma louvável repercussão mi vida dos povos e tem um indiscutível e precioso interesse político. Porque considero da maior importância este sistema de trabalho, porque julgo da maior repercussão política o que se está passando no meu distrito, porque penso ser da maior conveniência que ele prossiga para valorização crescente das populações rurais, para uma maior união dos nacionalistas, para uma sã e frutuosa política no seu mais elevado significado, aqui deixo público testamento do meu reconhecimento aos que o empreenderam, o mantêm e o acarinham.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quero aproveitar este ensejo de me referir ao Ministério das Obras Públicas e às populações rurais do meu distrito para tratar da situação verdadeiramente calamitosa criada por este Inverno impiedoso.
De toda a parte surgem as lamentações em consequência do estado das estradas e dos caminhos, ora com o pavimento destruído, ora interrompidos por desabamentos originados pelas infiltrações aquosas, que as tornam quase intransitáveis. Encontram-se em situação aflitiva as câmaras e as juntas de freguesia, a braços com obras da extrema urgência que não podiam ser previstas nas suas verbas orçamentais.
Os pequenos lavradores u os trabalhadores rurais encontram-se em situação extraordinariamente crítica, pela impossibilidade em que têm estado, desde há tempos, de realizar quaisquer trabalhos nos campos. Gentes e gados sofrem as mais duras provações.
Página 424
424 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154
Os campos do Mondego, na sua maior extensão, têm estado praticamente .submersos desde meados de Outubro. As nove enchentes, que se seguiram umas após outras, nem sequer deram tempo ao escoamento das anteriores. O seu volume tem atingido proporções extraordinárias, e aos prejuízos já causados há que juntar ainda os arrombamentos das motas dos rios e das valas, que virão manter por muito tempo as inundações nas zonas cultiváveis de mais baixa cota e virão inutilizar por muitos anos, com a areia do rio, muitos hectares de terreno ato agora produtivo, e lia que juntar também as destruições no leito das estradas e das serventias submersas.
Não pretendo carregar com negras cores um quadro que é extraordinariamente grave. Quero somente, como é meu dever, chamar para o assunto a atenção do Governo, e, em particular, a dos Srs. Ministros das Finanças, das Obras Públicas e do Interior, para que se obtenham o mais rapidamente possível os créditos indispensáveis à execução imediata dos trabalhos públicos que absorvam toda a mão-de-obra que permitam a reconstrução das motas dos rios e valas e a reparação de estradas e caminhos. As câmaras carecem de subsídios especiais para obras a realizar por administração directa, a Direcção Hidráulica do Mondego tem necessidade de reforço substancial e urgente das suas dotações e a Direcção de Urbanização, os melhoramentos rurais e a Junta Autónoma de Estradas precisam de dispor dos meios indispensáveis a atenuar, dentro do mais curto prazo de tempo, todas estas consequências deploráveis deste Inverno anormalmente pluvioso.
As verbas normais ficam muito aquém do que é necessário para satisfazer as necessidades actuais e as obras precisam de fazer-se imediatamente para permitir a realização das culturas em tempo oportuno.
Confio em que o Governo, como, aliás, é hábito, procurará dar imediata solução a estes prementes problemas.
Os povos e as autoridades administrativas do meu distrito confiam como eu e aguardam as soluções imediatas com verdadeira ansiedade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
A Sr.ª D. Maria Irene Leite da Costa: -Sr. Presidente: a assistência às crianças e adolescentes portadores de anomalias, sejam físicas, sejam psíquicas, é um dos problemas que mais preocupa aqueles que têm responsabilidades no campo educativo e social.
É desde a infância que se revelam e se afirmam as atitudes falsas e viciosas, que se manifestam as primeiras alterações do carácter e com frequência, as primeiras atitudes anti-sociais. Grande número destas perturbações desaparece ao aproximar-se a puberdade, ou espontaneamente, ou pela acção educativa ordinária, se esta existe. Nalguns casos o jovem chega mesmo a sublimar as suas más tendências, transformando-as nas virtudes contrárias; naqueles casos, porém, em que os indivíduos vítimas de estados psicopáticos, latentes ou manifestos, são portadores de um desequilíbrio da organização e do desenvolvimento psíquico, é geralmente na época, pubertária que eclodem alterações mais ou menos profundas.
Se se observa o comportamento de um grupo numeroso de crianças, acontece verificar-se que algumas delas se destacam do conjunto pelo modo de ser, pela maneira de reagir, afastando-se dos limites em que se movem a maior parte das crianças da mesma idade; são diferentes destas, apresentam anomalias de
comportamento mais ou menos acentuadas. Daí o dar-se-lhes o nome de crianças desadaptadas, difíceis, anormais.
Na grande maioria, as crianças desadaptadas, quando educadas a tempo, são susceptíveis de aproveitamento e de adaptação à vida social, tornando-se indivíduos úteis o colaborantes dentro da comunidade.
Uma das primeiras manifestações da desadaptação é n falta de aproveitamento escolar.
A tendência actual é a de levar todas as crianças a frequentar a escola. Importa, porém, saber se todas elas possuem capacidade e possibilidades mentais para fazerem a aprendizagem do modelo que a escola lhes impõe e faculta, ou que os pais sonharam. Serão muitas delas capazes de concluir a chamada instrução primária!
Não permite discussão o princípio da necessidade de ministrar um certo grau de instrução e educação a todas as crianças. Todas têm direito, de resto, a receber os benefícios que a escola lhes proporciona, de modo a fazer delas valores sociais.
Como consequência imediata deste postulado e da consequente obrigatoriedade escolar, por um lado, e, por outro, do desejo natural de as famílias levarem os filhos a ascender, pelo estudo, a postos mais elevados na escala social, são múltiplos os problemas que os responsáveis pelo sector da educação têm de enfrentar.
Se é verdade que os pais, a família, desempenham papel primordial na valorização da criança e na sua preparação para a sociedade, eles não podem, só por si, ocorrer aos diferentes aspectos que o problema comporta; a escola surge, em dado momento, como o complemento necessário do processo educativo iniciado no meio, familiar.
Segundo elementos estatísticos conhecidos em alguns países, citados por diversos autores, os atrasados escolares atingem por toda a parte percentagens muito elevadas.
Não dispomos de estatísticas referentes a Portugal. Todavia, posso afirmar, baseada na experiência resultante da observação psicológica, em anos sucessivos, de muitas crianças sem aproveitamento escolar, que esta percentagem entre nós é grande.
Estas considerações tomam talvez maior significado se nos lembrarmos de que é no grupo dos atrasados escolares que se encontra a maior parte dos desadaptados sociais. Da diminuição dos primeiros resulta, consequentemente, a diminuição dos segundos. Dai a necessidade, de ao mesmo tempo que se olha pela higiene física da mocidade escolar, se cuidar, com a mesma insistência e o mesmo vigor, da higiene mental.
A higiene mental destina-se a manter e fortificar a saúde psíquica e por meio de uma profilaxia mental bem conduzida, procura, em especial, despistar o preferir as causas das perturbações e das doenças que atingem, quer o equilíbrio do comportamento, quer o sistema nervoso central. Tudo o que diz respeito à saúde psíquica está ligado, pois, com a higiene mental, do mesmo modo que tudo o que diz respeito e ameaça a saúde do corpo é objecto da higiene física.
Hoje mais do que nunca, em virtude das múltiplas influências nefastas capazes de actuarem sobre o psiquismo infantil, torna-se necessário agir por todos os meios no sentido de proteger e cuidar da saúde mental da mocidade. Esta acção tem de fazer-se não só na escola, mas deve estender-se até à família e exercer-se em todos os lugares onde a criança permanece e, em todos os momentos.
Como acabo de afirmar, mio basta velar pela criança na escola, pois é sobretudo fora desta que ela mais necessita de assistência.
Página 425
18 DE MARÇO DE 1960 425
Esta em primeiro lugar a defesa da, família, baseada numa política que tenda a estabilizar e cimentar cada vez mais o agregado familiar e a criar à criança uma atmosfera sã e equilibrada. O factor económico-social tem neste aspecto, alcance decisivo, sobretudo se, pela elevação do nível de vida, der a todos a possibilidade de ter habitação própria e limpa, ainda que modesta.
As crianças desadaptadas necessitam de ser tratadas por meios diversos, por terapêuticas que não são apenas do domínio médico e pedagógico.
A complexidade das desadaptações, o facto de muitas vezes resultarem da acção de factores diferentes, obriga a adoptar tratamentos mistos, capazes de actuarem simultaneamente em vários campos. O tratamento médico não poderá por si só melhorar a criança desadaptada; os melhores métodos pedagógicos nada ou pouco poderão conseguir se não forem adequados à mentalidade e à psicologia do aluno: o desconhecimento do meio social e do ambiente familiar poderá ser n causa do insucesso de uma tentativa de reeducação. À acção só poderá ser eficaz se for realizada em conjunto, isto é, se for pedagógica, médica, social, psicológica, pois a readaptação das crianças desadaptadas exige um tratamento total e individualizado.
Por outro lado a luta contra a desadaptação da criança, como qualquer acção contra um flagelo social, compreende duas maneiras de agir: a prevenção e o tratamento.
A prevenção, como tivemos ocasião de acentuar, compreende diversas medidas: eugenia (respeitando a liberdade humana), consultas de orientação psicológica, organização da higiene, mental, aperfeiçoamento da educação, equilíbrio social, etc.
O tratamento, considerado na acepção mais ampla do termo, realizo-se em quatro fases: a despistagem, o diagnóstico, a cura propriamente dita e a pós-cura. entendendo-se por cura a reeducação e por pós-cura a reintegração social.
Quando se fala em infância desadaptada é preciso pensar que se não trata de curar um doente, mas na maior parte das vezes de tratar um grupo social desequilibrado, de que a criança desadaptada é o resultado mais evidente; temos, por isso de considerar sempre a criança não como indivíduo isolado, mas integrada no seu meio.
A criança é inseparável da sim linha ancestral e do ambiente em que vive. Deve ser compreendida, levando em linha de conta todos os métodos de observação e. se for possível, todas a experiências do grupo a que pertence.
O fim da higiene mental é pois, a prevenção da desadaptação e a reintegração social do desadaptado. Prevenção, reeducação e reintegração social devem desenvolver-se paralelamente.
A eficiência do tratamento da criança desadaptada depende em grande parte da precocidade com que é feito: é nos primeiros anos ou quando a criança frequenta os jardins infantis, ou a escola primária, que as anomalias de comportamento se descobrem e tratam facilmente. Mais tarde, a desadaptação tornar-se-á crónica, irreversível: a acção terapêutica será improfícua ou praticamente irrealizável.
Os serviços de despistagem e de tratamento precoce revestem-se, assim, de importância capital, pois quanto maior for a sua eficiência mais rápida será a acção empreendida a favor das crianças desadaptadas e mais eficaz e económica a sua integração na comunidade social.
É fácil avaliar, pela rápida exposição feita, quais as consequências que se projectarão no futuro social de unia unção, se o problema não for encarado com toda a largueza e prestada às crianças naquelas condições a necessária assistência e protecção. Este facto explica o desenvolvimento que têm tomado em toda a parte nos últimos anos a higiene e a profilaxia mentais.
Com razão dizia um sociólogo escandinavo, referindo-se à organização da assistência às crianças desadaptadas do seu país: «Não somos suficientemente ricos para não nos ocuparmos dos deficientes», o que pude traduzir-se desta outra forma: «O nosso país é pobre e os seus orçamentos não permitem a construção de mais prisões e manicómios».
Dos factos observados pode tirar-se, como conclusão lógica, que só se quer diminuir o número de doentes mentais, de delinquentes e de mendigos, a acção profiláctica, e terapêutica deve iniciar-se logo nos primeiros» anos ... se não puder começar ainda antes ... sobre os progenitores.
O número crescente de doentes e de doenças mentais constitui hoje em dia, um problema inquietante não só para os higienistas como para os sociólogos de todos os países. Uma das maiores preocupações de uns e de outros é não somente tratar e quanto possível, curar os casos caracterizados de alterações mentais, mas sobretudo, prevenir, evitar a génese de tais perturbações.
Se aos doentes internados nos hospitais psiquiátricos se juntarem os numerosos casos de doentes mentais em liberdade, psicopatas neurasténicos, débeis mentais e morais, etc.. ver-se-á que o seu número é talvez, maior do que o de todos os outros doentes reunidos.
Posto, deste modo em evidência o problema da génese de muitas perturbações mentais, é óbvio que numa bem estruturada assistência psiquiátrica ocupem lugar de relevo não só os serviços destinados à despistagem precoce das anomalias mentais como as instituições diferenciadas de recuperação s tratamento das crianças desadaptadas.
Infelizmente, entre nós, a rede destas instituições está longe, muito longe, de satisfazer as necessidades do Pais. Praticamente não possuímos um único serviço diferenciado, onde se possa internar uma criança grande anormal, epiléptica, psicopata. etc.
Ninguém pode avaliar o que representa, não só para a família, (facto mais agravado quando esta é pobre), mas também para a sociedade, a existência de um perturbado mental não assistido. As despesas que acaba por acarretar ao próprio Estado são quase sempre muito maiores do que se tivesse sido recuperado a tempo.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
A Oradora: - Citar casos da minha experiência pessoal pelo conhecimento directo que tenho destes problemas seria colocar diante dos olhos de VV. Exa. tragédias humanas que revelam a falta daquele mínimo de prevenção que é de exigir a uma sociedade em que haja uma certa justiça social.
É da mais elementar justiça referir que o Governo teve a noção da importância da despis)agem precoce dos indivíduos portadores de anomalias mentais, ao remodelar, em Dezembro de 1941, o Instituto António Aurélio da Costa Ferreira.
Ao titular da pasta da instrução de então, Prof. Doutor Mário de Figueiredo, se deve o posso decisivo para atender ao problema da assistência às crianças anormais em Portugal.
Criando o primeiro instituto de higiene mental infantil em Portugal e dando-lhe largas possibilidades de preparação de pessoal técnico e de investigação científica no campo da educação e do ensino, o legislador teve a noção clara do que representava para o País um estabelecimento desta natureza.
A este Instituto foi atribuído a «tríplice função de seleccionar e classificar crianças anormais, de preparar
Página 426
426 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154
e orientar o pessoal docente e técnico que lhes possa assegurar tratamento e ensino conveniente e de promover estudos de investigação médico-pedagógica e de psiquiatria infantil», directrizes que constituem as bases de uma ampla e bem estruturada organização de assistência as crianças portadoras de anomalias mentais.
O facto de ler confiado a organização dos serviços a técnicos com larga experiência dos mesmos ou com sólida preparação adquirida no estrangeiro, onde os mandara especializar, prova o interesse do Governo pela resolução do problema angustioso da recuperação das crianças anormais.
E ainda o Prof. Mário de Figueiredo que no desejo de preparar rapidamente pessoal especializado para a educarão das crianças deficientes mentais, logo no ano seguinte ao da abertura do referido Instituto regulamenta o curso de preparação de professores para o ensino de atrasados mentais, cujo diploma è o título indispensável para o exercício do ensino nas classes especiais dos estabelecimentos do Estado.
Em Dezembro de 1945 uma nova remodelação dos serviços, baseada nos quatro anos de experiência, alargou os quadros do pessoal, ampliou de maneira notável a rede de acção do Instituto passando a competir-lhe, além das funções anteriormente citadas, a de «orientar tecnicamente todos os serviços de ensino, assistência, tratamento e reeducação de menores com anomalias mentais».
Pela nova reforma dos serviços psiquiátricos de 11 do Abril de 1945 (base XI) foram atribuídas ao Instituto António Aurélio da Costa Ferreira as seguintes funções:
1.º A observação e classificação das anomalias mentais em crianças e adolescentes incumbe na zona sul ao Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, que continua dependente do Ministério da Educação Nacional, e nas zonas norte e centro a secções especializadas dos respectivos dispensários centrais, que enviarão àqueles os assistidos cuja observação em regime de internamento se repute necessária.
2.º Do mesmo instituto dependerá a orientação técnica das secções descritas no número anterior, bem como a dos estabelecimentos e classes escolares para educação, tratamento e assistência de crianças e adolescentes anormais.
3.º A direcção do centro de assistência psiquiátrica da respectiva zona promoverá o tratamento por internamento ou outro meio adequado das crianças e adolescentes cujas perturbações mentais o exijam.
Isto é, segundo estas bases, o Instituto passou a ser o dispensário de higiene mental infantil do País, conforme se diz no próprio texto legal.
Novo decreto, promulgado em Agosto de 1946 criou classes especiais, orientadas pelo Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, destinadas a funcionar nas escolas primárias, junto das classes normais.
Nos dezoito anos de existência, sob a orientação dinâmica do Prof. Vítor Fontes, a acção do Instituto António Aurélio da Costa Ferreira tem sido exercida sobretudo no campo da psicopedagogia, não só como centro de investigação e de observação psicopedagógica, mas também como escola de preparação de professores especializados para o ensino de crianças e adolescentes deficientes orientação técnica das classes especiais, etc.
Há actualmente mais de uma centena de professores diplomados pelo Instituto, cerca de metade dos quais exercem o ensino em classes especiais junto das escolas primárias.
Os directores e os professores dos estabelecimentos especializados de recuperação de crianças deficientes pertencentes ao Ministério da Saúde e Assistência são todos diplomados pelo Instituto António Aurélio da Costa Ferreira.
O Instituto António Aurélio da Costa Ferreira tem sido assim a única instituição que se ocupa da especialização de pessoal técnico e científico para a recuperação de crianças desadaptadas, seja qual for a natureza da sua desadaptação (excepção feita para os deficientes físicos e sensoriais).
Para se avaliar o trabalho do Instituto António Aurélio da Costa Ferreira nos seus dezoito anos de existência bastará dizer que por ali passaram e foram observados mais de 15 000 menores, abriram-se 54 classes especiais junto das escolas primárias, realizaram-se conferências, viagens de estudo, representações oficiais em diferentes congressos nacionais e internacionais.
O Ministério da Saúde e Assistência tem em estudo no momento actual uma reforma de assistência psiquiátrica, a realizar num período de dez anos.
Aguardamo-la com impaciência e com a certeza de que não serão descurados ali os problemas da assistência psiquiátrica infantil.
Entre outros aspectos avulta o da criação de indispensáveis serviços especializados para o internamento de crianças portadoras das mais variadas anomalias mentais: estabelecimento tipo colónia agrícola para desadaptados irrecuperáveis, instituições para epilépticos, escolas de reeducação para débeis mentais, instituições para psicopatas, clínicas psiquiátricas.
Algumas das atribuições consignadas na lei ao Instituto António Aurélio da Costa Ferreira não puderam até boje ser realizadas, por falta de dotações. O Ministério da Saúde e Assistência poderá exercer nesse capítulo utilíssima colaboração com o Ministério da Educação Nacional, encarregando-se da criação e manutenção dos referidos serviços especializados.
Não conviria na nova orgânica da assistência psiquiátrica diferenciar melhor os aspectos psicopedagógicos da prevenção e tratamento das crianças desadaptadas dos aspectos especificamente assistenciais (técnica médica, psicoterapêutica), ligada, à acção social a de protecção de menores?
Tornar-se-ia, em consequência necessário definir concretamente as funções do Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, que a meu ver deverão ser as seguintes:
1) Preparar os professores para o magistério de crianças desadaptadas;
2) Seleccionar as crianças que frequentam as escolas primárias oficiais, organizar e orientar o ensino das classes especiais em todo o País do acordo com as suas necessidades;
3) Colaborar com os serviços da saúde escolar ou outros no que respeita à observação e estudo de crianças com deficiente aproveitamento escolar ou anomalias de comportamento;
4) Promover investigações no campo da pedagogia, e da psicologia infantil no sentido de contribuir paru o melhor conhecimento da criança portuguesa.
Para melhor desempenhar as funções que lhe são atribuídas, o Instituto deveria dispor de delegações nas principais cidades do País.
O Instituto António Aurélio da Costa Ferreira assumiria, assim a, função de um centro-piloto, um centro de observação, selecção e orientação psicoterapêutica de crianças portadoras de anomalias mentais, de preparação de pessoal técnico e de investigação científica, de despistagem das anomalias das crianças que frequentam as escolas primárias ou outras e de orientação técnica das classes especiais.
Página 427
18 DE MARÇO DE 1960 427
É isso, em parte, o que tem sido até aqui.
Com a experiência que tenho dos servidos (trabalho no Instituto António Aurélio da Costa Ferreira desde a sua reorganização, em 1941) e com o que tenho observado nos outros países, creio que o Instituto António Aurélio da Costa Ferreira está destinado a prestar grandes serviços ao Ministério da Educação Nacional (muito maiores do que os que pôde prestar até ao presente), se forem ampliadas o devidamente orçamentadas algumas das atribuições que lhe competem e assumidas pelo Ministério da Saúde e Assistência aquelas que o Ministério da Educação Nacional nunca pôde realizar e que, de facto, talvez estejam melhor colocadas no Ministério da Saúde e Assistência.
Dentro dos princípios que defendemos, competiria assim ao Ministério da Saúde e Assistência, internar, assistir, tratar e reintegrar na família e na sociedade, as crianças cujas desadaptações psíquicas as tornam incapazes de frequentar com aproveitamento o ensino normal ou especial organizado pelo Ministério da Educação Nacional.
Não tratamos aqui dos problemas suscitados pelas crianças doentes de coração, diabéticas, cegas, aleijadas, surdas, etc., que também não podem frequentar o ensino regular e têm de ser protegidas pelo Ministério da Saúde e Assistência, se bem que seja um problema de grande importância e necessitando de ser considerado.
Não desejo terminar sem lembrar ainda as conclusões do I Congresso Nacional do Ensino Técnico Profissional, onde ficou bem acentuada a necessidade da criação de centros psicopedagógicos para servir as diversas escolas do ensino técnico.
Faltam os especialistas que hão-de dirigir o trabalho nesses centros; faltam os ortofonistas os ergoterapeutas os fisioterapeutas, etc.; faltam os educadores especializados, os professores de pedagogia curativa; faltam os psicólogos (não me refiro aos psicólogos improvisados, mas àqueles que fizeram durante anos seguidos estudos profundos no campo da sociologia, psicologia; psicopatologia. terapêuticas individuais e de grupo).
Quando se pensará em os preparar? Não será ao Ministério da Educação Nacional que compete tão importante tarefa?
Já se atentou no que representará para o País dentro de alguns anos a falta de centros experimentais de pedagogia e o descuido a que se tem votado o ensino das ciências sociais e humanas, base de todas as reformas de educação e de assistência?
Oxalá que em breve o Sr. Ministro da Educação Nacional, que tão bem conhece os problemas educativos do País, possa debruçar-se sobre os assuntos a que tenho aludido e que a sua acção esclarecida, dinâmica e renovadora se não faça esperar em domínio de tão largas consequências.
O Sr. Ministro da Saúde e Assistência já revelou o seu grande interesse em estabelecer estreita colaboração entre os dois Ministérios, de modo a dar aos problemas o arrumo mais conveniente e adequado. S. Exa. dinâmico renovador da obra de «defesa social» do País afirmou uma vez que é preciso acabar com as improvisações, doutrina que não podo deixar de receber todo o aplauso.
Se em qualquer sector a improvisação é mau sistema, na educação e na assistência é muito pior.
A larga compreensão e o alto espírito do Sr. Ministro das Finanças hão-de encontrar maneira de dar possibilidade de realização a unia obra de que reverterão amplos benefícios para a. Nação e que ó, ao mesmo tempo, uma obra do humanidade.
É no Ministério das Finanças, como já afirmei uma vez. que se encontra a chave da maior parte dos problemas da educação e do ensino.
Será este um dos difíceis problemas a juntar aos muitos que Sr. Ministro das Finanças tem ajudado a resolver.
Uma vez que estou no uso da palavra, aproveito a oportunidade para, ao abrigo das disposições regimentais e tendo em vista uma possível intervenção nesta Assembleia, requerer que me sejam fornecidos pelos respectivos Ministérios os seguintes elementos:
1.º Os estudos elaborados pela.- respectivas comissões sobre a projectada reforma psiquiátrica, em especial no referente nos serviços de psiquiatria infantil;
2.º Todas as informações e relatórios prestados pula comissão internacional permanente para promover a coordenação das actividades dos departamentos dos Ministérios da Educação Nacional e da Assistência, nomeada pela Portaria n.º 17 058 de 10 de Março de 1959;
3.º As informações e pareceres entregues por todas as entidades directa ou indirectamente empenhadas na prevenção, reeducação e reintegração social das crianças desadaptadas e quaisquer despachos exarados sobre os mesmos;
4.º Plano instituído pela comissão internacional que estabeleceu as «bases de uma organização da higiene mental infantil no Pais».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. António caLerda : - Sr. .Presidente: o Decreto n.º 29494 estabelece no artigo 46.º que os grémios da lavoura ficam dependentes do então Ministério da Agricultura «no que respeita à sua orientação técnica e administrativa e à sua actividade económica».
Posteriormente, no n.º l do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 41 473, que reforma a Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, diz-se:
As inspecções de zona ... compete-lhes designadamente:
1.º Fiscalizar, por sua iniciativa ou por determinação superior, a actividade técnica e administrativa dos serviços e organismos da Direcção-Geral, das associações agrícolas dela dependentes e, nos aspectos técnicos e económicos, os organismos corporativos da lavoura abrangidos na área da sua jurisdição.
A orientação administrativa, intimamente ligada à, actividade económica, se aquele artigo do decreto que regulamenta a actividade dos grémios da lavoura foi anulado, ficou de fora terra de ninguém, que a duas direcções-gerais interessa.
Mas daí segue-se que nos grémios da lavoura chovem orientações diferentes, dadas umas pelo Ministério da Economia, outras pelo Ministério das Corporações, contradizendo-se muitas delas, criando às direcções situações pelo menos aborrecidas e difíceis e aos serviços, de um e de outro Ministério, posições falsas, quo decididamente não prestigiam esses mesmos serviços.
Vozes : - Muito bem!
O Orador : - Sei bem que ao trazer aqui este caso me sujeito a críticas, dado que sou técnico da Direcção-
Página 428
428 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154
- Geral dos Serviços Agrícolas. Não importa; tenho a consciência tranquila, ninguém me encomendou o recado.
Sou lavrador, sócio do grémio da lavoura, e tenho a maior consideração por muitos dirigentes que conheço desses organismos, homens abnegados que se sacrificam e trabalham a bom da comunidade, sujeitando-se a muitas incompreensões e ate calúnias. Homens livres, com personalidade vincada, que servem a lavoura e a sua organização, pois sabem que ela só unida pode atingir a prosperidade a que tem jus e todos desejamos ...
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - ... e constituir a força que necessita ser para a todos fazer ouvir a voz forte da sua grande força.
Conheço muitas críticas que são feitas aos grémios, algumas delas razoáveis, embora a maior parte infundadas, fruto de desconhecimento ou má vontade, mas sei que, não havendo, infelizmente, uma obra perfeita, até porque não podem fazer milagres, o saldo da sua acção é positivo.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!
O Orador: E é indispensável que a lavoura tenha organizações que a defendam.
Não tomo nesta tribuna e dada a qualidade invocada, posição na pendência, embora tenha, claro está, opinião sobre o assunto.
Quero somente, pedir ao Governo para de uma vez resolver essas divergências, de forma a ser dado exemplo de unidade de acção.
Tenho dito.
Vozes :- - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito comprimentado.
O Sr. Rocha Peixoto: - Sr. Presidente: ainda há bem poucos dias os nossos ilustres colegas Calheiros Lopes e Proença Duarte focaram com propriedade clareza as consequências económicas e sociais, para a lavoura ribatejana e para o seu trabalhador rural, do persistente e rigoroso Inverno que tem fustigado o Pais de lês a lês.
Infelizmente, ressalvadas as diferentes condições de meio e de culturas, consequências análogas se registam, pelo mesmo motivo, em todo o continente, e tanto mais agudas quanto mais precárias as economias regionais e individuais.
E se é perto que todos somos e seremos vitimas das inclemências do tempo, há que assinalar a especialíssima situação do trabalhador rural e de todo aquele que trabalha exposto a essas inclemências, cuja resistência económica, pode dizer-se, é nula.
Dificilmente ele pode sobreviver, pelo menos socialmente a tão rude e demorada provação se medidas próprias e oportunas não vierem em socorro da sua desdita ou se a Providência se não amerceia deles.
E para focar mais intensamente esta crise grave da vida do trabalhador, decorrente da causa apontada, que hoje trago ao conhecimento desta Assembleia e especialmente à consideração do Governo, o que se está passando em todo o distrito de Vila Real em particular na região do Douro.
Dias e dias consecutivos, meses até, com raras intercadências, o trabalhador está impossibilitado de merecer a jorna, isto é, não ganha para o seu sustento e do agregado familiar a seu cargo.
O custo de vida, factor de agravamento que não podemos desconhecer, aumenta inexoravelmente. Basta dizer que a batata, base da alimentação um algumas regiões, o que, por vezes, até substitui o pão, vende-se hoje a 2$ o quilograma e mais. Amontoam-se as dívidas na loja da aldeia, que começa a negar o crédito, porque também tem encargos a suportar. Já não se fia - diz o dono da loja-, e só da caridade pública ou dos insuficientes meios das autarquias locais se vem fiando o trabalhador, que acorre em bandos, acompanhado da mulher e filhos, as câmaras municipais a pedir de comer. Mas das possibilidades das câmaras conhecem os ilustres colegas o suficiente para concluírem que é precário, se não quase nulo, o socorro que podem prestar. E quanto às comissões municipais de assistência, sabem também que, no geral, são simples hipóteses, muito longe de se confirmarem.
Não julguem, prezados colegas, que estou pintando o quadro exageradamente escuro. Vi eu, em Vila Real, cortejo bem triste, e por muitos dias renovado, a caminho do Albergue Distrital, buscando junto deste estabelecimento a ração que lhe minorasse o seu estado de total carência alimentar. Não há albergues porém, em toda a parte, nem as suas condições de vida e funcionamento lhes permitem enfrentar emergências desta natureza e extensão.
Mas não é só naquele concelho que o doloroso facto se observa. Numa reunião a que há pouco assisti dos presidentes das câmaras do distrito, a grave crise do trabalhador rural foi para todos eles motivo de sérias apreensões. E soube ainda há horas que particularmente na região do Douro, nas terras de monocultura, a crise se está acentuando de maneira assustadora.
E o Inverno continua. Ainda ontem, quando em Lisboa o tempo parecia amainar, chovia copiosamente em quase todo o meu distrito.
Os trabalhos do campo estão atrasadíssimos. Nos concelhos de Santa Marta de Penaguião, Régua, Alijo, Sabrosa e outros ainda há muitas vinhas que não foram podadas e já os pâmpanos estão verdejando. A má situação que se avizinha pura o proprietário tornará ainda mais aguda a do trabalhador.
Nos terrenos mais fundos, ainda que o tempo melhorasse desde já seria necessário esperar quo eles se possam cultivar, saturados de água como estão, isto é a crise prolongar-se-ia ainda por muitos dias.
Das câmaras municipais nada há a esperar, como disse, demais que têm de enfrentar outro problema. Os caminhos e estradas municipais estão intransitáveis. A sua repararão é encargo que dificilmente podem suportar.
O Sr. José Sarmento:- V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. José Sarmento: - É só para afirmar que várias freguesias do concelho do Peso da Régua, que ainda há bem pouco tempo eram servidas por estradas estão hoje totalmente isoladas devido ao Inverno - certamente a causa mais importante- e devido também ao facto de o tráfego pesado ser cada vez mais intenso.
Resulta que as estradas municipais do concelho se encontram num estado deplorável, como V. Exa. referiu.
O Orador: - Muito obrigado.
O mesmo se pode dizer das estradas nacionais. Na região acidentada do Douro há centenas de metros de estradas destruídos ou pejados de terras desmoronadas.
Mas se as consequências desta terrível e prolongaria invernia impendem sobre todos, proprietários, rendei-
Página 429
18 DE MARÇO DE 1960 429
ros caseiros e até sobre o erário público, avultam como pungentes, como sentidamente dolorosas, para aqueles que vivem exclusivamente do seu trabalho do dia a dia.
Vozes : - Muito bem!
O Orador: - Dizia-me não há muito o presidente da Câmara de Vila Real (e não é esto o concelho mais desfavorecido) que a trabalhadores permanentes nos serviços camarários não tem pago mais de seis a oito dias por mês. Ora isto sucede, com a maior ou menor acuidade, em todo o distrito.
Como é possível que o jornaleiro, quer trabalhe no campo, quer nas ruas ou obras de qualquer centro urbano, possa prover às mais instantes necessidades suas e da família?
Prezados colegas: poderia avivar este quadro com cores mais expressivas e ilustrá-lo até com episódios que contendem com as mínimas condições de dignidade da humana existência.
Intento apenas dar o rebate e salientar, ainda que descoloridamente em relação à premência do momento a necessidade inadiável de suprir de qualquer modo a carência quase total de que sofrem aqueles que no campo, nas vilas ou cidades estão à mercê de condições especiais de trabalho, condições que no caso de que se trata, são inexistentes há cerca de seis meses.
Vozes : - Muito bem!
O Orador: - E não me furto ainda à tentação - por que não dizer à obrigação? - de- repetir o que séculos de experiência autorizam e confirmam: quando a fome entra pela porta, a virtude sai pela janela.
Sr. Presidente: sei que não estou a clamar no deserto. O Governo da Nação, nunca por demais louvado pela vigilante atenção que lhe merecem os que honradamente vivem do trabalho, e que a si acorrem apenas quando ele faliu ou não é possível, saberá enfrentar a situação excepcional presente, minorando a rude prova por que está a passar grande parte dos nossos honrados e humildes trabalhadores.
Vozes : - Muito bem !
O Orador: - Habilitem-se de qualquer modo as autarquias ou instituições próprias a atenuar um mal de que ninguém tem a culpa e que pesa. sobretudo, sobre aqueles que menos o merecem.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente : - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão na especialidade as alterações ao Regimento da Assembleia Nacional.
Ficou ontem concluída a discussão e votação das dezasseis primeiros artigos.
Ponho agora à discussão o artigo 17.º do Regimento.
Sobre este artigo há na Mesa uma proposta de alteração apresentada pela Comissão do Regimento aos n.ºs 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 11.º, 12.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º.
Vai ler-se o texto do Regimento e as alterações propostas.
Foram lidas. São as seguintes:
Art. 17.º .....................................................................
2.º Vigiar polo cumprimento da Constituição e das leis;
3.º Tomar as contas respeitantes a cada ano económico, as quais serão apresentadas com o relatório e decisão do Tribunal de Contas, se este as tiver julgado e os demais elementos que forem necessários para a sua apreciação;
4.º Autorizar o Governo, até 15 de Dezembro de cada ano a cobrar as receitas do Estado e a pagar as despesas públicas na gerência futura, definindo na respectiva lei da autorização os princípios a que deve ser subordinado o orçamento, na parte das despegas cujo quantitativo não é determinado em harmonia com as leis preexistentes;
................................................................................
6.º Autorizar o Chefe do Estado a fazer a guerra, se não couber o recurso à arbitragem, ou esta se malograr, salvo o caso de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, e a fazer a paz:
................................................................................
11.º Tomar conhecimento das mensagens do Chefe do Estado e autorizá-lo a ausentar-se para o estrangeiro ;
12. º Deliberar sobre a revisão constitucional antes de decorrido o decénio e aprovar as alterações à mesma Constituição quando eleita com poderes constituintes;
................................................................................
15.º Enviar ao Presidente da República, para serem promulgados, os projectos ou resoluções por ela aprovados e para o Diária do Governo os avisos de não ratificação dos decretos-leis a que se refere o número anterior;
16.º Verificar os factos a que se referem os n.ºs .1.º a 6.º do artigo 15.º e quanto aos dos n.ºs 1.º, 4.º, 5.º e 6.º, declarar a perda do mandato, se a ela houver lugar;
17.º Assentir na prisão de qualquer dos seus membros ou suspender-lhe as imunidades, para o efeito de contra ele prosseguir qualquer processo;
18.º Fixar o prazo dentro do qual a Câmara Corporativa deverá dar o seu parecer sobre as propostas ou projectos de lei que o Governo ou a Assembleia Nacional considerarem urgentes.
Art. 17.º......................................................................
2.º Vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo ou da Administração;
3.º Tomar as coutas respeitantes a cada ano económico, tanto da metrópole como das províncias ultramarinas, as quais lhe serão apresentadas com o relatório e decisão do Tribunal de Contas, se esto as tiver julgado, e os demais elementos que forem necessários para a sua apreciação;
4.º Autorizar o Governo, até 15 de Dezembro de cada ano, a cobrar as receitas do Estado e a pagar as despesas públicas na gerência futura, definindo na respectiva lei de autorização os princípios a que deve ser subordinado o orçamento na parte das despesas cujo quantitativo não é determinado em harmonia com as leis preexistentes;
................................................................................
6.º Autorizar o Chefe do Estado a fazer a guerra se não couber o recurso à arbitragem ou esta se malo-
Página 430
430 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154
grar, salvo o caso de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, e a fazer a paz;
.........................................................................
11.º Tomar conhecimento das mensagens do Chefe do Estado e autorizá-lo, se necessário, a ausentar-se para o estrangeiro;
12.º Deliberar sobre a revisão constitucional;
...............................................................................
15.º Mandar para o Diário do Governo os avisos de não ratificação dos decretos-leis a que se refere o número anterior;
16.º Enviar ao Presidente da República, pura serem promulgados, os decretos a que se refere o artigo 15.º da Constituição e as resoluções aprovadas pela Assembleia;
17.º Verificar os factos a que se referem os n.ºs 1.º, 4.º, 5.º, e 6.º do artigo 15.º e declarar a perda do mandato, se a ela houver lugar;
18.º Assentir na detenção ou prisão de qualquer dos seus membros ou suspender-lhe as imunidades para efeito do seguimento dê processo criminal contra ele movido;
19.º Fixar o prazo dentro do qual a Câmara Corporativa deverá dar parecer sobre as propostas ou projectos de lei que o Governo ou a Assembleia Nacional considerarem urgentes.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Paulo Rodrigues: - Sr. Presidente: as alterações propostas quanto aos n.ºs 2.º e 3.º deste artigo destinam-se a observar os termos actuais dos n.ºs 2.º e 3.º do artigo 91.º da Constituição, segundo a redacção que lhes fora dada na penúltima revisão constitucional.
A modificarão do n.º 11.º resulta da nova redacção do artigo 76.º da Constituição.
Como se sabe o assentimento da Assembleia para o Chefe do Estado se ausentar do Pais passou a ser desnecessário em certos casos.
A alteração ao n.º 12.º corresponde à modificarão que, pela penúltima revisão constitucional, se introduziu no n.º 12.º do artigo 91.º da Constituição.
Os n.ºs 15.º e 16.º reproduzem, em ordenação que pareceu mais lógica, a matéria do actual n.º 15.º
O n.ºs 17.º reproduz o actual n.º 16.º, excluída, porém, a verificação dos factos referidos nos n.ºs 2.º e 3.º do artigo 15.º a qual nos termos já votados quanto ao § 2.º do mesmo artigo, é da competência do Presidente.
O n.º 18.º contém a anterior doutrina do n.º 17.º mas com a redacção que lhe convém por força dos termos actuais da alínea c) da artigo 89.º da Constituição.
O n.º 19.º reproduz, com ligeira alteração de forma, o n.º 18.º do texto em vigor.
Quero chamar a atenção para o facto de, por lapso, figurarem no Diário das Sessões os n.ºs 4.º e 6.º, em relação aos quais não foram propostas pela Comissão quaisquer alterações.
Tenho dito.
O Sr. Presidente:-Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai votar-se o artigo 17.º com as alterações propostas pela Comissão do Regimento.
Submetido á cotação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vão ler-se o artigo 18.º do Regimento e as alterações ao mesmo artigo propostas pela Comissão do Regimento.
Foram lidos. São os seguintes:
Art. 18.º.......................................................................
§ 2.º As comissões só estarão em exercício durante o funcionamento efectivo da Assembleia, salvo quando esse exercício deva prolongar-se pela natureza das suas funções ou pelo fim especial para que se constituíram; neste caso, as comissões e os seus membros continuarão sujeitos ao regime que lhes é aplicável durante o funcionamento efectivo da Assembleia.
§ 3.º Os Ministros Subsecretários de Estado podem tomar parte nas sessões das comissões; e nas sessões em que sejam apreciadas alterações sugeridas pela Câmara Corporativa pode tomar parte um delegado desta Câmara.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Paulo Rodrigues:- Desejo esclarecer que as alterações propostas aos §§ 2.º e 3.º do artigo 95.º da Constituição.
O Sr. Presidente:- Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente:- Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra vai votar-se artigo 18.º com as alterações propostas pela Comissão do Regimento.
Submetido á votação foi aprovado.
O Sr. Presidente:- Vão ler-se o artigo 19.º do Regimento e as alterações propostas ao mesmo pela Comissão do Regimento.
Foram lidas. São as seguintes:
Art. 19.º.......................................................................
c) Relato das discussões e intervenções dos Deputados antes da ordem do dia e bem assim das emendas aditamentos substituições eliminação e requerimentos enviados para a Mesa;
................................................................................
§ 2.º Será fornecido á imprensa até ás 23 horas do próprio dia o relato oficial dos trabalhos da Assembleia.
§ 3.º Incumbe aos serviços da Secretaria e da Imprensa Nacional a pontual entrega do Diário das Sessões na morada de cada Deputado até ás 12 horas do dia em que houver de ser sujeito á aprovação e bem assim a distribuição gratuita durante a legislatura do Diário do governo e de todas as publicações oficiais.
Página 431
18 DE MARÇO DE 1960 431
§ 4.º Do Diário das sessões secretas tirar-se-ão três cópias, dactilografadas, destinadas ao arquivo, além do original assinado e rubricado pela Mesa, depois de haver recebido o "visto" de conformidade, dos Deputados que houverem assistido à sessão.
Art. 19.º ......................................................................
c) Relato das discussões e intervenções dos Deputados, antes da ordem ou na ordem do dia, das emendas, aditamentos, substituições, eliminações e requerimentos enviados para a Mesa bem como das perguntas dos Deputados e respostas do Governo, nos termos do § 3.º do artigo 11.º;
................................................................................
2.º Será facultado à imprensa o relato dos trabalhos de cada sessão da Assembleia.
§ 3.º Incumbe aos serviços da Secretaria e da Imprensa Nacional a pontual entrega do Diário das Sessões na morada de cada Deputado, e bem assim a distribuição gratuita, durante a legislatura, do Diário do Governo e de todas as publicações oficiais.
§ 4.º Será assegurada a distribuição gratuita do Diário das Sessões a todos os assinantes da l.ª série do Diário do Governo.
§ 5.º (a actual § 4.º)..........................................................
Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: antes de entrar propriamente no assunto para que pedi a palavra desejo chamar a atenção da Comissão Eventual ou pelo menos da Comissão de Redacção para o facto de a alínea d} do artigo 19.º não compreender expressamente, entre os assuntos que devem ser transcritos no Diário das Sessões, as comunicações do Presidente do Conselho. A inclusão deverá ser objecto de uma proposta se a falta não for considerada simples lapso de redacção.
Sr. Presidente: o § 4.º do artigo 19.º em discussão reassegura a distribuição do Diário das Sessões a todos os assinantes da 1.º série do Diário do Governo. Esta disposição merece todo o aplauso.
Quando, no começo da actual legislatura, encerrei a nossa sessão preparatória, eu, referindo-me ao Diário das Sessões, disse que ele tinha muito pouca divulgarão, era acessível a muito pouca gente e ignorado pelos adversários do regime, e a sua falta era suprida apenas, em parte, pela imprensa, num relato fiel e imparcial, mas que, todavia, não podia deixar de ser forçadamente incompleto.
Anteriormente, quando, em 1952, ou, mais precisamente no começo da sessão legislativa iniciada em 25 de Novembro desse ano foi suspensa a remessa do Diário das Sessões aos assinantes da l.ª série do Diário do Governo, surpreendeu-nos o facto. Não nos conformámos e para me esclarecer, pedi informação sobre a tiragem e distribuição daquele Diário: e depois, na sessão de 10 de Dezembro de 1953, requeri que as informações fossem actualizadas e mais desenvolvidas. Por outro lado, na sessão de 15 de Dezembro daquele ano o nosso distinto colega Sr. Eng.º Amaral Neto levantou a questão e sustentou que era pouco satisfatória a distribuição do Diário das Sessões fora dos meios parlamentares, desde que, a partir de 25 de Novembro de 1952 estava suspensa a sua distribuição aos assinantes da 1.º série do Diário do Governo, e com toda a razão acrescentou que não era indiferente para a vida da Nação que o relato das sessões sofresse tamanha perda na sua leitura, que nada podia substituir.
E na sessão de 24 de Abril de 1956 o Sr. Eng.º Amaral Neto insistiu em que fosse feita essa distribuição.
A isto devo acrescentar, Sr. Presidente, que não se truta de uma inovação, mas sim do cumprimento de um preceito que estava e está em vigor desde há muitas dezenas de anos e consagrado pelo uso; e só a Assembleia tinha legitimidade para suspendê-lo ou revogá-lo.
Já no ano da graça do 1876 o Regimento de 22 de Março estabelecia no artigo 190.º: "A Câmara terá um diário em que serão publicadas as suas sessões e que se intitulará Diário da Câmara dos Srs. Deputados". E acrescentava: "este Diário será distribuído com o do Governo", que se denominava Diário de Lisboa, pelo menos ainda no ano de 1861.
Portanto, já nestes velhos regimentos porventura nos posteriores se determinava que o Diário das Sessões fosse distribuído aos assinantes do Diário do Governo.
Era por assim dizer um acto de rotina e tão liberto do restrições que o Regimento de 25 de Fevereiro de 1896 depois de ordenar a distribuição aos "Dignos Pares". Deputados e Ministros de Estado confiou ao critério da Mesa a distribuição a outras pessoas ou corporações.
Já nesses tempos se reconhecia a vantagem que havia de divulgar pelo público o que se passava no Parlamento. E agora trata-se apenas de restabelecer uma prática que estava suspensa.
Em 6 de Fevereiro último, a meu requerimento, foram-me fornecidas novas informações. E do seu confronto com as anteriores resulta a prova de que os assinantes do Diário das Sessões, que eram 863 em Dezembro de 1953 baixaram para 740 actualmente, não obstante em 1959 a Assembleia ter discutido e votado em convocações ordinária e extraordinária diplomas importantíssimos, de grande interesse o influência na vida do País. como sejam, por exemplo, a reforma constitucional, o II Plano de Fomento, a Lei de Meios, os preceitos sobre a nacionalidade, a pesca nas águas interiores, as Contas Gerais do Estado. etc.
Aquela diminuição dos assinantes causa estranheza e é digna de ponderação naquilo em que derive de desinteresse público.
Ora uma das formas para divulgar no País, como se faz, mister, o conhecimento do que se passa no Parlamento consiste em continuar a remeter o Diário das Sessões aos assinantes da 1.º série do Diário do Governo, que eram 3841 em Janeiro de l953 e 4222 em Fevereiro de 1960.
Continuará, deste modo. a haver mais uns milhares do pessoas com a possibilidade de conhecerem os debates e os fundamentos e o espírito das leis e das demais deliberações tomadas pela Assembleia, etc.
É desnecessário encarecer a vantagem desta forma de divulgação, especialmente, atendendo-se ao número pouco elevado do assinantes, o qual está longe de atingir o milhar, o que creio dever atribuir-se em muito ao elevado preço da assinatura em relação aos Diários publicados nos anos de funcionamento normal da Assembleia e ainda à circunstância de ter alimentado o número de exemplares distribuídos por permuta ou gratuitamente, e que actualmente se elevam a 276 pelos Deputados e Procuradores à Camará Corporativa e 292 a repartições públicas, bibliotecas, instituições várias, jornais, etc.
São estas, em síntese, as razões que me levam a aprovar sem reservas o parágrafo reincorporado pela nossa Comissão Eventual.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Paulo Rodrigues: - Sr. Presidente: farei primeiro um simples apontamento à intervenção do Sr. De-
Página 432
432 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154
putado Cancella de Abreu quanto à inserção no Diário das Sessões das mensagens a esta Assembleia pelo Presidente do Conselho.
É evidente que essas mensagens hão-de constar na integra, do Diário das Sessões. Mas quer o Presidente do Conselho use da palavra na Assembleia como é de seu direito quer se dirija por escrito á Assembleia o Regimento consagra já disposições bastante para prover sem possibilidade de duvida á inserção no Diário dessas comunicações. Só por isso a Comissão não suscitou o problema.
Em relação ao aditamento proposto ao texto da alínea c) direi que ele resulta do regime relativo á formulação de perguntas já votado no artigo 11.º.
A nova redacção proposta para o § 2.º parece mais de harmonia com as realidades. Pelo esforço profissional tão meritória dos seus representantes a colaboração da imprensa nos trabalhos da Assembleia tem jus a ser encarada no Regimento por uma forma suficientemente maleável para lhe deixar uma ampla zona de iniciativa quanto aos termos concretos em que se desenvolve essa colaboração.
No § 3.º suprime-se a menção expressa da hora de entrega que na pratica se verificou não ser possível cumprir.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum Sr. Deputado usar da palavra vai votar-se o artigo 19.º com as alterações propostas.
Submetido á votação foi aprovado.
O Sr. Presidente:- Ponho agora em discussão o artigo 21.º, sobre o qual há na Mesa uma proposta de alteração da Comissão do Regimento. Vão ler-se o artigo e a proposta.
Foram lidas. São as seguintes:
Art. 21.º A abertura dos trabalhos da sessão plenária será ás 15 horas precisas; se o Presidente não estiver ou se achar impedido assumirá as suas funções o substituto legal que no exercício destas se manterá ate que chegue quem se estivesse presente devia desempenhá-las.
Art. 21.º A abertura dos trabalhos da sessão plenária será pelas 15 horas e 30 minutos: se o Presidente não estiver ou se encontrar impedido assumirá as suas funções o substituto legal que no exercício destas se manterá ate que chegue quem se estivesse presente devia desempenhá-las.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão.
O Sr. Paulo Rodrigues: - Sr. Presidente: a alteração proposta pela Comissão
É também muito simples. Como já disse quando da discussão do artigo 7.º pareceu mais conforme ás condições reais da vida actual que não se marque para antes das 15 horas e 30 minutos e inicio das sessões.
O Sr. Presidente: - se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra vai votar-se o artigo 21.º com a alteração formulada.
Submetido á votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente:- Está em discussão o artigo 22.º, sobre o qual a Comissão também apresentou uma proposta de alteração que vai ser lida juntamente com o artigo respectivo.
Foram lidas, são os seguintes:
Art. 22.º......................................................................
c) A apresentação ou entrega na Mesa de propostas ou projectos de lei avisos prévios pedidos de consulta ou de informação;
................................................................................
§ 4.º A apresentação dos projectos de lei poderá ser feita directamente na Mesa; mas. Se o Deputado pedir a palavra para esse fim deverá limitar-se a indicar as suas linhas gerais e razões justificativas. De cada proposta ou projecto serão apresentados três exemplares, um destinado ao Diário outro á Câmara Corporativa e o terceiro ao arquivo.
§ 5.º Meia hora após abertura da sessão se os assuntos de antes da ordem não estiverem esgotados poderá o Presidente prolongar esta parte da sessão por outra meia hora.
Art. 22.º.......................................................................
c) A apresentação ou entrega na Mesa de propostas ou projectos de lei avisos prévios perguntas e pedidos de consulta ou de informação;
................................................................................
f) A leitura do texto das perguntas formuladas e das respostas do Governo nos termos do § 3.º do artigo 11.º
................................................................................
§ 4.º Observado o disposto no § 1.º do artigo 11.º, a apresentação dos projectos de lei poderá ser feita directamente na Mesa; mas se o Deputado pedir a palavra para esse fim deverá limitar-se a indicar as suas linhas gerais e razões justificativas. De cada proposta ou projecto serão apresentados três exemplares, um destino ao Diário, outro á Câmara Corporativa e o terceiro ao arquivo.
§ 5.º Meia hora após a abertura da sessão, se os assuntos de antes da ordem não estiverem esgotados poderá o Presidente prolongar esta parte da sessão.
O Sr. Paulo Rodrigues: - Sr. Presidente a alteração do texto da alínea c) e o adiantamento do que se votou quanto ao artigo 11.º. a emenda proposta ao § consiste apenas em fazer preceder a sua anterior redacção das palavras «observado o disposto no parágrafo, etc.». Não se altera em nada o direito vigente mas a experiência aconselha a fazer aqui menção expressa da regra aplicável. Quanto ao § 5.º suprime-se o limite de tempo. O Presidente tinha a faculdade de prorrogar o período de antes da ordem do dia que era de meia hora. Resultante da pratica que se tem verificado ser inconveniente para o alto alcance político dos assuntos tratados nesse período que ele seja apenas de uma hora a Comissão propõe agora que embora o tempo normal desse período continue a ser de meia hora a faculdade do Presidente seja a de prorrogá-lo, sem que se consigne qualquer limite expresso.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
Página 433
18 DE MARÇO DE 1960 433
O Sr. Presidente : - Visto mais nenhum Sr. Deputado querer fazer uso da palavra, vai votar-se o artigo 22.º com as alterações propostas.
Submetido á votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente : - Está em discussão o artigo 23.º, sobre o qual também a Comissão propõe nova redacção. Vai ler-se o artigo e a proposta de alteração.
Foram lidas. São as seguintes:
Art. 23.º Terminados os trabalhos da primeira parte da sessão, seja qual for o tempo decorrido, entrar-se-á na ordem do dia que normalmente durará três horas.
Art. 23.º Terminados os trabalhos da primeira parte da sessão, seja qual for o tempo decorrido, entrar-se-á na ordem tio dia.
O Sr. Presidente : - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai proceder-se à votação.
Submetida á votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente : - Vão ler-se o artigo 24.º e as propostas de alteração a algumas das suas alíneas e parágrafos apresentadas pela Comissão do Regimento.
Foram lidas. São as seguintes:
Art. 24.º ....................................................................
a) Comunicação à Assembleia das explicações relativas aos assuntos da ordem do dia enviadas pelo Governo. espontaneamente ou em resposta a pedidos de Deputados;
b) Apresentação de reclamações sobre a última redacção da proposta, projecto ou resolução da Assembleia;
...............................................................................
d) Discussão da matéria dada para ordem do dia.
§ l .º A discussão desta matéria não poderá em caso algum ser preterida por outro assunto nem interrompida, a não ser pelo tempo suficiente para o Presidente da Assembleia fazer qualquer comunicação grave e urgente ou restabelecer a ordem dentro da sala ou dar ensejo a que se elabore alguma proposta de alteração sobre a matéria em discussão.
§ 2.º Quando o Presidente o julgar necessário, prorrogará o período da ordem do dia ou desdobrá-lo-á em dois, de três horas cada, um dos quais terá lugar na parte da manhã.
Art. 24.º ......................................................................
a) Comunicação à Assembleia das explicações relativas aos assuntos da ordem do dia enviadas pelo Governo ;
b) Apresentação de reclamações sobre a última redacção de propostas, projectos ou resoluções da Assembleia;
................................................................................
d) Discussão da restante matéria dada para ordem do dia.
§ 1.º A discussão da matéria da ordem do dia não poderá, em caso algum, ser preterida por outro assunto nem interrompida, a não ser pelo tempo suficiente para o Presidente da Assembleia fazer qualquer comunicação grave e urgente, ou restabelecer a ordem dentro da sala ou dar ensejo a que se elabore alguma proposta de alteração sobre a matéria em discussão.
§ 2.º O Presidente poderá prorrogar ou desdobrar o período da ordem do dia.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se o artigo 24.º com as alterações propostas pela Comissão do Regimento.
Submetida á votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - O artigo 25.º do Regimento trata das comissões, e sobre ele nem a Comissão do Regimento apresentou qualquer proposta, nem há alterações sugeridas por qualquer dos Srs. Deputados. Da mesma maneira que se procedeu com os artigos sobre os quais não houve qualquer proposta de alteração, se nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, considero-o aprovado.
Pausa
O Sr. Presidente: -Vão ler-se agora, o artigo 26.º e a proposta apresentada pela Comissão do Regimento quanto á alínea a).
Foram lidos. São os seguintes:
Art. 26.º ......................................................................
a) Inteirar-se dos problemas fundamentais que dominam o sector da administração pública que lhes interessa:
................................................................................
Art. 26.º
a) Inteirar-se problemas fundamentais que dominam os sectores da administração pública que lhes interessam;
................................................................................
O Sr. Presidente :- Está em discussão.
Pausa
O Sr. Presidente : - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se o artigo 26.º com a nova redacção proposta pela Comissão Regimento quanto à sua alínea a).
ubmetida á votação foi aprovada.
O Sr. Presidente : - Vão ser lidos o artigo 27.º e a nova redacção proposta pela Comissão do Regimento.
Foram lidas. São as seguintes:
Art. 27.º As comissões eventuais, igualmente eleitas pela Assembleia, terão o número de Depurados que esta em cada caso determinar.
Art. 27.º As comissões eventuais, eleitas pela Assembleia ou designadas pelo Presidente, terão o numero de Deputados que em cada caso, for determinado.
O Sr. Presidente: -Está em discussão.
Pausa.
Página 434
434 DIÁRIO DAS SESSÕES
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se o artigo 27.º com a nova redacção proposta pela Comissão do Regimento.
Submetida á votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Passamos agora ao artigo 28.º, sobre o qual há na Mesa uma proposta de nova redacção sugerida pela Comissão do Regimento quanto ao seu § único. Vão ser lidos o artigo e a proposta.
Foram lidos. São os seguintes.
Art. 28.º .....................................................................
S único. Quanto a Assembleia ou o seu Presidente o julgarem conveniente, podem duas ou mais comissões trabalhar em sessões conjuntas para o estudo de assuntos de interesse comum.
O modo de trabalho e composição da sessão conjunta serão regulados pelo regimento das respectivas comissões ou por acordo dos seus presidentes.
Ari. 28.º ....................................................................
§ único. Podem duas ou mais comissões trabalhar em sessões conjuntas para o estudo de assuntos de interesse comum.
O modo de trabalho e composição da sessão conjunta serão regulados pelo regimento das respectivas comissões ou por acordo dos seus presidentes.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Paulo Rodrigues: - Sr. Presidente: a emenda proposta ao S único deste artigo destina-se a ampliar às próprias comissões a faculdade de promoverem as sessões conjuntas, cuja iniciativa até agora pertencia, exclusivamente, à Assembleia ou ao seu Presidente.
O alargamento desta faculdade vem na lógica da evolução do regime das comissões parlamentares.
Como se sabe, os Regimentos de 1935 previam apenas as Comissões de Verificação de Poderes e de Última Redacção.
O Regimento de 1938 instituiu o sistema de trabalho em sessões de estudo e o Regimento de 1941 chama já comissões aos grupos que se reúnem nessas sessões de estudo. O Regimento de 1946 estrutura as comissões tal como hoje existem.
Verifica-se assim, que a evolução do instituto se processa no sentido de valorizar cada vez mais o trabalho na verdade tão eficiente, das comissões parlamentares.
A emenda agora proposta insere-se no mesmo rumo aliás tão brilhantemente defendido pelo Sr. Deputado Águedo de Oliveira na sua intervenção da generalidade.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente : - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se o artigo 28.º com a alteração proposta pela Comissão do Regimento quanto à redacção do seu § único.
Submetido á votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente : - Seguem-se os artigos 29.º e 30.º do Regimento, que não são tocados no projecto da Comissão do Regimento, nem sobre os quais existe qual-
quer proposta de algum Sr. Deputado. Por isso, se nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, considero aprovados os referidos artigos.
Pausa
O Sr. Presidente : - Passamos agora ao capítulo III «Atribuições da Mesa». Vai discutir-se o artigo 31.º Sobre ele há na Mesa uma proposta de nova redacção da parte da Comissão do Regimento quanto às suas alíneas c) e f). Vão ser lidos o artigo e a referida proposta.
Foram lidos. São os seguintes:
Art. 31.º .....................................................................
c) Dar conhecimento à Assembleia, no prazo de 24 horas, pela menção ou leitura na Mesa e inserção no Diário das Sessões, das mensagens e explicações que lhe forem dirigidas e ainda das representações a que feito exame prévio, entender dar seguimento ;
f) Apresentar as propostas de lei admitir os projectos e quaisquer alterações aos textos em discussão enviados para a Mesa pelos Deputados e despachar os requerimentos por estes feitos;
...............................................................................
Art. 31.
c) Dar conhecimento urgente à Assembleia, pela menção ou leitura na Mesa, das mensagens e explicações que lhe forem dirigidas e ainda das representações a que feito exame prévio, entender dar seguimento;
f) Apresentar as propostas de lei admitir os projectos, as perguntas e quaisquer alterações aos textos em discussão enviados para a Mesa pelos Deputados e despachar os requerimentos por estes feitos;
................................................................................
O Sr. Presidente : - Está em discussão.
Pausa
O Sr. Presidente : - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se o artigo 31.º do Regimento, com a nova redacção proposta pela Comissão do Regimento quanto às alíneas c) e f).
Submetida á votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente : - E ficamos hoje por aqui.
A discussão na especialidade do projecto de alterações ao Regimento continuará na sessão de amanhã, cuja ordem do dia será, portanto, a mesma da de hoje.
Esta encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que faltaram á sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Américo da Costa Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
Página 435
18 DE MARÇO DE 1960 435
António Barbosa Abranches de Soveral.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
João de Brito e Cunha.
João Pedro Neves Clara.
José Rodrigues da Silva Mendes.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Tarujo de Almeida.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Página 436
436 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154
CÂMARA CORPORATIVA
VII LEGISLATURA
PARECER N.º 28/VII
Projecto de lei n.º 27
Remunerações dos corpos gerentes de certas empresas
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º 27, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral, Política e economia ultramarinas e Finanças e economia geral), com os Dignos Procuradores, agregados, José Gabriel Pinto Coelho e Adelino da Palma Carlos, sob a presidência de S. Exa. o Presidente, o seguinte parecer:
Esquema
I
Apreciação na generalidade
§ 1.º Objectivos do projecto e seus presumidos princípios inspiradores ............................................. 1 a 8
§ 2.º A limitação das remunerações e o princípio da hierarquia social ........................................ 4 a 9
§ 4.º A limitação das remunerações e os imperativos de carácter social .......................................... 15
§ 5.º A limitação das remunerações e a restrição das possibilidades de trabalho ............................... 16
§ 6.º A limitação das remunerações e os eventuais abusos do poderio económico .................................... 17 a 20
§ 7.º A limitação das remunerações e a moralização da administração pública ................................... 21 a 24
§ 8.º As acumulações e incompatibilidades; sua análise conjunta ................................................. 25
§ 9.º As acumulações e incompatibilidades - pertinência das considerações produzidas sobre limitação das remunerações 26
O imposto pessoal sobre o rendimento; caracterização económica ................................................ 27 a 29
II
Exame na especialidade
§ 11.º O aspecto formal do projecto .......................30
§ 12.º A substância do projecto:
A) Artigo 1.º (corpo) .....................................31 a 37
B) Artigo 1.º (§ único) ...................................38
C) Artigo 2.º .............................................39
D) Artigo 3.º (corpo) .....................................40
) Artigo 3.º (§ único) ...................................41
F) Artigo 4.º ............................................ 42
G) Artigo 5.º ............................................ 43
H) Artigo 6.º ............................................ 44
I) Artigo 7.º ............................................ 45
J) Artigo 8.º ............................................ 46
L) Artigo 9.º ............................................ 47
III
Conclusões
§ 13.º Considerações finais ...............................48
§ 14.º O projecto de lei proposto .........................49
I
Apreciação na generalidade
§ 1.º Objectivos do projecto e seus presumidos princípios inspiradores
1. Na essência da economia do projecto de lei n.º 27 (Actas da Câmara Corporativa n.º 52, de 19 de Abril de 1959) está o propósito de introduzir algumas modificações nos regimes jurídicos que actualmente re-
Página 437
18 DE MARÇO DE 1960 437
guiam: o limite máximo de remunerações (artigo 1.º); as acumulações de cargos (artigo 4.º); as incompatibilidades de funções (artigo 5.º).
De forma geral, a matéria é de há muito alvo da atenção do legislador. «Não sendo regular que um mesmo indivíduo esteja percebendo mais de uma gratificação, ainda, que alguma dellas seja vencida por diferente Ministério; Manda a RAINHA, pela Secretaria d'Estado dos Negócios da Guerra, que todos aquelles, que estiverem em taes circunstâncias, declarem, quanto antes, por esta Secretaria d'Estado, qual é a gratificação que preferem receber; na intelligencia que, do próximo mez de Agosto em diante, só esta lhe será abonada» - assim já rezava, no tocante a remunerações por funções acumuladas, diploma com data de 20 de Julho de 1809 e publicado no Diário tio Governo de 3U do mesmo mês e ano. E, pelo menos desde então até aos nossos dias, múltiplos são os diplomas legais e interpretativos reguladores não só de acumulações, como de incompatibilidades, e, em menor escala embora, de limites máximos de remunerações. No decurso da explanação que se segue haverá ocasião de a alguns desses diplomas fazer referência.
Não é também a primeira vez que esta Câmara é chamada a pronunciar-se sobre os mesmos temas. No parecer n.º 22/V, sobre a Lei de Meios para 1952 (Diário das Sessões. 3.º suplemento ao n.º 109, de 6 de Dezembro de 1951). largamente se abordaram os aspectos de incompatibilidades e acumulações e se enriqueceu até a exposição, cuja actualidade, aliás, se mantém viva, com minucioso rol dos respectivos diplomas reguladores e vigentes à data. Mais recentemente, no parecer n.º 26/VI, que incidiu sobre o projecto de lei n.º 18 (Actua da Câmara Corporativa n.º 49, de 20 de Abril de 1955), a Câmara expendeu então sobre limitação de remunerações pontos de vista que continuam também a manter plena oportunidade. E ainda em Maio último, de novo a Câmara abordou o aspecto das acumulações no parecer n.º 17/VII, sobre o projecto de lei n.º 23 (Actas da Câmara Corporativa n.º 58, de 12 de Maio de 1959).
2. Ao contrário do verificado com o projecto de lei n.º 18, antes referido, na apresentação do qual se formularam considerandos justificativos e esclarecedores do seu teor (Diário das Sessões n.º 67, de 15 de Janeiro de 1955), o projecto de lei agora em estudo foi apresentado sem comentário ou esclarecimento algum (Diário das Sessões n.º 94, de 16 de Abril de 1959).
Na sua textura normativa, ele traduz com evidência uma política, e esta, como qualquer política, necessàriamente se inspira em juízos de doutrina - juízos que, no entanto, não foram explicitados. Revela-se assim mais difícil a indagação Doutrinária do regime proposto, indagação, todavia, indispensável para a boa inteligência do projecto.
Nestes termos, recorre-se à formulação de hipóteses ou presunções sobre quais teriam sido os princípios orientadores do projecto para, a propósito de cada um, tecer as considerações julgadas oportunas. Corre-se o risco de deixar omissos alguns desses princípios pela razão simples de não terem ocorrido; mas não se vê forma de obviar a esta eventual carência.
3. Onde fui encontrar o projecto a sua inspiração? No «princípio da hierarquia social», invocado no relatório de um dos diplomas fundamentais que regem a matéria - o Decreto-Lei n.º 26115, de 23 de Novembro de 1930? Na desejada equidade da repartição do rendimento nacional, traduzida nos dizeres do mesmo relatório «somos uma comunidade de homens e de interesses: temos todos de viver»? Ou, porventura, no ditame eminentemente social, também referido pelo legislador no relatório citado ao afirmar: «É, doloroso que alguns se vejam constrangidos a perder o supérfluo; mais doloroso é, porém, que muitos não tenham o necessário? Teria sido, antes, no objectivo de facilitar o cumprimento do dever social do trabalho, alargando as tomadas de posição convenientes «para a absorção de novos elementos, não deixando que outros lhes ocupem todos os lugares», no dizer ainda do mesmo relatório? Ou no princípio da necessidade de vigilância sobro o poderio económico, sintetizado na expressão emitida no relatório do Decreto n.º 13 538, de 1 de Junho de 1928, «monopolização dos lugares eminentes do Estado, dos estabelecimentos públicos e dos grandes organismos económicos nas mãos de poucos»? Ou ainda no imperativo da «moralização, regularização o eficiência do Governo e da administração pública», invocado neste último relatório? Ou, finalmente, contemplaram-se em visão eclética todos estes princípios doutrinários? Por imposição metodológica convém examinar os três aspectos fundamentais do projecto - limitação de remunerações, acumulações e incompatibilidades- à luz dos critérios decorrentes de cada um dos princípios doutrinários enunciados.
§ 2.º A limitação das remunerações e o princípio da hierarquia social
4. Pondere-se o primeiro aspecto assinalado, ou seja o da limitação das remunerações, à luz do princípio da hierarquia social.
Há quase uma quarentena do anos o princípio da hierarquia social, no domínio das funções públicas, era traduzido em termos legais diferentes daqueles que mais tarde haveriam de ser consagrados. A Lei n.º 1355, do 15 de Setembro de 1922, inserta no Diário do Governo da mesma data (e de novo publicada, com rectificações, em 30 de Setembro do mesmo ano), dispunha que em caso algum o vencimento de qualquer funcionário poderia ser menor do que o vencimento do funcionário de categoria imediatamente inferior, devendo existir sempre uma diferença dentro do mesmo quadro.
A aplicação do princípio era, assim, assegurada pela interdição de atribuir ao funcionário vencimento igual ou menor do que o correspondente à categoria imediatamente inferior, na escala. Hoje atinge-se, nos termos legais, a aplicação do mesmo princípio pela interdição de atribuir vencimento igual ou mais elevado do que o percebido pela categoria superior e imediata na escala. O fim é idêntico; o meio é hoje. na realidade, mais consentâneo e harmónico com a unção de hierarquia que emerge do princípio contemplado.
Logo após o movimento iniciador da Revolução Nacional, em 6 de Julho de 1920, é publicado o Decreto n.º 11 849, pelo qual se limitaram os abonos, excepto ajudas de custo, a que tinham direito os funcionários do Estado, considerando-se incluídos em tais abonos os que os funcionários percebessem do empresas particulares por serviços a estas prestados como representantes do Estado.
Mas foi em 23 de Novembro de 1935, com a publicação do Decreto-Lei n.º 26 115, que se esquematizou e concretizou a ordenação hierárquica de todo o funcionalismo público e em moldes tais que, decorridos vinte e quatro anos. ela permanece intacta, sem prejuízo das ligeiras alterações introduzidas posteriormente, as últimas pelo Decreto-Lei n.º 42 046, de 23 de Dezembro de 1958.
A par dessa hierarquização, dirigida aos servidores do Estado, o mesmo Decreto-Lei n.º 26 115 apresenta.
Página 438
438 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 164
no seu artigo 27.º, a extensão do mesmo princípio de hierarquia, mas com limites bem demarcados, ao campo do privado e a determinado sector público, em relação no qual poderia admitir-se a não sujeição ao referido princípio. Essa extensão é que constitui aqui o ponto de interesse, visto que é ela, ou os seus limites, a visada no projecto em exame. Reza o referido artigo 27.º: «Fica expressamente proibida a atribuição de vencimentos superiores aos dos Ministros aos directores e administradores de estabelecimentos do Estado, de sociedades, companhias ou empresas concessionárias ou arrendatárias em que o Estado tem direito a participação nos lucros ou é accionista por força de diploma legal a que a constituição das mesmas entidades está sujeita».
No projecto perfilha-se o limite máximo vigente - o da remuneração dos Ministros - e dispõe-se no sentido de não só dilatar o alcance do respectivo preceito legal como também de definir e precisar alguns conceitos, no intuito, certamente, de evitar diversidade do interpretações.
Aquela dilatação opera-se por mais larga invasão do sector privado. De facto, se hoje se consideram as «sociedades, companhias ou empresas concessionárias ou arrendatárias em que o Estado tem direito a participação nos lucros ou é accionista por força de diploma legal a que a constituição das mesmas entidades esta sujeita», no projecto visam-se, além destas, muitas outras empresas, entre as quais as simples concessionárias ou arrendatárias, ainda mesmo que, em relação a elas, se verifique não caber ao Estado o direito de participar nos seus lucros ou o Estado não ser seu accionista.
5. O Estado goza do direito e sobre o Estado impende a obrigação de coordenar e regular a vida económica e social com vista aos objectivos que decorrem da sua ética. Mas tais coordenação e regulação têm de ser processadas em plano compatível com a autoridade do Estado, isto é, em plano que se situe fora e acima do jogo dos interesses privados. Por outras palavras, aquelas coordenação e regulação têm de ser superiormente processadas, para usar do termo constitucional (artigo 31.º da Constituição).
O princípio da hierarquia social pode o Estado impô-lo, por via directa, aos seus próprios serviços, no arranjo da sua esquematização e organicidade. Mas já o não pode estender, pela mesma via directa, ao sector privado, sob pena de se enlear na trama dos interesses afectos ao sector e assim perder a posição de superioridade da qual, por forma alguma, deve abdicar.
A este propósito, é terminante o preceituado no artigo 33.º da Constituição, que enuncia restritivamente as condições em que se torna legítima a intervenção do Estado na gerência das actividades económicas particulares: quando o Estado haja de financiar essas actividades e (repare-se na copulativa) para conseguir benefícios sociais superiores aos que seriam obtidos sem a sua intervenção.
6. No entanto, certas empresas (como as concessionárias de serviços públicos e outras, insertas em âmbito que adiante se definirá) apresentam uma característica que importa, no aspecto versado, assinalar. Trata-se de empresas que exibem uma razão peculiar de dependência perante o Estado (aliás, sublinhado de certo modo no artigo 59.º da Constituição), e esta razão de dependência parece constituir esteio seguro para legitimar a intervenção do Governo no sentido de acautelar a observância do princípio da hierarquia social. Decerto a contemplação deste princípio deve ser extensiva a todos os órgãos do corpo social, mas o vínculo específico que liga aquelas empresas ao Estado, concede ao Governo um reforço de autoridade para lhes impor mais estrita obediência ao referido princípio.
E assim se conclui logicamente deverem ser submetidas ao regime de intervenção pelos meios mais adequados, mas que excluam a ideia de tutela ou de actuação directa, todas aquelas empresas que, de qualquer modo, desfrutem de privilégio ou assistência especiais pelo Estado conferidos ou em que o Estado, por virtude e qualquer diploma, esteja presente. Justifica-se, desta maneira, a posição tomada no projecto de lei em exame quando se dilata a outras empresas o âmbito de aplicação de regime especial de remunerações aos corpos gerentes, circunscrito no Decreto-Lei n.º 26 115 apenas às empresas «concessionárias ou arrendatárias em que o Estado tem direito a participação nos lucros ou é accionista por força do diploma legal a que a constituição das mesmas entidades está sujeita». Esta mesma posição, aliás, já havia sido definida pelo legislador quando da publicação do Decreto-Lei n.º 40 833, de 29 de Outubro de 1956, ao reservar para o Estado o direito de participar, por meio de administradores nomeados pelo Governo, na administração não só das empresas e que seja accionista ou em que tenha participação de lucros, desde que tais posições estejam previstas em diploma legal ou nos respectivos estatutos, mas também das empresas que explorem actividades em regime de exclusivo ou com benefício ou privilégio não previstos em lei geral.
Decerto que o objectivo precipito deste diploma não é o de impor a obediência ao princípio da hierarquia social. Mas não pode negar-se que na definição do elenco de empresas na administração das quais o Estado chamou a si o direito de participar haveria de presidir o mesmo critério que é de invocar na concretização do âmbito de autuação do Estado, para constrangimento à rigorosa aceitação daquele princípio.
7. O Estado pode adoptar uma unidade de aferição para estabelecer o limite máximo dos vencimentos do seu funcionalismo, todo ele enquadrado num único esquema de graduações - e esta será a aplicação directa, imediata, do princípio da hierarquia social.
Mas já não pode recorrer nem à mesma unidade de aferição nem a uma só unidade de aferição quando pretenda impor maior respeito pelo mesmo princípio àquela zona do sector privado cujos limites atrás se definiram.
Não pode recorrer à mesma unidade porque os valores, no sector privado, se reportam a denominadores diferentes dos adoptados no sector público. E fenómeno verificado em todos os países a discrepância entre as remunerações do trabalho no sector público e as remunerações de funções paralelas no sector privado, com causas que já são conhecidas e que, sumariamente, se podem sintetizar na afirmação seguinte: o trabalho, no primeiro sector, dirige-se ao funcionamento do serviço; no segundo, dirige-se, em fim último, ao objectivo empresarial, à consecução do lucro.
Não pode o Estado recorrer a uma só unidade de aferição porque na vida real o sector privado apresenta tão extensa e variegada escala de situações que tal unidade se torna em absoluto incompatível com a excessiva rigidez de um limite único, de aplicação geral. Reportando-nos apenas, como sabe, à zona do sector privado antes referida, encontram-se nela empresas de muito diversas dimensões; há as grandes empresas, cuja gestão requer homens de larga experiência e competência provada; há aquelas com vida assegurada por uma rotina que os anos consagraram. Na mesma empresa há cargos de gerência que absorvem - e quantas vezes excedem - a capacidade de trabalho dos que os desempenham, como há outros cargos, também de
Página 439
18 DE MARÇO DE 1960 439
gerência, que exigem uma fracção - por vezes mínima - da capacidade de trabalho dos que os ocupam.
Fixar um só limite, adoptar uma só unidade, equivaleria a trair o princípio da hierarquia social, pois se destruiria, pela indiferenciação, o nexo ordenativo que este principio implica.
Tem de reconhecer-se que o Decreto-Lei n.º 26 115, no impor o mesmo e um só limite para as remunerações do funcionalismo público e para os corpos gerentes de algumas empresas, emitidas embora em campo restrito, alinha nesta direcção. Mas o Decreto-Lei n.º 40 833, ao abranger não só essas empresas como muitas outras mais, e ao atribuir (artigo 6.º) aos administradores por parte do Estado remuneração idêntica à dos demais administradores, imprimiu profunda modificação nesse alinhamento inicial, para o tornar condizente com a orientação exposta - e tão profunda que, obviamente, parece poder levantar-se a dúvida sobre se a primeira disposição, no relativo às empresas, deve considerar-se revogada pelo segundo diploma.
Mantém-se assim a coerência desta Câmara, que já anteriormente (parecer n.º 26/VI - Actas da Câmara Corporativa n.º 49, de 20 de Abril de 1955) se manifestou no sentido de se lhe afigurar haver vantagem na revisão do preceito citado, contido no Decreto-Lei n.º 26 115.
8. Do que se diz não deve concluir-se que ao Estado permaneça interdita actuação no sentido de fazer afirmar ou acentuar mais fundo ainda, até ao núcleo do sector privado, o princípio da hierarquia social. O Estado, garante do bem comum, tem o dever de zelar por que todos os elementos constitutivos do agregado nacional se subordinem nos princípios que emergem da sua ética. Mas não pode esquecer-se de que as manifestações desse zelo terão também, por sua vez, de ser condicionadas pelos mesmos princípios.
Segundo o artigo 8.º do Estatuto do Trabalho Nacional, «a hierarquia das funções e dos interesses sociais é condição essencial da organização da economia nacional». Falando, portanto, em termos de economia nacional, a lei reconhece que a hierarquia das funções e dos interesses sociais é condição essencial para se alcançar a organização dessa economia.
Se o Estado é garante do bem comum e a Nação se encontra organizada corporativamente, às corporações deve vir a pertencer um largo papel na criação de um sólido ambiente de paz social e de um são clima de moralidade que impossibilite abusos e desvios em matéria de remunerações, que ofendam a desejada hierarquia das funções e dos interesses sociais.
Bem se diz, a confirmar este pensamento, no relatório que precede o Decreto n.º 41 875, de 23 de Setembro de 1958: «Pela sua composição, abrangendo ao mesmo tempo as entidades patronais e os trabalhadores, pela sua organização unitária e nacional e pelo carácter e amplitude das atribuições que lhes são conferidas, as corporações hão-de ser colocadas em posição de colaborar abertamente no estudo, na discussão e até, tanto quanto possível, na resolução dos problemas ligados no progresso económico e à paz social da Nação» - palavras que invocam afinal, em síntese, os termos fundamentais do estatuto jurídico das corporações (Lei n.º 2086, de 22 de Agosto de 1956).
Independentemente da contribuição que as corporações poderão trazer no futuro à solução deste problema, ao Estado não faltam meios de acção para promover o revigoramento nos domínios do sector privado, do respeito pelo princípio da hierarquia social - sem deixar de observar as directrizes impostas pela sua ética.
Desde a actuação - sempre dimanada de plano superior - sobre o mecanismo dos preços e sobre as formas prevalentes dos mercados, até aos critérios de consignação das despesas públicas e aos regimes fiscais, desenvolve-se, nos campos económico e financeiro, uma série de recursos ao dispor do Estado para encontrar a desejada forma congruente de intervenção: outros recursos ainda podem ser encontrados no campo social. Dos meios oferecidos pela fiscalidade, o imposto pessoal sobro rendimento não será n que apresente maior grau de eficiência, mas é decerto o mais acarinhado pela opinião pública. Â ele se fura adiante mais demorada alusão. Por agora dir-se-á apenas que os seus efeitos são imediatamente visíveis - e daí, porventura, a sua popularidade -, dispondo de poder de adaptação à superabundância e redundância da concretização da vida, pelo que se presta a servir de instrumento à correcção dos desvios de obediência no princípio da hierarquia social.
9. O projecto em análise, ao fixar para limite de remuneração de certas funções do sector público e do sector privado o nível de remuneração de uma função pública situada em elevada posição da hierarquia (a função de Ministro), é possível que também se inspirasse no intuito de conseguir um certo paralelismo, um determinado equilíbrio de relação, entre as remunerações no sector privado e as remunerações no sector público, para funções de categoria idêntica - tanto quanto é possível definir a identidade do categorias.
Sabe-se que é reduzido o nosso escol de valores. A solicitação, por parte do sector privado, de elementos de escol já hoje se revela intensa e decerto se intensificará mais e mais, na medida em que se for processando o nosso crescimento económico. Daí a crescente dificuldade de prover certas funções do sector público, aquelas que exigem maior número e melhores qualidades dos que devem desempenhá-las.
O problema, no entanto - há que reconhecê-lo-, põe-se relativamente a nível de director-geral, ou inferior, e a margem que ficaria às empresas, obrigadas apenas a não exceder os vencimentos dos Ministros, ainda seria largamente suficiente para manterem a concorrência com o Estado na conquista das melhores competências.
§ 3.º A limitação das remunerações e o regime da repartição do rendimento
10. Considere-se ainda o aspecto da limitação das remunerações, mas agora do ângulo da modificação do regime de repartição do rendimento.
No domínio da teoria económica está, acentuando-se o reconhecimento da necessidade de rever as clássicas nomenclaturas não só dos rendimentos cuja agregação vai constituir o rendimento nacional, mas também dos participantes na repartição do mesmo rendimento. Todas elas, afinal, assentam na distinção dos tipos de factores de produção e das espécies dos seus possuidores. E, assim, a simples enunciação de salários, juros, rendas e lucros, de Say e de Walras, como até a falseada, de salários e mais-valia, de Marx, constituem nomenclaturas que têm traduzido óptica exclusivamente técnica - a da técnica da produção. Se no campo restrito da teoria da produção a ciência económica poderia aceitar, sem reservas de maior, as primeiras categorias de rendimentos e as correlativas categorias dos seus beneficiários, a mesma ciência económica, quando passe a ocupar-se da teoria da repartição, parece que já não pode contentar-se com critério tão estreito, antes terá de considerar esse elemento de ordem técnica como um, e apenas um, dos dados que intervêm no processo repartidor. O outro dado, a considerar na análise
Página 440
440 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 134
do fenómeno da repartição, consiste na estrutura institucional da comunidade e na forma como os indivíduos e grupos se comportam perante tal estrutura, ou, por outros termos, no modo como cada um dos membros da comunidade se insere no conspecto económico e obtém, por virtude dessa inserção, uma fracção do rendimento nacional. Decerto que o tipo de factor produtivo que ele carreou para a formação do produto constitui um, mas só um, dos elementos caracterizadores desse modo de inserção. E tanto assim é que a cedência do mesmo factor produtivo - o trabalho, por exemplo - ao processo de produção pode originar rendimentos não se dirá em absoluto distintos, mas susceptíveis de diferente caracterização.
11. Nesta ordem de ideias, e porque importa às considerações que se seguem, convém abordar um ponto que se mostra relevante para a matéria em análise e que diz respeito ao grupo que genericamente pode apelidar-se de prestadores de trabalho. Os corpos gerentes dos estabelecimentos do Estado ou de quaisquer empresas privadas, quando considerados pelo direito a haverem uma remuneração, não susceptível de se classificar como lucro, pela sua acção estiva - e é este o ângulo de visão que parece ter presidido ao conceito do artigo 1.º do projecto de lei em apreciação -, são prestadores de trabalho, tal qual os outros servidores dos mesmos organismos, dirigentes em escala inferior, ou executivos. Podem, sem dúvida, alguns elementos dos corpos gerentes assumir dupla individualidade, ou ainda múltipla individualidade, em relação à mesma empresa, e por essa razão fazer parte simultaneamente de outro ou de outros grupos de participantes no rendimento. Mas a circunstância, a verificar-se, não invalida a sua figuração no grupo dos participantes a título de trabalho.
Ora no seio deste grupo podem diferenciar-se várias categorias, quando se atender à forma como os seus componentes se inserem no complexo económico para partilharem do rendimento nacional, ou seja o modo por eles utilizado para a percepção do rendimento, os processos a que recorrem para criarem o fluxo do poder de compra necessário à sua subsistência. Não interessam aqui, para esta finalidade, nem o montante do rendimento individual, nem a aplicação que deste se faça, senão na medida em que esses dois elementos possam reagir sobre o comportamento usado pelo beneficiário para a sua obtenção.
E assim, entre os assalariados - aplicando a todos os componentes do grupo esta designação genérica, que um uso puramente convencional de certo modo adulterou - podem distinguir-se os manuais, que mantêm contacto directo com a matéria e sujeitos às contingências derivadas desse contacto, e os não manuais. Estes, por sua vez, podem assumir a qualidade de simples assalariados de execução; de assalariados qualificados desempenhando funções de categoria mais elevada (por disporem de um capital imaterial, uma cultura de nível superior ao da maioria dos membros da comunidade); finalmente, de assalariados de circunstância, como alguns lhes chamam, ou seja os administradores, que juridicamente considerados formam os órgãos da empresa, englobando nessa categoria todas aquelas unidades que no projecto de lei se consideram membros dos corpos gerentes. E evidente que esta enumeração de categorias não goza do dom de exclusividade; o estudo específico de determinada comunidade poderia ditar outra diferente, dotada de menos ou de mais dilatada discriminação.
12. A categoria dos administradores é caracterizada pela relativa independência das suas decisões. Se compartilham da administração de várias empresas, o que não é raro, acresce ainda o campo de exercício da sua liberdade de acção. As suas remunerações, os seus salários, dependem, em estreita medida, do grau de prosperidade das em prosas que servem, mas é de notar que não há dependência necessária entre os lucros da empresa e essas remunerações, pois ainda que a empresa registe prejuízos nem por isso o administrador deixa de ser remunerado. Esta caracterização, a que poderiam aditar-se outras, nomeadamente de carácter institucional e jurídico, distingue a categoria dos administradores, na repartição do rendimento, das outras categorias de assalariados.
Quanto a, estas últimas, tem-se procurado dar-lhes, de forma geral e por toda a parte, crescente protecção distributiva, quer através do salário directo, quer através do salário indirecto. Luta-se contra o egoísmo de alguns - entre nós os contratos colectivos de trabalho e os despachos de regulamentação do trabalho são sinal do empenho que se tem posto nessa luta -, a quem custa convencer que o salário já não deve ser considerado como o simples preço do factor produtivo trabalho, antes como a remuneração de um ser humano, pois o homem, quando cede o seu trabalho ao processo produtivo, cede algo que se incorpora nele próprio, no seu ser físico e no seu ser anímico. Ver o trabalho em si, sem atender às condições da sua cessão, é não ver os homens por detrás do esforço que emprestam.
É nesta sequência que o salário vai perdendo por toda a parte, dia a dia, a correspondência com o trabalho, medido ùnicamente pela quantidade fornecida. Ao salário directo, já de si, pela limitação do mínimo do seu quantitativo, a afastar-se daquela sumária medição valorativa vem acrescer o salário indirecto, consubstanciado na série de prestações sociais (abono de família, subsídio na doença, assistência medira, pensão de reforma, auxílio na maternidade, protecção contra acidentes, etc.), este a debilitar, cada vez mais, a correlação entre o montante do salário global e o contributo do assalariado para o produto nacional, avaliado exclusivamente, pela quantidade de trabalho que ele prestou. Pode até chegar a anular-se essa correlação, como é o caso da reforma, doença ou invalidez, em que o subsídio ao assalariado não responde a qualquer actual esforço produtivo da sua parte.
Se, nestes termos, o salário directo é fixado em contemplação de certo número de parâmetros, de índole diversa, entre os quais avulta, sem dúvida, o valor do trabalho oferecido, a fixação do salário indirecto tem caracterizadamente a feição subjectiva, atende à pessoa do assalariado. É exemplo frisante o critério ultimamente adoptado pelo Governo na fixação do abono de família, variável consoante o número de filhos do servidor do Estado, sem qualquer dependência do nível do salário directo.
Estas prestações sociais são em regra, e sobretudo no que respeita ao sector privado, concedidas através de organismos que constituem o elo de solidariedade entre as empresas e os trabalhadores e, por vezes, também entre as empresas a todos os membros da comunidade, quando se verifique a intervenção do Estado, através o seu orçamento.
Mas embora com esta dupla caracterização, que as distingue do salário directo, sem dúvida as prestações sociais constituem um complemento desse salário, um salário indirecto, cujo adicionamento ao primeiro vai compor o salário global.
13. É incontestável que a melhoria do salário global, sobretudo à custa do acréscimo do salário indirecto, tem favorecido, aliás por imperativo da justiça, os assalariados das categorias médias e inferiores. E tal
Página 441
18 DE MARÇO DE 1960 441
melhoria, pela segunda das características assinaladas, traduz uma redistribuição do rendimento, transferindo para salários parte do que até então se inscrevia como juros, rendas ou lucros. Quer dizer, tem-se verificado, e continuará decerto a verificar-se, a redistribuição vertical do rendimento, isto é, novos arranjos distributivos entre os grupos primários dos participantes.
Mas a justiça social, que imprimo com vigor crescente, a sua marca no complexo das relações humanas, exige mais. Hoje proclama-se, em seu nome, uma nova aspiração: além da redistribuição vertical, é necessário processar a redistribuirão horizontal do rendimento, isto é, importa modificar também o jogo da sua repartição entre as várias categorias componentes do mesmo grupo de participantes. Em resumo, a redistribuirão deve ser, a um tempo, vertical e horizontal, ou, para usar de léxico já consagrado, a redistribuirão deve ser oblíqua. Em outros termos, a redistribuição de tipo puramente funcional deve ceder lugar a redistribuição que seja, a um tempo, funcional e pessoal ou, ainda, a redistribuição simplesmente comutativa deve ser corrigida pela redistribuição distributiva.
Apesar de ainda serem raras, mesmo lá fora, as iniciativas de redistribuição horizontal, encontra-se entre nós recente exemplo nos Estatutos do Banco de Fomento Nacional (Diário do Governo n.º 170, 1.ª série, de 3 de Agosto de 1959), quando neles se prescreve a participação dos empregados nos lucros do mesmo Banco (3 por cento), em paralelo com a participação dos conselhos de administração e fiscal (1 por cento), participações que preferem à distribuição de dividendo às acções, não podendo este exceder 8 por cento. E vem a propósito acentuar três notas relevantes. A primeira, que respeita à redistribuição horizontal, está na diferenciação, em favor dos empregados, das porcentagens de participação: a segunda, de alto significado na redistribuição vertical, refere-se à prioridade concedida àquelas participações sobre a distribuição dos lucros aos accionistas, o que significa ficar a remuneração destes condicionada à, participação dos assalariados; finalmente a terceira, com implicações em ambos os tipos de redistribuição, consiste na limitação dos lucros distribuídos - dividendo máximo de 8 por cento.
É verdade que já há 33 anos o decreto orgânico do Banco de Angola (Diário do Governo n.º 180, 1.ª serie, de 17 de Acosto do 1926) provia também a participação do pessoal; mas então não nos lucros, antes no remanescente destes, após a distribuição do dividendo, fixado expressamente em 8 por cento. E tal participação igualava a participação dos corpos gerentes - 10 por cento daquele reliquat. Pode notar-se neste dispositivo um assomo de redistribuição horizontal, na medida em que só prevê a participação dos empregados, ao lado dos corpos gerentes, nos lucros do Banco. Mas não só a iniciativa, quanto a essa redistribuição, se apresentava débil pela igualdade das percentagens atribuídas às duas categorias de beneficiários, como se desprezava, a redistribuição vertical, concedendo prioridade à distribuição do dividendo, sujeito este embora a um limite máximo, sobre a referida participação.
14. Ora no projecto um apreciação estipula-se a limitação de remunera coes dos assalariados de circunstância, o que significa, ceteris paribus, ser reforçado o montante dos lucros das empresas à custa dos excedentes no limite fixado. Cria-se, desta forma, uma redistribuição de exclusiva verticalidade, e para mais de sentido contrário ao comandado pela política social. Acresce ainda que nenhum efeito se suscita atinente à redistribuição horizontal.
Não se julgue, no entanto, que o incitamento a este tipo de redistribuição se deve processar sem quaisquer reservas. Ainda que, directamente interessados, nela intervenham apenas componentes do mesmo grupo de participantes do rendimento, ao movimento de transferência não são estranhos, pelas suas consequências, os outros grupos; não se trata, para estes últimos, de uma simples res inter alios acta.
É que a referida transferência, processando-se no sentido das unidades de maior nível de rendimento pura unidades de menor nível de rendimento, arrasta implicações sobre o aforro, e portanto sobre o investimento e também sobre o consumo. Esta última até pode dar origem à inflação dos preços, susceptível de anular, ou mesmo superar, o benefício das unidades contempladas pela redistribuição, se de tal forma vissem diminuídos os seus salários reais. Por outro lado, e sobretudo numa economia como a nossa, em via de desenvolvimento, a debilitação da poupança, com os seus reflexos no investimento, podo prejudicar a política de crescimento económico.
Isto significará porventura que a redistribuição tem de ser promovida com ritmo não demasiadamente acelerado, para que não surjam efeitos, depressivos sobre o dinamismo do crescimento e o prejuízo daqueles cujo benefício se procura. A mesma prudência ainda é aconselhável pela contemplação dos parâmetros de ordem ética e de ordem psico-sociológica, sempre presentes em qualquer fenómeno económico e nomeadamente neste, da redistribuição dos rendimentos; cita-se, em especial, a rigidez das estruturas mentais de alguns sectores do corpo social, a qual tem de ceder lugar a uma plasticidade propícia à atenuação de antagonismos, por vezes insidiosamente alimentados. Como tantas vezes sucede na economia, providências impopulares produzem no tempo os seus bons frutos.
E a dominar este conspecto tenha-se presente que a redistribuição do rendimento tem por fim último a melhoria geral das condições de vida, mas que esta só poderá, ser alcançada se, a par de todas as outras providências, cada um produzir mais no mesmo tempo, cada um aumentar a sua produtividade.
Para finalizar apenas uma nota mais. Não seria possível enfrentar certos problemas, como o da redistribuição do rendimento, se não fora verificar-se essencial condição prioritária: a estabilidade do valor da moeda. No número de Setembro último do boletim do The First National City Bank of New York, e conforme já foi referido no relatório que precede a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1960, figuram ordenados 35 países, para cada um dos quais só indica a depreciação das respectivas moedas, medida pelo aumento do custo oficial da vida ou pelo índice dos preços de consumo. Obedecendo a ordenação dos 35 países à decrescência do índice do valor da moeda em 1958 relativamente ao valor de 1948 (índice 100), Portugal encabeça a lista, logo no primeiro lugar, com o índice 94, seguido imediatamente pela Suíça, com o índice 90, e pelos restantes 33 países com índices sucessivamente decrescentes. Há três dezenas de anos desfrutamos esse dom, que muito recentemente ainda um eminente economista, inspirador do chamado «milagre alemão» (como se fora milagre o trabalho produzir seus frutos ...), disse dever ser inscrito entre os direitos fundamentais de todos os cidadãos. E desfrutamo-lo em resultado de uma política iniciada e prosseguida indefectivelmente até aos nossos dias. Mas são passados 30 anos; talvez seja bom recordar o que a precaridade da memória dos homens tenha ajudado a esquecer.
Página 442
442 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154
§ 4.º A limitação das remunerações e os Imperativos de carácter social
15. Pondere-se agora o proposto sobre limitação de remunerações, admitindo que com ele se visa uma finalidade eminentemente social.
Quase todas as considerações produzidas anteriormente são válidas e tempestivas neste particular. Na realidade, abordaram-se vários aspectos sociais, ou na sua pureza ou na sua concomitância com aspectos económicos. Só se acrescentarão, por isso, breves notas que, parece, se tornam necessárias.
O preceito proposto poderia conduzir, como já se disse, à imitação do salários em lucros, ao benefício dos prestadores de capital, em detrimento de alguns prestadores de trabalho. Decerto, com tal providência, na parte relativa à amputação dos proventos dos últimos, os assalariados da circunstância, se aborda um aspecto social - o do contraste entre altos e baixos salários. Mas parece não ser completa a solução, porque, pretendendo-se acudir a um anseio social, se vai atinai responder negativamente a outro anseio, porventura dotado de maior vigor do que o primeiro.
Na realidade, por motivos e pretextos sobejamente conhecidos, verifica-se uma tendência para o antagonismo entre capital e trabalho. Está na ética do Estado obviar a tal tendência, fazendo-a substituir pelo espírito de cooperação e solidariedade. A expressão deste princípio encontra-se bem patente na Constituirão (v. g., artigos 31.º e 35.º) e no Estatuto do Trabalho Nacional (c. g. artigos 11.º, 14.º, 20.º e 32.º).
Ainda se viu recentemente, nos estatutos do Banco de Fomento Nacional (artigo 18.º, § único), admitir-se a possibilidade de a participação nos lucros, por parte do pessoal, poder revestir a forma de «títulos de trabalho», com o objectivo de associar os empregados aos interesses do Banco, objectivo, aliás, previsto também na Constituição (artigo 36.º) e já prosseguido anteriormente por outras empresas.
Os termos do projecto, com os efeitos atrás assinalados, militam afinal contra esta orientação salutar. E, como já se disse, há o maior interesse, de todos os
pontos de vista, em atenuar sucessivamente, até anuir, os antagonismos de certos grupos de participantes na distribuição do rendimento, nomeadamente cedentes de trabalho o cedentes de capital, antagonismos resultantes da rigidez das mentalidades que os animam. Neste aspecto teria extraordinária relevância qualquer iniciativa dirigida à inspiração de providências destinadas a ampliar a aplicação do limite mínimo de salário, princípio consignado no artigo 24.º do Estatuto do Trabalho Nacional e a que acima (§ 2.º) já se fez referência.
§ 5.º A limitação das remunerações e a restrição das possibilidades de trabalho
16. A consideração do projecto sobre limitação das remunerações, agora observado do ângulo de pressuposta restrição das possibilidades de trabalho, parece não oferecer justificação suficiente.
O exame písico-sociológico - com a inevitável precariedade que lhe é peculiar - dos elementos afectados pela providência em vista leva a supor que o objectivo não seria alcançado, pelo menos totalmente. Na verdade, os assalariados superiores, ou de circunstância, não são movidos exclusivamente pelo proveito material; aspiram também, no desempenho dos cargos que ocupam, à consagração social, à satisfação, porventura civada de sentimento a que a vaidade não é estranha, de participar na direcção das grandes empresas, e ainda talvez à perspectiva das possibilidades de elevação na escala hierárquica social. Deste modo, e admitidas embora, como cabe, as excepções à regra, não seria de esperar, na generalidade dos casos, a desistência do desempenho das funções que a esses assalariados estão cometidas motivada pelo simples facto de se impor uma limitação rigidamente uniforme dos seus proventos.
Por outro lado, parece que o aspecto focado perde relevância ao ponderar-se o que entre nus se está passando no momento actual. Levantam-se com frequência sérias dificuldades em encontrar quem reúna o mínimo de condições indispensáveis à direcção de organismos económicos e se disponha a assumi-la, dificuldades que não se limitam ao sector privado, mas se deparam até no sector público. E bem patente a míngua de elementos de escol, fruto, porventura, de uma estagnação de que só há algumas décadas nos estamos libertando, mais acentuadamente na última, e ainda de «todos não sermos demais». E enquanto não se atenuar de forma sensível esta escassez, que afecta a eficiência social, há de reconhecer-se a licitude de certas acumulações em empresas privadas, que, aliás, a Constituição (artigo 40.º) não proíbe, mas apenas contraria. Em contraste com esta exiguidade, é incontestável que entre nós se verifica uma acentuada capilaridade social; são, por felicidade, relativamente numerosos os exemplos de ascensão dos mais aptos, sem quaisquer pergaminhos que não sejam as suas comprovadas qualidades de trabalho. E este panorama decerto se acentuará na medida em que for incentivado o processo de crescimento da nossa economia em que todos estamos empenhados e que levará ao revigoramento da acção anuladora de quaisquer vestígios de diferenciação de estratos sociais.
4 6.º A limitarão das remunerações e os eventuais abusos do poderio económico
17. Considere-se o projecto no mesmo aspecto da limitação das remunerações, mas agora do ângulo da pretendida oposição ao despontar dos possíveis abusos do poderio económico.
O fenómeno do crescimento económico não se limita ao alargamento das dimensões dos elementos constituintes do sistema económico; a observação histórica revela que ele é susceptível de implicar também alterações na própria estrutura do sistema, uma dessas alterações diz respeito às formas dos mercados; na medida em que o crescimento se processa, os mercados exibiriam mais acentuadas tendências oligopolísticas e oligopsonísticas, com origem, na generalidade dos casos, no agrupamento de empresas, que passariam assim a exercer o domínio dos sectores-chave, muitas vezes reforçado por ligações financeiras a que os grupos resultantes recorreriam.
Tais grupos de interesse polarizariam o domínio económico, domínio que porventura se alargaria a outros campos, nomeadamente o político, pela influência exercida sobre os poderes públicos - e seria esta última a característica que permitiria apelidar de grupos de pressão aqueles grupos de interesse. E essa pressão, por parte dos grupos de empresas, sobre a própria estrutura política poderia até vir a exercer-se através da dissimulação dos manejes, prática que tão caracterizadamente se apodou de lobbysm, na intenção de atribuir a tais manejos o ambiente propício das antecâmaras.
Sem dúvida o crescimento económico no quadro da produção impõe o recurso a novas combinações produtivas, a novas técnicas, já adoptadas em outras comunidades mais evoluídas ou, nos dias de boje, em que a descoberta cedeu lugar à invenção, acabadas de conceder pela ciência. E a evolução histórica da técnica assinala-se pela exigência de crescentes dimensões de algumas unidades de produção. Está aí a razão da
Página 443
18 DE MARÇO DE 1960 443
tendência para a extensão das dimensões das empresas, como está aí também uma das razões, porventura a fundamental, da criação de agrupamentos de empresas como solução conciliatória dos ditames da técnica e dos desejos de sobrevivência de unidades preexistentes, sujeitando-se estas embora a amputações da sua liberdade de acção. A evolução desenvolve-se, como querem alguns, no sentido do capitalismo atomístico para um capitalismo molecular.
18. Se no campo empresarial este sentido do processo histórico faz surgir a eventualidade da criação do poder económico pela formação de grupos de interesse, aos inconvenientes desse poder se deverá obstar pela chamada de dois outros poderes com susceptibilidades de actuação também no domínio do económico: o poder sindical e o poder do Estado, poderes compensadores na terminologia já consagrada. E a forma mais correcta de estabelecer o jogo desses três poderes é dispô-los e enquadrá-los de tal sorte que as respectivas forças constituam um sistema cuja resultante responda ao bem comum - o sentido do capitalismo benéfico, capitalismo progressivo ou, mais expressivamente, da economia de organização.
Em outros termos, para que seja salvaguardado o interesse colectivo é necessário institucionalizar os três poderes, ou, numa palavra, importa conceder-lhes organicidade corporativa. E a verdade deste asserto assume tal evidência que em países ainda apegados a um pluripartidarismo político com representação, e onde se verificam as pressões dos três poderes, não salutarmente canalizadas pela via institucional, antes defeituosa e perigosamente exercidas através dos partidos políticos, cujos programas doutrinários ficam de tal sorte postergados, se levantam vozes a reconhecer os malefícios de um regime híbrido definido pela sobreposição de um arremedo corporativo, sem existência legal e, portanto, com presença apenas de facto, a uniu orgânica que com impropriedade se apoda ainda de politicamente representativa. O mesmo significado assume a recente proposta da Comissão Cohen, em Inglaterra, de criação de um conselho representativo das Trade Unions, das organizações patronais e do Estado, para a negociação de contratos colectivos de trabalho. E assim naquelas comunidades não assinaladas por economias de direcção central o pendor para a organização corporativa é um facto, reconhecido umas vezes; outras, talvez por necessidade de política partidária, ainda não declarado.
Torna-se necessário um Estado forte, com autoridade que dimana da independência e da isenção, sem ligações políticas que arrastem a compromissos. Só um Estado forte pode, com o seu poderio, manter o equilíbrio das outras duas forças em presença - a dos grupos empresariais e a dos grupos sindicais. Mas que cuidado e vigilância exige o exercício do poder do Estado! Ele tem de se conter nos limites estritamente marcados pelo interesse colectivo e pelo risco de se tender para a estatização socializaste, para um cripto-estatismo ou, como querem alguns, socialismo sem programa, campo árido em que deixam de ter voz o estímulo e a iniciativa criadora do quo só as unidades privadas são detentoras.
19. Somos, constitucionalmente, uma república unitária e corporativa. A esse princípio ético se dirige, como importa, a nossa legislação. Nela se encontra fortemente assinalado o desígnio de substituir a luta ou oposição pela cooperação ou solidariedade, como nela se sublinha a consagração de um Estado forte e a este se impõem limites no exercício do poder económico.
E assim, só para citar, além da Constituição, um dos diplomas fundamentais, se invoca o Estatuto do Trabalho Nacional. Logo no seu artigo 2.º se ditam os fins a contemplar na organização económica da Nação: «realizar o máximo da produção e riqueza socialmente útil e estabelecer uma vida colectiva de que resultem poderio para o Estado e justiça entre os cidadãos». No artigo 4.º traça-se já uma fronteira intransponível ao exercício do poder estadual: «O Estado reconhece na iniciativa privada o mais fecundo instrumento do progresso e da economia da Nação», fronteira cuja definição o artigo 6.º completa nos seguintes termos: «O Estado deve renunciar a explorações d u carácter comercial ou industrial, mesmo quando se destinem a ser utilizadas no todo ou em parte pelos serviços públicos, e quer concorram no tampo económico com as actividades particulares, quer constituam exclusivos, só podendo estabelecer ou gerir essas explorações em casos excepcionais, para conseguir benefícios sociais superiores aos que seriam obtidos sem a sua acção ...». Depois, no artigo 7.º, define-se o sentido de actuação do Estado:
O Estado tem o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social, determinando-lhes os objectivos e visando designadamente o seguinte:
1.º Estabelecer o equilíbrio da produção, das profissões, dos empregos, do capital e do trabalho;
................................................................................
3.º Conseguir o menor preço e o maior salário compatíveis com a justa remuneração dos outros factores de produção ...;
4.º Promover a formação e o desenvolvimento da economia nacional corporativa num espírito de cooperação que permita aos seus elementos realizar os justos objectivos da sociedade e deles próprios, evitando que estabeleçam entre si oposição prejudicial ou concorrência desregrada, ou que pretendam relegar para o Estado funções que devem ser atributo da actividade particular;
5.º Reduzir ao mínimo indispensável a esfera do seu funcionalismo privativo no campo da economia nacional.
As imposições aos detentores dos factores produtivos são enumeradas da seguinte forma: «A propriedade, o capital e o trabalho desempenham uma função social, em regime de cooperação económica e solidariedade» - assim reza o artigo 11.º; no artigo 14." particulariza-se: «Sobre o capital aplicado em explorações agrícola, industrial ou comercial impende a obrigação de conciliar os seus interesses legítimos com os do trabalho e os da economia pública»; no artigo 20.º continua-se: «Compete às entidades patronais cooperar com o Estado e com os organismos corporativos na melhoria das condições económicas dos seus trabalhadores dentro dos justos limites ...», estes definidos, num sentido de perfeito equilíbrio, no artigo 16.º. ao dispor-se que os interesses ou os direitos do trabalho não podem prevalecer sobre o direito de conservação ou amortização do capital das empresas e sobre o direito do seu justo rendimento, e ao particularizar-se, agora em relação ao trabalho, no artigo 22.º: «O trabalhador intelectual ou manual é colaborador nato da empresa onde exerça a sua actividade e é associado aos destinos dela pelo vínculo corporativo».
E até se encontra expressa no Decreto-Lei n.º 23 049, de 23 de Setembro de 1933, que instituiu as regras de organização facultativa dos grémios, a menção do repudio pelo «predomínio das plutocracias», como um dos deveres a eles impostos - eles, os grémios, «órgãos representativos das entidades patronais e do capital», como esclarece o mesmo diploma.
Página 444
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154 444
Este é o sentido, nítido e claro, da nossa legislação, de que ficam apontados apenas alguns excertos.
20. Perante este conspecto não parece que assuma significado o projecto, nos termos em que foi apresentado e no tocante à limitação das remunerações dos corpos gerentes, como forma de oposição a eventuais abusos de poderio económico.
Em primeiro lugar, a aplicação generalizada de uma providência rigidamente uniforme nem concede eficiência repressiva, nem permite a distribuição de justiça. Os casos que em cada momento podem deparar-se assumem tal diferenciação, tão profundas dessemelhanças, tão variados efeitos, que a justiça lia repressão, a ser esta tempestiva, assim como a eficiência da mesma repressão, só poderão alcançar-se pela perquisição e julgamento de cada um. Bem se diz no relatório que precede o projecto de lei contra o abuso do poderio económico apresentado às Câmaras Legislativas da Bélgica em Junho de 1959 não ser aconselhável tomar atitude apriorística a favor ou contra as potências económicas ; o Governo, lê-se no mesmo relatório, não condena os agrupamentos empresariais, antes se limita a reconhecer a sua existência e por ela o perigo do poder económico. Provada que seja a realidade de abuso, e só em tal caso, procedem então as penalidades. É que, como aí se diz - e acima já se fez meação desta nota -, o fenómeno do agrupamento do empresas, lautas vezes criticado, não devo ser sistematicamente considerado como um mal no estado presente da economia europeia: procede, em tantos casos, de uma evolução inelutável. Além disso, apresenta muitas vezes vantagens importantes que, ainda no dizer do mesmo relatório, a doutrina económica e a experiência tem tornado evidentes: redução do custos, pela racionalização da produção; estudo colectivo e completo dos mercados, para corrigir certos inconvenientes da concorrência desregrada ; adaptação exacta dos investimentos às necessidades ditadas pelos mercados; - especialização de empresas; organização e distribuição dos mercados e consequente redução dos custos de venda; prevenção das flutuações exageradas dos preços, do produto e do emprego, etc. Com fundamento nestas considerações, o projecto de lei citado prescreve penalidades, mas sem lhes emprestar precisão: providências julgadas oportunas para pôr termo ao abuso verificado. Só nos casos de não cumprimento das penalidades impostas ou de reincidência, o projecto de lei belga adopta maior concretização: interdição de um prazo determinado, ser chamada a funções de administração pessoa já titular do mandato análogo em sociedade concorrente no mercado visado, etc.
Por outro lado, o projecto de lei em apreciação, nos termos em que foi concebido, e como antes já se notou, destituía rendimentos-salários, para os titular rendimentos lucros. A concentração de rendimento no sector empresarial, desta forma produzida, militaria com efeitos contraproducentes, contribuindo porventura para o acréscimo do poderio económico, caso ele já se desenhas-se, e revigorando a eventualidade do abuso desse poderio.
E assim, na hipótese de se julgar que o Governo deve no momento actual usar de maior energia na afirmação dos princípios consignados na lei e relativo à defesa do sistema económico contra os malefícios do abuso do poderio de algumas unidades privadas, não seria o projecto em exame, pela forma que lhe foi imprimida, o instrumento de colmatação dessa possível lacuna. Na sua formulação teria que presidir outro sentido e deveria ser atribuída ao Governo mais vasta
latitude de julgamento e de acção.
§ 7.º A limitação das remunerações e a moralização da administrarão pública
21. Finalmente, dos pressupostos admitidos como eventualmente inspiradores da proposta em análise, na parte relativa à limitação de remunerações, resta considerar o do imperativo da moralização da administrarão pública.
Os pressupostos anteriores implicam, pelo menos em parte, e directa ou indirectamente, atitudes do Governo. Estas atitudes, por princípio apriorístico, hão-de emergir de um sentido de moralização e eficiência. Algumas das considerações que vão seguir-se constituem forçosamente repetição, em termos diversos embora, de algo do que atrás fica dito.
A época actual postula a existência de um Estado forte. E este postulado distingue-se pela universalidade da sua aceitação: os sistemas políticos das mais opostas tendências aceitam-no incondicionalmente.
Para ser forte, o Estado necessita usufruir de poder de constrangimento. Mas este poder de constrangimento pode ser violência -e é nalgumas comunidades- ou pode ser força- como exigem os nossos princípios constitucionais.
Tal força há-de dimanar da autoridade que só a moral empresta. E para que esta não seja maculada, o Estado tem de garantir e conservar a essência da unidade nacional pelos laços da paz, da solidariedade, da coordenação de todos os elementos que compõem o complexo de energias e de interesses nacionais, de forniu a conservar-se sempre fora e acima de todos esses interesses; se neles se enleia, neles se corrompe.
22. O Estado Corporativo generalizou a descentralização institucional. Facultou a organização de instituições representativas de certos interesses - ou promoveu-a, a titulo transitório, quando a iniciativa privada ainda não se manifestara - e deixou a tais instituições a autodirecção dos interesses representados, reconhecendo-lhes até a qualidade de entidades de direito público e atribuindo-lhes funções inerentes, como a celebração de contratos colectivos de trabalho. Os sindicatos, Casas do Povo e dos Pescadores (estas, organismos de cooperação social) e grémios, como órgãos primários, as federações e uniões, como órgãos secundários, e as corporações, como órgãos superiores, constituem a expressão orgânica dessa institucionalização.
Esta ordenação, que não afoga a actividade privada nem a iniciativa individual, tem de representar a solidariedade e u cooperação, dirigidas ao interesse supremo que é o da Nação e com o mérito de a actividade de cada um não ser funcionalizada sob a égide do Estado. Desta solidariedade e cooperação haverá de resultar a criação do ambiente moral propício à não existência de factos condenáveis, tornando desnecessária a intervenção correctora do Estado.
23. Mas se a corporação é um órgão social distinto do Estado, ao qual cabe tornar efectiva a subordinação do interesse individual ao interesse colectivo, tal não significa que o Estado permaneça abúlico, como simples espectador, ou. quando muito, como agente garante da ordem. A moralização da administração pública e da vida do País é matéria da competência específica do Estado. A este pertence também a coordenação da acção corporativa e a sua fiscalização; incumbe-lhe ainda, sempre em plano superior, estimular, incitar, orientar, animar, auxiliar a iniciativa privada, seja qual for a forma legítima por que ela se revele, e manter condições indispensáveis - e variáveis no tempo - a esta revelação. Assim, o Estado, para colaborar na prosperidade de Iodos e de cada um, impli-
Página 445
18 DE MARÇO DE 1960 445
citamente terá também de corrigir os desmandos ou os desvios de actuação que ameacem ferir o interesse nacional. Para tanto usará da força que lhe advém da autoridade, esta concedida pelo prestígio moral - o Estado necessita ser forte.
Por esta razão o Governo deve manter contínua vigilância para que não sejam ofendidos os princípios que consagram a posição superior do Estado perante o agregado nacional. Em especial, o Governo deve a todo o custo evitar qualquer acto ou gosto que possa constituir motivo, mesmo pretexto, para no conceito público se gerar a ideia de que ele se enredou na trama dos interesses privados; o sen prestígio, n sua autoridade, a sua força, portanto, seriam danosamente afectados. E, por translação, lesar-se-ia no mesmo sentido o próprio Estado.
24. Em tais termos, se o Estado é garante do interesse comum, e se este. no juízo do Governo, está a ser afectado por determinadas tendências, reveladas no sector privado, o Governo não pode, nem deve, assistir apático ao aparecimento dessas tendências. Deve intervir, mas para intervir, sem risco de afectar a sua autoridade, terá de manter em permanente contemplação os princípios dos quais a sua força emerge. E, assim, importa que ele, ajuizando do condicionamento circunstancial no tempo, recorra a meios que obviem a tal ofensa, mas assumindo o seu papel de garante do bem comum e mantendo-se em plano que domine o referver dos interesses em jogo.
E porque não seria possível encontrar mais perfeita síntese do que fica dito, transcreve-se o seguinte passo do relatório do diploma que instituiu a organização facultativa dos grémios (Decreto-Lei n.º 24 715, de 3 de Dezembro de 1934):
Tem-se afirmado repetidas vezes que o Governo não tem um vista absorver as actividades nacionais, nem quanto ao seu exercício nem quanto à sua direcção. Ressalvado o papel que o Estatuto do Trabalho Nacional lhe confere, tudo se orienta no sentido de preparar a autodirecção da economia por meio dos organismos corporativos - única fórmula susceptível de conservar o que se afigura essencial para dar àquela uma ordenação sã: a iniciativa privada, a concorrência legítima, a cooperação metódica e leal das actividades organizadas, o Estado independente e forte para coordenar todos os interesses em ordem ao bem comum.
§ 8.º As acumulações e incompatibilidades; sua análise conjunta
25. Terminado o exame do primeiro aspecto fundamental revelado na economia do projecto em análise - o da limitação das remunerações -, importaria considerar neste momento o das acumulações, a que se seguiria o exame do terceiro aspecto, o das incompatibilidades.
Mas acumulações e incompatibilidades são como já se afirmava no relatório do Decreto n.º 15 538, de 1 de Junho de 1928, «duas faces do mesmo problema». Parece que haverá vantagem em tratar conjuntamente os dois aspectos, tanto mais que sendo em regra os diplomas que a eles se referem comuns, se evitará de tal sorte a exagerada repetição de citações.
Desde já se faz notar que no projecto se atribui, extensivamente, ao vocábulo «acumulação» (artigo 4.º) conceito mais lato do que aquele que de corto modo se tornou tradicional e foi até agora perfilhado, como regra, pela legislarão. Segundo este último, as acumulações respeitam simplesmente a funcionários públicos movendo-se no quadro das funções públicas (v. relatório do Decreto n.º 15 538, de 1 de Junho de 1928); no projecto aplica-se o termo com referência a indivíduos não necessariamente funcionários públicos e movendo-se nos domínios do sector privado, aliás com critério semelhante ao perfilhado pelo artigo 40.º da Constituição. E no relativo a incompatibilidades o conceito legal também foi, no projecto, de certo modo ampliado quando ultrapassar a interdição da simultaneidade do exercício de certas funções públicas e particulares e lhe atribuiu força imperativa diferida no tempo.
A preocupação dos governos pelo problema das acumulações e incompatibilidades está nitidamente expressa na longa teoria de diplomas que desde há muito as regulam. Já antes se citou (n.º 1) disposição de 1839. Por Decreto de 15 de Junho de 1870 proíbem-se as acumulações nas aposentações, jubilações e reformas o determina-se a incompatibilidade da pensão de inactividade com qualquer vencimento do serviço activo pago pelo Estado ou por estabelecimento subsidiado pelo Estado, salvo - e a excepção tem sabor por a vermos também invocada em legislação dos nossos dias - se daí resultar economia para o Tesouro.
Sem qualquer preocupação de enunciar exaustivamente os diplomas relativos à matéria, citaram-se estes por se situarem, no tempo, pelos meados do século XIX o revelarem, por isso, uma atitude que já vero de trás. E a uns tantos outros se faz em seguida referência.
Com data de 18 de Setembro de 1919, a Lei n.º 888 impõe um limite às remunerações do funcionalismo público, ainda que elas provenham de acumulações - sentido semelhante ao desenhado no projecto em apreciação, mas com a flagrante diferença de apenas se circunscrever an funcionalismo público.
A Lei n.º 1356, de 15 de Setembro de 1922, refere também as regras a seguir no abono de melhoria de vencimentos em caso de acumulação do funções públicas.
O Decreto n.º 8488 de 17 de Novembro de 1022, que estipula do mesmo intuiu sobre abonos em caso de acumulação, apresenta um considerando digno de reter: «a acumulação de funções no mesmo indivíduo representa para o Estado uma diminuição de despesa, pois que o funcionário deixa de perceber unia parte importante do vencimento inerente ao lugar que acumula, competindo-lhe, até, num grande número de casos, uma simples gratificação».
O Decreto n.º 12 527, de 23 de Outubro de 1926, que revogou o ao tempo ainda muito recente Decreto n.º 12 493 de 13 de Outubro de 1926, denuncia o ambiente emocional peculiar às grandes mutações políticas. Ainda não decorrera um ano sobre o início da Revolução Nacional. E a própria revogação de um decreto dez dias após a sua publicação, para o substituir por novo diploma regendo matéria análoga, mostra à evidência u excitação do momento.
Logo no seu artigo 1.º esse decreto estabelece uma série de incompatibilidades: de numerosas funções públicas (Ministro ou Subsecretário de Estado, membro do Poder Legislativo, director-geral chefe de repartição, vogal dos conselhos de administração dos serviços do Estado, magistrado, etc.) com numerosas funções do sector privado, e quer estas fossem remuneradas, quer exercidas gratuitamente (advogados, consultoras jurídicos, membros da direcção, administração ou conselho fiscal de empresas ligadas ao Estado por laço contratual e das que explorassem o comércio bancário). Estas incompatibilidades manter-se-iam durante o desempenho das funções públicas e durante os três anos consecutivos à data em que elas tivessem cessado. Por outro lado, e como atenuação do rigor, admitia-se
Página 446
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154 446
que os indivíduos eleitos ou nomeados para as funções públicas enunciadas, à excepção dos Ministros e Subsecretários de Estado, e que fossem representantes do Estado ou pelo Estado indicados para membros dos conselhos de administração e fiscais das empresas mencionadas, pudessem continuar nos seus lugares.
A severidade do preceito era levada ao ponto de (artigo 3.º) os funcionários públicos que houvessem renunciado, por incompatibilidade, aos seus lugares nas empresas não poderem ser substituídos por seus ascendentes nu descendentes por consanguinidade ou afinidade, nem por irmãos ou cunhados. Por outro lado (artigo 7.º), os membros dos corpos gerentes dos bancos emissores não poderiam acumular essas funções com outras idênticas em quaisquer sociedades ou empresas.
Mais tarde, em 23 de Junho de 1927, passado agora já um ano sobre o deflagrar da Revolução Nacional, surge o Decreto n.º 13 810, relativo a acumulações. Por ele se determina a proibição de acumulações de soldos, ordenados ou vencimentos de categoria dos funcionários públicos; verificando-se acumulação de cargos públicos, o funcionário receberia por um deles a totalidade das remunerações que lhe coubessem e pelos restantes somente a remuneração de exercício. O Decreto n.º 14 594, de 19 de Novembro de 1927, dispõe semelhantemente e de forma especial em relação aos funcionários docentes.
Mais um ano volvido, começa a notar-se acalmia da atmosfera emocional; o legislador apega-se mais às realidades e vai perdendo o sentido excessivo da renovação, de tudo considerar obsoleto e carecedor de reforma. Não estão ainda, porém, lançados os novos fundamentos políticos do Estado. Publica-se então, com data de 1 de Junho de 1928, o Decreto n.º 15 538. O relatório deste decreto já constitui notável sistematização, enunciação clara do problema e prenúncio de algumas ideias mestras que haveriam de inspirar os princípios mais tarde constitucionalizados. Deste relatório já acima foram aspados alguns passos. Mas convém, para completa inteligência da evolução do pensamento e concluir da serenidade e agudeza da observação do legislador, invocar mais alguns. A assinalar fortemente a nota de transitoriedade de algumas providências consignadas no diploma, escreveu-se: «... o que quer dizer que uma ou outra disposição agora prescrita poderá desaparecer numa futura revisão deste diploma quando restabelecido um certo equilíbrio profissional e social e diminuídos os perigos de influências estranhas num poder público já fortalecido. Agora exige a salvação nacional que todos aceitem a cura dolorosa de tantas enfermidades ...». Era o decidido e confessado reconhecimento de que não se havia ainda chegado ao fim, que as disposições promulgadas constituíam um passo, ainda não o último, para o encontro da boa solução.
Noutra passagem desenha-se com precisão o condicionalismo moral do regime das incompatibilidades: «A incompatibilidade natural proveniente do exercício de cargos que são desempenhados nau mesmas horas regulamentares mal se compreenderia que houvesse de ser legalmente definida num país de administração pública regular; as incompatibilidades de ordem moral provêm da repugnância natural de certas funções ou do perigo e inconvenientes que podem resultar do seu exercício pelo mesmo indivíduo. Estes perigos e inconvenientes variam com o nível da moralidade pública e privada, e nada custa a reconhecer que, postos determinados casos pessoais, mal algum adviria de se continuar permitindo o exercício simultâneo de certos lugares; mas há-de também reconhecer-se que à ordem pública interessa sobremodo que o exercício das actividades públicas e privadas seja regulado de modo que se não possa abusar ...» - o que quer dizer, regular o uso para evitar o abuso.
No relativo a acumulações o mesmo relatório repete condição já antes invocada pelo legislador: «... e verifica-se em muitos casos que a acumulação de funções permite ao Estado uma certa economia, sem prejuízo do serviço público».
Segue-se a definição do princípio orientador das novas disposições: «A conjunção destes factos e destes princípios levou a adoptar fórmulas de transigência entre o interesse das finanças do Estado, as exigências do serviço público e a necessidade de permitir uma remuneração condigna aos funcionários».
No seu articulado, o decreto em referência segue o esquema do decreto anterior (n.º 12 527, de 23 de Outubro de 1926), que por ele fica revogado, mas, conservando incompatibilidades previstas em outras leis e regulamentos, introduz inovações que convém referir. Assim, omitiu de entre as funções públicas nomeadas as de membro do Poder Legislativo; eliminou a cláusula do diferimento por três anos, consecutivos à cessação das funções públicas, das incompatibilidades - pormenor assaz relevante no exame do projecto em causa-, como eliminou a disposição relativa à impossibilidade de substituição do funcionário que renunciasse aos lugares do sector privado por indivíduos a ele ligados por determinados laços de parentesco. Ampliou o campo de jurisdição do regime das incompatibilidades ao prescrever que nenhum funcionário público poderia exercer nas empresas visadas pelo decreto (as ligadas ao Estado por laços contratuais e as que explorassem o comércio bancário) mais do que um os lugares designados no mesmo decreto, assim como estipulou que nenhum funcionário público poderia ocupar qualquer desses lugares, naquelas empresas ou em quaisquer outras, quando os assuntos que interessassem a estas corressem pela direcção-geral ou repartição a que o funcionário pertencesse. Prescreveu a incompatibilidade absoluta dos lugares que tivessem de ser desempenhados dentro das horas regulamentares dos serviços públicos. Criou uma limitação importante: os membros dos corpos gerentes das empresas indicadas no decreto só poderiam exercer qualquer das funções também nele indicadas em duas dessas empresas, excepção feita dos governadores e corpos gerentes dos bancos emissores por privilégio concedido pelo Estado, aos quais não se permitiu esse duplo exercício.
No tocante a acumulações estatuiu-se que nenhum funcionário público poderia acumular com o seu próprio cargo mais de outro do Estado, corpo ou corporação administrativa a que competisse qualquer vencimento.
Várias providências e esclarecimentos (pareceres da Procuradoria-Geral da República, portarias, despachos ministeriais e até um decreto-lei, o n.º 24 414, de 25 de Agosto de 1934) se sucedem, com o objectivo da regulamentação dos regimes de incompatibilidades e acumulações.
Mas, entretanto, surge a nova Constituição Política, que alterações sucessivas, as últimas das quais por força a Lei n.º 2100, de 29 de Agosto de 1909, foram adaptando à mutabilidade de aspirações e exigências. No artigo 27.º consigna-se o princípio da proibição das acumulações, salvo nas condições previstas na lei, e dispõe-se que o regime das incompatibilidades será definido em lei especial. O já citado artigo 40.º estatui que serão dificultadas, como contrárias à economia e moral públicas, as acumulações de lugares em empresas privadas. Finalmente, os artigos 90.º e 110.º ainda se referem a acumulações, o primeiro respeitante aos membros da Assembleia Nacional, o segundo relativo aos Ministros. Em 23 de Novembro de 1935 é publicado o Decreto-Lei n.º 26 115, diploma que avulta neste panorama le-
Página 447
18 DE MARÇO DE 1960 447
gislativo como elemento ordenador e esclarecedor, realização concreta da previsão expressa no relatório do Decreto n.º 15 038, de 1 de Junho de 1928, segundo a qual «uma ou outra disposição agora prescrita poderá desaparecer numa futura revisão deste diploma, quando restabelecido um certo equilíbrio profissional e social e diminuídos os perigos de influências estranhas num Poder Público já fortalecido». Haviam decorrido sete unos: afirmara-se o relativo equilíbrio profissional e acentuara-se o fortalecimento do Poder Público.
Ainda que este diploma diga fundamentalmente respeito ao funcionalismo público, em especial no relativo a acumulações, convém, para ilustração da matéria, referenciar um ou outro ponto do relatório e do articulado susceptível de contribuir para a definição dos princípios informadores da atitude assumida pelo Governo.
Indicam-se no relatório as razões da permissão legal da acumulação, «traduzida em uso tão frequente no nosso funcionalismo», na expressão do mesmo relatório. Entre elas menciona-se «a impossibilidade de prover convenientemente alguns lugares em país tão pobre de competência como o nosso». Há-de notar-se que, tal como então, ainda hoje a circunstância referida não diz respeito apenas ao sector público, antes se estende também e necessariamente ao sector privado; ela não pode ser esquecida nem na apreciação do problema que o projecto visa, nem, sobretudo, nu solução que se lhe pretenda dar. Outra razão alegada é «a estrita dependência de algumas funções em relação a outras das quais as primeiras se poderiam considerar prolongamento, o que levou em muitas casos a torná-las como simples inerência de outras, embora com remuneração distinta»; é também condição que assume plena validade no sector privado e como tal deve ser considerada na ponderação do problema posto.
No articulado, a orientação tomada, quanto a acumulações, foi a prescrita no artigo 24.º: nenhum funcionário abrangido pelo decreto poderá exercer mais de um lugar remunerado dos quadros permanentes, quer do Estado, quer dos corpos ou corporações administrativas; exceptuam-se (artigo 25.º) as acumulações autorizadas em Conselho de Ministros, só podendo ser concedida autorização tratando-se de acumulação de cargo para o qual não esteja fixada retribuição bastante para o seu exercício independente, em harmonia com o vencimento que a esse cargo corresponderia no grupo aplicável, de entre os descritos no decreto referido.
Definem-se posteriormente casos de incompatibilidade ou esclarece-se o regime de acumulações (Decreto-Lei n.º 26 116, de 23 de Novembro de 1935, Decreto-Lei n.º 26 487, de 31 de Março de 1936, parecer da Procuradoria-Geral da República in Diário do Governo n.º 157, 2.ª série, de 7 de Julho de 1958, etc.), assim como se revigora o carácter restritivo imprimido a certos abonos ao funcionalismo público, como suplementos e subsídios, no caso de se verificarem acumulações de cargos (Decreto-Lei n.º 33 272, de 24 de Novembro de 1943, Decreto n.º 34 430, de 6 de Março de 1945, Decreto-Lei n.º 35 886. de 1 de Outubro de 1946, Decreto-Lei n.º 39 842. de 7 de Outubro de 1954, etc).
Merecem citação especial, por quase exclusivamente se dirigirem no sector privado e polo rigor do prescrito, não só referente a incompatibilidades, como a outras restrições impostas a membros de corpos gerentes de instituições de crédito, o Decreto-Lei n.º 41 403 de 27 de Novembro de 1937, que previu a reorganização do sistema do crédito e da estrutura bancária e o Decreto-Lei n.º 42 641, de 12 de Novembro de 1959, que regulamentou o anterior e completou as suas disposições.
E, para finalizar esta sumária resenha legislativa, é oportuno referir uma nota relativa ao tratamento que a legislação fiscal reserva às acumulações. Como é do conhecimento geral, os contribuintes do imposto complementar que aufiram anualmente, por virtude de acumulações de mais de um cargo público ou particular ou do exercício de profissão liberal acumulado com qualquer dos mesmos cargos, remuneração global superior a 120 contos ficam sujeitos a taxas de adicionamento sobre o excedente a 120 contos, que vão de 10 por cento a 20 por cento, consoante o valor daquela remuneração.
§ 9.º As acumulações e incompatibilidades - pertinência das considerações produzidas sobre limitação das remunerações
26. Por obediência a critério metodológico, seria agora do considerar o problema das acumulações e incompatibilidades daqueles mesmos ângulos de visão adoptados no exame do aspecto relativo a limitação de remunerações. Todavia, reconhece-se que, no tocante a acumulações, o projecto dita, afinal, o limite máximo da remuneração de cada cargo exercido em acumulação e o limite máximo do conjunto dessas remunerações. Deste modo se perfilha o meio de acção já consagrado no tocante a limitação das remunerações. É como acresce a circunstância de também no relativo a acumulações, os efeitos se dirigirem a empresas privadas, tal como se verifica quanto a limitação das remunerações, assumem aqui total pertinência as considerações formuladas a propósito da simples limitação das remunerações, prevista no projecto, tornando-se desnecessária, portanto, a sua repetição.
No tocante a tocante a utilidades, por estas constituírem a segunda face do mesmo problema, a idêntica conclusão se chegará. Mas neste aspecto, e dada a concretização do projecto, definindo o alcance do dispositivo pelas funções de Ministro, Secretário ou Subsecretário de Estado e governador de províncias ultramarinas, algo parece dever acrescentar-se. Dada, porém, a natureza das considerações a fazer, melhor cabimento elas terão quando se proceder ao exame do projecto na especialidade.
§ 10.º o imposto pessoal sobre o rendimento; caracterização económica
27. Quando acima se abordou o aspecto da limitação das remunerações, observado do ponto de vista do princípio da hierarquia social, fez-se referencia ao imposto sobre o rendimento, como um dos meios mais popularizados de que se poderia lançar mão para corrigir o que em cada momento, se entenda constituir desvio da justa repartição do rendimento.
A referência foi então intencionalmente sumária, para não prejudicar a sequência da exposição e a sua boa inteligência. Julga-se oportuno não fechar estas notas do apreciação na generalidade do projecto em causa sem formular algumas considerações sobre o referido meio de correcção.
Está o País empenhado no prosseguimento de uma política de desenvolvimento económico, todos ansiando que a ele se imprima ritmo acelerado. O decurso normal desse processo apresenta, uma serie de implicações a que pode não ser estranho o imposto sobre o rendimento.
Vulgarizou-se o brocardo, e o conceito que ele exprime, segundo o qual uma das faces daquela política é investir, para produzir, e produzir, paru consumir. Se em traços largos e grosseiros a divisa acusa curto fundamento, ela carece do substanciais correctivos para a limitar aos devidos termos.
Página 448
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154 448
E assim é que, basilarmente, tem de se considerar como essencial para o crescimento se processar em termos salutares ser ele dotado de equilíbrio. Só este equilíbrio afastará a eventualidade dos estrangulamentos de alguns sectores do sistema económico e garantirá quer a eficiência do investimento como fonte de produção, quer a eficiência da produção como estímulo ao consumo. O equilíbrio é atingido se o investimento for simultaneamente dirigido a grande número de sectores e se à escolha destes sectores e à determinação do grau de intensidade do investimento em cada um deles presidir o critério ditado pelas preferências rios consumidores.
28. Não é tarefa fácil para os governos imprimir aos investimentos as direcções mais convenientes e graduá-los nos limites aconselhados, mormente se o complexo económico funciona em sistema de economia de mercado, ou até mesmo predominantemente de mercado. No domínio restrito do imposto, usado este como instrumento da política do crescimento económico, a fiscalidade deve prosseguir objectivos que se situam além dos simples resultados globais; assim, importa autuar sobre a afectação dos recursos produtivos, de modo a favorecer as actividades susceptíveis de melhor induzirem ao crescimento e, mais, desfavorecer as outras. Desde a isenção do imposto concedida às novas actividades desejáveis, o estímulo ao autofinanciamento, ou seja ao reinvesti mento dos lucros, na medida em que ele se não tornar danoso ao processo de crescimento, o incitamento a ritmos acelerados de reintegração de capitais, até ao castigo do entesouramento e dos jogos especulativos dos detentores de capitais, vai uma gama de providências atinentes h consecução do objectivo almejado. Simplesmente, determinar o momento da sua adopção, o alcance a conceder a cada uma delas, o grau de intensidade que lhes deve ser atribuído, é problema eriçado de enormes dificuldades, tanto maiores quanto é certo não puder estar o julgamento isento de grande dose do critério subjectivo, do julgador.
Por outro lado, a fiscalidade podo actuar sobre o consumo, de modo a alterar o quadro das preferências dos consumidores, a modificar a estrutura do consumo. Aqui, se bom que o imposto sobre o rendimento possa ser chamado a actuar, assume maior relevância, no instrumental estratégico, o imposto indirecto, que por intermédio da discriminação dós bens de consumo, pode, ao fim e ao cabo, fazer recair maior peso de fiscalidade sobre os fruidores de mais altos rendimentos, em benefício dos de menores rendimentos.
Mas o problema oferece alguns outros aspectos. A concretização do investimento, a formação de capital real, é função primordial de duas variáveis: a propensão para o aforro e a propensão para o investimento - a primeira, geradora da oferta de fundos a ele destinados; a segunda, geradora da procura desses fundos.
Abstraindo do eventual entesouramento, a propensão para o aforro depende do nível de rendimento. Se o imposto vai ferir profundamente o rendimento, os efeitos reflectir-se-ão na propensão ao aforro, e, consequentemente, do lado da oferta de capital, na cadeia investimento-produção-consumo.
Por sua vez, a propensão ao investimento, geradora da procura de fundos, depende, de entre outras variáveis, da eficiência marginal do capital ou, em outros termos mais rudimentares, ainda que menos rigorosos, da remuneração mais ou menos elevada dos capitais, isto é, dos lucros. Se esta remuneração não for sensivelmente mais elevada que a taxa de juro, não interessa ao empresário, real ou potencial, procurar capitais para os investir. Se o imposto vai limitar os lucros, e portanto enfraquecer aquela remuneração, a ponto de ela em pouco superar a concedida pela taxa de juro, ficará afectada a propensão para o investimento, e, por consequência, também a cadeia investimento-produção-consumo.
Caberiam aqui considerações relativas à aplicação, por parte do Governo, das receitas originadas no imposto, bem como às aplicações que os detentores dos rendimentos lhes poderiam dar eventualmente; não se formulam, porém, para não tornar a exposição excessivamente deusa.
29. Todos estes considerandos mostram à evidência a delicadeza com que deve ser utilizado o imposto sobre rendimentos e que perigos acarreta, sobretudo em países que se encontram em fases não muito adiantadas de crescimento económico, qualquer providência menos ponderada levada a efeito através desse imposto. Por eles se explica também a predominância do imposto indirecto nos sistemas fiscais dos países que se situam naquelas fases de desenvolvimento económico. Ela representa - com reserva da justiça, que se supõe sempre imperante - a forma de conciliação dos três objectivos de um sistema fiscal ideal: conseguir a arrecadação de receitas importantes; manter alto nível de aforro; conservar elevada remuneração dos investimentos.
Certo é, porém, que da parte de alguns países em pleno crescimento económico se revela tendência a imprimir aos seus sistemas fiscais feição semelhante à dos sistemas fiscais de países evoluídos, nomeadamente dos países anglo-saxões, pelo empolamento da parte do imposto directo sobre os rendimentos. Uma das invocações justificativas dessa tendência é, na realidade, ponderosa: maior justiça social, fundada na progressividade do referido imposto. Mas o reconhecimento da verdade de tal invocação não obsta a que devamos entender como essencial o balanço da vantagem apontada com a caracterização económica do mesmo imposto, à qual, em termos breves, se acaba de fazer referência.
Só uma nota mais. O actual imposto, denominado «imposto complementar», incide com peso igual sobre rendimentos provenientes do trabalho e sobre rendimentos provenientes do capital, da terra ou mistos. Existe correspondência entre o grau de desenvolvimento económico e a estrutura fiscal óptima adaptável a esse grau. Em cada fase do crescimento económico a estrutura fiscal tem de caracterizar-se pela sua adaptação à matéria tributável e aos recursos disponíveis e pela aptidão de estímulo u evolução do sistema económico para o grau superior de desenvolvimento. É evidente que este imperativo, em face da complexidade apresentada pela realidade da vida, não pode traduzir um conceito estrito ou uma concepção de alto rigorismo. Marca, em todo o caso, um limite, desejável e para o qual se deverá procurar tender tanto quanto possível.
Ora, sã bem que nalguns países mais evoluídos o sistema adoptado quanto no imposto sobre o rendimento seja o da imposição global, a técnica mais correntemente seguida, nomeadamente nos países em franco crescimento económico,, é a de imposições distintas, consoante a origem dos rendimentos.
II
Exame na especialidade
§ 11.º O aspecto formal do projecto
30. O projecto de lei apresenta-se, na sua feição normativa, com a forma de articulado minucioso. Ora o artigo 92.º da Constituição determina que as leis votadas pela Assembleia Nacional se devem restringir à
Página 449
18 DE MARÇO DE 1960 449
aprovação das bases gerais dos regimes jurídicos. Se bem que o mesmo artigo negue validade à eventual contestação, com fundamento lia violação desse princípio, da legitimidade constitucional de quaisquer preceitos contidos nas leis, verdade é que nenhuma vantagem há, antes desvantagem, em não obedecer à referida determinação, sem prejuízo embora do reconhecimento de casos precedentes em contrário (v. g. Lei n.º 2030. de 22 de Junho de 1948). Acresce, no caso vertente, uma circunstância que mais impele a essa obediência. Trata-se, fundamentalmente, de uma intervenção do Estado na actividade do sector privado. Já de si é motivo suficiente para deixar, em certa medida, ao Governo, como arguo em permanente contacto com a vida do agregado nacional, o julgamento, decorrente no tempo e variável no seu decurso, das providências a tomar, dos instrumentos a usar e das oportunidades de actuação. Mas, além disso, e como já se expôs quando da apreciação na generalidade, a atitude que em cada momento o Governo a propósito tomar envolve tal soma de melindres, de contingências, mesmo de dúvidas, sobre a eficácia de teria providência, que se torna incompatível com a rigidez monolítica forçosamente ditada pelo carácter estrito e minucioso da norma.
Na proposta que esta Câmara apresentará nas conclusões deste parecer, com origem no projecto em exame, adoptar-se-á, por estas razões, o critério da enunciação das bases gerais do regime jurídico a vigorar; naturalmente, n designação «artigo» do projecto cederá lugar à designação, «base».
§ 12.º A substância do projecto
A) Artigo 1.º
31. O corpo do artigo 1.º do projecto de lei apresenta-se nos seguintes termos:
Artigo 1.º Os corpos gerentes dos estabelecimentos do Estado e das sociedades, companhias ou empresas:
a) Concessionárias ou arrendatárias;
b) Em que o Estado tenha direito a participação nos lucros ou seja accionista com, pelo menos, 10 por cento do capital social;
c) Que explorem actividades em regime de exclusivo ou com benefício ou privilégio não fixados em lei geral;
d) Em que se verifique o previsto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 40 833;
independentemente de terem a sede social no continente, nas ilhas adjacentes ou no ultramar, quer se revistam da fornia de administração, direcção, comissão executiva, fiscalização ou qualquer outra, não podem perceber remuneração superior à atribuída aos Ministros de Estado, desde que residam ou exerçam a actividade na metrópole.
A referência aos corpos gerentes dos estabelecimentos do Estado parece tornar-se supérflua, uma vez que se trata de limitação das remunerações dos elementos desses corpos gerentes e se adopta como limite o da remuneração dos Ministros. Com efeito, tal limitação e o mesmo limite já hoje se encontram estabelecidos legalmente no artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 26 115, e sem que se verifiquem excepções ou dúvidas na aplicação deste preceito legal.
A enunciarão das empresas visadas carece de mais demorado exame. Antes, porém, de nele entrar convém dizer que a Câmara entende - e igual foi certamente o propósito dos autores do projecto - que a referência a corpos gerentes não pode abranger os membros das mesas das assembleias gerais das sociedades por acções. Este ponto de visto baseia-se, quanto às sociedades anónimas, no artigo 171.º do Código Comercial, que atribui a administração das mesmas sociedades a 11111:1 direcção o a fiscalização desta a um conselho fiscal; por outro lado, o artigo 183.º atribui ao presidenta da assembleia, geral ou a quem as suas vezes fizer, e aos secretários, funções que estritamente se dirigem ao funcionamento da assembleia. A mesma conclusão ó fundada, quanto às sociedades em comandita por acções e às sociedades cooperativas por acções, nos artigos 201.º e 207.º do Código Comercial, que afinal remetem para as disposições aplicáveis às sociedades anónimas.
32. O artigo 1.º do projecto enumera as empresas em quatro alíneas.
A primeira alínea respeita às empresas concessionárias ou arrendatárias. E evidente que se quis abranger apenas as empresas ligadas ao Estado por contrato de concessão ou arrendamento, a não também as ligadas por idêntico contrato a qualquer entidade privada, esta última sem qualquer vínculo estadual.
Se qualquer dúvida, por absurdo, subsistisse, desaparecia por força da doutrina do artigo 2.º do projecto. Segundo este artigo, «consideram-se igualmente submetidas ao regime estabelecido nesta lei as sociedades, companhias ou empresas que mantenham perante as abrangidas pelo artigo 1.º qualquer das relações de natureza das definidas para estas relativamente ao Estado». Se à última parte, intencionalmente aqui grifada, se conceder, como importa, um sentido de generalização, significará que todas as empresas relacionadas no artigo 1.º mantêm, no pensamento dos autores do projecto, relações com o Estado; em tal caso, dás empresas concessionárias ou arrendatárias só as empresas beneficiárias de concessões ou arrendamentos de serviços públicos ou de bens de domínio público são atingidas pelo artigo 1.º
Na opinião da Câmara, e conforme se procurou demonstrar em várias passagens deste parecer, qualquer providência do tipo da que se propõe deverá contemplar as empresas concessionárias ou arrendatárias acima referidas.
33. A segunda alínea visa as empresas «em que o Estado tenha direito a participação nos lucros, ou seja, accionista com, pelo menos, 10 por cento do capital social». A disposição faz surgir imediatamente um reparo. O Governo pode, em determinado momento e por forças circunstanciais de diversa ordem, verificar a necessidade ou a vantagem em adquirir acções de uma, sociedade, representativas de mais de 10 por cento do capital da mesma sociedade. Desde logo tem de ser atribuída ao Estado a qualidade de accionista com mais de 10 por cento do capital e, ipso facto, também, reconhecido o direito de participar nos lucros (dá-se, eventualmente, a simultaneidade das condições que o texto admite sejam, como de facto pode suceder, disjuntivas). Estas condições comandam a sujeição daquela sociedade ao regime proposto. Decorrido tempo, (liga-se alguns meses ou semanas, ou mesmo alguns dias, o Governo conclui já não haver interesse, ou até não ser conveniente, em o Estado manter a propriedade dos títulos adquiridos e, por isso procede à sua venda. Desde esse momento, por o Estado ter perdido qualquer uma, ou, no caso, as duas qualidades que determinavam a aplicação do regime proposto à sociedade em questão, esta liberta-se do mesmo regime. Quer
Página 450
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154 450
dizer, durante aquele período, enquanto o Estado estava presente como accionista, os corpos gerentes viam limitadas as suas remunerações; terminado esse período (de meses, de semanas ou até de dias, por hipótese) as remunerações dos corpos gerentes voltavam a não obedecer a qualquer limite. Há aqui, a par de dificuldades de ordem prática, criação de situações anómalas, a denunciar um certo vazio de significado.
Em tais termos, julga a Câmara deverem ser consideradas, neste aspecto, apenas as empresas em que o Estado seja accionista ou em cujos lucros tenha participação, mas desde que tais posições estejam previstas em diploma legal ou nos respectivos estatutos.
34. A terceira alínea respeita às empresas «que explorem actividades em regime de exclusivo ou com benefício ou privilégio não fixados em lei geral». Esta qualificação repete ipsis verbis a adoptada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 40 833, de 29 de Outubro de 1956, diploma a que se fez já larga referência. Nada há a observar.
35. Finalmente, a quarta e última qualificação das empresas é definida pela referência ao artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 40 833. Trata-se das sociedades concessionárias de serviço público ou de utilização de bens do domínio público, e, portanto, já referidas, como concessionárias, na primeira alínea (o que constitui ociosa repetição), das sociedades que beneficiem de financiamentos feitos pelo Estado ou por ele garantidos, das empresas de navegação consideradas de interesse nacional e, ainda mais. nos termos daquele invocado artigo 2.º, «das referidas na parte final do corpo do artigo anterior», ou seja do artigo 1.º Ora na parte final do corpo do artigo 1." referem-se as «sociedades que explorem actividades em regime de exclusivo ou com benefício ou privilégio não previstos em lei geral» - novamente uma repetição, agora das empresas já citadas na alínea c) do artigo em comentário. Excluídas as repetições, ficam as sociedades que beneficiem de financiamentos feitos pelo Estado ou por ele garantidos, para as quais é compreensível o fundamento da sujeição ao sistema proposto (e o artigo 33.º da Constituição a elas faz referência), e as empresas de navegação consideradas de interesse nacional. Quanto a estas últimas, julga-se que se pretendia abranger tanto as de navegação marítima como as de navegação aérea (supõe-se não se terem considerado, por desnecessário no momento presente, as de navegação fluvial).
É facilmente perceptível a razão por que o legislador, ao conceber o Decreto-Lei n.º 40 833, incluiu as empresas de navegação consideradas de interesse nacional no número das visadas no diploma, para as sujeitar à aceitação no seu seio de delegados do Governo. Mas já não é do mesmo modo perceptível o motivo por que, para efeito de limitação de remunerações dos seus corpos gerentes, as empresas de navegação consideradas de interesse nacional foram no projecto distinguidas de outras empresas que, não explorando, embora, a navegação, são porventura, ou possam vir a ser, consideradas de interesse nacional.
Quanto à alínea em apreciação, é parecer da Câmara deverem ser consideradas agora apenas as empresas que beneficiem de financiamentos por parto do Estado ou por ele garantidos.
36. Outro aspecto ainda a observar no proposto artigo 1.º é o do quantum, do limite da remuneração dos membros dos corpos gerentes - o atribuído aos Ministros.
É de observação comum o fenómeno que se está passando entre nós, repetição, no fim de coutas, de análogo fenómeno já verificado em comunidades que ultrapassaram o estádio de crescimento em que nos encontramos. Na medida em que a iniciativa privada, no tocante a empreendimentos, vai tomando corpo, a solicitação, por parte do sector, de competências e valores, vai acentuando-se. Porque muitos desses elementos se encontram adstritos aos serviços públicos, desenha-se, de início, a sua translação do sector público para o sector privado, concorrendo para tal o maior nível de remuneração deste último, a compensar não apenas certas vantagens objectivas que o primeiro daqueles sectores concede (aposentação, etc.), mas também regalias de ordem mais subjectiva (menor risco de cessação de funções, categoria social porventura mais elevada, etc.). Segue-se depois outra fase, durante a qual o sector privado se vê coagido a elevar ainda mais o nível de remuneração, pois as suas necessidades de recrutamento crescem e se torna necessário vencer as resistências de alguns mais renitentes a deixarem o sector público e também as hesitações dos timoratos recém-lançados na vida, naturalmente mais inclinados a dirigir-se para as funções públicas, em que a luta das competências é menos dura e decisiva. É do conhecimento geral este movimento de transferência assinalado nos últimos tempos, sobretudo por parte de funcionários públicos mais jovens e, por isso, não tendo atingido ainda altas categorias na hierarquia pública, e também aquele segundo aspecto, de atracção, por parte do sector privado, exercida sobre os jovens que acabam de concluir a sua preparação escolar com assinalado ou mesmo com relativo mérito.
É inegável que o fenómeno levanta um problema que respeita à crescente deficiência no provimento dos quadros do funcionalismo público, aspecto já atrás referido, quando da apreciação na generalidade (n.º 9). O que interessa aqui dizer é que é inútil, e por vezes contraproducente, lutar contra as leis sociais - e é um facto observado a elevação do nível das remunerações no sector privado paralela ao decréscimo dos custos da produção do mesmo sector, como é facto observado a relativa rigidez das remunerações no sector público, resultando destas duas forças tendenciais o crescente afastamento das remunerações do primeiro sector das remunerações do segundo sector. E tal fenómeno verifica-se em todos os países, nomeadamente nos mais evoluídos. Tenha-se, porém, presente aquela justa e oportuna observação formulada no relatório que antecede o Decreto-Lei n.º 33 272, de 24 de Novembro de 1943: «... deve notar-se que as condições de trabalho nas actividades privadas não são, pela sua maior precariedade, perfeitamente comparáveis às do serviço público e que, quando as diferenças excederem os limites do razoável e justificável por aquela circunstância, o Estado deverá - no caminho já encetado - usar da política tributária para estabelecer justas compensações».
Além do mais, e como antes já se referiu, a exiguidade, entre nós, do efectivo doa elementos de escol parece também contra-indicar a referência, no sector privado, a nível de remuneração adoptado no sector público.
Por outro lado, a circunstância, a que antes se aludiu, da extrema diferenciação das dimensões das empresas e do grau de labor e de responsabilidade dos vários cargos de gestão na mesma empresa inculca a pluralidade dos limites de remunerações.
Parece então que, além do recurso ao imposto pessoal sobre o rendimento, se deveria atribuir ao Governo, para efeitos de limitação, o recurso a diplomas especiais, em que se tivesse em consideração a categoria e
Página 451
18 DE MARÇO DE 1960 451
actividade das empresas e a natureza das funções e da maior ou menor efectividade de colaboração na gestão das empresas, o que poderia também ser conseguido através da aprovação dos estatutos das empresas, ou da homologação das deliberações das assembleias gerais, das comissões de vencimentos ou outros órgãos encarregados, segundo os estatutos, de fixar as remunerações.
37. O artigo em exame prescreve a extensão da sua aplicação às empresas nele nomeadas, independentemente de a sua sede se localizar na metrópole ou no ultramar, mas, por outro lado, restringe essa mesma aplicação aos membros dos corpos gerentes que residam ou exerçam a actividade na metrópole, o que significa ficarem exceptuados os membros dos corpos gerentes das sociedades com sede no ultramar e residindo ou exercendo a sua actividade também no ultramar (ou no estrangeiro). Julga-se esta interpretação correcta, pois a expressão final do corpo do artigo 1.º do projecto, «desde que residam ou exerçam a actividade na metrópole», de certo se refere ao» membros dos corpos gerentes, e não nos corpos gerentes em si próprios, uma vez que, nos termos imediatamente anteriores da mesma disposição, «não podem perceber remuneração superior à atribuída aos Ministros de Estado», forçosamente se dirige aos primeiros, e não aos segundos.
Ora, segundo o artigo 150.º da Constituição, à Assembleia Nacional é concedida atribuição de legislar para o ultramar só mediante propostas do Ministro do Ultramar e em matérias expressamente designadas no mesmo artigo, no elenco das quais se não conta o objecto do projecto de lei em exame.
É facto que o § 3.º do mesmo artigo 100.º nega o direito de contestação, com fundamento na violação desse artigo, da legitimidade constitucional dos preceitos contidos nos respectivos diplomas, mas parece não se poder justificar uma violação premeditada, como seria a de abranger, desde já, no âmbito das disposições projectadas, as empresas com sede social no ultramar. Nada impede que, no futuro, o Governo, colhida a experiência na metrópole, adapte ao ultramar os princípios que, sobre a matéria, vierem a ser promulgados. Entretanto, não parece que se ofenda o mencionado preceito constitucional se, além das empresas ultramarinas com sede na metrópole, ficarem igualmente abrangidas aquelas cuja administração nela funcione, entendendo-se que esta previdência não atinge os administradores que desempenhem os seus cargos no ultramar (ou no estrangeiro).
B) Artigo 1.º (§ único)
38. Ao corpo do artigo 1.º segue-se, no projecto, um § único, concebido nestes termos:
§ único. Considera-se para o efeito deste artigo:
a) Como remuneração dos Ministros não só o vencimento como qualquer subsídio a que tenham direito a título permanente;
b) Como remuneração dos corpos gerentes não só todas as retribuições fixas, seja qual for a sua natureza, como a eventual participação nos lucros, gratificações de qualquer espécie por funções de administração, consulta, fiscalização ou outras, bem como o montante dos impostos pessoais dos corpos gerentes pagos pela sociedade, companhia ou empresa, e as importâncias atribuídas para despesas de deslocação ou representação pessoal, na parte que excedam as ajudas de custo atribuídas aos Ministros.
A alínea a) do parágrafo em análise constitui sequela imediata da ideia que presidiu, no corpo do artigo 1.º, à fixação da remuneração atribuída aos Ministros, como limite máximo das remunerações dos corpos gerentes. No comentário acima produzido a propósito desta última disposição já se expuseram os inconvenientes ou desvantagens que tal fixação acarretaria.
Quanto à alínea b), ela deixa transparecer com clareza duas intenções: a primeira, de evitar subterfúgios tendentes a falsear o quantitativo global de remunerações, mediante a titulação de algumas componentes destas últimas com designações propícias a desvirtuar a sua natureza; a segunda, de pôr cobro à eventual translação de impostos pessoais sobre elementos dos corpos gerentes para as respectivas empresas.
Estas duas intenções respondem a juízos que se têm generalizado, porventura com o exagero que se sabe acompanha sempre, na mentalidade popular, a suposta atribuição de benesses aos que ocupam mais elevadas posições na hierarquia social. E por isso, se bem quo, em rigor, a elas não devesse ser feita alusão na lei, porque subentendidas e devidas na actuação do Governo dirigida ao objectivo consignado, talvez se possa reconhecer vantagem em as deixar expressamente afirmadas, dando-se satisfação a um anseio que na realidade, se tem ultimamente avolumado. E, a propósito, duas observações. Não se prevê no projecto o condicionamento da participação nos lucros, por parte dos corpos gerentes, à participação nos mesmos lucros por parte do restante pessoal das empresas - e parece oportuno prevê-lo quanto às empresas de interesse, colectivo. Também não se prevê no projecto qualquer impedimento a uma prática que, a manter-se, constituiria possível subterfúgio à orientação pretendida: a remuneração devida a uma empresa das consideradas no artigo 1.º pelo exercício de cargo em corpo gerente de outra empresa reverter a favor da pessoa quo exerce a representação da primeira, pessoa que nessa qualidade faz parte dos corpos gerentes desta última. E afigura-se também oportuno consignar a proibição de tal prática.
(!) Artigo 2.º
39. Segue-se, no projecto de lei, o artigo 2.º, apresentado com o seguinte texto:
Art. 2.º Consideram-se igualmente submetidas ao regime estabelecido nesta lei as sociedades, companhias ou empresas que mantenham perante as abrangidas pelo artigo 1.º qualquer das relações da natureza das definidas para estas relativamente ao Estado.
Este artigo 2.º é, no contexto do projecto de lei, complemento da classificação de empresas e exposta no artigo 1.º, razão por que, no próprio projecto, melhor caberia como parágrafo deste último artigo.
Trata-se, afinal, de definir «empresas subsidiárias» na terminologia já consignada pelo Decreto-Lei n.º 40 833 e, assim, parece que só vantagem haverá em seguir a definição que o mesmo diploma adoptou: desde que metade, pelo menos, do capital de uma empresa pertença a outra, deverá considerar-se aquela subsidiária desta.
D) Artigo 3.º (corpo)
40. O artigo 3.º do projecto dispõe o seguinte:
Art. 3.º A fiscalização do disposto nos artigos 1.º e 2.º incumbe aos delegados ou comissários do Governo, ou, na sua falta, a delegados a designar pela Inspecção-Geral de Finanças, à qual cabe, em todos os casos, a superintendência e orientação da fiscalização.
Página 452
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154 452
Não parece que a função de comissário do Governo, e ainda menos a de delegado do Governo - colocado, este último, par inter pares, no seio dos corpos gerentes -, se compatibilize, na prática, com o género de fiscalização previsto na projectada disposição transcrita.
Referem-se a essas funções, no tocante aos comissários do Governo, o artigo 178.º do Código comercial e legislação complementar: o Regulamento de 10 de Outubro de 1901 (que criou a designação comissário) o Regulamento de 13 de Abril de 1911, a lei orçamental de 30 de Junho de 1913, o Decreto n.º 24, de 1 de Julho de 1913; no relativo aos delegados do Governo, o Decreto-Lei n.º 40 833, de 20 de Outubro de 1956. Se bem que os preceitos legais nestes diplomas contidos admitam o género de fiscalização de que se trata, tal fiscalização tornar-se-ia decerto susceptível de carecer de eficiência.
Acresce que o âmbito das empresas visadas pelo regime a criar é, como adiante se verificará pelas bases propostas, mais dilatado do que o hoje demarcado para a presença necessária de comissários ou delegados do Governo. E se é certo que a projectada disposição, acima transcrita, prevê a falta desses agentes e a ela pretende prover, certo é lambem que daí resultaria uma prolixidade de regimes de fiscalização sempre atentatória da simplicidade e boa ordem, que importa manter.
Para mais, e agora no relativo a sociedades por acções, a Lei n.º 1995, de 17 de Maio de 1943 (que veio a suceder à Lei n.º 1936, de 18 de Março de 1936), criou um novo regime de fiscalização a que, não há muito, o Governo fez referência quando, no Decreto-Lei n.º 41 403, de 27 de Novembro de 1957 (artigo 68.º), atribuiu ao Ministério das Finanças o estudo das condições em que poderão ter execução os princípios directores do mesmo regime.
Já, de certo modo, um diploma recente, o Decreto n.º 42 501 de 9 de Setembro de 1959, limitado ao ultramar, estabeleceu para quaisquer empresas que pretendam obter concessões de utilidade pública ou beneficiárias de idênticas concessões em cuja actividade venham a intervir dinheiros públicos, um sistema condicionador que oferece relevância, neste aspecto. Trata-se, além da determinação, quando julgado necessário, de o conselho fiscal ser coadjuvado por auditores (à semelhança do previsto na Lei n.º 1995, antes citada), de submeter à aprovarão os respectivos estatutos o sujeitar esta aprovação a registo na conservatória do registo comercial.
Já antes se fez menção, a propósito de limitas de remunerações dos membros dos corpos gerentes das empresas, à possibilidade de os fixar através da aprovação dos estatutos, como uma das alternativas a encarar e a emparceirar com nutras, como a da aprovação das deliberações das assembleias gerais, comissões de vencimentos ou outros orgãos encarregados, segundo os estatutos, de fixar aquelas remunerações - e isto salvo se a referida limitação não dimanasse, do regra fixadas em diplomas, especiais.
Parece, assim, que não há vantagem, e de certo modo se tornaria vicioso prever, na lei. a atribuição da função fiscalizadora expressa em novos moldes, divergentes, porventura, daqueles quo o Governo está encarando no estudo referido no Decreto n.º 41 403.
E) Artigo 3.º (§ único)
41. Segue-se no projecto o § único do artigo 3.º, do seguinte teor.
§ único. Ficam a constituir encargo da sociedade, companhia ou empresa quaisquer despesas efectuadas ou gratificações que o Ministro das Finanças entenda dever atribuir pelo exercício da fiscalização.
Tendo em vista o que se disse no número anterior sobre a projectada fiscalização e sobre a solução sugerida, perde cabimento a matéria contida neste parágrafo. De resto, a ideia nele preconizada de fazer suportar por cada empresa os gastos com a fiscalização que sobre ela incide não parece das mais consentâneas com as realidades. Em primeiro lugar, prestar-se-ia sempre à critica, por parte das empresas, de supostas arbitrariedades do Poder Público, concedendo gratificações ou autorizando despesas reputadas por elas excessivas ou inúteis; depois, não constitui boa regra administrativa fazer pagar directamente o elemento fiscal pela entidade fiscalizada.
Veja-se, a propósito, o princípio consignado na base XXI da Lei n.º 1995, segundo o qual cada empresa contribui para os encargos globais da fiscalização com uma percentagem sobre a importância da sua contribuição industrial ou sobre o capital nominal.
F) Artigo 4.º
42. O artigo 4.º do projecto apresenta-se nos seguintes termos:
Art. 4.º A acumulação de cargos nos corpos gerentes das sociedades, companhias ou empresas abrangidas pelos artigos 1.º e 2.º desta lei e, bem assim, com os de quaisquer outras sociedades civis ou comerciais só será consentida quando a remuneração, nos termos da alínea b) do § único do artigo 1.º, em cada um for inferior ao vencimento dos Subsecretários de Estado, mas em qualquer caso o conjunto das remunerações totais não poderá exceder a atribuída aos Ministros de listado.
Trata-se de disposição semelhante à do artigo 1.º do projecto no aspecto de limitação de remunerações, mas agora dirigida às acumulações e com gravame dos inconvenientes já apontados a propósito, quando da análise daquele artigo, por se prever limitação dúplice: a da remuneração de cada um dos cargos e a da totalidade das remunerações.
O objectivo, aqui, é dificultar acumulações de cargos em empresas privadas, fim expressamente visado no artigo 40.º da Constituição, e por consequência, em absoluto pertinente. Os meios consignados para o atingir é que não parecem ser recomendáveis.
Dilata-se, em, larga medida, a acção interventiva do Estado, pois se ultrapassa o âmbito das empresas indicadas no artigo 1.º, para a estender a qualquer sociedade, civil ou comercial. Todos os inconvenientes referidos na apreciação genérica e na apreciação especial se encontram assim fortemente agravados.
Acresce que a disposição proposta, criaria um condicionalismo gerador de situações chocantes, como a que resultaria de um indivíduo membro dos corpos gerentes de duas sociedades, uma abrangida pelo artigo 1.º ou 2.º e a outra não abrangida por qualquer destes artigos, perceber pelas funções exercidas em qualquer delas remunerações inferiores às dos seus colegas de uma ou de outra que não acumulassem. Mais frisante ainda seria o contraste entre a situação desse mesmo indivíduo ou de qualquer outro que acumulasse cargos nos corpos gerentes de duas ou mais sociedades, todas abrangidas pelo artigo 1.º ou 2.º. e cujas remunerações, portanto, estavam sujeitas a limite, com aquele indivíduo que acumulasse, como membro dos corpos gerentes, funções apenas em sociedades não abrangidas pelo artigo 1.º ou 2.º, em relação
Página 453
18 DE MARÇO DE 1960 453
às quais não seria aplicável qualquer limitação de remunerações.
Poderá argumentar-se que são pretensas as situações exemplificadas, atendendo a que os contrastes de remunerações constituem exactamente o resultado da aplicação intencional de um meio restritivo no exercício de acumulações e que no decorrer do tempo natural seria elas desaparecerem pela progressiva desistência dos investidos em funções acumuladas. À parte esto efeito se tornar duvidoso, é necessário não esquecer a perturbação que tais situações criariam no seio das empresas e o motivo que elas concederiam às críticas sobre uma intervenção estatal, contrária aos termos constitucionais.
Parece que a forma mais razoável de ir concedendo maior latitude à resolução do problema, das acumulações, problema bifronte, como já se acentuou, será considerá-lo pela outra face a das incompatibilidades, determinando-as, por agora, um relação àquelas empresas que em especial se entenda caírem na alçada da orientação propugnada.
G) Artigo 5.º
43. O artigo 5.º do projecto é apresentado nos seguintes termos:
Art. 5.º Todos aqueles que hajam exercido as funções de Ministro, Secretário ou Subsecretário de Estado ou de governador das províncias ultramarinas não poderão, durante os cinco anos posteriores à exoneração do cargo, exercer quaisquer funções administrativas, executivas, directivas ou usuais, por escolha ou eleição, nas sociedades, companhias ou empresas abrangidas por esta lei. sempre que estas sejam, ou tenham sido, dependentes dos respectivos Ministérios ou governos ultramarinos ou sujeitais à fiscalização dos mesmos.
Doutrina semelhante já havia sido, como se viu, consignada no Decreto n.º 12 527, do 23 de Outubro de 1926, mas reduzido o prazo de incompatibilidade a três anos, em vez de cinco (artigo 1.º, § 1.º). Definiu-se atrás o clima, o ambiente emocional em que foi gerado esse diploma. Vivia-se então, como é natural, aquele, entusiasmo eufórico da profunda transformarão política apenas iniciada: o anseio de corrigir, não caldeado pela reflexão serena, leva os reformadores a marcar limites que mais tarde a reconsideração calma faz recuar, em obediência aos ditames da razão. São nítidos, neste caso, alguns sintomas denunciadores da atmosfera em que se concebeu o diploma referido. Ele veio revogar, como se notou, decreto que uma curta semana antes havia sido publicado a regular a mesma matéria (n.º 12 493, de 13 de Outubro de 1926, publicado em 15 de Outubro), e nele se previa série longa de funções, do Legislativo, do Executivo e outras, que suscitavam incompatibilidade durante os três anos consecutivos seguintes â cessação dessas funções, com lugares nos corpos gerentes de cúrias empresas privadas. É fácil, pelo seu exume, avaliar da forma como as ideias, as sugestões, os alvitres, desordenadamente se atropelavam.
Acentuou-se acima o carácter de transição para ambiente de maior acalmia, revelado pelo Decreto n.º 15 538, de 1 de Junho de 1928. Agora já, não se citam algumas das funções antes previstas, como se elimina a cláusula da extensão das incompatibilidade por três anos.
Surge depois o Decreto-Lei n.º 26 115, de 23 de Novembro de 1935, já não ostentando aquele carácter de transição, mas, pelo contrário, imprimindo feição definitiva à matéria promulgada. As suas disposições - ou a intencional omissão de certas disposições anteriores- são fruto natural de determinados pressupostos, entre eles o da consolidação das regras da moral, da honestidade e do decoro, no privado e no público. E, assim, continua, como é natural, a manter-se a omissão do diferimento, por três anos, de algumas incompatibilidades, ou, se se quiser, a omissão das incompatibilidades sucessivas. Os diplomas que se seguiram, relativos nos serviços dos vários Ministérios e inspirados na doutrina do Decreto-Lei n.º 26 115 (Decreto-Lei n.º 26 116 e outros, constantes da lista que figura no parecer n.º 22/V, já referido), reportam-se a incompatibilidades, mas apenas simultâneas.
Desta forma, o projecto faz renascer, ampliada de três para cinco anos, prática que a legislação consagrara mas que tivera duração efémera, certamente por não poder resistir à análise desapaixonada do seu conteúdo e alcance. Na verdade, a providência proposta apresenta-se de tal melindre que bem merece cuidada ponderação.
Em primeiro lugar, trata-se de tão altas funções
- Ministro, Secretário o Subsecretário de Estado e governador das províncias ultramarinas- que é pouco todo o cuidado em não afectar, ao de leve que seja, o seu prestígio e, portanto, a sua autoridade. A proibição expressa no projecto não conterá implícita a suspeita, só por só entender que ela visa, exactamente, a defesa dos empossados naquelas altas funções, contra a mesma suspeita; se não fora a proibição prevista, assim se pensou decerto, ela, a suspeita, poderia vir a atingi-los injustamente. Mesmo desta forma, o raciocínio reveste-se de tão grande melindre que põe em risco o prestígio das aludidas funções.
Em segundo lugar, quando na mentalidade comum, como por felicidade, acontece entre nós - e é essa uma das grandes, ainda que despercebidas, vitórias da Revolução Nacional -, se enraizou profundamente o respeito pela Administração, graças ;i honestidade que a inspira, a imediata condenação no conceito público daquele governante que claudicasse na observância desse princípio de honestidade constituiria já severa pena e nada impediria que a essa pena acrescesse outra, judicial, decorrente do processo que o próprio Governo moveria, na devida e legítima defesa da sua autoridade.
São bem explícitos os artigos 114.º e 115.º da Constituição, o primeiro na imputação, a cada Ministro, de responsabilidade política, civil e criminal pelos actos que legalizar ou praticar; o segundo, classificando como crimes de responsabilidade determinados actos dos Ministros, Secretários e Subsecretários de Estado, entre eles os que atentarem (n.º 6.º) contra a probidade da Administração. Analogamente, o agora com vista aos governadores das províncias ultramarinas, os artigos 154.º e 157.º da Constituição acautelam suficientemente a defesa dos princípios morais.
Em terceiro lugar, a admitir-se como justificada a intenção de defesa contra a suspeita, que ditou, os termos da proposta, justificação de certo modo equivalente se deveria conceder a idêntica intenção, mas dirigida, nus cinco anos anteriores ao início do desempenho das funções governativas; o risco de difamação, a seguir-se a linha do pensamento inspirador do projecto, tanto poderia, estar na investidura do Ministro cessante nas funções do director de uma empresa como na elevação do director da empresa às altas funções ministeriais. E então seria de dez anos o prazo necessário para ilidir a presunção suspeitosa ...
Finalmente, e como já se acentuou, reconhece-se que ainda se pode dizer muito modesto o nosso escol de valores; bem se referia no relatório do Decreto-Lei
Página 454
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154 454
n.º 26 115 «a impossibilidade de prover convenientemente alguns lugares em país tão pobre de competências como o nosso». Acresce que dia a dia é menos invejável D desempenho das funções governativas, quer pelo peso das responsabilidades inerentes, que a progressiva série de implicações da vida corrente torna sempre maior, quer pelo espírito de sacrifício que tal desempenho cada vez mais exige, quer ainda por não conceder as possibilidades de rendimento que o sector privado oferece, o que é agravado ainda pelas necessidades de representação impostas pelo cargo. E daí ser diminuto o número daqueles que querem e podem, pelo sen valor, ascender às funções governativas, menor ainda que o reduzido número daqueles que não querem, mas poderiam aspirar às mesmas funções. Parece assim que são suficientes os preceitos constitucionais e que a doutrina do projecto seria danosamente perturbada com esta extemporânea intromissão.
H) Artigo 6.º
44. É concebido nestes termos o artigo 6.º do projecto:
Art. 6.º Exceptuam-se do disposto nesta lei os representantes eleitos de organizações económicos estrangeiras, quando não tenham a nacionalidade portuguesa de origem, em todos os casos em que o Conselho de Ministros, em despacho fundamentado, considere a participação dessas organizações de muito interesse para o desenvolvimento económico do País.
A disposição acabada de transcrever parece susceptível de levantar problemas no domínio jurídico, pela generalização de tratamento que estabelece ao conjunto dos que não têm a nacionalidade portuguesa de origem, adentro do qual se contam os que a passarem a ter, por aquisição, e os que se mantêm estrangeiros. Para estes últimos, não se vê qualquer fundamento para a eventual excepção preconizada, e de certo modo repugna, neste particular, a diferenciação a favor do estrangeiro; se assim é, com maioria de razão se conclui dá mesma forma para os estrangeiros naturalizados portugueses.
Acresce que a mesma disposição, ao exigir, como condição relativa às organizações económicas estrangeiros, muito interesse para o desenvolvimento económico do Pais, daria origem a enormes o porventura invencíveis dificuldades de execução em estabelecer os limites entre o simples interesse e o muito interesse.
Mas abstraindo destes reparos, que poderiam ser obviados por modificações na redacção, o artigo 6.º proposto encara um pormenor cuja definição e alcance hão-de depender, em larga, se não inteira, medida, da feição que o Governo julgar procedente imprimir à política preconizada. Estatuir sobre a matéria seria, possivelmente, criar fontes de discordância na actuação do Governo e, consequentemente, dificuldades que porventura, comprometeriam o sucesso das providências tomadas.
I) Artigo 7.º
45. O artigo 7.º do projecto reza o seguinte:
Art. 7.º Para todos os efeitos desta lei consideram-se os serviços autónomos, os organismos corporativos ou de coordenação económica, bem como as instituições de previdência e os capitais de qualquer deles, equiparados, respectivamente, ao Estado ou a capitais do Estado.
A equiparação visada deve ser observada de dois ângulos de visão: um, o da limitação das remunerações e regime de acumulações e incompatibilidades, no sector Estado: outro, o da caracterização de certas empresas privadas, no respeitante à relação de dependência do Estado que elas apresentem.
Considere-se o primeiro ponto de vista.
A propósito do artigo 1.º, já se aduziram as razões por que parecia inútil repetir preceitos em vigor, nos mesmos termos em que eles se encontram expressos - e isso acontecia em relação à limitação de vencimentos no quadro do funcionalismo público.
A invocação, neste projectado artigo 7.º, dos serviços autónomos parece desnecessária, mio se trata, decerto, de serviços autónomos dos corpos administrativos, porque não seria de admitir a preocupação de equiparar estes serviços ao Estado e não prever a mesma equiparação para os próprios corpos administrativos, que, aliás, se tornava desnecessária. Visam-se, portanto, os serviços autónomos do Estado, e esses sem dúvida alguma se encontram abrangidos pela designação «estabelecimentos do Estado» usada no artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 26 115.
A equiparação prevista para os organismos corporativos fere indubitavelmente princípio elementar da orgânica corporativa, para a qual se está, com felicidade, acentuando, nu momento presente, o sentido de autodeterminação, que, aliás, desde a origem a informa, mas que mercê da necessidade de formação educativa, de sua natureza lenta, se tem mantido atenuado até agora. A disposição em causa nega esse princípio, com a agravante de sugerir, por equiparação expressa, a nociva estatização dos órgãos corporativos; a este respeito, assume forte significado a orientação do legislador quando, pelo Decreto-Lei n.º 42 046, de 23 de Dezembro de 1958 (artigos 5.º e 6.º), ao tornar extensivas determinadas disposições do Decreto-Lei n.º 26 115 a funcionários ou empregados do alguns organismos, não incluiu nestes últimos os organismos corporativo.
É certo que esto significado veio a sofrer mais tarde atenuação, quando, por despacho proferido pelo Conselho de Ministros em 17 de Setembro de 1947 (Diário do Governo n.º 226, 1.ª série, de 29 de Setembro de 1947), ao interpretarem-se as disposições do Decreto-Lei n.º 26 115, sé tornou a limitação dos vencimentos exclusiva aos funcionários dos organismos corporativos. Na alínea a) do mesmo despacho esclarece-se: «... não podendo nenhum servidor, quer do Estado, quer dos corpos administrativos, quer da pessoas colectivas de utilidade pública administrativa ou dos organismos na hipótese de exercício ou de coordenação económica, mesmo na hipótese de exercício cumulativo ou no desempenho de funções especiais, perceber importância total superior».
Todavia, ou a interpretação assim dada peca por demasia de latitude, ou ela goza pelo contrário, de idoneidade. Num caso ou noutro, tornar-se-ia desnecessária a referência: no primeiro, por ser conveniente reparar um excesso; no segundo, por o Governo já ter expressamente consagrado a interpretação.
Acresce que certas disposições, a aceitar-se a pretendida equiparação, se tornavam flagrantemente irrelevantes; é o caso da aplicação dos limites de remunerações aos corpos gerentes dos sindicatos, funções cujo desempenho é, por lei, gratuito.
A invocação das «instituições de previdência» também parece merecer reparo. Em primeiro lugar, só há vantagem em obedecer às designações já consagradas pela lei; no caso, a designação adoptada é «instituições do previdência social» (Lei n.º 1884, de 16 de Março de 1935). Em segundo lugar, e nos termos legais, a disposição abrange, além das instituições de previdência dos organismos corporativos, das caixas de reforma ou
Página 455
18 DE MARÇO DE 1960 455
de previdência, das instituições de providencia dos servidores do Estado e dos corpos administrativos, também as associações de socorros mútuos, organismos, estes últimos, no seio dos quais a intervenção do Estado seria sempre perturbadora e muitas vezes supérflua; basta lembrar o caso de alguns, intitulados montepios, cujos corpos gerentes, pelo menos em um deles e que ocupa lugar proeminente no meio mutualista, exercem as funções sem remuneração de qualquer espécie.
A referência aos organismos de coordenação económica é desnecessária, pois, além de lhes serem atribuídas funções oficiais (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 26 757, de 8 de Julho de 1936), é da competência do Ministro a fixarão dos vencimentos ou gratificações dos presidentes e vice-presidentes das comissões reguladoras e das juntas nacionais e dos directores e directores adjuntos dos institutos (§ único do artigo 7.º do mesmo diploma).
Isto, quanto a limitação das remunerações. No tocante a acumulações e incompatibilidades, a equiparação prevista no artigo em exame não teria qualquer efeito diferente daquele que resulta da legislação em vigor, uma vez que o estatuído no projecto quanto a acumulações não respeita aos funcionários públicos e quanto a incompatibilidades especifica quatro categorias de funções públicas: Ministro, Secretário de Estado, Subsecretário de Estado e governador de províncias ultramarinas.
Considere-se agora o segundo ponto de vista, segundo a qual importa definir o conceito de Estado para efeito da caracterização dos investimentos em certas empresas privadas.
Neste aspecto torna-se, na realidade, necessário prever disposição esclarecedora, uma vez que podem surgir dúvidas sobre se, por exemplo, a posição de accionista nu de participante de lucros numa empresa, ocupada por um organismo de coordenação económica, deve, ou não, ser equiparada, à posição tomada pelo Estado.
No relativo a serviços autónomos do listado (e que preferível é designar por estabelecimentos do Estado, designação que, aliás, se adoptou no artigo 1.º do projecto e se harmoniza com os termos do Decreto-Lei n.º 26 115) e. aos organismos de coordenação económica, nenhuma dúvida se levanta.
Quanto aos organismos corporativos, seriam válidas as considerações acima produzidas quando se abordou o aspecto da limitação de remunerações, se não fora tratar-se agora de aplicarão de capitais. A circunstância, então referida, de ainda se conservar atenuado o sentido de autodeterminarão dos organismos corporativos assume no caso muito maior relevância, pois necessariamente se tem de admitir caber ao Estado o papel do orientador na aplicação de capitais do que os mesmos organismos disponham. Se assim é, parece que, enquanto a autodeterminação não for plena, tais organismos devem equiparar-se, para o efeito em quentão, ao próprio Estado.
No que toca às instituições de previdência social, parece não se levantarem dúvidas quanto às instituições de previdência dos organismos corporativos (se estes últimos devem ser equiparados, necessariamente as suas instituições de previdência também o devem ser) e às instituições de previdência dos servidores do Estado ou dos corpos administrativos. Quanto às caixas de reforma ou de previdência, nenhuma dúvida se levanta em relação às dos servidores do Estado ou dos corpos administrativos; e as outras, do sector privado, não diferindo, nem em natureza, nem em regime jurídico, das instituições de previdência dos organismos corporativos (caixas sindicais), parece ser-lhes também adequada a equiparação.
No relativo às associações de socorros mútuos, quando inseridas no sector privado, essas não apresentam qualquer caracterização que justifique assimilação ao Estado, pura o efeito em causa; seria até, porventura, mais um golpe desferido contra o princípio mutualista, já de si tão enfraquecido entre nós.
Em síntese, poder-se-á dizer que, para o fim em vista, devem ser equiparadas ao Estado as instituições de previdência social para as quais está prevista a inscrição obrigatória, uma vez que as associações de socorros mútuos, únicas instituições a excluir, são de inscrição facultativa.
J) Artigo 3.º
46. Preceitua o artigo 8.º do projecto:
Ari. 8.º São revogados o artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 26 115 e o § 1.º do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 40 833, bem como todas as leis especiais que disponham diferentemente.
Para boa inteligência do conteúdo transcrito indicam-se os textos das disposições cuja revogação se prevê:
Artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 26 115, de 23 de Novembro de 1935:
Art. 27.º Fica expressamente proibida a atribuição de vencimentos superiores aos dos Ministros, aos directores e administradores de estabelecimentos do Estado, de sociedades, companhias ou empresas concessionárias ou arrendatárias em que o Estado tem direito a participação nos lucros ou é accionista por força de diploma legal a que a constituição das mesmas entidades está sujeita.
§ 1.º do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 40 833, de 29 de Outubro de 1956 (transcreve-se também o corpo do artigo, cuja leitura é imprescindível para boa compreensão do § 1.º do mesmo artigo):
Art. 6.º Os administradores por parte do Estado terão remuneração idêntica à dos demais administradores (não seria revogado).
§ 1.º Nos casos em que essa remuneração exceda o vencimento atribuído aos Ministros de Estado, o cargo de administrador por parte do Estado não será acumularei com qualquer outro em corpos gerentes de sociedades civis ou comerciais (parágrafo a revogar).
As revogações previstas são contra-indicadas na linha de pensamento directora das considerações anteriores. Quanto ao artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 26 115, manter-se-ia em relação aos estabelecimentos do Estado e seria tacitamente revogado, na parte, referente às empresas, pelas novas disposições a promulgar - se é que, como atrás se referiu, não é já de aceitar essa revogação pelo disposto no § 1.º do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 40 833. Quanto à revogação deste, último preceito, ela perde fundamento, uma vez que se aceita, como se viu, deverem os limites das remunerações dos corpos gerentes de empresas ser desligados do limite fixado no projecto.
L) Artigo 9.º
47. O artigo 9.º, e último, do projecto preceitua:
Art. 9.º Esta lei aplica-se:
a) Quanto aos vencimentos fixos, desde o mês imediato ao da sua publicação;
b) Quanto às demais retribuições, desde o começo do ano social em curso naquela data.
Página 456
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154 406
A disposição, no que toca à alínea b), revela-se de tal dureza que, em muitos casos, a sua aplicação, mesmo sem nímio rigor, seria ofensiva de direitos e, porventura, até inexequível. É o caso de summum jus, summa injuria. De facto, se a lei fosse publicada próximo do termo do ano social, as gratificações ou outras retribuições, excepto vencimentos fixos, percebidas pelos mentiras dos corpos gerentes nos meses decorridos desde o principio do mesmo ano teriam de ser reembolsadas à entidade que as havia pago, na parte excedente ao limite fixado. Por força da lei, seriam deste, modo alteradas, com efeito retroactivo, condições do contrato, ainda que possivelmente tácito, entre a mesma entidade e os referidos membros dos corpos gerentes, que muito bem poderiam ter-se negado no desempenho das funções se previamente conhecedores das novas condições impostas. E a dar-se o caso de qualquer desses indivíduos já ter falecido o reembolso poderia ser impossível.
Mas parece que a disposição oferece as mesmas características das últimas comentadas, isto e, a sua feição de pormenor classifica-a de inadequada, nos termos gerais de enunciação dos regimes jurídicos, feição que, como já se assinalou, o artigo 92.º da Constituição preceitua para as leis votadas pela Assembleia Nacional.
III
Conclusões
§ 13.º Considerações finais
48. Do exposto anteriormente pode concluir-se julgar esta Câmara merecer atenção e novo tratamento a matéria visada no projecto em exame. A essa atitude levam as considerações que se produziram na apreciação na generalidade do referido projecto, todas elas influenciadas pela preocupação de se defender a moralização da administração pública e dominadas pelos imperativos de carácter social - pela justiça entre os cidadãos que o artigo 29.º da Constituição impõe como um dos objectivos da organização económica da Nação.
No domínio da especialidade, e ao fazer a análise dos, vários artigos do projecto, já tomou esta Câmara posição quanto à conveniência de se legislar em determinado sentido e quanto à medida em que seria de perfilhar o que se contém no articulado do projecto.
As bases que a seguir se, apresentam inspiram-se no que se escreveu e também no seguinte:
Julga a Câmara justificar-se a ampliação do regime legal regulador das acumulações e incompatibilidades, assim como a intensificação do recurso ao imposto pessoal sobre o rendimento, como corrector dos proventos excessivos resultantes do exercício de cargos em corpo gerentes de empresas privadas. Parece ainda a esta Câmara impor-se a adopção de providências atinentes a evitar a translação dos encargos fiscais com incidência nas remunerações dos elementos dos corpos gerentes das empresas, para estas últimas, assim como de providências destinadas a impedir a viciosa classificação das mesmas remunerações, com o fim de iludir normas limitativas ou fiscais. Também julga a Câmara dever promover-se, relativamente às empresas, de interesse colectivo, a generalização da prática de fazer com participar o pessoal nos lucros quando os corpos gerentes usufruam de tal beneficio.
No tocante a limitação de remunerações pelo exercício de cargas nos corpos gerentes, à Câmara parece dever ela ser extensiva a todas aquelas empresas que apresentem uma razão peculiar de dependência do Estado, um determinado vínculo de subordinação ou sujeição ao Estado. Entende, porém, que essa limitação deve oferecer um poder de maleabilidade suficiente para se adaptar com justeza - e com justiça - à multiplicidade e diversidade dos casos que a vida real apresenta.
Se para certas empresas, de reduzida actividade e fácil gestão, a remuneração de Ministro constituiria limite excessivamente elevado, para outras, sobre cujos elementos gestores recaem enormes responsabilidades e a exigência de pesado labor, o mesmo limite, na escala nacional e da generalidade dos outros países, seria reduzido. Por outro lado, e considerada uma empresa, nos seus corpos gerentes há funções para o desempenho das quais o esforço solicitado não justificaria limite tão elevado, como outras funções há (...) forma exigentes de confiante presença e actuação, poder de decisão e sentido das responsabilidades que só outro limite, mais alto, com elas seria conforme.
Desde que há empresas em relação às iguais vigoram, previstas em diplomas especiais ou em contratos, disposições que não obedecem aos preceitos que se propõem, convirá prever desde já a impossibilidade de prorrogações ou celebrações de novos contratos em que se consagrem situações excepcionais no tocante ao regime das remunerações. Se os princípios jurídicos impedem a revogação unilateral de disposições contratuais ou constantes de diplomas especiais, manda a justiça e a moral que não continuem a subsistir, para além dos prazos de vigência actuais, situações à margem do regime geral que se estabelecer.
Finalmente, e na sequência do que se disso a propósito do artigo 1.º (n.º 37), julga-se que as regras enunciadas seriam de aplicar, por ora, apenas à metrópole, ainda que para o efeito se incluíssem, as empresas cuja actividade se exercesse no ultramar, mas desde que a sua sede ou administração se localizasse ou funcionamento na metrópole.
§ 14.º O projecto de lei proposto
49. Com a justificação que decorre de todas as considerações produzidas, a Câmara apresenta o seguinte texto em substituição do projecto de lei n.º 27:
Projecto de lei
Base I
O Governo ampliará e generalizará a actual regulamentação das incompatibilidades e acumulações, determinada pelo artigo 411.º da Constituição Política, e tomará providências para corrigir os proventos excessivos resultantes do exercício de cargos em corpos gerentes de empresas privadas.
Base II
Para a consecução dos fins indicados na base anterior, deve especialmente o Governo:
a) Utilizar o imposto pessoal sobre o rendimento como corrector dos proventos referidos na mesma base;
b) Impedir que os encargos fiscais com incidência nas remunerações provenientes do exercício de cargos em corpos gerente de empresas privadas sejam por estas suportados;
) Adoptar as providências necessárias para que as limitações e encargos fiscais que incidam sobro aquelas remunerações recaiam sobre a sua totalidade, seja qual for a forma ou título que se atribua às mesmas remunerações.
Base III
1. Consideram-se em situação especial para o efeito do disposto nas bases seguintes:
a) As empresas de que o Estado seja accionista ou em cílios lucros tenha participação, desde que tais po-
Página 457
18 DE MARÇO DE 1960 457
sições estejam previstas em diploma legal ou nos respectivos estatutos;
b) As empresas concessionárias ou arrendatárias de serviços públicos ou de bens do domínio público;
c) As empresas que explorem actividades em regime de exclusivo ou com benefício ou privilégio não previstos em Lei geral;
d) As empresas que beneficiem de financiamentos feitos pelo Estado ou por ele garantidos.
2. São equiparados ao Estado, para os efeitos da alínea a) do número anterior: as autarquias, os estabelecimentos do Estado, os organismos corporativos ou de coordenação económica e as instituições de previdência social obrigatória.
BASE IV
O Governo promoverá que a participação, dos corpos gerentes nos lucros das. empresas privadas referidas na base anterior dependa da atribuição de idêntico benefício ao pessoal em serviço nas mesmas, pela forma e na medida consideradas socialmente justas.
BASE V
1. O exercício de funções um corpos gerentes de empresas abrangidas pela base III não é acumulável:
a) Com o exercício de mais de uma dessas funções em empresa, também abrangida pela base III;
b) Com o exercício de mais de uma dessas funções em sociedades subsidiárias da mesma ou de outras sociedades abrangidas também pela base III;
2. É também incompatível o exercício de funções em corpus gerentes das empresas abrangidas pela base III com o desempenho de cargos de idêntica natureza em mais de uma sociedade subsidiária.
3. Para os efeitos desta lei, desde que metade, pelo menos, do capital de um empresa pertença a outra, considera-se aquela subsidiária desta.
BASE VI
A remuneração correspondente ao exercício por uma empresa abrangida pela base III de cargos em corpos gerentes de outra empresa constitui obrigatoriamente receita da empresa-sócia, não podendo a tal título ser abonada por qualquer das empresas seja que quantia for à pessoa que exercer a representação da sociedade, desde que tal pessoa faça parte dos corpos gerentes desta.
BASE VII
A remuneração dos membros dos corpos gerentes das empresas abrangidas pela base III deverá ser limitada:
a) Ou segundo regras a fixar em diplomas especiais, tendo em atenção a categoria e a actividade das empresas, a natureza das funções e a efectividade da elaboração na gestão da empresa;
b) Ou mediante a aprovação dos estatutos, quando deles constem os elementos definidores da remunerarão, ou da homologação das deliberações das assembleias gerais, comissões de vencimentos ou outros órgãos encarregados pelos estatutos de fixar as remunerações, tendo-se também em atenção os critérios estabelecidos na alínea anterior.
BASE VIII
No termo dos períodos em curso, os contratos existentes e celebrados entre o Estado e as empresas abrangidas pula base III que tenham dado origem às situações previstas na mesma base não poderão ser renovados sem que tenham caducado quaisquer disposições constantes de diploma especial ou de contrato que aos respectivos corpos gerentes atribuam regime diverso do estabelecido nesta lei e nos diplomas que a regulamentarem.
Base IX
A presente lei é aplicável a todas as empresas que tenham social na metrópole ou cuja administração nela funcione, ainda mesmo que a sua actividade seja exercida no ultramar.
Palácio de S. Bento, 14 de Março de 1960.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queirós ( l - Não tive a satisfação de poder concordar com boa parte da apreciação na generalidade, parecendo-me inconcludentes várias das, aliás, verdadeiramente doutas e eruditas considerações aí feitas.
2 - Quanto ao contra projecto proposto pela Câmara, não lhe dei o meu voto nos dois pontos seguintes:
a) Providências para corrigir os proventos excessivos resultantes do exercício de cargos em corpos gerentes de empresas privadas (bases I e II). Não me pareceu aconselhável utilizar discriminatoriamente o nosso imposto pessoal sobre o rendimento (imposto complementar), em relação a proventos provenientes do trabalho, para mais incertos quanto ao seu montante e duração. Por outro lado, sustentei ser praticamente impossível impedir que estes encargos fiscais discriminatórios se repercutam sobre as empresas, vindo a ser, afinal de contas, suportados por elas.
B) Limitação das remunerações dos membros dos corpos gerentes das, lato sensu, chamadas empresas de interesse colectivo (bases III e VII). Pareceu-me deverem estes proventos sofrer limitações, não pelos motivos aduzidos em parecer, mas apenas porque a designação dos membros desses corpos gerentes não é sempre, notoriamente, fruto de opções de carácter puramente economico-administrativo, quer quando se trata das assembleias gerais a elegê-los, quer quando se trata da administração pública a indicar os seus representantes. Se a escolha dos membros dos corpos gerentes correspondesse sempre e apenas a um juízo sobre a idoneidade deles como administradores, não seria Legítimo limitar-lhes a lei os vencimentos, dado que, apesar de tudo, estamos perante empresas privadas. É certo que, nestas empresam, há quem seja eleito pelas assembleias gerais exclusivamente com base nos seus méritos como administrador, não parecendo justificado que se limitem Legalmente as remunerações que as empresas estão dispostas a atribuir-lhe. Mas aqui, como em outros casos, «tem de pagar o justo pelo pecador»: não é viável distinguir, a este respeito, entre os que são eleitos sem interferência de motivos extra-administrativos e os que o são com intervenção de motivos
Página 458
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154 458
desta ordem. Não vejo, por isso, outra solução senão a lei estabelecer indistintamente limites que sejam o mais baixos possível - não tão baixos, porém, que induzam os administradores de verdade a desinteressar-se do emprego da sua actividade em tal género de funções.
Entendi, por outro lado, que a lei em preparação pode bem pronunciar-se sobre as limitações a estabelecer, não considerando procedentes as razões que no parecer se aduzem para deferir ao Governo a sua fixação.
Nesta orientarão, inclinei-me para que a lei consigne duas limitações diferentes, e apenas duas: uma para as remunerações dos representantes da Administração e entidades equiparadas nus corpos gerentes das empregas de interesse colectivo; outra para os restantes elementos dos corpos gerentes. Os primeiros, em meu mudo de ver, por unia questão de hierarquia e de justiça relativa, nunca deveriam receber remuneração superior à dos Ministros; os segundos não poderiam perceber remuneração superior a mais útil por cento.
3 - No parecer desta Câmara n.º 17/VII liceu previsto que, nesta oportunidade, se estudaria o problema da acumularão de empregos públicos com empregos em empresas privadas, designadamente de interesse colectivo. Não consegui da Câmara que correspondesse agora no que finou então por lembrança, julgo que a regulamentação do problema do limite das remunerações ficará duramente incompleta sem a adequada disciplina deste aspecto do estatuto da função pública).
Augusto Cancella de Abreu. (Assino «vencido» o presente parecer porquanto, não me convencendo ou não me bastando os argumentos da sua generalidade - ou não interessando, na sua extensa divagação, ao ponto de vista em que me coloco -, mantenho a minha concordância com os critérios por que se traduz a generalidade do projecto de lei apreciado.
Com efeito, tenho a opinião de que a Assembleia Nacional e, portanto, a Câmara Corporativa não devem deixar de estabelecer, elas próprias, o limite concreto das remunerações visadas. Não reconheço dificuldade na indicarão, pelo que respeita à metrópole, de um único limite geral, pois se trata de um limite, e não de uma fixação de vencimentos. E entendo que não só essa limitação como outras providências propostas sobretudo se impõem pela sua conveniência política - da qual a Assembleia Nacional é órgão especial de apreciação e o principal julgador, não sendo aconselhável nem curial que protele e relegue para o Governo decisões de tal alcance ou que se furte às próprias disposições alicientes de pormenor.
Por outro lado, também se me afigura que os restantes preceitos do projecto de lei, no seu conjunto e alguns especialmente, respondem melhor do que os do parecer às exigências morais de uma justa sobriedade social e à urgência das correcções que a nossa consciência política e a opinião nacional reclamam com insistência.
Pelo que respeita à apreciação na especialidade - chamem-se ou não «bases» as diferentes parcelas em que a matéria se divida, pois o que constitucional mente importa é o conteúdo, e não a nomenclatura - também- não voto os comentários do parecer sobre os pormenores do projecto de lei, sem prejuízo do respeito que merecem os raciocínios desenvolvidos, muitos dos quais, quanto a mim, apenas deslocados na oportunidade.
Sem me ocupar de aspectos restritos de redacção, observo apenas o seguinte sobre esses pormenores do projecto de lei:
a) No seu artigo 1.º deverá referir-se, logo de início, assim como no § único, «os membros dos corpos gerentes» e não «os corpos gerentes»; e convirá definir melhor as entidades; abrangidas na alínea a) do corpo do artigo, esclarecendo expressamente que se trata, de todas as concessionárias ou arrendatárias do Estado ou dos corpos administrativos, portanto de todas as que sejam de interesse colectivo;
b) Ao texto do artigo 2.º convirá aditar «ou aos corpos administrativos»;
c) Para evitar efeito retroactivo, como irá substituir na alínea b) do artigo 9.º as palavras «desde o começo do ano social em curso naquela data» por «desde a data dessa publicação».
Creio ainda que na futura lei se deverá incluir duas novas disposições: uma equivalente à sugerida na base IV do presente parecer e relativa ao condicionamento da participação nos lucros das empresas, outra equivalente à sugerida na base VI do parecer e relativa à remuneração pelo exercício de funções em representação das empresas.
Considero que também será útil que tique expressamente esclarecida na futura lei a aplicação de sanções pela falta de cumprimento das diferentes disposições que contém).
Fernando Andrade Pires de Lima.
Guilherme Braga da Cruz (Perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Afonso Rodrigues Queiró).
Procurador Afonso Rodrigues Queiró).
José Pires Cardoso.
Albano Rodrigues de Oliveira.
António Trigo de Morais. (A fixação, expressa em lei, do limite de remuneração dos corpos gerentes das empresas metropolitanas ou ultramarinas, com sede ou administração na metrópole, em que o Estado esteja representado, considero-a exigência primeira de ordem moral no momento presente, por contribuir para a supressão de desníveis causadores de sérias preocupações à consciência cristã da Nação e por constituir caminho aberto para uma mais justa distribuição de bens).
António Jorge Martins da Motta Veiga.
Eugénio Queirós de astro Caldas.
Francisco Pereira de Moura. (Dou inteiro acordo às conclusões do parecer consubstanciadas no sistema. de bases que a Câmara apresenta. Mas pela própria importância e melindre da matéria, lamento que não se tenham ensaiado alguns passos de discussão, em sentido mais concreto, acerca dos limites de remuneração, pois essa tentativa poderia revelar-se muito útil no caso de vir a
Página 459
18 DE MARÇO DE 1960 459
transformar-se em lei a base VII do texto de substituição do projecto. E também não me parece suficientemente explicito o motivo essencial que leva a Câmara a perfilhar o fundo doutrinário do projecto, e que é, a meu ver, um desejo de moralizarão de vida social e política portuguesa, circunstância que confere à intervenção carácter absolutamente excepcional, a corrigir abusos, mas lambem, sem qualquer dúvida, urgente.
Ainda afirmando todo o respeito que me merece a opinião da Câmara, não posso aceitar as ideias expostas nos n.º 10 a 14 do parecer sob o titulo «A limitação das remunerações e o regime da repartirão do rendimento».
Efectivamente constitui o termo de toda a argumentarão a hipótese de a aplicação do projecto promover uma redistribuição confraria, aos princípios da. política social, na. medida em que transfere, remunerações dos «trabalhadores» da administrarão das empresas para a conta de remunerações do capital, não suscitando, além disso, qualquer efeito de redistribuirão pessoal.
Ora, em primeiro lugar e a ser assim, não compreendo que se sancione uma medida de consequências absolutamente incompatíveis com os princípios sobejamente defendidos pela Câmara em outros pontos do parecer; e considero deslocada, além de muito discutível, a justificação encontrada em lermos de crescimento económico, para aceitar essa ausência de redistribuição pessoal do rendimento.
Mas - e é o segundo ponto, para mim o fundamental - não creio suficientemente estabelecida a hipótese que atrás se referiu. Assentando o raciocínio em uma teoria «sociológica» ria repartição, não encontra correspondência na realidade portuguesa a cisão entre o grupo dos administradores e o grupo dos proprietários ou capitalistas das empresas (que na economia do parecer se entendem sempre sem referência aos pequenos accionistas): todas estas situações correspondem a um único e bem diferenciado grupo sócio-económico, sendo totalmente artificial a separação que se fez, ainda imbuída das análises «funcionais» da repartição que. se quis, o bem, pôr de lado. Mais ainda: não parece válida nos Termos propostos a admissão da cláusula ceteris paribus, que constitui mero expediente teórico facilitando os raciocínios, mas está claramente ultrapassada nas aplicações em discussão: pois nem o rendimento a distribuir ó invariante, nem a dicotomia, «salário» dos corpos gerentes-lucros das empresas esgota as categorias reais de participações nesse rendimento.
De tudo concluo que o principio da limitação das remunerações dos corpos gerentes também encontra defesa à luz de uma doutrina propondo mais justa repartição do rendimento, independentemente de outros argumentos em que se apoie, e sem embargo de reconhecer que não constitui o mais adequado processo para alcançar essa justiça distributiva.
Em mais dois pontos tenho de fazer alguns reparos. A doutrina, do § 4.º da discussão na generalidade, respeitando aos «imperativos de carácter social», surge-me como mera repetição de afirmações e analisas já anteriormente produzidas, com parte das quais, aliás, venho do me declarar em discordância. E o trecho final do § 7.º (n.(tm) 23 e 24) afigura-se pouco claro: realmente, se o Estado deve «corrigir os desmandos ou os desvios de actuação que ameacem ferir o
interesse nacional», e se «o Governo deve manter continua vigilância para que não sejam ofendidos os princípios que consagram a posição superior do Estado perante o agregado nacional», creio que a ausência de intervenção a corrigir abusos, designadamente quando estiverem em causa empresas ligadas ao sector público, é quo põe em risco a ideia de independência do Estado, podendo levar a opinião a acreditar que o Governo «se enredou na trama dos interesses privados». Deixar tais funções correctivas à organizarão corporativa, seja qual for o escalão e a modalidade a que se faça apelo, parece-me perigosa demissão do Poder Público, que, por acréscimo, nem sequer encontra qualquer justificativo do ponto de vista da doutrina e da concepção corporativa tais como eu as entendo).
Adelino da Palma Carlos. (Votei contra a limitação das remunerações. O imposto pessoal sobre o rendimento é, quanto a mim, o único corrector dos proventos que deve ser utilizado. Vencido neste ponto, aprovei o parecer e as bases nele sugeridas).
José Gabriel Pinto Coelho. (Não posso aceitar de forma alguma a base IV, em que afinal se proclama o princípio de que só é admissível a participação dos corpos gerentes nos lucros das empresas privadas quando o restante pessoal ao serviço das mesmas goze de idêntico beneficio.
Advertirei desde já que esta atitude não significa de modo algum que se rejeite a participação do pessoal ou dos trabalhadores nos lucros das empresas. Considero antes perfeitamente admissível esta forma de retribuição do trabalho, que nada tem de contrária ao direito.
A retribuirão normal do trabalho prestado pura a consecução ou realização do empreendimento, que constitui o fim ou objecto do ente social, é o salário, tomada a expressão no seu sentido amplo, sendo o lucro a contrapartida ou remuneração do capital investido na empresa. Mas nada tem de chocante atribuir-se ao trabalhador, que exerce uma função meramente executiva, uma remuneração suplementar e eventual, retirada dos lucros. Tem essa forma de remuneração a vantagem de estimular os trabalhadores a realizar um esforço mais produtivo, interessando-os nos resultados da exploração exercida. Sempre tenho acolhido com simpatia todos os meios de assegurar ao pessoal das empresas, me fornece actividade de trabalho. melhores condições do existência e sobretudo meios suficientes de subsistência.
Mas o que não posso admitir é que se confunda e se equipare a actividade de trabalho do pessoal, de natureza puramente executiva, com a actividade de direcção ou administração da empresa, equiparação que está implícita no principio formulado de que só pode admitir-se participação dos corpos gerentes nos lucros desde que se assegure essa participação também ao pessoal trabalhador.
É, certo que, embora nas empresas colectivas (sociedades) os corpos gerentes ou órgãos de direcção sejam constituídos por sócios, pois só nas sociedades por quotas excepcionalmente se admite que os gerentes sejam pessoas estranhas à sociedade, a participação que aos dirigentes, como tais se atribui nos lucros é verdadeira remuneração do trabalho de direcção que prestam, como remuneração é o vencimento fixo que com base nos estatutos, se lhes concede,
Página 460
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 154 460
assim que este vencimento lhes é devido, quer haja lucros, quer não.
Mas, repito, é ilegítimo equiparar este trabalho, esta actividade dos gerentes ou administradores, ao trabalho puramente executivo do pessoal.
Não pode abstrair-se de que os corpos gerentes da sociedade (a administração) são os órgãos constitucionais da pessoa colectiva. A ventado por eles manifestada tem-se como sendo a vontade da própria pessoa colectiva, sujeito de direito. Costuma, por isso, dizer-se que os elementos componentes destes órgãos emprestam a sua vontade à pessoa colectiva, criação artificial, do direito, que, como tal, não é provida dr vontade própria, como a pessoa física.
Isto nos mostra já como a actividade ou trabalho dos membros dos corpos gerentes - os administradores - se destaca fio trabalho que presta o pessoal. Ao trabalho de direcção e orientação que realizam se devem essencialmente os lucros da exploração social; e são os administradores os verdadeiros responsáveis pelos resultados desfavoráveis, quando as não tenham determinado circunstâncias exteriores, que excedem as suas possibilidades de previsão e de defesa.
Tão especial é a sua posição no complexo económico da empresa que, como já acentuámos, essas funções são por princípio apanágio dos sócios. E ao referir-se a elas a lei fala na «faculdade de administrar», atribuída aos sócios, que tanto pode ser conferida no próprio pacto social como por acto posterior. Além disso, quanto às sociedades anónimas, a lei exige dos directores a prestação de caução, sem o que não poderão entrar em exercício, o que tudo concorre para distinguir esta actividade da do pessoal.
Tão evidente é a índole particular da actividade dos membros dos corpos gerentes que, quando se consideram como assalariados, se lhes cia correntemente na linguagem económica a designação de assalariados de circunstância, também usada no parecer desta Câmara. E neste aparece bem vincada a diferença existente entre os «assalariados de circunstância» e os outros assalariados, cuja retribuição apresenta características especiais, sendo formada tanto pelo salário directo como pelo salário indirecto, que, nas suas diversas formas, mal se conceberia que fosse aplicável aos primeiros (v. n.ºs 11 e 12 do parecer).
Compreende-se, pois, perfeitamente que se arbitre uma pequena percentagem nos lucros aos administradores (corpos gerentes) sem que igual vantagem seja concedida aos trabalhadores em geral. Trata-se de uma forma de premiar o acerto da sua obra de gestão, a forma feliz por que souberam orientar a exploração. Se considerarmos que os administradores são sócios dotados da faculdade peculiar de administrar, a concessão de uma percentagem nos lucros pode estabelecer-se até a partir da ideia de que estes podem, por determinação especial dos estatutos, ser atribuídos aos sócios por critério diverso da proporcionalidade com as suas quotas no capital.
O que, portanto, tem para mim de chocante o princípio enunciado na base IV é a colocação em pé de igualdade, no que toca à participação nos lucros, de duas classes inteiramente diversas de prestadores de actividade de trabalho e, consequentemente, de actividades de índole inteiramente diversa. Uns, sócios da empresa, revestidos da faculdade de administrar esta; outros, estranhos à emprega, simples prestadores de trabalho executivo. A actividade dos primeiros s de direcção e superior orientação da exploração social; a dos segundos é de pura execução da tarefa que por aqueles lhes foi cometida, ainda que alguns deles sejam dotados de aptidões especializadas, que nem todos possuem.
O principio contido na base IV está, pois, em contradição com a doutrina do parecer, quando nele se assinala a diferença que destaca os assalariados «de circunstância» dos demais assalariados.
A equiparação destes dois termos, no que respeita à participação nos lucros, reflecte de algum modo a tendência, que se vai infelizmente acentuando, no sentido do que podemos chamar a hipertrofia do valor do factor produtivo - trabalho, no complexa económico da empresa. Considerando-se em tempos remotos os trabalhadores vítimas da ambição e do egoísmo do capital, desencadeou-se um vigoroso e intenso movimento no sentido de proteger aqueles contra os abusos dos detentores do capital. Nessa corrente marca uma posição relevante a encíclica Rerum Novarum, inspirada por admiráveis princípios de boa moral cristã.
Mas dessa corrente, dominada por sãos princípios de justiça social, quiseram apoderar-se certos elementos exaltados que procuram subverter os dados do problema, exacerbando num ambiente de ódios a chamada luta de classes. Foram assim levados ao exagero de sobrestimar o valor do trabalho, do mesmo passo que procuram aviltar o do elemento «capital». A própria organização política da sociedade humana passa nesta orientação a configurar-se como «a república dos trabalhadores». Não é outra a visão política do comunismo.
Como reacção contra este erro altamente prejudicial, surge a política de coordenação e colaboração de capital e de trabalho, inspiradora do nosso Estatuto do Trabalho Nacional. Esta se nos afigura a orientação razoável. Mas é necessário preservá-la de todas as infiltrações mais ou menos directas e aparentes do exagero que deixamos assinalado da valoração do factor trabalho, que tem como reverso o aviltamento do capital.
Tão-pouco posso dar a minha concordância aos princípios que informam, no contraprojecto, as disposições sobre acumulações e incompatibilidades.
Nessas disposições, como, aliás, nas que respeitam à limitação das remunerações, abstrai-se da aptidão ou competência das pessoas para o exercício de funções nos corpos gerentes - mais especialmente na direcção ou administração - das empresas. Vê-se no investimento num cargo social apenas a conquista de uma fonte de receita, de um rendimento. E isto depois de se reconhecer, como se reconhece no parecer, que escasseiam os valores no nosso meio social e que se torna por vexes difícil encontrar nas classes de elite as competências necessárias para orientar n dirigir certas empresas. A preocupação dominante, que faz esquecer tudo o mais, é impedir que alguns acumulem grandes ganhos, embora estes provenham do seu trabalho e do reconhecimento dos seus especiais merecimentos,
Página 461
18 DE MARÇO DE 1960 461
representando o prémio do estudo e da experiência de muitos anos.
Invocam-se então princípios vagos de moral social o de mais justa distribuição da riqueza, como se fosse imoral conseguir altos proventos como remuneração de trabalho honesto e fosse injustiça social atribuir mais volumosa remuneração u quem dá provas de maior merecimento e é capaz de maior actividade de trabalho.
E o que torna, o critério ainda mais estranho, para não dizer absurdo, é que, se uma pessoa, mesmo de mediana cultura, consegue, por felizes circunstâncias, alcançar na indústria altos lucros s acumular unia fortuna, se um cirurgião ou um advogado do talento percebem no fim de cada ano grossas quantias em honorários, o público não se choca, nem julga ofendida a moral social. O sucedo destes profissionais só lhes granjeia, cada vez mais sólida clientela. Não se reclamam para estes felizes medidas especiais que assegurem mais equitativa distribuição da riqueza. Só os proventos de remuneração dos membros dos corpos gerentes das empresas reclamam tais providências.
Não julgo razoável o critério, e penso que as chamadas reclamações da opinião pública, em que se pretende apoiar a «necessidade política» das providências contidas no projecto em discussão, se inspiram em sentimentos menos elevados do que aqueles que se proclamam. Não creio por isso que se deva dar ouvidos a tais reclamações, além de tudo, porque com isso se não alcança qualquer vantagem política. Temos que ver antes com que sectores de opinião deve o Estado contar e quais são as esferas sociais que mais concorrem para o progresso e riqueza da Nação).
João Faria Lapa, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA