O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 491

REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 157

ANO DE 1960 24 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 157, EM 23 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia.- Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 155.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho os Decretos-Leis n.ºs 42 874 e 42 875, para efeitos do disposto no §.º do artigo 109.º da Constituição.
Ordem do dia.- Continuou a discussão da proposta de lei sobre a reorganização do desporto.
Falou o Sr. Deputado Peres Claro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente:- Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro o Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
Autónio José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.

Página 492

492 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 157

Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Ta rujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 155.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, considero-o aprovado.

Deu-se tonta do seguinte

Expediente

Telegramas

Da Direcção do Grémio da Lavoura de Braga a apoiar a intervenção do Sr. Deputado António Lacerda sobre a situação dos grémios da lavoura.
Da Direcção do Grémio da Lavoura de Marco de Canaveses no mesmo sentido.
Do presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Santos Bessa na sessão do 17 do corrente.

O Sr. Presidente: - Enviado pela Presidência do Conselho, e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontra-se na Mesa o Diário do Governo n.º 61 e 62, 1.ª série, de 15 e 16 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.º 42 874, que aprova, para ratificação, a Convenção n.º 12, sobre a reparação de acidentes de trabalho na agricultura, adoptada pela Conferência Geral da Organizarão Internacional do Trabalho, que se reuniu em Genebra, em 25 de Outubro de 1921, e n.º 42 875, que abre créditos destinados a reforçar verbas inscritas no capítulo 7.º do orçamento de encargos gerais da Nação. respectivamente.
Como não está ninguém inscrito pura usar da palavra antes da ordem do dia, vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre a reorganizarão do desporto.
Tem a palavra, o Sr. Deputado Peres Claro.

O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente, pode considerar-se explosiva a matéria com que esta Câmara está a agora a trabalhar. Mexer no desporto, em especial no futebol, tem grandes perigos, pois como de futebol todos entendem, como em futebol todos são catedráticos qualquer coisa que um diga é muito bem percebido por todos, muito bem comentado em jornais e tertúlias, muito bem analisado aos balcões, às secretárias nus cadeiras dos barbeiros. O que tiver de ser dito sobre desporto tem de ser pensado com muita cautela mas, por mais cuidado que haja, por um corrente vício de apreciação (justificado, aliás), sempre muitos hão-de descobrir, na sombra das palavras ditas, a defesa; dos interesses de um clube qualquer.
Parece que homens respeitáveis têm perdido a cabeça pelo seu clube, não apenas nos campos desportivos, o que ainda seria justificável, mas na serenidade dos gabinetes. E tão escandalosamente às vezo que tem de haver vassourada ministerial...
O meu velho professor de Filosofia, democrata que não escondia as suas convicções, costumava dar-nos grandes largas, ou nós as tomávamos. E. de, vez eu quando, aplicando com a sua mão enorme um estrondoso murro na mesa para impor o silêncio, comentava; o nosso desassossego e fazia esta observação, aqui hoje, professor já, dou muito valor: «As minhas aulas são o termómetro da Nação». Despida de qualquer possível intenção política (que naturalmente a tinha) a frase é cheia de verdade psicológica e eu tentado estou a aplicá-la nesta conjuntura.
Ouve-se comummente dizer que o desporto - nomeadamente o futebol - é uma oportuna válvula do escape, por onde se estravaza o espumejar do nosso temperamento latino. Os árbitros serão assim mais vítimas do que culpados, as discussões e agressões serão assim abençoados embates. Não sou eu quem nega nem a realidade nem a felicidade do facto. Mas, sem sair dos domínios da física, desejava parafrasear aquela feliz observação psicológica do meu professor de Filosofia: o desporto é também o termómetro da Nação, mas termómetro de duas leituras, uma para quem põe, outra para quem o usa. Se através dele, pode avaliar-se do grau de educação e da forca da reacção do povo, se através dele pode inferir-se, o grau de preparação técnica e moral de toda a espécie de dirigentes, é também através dele que o povo avalia a posição do Governo no seio da Nação: se o Governo está atento a tudo quanto à sua volta se passa, se e Governo está ou não disposto a consentir desmandos, se enfim, o Governo continua a ser o defensor também: da ordem moral da Nação.
Se a matéria de que estamos a tratar é explosiva e a muito, por isso, se arrisca quem lhe deite a mão.

Página 493

24 DE MARÇO DE 1960 493

a sua importância política impõe-nos que, embora correndo qualquer risco aqui com a atenção que costumamos dar a qualquer outro problema.
Da minha parte procurarei fazê-lo com a maior das isenções, num assunto de que dificilmente a paixão pode ser arrancada. Aos que duvidarem da pureza das minhas intenções talvez valha de alguma coisa a informação de que não sou sócio de qualquer clube desportivo, embora venha a correr o risco de com este esclarecimento ser taxado de ignorante na matéria.
Não me importo, pois ignorante pode significar, neste caso, desapaixonado, quer dizer, um homem que vem para aqui desprendido das «coisas» da bola. E com isto, vamos adiante.
Sr. Presidente: o fenómeno do profissionalismo em desporto não é, como todos sabem, novidade da época. Profissionais foram, por exemplo, os antigos gladiadores romanos, que, frequentando escolas apropriados, adquiriam a técnica do combate e a exibiam depois, mediante remuneração, para diversão do povo. De entre eles, o povo escolhia as suas vedetas e à volta delas, tal qual hoje, forjava as suas disputas. Havia, pois, o partido deste ou daquele, sem que se negue a preferência por esta ou aquela escola de formação. Outros exemplos se poderiam aqui trazer, mas parecem desnecessários ante a sua evidência histórica.
Quando, já nos nossos tempos, surgiram novas modalidades desportivas de association, formaram-se os pequenos grupos, constituídos por indivíduos que, interessados na prática desportiva, tinham de juntar-se a outros para a poderem exercer. Cada um tinha o seu equipamento, cada um pagava as suas despesas, e o único proveito que da sua- actividade tirava era a satisfação do desejo lúdico e os benefícios da ginástica.
A pouco e pouco, à volta destes grupos de praticantes foram-se juntando outros que queriam também jogar e os que gostavam de ver jogar, começando assim a fortalecer-se o espírito do clube, de que os praticantes faziam parte como sócios e onde permaneciam para sempre, ligados de alma e coração. Foram os de Fora, os que não jogavam, mas pertenciam ao clube, que, acicatados pelo despique, passaram a interferir na formação das equipas e a convidar indivíduos para compor as equipas dos seus clubes.
E assim se deu uma inversão de valores, cujas consequências estão patentes: um clube desportivo tende hoje, cada vez mais, a ser um grande agrupamento de indivíduos que se quotizam para manter um outro agrupamento mais pequeno que tem a obrigação de os distrair.
Em termos comerciais: um clube desportivo é uma sociedade por quotas com um grupo de operários especializados para satisfação do interesse comum dos sócios. Posta a questão nestes termos, que me parece traduzirem com fidelidade a situação actual, estamos em pleno profissionalismo, recebam os jogadores o pagamento que receberem.
Sendo, pois, o profissionalismo desportivo um facto social, tinha, necessariamente, de suscitar a atenção do Governo e a apreciação desta Câmara.
E com isto abrimos novo capítulo.
Sr. Presidente: em todos os métodos educativos o desporto ocupa posição de relevo, pois através dele se promove não apenas o aperfeiçoamento físico do homem, base da saúde do corpo, mas se educa a vontade e se fortalece o carácter-bases da saúde moral. Assim sendo, é do interesse da Nação que todos sejam praticantes desportivos, e com essa finalidade, gasta o Estado avultadas verbas anuais, em iniciativas próprias nu subsidiando iniciativas alheias.
A tendência de hoje é, porém, para o desporto-espectáculo em que a grande maioria assiste, tantas vezes arriscando a saúde e educando-se apenas na medida em que dá provas do melhor espírito de sacrifício, na compra dos bilhetes, na espera dos transportes, na procura voluntária de sofrimento.
Esta é a realidade, que não pode ser esquecida, ao encontro da qual se tem de ir, mas porque os princípios, desde a velha Grécia, não estão errados, têm de ser feitos esforços - o maior esforço - no sentido de manter a pureza do desporto, isto é, a prática desportiva, como actividade lúdica dos praticantes, com vistas à defesa da saúde da raça. Ao lado do profissionalismo tem de manter-se e alargar-se o amadorismo.
E aqui é que a coisa começa a complicar-se.
Sr. Presidente: a proposta de lei que o Governo submeteu à apreciação desta Assembleia, e sobre a qual a Câmara Corporativa deu já o seu parecer, é muito cautelosa naquilo que julga ser interferência nas atribuições das federações desportivas, deixando a estas a possibilidade de regulamentar, como lhes parecer de mais interesse para a sua actividade, os vários aspectos da vida desportiva dos praticantes e reservando para a Administrarão apenas a faculdade de determinar as normas regulamentares necessárias à execução do diploma, embora actuando supletivamente e só na medida em que a ordem desportiva se mostra incapaz de resolver os seus próprios problemas. Daí a falta de certa pormenorizarão de algumas das directrizes e o alheamento a certas afinidades.
Apesar do nosso espírito individualista, mas talvez por um clima da época, talvez mesmo por uma confiança nas possibilidades do Governo, dele se espera agora muito: que construa os noteis, que monte as indústrias e, até, que meta o futebol na ordem.
A opinião de muitos, largamente vividos no palco desportivo, é a de que talvez fosse melhor evitar as vassouradas tardias. O Governo não entendeu assim, por não querer interferir na vida interna das colectividades, como ainda há pouco o demonstrou ao limitar a curto prazo uma importante e necessária comissão administrativa, e por isso honra lhe seja. Mas ...
Mas passemos adiante.
Ao tratar da base II, a Câmara Corporativa opina que na matéria em causa melhor será empregarem-se os termos mais adequados e que possam evitar quaisquer subterfúgios, que frustrariam afinal os objectivos do próprio diploma. Ora é à luz desse principio, honestamente posto e no qual se insiste, que me parece ser de substituir a expressão da proposta de poderem os amadores receber prémios instituídos em competições por outra que evite os tais subterfúgios, pois não se desconhece que prémio é, na gíria futebolísticas, aquela quantia antecipadamente estipulada ou depois atribuída aos jogadores pelo seu esforço em conquistar a vitória ou em obter o simples empate. Tornando-se este prémio normal, não seria difícil confundi-lo com. honorários, pagando-se assim a um profissional com prémios, em vez de se pagar com verba certa mensal, estabelecida em contrato.
Esta questão de prémio toma, todavia, outro aspecto quanto aos profissionais, pois, actuando as mais das vezes como estímulo, pressupõe não ser bastante ler o profissional o seu vencimento para que procure ganhá-lo com honestidade, pondo todo o seu esforço ao serviço do clube de que é empregado. Tem-se chegado ao extremo de exigirem os jogadores prémio maior do que o prometido para darem pleno rendimento. Melhor seria que tais prémios acabassem, substituindo-se, se disso fosse caso, por uma gratificação de fim de época, que as finanças do clube regulariam.
Propõe ainda a Câmara Corporativa que entre os benefícios a conceder aos atletas amadores, sem que per-

Página 494

494 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 157

cam essa qualidade, seja incluída a subvenção para estudos ou preparação profissional, e assim a, justifica:

Há que considerar que a prática do desporto é, de um modo geral, de curta duração, pelas exigências e contingências do seu exercício e desgaste dela resultante.
Por outro lado, a própria glória desportiva e o ruído que hoje se faz a. roda das figuras do desporto são propensos a fazer esquecer aos praticantes as dificuldades que virão certamente a encontrar quando chegar o dia em que já não possam servir com mérito ou, pelo menos, com interesse para os seus organismos desportivos.
Põe-se então para muitos com agudeza o problema de procurar uma profissão, para que não estão de modo algum preparados. Assim, parece à Câmara que haverá conveniência em facilitar a todos os praticantes do desporto uma preparação profissional em estabelecimentos oficiais que lhes assegure o futuro quando o desporto lho negar.

Ora parece, que tais palavras se aplicam apenas aos atletas profissionais, pois esses é que fazem do desporto profissão, esses é que, chegado o dia de não poderem já prestar o seu concurso aos clubes de profissionais, terão de procurar noutra ocupação o sustento próprio e o dos seus. E não custaria aceitar que as pequenas compensações materiais a conceder aos subsidiados fossem preferentemente do mesmo género, pois o subsidiado é afinal um profissional em formação. Aliás, a proposta governamental o confirma, ao prever que essas compensações venham a ter carácter de regularidade e permanência.
O jogador amador é o praticante que, apenas por prazer ou por cuidado no cultivo do corpo, se dedica ao desporto, supondo-se que noutra parte ganha o seu pão quotidiano. Ele não precisa, pois, de se preparar para outra profissão quando praticante, visto ser praticante já com profissão ou para ela orientado.
Este problema ganhou relevo especial desde que o Governo se disse disposto a reconhecer a profissão de desportistas. O novo profissional passará a estar integrado no nosso esquema corporativo, com todas as obrigações e todos os direitos que lhe são próprios. Qualquer acto em que se vislumbre possibilidades de fuga a essas obrigações ou a esses direitos devo ser acautelado.
A alteração proposta pela Câmara Corporativa, no sentido de facilitar a todos os praticantes do desporto uma preparação profissional em estabelecimentos oficiais que lhes assegure o futuro quando o desporto lho negar, mas que nas bases é apenas feita em relação aos amadores, é susceptível de muitos, desvios, em prejuízo dos profissionais (que, recebendo subvenção para estudos, poderão chamar-se amadores). A própria Câmara Corporativa o reconhece ao escrever:

É evidente que esta facilidade que a Câmara preconiza não poderá ser licença, pois se reconhece a possibilidade de abusos e deturpações daquele objectivo.
Há que ter o máximo cuidado na regulamentação desta faculdade, fixando por forma precisa e rígida as condições da sua aplicação, designadamente no que se refere a matrículas, aproveitamento escolar, montante máximo das subvenções e seu registo e tudo o mais que possa eliminar ou, pelo menos, reduzir ao mínimo possível os perigos de desvio de aplicação a que acima se alude.

Sr. Presidente: são judiciosas as considerações que a Câmara Corporativa vai fazendo ao correr da proposta governamental, inclusive; a sugestão de ser suprimida, por redundância, a base VIII, mas ao chegar à base X, transformada por si em base IX, a Câmara põe talvez as duas mais delicadas questões do futebol nacional e até mundial: a presença de jogadores estrangeiros e as transferencias de jogadores.
Sobre a primeira diz a Câmara que, discordando em princípio do contrato de estrangeiros, lhe parece ser de toda a conveniência e urgência a sua regulamentação. Ora, em princípio, não posso concordar com a importação de profissionais de outros países, os quais não têm, aliás, contribuído para notório desenvolvimento do desporto nacional, pois, se são verdadeiros profissionais, não são, porém, na sua maioria, executantes com quem se possa, tecnicamente aprender alguma coisa.
Todos os anos entram em actividade desportiva, através dos centros da Mocidade Portuguesa, muitos milhares de rapazes; todos os anos, através das associações desportivas, disputam torneios muitos milhares de populares; espalhados por todos esses inúmeros clubes da província há centenas do jovens habilidosos, conhecidos só no seu meio. Porque se recorro então a atletas estrangeiros para o preenchimento de certos lugares? Porque aos clubes é mais barato importar do que fazer? Porque aos treinadores é mais cómodo mandar vir do que trabalhar?
De qualquer forma, veda-se aos jogadores nacionais a ascensão a lugares naturalmente cobiçados, tira-se aos clubes a característica de nacionais, criam-se problemas à formação da equipa representativa da Nação, o no seio desta, pelo nosso espirito brincalhão, podem produzir-se desagradáveis incidentes. Não aconteceu já há dias ter uma equipa consumida apenas por jogadores nacionais e que ia iniciar um prédio com outra em iguais circunstâncias entrado em campo com uma bandeira nacional desfraldada? Não vi eu já ser empunhada por um adepto, em pleno campo adversário, uma bandeira nossa como sinal do portuguesismo do seu clube? Não ouvi eu já uma massa coral clamar em plena rua por Portugal ao vitoriar o clube da sua predilecção? A opinião geral é a de que os jogadores estrangeiros não fazem falta entre nós.
Já outro tanto não se dirá dos treinadores, mas a autorização para a sua actividade no País só deveria ser concedida a técnicos de reconhecida aptidão. Já muito que, por graça, venho a dizer que aquilo de que certas equipas precisam não é de treinadores, mas de professores de psicologia. Estamos a chegar lá. já se falando agora em «chicotadas psicológicas». Ora não é qualquer que sabe usar devidamente esse chicote de imagem. Para o assunto chamo a atenção do Governo.
A outra questão levantada pela Câmara Corporativa é a da transferencia dos jogadores, posta assim em acrescento: «Na regulamentação das transferências não será restringida aos praticantes amadores a faculdade de no fim de cada época desportiva escolherem o organismo que desejem representar». Ora, aplicando-se novamente aqui o critério de se evitar quanto possível os subterfúgios, melhor será substituir por outras as palavras «restringida» e «organismo». Se o que se deseja é que, só os amadores possam livremente, dada a própria essência do amadorismo, mudar de clube, há que, encontrar o termo adequado para exprimir esse ponto de vista, aliás judicioso.
E, porém, nessa faculdade de livre transferência dos amadores que o problema se torna delicado.
Apesar do recurso nos profissionais estrangeiros, que. em minha opinião, deveria ser proibido, como já afirmei; apesar das «escolas de jogadores», que, em meu

Página 495

24 DE MARÇO DE 1960 495

entender, deveriam ser obrigatórias nos clubes de profissionais, haverá necessidade de recrutar novas futuras vedetas de primeiro plano nos clubes só de amadores. Ora os praticantes amadores, como já não são como os amadores da primitiva e porque as exigências do desporto são hoje diferentes das que eram dantes, recebem dos seus clubes, além do equipamento, das despesas de deslocarão e das indemnizações por salários perdidos, ainda, e por proposta da Câmara Corporativa, uma subvenção para estudos ou preparação profissional e o pagamento das despesas de seguro contra os acidentes emergentes das competições desportivas e de viagens por estas determinadas.
Quer isto dizer que o clube amador, recolhendo embora os proveitos da exibição dos seus atletas, gasta com eles verbas elevadas, que terá de voltar a gastar com outros que os substituam quando a transferência se der.
Acontece ainda, que o prestígio de uma equipa, que a sua posição no quadro dos campeonatos, se faz geralmente com base em dois ou três jogadores excepcionais, cuja falta pode redundar na quebra da equipa, que assim descerá de categoria, perdendo, com isso, o clube receitas de competição e até sócios.
Se a transferência for de clube amador para clube amador, será discutível e a-propósito de qualquer indemnização; se a transferência for, porém, para um clube profissional, já poderão ser estabelecidas condições de cedência, devidamente regulamentadas, e que não serão necessariamente traduzíveis em dinheiro.
Se os clubes amadores continuarem a ser o campo normal do recrutamento dos futuros profissionais, deverão ser ajudados pelos clubes de plano superior. Por outro lado, se o amadorismo é, para o Estado, por declaração expressa do Governo, aquilo que mais lhe interessa, defender, por considerar o desporto na sua acepção mais pura e perfeita, então os clubes de amadores não podem ser postos no mesmo pé de igualdade com 01 profissionais quanto aos encargos de competição, pois esses e outros encargos coarctam a iniciativa, limitam a acção dos clubes amadores, cujo papel no panorama desportivo se reconhece ser da maior importância, sobretudo agora quo os campos se vão estremar.
Aliás, prevendo-se que os campeonatos nacionais sejam disputados conjuntamente por equipas de profissionais e por equipas de amadores; prevendo-se que as equipas possam até ser constituídas por profissionais e amadores, a possibilidade dada ao amador (aliás lógica) de mudar de clube no fim de cada época pode vir a prejudicar grandemente os clubes com equipas de amadores, pela concorrência que lhes podem fazer as equipas de profissionais.
Na sua apreciação da proposta governamental a Câmara Corporativa apenas não fez referência, ao n.º 2 da base vi, e ele aflorou um ponto que pode dar origem a futuras confusões. E fora de dúvida que se deve regulamentar no sentido de os clubes com secções de profissionais não abandonarem as modalidades ainda em amadorismo: é prudente, embora discutível, impedir que o profissional inscrito de determinada modalidade pratique outra ou outras como amador ou subsidiado.
Mas poderão os clubes com equipas de profissionais possuir, ao lado dê-las, equipas de amadores da mesma, modalidade?
Pelo que atrás ficou exposto, sou da opinião de que não, para se impedir que o amadorismo perca ainda mais da sua pureza, para se permitir ao clubes de amadores fazerem a sua vida sem a sombra dos «grandes».
Sr. Presidente: pelo que acabo de dizer, talvez um pouco sem especialidade, por culpa da matéria ou da forma como está redigido o parecer da Câmara Corporativa, se verifica que dou o meu voto na generalidade à proposta governamental, lastimando, porém, que, não se tenha aproveitado o ensejo para regulamentar também aqueles problemas afins à prática desportiva, como seja o dos árbitros, o dos treinadores ou orientadores e dos jogadores estrangeiros.
E com esse voto desejo formular um outro: o de que, reafirmado o valor educativo, social e político do desporto, não deixe o Governo de estar atento a quanto nele se passa, intervindo com firmeza sempre que. verificar ser o incidente susceptível de grande repercussão, sem .esperar que a discussão à sua volta confunda ou deturpe os factos. Através de uma Direcção-geral, de cuja reforma se fala e da qual o partidarismo clubista tem de estar logicamente afastado, em todos os funcionários que dela façam parte, o Governo pode e deve estar sempre conhecedor dos problemas levantados.
Sr. Presidente: só agora me dei couta de como é, fácil falar das coisas desportivas. Até eu, tão ignorante delas, fiz figura de catedrático.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Há ainda outros oradores inscritos para a generalidade desta proposta de lei. Como, porém, esses oradores contavam usar da palavra só na sessão de amanhã, não dou já por encerrado o debate na generalidade. Por esse motivo vou encerrar a sessão, sendo a próxima amanhã, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Armando Cândido de Medeiros.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Tito Castelo Branco Arantes.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 496

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×