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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 156
ANO DE 1960 23 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 156, EM 22 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMÁRIO:- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia.- Foram aprovados os n.ºs 153 e 154 do Diário das Sessões.
Leu-se o expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Saraiva de Aguilar, sobre a utilização dos diplomados com os cursos médios de engenharia, e Nunes Barata, acerca da revisão e integral publicação do Código Administrativo.
Ordem do dia.- Iniciou-se a discussão na generalidade da proposta de lei sobre reorganização dos desportos.
Usou da palavra o Sr. Deputado Rodrigues Prata.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente:- Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
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Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José (li; Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
osé Rodrigo Carvalho.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriada de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 153 e 154 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, considero-os aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado António Lacerda sobre a situação dos grémios da lavoura.
Telegramas
Vários no mesmo sentido.
Da Câmara Municipal do Felgueiras a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Duarte do Amaral acerca da criação de uma região hospitalar em Guimarães.
De Mário Pinto Almeida a solicitar a aplicação do artigo 9.º da Lei de Meios a todos os ferroviários reformados e pensionistas.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Saraiva de Aguilar.
O Sr. Saraiva de Aguilar: - Sr. Presidente: os estabelecimentos de ensino de Engenharia em Portugal são representados pela Faculdade de Engenharia do Porto, Instituto Superior Técnico, chamados cursos superiores de Engenharia, e pelos institutos industriais, sendo estes últimos considerados cursos médios, de Engenharia.
A Faculdade de Engenharia do Porto e o Instituto Superior Técnico de Lisboa têm justamente beneficiado desde a sua fundação de amparo do Governo, gozando e usufruindo benefícios e privilégios que impressionam a juventude que os frequenta, criando nela conceitos de superioridade que, por vezes, tomam aspectos e levam a exageros a todos os títulos condenáveis.
Desde 1911 assiste-se a um mal-estar inquietante, provocado por diversas publicações e críticas, em que se chega a afirmar que os diplomados com os cursos médios de Engenharia ou, melhor, os agentes técnicos de Engenharia, deveriam somente ocupar os lugares de mestres-de-obras e oficinas e outros cargos semelhantes e de menos valia.
Isto depois de o agente técnico de engenharia Ter passado treze anos da sua juventude em estudos que sòmente lhe poderiam proporcionar o modesto vencimento de um mestre-de-obras?
Como se compreende este desiderato se a lei permite que os alunos com o 1.º ano dos institutos industriais com a média de 14 de valores se possam matricular na Faculdade de Engenharia ou no Instituto Superior Técnico?
Estas considerações e outras formadas públicos vêm servindo, por vezes, para criar um ambiente desagradável de rivalidade lamentável, e não pode deixar de se admitir que têm procurado diminuir o prestígio e os direitos dos diplomados pelas escolas médias de Engenharia.
Bem sabemos que vários engenheiros, dos mais prestigiosos do nosso país, têm posto em relevo os serviços prestimosos desses diplomados.
A qualidade de «diplomados» advém-lhes já desde a fundação dos institutos industriais e, se assim não fosse, em que seriam diplomados os estudantes saídos dessas escolas médias de Engenharia, que, ao abrigo das leis vigentes, projectam edifícios, estradas, pontes, redes de abastecimento de água e de electricidade, obras de betão armado, etc., que chefiam serviços técnicos em câmaras municipais e ralizam obras municipais e realizam obras da maior valia técnica?
A questão é, em verdade, muito antiga, mas parece-me lamentável pretender avivar-se com o pretexto do despacho ministerial de 1 de Julho de 1959, transmitido pelo ofício n.º 2299, da Direcção-Geral do Ensino Técnico e Profissional, em que se diz: «É indubitável que os institutos industriais são escolas médias de Engenharia e que não pode, consequentemente, ser recusada aos que concluam os respectivos cursos a faculdade de se declararem diplomados de Engenharia».
Não pretendo apreciar ou discutir esse douto despacho de S. Exa. O Sr. Ministro da Educação Nacional, sòmente, tão claro quanto possível, e em breves palavras, expor a situação, desfavorável a todos os títulos, em que labutam os agentes técnicos de engenharia e condutores de obras públicas, classe que tantos e relevantíssimos serviços vem prestando ao país, contribuindo com o seu esforço, prestigiando e honrado a sua classe.
A existência dos cursos do Instituto Industrial é, sem dúvida, anterior à criação das nossas Faculdades, mas foi depois do Decreto de 23 de Maio de 1911, que, diferençando os graus superior e médio do ensino industrial e comercial, se estabeleceu certa animosidade entre os dois graus, um disputar de méritos e de títulos, de competências e de regalias, que, apesar dos anos vol-
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vidos desde então, não parece com tendência a atenuar-se ou a desaparecer.
A este assunto se referiu também S. Exa. o Sr. Ministro da Economia, engenheiro Ferreira Dias, no seu parecer n.º 13 da Câmara Corporativa, de 7 de Agosto de 1946.
Também à situação injusta em que actualmente se encontram os agentes técnicos de engenharia e condutores se referiu o Sr. Engenheiro Frederico Ulrich no seu parecer sobre a proposta de lei n.º 28, em que afirma que é necessário estimular o interesse pelos cursos dos institutos industriais, sendo para isso urgente rever as remunerações dos respectivos diplomados, hoje estabelecidos em critério desfavorável.
Esse critério parece ter são estruturado no princípio de que a remuneração de agente técnico nunca deve atingir a do engenheiro de 3.ª classe, mesmo com o máximo tempo de serviço.
Assim, o vencimento do agente técnico dos quadros do Estado, fixados pelo Decreto-Lei n.º 26 115, vai de 2.900$ a 3.600$ e o dos engenheiros vai de 4.000$ a 6.500$, respectivamente de 3.ª classe e 1.ª classe.
Os agentes técnicos estão equiparados a segundo-oficial, com o vencimento de 2.900$, e a primeiro-oficial, com o vencimento de 3.600$, e não é preciso lembrar que estes funcionários podem atingir esta categoria apenas com o 5.º ano do liceu.
Como é do conhecimento geral, está no espirito do Governo fomentar a frequência das escolas técnicas, bem assim as das escolas médias de engenharia, que nos últimos anos têm ficado muito aquém das necessidades do País e do ritmo da frequência das escolas superiores.
E para tanto torna-se necessário criar um clima propício e condições tais que o estudante encontre 110 ruivo e depor no seu futuro estímulo e confiança e a compensação material indispensável.
Não interessa demasiado o título, mais ou menos pomposo, mas sim a ampliação e alargamento dos quadros, hoje tão reduzidos, e a equiparação de categoria e de vencimentos, tendo em conta o seu nível cultural e posição hierárquica da escala dos valores nacionais, de molde a salvaguardar o seu aspecto moral, competência o brio profissional.
Todos nós conhecemos as obras levadas a efeito por estes técnicos, obras de elevado mérito, e sabemos que alguns deles chegaram a exercer lugares da mais alta importância na vida nacional.
Nos estudos preparatórios da reforma do ensino técnico, publicado pela respectiva Direcção-Geral, lê-se o seguinte: «Somos bem modelos asseverando que pelo menos 80 por cento dos trabalhos de engenharia do nosso país podem ser executados proficientemente pelos diplomados pelos institutos industriais».
Na verdade, a sua capacidade técnica não pode ser diminuída ou esquecida por quem quer que seja que se apresente com um mínimo de conhecimentos, de honestidade e com espirito de justiça.
Os problemas dos agentes técnicos portugueses é òbviamente análogo aos dos outros países do Mundo; no entanto, há que encará-los, como esses países, com realidade, condicionando e recomendando uma desejável coordenação, fonte de inestimáveis proveitos, não só de elevado significado, mas de grandes reflexos na grandiosa obra de fomento que o Governo deseja levar a bom termo do nosso pais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O narrador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: com a publicação do Decreto-Lei n.º 42 536, de 28 de Setembro de 1959, ficou estipulado que o Governo deverá proceder, até 31 de Dezembro de 1960, à revisão e nova publicação integral do Código Administrativo.
Esta medida, pela projecção que pode vir a Ter na nossa vida local, justifica uma intervenção nesta Assembleia.
Desde sempre o problema da rectificação administrativa tem apaixonado os que se dedicam a este ramo do direito. Não vem para aqui reproduzir os termos da controvérsia, nem, por outro lado, realçar as vantagens da reunião num único diploma de um conjunto de matérias já hoje susceptíveis de ordenação sistemática.
A questão remonta a Bonnin, nos princípios do século passado. Entre nós pode argumentar-se com a autoridade de mais de um século de experiências na codificação administrativa.
O Código Administrativo de 1936-1940 teve, no processo da codificação administrativa portuguesa, o mérito de recolher tudo aquilo que parecia mais valiosa da experiência passada, em conjugação com novos princípios resultantes da construção jurídica do Estado posta pela Constituição de 1933.
Parece-me ilusório aguardar, com a revisão do Código, uma transformação radical na estrutura do ordenamento existente. Não se muda pelo gosto de mudar.
Por outro lado, desbaratar a experiência dos últimos vinte anos seria acto de manifesta imponderação.
Creio, de qualquer modo, que na projectada revisão deveriam considerar-se, além de outros, problemas relativos à estrutura das instituições, aos funcionários e simplificação dos serviços e às finanças municipais.
Perguntam muitos, ora numa atitude de desânimo, ora na convicção de que as realidades presentes impõem novos caminhos, se a autonomia local ainda se justifica.
A dúvida tem igualmente surgido noutros países (cf. para a Inglaterra a obra de
Ursula Hicks, Public Finance, no capitulo sobre a imposição local), ressaltando habitualmente na discussão dois aspectos: o económico-financeiro e o político-administrativo.
Razões puramente financeiras, fundadas, por exemplo, na manutenção de determinado nível de actividade económica, impõem programas de inversão, a que não se poderá alhear a actividade local. Daí, a necessidade de o governo Central controlar intensamente a duração o magnitude de todo o investimento.
Subsiste, porém, o argumento de natureza político-administrativa. A iniciativa local continua a ser uma condição de equilíbrio no governo dos povos. As administrações locais garantem uma ligação entre o munícipe e o Poder Executivo, ao mesmo tempo que constituem largo campo de valorização para os que um dia possam participar no Governo Central. O espírito da autarquia, proporcionando um sentido de responsabilidade política, é condição indispensável à integração consciente do indivíduo na vida da comunidade.
Assiste-se ao desenvolvimento de um estado de espírito que se traduz em certa fobia centralista. Esta tendência, que não raro resulta mais da propensão dos homens do que dos ordena mentos legislativos, é deseducativa e tem causado atritos e desencorajado iniciativas. É certo que não nos poderemos furtar a imposições dos tempos no que se refere à solução planificada de alguns problemas e aos empreendimentos de conjunto. Tudo isto sacrificará uma completa autonomia local, que, valha a verdade, também existiu mais no espírito romântico dos homens do que na própria vida das instituições.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!
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O Orador:- Os meus votos, quanto a este ponto, são por uma melhor compenetração que cada mu deve ter daquilo que lhe compete.
Haverá, por certo, lugar a algumas revisões. Exemplifico com a intervenção das câmaras municipais na aprovação dos respectivos planos de urbanização. A função do conselho municipal (artigo 27.º, n.º 10.º do Código Administrativo), depois da publicação a aprovar a informação da Câmara, constituindo tudo simples acto preparatório da resoluta definitiva que ao Governo compete tomar. Talvez valha, a pena uma intervenção mais positiva das autarquias nesta matéria.
Na vida da organiza vão municipal poderão discutir-se orientações que decorrem das realidades que comandam uma maior ou menor centralização: trata-se, em suma, de uma opção entre a princípio da democracia e o principio da eficácia. O princípio da democracia (cf. Prof. Marcello Caetano Manuel Direito Administrativo) tende a confiar, em toda a sua amplitude, a administração municipal a órgãos eleitos, representantes das correntes de opinião existentes na comunidade e por das dirigidos; o princípio da eficácia resulta da verificação da insuficiência técnica desses órgãos para resolverem problemas que não são políticos, mas de pura administrarão, e leva a cercá-los de funcionários competentes, a quem os poderes de direcção são confiados, ou a instituir gerentes que dirijam os negócios municipais como numa empresa, embora segundo as directrizes políticas dos órgãos representativos.
Da aceitação de orientações estimando um ou outro princípio poderão, na revisão anunciada, resultar alterações para a posição do presidente da câmara municipal na administrarão do município, ou para a competência dos outros dois órgãos da administração municipal. Parece, contudo, indiscutível que a natureza de certos agregados urbanos como Coimbra, Setúbal, Braga, etc., aconselhará um regime que mais os aproxime de Lisboa e Porto de que de um modesto concelho rural de 3.ª ordem.
Parece-nos menos avisado esquecer a sorte tradicional de outras instituições locais ou obrigar o município ao desempenho de tarefas que ficariam melhor distribuídas por outros organismos. Repetimos o que já afirmámos noutra oportunidade: as Misericórdias deveriam ser o órgão central da assistência concelhia e as Casas do Povo realizar fundamentalmente a função da previdência entre as populações rurais.
Oliveira Martins, no famoso projecto de lei do fomento rural, anotava- que as nossas duas leis, de 22 de Junho de 1880 e 27 de Junho de 1887, tiveram em mente transformar as Misericórdias e confrarias disseminadas pelo País em bancos de crédito agrícola e industrial; mas a excessiva latitude consentida às suas operações, a indeterminação da espécie de funções que esses bancos deviam exercer, fizeram com que os raros que se criaram à sombra das leis citadas se não distinguissem de outros quaisquer bancos comerciais. Seria oportuno utilizar os actuais grémios da lavoura como intermediários na concessão do crédito para fomento agrário nu como colaboradores na colocação de títulos de fomento, ajudando a contrariar uma inconveniente propensão à liquidez.
Sobre a instituições-base erguer-se-iam, num enquadramento vertical, as federações de municípios, de Misericórdias e de Casas do Povo. Estes organismos intermédios realizariam uma função complementar dos organismos primários naquilo que ultrapassasse a respectiva força singular ou âmbito geográfico.
Conviria assim, como defendi noutras ocasiões, alargar a competência das juntas distritais, ao mesmo tempo que se ligava a sua constituição mais efectivamente
aos municípios, de que as mesmas seriam, afinal, uma federação obrigatória. Isto pressupõe ainda um reforço da posição financeira das juntas distritais, que actualmente se debatem em condições bastante precárias.
Os tempos recomendam uma revisão na distribuição territorial dos concelhos, de forma a corrigir anomalias flagrantes ou mesmo a dar condições de vida a instituições hoje prejudicadas por uma proliferação menos compreensível, Reconhecemos o melindre de toda esta questão. Já no século passado a decisão de Passos Manuel foi bem corajosa, mas não deixou de ser útil.
A influência da economia na vida dos povos acentua a sua importância nas atribuições das instituições locais, ao mesmo tempo que faz apelo a novas fórmulas ou organismos (et. para a frança a obra de Jean Singer, L'Intereention des Collectivités Locales en Matiére Economique). A larga expansão que os serviços municipalizados conheceram entre nós nos últimos vinte anos e o recurso aos mesmos em propostas de lei recentemente submetidas à apreciação desta Câmara para soluções com âmbito mais lato do que o concelhio justificam o seu interesse.
As sociedades de economia mista onde é notável a participação de organismos públicos e semipúblicos, assegurando uma fidelidade ao interesse geral, a reversão de parte dos lucros para a colectividade e a possibilidade de encarar grandes empreendimentos, tem encontrado ampla justificação pública. A sua intervenção no desenvolvimento regional merece ser estimada (cf. J. E. Godchot, Les Sociétes d'Economic Mirte et L'Aménagement da Territoire).
Seria oportuno considerar as relações dos municípios com estas sociedades, incluindo a sua possível participação nas mesmas.
Assiste-se em alguns países à criação de instituições autónomas- monofuncionais e multifuncionais- dotadas de amplos poderes não só para a fase de execução de tarefas de fomento, mas ainda na exploração desses empreendimentos. Os esquemas de planeamento regional, que urge considerar no nosso país, poderão ainda aqui conduzir à criação de organismos similares, os quais virão a relacionar-se com as autarquias, podendo mesmo conjugar-se a sua actuação em tarefas comuns.
Sr. Presidente: estou convencido de que conviria a algumas câmaras municipais realizar economias, revendo os quadros do pessoal dos serviços especiais. Por
outro lado, o rendimento do trabalho nem sempre é excelente, o que resulta da insuficiente preparação dos servidores e da complicada burocracia geral, hoje longe de ser completa.
Como acentuei noutra oportunidade, é antipática a distinção que se tem feito entre funcionários públicos e funcionários administrativos.
Considera-se, por vexes, para fins odiosos, como funcionário público o servidor a quem não se reconhece idêntica posição para beneficiar das regalias inerentes a essa qualidade.
Transposta a ideia para os servidores administrativos, verifica-se, por exemplo, que os funcionários dos serviço- especiais dos corpos administrativos com idade superior a 35 anos estão inibidos de concorrer a lugares dos quadros do Estado. Isto é tanto mais incompreensível se tivermos em conta que o Governo só lucraria se facilitasse a estes servidores o acesso numa oportunidade em que eles já se apresentam senhores de experiência que adquiriram no exercício de Funções nas câmaras municipais.
Reconhece-se ser oneroso o sistema de fazer da função pública um serviço social de recuperação. Outros
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países têm ensaiado soluções que não deixariam de nos convir. Creio SER oportuno chamar mais uma vez as atenções para este problema, lembrando a necessidade de criar escolas de formação e aperfeiçoamento dos funcionários.
Relacionado com tudo isto está o predomínio do recrutamento local para os lugares inferiores da Administração ou a existência de uni recrutamento geral, a exemplo do que se passa actualmente com o chamado quadro geral administrativo. Reconhecemos os melindres que qualquer das soluções comporta. Sempre me pareceu útil, contudo, libertar os serviços da Administração do peso das influências locais, que nem sempre conduzem à escolha dos mais aplos.
Merece especial reparo a situação dos médicos. dos veterinários e dos engenheiros municipais.
Defendemos que a assistência médica às populações rurais deve ser encargo do Governo. Reconhecemos a insuficiência dos actuais partidos médicos, a. fraca remuneração dos facultativos, mormente em regiões pobres, onde são restritas as possibilidades de pulso livre, e os inúmeros atritos fundados em irregularidades nos concursos de provimento e na obrigatoriedade, muitas vexes iludida, dos médicos municipais residirem nas áreas dos respectivos partidos.
Também quanto aos veterinários municipais me parece conveniente a sua integração nos quadros do Estado, ficando a depender da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários. Têm-se verificado melindres quanto à subordinação hierárquica, surgindo conflitos entre as câmaras municipais e os serviços da Administração Central. A deficiente regularidade na cobrança de emolumentos por parle dos veterinários tem sido, com fundamento legal, contestada.
Finalmente, no que respeita aos engenheiros municipais e técnicos afins, já aqui defendi a criação de um quadro especial, tal com existe um quadro geral administrativo para as secretarias. Importa definir as categorias, os direitos e as obrigações destes servidores, libertando-os da impossibilidade de acesso ou transferência para outros lugares.
A circunstância agradável de o (inverno estar empenhado na simplificação da burocracia administrativa conjuga-se com a revisão do código, tudo permitindo desejar que se promulguem diplomas que actualizem as disposições que presidem aos serviços de secretaria das câmaras municipais. Assim, para lá de orientações que resultariam do próprio texto do Código Administrativo, mormente em matéria de finanças municipais, haveria lugar à publicação de um diploma que substituísse o Decreto n.º 22 521. de 13 de Maio de 1993. reduzindo as operações burocráticas e simplificando os modelos anexos ao mesmo decreto.
Tem sido pretensão das. câmaras municipais verem-se aliviadas de tarefas que verdadeiramente não lhes deveriam estar entregues. É o caso, por exemplo, dos serviços relacionados com o recenseamento militar, das notificações das transgressões relativas às normas dos horários de trabalho e das estatísticas agrícolas. Formulo votos pela revisão dos respectivos diplomas, pois ha repartições que melhor se desempenhariam de tais encargos.
Sr. Presidente: têm sido inúmeras as intervenções nesta Assembleia relacionadas com as finanças locais. Acentua-se, por um lado. que são reduzidos os montantes arrecadados anualmente pelas câmaras municipais; assevera-se, por outro, serem múltiplos e cada vez mais numerosos os encargos cometidos aos municípios.
A oportunidade da revisão do Código Administrativo justifica que se discutam, com amplitude, estes
aspectos, procurando, dentro do possível, soluções que ajudem a mitigar as dificuldades existentes.
Convém, antes do mais, salientar o seguinte: qualquer reforma financeira não poderá dar aos municípios tudo aquilo que o entusiasmo dos que os servem deseja. A capacidade tributária depende da riqueza criada. A tarefa fundamental reconduz-se a uma política de fomento onde o nível de rendimentos fortaleça a capacidade tributária.
A política de fomento, em curso, deve conjugar-se: com uma possível desconcentração de actividades, de-forma a evitar-se o desequilíbrio regional, tantas vexes denunciado nesta Câmara.
Os pareceres da Câmara Corporativa sobre as propostas da Lei de Meios têm, nos últimos anos. dedicado especial atenção à pressão fiscal do nosso país. Salienta-
-se que a carga fiscal não é elevada: mais -e verifica que a posição das receitas das autarquias, no total das receitas tributárias, é modesta.
Estes factos permitem-nos perguntar:
1.º Diante de uma carga fiscal menos elevada não será possível que prováveis aumentos na tributação aprovei-tem mais substancialmente aos municípios:
2.º Constatada uma pulverização na distribuição dos tributos, não seria fácil contrariá-la, permitindo ao mesmo tempo que voltassem às câmaras, ao menos parcialmente, certas receitas que já lhes pertenceram:
A reforma fiscal do Estado poderá repercutir-se na estrutura do sistema tributário municipal e projectar-se no volume das receitas cobradas pelas câmaras.
O primeiro aspecto permite-nos desejar que tal re-percussão se faça ã sombra de uma simplificação nos processos de lançamento e cobrança dos impostos municipais. O segundo fundamenta a esperança de que as câmaras também comparticipem no natural aumento das receitas, que será consequência da reforma, quer por a tributação se aproximar mais dos rendimentos reais. quer em consequência de uma mais perfeita determinação dos rendimentos normais.
As câmaras municipais não podem hoje lançar adicionais sobre o imposto complementar, o imposto de sisa, n imposto sobre as sucessões e doações e modali-dades do imposto profissional. Se os agravamentos se verificarem nestes sectores, os municípios, a manter-se o actual estado de coisas, nada beneficiam.
Acresce que a reforma fiscal do Estado consagrará naturalmente isenções mínimas e isenções parcelares, tudo compensado por uma revisão no imposto complementar. Ora nos concelhos mais pobres são inúmeros os contribuintes com pequenos rendimentos. Estes contribuintes. passando a gozar, como é justo. de isenções, afectarão o montante dos adicionais arrecadados para as câmaras.
Tudo concorre para que se reveja o regime em vigor, pasmando as câmaras a arrecadar adicionais relativamente aos impo-tos atras referidos
A Administração Central ganhou com o andar dos tempos uma preponderância que não conhecera noutras épocas. A concentração fiscal, operada a sou favor, testemunha, este facto, infelizmente desenvolveu-
-se uma mentalidade que tem prejudicado as administrações locais: o Governo Central nega aos municípios um tratamento mais favorável. Se a política das comparticipações, dos subsídios e das subvenções representa uma contrapartida do Estado, relativamente à concentração fiscal, a exigência de pagamento de impostos ao Estado feita aos municípios e as deduções apuradas nos adicionais cobrados pelo Estado revelam que a solicitude do Governo se paga cara, quando, afinal, também as câmaras são, a todo o momento, convidadas a prestar serviços ao Poder Central sem obterem por este facto compensação.
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Se advogo uma solicitude mais desinteressada por parte do Estado, é porque estou convencido de que tanto o Estado como as câmaras servem igualmente o bem comum.
Os municípios, tal como o Estado, tiveram no domínio rural nos tempos já distantes da Idade Média a sua principal fonte de receitas. Posteriormente, com os impostos e, no século passado, por força das grandes alienações, a presença do domínio rural foi reduzida a quase nada. Subsistiram as florestas nacionais, que razões económicas (perpetuidade do Estado, simplicidade de gestão, exploração em grande) e n convicção da sua utilidade pública gratuita libertaram da tendência desamortizadora.
Cremos chegada a hora de fortalecer o património dos municípios. A floresta será ainda o caminho mais viável. Seria oportuno facultar às câmaras municipais empréstimos destinados ao repovoamento florestal.
Mas voltemos a matérias mais concretamente consideradas no Código Administrativo, e relativamente às quais a revisão projectada poderia ser útil,
refiro-me, em primeiro lugar, à supressão ou redução dos encargos relativamente aos doentes pobres, à construção de escolas primárias e às outras despesas a que se refere o artigo 751.º
Noutra oportunidade falei, com relativo pormenor, das relações dos municípios com os estabelecimentos hospitalares. Não vou reatar aqui a exposição. Afirmo que a situação se mantém pouco lisonjeira para ambos os sectores -câmaras e hospitais-, estando convencido de que o regime que então advoguei ou simples transferencia dos encargos com os doentes pobres para o Estado poderiam dar ao problema uma solução mais viável.
A propósito do Plano dos Centenários tem-se referido que são muito volumosos os encargos das câmaras, agravados com as despesas de aquisição e urbanização de terrenos. Preconiza-se já a solução de o Governo chamar a si as despesas totais com a execução do Plano. Outra, solução mais moderada consistiria em aliviar os municípios, aumentando o número de anuidades, que boje é de 20, para 40 e reduzindo a sua comparticipação, que hoje é de 50 por cento, para 25 por cento.
A proposta de lei presentemente na Câmara Corporativa virá agravar os municípios, embora a solução preconizada nos pareça muito mais favorável do que a que se encontra actualmente em vigor.
O certo é que, por toda a parte, se fala em desobrigar as câmaras e a cada momento surgem mais encargos. Primeiro foi a lei sobre o abastecimento de água às populações rurais; agora surge a revisão do Plano dos Centenários e o plano rodoviário.
É indiscutível o grande interesse local destes empreendimentos. Até por isso, conviria libertar os municípios de outros encargos para, na impossibilidade de a colaboração do Estado ser mais efectiva quanto a estes aspectos de fomento local, poderem as câmaras dar segurança a uma execução tempestiva do planeado.
As despesas com a instalação de tribunais, secções de finanças, tesourarias da Fazenda Pública, conservatórias, etc., a que se refere o artigo 751.º do Código Administrativo, além de parecerem menos justificadas, têm dado causa a alguns desentendimentos.
As câmaras, por vezes, defendem-se gastando o menos possível com tais obrigações. Daqui, também, as insuficiências na instalação de serviços.
A esta política de limitações responde o Estado substituindo-se aos municípios, utilizando para tal fim o produto dos adicionais.
O Decreto-Lei n.º 42 536, desobrigando as juntas distritais de encargos com a instalação de serviços do Estado, consagrou uma orientação que conviria agora alargar em benefício das câmaras municipais.
A revisão nas disposições dos artigos 705.º e seguintes do Código Administrativo traria, a meu ver, vantagens para os recursos financeiros dos municípios, se fosse efectuada nos seguintes termos:
Os limites das percentagens adicionais fixados no artigo 706.º deveriam ser aumentados.
Este aumento justificaria até a supressão do imposto de prestação de. trabalho, do imposto para o serviço de incêndios e da licença de estabelecimento comercial e industrial.
O imposto de prestação de trabalho é uma reminiscência dos processos de execução directa das obras públicas locais pelos vizinhos. Historicamente não será difícil conjugá-lo com o serviço militar, o aboletamento, os trabalhos forçados não penais. Actualmente a sua cobrança é dispendiosa e difícil. Por outro lado, torna-se antipático na indiscriminação dos indicadores e nas suas características regressivas.
O imposto para o serviço de incêndios depende da existência, nos respectivos concelhos, de serviços de prevenção e extinção de incêndios. Mesmo tecnicamente, a sua integração nos adicionais também me parece viável. No caso de a responsabilidade pertencer às companhias de seguros (§ 4.º do artigo 705.º). poderia ser igualmente pago por intermédio dos segurados através dos adicionais, deduzindo, posteriormente, as companhias de seguros no prémio a importância equivalente ao montante já pago.
A licença de estabelecimento comercial e industrial é, de todos os impostos municipais, o que tem dado causa a maior número de litígios.
Por outro lado, a natureza eventual do imposto torna a sua cobrança dispendiosa para as câmaras e incómoda para os munícipes.
A elevação das percentagens adicionais, compensando a supressão da licença de estabelecimento comercial e industrial, possibilitaria que o contribuinte, em vez de pagar, como boje acontece, separadamente, dois impostos (contribuição industrial e licença de estabelecimento comercial e industrial), passasse a pagar apenas um, ou seja a contribuição industrial.
Nem o velho argumento da anestesia fiscal será decisivo para contrariar um sistema bem de harmonia com os propósitos de simplificação administrativa anunciados pelo Governo.
A elevação nas percentagens adicionais deveria ser completada com a criação de adicionais sobre os impostos directos hoje libertos dos mesmos. Referimos há pouco esta necessidade. Se voltamos a reafirmá-la, é porque estamos convencidos de que tal solução é essencial para o fortalecimento das finanças municipais.
As derramas, a que, aliás, o Código Administrativo se não refere expressamente, leni um fundamento o destino assistêncial, sendo hoje; prática generalizada o recurso a tal expediente como meio para enfrentar as despesas com o tratamento de doentes.
Ora, a persistir-se em responsabilizar os municípios com os encargos hospitalares, o que -repito- me parece reprovável, deveria, ao menos, dar-se uma feição ordinária a esta receita, evitando exigências de uma renovação anual no pedido de autorização para cobrança.
E passamos aos impostos indirectos.
A imposição sobre o consumo alimenta toda uma problemática a que o condicionalismo dos nossos tempos empresta ainda maior relevo (cf.. por exemplo, o capítulo sobre os impostos indirectos na obra de Einaudi, Principii di Seienza della Finanza).
O Código Administrativo (artigos 714.º e seguintes) consagrou limitações à possibilidade de as câmaras lançarem impostos indirectos. A faculdade prevista no
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§ 2.º do artigo 711.º conduziu mesmo 218 câmaras municipais a renunciarem a essa cobrança.
Penso que seriam de manter impostos indirectos sobre o vinho, a carne e o pescado, abolindo-se os restantes, salvo as situações resultantes do especial condicionalismo de alguns concelhos, de a natureza dos bens (por exemplo no concelho de Porto Santo) ou o montante das cobranças recomendam um regime especial.
A tributação do vinho tem sido objecto de particulares reparos. O regime em vigor está desactualizado o é injusto nas diferenciações ou restrições que comporta. Conviria uniformizar as taxas, generalizando a sua cobrança a todos os municípios.
A revisão do Código Administrativo provocará naturalmente a publicação de uma nova tabela B. Na verdade, decorridos vinte anos sobre a fixação dos limites das taxas, todos concordam em que esses valores estão muito desactualizadas. Certas taxas então previstas perderam o interesse, ao mesmo tempo que se foi tornando natural criar novas rubricas relativamente a aspectos menos relevantes em 1940. As câmaras municipais, que hoje pagam, por exemplo, aos seus servidores, permanentes ou ocasionais, ordenados e salários que não são os de 1940, necessitam de obter, através da actualização das taxas, uma justa compensação.
Sr. Presidente: sinto que fui um tanto longo e bastante monótono.
O que disse não será tudo, nem tudo o que disse poderá parecer viável.
No fundo, quis aproveitar a oportunidade, que a generosa atenção de VV. Exas. me prodigalizou, para estimular a discussão sobre questões essenciais ao revigoramento da nossa vida local.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade a proposta de lei sobre a reorganização dos desportos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigues Prata.
O Sr. Rodrigues Prata: - Sr. Presidente: ao abrir o debate sobre o projecto da proposta de lei n.º 506, encontro-me mima situação verdadeiramente paradoxal. Se não creio que seja difícil falar sobre desportos se as nossas palavras forem proferidas num círculo restrito, de modo a não serem comentadas ou a perderem-se no espaço, como se não tivessem sido ditas, já não me parece nada fácil falar sobre desportos quando eles são objecto de um projecto de proposta de lei, mormente quando pode ter forte incidência numa actividade desportiva - o futebol- que apresenta, até mesmo no nosso pais, um movimento financeiro digno do maior respeito. Recordo-me de ter lido há dois ou três dias num jornal diário que um clube desportivo tentava a aquisição de um atleta mediante o insignificante pagamento de 7200 contos em moeda portuguesa. Um outro jornal, igualmente, diário, noticiava que um outro clube havia adquirido o direito de utilizar um distinto profissional por 4200 contos.
É verdade que tais assombros se verificam além-fronteiras, se bem que eu julgue que, mesmo no nosso país, se pagaram já algumas centenas de milhares de escudos
para se dispor da eficiente actividade de um elemento em determinado agrupamento desportivo. No momento, eu, que confesso a minha fraqueza na possibilidade de avaliar, em moeda corrente, um homem que deve actuar em determinada actividade desportiva, quedei-me a pensar qual a teoria económica onde enquadrar esta transacção. Note-se que não cheguei sequer a concluir que de uma transacção se tratava! Não sei mesmo se, juridicamente, será possível tal transacção! O que sei, no entanto, é que se efectiva um processo de troca, baseado numa escala subjectiva de valor que precede o fenómeno da oferta e da procura. Transacciona-se realmente, um homem, ainda que, oficialmente, a transacção se faça, e me não engano, sobre a chamada carta de desobrigação», invólucro obrigatório para que um atleta possa abandonar uma representação e optar por outra. Por aqui se poderá avaliar o melindre que pode envolver a apreciação desta proposta de lei. Sem embargo prestarei o meu depoimento honesto e desassombrado, como julgo ser meu dever.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o projecto em debate - alterações ao funcionamento de vários desportos- representa mais um altíssimo serviço a crédito do Ministério da Educação Nacional. A sua leitura demonstra que se encara, com decisão e energia, com ponderação e bom senso, a resolução de situações anómalas e de múltiplos problemas que aguardavam oportunidade e coragem para os solucionar.
É um facto que, no fundo, o problema que se regula consiste na determinação dos que, por lei, passarão a merecer a classificação de profissionais do desporto; parece-me não haver divergência de opiniões quanto à oportunidade, se não quanto à necessidade, de regular tal matéria. Pode haver divergência de opiniões no que concerne à classificação, ou quanto às condições essenciais para a merecer, mas decerto que não há quanto ao objectivo primacial do projecto.
A educação física como elemento indispensável a uma integral formação do homem está universalmente reconhecida, e também entre nós, graças a Deus, se tomou já na devida conta a influência da actividade gimnodesportiva como factor disciplinado!- do carácter e a vontade, como factor indispensável a uma gradual e constante repressão da fogosa agressividade imanente da juventude.
Tenho para mim que a análise deste projecto de proposta de lei tem como ponto de partida a formação da nossa juventude, pois é ela que amanhã encherá briosamente os campos desportivos na prática e na defesa, do desporto, quer representando este ou aquele clube, quer na representação e defesa do desporto nacional. Eis a razão fundamental por que não temos a menor dúvida de que a iniciativa devia caber, como aconteceu, ao Ministério da Educação Nacional, departamento responsável por todas as manifestações de carácter cultural, recreativo e educativo, mesmo quando assumam aspecto de espectáculo ou de competição. De resto, o projecto da proposta tem o cuidado de remeter para a entidade competente a responsabilidade de englobar na organização respectiva tantos quantos pela sua actuação e modo de vida mereçam e devam ser por ela abrangidos.
Porque é oportuno o projecto da proposta em discussão?
É que, hoje, pode afirmar-se que se não descuraram as actividades da cultura física da juventude escolar, cabendo à Organização Nacional Mocidade Portuguesa e da Mocidade Portuguesa Feminina a responsabilidade de regulamentar, organizar e disciplinar todas as actividades gimnodesportivas juvenis.
Não está boje em causa, e penso que seria inoportuno criticar, a actuação destas organizações, quer no as-
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perlo técnico, quer no aspecto pedagógico, até porque nào esqueço que lhes devo eficaz e rápida colaboração quando pedida. Mas já se me afigura oportuno recordar à juventude iodo o verdadeiro mundo de possibilidades colocadas ao seu dispor, possibilidade de que os da minha geração nào desfrutaram. Quando frequentei o liceu, lembro-me de que ao nosso dispor havia umas bolas de trapos, que nós comprávamos, e um campo de jogos suficientemente vasto para permitir que jogassem, por vozes, 30 rapazes ... de cada lado. Que diferença, meus senhores!
Nesse tempo (e notem que não vai ainda, muito longe, pois que são passados 25 anos!) eram poucos os liceus, e não sei se haveria alguma escola de ensino técnico, onde os alunos pudessem praticar desporto, a não ser com instalações de ocasião, inventadas no momento. Hoje ... de Viana do Castelo até Vila Real de Santo António, do Funchal até Goa, por toda a vastidão do território português no Mundo, pode dizer-se que não há liceu ou escola técnica, que não disponha dos seus campos para jogos, cobertos e descobertos, de vestiários e balneários limpos e arejados, de material e equipamento desportivo, de tudo quanto é necessário para proporcionar à mocidade de Portugal o gosto pelo desporto.
Conheço muitas escolas que, mercê das verbas próprias, embora diminutas, podem dispor de quatro a seis bolas de voleibol, duas ou três bolas de futebol, duas ou três bolas de basquetebol e muitas mais para treinos, iniciação desportiva, etc.
Que diferença. Srs. Deputados! Estou certo de que todos VV. Exas. se recordam dos tempos passados e saltem que era e é exactamente como digo.
A Universidade dispõe hoje de estádio, piscina, material e até protecção oficial, até agora inexistente. Futebol, voleibol, andebol, rugby, basquetebol, badmington, ténis, vela, natação, remo, hipismo, atletismo, aviação com motor e sem motor, campismo, que sei eu:?! Qual será a actividade desportiva que as autoridades responsáveis não tenham colocado ao alcance da juventude escolar? Estas são as realidades, por sinal pouco lembradas, ou, o que é o mesmo, injustamente esquecidas, são as razões positivas que, a meu ver, determinam que se relacione o funcionamento dos desportos no plano da competição, regional ou nacional, com o seu funcionamento no plano da competição escolar. Temos de admitir que da enormíssima, da cada vez maior, massa de praticantes do desporto escolar sairão, por lógica aplicação prática dos princípios teóricos aceites, os que praticando o desporto pelo desporto, melhor e maior contribuição poderão e deverão dar para a defesa da pureza e da essência do desporto - o amadorismo. Educados no respeito de rígidos princípios de ética desportiva; vivendo o jogo como manifestação de arte, de habilidade, de destreza, de subtileza; aceitando de igual modo a vitória ou a derrota, num alarde de compreensão e de civismo, são eles os mais firmes continuadores da manutenção dos princípios elevados que informam a actividade gimnodesportiva na sua maior pureza.
Convinha, apesar de tudo, distinguir entre os que praticam o desporto pelo desporto e os que praticam o desporto como actividade profissional remunerada, dado que, como se afirma no projecto da proposta de lei e no parecer da Câmara Corporativa, são factos sociais que importa reconhecer. O parecer da Câmara Corporativa manifesta a sua parcial concordância com a proposta, governamental e informa que as designações de «amador» e profissional não oferecem dúvidas na sua aceitação, por positivas e universalmente consagradas. No entanto, se por um lado aceita a qualificação, por outro lado deturpa o sentido, também universalmente consagrado, de tal qualificação, ao admitir que os desportistas amadores possam receber «prémios instituídos em competições». Salvo melhor opinião, quando se permite ao desportista amador receber «prémios instituídos em competições» nada impede que esses prémios sejam prémios pecuniários, e, mais, ainda, que os possam receber, seja qual for a entidade que os instituiu.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Mário de Figueiredo: - É preciso esclarecer realmente o sentido que a Câmara Corporativa liga a essa fórmula: admitir prémios em competição a favor de amadores, sem exceptuar os pecuniários. São prémios para os vencedores, seja qual for a sua filiação clubista.
O Orador: - São para determinadas competições ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Os vencedores, em determinadas condições, é que recebem o prémio. Portanto, o prémio não é para os filiados em certo clube, mas para qualquer dos concorrentes que triunfe na competição, seja qual for a sua filiação clubista.
O Orador: - É impessoal.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Há, além disso, como V. Exa. sabe, outros prémios que são instituídos pelos clubes a favor dos seus atletas, porque ganham ou porque empatam. Esse prémio não, para os vencedores da competição, mas apenas um estímulo para provocar maior interesse nos atletas de certo clube. Ora eu admito que este segundo prémio seja uma forma de remuneração, mas o primeiro é que o nào é.
Aquele não é um prémio ganho em competição, mas um prémio atribuído aos atletas de certa clube que intervêm na competição.
O Orador: - É uma interpretação. O amador, no entanto, não recebe qualquer prémio pecuniário.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso é uma teoria que nào está nada consagrada.
O Orador:- Ainda há pouco tempo houve um atleta que deixou de ser classificado comei amador por ter recebido um prémio pecuniário.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não sei. Quero, no entanto, notar que uma coisa é não se admitirem aos jogos Olímpicos serão atletas que estejam em determinadas condições, previstas pelo respectivo regulamento, ao qual cabe definir as condições que deve revestir o atleta para ser admitido, outra coisa é a regulamentação interna em cada país de quem é profissional ou amador. Nesta pode perfeitamente considerar-se amador um atleta que à face do regulamento dos Jogos Olímpicos não pode como tal ser considerado. Mas isso não obriga à conclusão de que se perde a qualidade de amador se se receber um prémio pecuniário. Nunca ninguém pensou, segundo creio, por exemplo, em matéria de tiro aos pombos, que os atiradores eram profissionais porque recebem prémios pecuniários.
O Orador: - Isso é instituído pelas próprias federações.
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O Sr. Mário de Figueiredo: - O que estamos a tratar é de um regime de Estado, e não das federações.
O Orador: - Isso digo eu à frente.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Há em matéria desportiva um regime que aparece ao lado dos regimes jurídicos do Estado. Há o regime das federações, das associações, dos clubes, etc. Há um regime para-estadual que pode existir dentro da medida dos regimes instituídos Estado. Não é aquele regime que se está a discutir. Não é o regime instituído pela hierarquia desportiva. Ao lado do redime instituído pela hierarquia desportiva pode existir, o existe, um regime instituído pelo Estado, contra o qual aquele não pude prevalecer senão quando o Estado o consente.
O Sr. Mário de Oliveira:- E o Estado está no seu pleno direito ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Chego a não perceber por que razão o facto de se receber um prémio pecuniário um competirão pode retirar a qualidade de amador. Compreendo que a retire, mas não quando o prémio é atribuído em competição ao vencedor. Se é, atribuído não a quem vence, na competição, mas a certos dos que intervêm na competição, e vencerem ou empatarem, então já compreendo. Mas a fórmula da Câmara Corporativa não respeita a estes prémios; respeita àquele: ao que se confere sem qualquer relação com a filiação clubista.
O Sr. Melo e Castro: - O Prémio Nobel é pecuniário...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Esse é para ... profissionais da literatura ou das ciências, nestas matéria se pode falar de profissionais...
O Orador: - Mas talvez não seja uma competição desportiva.
Como princípio, é minha opinião que os atletas não devem receber prémios pecuniários de qualquer espécie.
O Sr. Melo e Castro: - Mas porque se não trata de um prémio do clube, mas de um prémio que só um receberá - o que vencer a competição -, isso nunca poderá dar carácter do profissionalidade.
O Orador: - Eu não disse que dava carácter de profissional idade.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mão vale a pena entrar agora nessa discussão.
O Orador: - Nada impede que esse prémio seja pecuniário. E como, em minha opinião, o amador não pude receber prémios pecuniários ...
V. Exa. desculpará, mas o regulamento olímpico não admite que um amador receba qualquer prémio pecuniário.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas nós não estamos aqui a discutir o critério da admissão aos jogos Olímpicos dos atleta? O que estamos a discutir aqui é o regime que deve ser instituído em Portugal sobre quem é profissional, quem é amador e quem é não amador, seja qual for o significado que se possa dar a cada uma daquelas classificações.
O Sr. Carlos Lima: - Segundo creio, o Sr. Deputado Rodrigues Prata, em abono das considerações que tem estado a desenvolver, pretendeu invocar os conceitos de amador e profissional adoptados para efeitos de Jogos Olímpicos no respectivo regulamento.
Observou, no entanto, o Sr. Prof. Doutor Mário de Figueiredo que não estamos a aqui a cuidar do que está estabelecido ou pode interessar para efeito de
Jogos Olímpicos, mas sim a procurar fixar um regime para vigorar e ser aplicado no nosso país, o que nada tem a ver com aqueles jogos.
Todavia, segundo penso, desde que já há conceitos estabilizados do que seja amador e profissional a ter em conta no âmbito dos Jogos Olímpicos, nada impede, mas, antes, tudo aconselha, que os mesmos sejam considerados e apreciados com o objectivo de averiguar se deles se pode extrair e aproveitar alguma coisa com vista à fixação do direito a constituir entre nós sobre a matéria.
Não quer isto dizer que tais conceitos devam, sem mais, ser adoptados no plano de direito interno. Porém, também se não devem excluir a priori, mas apenas mediante um adequado exame crítico que, porventura, revelo não serem os que melhor se adaptam às exigências do nosso condicionalismo específico.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Tanto na proposta como no parecer da Câmara Corporativa diz-se: «sem prejuízo do que estiver estabelecido nos regulamentos das federações internacionais».
De resto, como método de trabalho, concordo com o que acaba de dizer o Sr. Deputado Carlos Lima.
O Sr. Carlos Lima:- Repare-se um que eu não afirmei que os conceitos de amador e profissional criticados pelo Sr. Prof. Mário de Figueiredo sejam os melhores e os mais adequados a satisfazer os fins que se tem em vista atingir com a proposta de lei em discussão. Não me pronunciei sobre essa questão de fundo.
Apenas acentuei que na elaboração do direito a constituir também devem ser tidos em conta os subsídios porventura fornecidos pelo direito comparado, uma vez que a experiência nele condensada pode ser utilizável e ajudar a resolver os nossos próprios problemas.
O Orador: - Continuando, direi que há que ter em consideração o conceito universal e consagrado de desportista amador - desportista que pratica uma actividade desportiva com a finalidade específica de prestar o seu contributo ao progresso da modalidade, pelo seu aperfeiçoamento físico e técnico, não lhe sendo permitido receber prémios que não sejam simbólicos.
Creio que a classificação de amador varia nos diversos regulamentos internacionais para cada uma das modalidades...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Logo, não há conceito universal de amador ...
O Orador: - Mas, se não é universal, é, pelo monos, o meu conceito, fundamentado no conceito olímpico.
V. Exa. está no seu pleno direito de ter outra concepção, porventura até melhor, mas esta é a minha opinião pessoal, e creio que a posso ter.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Nunca recusei essa possibilidade a ninguém, mas o que gosto é de considerar as razões em que se fundamentam as opiniões de cada um para saber qual delas é a melhor.
O Orador:- Perfeitamente. Mas, se V. Exa. me dá licença, vou prosseguir na leitura.
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De um modo geral pode afirmar-se que a praticantes classificados como amadores não é permitido receber prémios pecuniários, exceptuando-se o hipismo, o tiro, a vela e o golf. Assim, parece-me relevante assentar-se num principio da maior rigidez, com a intenção de se diminuírem, até onde é possível, as possibilidades de se frustrarem os benéficos efeitos pretendidos com a proposta de lei em discussão.
A aceitar-se a doutrina expendida pelo parecer da Câmara Corporativa, não me parecia pertinente que se mantivesse a classificação proposta, pois, a admitir-se que os atletas amadores pudessem receber «subvenções para estudos ou preparação profissional», assistir-se-ia à matrícula em doses maciças dos atletas em estabelecimentos, de ensino, com o grande inconveniente de se não poder contrariar tal actuarão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Exa., certamente, não leu completamente o contraprojecto, digamos, da Câmara Corporativa. Pelo menos, essa observação demonstra-o claramente...
O Orador: - Li, mas, se V. Exa. me dá licença, vou lê-lo novamente: «Sem prejuízo do que se encontra ...».
Leu.
O Sr. Mário de Figueiredo: - O comentário há pouco feito por V. Exa. mostra que não leu todo o projecto.
Ora lenha V. Exa. a bondade de ler o n.º 3 da última base- a base IX!
O Orador: - «Na regulamentação das transferências não ...».
Leu.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não será restringida, quer dizer, coaretada. E agora veja V. Exa. se, em face desta disposição, algum clube consentirá que um seu atleta de valor - é destes que se trata, evidentemente - se vá embora no fim da época!...
O Orador: - Mas porquê? Não vejo. Sou o primeiro a não compreender a razão por que os atletas não hão-de mudar de clube no fim da época. se assim o entenderem; por que há-de o atleta estar obrigado a servir indefinidamente, o clube que representa.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Se V. Exa. entende isso, estamos em presença de uma teoria mais geral. Na base do trabalho dos clubes está aquilo que eles dão -empreguemos a fórmula - por um atleta que neles pode actuar durante um ano e o que será dado ao mesmo atleta se estiver libado ao clube por três, cinco ou sete anos. A teoria, de V. Exa. é a do antiprofissionalismo. Porque o clube precisa, de ter os seus atletas bem ligados a ele por mais um ano é que se põe o problema de instituir o profissionalismo. Há mais razões, mas esta é uma delas.
O Orador: - Continuo com as minhas considerações. Dizia eu que se assistia a uma dose maciça de matriculas dos atletas em estabelecimentos de ensino, com o grande inconveniente de se não poder contrariar tal actuação. É que, ao fazê-lo, poderia invocar-se que os organismos competentes tentavam impedir o aperfeiçoamento técnico ou o aumento da cultura geral ou especializada dos praticantes desportivos.
Note-se que eu disse que se assistiria a uma matrícula em doses maciças, não disse «frequência escolar em doses maciças», porque, se assim fosse! ... Sòmente, era excessivamente simples aos organismos desportivos enquadrar todos os atletas nas duas categorias de amadores e não amadores, remunerando-os pelo modo mais conveniente e atribuindo a essa remuneração a denominação mais consentânea a permitir a sua inclusão nas citadas classificações. Era como se se ensinasse a iludir a lei que presentemente se tenta elaborar em definitivo.
Insisto, pois, na opinião de que é de manter, na integra, a proposta governamental, inclusivamente, porque se me afigura a que melhor se adapta ao ambiente desportivo português. Não julgo fácil falar um desporto sem citar aquele que é apelidado de «desporto-rei». Pela parte que me cabe, concordo com a denominação por diversos motivos: é o desporto que mais e maiores multidões arrasta, o que regista maior movimento financeiro de bilheteiras, o que obriga a maiores dispêndios, um dos desportos mais compensadores para os praticantes de real e comprovado valor técnico ou de melhor e mais apurada intuição natural, e é ainda, nos grandes clubes desportivos, aquele que fornece as verbas suficientes para subsidiar a prática de outras modalidades. Não obstante, Sr. Presidente, com a devida permissão de V. Exa. gostaria de citar um ponto que muitas vexes chocou a minha sensibilidade e ao qual, aliás, fiz já uma ligeira referência. Faço a prévia declaração de que não sou um técnico desportivo, nem tenho qualquer pretensão. Desta modalidade, como de algumas outras, percebo tanto quanto é normal perceber um frequentador assíduo de pugnas desportivas, especialmente o futebol, como apreciador do espectáculo viril, mas harmonioso, que resulta da conjugação do esforço individual aplicado numa técnica de conjunto. Reconheço, como é óbvio, que há praticantes mais dotados do que outros, mais hábeis na execução do uma ou várias técnicas pré-concebidas, mais aptos a resolver, no momento próprio, as mais variadas e difíceis situações que seja necessário enfrentar.
Aceito, sem relutância, tratando-se de um profissional, que tenha maiores ou menores exigências para com o organismo ou representação que o pretende, dado que, somos forçados a concluir, também os atletas, com destaque para os futebolistas, tem o seu valor submetido às leis da oferta e da procura. Custa-me, no entanto, a compreender que se negoceie um atleta, embora, no rigor das coisas, como já disse, a transacção se efective na base da aquisição da carta de desobrigação.
Pode contestar-se que, se assim não fosse, os clubes desportivos de grande capacidade financeira absorveriam todas as promessas que em qualquer parte, do País despontassem para o futebol. E eu perguntarei, por meu lado: na realidade, o que acontece: Acontece exactamente isso! Somente, não é facultado ao desportista escolher o clube que mais lhe agradar para nele actuar desportivamente; tem de haver acordo entre o desportista, e o clube que o pretende, acordo entre o desportista e o clube em que actuava e, finalmente, acordo entre os dois clubes, o que detém o jogador e o que o pretende. Este último é, sem sombra de dúvida, o acordo mais difícil de conseguir... assim como, na generalidade, o mais caro. E, mais, pode o atleta estar de acordo com tudo e mais alguma coisa, pode até manifestar, tácita ou expressamente, o seu desejo de não continuar na representação clubista que o detém, que enquanto as entidades competentes para a resolução do problema não tiverem resolvido o seu destino, o interessado não tem de concordar nem discordar, aguarda. Depois... Bem, depois está perfeitamente em condições de esperar a repetição de factos e negócios semelhantes.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Ou eu estou equivocado, ou isso não se passa assim.
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O Orador: - Entre os clubes de província e os grandes é assim.
O Sr. Mário de Figueiredo: - O desportista precisa da carta de desobrigação, hoje quer seja profissional ou amador. Uma vez munido dessa carta, oferece os seus serviços a qualquer clube, e, naturalmente, vai prestá-los ao clube que lhe oferecer melhores condições.
O Orador: - Mas, normalmente, quando o jogador é desejado ainda está em condições óptimas, e, nessa altura, aquele que o detém não lhe dá a carta de desobrigação, vende-a. Deste modo, o clube que adquira o jogador pela simples assinatura de uma ficha pede depois 150 ou 200 contos pela venda da referida carta. Isto não é o negócio de um atleta? Eu sei do facto de um clube receber 100 contos e mais a realização de um jogo pela carta de desobrigação de um atleta que só recebeu 2 contos.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu conheço isso tudo. Mas isso tudo em nada altera o que eu disse. Uma coisa é a carta de desobrigação, outra os processos mais ou menos confessáveis que se desenvolvem para ela se obter. O que eu afirmei refere-se ao momento em que o atleta já tem a carta de desobrigação...
O Orador: - V. Exa. parte de uma premissa falsa; é que o atleta não consegue munir-se da carta de desobrigação.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Quando se entra no domínio do profissionalismo legal, que não existe em Portugal, pois o que existe é profissionalismo de facto, o que discuto é se realmente se deve ou não deve dar-se ao desportista, ao atleta, no fim de cada época, a possibilidade de libertar-se, sem qualquer espécie de consideração ...
O Orador: - Ainda lá não cheguei. Se V. Exa. me dá licença, parece-me que afinal estamos de acordo. Vou ter essa mesma opinião. Termina a obrigação do jogador quando terminar o seu contrato.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas V. Exa. diz no fim de cada época.
O Orador: - Se nào tiver havido acordo.
Sei que tais situações são iguais para todos, mas atrevo-me a pensar que talvez fosse possível modificar este estado de coisas, de forma a ficar, do mesmo modo. igual para todos e até para o jogador. Este escolherá, ele próprio, o clube onde actuar. É evidente que haverá a época própria para a realização das transferências e só durante ela o atleta terá oportunidade de mudar a sim representação ou até a sua classificação. Este decidirá se deve ou nào ingressar na categoria de profissional, assumindo as inerentes responsabilidades e os correlativos benefícios. Ele decidirá, se for já profissional, e findo que seja o período para o qual foi fixado o acordo, se deve manter ou mudar de representação. Uma vêz que, como é lógico, qualquer das partes é sujeito de direitos e obrigações durante a vigência do acordo, lógico me parece que no termo do período da sua validade ambas as parles adquiram completa liberdade de escolha, isto é, o jogador pode ou não continuar no mesmo organismo desportivo, como melhor entender; o organismo desportivo pode ou não estabelecer novo acordo com o seu antigo profissional, como julgar mais útil as seus interesses desportivos. Por consequência, neste ponto, concordo em absoluto com a recomendação que a Câmara Corporativa formula de não restringir ao praticantes amadores a faculdade de no fim de cada época desportiva, escolherem o organismo que desejam representar.
Um outro ponto que se me afigura digno de ser debatido é o da importação de jogadores estrangeiros para actuarem nos agrupamentos desportivos nacionais. Aceito que esses valores no desporto sejam realmente dignos de figurar nos quadros de profissionais do desporto português; todavia, gostaria de acreditar na impossibilidade de formar, a partir das classes de juniores, profissionais tão brilhantes e tão eficazes como aqueles de cuja importação temos usado... e abusado. Parece-me que se tem descurado a preparação extra-escolar das categorias que deverão, tanto ou mais que as escolares, servir como alimentadoras daquelas em que actuarão os profissionais. Não afirmo que as organizações desportivas, sejam elas quais forem e dentro das suas possibilidades, algumas bastante reduzidas, não possuam pequenas escolas, cuja função é digna dos maiores louvores, mas custa-me a crer que não seja possível promover um mais completo aproveitamento das possibilidades dos desportistas portugueses. Com enormidades que se têm pago em transferências, «luvas», gratificações e outras formas de remuneração indirecta, quantas escolas de desporto não funcionariam! Não seria mais produtivo, pelo menos para o futuro? Não tornaria o futuro do desporto mais prometedor?
Não me move qualquer animosidade contra os jogadores estrangeiros que actuam em agrupamentos nacionais, sòmente me desgosta que, em contrapartida, e que eu saiba, só dois jogadores portugueses actuem em organizações estrangeiras. Afigura-se-me que da análise dos factos só duas conclusões são possíveis: ou os desportistas nacionais são manifestamente incapazes de atingir a bitola de Bom, de acordo com o consenso geral, o que não acredito, ou não são ensinados desde início como mandam as regras, para atingirem na altura própria a indispensável virtuosidade. E assim somos levados implicitamente a concluir: se já afirmámos que a juventude escolar recebe preparação adequada e dispor do equipamento e do material necessário para a prática do desporto, então é a juventude extra-escolar que dela está privada ou a não recebe em moldes convenientes. Porque nos não listam dúvidas de que a juventude escolar, em esmagadora percentagem, logo que finda a sua preparação académica ou abandona a prática do desporto ou a mantém por amor ao próprio desporto, se a juventude extra-escolar o não faz, é porque naturalmente nunca conseguiu alcançar a craveira desejada para o poder fazer. Esta será, em meu entender uma das principais razões que justificam tão grande importação de desportistas estrangeiros para actuarem em grupos nacionais.
Era, pois, mais que oportuno que ao regulamentar-se o funcionamento dos desportos, se trabalhasse no sentido do máximo aproveitamento de todos os que sentem vocação para a sua prática, dando-lhes possibilidades de se aperfeiçoarem, de aprenderem o essencial, de se disciplinarem. Parece-me ser ainda ao Ministério da Educação Nacional que compete corrigir o que estiver errado, emanar directizes, congregar boas vontades, coordenar actividades para bem da desporto nacional.
Sr. Presidente: ao apreciar na generalidade o projecto de proposta de lei n.º 506, ao qual dou todo o meu apoio, por reconhecimento das louváveis intenções do Governo, solicito, desde já, a melhor atenção da Assembleia para alguns pontos que considero capitais, embora só na especialidade possam ser discutidos. É o caso
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da sugestão da Câmara Corporativa para substituir a expressão «não amadores», proposta pelo Governo, pela expressão «subsidiados». Em meu parecer, a expressão «não amadores», além de merecer consagração internacional, enquadra, sem esforço, todas as formas de compensação material que se queira admitir nesta categoria intermédia de praticantes desportivos.
Igualmente me parece de combater tenazmente tudo quanto possa fazer perder ao desportista por amor ao desporto; como principio básico, receber prémios de natureza pecuniária, muito menos se consentindo que o desportista amador os possa vir a perceber sob qualquer disfarce.
Considere-se ainda que a prática de um desporto que utilize profissionais se pode concretizar em qualquer ponto do país; contudo, atende-se que só as cidades de Lisboa e Porto contam com organizações desportivas cujo poderio financeiro talvez fosse capaz de aguentar com as despesas resultantes do exercício das modalidades desportivas reservadas aos amadores.
A aceitar-se a sugestão da Câmara Corporativa, um clube desportivo da província, com um ou dois profissionais e os restantes como não amadores, ou praticaria as modalidades reservadas aos amadores ou não poderia existir. Pergunto a mim mesmo: como seria possível a prática do basquetebol, do hóquei patinado e de tantos outros desportos (sem falar da natação) em tantas o tantas cidades do País que não dispõem de recintos apropriados para tal?
O Sr. Mário de Figueiredo: - Só quero dizer a V. Exa., em defesa da Câmara Corporativa, que a disposição que pressupõe as suas críticas, às quais eu me associaria em parte, não foi mencionada com o sentido que V. Exa. lhe deu.
Estou convencido de que não estava no pensamento da Câmara Corporativa, ao redigir o n.º 2 da base IX, obrigar todos os clubes que têm atletas profissionais a ter todas as modalidades desportivas, indo até às consequências que V. Exa. está a tirar dessa fórmula.
Estou convencido disso, porque, se assim não fosse, também me associaria às criticas de V. Exa.
O Orador: - De resto, é fundamentada a esperança de que muitas organizações desportivas, ao profissionalizarem-se, abandonem a prática das modalidades reservadas aos amadores, permitindo, naturalmente, o seu
desenvolvimento dentro do mais puro e desejável espírito de amadorismo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
João da Assunção da Cunha Valença
João Carlos de Sá Alves.
João Maria Porto.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Herminio Saraiva.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA