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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 158

ANO DE 1960 25 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 158, EM 24 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmo. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia.- Foram aprovados os n.ºs 156 e 157 do Diário das Sessões, com uma rectificação, quanto ao n.º 157, apresentada pelo Sr. Deputado Peres Claro.
Leu-se o expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados José Sarmento, para um requerimento; André Navarro, sobre alguns aspectos da actual conjuntura política e económica; Santos Bessa, que se referiu a diversos problemas de interessar para vários concelhos do distrito de Coimbra, e Silva Mendes, para protestar contra notícias falsas e tendenciosas insertas em jornais estrangeiros sobre nossos territórios ultramarinos.

Ordem do dia.- Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre reorganização das desportos.
Usou da palavra o Sr. Deputado Urgel Horta.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.

O Sr. Presidente:- Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.

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João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 156 e 157 do Diário das Sessões.

O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações ao Diário das Sessões n.º 157: a p. 493, col. 1.ª, 1.61, onde se lê: «abramos», deve ler-se: «abramos»; a p. 494, col. 2.ª, 1. 61, onde se lê: «outras as palavras restringida e organismos», deve ler-se: «outra a palavra restringida»; a p. 495, col. 1.ª, deverá inverter-se a ordem por que estão insertos os dois parágrafos seguintes: «Se os clubes amadores ...» e «Aliás, prevendo-se ...».

O Sr. Presidente: - Continuam em reclamação.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero aprovados os referidos números do Diário das Sessões com as rectificações apresentadas ao n.º 157.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Da Câmara Municipal de Coimbra a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Santos Bessa sobre a situação de numerosas famílias por virtude das cheias do rio Mondego.
Da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho no mesmo sentido.
Da Câmara Municipal de Braga a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Nunes Barata sobre a revisão do Código Administrativo.
De Costa Valente a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Saraiva de Aguilar acerca da situação dos agentes técnicos de engenharia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes ria ordem do dia o Sr. Deputado José Sarmento.

O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: desejando ocupar-me do funcionamento das cantinas anexas às esfolas primárias e das suas actuais dificuldades económicas, provenientes de algumas delas terem deixado de receber determinados subsídios, envio para a Mesa o seguinte requerimento, que passo a ler:
«Ao abrigo das disposições regimentais, requeira que me sejam fornecidas as seguintes informações:

Pelo Ministério da Educação Nacional:

1.º Importâncias despendidas com o funcionamento das cantinas, anexas às escutas primárias nos últimos quatro anos;
2.º Receitas das mesmas cantinas nos referidos anos, discriminando-se os subsídios provenientes dos Ministérios da Educação Nacional, da Saúde e Assistência, do Interior e dos corpos administrativos;
3.º Receitas discriminadas previstas para o actual ano lectivo;
4.º Quaisquer outros esclarecimentos que o Governo julgar necessários para o esclarecimento das actuais dificuldades económicas em que se debatem certas cantinas.

Pelo Ministério da Saúde e Assistência:

1.º Subsídios, por distritos, concedidos pela Direcção-Geral da Assistência às cantinas anexas às escolas primárias nos últimos quatro anos;
2.º Idem dos subsídios cancelados no presente ano».

O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: na sessão de 25 de Janeiro passado foquei, a título preambular, alguns aspectos da actual conjuntura política e económica do mundo ocidental, para assim melhor se poderem definir os presumíveis reflexos sobre a economia portuguesa; refiro-me apenas aos de maior evidência, consequentes da criação do Mercado Comum e da Associação Europeia do Comércio Livre. Eis o assunto fundamental que passo a expor.
A boa compreensão por parte doa representantes dos países componentes do bloco a que Portugal aderiu - A. E. C. L.-, e a que não foi decerto estranha a inteligente actuação da delegação portuguesa, presidida pelo ilustre titular da Secretaria de Estado do Comércio, o Doutor Correia de Oliveira, permitiu o

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estabelecimento de cláusulas que respeitam a natural evolução do crescimento dos vários sectores subevoluídos das actividades económicas nacionais. Porém, o que é facto é que, embora aparentemente largo, o prazo fixado para a uniformização das normas de comércio, e, assim, para a igualdade de posição na concorrência entre os países aderentes no acordo, esse prazo é, contudo, decerto insuficiente se não for convenientemente aproveitado para a intensificação do ritmo de progresso das actividades subevoluídas. Isto porque é longo o caminho a percorrer, quer na reorganização das estruturas económica e administrativa de alguns sectores industriais de maior vulto, quer ainda no necessário reapetrechamento mecânico das unidades mal dimensionadas ou dotadas de maquinaria antiquada ou mesmo obsoleta. E ainda, como condição prévia para que esta reorganização seja bem sucedida, impõe-se também nesta mesma fase a revisão dos preços da energia e os de certas matérias-primas oriundas da metrópole ou das províncias ultramarinas que alimentam importantes sectores industriais, bem como os dos transportes terrestres e marítimos, quando estes influam, por forma significante, nos custos de produção e a exacta definirão da qualidade dos mesmos.
Se atendermos, por outro lado, a que grande parte dos esforços que se impõe realizar, especialmente no capítulo da criação de novas actividades, por forma a mudar o sentido do desequilíbrio da nossa balança comercial, virá a incidir especialmente no, sectores agrícola e florestal, bem como no das indústrias que utilizam matérias-primas desta origem, mais ressaltará, pela natural lentidão dos processos evolutivos das actividades primarias, a urgência da tarefa que se impõe neste momento levar a cabo.
A tornar mais difícil o caminho a percorrer, é mister dizer ainda que a prospecção mesológica relativa às possibilidades económicas da cultura das espécies de interesse industrial, condição importante para que se verifique o seu fomento em bases seguras, ainda se encontra, sob vários aspectos e em vastas regiões do território do Império, bastante atrasada.
Mas mesmo que todas as condições que acabo de referir se mostrassem mais favoráveis do que as que precisei para o trabalho de fomento que se pretende efectuar, outra grave dificuldade, e considero esta de maior evidência, se nos depara para que se vença esta difícil como necessária campanha. Refiro-me à acentuada deficiência numérica, e muitas vezes também qualitativa, quanto a certas especialidades, dos técnicos necessários para assistir quer ao fomento agrícola e florestal do País, quer ainda ao de vários sectores das indústrias extractivas e das manufactureiras, bem como para a efectivação dos indispensáveis trabalhos de prospecção e de planeamento.
O defeito de se terem mantido quase fechados durante largo período vários sectores doa quadros dos serviços oficiais, o que aconteceu durante muitos anos, por exemplo, em relação aos do departamento da Agricultura, e ainda a circunstância de só recentemente se ter dado a devida valorização material ao trabalho de certos sectores técnicos, como aquele de que fazem parte os engenheiros florestais, provocou, como de resto era de esperar, largo desinteresse da juventude universitária por essas especialidades do ensino técnico. Deste facto resultou a quase anulação da frequência do curso de Engenharia Florestal da nossa única escola superior desta especialidade, sendo assim actualmente muito difícil satisfazer as necessidades de pessoal técnico, quer da Direcção-Geral dos Serviços Florestais, quer dos departamentos paralelos das províncias ultramarinas, e isto só no que diz respeito aos serviços
oficiais, na hipótese de uma campanha urgente e de horizontes vastos, como aquela que é necessário presentemente realizar.
Querendo então resolver, por forma embora de carácter provisório, esta caso, que é, de facto presentemente, de todos, o mais urgente nos domínios do ensino superior, vejo como melhor caminho a seguir o da efectivação durante alguns anos lectivos de cursos intensivos de Engenharia Florestal, destinados a serem frequentados por licenciados em Agronomia, embora se saiba de antemão, também, em relação a este sector da classe, não ser hoje muito elevado o número de elementos que não exercem funções em serviços do Estado, da organização corporativa, das autarquias locais ou no ambiente privado. E para melhorar, por forma significativa, as condições de recrutamento de novos candidatos a esta profissão conviria ainda prever n instituição, na velha e prestigiosa Universidade de Coimbra de uma Faculdade de Agronomia e de Silvicultura, tornando assim mais fácil o ingresso de candidatos do Norte e do Centro do País neste sector do ensino.
Se a penúria técnica é, como vemos, notória em determinados sectores do ensino superior, especialmente no florestal, o problema agrava-se nitidamente quando se consideram os técnicos de grau médio, elementos cuja presença numa companha desta amplitude se impõe em número substancialmente mais elevado. Assim, o País não dispõe presentemente de qualquer escola que prepare especialmente regentes florestais, e quanto a práticos florestais, a situação é exactamente a mesma. Isto significa que teremos, sem perda de tempo, de procurar resolver também esta grave crise, promovendo a instituição numa das escolas de regentes agrícolas - talvez a mais indicada fosse a de Coimbra, de uma secção de silvicultura, destinada a ser frequentada por regentes agrícolas, secção que seria oportunamente estruturada com o carácter definitivo, realizando-se os tirocínios necessários nas matas nacionais. Por forma, semelhante haverá que proceder em relação às duas mais importantes províncias de além-mar.
E, quanto a práticos florestais ter-se-á de adoptar solução paralela, porém, neste caso. talvez de mais fácil efectivação, utilizando desde já as actuais escolas industriais da metrópole e do ultramar melhor situadas em relação às regiões agrícolas e florestais do Império, aproveitando certas especialidades já existentes nossas escolas e cujo núcleo fundamental do disciplinas seria completado com o ensino de outras, como as do biologia, de culturas, de exploração pecuária, de topografia o de vias de comunicação, de sanidade, de economia e de administração agrícola e florestal, etc. Por esta forma poderíamos, num prazo de poucos anus e com um dispêndio relativamente pouco avultado, dispor dos técnicos necessários para os primeiros passos desta importante campanha agrária, que não sendo devidamente acompanhada por técnicos competentes poderá vir a revestir deficiências graves de estruturação difíceis de corrigir no futuro.
Posta esta nota prévia relativa an apoio técnico da campanha de fomento que se impõe realizar, quais serão, então, de facto, as perspectivas que se nos deparam quanto às possibilidades de fomento das actividades agrícolas e florestais do País, tendo em atenção os reflexos da nova orientação no campo económico derivada da criação do mercado comum e do da zona do comércio livre da Europa sobre os trabalhos previstos no Plano de Fomento e ainda as consequências que este novo condicionalismo económico poderá vir a ter no nível de existência do nosso povo? Trata-se do uma questão, como vemos, fundamental, a que vamos procurar responder no limitado tempo que nos resta desta inter-

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venção e por isso só apenas em relação aos aspectos florestais do fomento agrário. Em próximas intervenções nesta Assembleia tentaremos focar outros aspectos relativos a sectores de actividade de valimento igualmente destacado na economia da Nação.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Tem sido sempre um motivo de reclamações dos meios agrícolas do Norte do País a existência de uma escola secundária de técnica agrícola no Norte de Portugal, porque realmente a de Coimbra está muito longe relativamente ao ambiente e à diferença de meio, pois efectivamente é muito grande a diferença entre a fisionomia agrária do Centro e a do Norte.
Era um ponto que eu não queria que se esquecesse, e por isso me referi agora, novamente, a ele.

O Orador: - Perfeitamente de acordo com V. Exa.
Haverá que realçar, desde logo, em relação ao problema florestal, o facto de a aptidão natural de largas extensas do território nacional para a cultura silvícola ser, na realidade, desde há muito conhecida. A história o revela em variadíssimos passos e a economia contemporânea da Nação o confirma amplamente. Ao fazer esta afirmação, englobando nela o que se refere aos povoamentos florestais das províncias de além-mar, não poderei, contudo, fundamentá-la, em relação a esses territórios, em dados que possa considerar, desde já, de segurança indiscutível. Na realidade, as florestas naturais do continente africano, embora abrangendo áreas imensas, encontram-se, contudo, muitas delas, em vários graus de degradação florística a edáfica consequentes do sistema do agricultura itinerante das populações indígenas e de uma exploração industrial de carácter eminentemente exaustivo, originando desperdícios incomensuráveis de material lenhoso não utilizado e alterações profundas na composição dos povoamentos. E como não se tem verificado, também, nessas extensas áreas florestais qualquer trabalho sério de conservação ou de reconstituição, antes, pelo contrário, se tem assistido, dia a dia, apenas a actuações que redundam em degradação dessas florestas, é natural que o primitivo valor desses povoamentos florestais espontâneos esteja hoje acentuadamente diminuído. Por isso, como disse atrás, é preferível, enquanto os trabalhos de prospecção e outros não se encontrem mais adiantados, não pretender fazer juízo seguro da contribuição que estas áreas florestais poderão vir a dar ao desenvolvimento económico do País. Apenas poderemos dizer, quanto muito, que deve vir a ser elevado esse valor. Para fazer tal afirmação basta constatar, por exemplo, que, só no que se refere à pluvisilva, as florestas abrangem área superior à das províncias metropolitanas situadas ao sul do rio Mondego, compreendendo povoamentos riquíssimos onde se destacam essências florestais das mais valiosas, como a tola, a limba o muitas outras.
Vemos, assim, que o continente, ilhas adjacentes e províncias de além-mar poderão constituir, em futuro próximo, um território florestal muito extenso e valioso, que, pelo seu valor potencial, acrescido do da riqueza a criar, será -pelo menos é de prever que assim seja - absolutamente comparável ao do alguns países europeus que fundamentam na floresta o seu elevado nível de existência. Este é o caso, por exemplo, da Suécia, cuja população é sensivelmente igual, em número, à do nosso país e que figura entre as nações de mais elevado nível de vida da Europa. Das suas florestas dependem directamente 15 por cento da sua população activa e elas fornecem matérias-primas para 40 por cento do total das exportações. Actualmente atingiu a Suécia a média excepcional, só ultrapassada na Europa pela Finlândia, de 4 ha de floresta por habitante, e assim é que é geralmente admitido na Suécia que a sua silvicultura constitui a espinha dorsal da sua prosperidade económica. E não devemos esquecer que há cerra de um século ainda se queimavam sistematicamente florestas nesse país pura arrotear terrenos para a cultura de cereais panificáveis. São o abeto, o pinheiro silvestre e o spence as principais fontes de matérias-primas das suas numerosas indústrias, como as de pasta para papel e de outros produtos à base da celulose, as de casas pré-fabricadas com material incombustível e resistente a outros agentes de destruição, as dos mobiliários comerciais e de habitações, as de recipientes de acondicionamento dos mais diversos, as de revestimentos de madeira de aparelhos de telefonia e televisão, as do fabrico de painéis vários de aglomerados com e sem cuias aglutinantes, bem como de contraplacados e folheados, etc., além de indústrias de feição química baseadas em matérias-primas extraídas dos mesmos arvoredos, tudo, em suma, actividades o valores apoiados no precioso lenho das três espécies mencionadas.
Mas o país vizinho na península escandinava, a Noruega, não lhe fica atrás. E realcemos mais o exemplo deste país pela maior semelhança que virá a revestir com o caso português. E assim é que são as actividades da pesca e da floresta os principais fundamentos da exportação norueguesa, cujas fontes de energia são, como também se verificará entre nós, dominantemente origem hidroeléctrica.
Em coroas norueguesas, e referente a 1956 numa exportação total de 5 250 000 000, os produtos derivados da floresta ocupam o segundo lugar, com 1 180 000 000, o que equivale, na nossa moeda, a cerca de 5 milhões de contos, valor logo a seguir ao referente às actividades piscatórias, que ocupam a primeira posição, com 1 226 000 000.
A floresta norueguesa ocupa hoje já uma quarta parte do sen território, e, como vemos, ela é responsável em larga escala pela situação de desafogo económico deste progressivo povo, que fundamenta no mar e na montanha o seu activo desenvolvimento económico.
Antevejo que serão também a floresta e a pesca, além das culturas pomareiras, vinhateiras, forraginosas, hortícolas e das espécies tropicais e subtropicais e indústrias correlacionadas, os sólidos pilares em que se há-de apoiar o enriquecimento da nação portuguesa e assim a melhoria efectiva do nível de existência do nosso povo. Temos, no que se refere ao sector florestal, em relação à Suécia, à Noruega e ainda em relação à progressiva e também florestal Finlândia, mesmo certas vantagens que é mister em poucas palavras apontar.
Sem entrar em pormenores, que considero desnecessários numa intervenção desta natureza, podemos do facto apontar que a circunstância de se poderem distinguir nas várias regiões do território nacional influências climáticas das mais diversas, influências que revestem ora um carácter extremo, ora um misto, consequente de acções concorrentes em grau variado, que o relevo dominante acentua e diversifica no condicionalismo da flora, tudo são aspectos que acrescem, de facto, em alto grau, as possibilidades de Portugal como país florestal. Entre as espécies exóticas mais recentemente introduzidas nos povoamentos florestais do País, e que o variado do clima permitiu adaptar a várias regiões é de destacar, pelo seu excepcional valor, o eucalipto, ou, melhor, as inúmeras espécies do género eucaliptos, já hoje largamente divulgadas em territórios da metrópole e do ultramar, espécies florestais produtoras de matérias-primas variadas para numerosas indústrias, incluindo a da pasta para papel.

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O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Tenha a bondade.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Há vinte anos, quando foi da guerra, houve uma campanha larguíssima contra o eucalipto, de maneira que folgo muito com a opinião autorizada que V. Exa. acaba de expor; com a sua autoridade, fazendo a apologia do eucalipto, quase oficialmente.

O Orador: - Mas hoje o eucalipto é considerado como de excepcional valia, pelo seu valor industrial, como está demonstrado pela nossa indústria de pasta de papel. É actualmente a espécie mais destacada e valiosa.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Bom, não foi verdadeiramente esse a razão da minha observação. Esta foi feita mais para o efeito de reconhecimento do valor daquela espécie, negado durante a última guerra, quando das requisições, com grave prejuízo para a lavoura.

O Orador: - Isso são outros valores. E, se me dá licença, continuo.
A curta revolução exigida para o económico aproveitamento desta espécie corresponde a multiplicar por forma significante as possibilidades produtoras de matérias-primas florestais, quer no continente, quer em algumas regiões do ultramar. Se nos lembrarmos, por outro lado, de que as condições de clima atlântico que dominam no Noroeste do País facultam ainda larga difusão das espécies que constituem na Europa Setentrional e na Ocidental motivo do maior interesse económico, como várias coníferas dos géneros Pinus, Abics, Picea, Paeudotsuga, bem como ainda caducifólias diversas de alto valor industrial, como os carvalhos, castanheiro, choupos, vidoeiro, faia e outras já largamente difundidas em certas regiões montanhosas do Norte e do Centro de Portugal metropolitano, bem como nas ilhas adjacentes, podemos avaliar, na realidade, a- grandeza das nossas possibilidades florestais, largamente acrescidas quando forem entregues à cultura florestal cerca de 2 milhões de hectares de terras em acentuado estado de degradação e que hoje produzem magras searas de pão. Pelo que fica dito, julgo apoiar a afirmação feita de que Portugal dispõe de possibilidades de produção florestal, extraordinariamente valiosas, muito semelhantes às que deram já aos países escandinavos situarão de realce quanto ao grau do seu desenvolvimento económico. E não esqueçamos ainda, que, em muitas regiões do território português, a insolação, aliada a outros factores do clima, é de natureza, pelo condicionalismo acentuado que exerce nos fenómenos do crescimento, a actuar por forma significante no rendimento das explorações florestais. É o que se verificou ainda recentemente com a cultura dos choupos de origem híbrida, quando esta é posta em comparação com exploração análoga feita em território francês, belga, alemão ou sueco.
Assim, repito, julgo não constituir exagero afirmar que as condições climáticas dominantes no território nacional facultarão a exploração das florestas ambiente dos mais propícios para o sucesso de iniciativas deste género, que largamente hão-de contribuir para o acréscimo do nível de existência da nossa gente.
Vejamos agora, para terminar, um outro factor de interesse não menos destacado como elemento de sucesso no fomento florestal, especialmente no que se refere ao território metropolitano. É o que diz respeito às possibilidades de mão-de-obra rural necessária para levar a cabo os trabalhos de sementeira, de plantação
e outros dos novos povoamentos, digamos, do 1.º estabelecimento desta importante indústria.
Na realidade, o povoamento florestal do Sul do Tejo e das serranias do interior continental e de algumas áreas insulares vem auxiliar, por forma significante, a resolução do importante problema do excesso transitório de mão-de-obra agrícola nesta fase, que já se desenha, de mecanização activa da lavoura. Dentro de poucos anos, porém, será impossível, como de resto já hoje se verifica em países mais evoluídos industrialmente, como a Grã-Bretanha, a realização destes trabalhos, quo só em casos restritos podem apresentar feição mecânica dominante. Verifica-se assim uma feliz coincidência entre as necessidades actuais de aproveitamento de mão-de-obra rural sobrante e as do 1.º estabelecimento desta nova indústria.
A floresta, como muito bem diz o Prof. Castro Caldas, surge assim como a única forma de valorização dos nossos terrenos montanhosos e delgados, que cobrem mais de metade do território metropolitano e insular. A estas palavras acrescentarei, como, de resto, já disse, que a florestação permitirá também substituir outras culturas mal adaptadas ao nosso meio agro-climático e alargar ainda por forma significante a custa das formações hiemilenhosas a exploração de vastas zonas nos territórios de além-mar.
Eis, em súmula, um dós grandes problemas actuais da economia nacional, que será necessário encarar bem de frente e resolver certo e em curto prazo, por forma a poder-se extrair de tão grande tarefa o maior proveito para a Nação.
Chamo para os pontos focados a esclarecida atenção dos ilustres titulares das pastas da Educação Nacional, do Ultramar e da Economia e dos Secretariados de Estado do Comércio e da Agricultura, para que sejam estudadas a tempo as soluções parcelares para a resolução em bases seguras dos problemas que acabo de focar, algumas das quais, como as que se referem ao ensino técnico, não são de natureza a coadunarem-se com demoras burocráticas, que poderão anular uma das fontes mais importantes da renovação da nossa economia.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: várias são as razões, umas de ordem política, outras de natureza económica, que me obrigam a usar hoje da palavra para focar nesta Câmara alguns problemas que respeitam essencialmente ao concelho de Montemor-o-Velho, mas que interessam também os concelhos de Cantanhede, Soure e Condeixa e, em boa verdade, o distrito de Coimbra - são problemas que reclamam estudo sério e urgente, que exigem uma solução imediata e eficaz.
Uns respeitam à própria vila e ao seu futuro desenvolvimento e outros às ligações rodoviárias daquela região.
Aquela antiquíssima vila, que representou tão importante papel na fundação da nossa nacionalidade e na defesa da nossa civilização e da nossa independência, que foi berço de poetas, de cronistas, de guerreiros e de navegadores, que escreveram por tantas formas tão belas páginas da nossa história gloriosa, atravessa um período difícil, carece de auxílio e protecção e bem merece que o Governo lhos conceda e lhe faculte os meios necessários para a criação das condições indispensáveis à instalação de melhores possibilidades sanitárias, à sua defesa contra as arremetidas impie-

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dosas das águas do Mondego e ao alargamento da sua área urbanizável.
Todos os anos, sem excepção, a vila é teatro de inundações, que frequentes vezes submergem a estrada nacional n.º 111, que a atravessa, a praça principal da terra e as ruas que dão acesso a uma e a outra. Este ano, por várias vezes se tornou impossível a travessia da vila por viaturas automóveis, obrigando a enormes desvios e agravando seriamente as ligações das duas cidades por ela servidas.
A faixa de terreno que se encontra- entre a vila e o rio, e que deve constituir a zona de urbanização da vila, está de tal maneira, no que respeita às cotas, que não pode servir, tal como está, para o alargamento da vila. Por via disto, e pela impossibilidade de se expandir por outra zona, a população é obrigada a acantonar-se, empilhada, na encosta do monte. Muita daquela gente, que vive quase exclusivamente da agricultura, não encontra possibilidade de instalar convenientemente os gados, o material agrícola e tudo o que à lavoura anda ligado. A economia ressente-se e a higiene compromete-se. A situação é grave, reclama medidas imediatas e não pode ser solucionada nem pelo particulares nem pela autarquia.
Parece-me, por isso, indispensável que o Governo, pelas repartições competentes, mande estudar as obras indispensáveis, que evitem as enchentes periódicos, e mande proceder ao estudo da zona urbanizável para onde a vila possa estender-se, onde os lavradores possam instalar as suas explorações agrícolas e onde a vida possa ser mais desafogada e mais higiénica.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A obra é urgente, não me parece de execução difícil e julgo que não será de custo incomportável. Penso que o alteamento da mota da margem direita do Mondego, a jusante da ponte de Vila Nova do Rio, em face da vila, e o seu prolongamento por um, dique envolvente, em direcção noroeste, até entroncar na estrada do Taipal, ou na variante prevista do novo arranjo da estrada n.º 111, a poente de Montemor, poderia resolver a um tempo o problema das inundações e o da criação de uma larga zona urbanizável.

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!

O Orador: - E não só isso, mas também a transformação da vala que atravessa Montemor, condenável sob vários aspectos, e até contribuir eficazmente para a solução do problema dos esgotos, em que a actuai vereação e a Direcção-Geral de Urbanização estão empenhados e que deve ser resolvido conjuntamente com a do abastecimento de água, que está em curso.
A obra é urgente, como disse, s não deve estar comprometida pela morosidade com que, infelizmente, se arrastam o estudo e a resolução das obras de aproveitamento hidroeléctrico e de regularização do caudal do Mondego.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O novo tragado da estrada n.º 111, que liga Coimbra à Figueira da Foz, agora em via de alargamento e de rectificação, graças à acção do ilustre Ministro Arantes e Oliveira, terá forçosamente, do abandonar a vila de Montemor. Sendo tecnicamente inconveniente, segundo me informam os que têm competência na matéria, que venha abraçar a vila pelo sul, como seria desejo de tantos os que amam as belezas daquela linda e histórica vila, emite-se o voto de que
a sua passagem pela vertente norte não venha a comprometer, e antes contribua para realçar, a extraordinária beleza do seu admirável e imponente castelo medieval.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Desejamos sinceramente que o novo traçado seja estudado de molde a não ocultar um dos mais valiosos elementos turísticos daquela, região, mas que concorra para exultar a sua beleza e para estimular a atrairão e o interesse dos visitantes.
E já que falo desta magnífica transformação por que está pasmando a estrada que liga as duas lindas cidades da Beira Litoral, seja-me também permitido chamar a atenção dos Srs. Ministros das Obras Públicas s das Comunicações para outro problema de extrema urgência, cuja resolução viria facilitar muito as ligações de uma boa parte da Bairrada, de Cantanhede e de Montemor com Condeixa, com a estrada de Lisboa ao Porto e com a estação do Alfarelos. Refiro-me ao prolongamento da estrada n.º 335, que vem de Aveiro a Lavariz. A partir deste ponto, toda a circulação desta estrada tem de fazer um percurso de mais de 13 km para atingir quer a estação de Alfarelos, quer a estrada do Alfarelos a Condeixa, a n.º 347, quando, afinal, Lavariz se não encontra senão a 3 km daquela importante estação do caminho de ferro! Mais: nos últimos anos, a antiga serventia do campo que ia de Lavariz a Alfarelos foi substituída por uma estrada do cimento; sobre o Mondego, no vau da Granja, foi construída uma elegante ponte de cimento armado; sobre as valas foram construídas novas pontes, e, deste modo, está praticamente realizado o prolongamento da estrada n.º 335 até à estação de Alfarelos por estrada e pontes que podem servir mesmo para a camionagem de carga. Não falta senão resolver a passagem sobre a estação de Alfarelos, e alargar e subir, em alguns pontos, a estrada de cimento. Assim se economizarão 10 km de percurso e se servirá muito melhor o acesso ao caminho de ferro. S. Exa. o Ministro das Obras Públicas, a cuja gentileza devo uma recente visita àquela estrada e àquela ponte, conhece bem o problema e a extraordinária vantagem da realização desta obra, que interessa paralelamente os concelhos de Cantanhede, Montemor, Condeixa e Soure. Se hoje me ocupo deste assunto nesta Assembleia, é porque sei que o estudo da passagem superior junto da estação de Alfarelos, quase no enfiamento da estrada, tem de ser feito urgentemente. Impõe-nos os trabalhos de electrificação da linha do Norte, do Entroncamento ao Porto, que vão realizar-se dentro em hreve. Técnicos que muito considero e que ouvi a tal respeito confirmam-me que é indispensável proceder imediatamente aos estudos necessários para, a continuação dessa passagem superior para que a obra se realize antes ou a par dos trabalhos da electrificação da linha.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As condições naturais do terreno tornam a obra de fácil realização naquele sítio, dispensando mesmo a rampa do lado sul. Essa passagem superior, destinada a veículos, garantiria também o acosso de peões à gare de Alfarelos e evitaria, assim, a repetição dos lamentáveis desastres de que aquela estação tom sido teatro, em virtude das deploráveis condições em que se faz a sua entrada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para ao Governo que mande estudar sem demora o prolongamento da estrada n.º 335

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e a passagem superior junto da estação de Alfarelos, na defesa dos interesses económicos da minha região, na defesa dos próprios interesses da C. P. e na defesa da vida das pessoas que têm de servir-se daquela estação.
Sei que se pensa deslocar a actual passagem de nível, tão inconveniente, mais para poente, mantendo a travessia sobre o ramal de Alfarelos à Figueira da Foz e passando em túnel sob a linha do Norte.
É uma solução cara que não resolve o problema de escoamento da viação rodoviária, que não facilita o acesso da camionagem e dos peões à estação e que não defende a vida dos que, para entrarem na gare, têm de atravessar várias vias de uma zona de frequentes manobras de material circulante e de intenso tráfego.
Julgo que ficam justificadas a necessidade e a urgência dos estudos destinados a resolver estes problemas em curto prazo. Aguardo a sua realização.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Silva Mendes: - Sr. Presidente: tenho-me sentido dolorosamente impressionado com as notícias que, de vez em quando, aparecem na imprensa estrangeira referindo-se a agitações nas nossas províncias africanas, preparação de movimentos revolucionários, etc., quando se sabe em todo o Mundo que, pelo contrário, há a maior segurança, paz e harmonia em todas as nossas províncias ultramarinas.

O Sr. Rodrigo Carvalho: - Muito bem!

O Orador: - Se essas notícias fossem só espalhadas pela imprensa e rádio russas, não me admirava, visto que o comunismo está dentro do seu papel, espalhando atoardas que prejudiquem os países do Ocidente e fomentando agitações que afastem os mesmos países das suas possessões em todos os territórios menos desenvolvidos e produtores de matérias-primas, instalando aí a sua influência, com grave prejuízo das nações europeias e da América do Norte, como até hoje sempre tem acontecido.
O que me custa a compreender é que, depois de tantas experiências e lições, ainda haja jornais europeus e americanos que dêem guarida a notícias inteiramente falsas e que podem prejudicar uma nação amiga, em cuja metrópole e províncias ultramarinas todo o Ocidente ainda hoje se pode apoiar militar e economicamente, devido às posições estratégicas que possuímos, espalhadas por várias partes do Mundo, e às matérias-primas de que podemos dispor, especialmente nas nossas grandes províncias africanas.
Estamos causados de dizer, escrever e demonstrar praticamente que, devido à nossa política secular de apreciar os homens pelas suas qualidades de inteligência, saber, coragem, dignidade e honradez, e não pela cor da sua pele, pudemos constituir uma nação multirracial, semelhante à que constituímos no imenso e amigo Brasil, em que não há discriminações raciais que humilhem e provoquem a má vontade ou até o ódio das outras raças não europeias, a quem, pelo contrário, temos acarinhado, instruído e tratado nas suas doenças, promovendo o seu desenvolvimento físico, económico e moral e procurando elevá-las até nós, para que possam prestar à Nação, e cada vez mais, o concurso que muitos dos seus mais inteligentes elementos lhe têm dado e continuarão a dar.
Apesar de o Governo e a imprensa terem sempre desmentido esses boatos falsos e mentirosas insinuações, parece-me que, como Deputado à Assembleia Nacional, também me cabe o dever de manifestar a minha estranheza e indignação pela facilidade com que nina parte da imprensa estrangeira dá publicidade a esses ataques à forma como temos exercido a nossa acção civilizadora nas províncias portuguesas do ultramar.

O Sr. Rodrigo Carvalho: - Muito bem!

O Orador: - Eu sei que há pessoas bem intencionadas, e até amigas de Portugal, que podem acreditar em mentiras que se espalhem contra nós unicamente por ignorância, por não conhecerem a nossa história o não poderem avaliar o muito que a civilização europeia deve aos nossos marinheiros, sábios, missionários, guerreiros, e até comerciantes, que descobriram, conquistaram, evangelizaram e levaram a civilização cristã aos mais distantes países da Terra.
Referindo-me especialmente às nossas províncias africanas, quero lembrar neste momento, com infinito respeito e admiração, a obra dos velhos pioneiros que, isolados no meio de populações hostis, se conseguiram impor e fazer respeitar, despertando a admiração dos indígenas pela indomável coragem e sobre-humana energia de que davam constantes provas, indo s toda a parte primeiro tio que ninguém, devassando os mistérios da África portentosa e explorando-a em todos os sentidos, indo até a regiões que foram dadas como descobertas por exploradores de outras nações, mas que os sertanejos e pombeiros já tinham atravessado há muitos anos e até há séculos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sempre senti uma imensa admiração por esses grandes obreiros do engrandecimento da Pátria, que foram os antigos sertanejos, os homens do maio, esses velhos colonos que, à custa da sua coragem, de inenarráveis sacrifícios, dedicação e lutas sem par, prepararam o caminho para os que agora para lá vão, em condições incomparavelmente melhores e dispostos a honrar também a sua pátria e a engrandecê-la, como fizeram esses heróicos homens do mato a que me estou referindo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A todos os novos, quer sejam sábios, engenheiros, diplomados de qualquer grau, simples colonos ou oficiais e militares de qualquer graduação, ouso recomendar que saúdem, respeitosa e comovidamente, esses velhos a quem tanto devemos e que acarinhem e tratem com deferência os seus descendentes, quer sejam brancos ou mestiços, porque todos são dignos da nossa estima, pelo muito que devemos aos seus ascendentes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nesta hora de justiça não quem deixar no esquecimento as companheiras pretas ou mulatas desses homens valorosos, porque também muito lhes devemos. Elas ensinavam-lhes a sua língua, os seus costumes, ajudavam-nos a conhecer a psicologia das gentes das suas tribos e davam-lhe os filhos, que, quando homens, os ajudavam a tornar-se mais respeitados pelos amigos e temidos pelos que pensavam em os atacar.
As outras nações europeias, e algumas americanas não conseguem compreender bem o que se passa em Portugal e nas nossas províncias ultramarinas porque não conhecem o nosso sentimentalismo, o carinho que temos

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pelos povos que civilizámos, e que eles retribuem em larga escala.
Muitas vezes assisti a discussões entre oficiais que tinham comandado soldados pretos em que eles exaltavam a dedicação, coragem e qualidades dos soldados que tinham servido sob as suas ordens, procurando demonstrar que os originários de certas tribos eram os melhores que havia em toda a África, ao passo que outros teimavam em afirmar que os seus subordinados é que eram os melhores.
Nestas amigáveis discussões evidenciava-se bem o carinho que tinham pelos seus soldados pretos e a estima que lhes dedicavam.
Sr. Presidente: fui há dias encontrar entre os meus papéis velhos a reprodução de algumas conversas que tive com um camarada muito amigo, que sempre recordo com muita simpatia, amizade e admiração e que era mestiço de preta vátua e português.
Numa dessas conversas, tantas vezes trocadas debaixo de intenso logo de artilharia, morteiros, granadas e metralhadoras, disse-me esse camarada (alferes António Carreira) textualmente o seguinte: «Meu caro Zé, não sei adivinhar o futuro, mas estou certo de que os Portugueses poderão sempre contar com a dedicação e solidariedade dos povos que dominaram e nada me admirarei se Portugal for capaz de conservar, unidos à metrópole, os seus vastos ou pequenos territórios ultramarinos, até depois de outros povos mais poderosos se verem obrigados a deixar emancipar as colónias que actualmente possuem.
Penso isto por saber que o domínio português tem sido orientado pelos sublimes princípios da religião cristã e tendo por base a simpatia, o respeito e o amor, em vez da repulsa, o terror e o desprezo».
Já se passaram quarenta e dois anos, e parece que a profecia do Carreira se realizará, no que diz respeito a Portugal.
Temos de lutar e trabalhar corajosamente, ter muito juízo e manter uma estreita união entre todos os portugueses, qualquer que seja a sua cor e a região em que habitam, mas Lavemos de conseguir manter a Nação uma que concebemos e constituímos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se nos faltam ainda alguns progressos materiais de que outras nações mais poderosas e ricas se podem orgulhar, a verdade é que, no meio da nossa pequenez e minguados recursos materiais, temos feito verdadeiros milagres e, acima do progresso material, conseguimos a unidade moral e o espírito nacional que se tem manifestado por mil maneiras desde sempre e que agora se está manifestando em vários pequenos episódios, de que tenho tido conhecimento, que não relato para não cansar a atenção da Câmara, mas que me têm impressionado vivamente.
Apenas me referirei à afirmação que me fez um comerciante estabelecido no Congo Belga de que, na ocasião em que ali houve tumultos, ele e outros comerciantes portugueses tinham sido auxiliados eficazmente por pretos portugueses de Angola, que não eram seus criados e cuja atitude só pode ser explicada pelo espírito de nacionalidade que espontaneamente se manifestou na sua alma.
Igual explicação deve ter o facto de dois engenheiros portugueses que vinham da Niassalândia para Tete terem conseguido passar incólumes pelo meio de pretos revoltados, depois de um pequeno grupo de portugueses pretos, vindos do outro lado da fronteira, gesticulando e discutindo animadamente com os outros pretos da Niassalândia, ter conseguido que estes abrissem alas para os portugueses brancos passarem, como passaram, sem que ninguém os hostilizasse.
Estes e muitos outros factos deviam ser narrados ao chefe congolês Lumumba, que, segundo disse, está disposto a ajudar a libertação de Angola, para que se convencesse de que Angola não precisa de ser libertada, porque já é livre e independente, fazendo parte da Nação Portuguesa, que, como muito bem devia saber, é constituída por povos de várias raças e cores de pele de diferentes tonalidades, mas todas unidas no mesmo sentimento nacional, que tem feito com que todos os portugueses, seja qual for a sua cor ou percentagem de sangue lusitano que tenham nas suas veias, possam desempenhar os mais altos cargos da Nação.
O que fazemos hoje sempre o temos feito, e já, há séculos, um congolês ascendeu, pela sua inteligência e grandes virtudes, ao alto posto eclesiástico de bispo da religião católica, e ainda bem recentemente exaltámos a acção e honramos a memória do dedicado, fiel, valoroso e honrado preto Honório Barreto, que foi governador da Guiné.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nós não nos envergonhamos do bem que temos feito às populações nativas, dando-lhes paz, dignidade e progresso, elevando-as, impedindo as periódicas chacinas a que se entregavam as tribos rivais, curando as doenças que as dizimavam e levando-lhes todos os benefícios da civilização moderna, e temos tanta confiança nos seus sentimentos amigáveis a nosso favor que cada vez investimos maior número de capitais nas nossas províncias ultramarinas, fundamos novas indústrias o explorações agrícolas e encaminhamos os excedentes das populações metropolitanas especialmente para Angola e Moçambique.
Ninguém tem receio de para lá ir com as suas famílias, e o Estado também, sem receio algum de os perder, gasta centos e centos de milhares de contos em obras importantíssimas que farão progredir ainda mais as nossas províncias ultramarinas, num ritmo cada vez mais acelerado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nelas tem corrido muito sangue português no decorrer de longos séculos e se tem trabalhado corajosamente; a nossa acção tem sido formidável e incomparável, se tivermos em atenção a escassez dos nossos recursos, a pequenez da metrópole e da população; temos legítimo e bem justificado orgulho por tudo o que temos realizado, e, por isso, têm ido e cada vez irão mais portugueses da metrópole para lá, porque aquelas terras são nossas, regadas com o suor e o sangue de inúmeros portugueses, e são pedaços da nossa, pátria, que defenderemos com todas as nossas forças e que nunca abandonaremos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador fui muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre a reorganização dos desportos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Urgel Horta.

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O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: em linguagem simples, que me é peculiar, subo a esta tribuna para tratar na generalidade o problema de funcionamento de vários desportos, problema que interessa e domina todas as classes suciais, trazido agora a esta Assembleia pelo Ministério da Educação Nacional com a apresentação da proposta de projecto de lei n.º 506, que vou apreciar muito sucintamente, não descendo a minudências ou particularidades que o meu depoimento feito de tão alta tribuna não comporta.
Problema de mocidade e de acção, a que está ligado pela cultura física o futuro da nossa mocidade e da «própria nacionalidade», impunha-se há muito ser tratado, dando forma actualizada, dentro de princípios e conceitos asseguradores da verdadeira ética desportiva, à legislação concernente às diversas actividades desportivas praticadas entre nós, contributo necessário a manter dentro de marcados limites de uma disciplina desportiva, que só pode exigir-se e manter-se por obra de uma regulamentação própria e bem definida. Louvores justos e merecidos são devidos ao Governo, que trouxe a este alto corpo legislativo a proposta com que se tenta dar solução satisfatória e conveniente a problema de funções tão complexas e delicadas, como seja o da regulamentação da prática desportiva. Não se afigura empresa fácil o legislar sobre matéria tão vasta, onde paixões e interesses se afirmam a cada instante numa manifestação de egoísmo, que é necessário combater através de medidas ditadas pelo bom senso, pela prudência e pelas realidades da hora presente.
Mas atingir-se-á a finalidade que se pretende se, despidos de certos atributos inferiorizantes da personalidade humana, soubermos impor ao desporto deveres e direitos dentro de um espírito de verdade e de seriedade, que temos obrigação de acatar, respeitar e defender.
Sr. Presidente: são bem evidentes, bem conhecidos, os benefícios e vantagens oferecidos pelo desporto no aperfeiçoamento físico e moral do indivíduo e, consequentemente, na melhoria física, moral e espiritual da sociedade.
A verdade incontroversa deste facto é bem eloquente nos povos que, vivendo num estado de adiantada civilização, sabem tirar da actividade desportiva, que largamente praticam, os melhores efeitos para a saúde do corpo e para a saúde do espírito.
Infelizmente, neste país que tanto amamos, por defeitos de educação ou desvios de mentalidade, por hábitos adquiridos, por conformismo ou por rotina, não existe a devida e requerida tendência para a cultura física e para a prática desportiva, de que tanto aproveita o indivíduo.
Olha-se, as mais das vezes, o desporto, que é, na essência, da sua prática, um derivativo para melhoria de sanidade geral, como espectáculo, simples distracção, divertimento, e ainda como exasperado sentimento clubista, gerador de aborrecidas manifestações de um sentimento ruim e doentio..
Aprecia-se o desenrolar das competições intervindo-se, passivamente, como mero assistente, na mira de um resultado, e nunca como actuante, olhando a prova com aquele espírito de serena observação peculiar aos indivíduos educados nos princípios que regem a boa disciplina desportiva.
Lògicamente, Sr. Presidente, o número representativo de praticantes não passa entre nós de uma minoria. O Estado, verdadeiramente crente da projecção e da força social da educação física e do desporto, reconhecendo a necessidade absoluta da sua expansão e da sua organização, não poupando sacrifícios, lançou-
se na meritória e magnífica tarefa de lhe proporcionar os meios precisos e úteis ao seu desenvolvimento, para tão alto fim adoptando medidas do maior alcance.
Assim, Sr. Presidente, pelo Decreto-Lei n.º 32 241, de 5 de Setembro de 1942, criou a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar, entidade da organização superior, servida por elementos de alta envergadura e competência, dando-lhe poderes coercivos, disciplinares e orientadores, com fundões educativas.
Inteligente e prestigiosamente vem a Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar prestando à vida desportiva portuguesa serviços da maior valia, bem dignos de serem encarecidos e louvados na magnífica acção que exercem.
Na continuação da grandiosa empresa a que o Estado afincadamente se dedicou, fundou-se, pelo Decreto-Lei n.º 30 279, o Instituto Nacional de Educação Física, estabelecimento científico, de altíssimo e reconhecido valor, na finalidade estimulante e magistral de cultura física do nosso povo. Vem o Instituto Nacional de Educação Física realizando obra de resultados positivos, formando gerações sucessivas de professores das diversas especialidades inerentes à cultura física, que, espalhados pelas escolas do País, liceus, escolas técnicas e outras, fazem demonstração plena da sua competência, contribuindo grandemente para a educação gimnodesportiva da nossa mocidade.
Para fins de assistência pecuniária aos clubes e às federações criou-se o Fundo de Auxílio a Organismos Desportivos pelo Decreto-Lei n.º 35 992. Medida protectora de altíssima necessidade e alcance, tem sido utilizada pelas agremiações desportivas carecidas da protecção que esse Fundo lhes concede, a ela recorrendo clubes e federações e o próprio Comité Olímpico Português.
Custeou e comparticipou generosamente o Estado na construção de ginásios, de magníficos estádios espalhados pelo País, possuidores de instalações modelares, utilizadas em favor dos atletas que os frequentam e do povo que ali acorre.
Desenvolveu o melhor e mais vivo interesse pelas actividades desportivas da juventude através dessa extraordinária organização em tão boa hora criada: a Mocidade Portuguesa.
E não foram esquecidos os organismos corporativos, que com tanto fervor e entusiasmo se distinguem dentro da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho.
Fez bem, fez muito, e continua o Estado firme nos propósitos de tornar fecundo, progressivo, disciplinado, o desporto, fonte de saúde e alegria para os praticantes e de distracção para todos quantos o olham, o encaram e o apreciam na essência das suas virtualidades, com simpatia, admiração e o interesse que lhe é inteiramente devido.
Sr. Presidente: depois do que acabo de dizer, cometeria acto atentatório da minha consciência se nesta altura e neste momento esquecesse e não prestasse a merecida e devida homenagem de verdadeira justiça e clara gratidão ao antigo Ministro da Educação Nacional, o Prof. Mário de Figueiredo, ilustre Leader da Assembleia Nacional, grande defensor do património vivo da Nação que é a mocidade em renovação progressiva e constante.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Muitas das realizações que acabo de apontar, realizações que a outras deram vida, devem-se ao esclarecido espírito de S. Exa. no período decorrido entre Setembro de 1942 e Setembro de 1946,

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período em que o Prof. Mário de Figueiredo ocupou a pasta da Educação Nacional.
É da sua autoria grande parte da legislação que tem orientado a causa desportiva há perto de duas décadas. A tão ilustre homem público eu, como Deputado e como velho e apaixonado desportista, com largos anos de actividade na direcção de clubes e federações desportivas, rendo agora, na oportunidade que justamente se me oferece, a melhor, a mais respeitosa homenagem do reconhecimento bem merecido ao mestre ilustre, alta personalidade do regime, homenagem a que estou certo se associam, entusiasticamente, todos quantos lutam e pugnam pelo ideal que o desporto encerra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: entrando agora propriamente na apreciação da proposta de lei apresentada pelo Sr. Ministro da Educação Nacional e no parecer elaborado pela Câmara Corporativa, o que afirmamos fazer com toda a isenção, não podemos deixar de manifestar por esses documentos a nossa melhor simpatia e interesse, afirmando desde já a aprovação que concedemos na generalidade ao projecto do Governo, visto o considerarmos valioso e justo perante os objectivos reais contidos no seu articulado.
A Legislação desportiva que presentemente nos regia mostrava-se já incompleta, apresentando certas lacunas, certas faltas, que agora se pretende remediar perante as necessidades da hora que vivemos.
Há muito se impunha ordenar e adoptar sobre a questão em debate um critério firme, procurando dar legalidade a que deviam estar submetidos certos actos inerentes ao prestígio do desporto, reconhecido o erro, tenta-se agora corrigi-lo em parte, visto no todo ser impossível fazê-lo.
E é aqui que reside o ponto nevrálgico e delicado da questão.
Sr. Presidente: a classificação dos atletas, as normas a que tem de obedecer-se nessa classificação, as providências legais a que deve presidir a sua actividade, a disciplina a que estão sujeitas e todos os preceitos ligados à sua actividade, dentro da lei e dos regulamentos a instituir, são, na multiplicidade dos seus aspectos, motivo de estudo e observação cuidada, tendo como finalidade n ordem necessária à boa marcha da prática desportiva, no seu prestígio e na sua moralização.
O alinhamento de praticantes estruturado por diferentes categorias, tendo em conta compensações recebidas pela sua actividade, com garantida determinação dos seus direitos e cumprimento integral dos seus deveres, é medida que se impunha, terminando-se assim com errados conceitos, fonte de divergências, por vezes conflituosas, que se manifestavam entre dirigentes e dirigidos, estes reveladores de uma tendência crescente para conseguirem que em diferentes modalidades fosse implantado o profissionalismo.
Esta confusa agitação; frequentemente manifestada, era e continua sendo causa perturbadora, que afastava, por vezes, o desporto da sua verdadeira finalidade, trazendo graves dificuldades aos clubes, muitos em situações económicas alarmantes, agravadas constantemente pelos encargos vindos da exigência de melhor recompensa pecuniária.
Mas o caso da classificação, parecendo de uma evidente simplicidade, torna-se motivo de locubrações pesadas, visto não haver em absoluto possibilidade de saber-se onde acaba o amadorismo e principia o profissionalismo, tão difícil é o encontro do limite que os separa no estado confusional em que se tem vivido.
Aceitamos, porém, a classificação de amadores, não amadores ou subsidiados e profissionais, dentro do respeito e do rigor que lhe é devido, partindo do princípio de que a lei será cumprida na integridade de princípios em que assentam as suas bases e que as mistificações ou, adultera mentos ao espírito que as ditou serão exemplarmente castigados.
Esta classificação parece-nos ser agora a mais consentânea com os interesses dos atletas e dos clubes a que pertencem, se, dentro de certas circunstâncias e de certas liberdades, não puder tornar-se causa e motivo de fraude, contrariando o fim que o projecto em apreciação tem em vista.
A definição de amador foi série motivo, através dos tempos, de discussões acesas e apaixonadas, pois dentro dos próprios Jogos Olímpicos, instituídos, orientados e realizados por uma regulamentação onde deveria prevalecer a rigidez dos princípios que os criaram e mantêm, se têm verificado hesitações ...
Mas deixemos o passado, aceitando a definição de amador feita no projecto de lei subscrito pelo Ministro da Educação Nacional, pois não encontramos na redacção- que ostenta dúvidas de interpretação nem motivo de confusões.
O amador será, portanto, o praticante que não recebe remuneração nem, directa ou indirectamente, qualquer outra espécie de compensação material dos organismos desportivos que representa. Rigorosa e legalmente, não poderá ter outro espírito essa definição que não seja aquele que enuncio e defendo, visto estar em completa harmonia com a ideia e a essência desportivas.
Há, contudo, alterações propostas como aditivo a essa definição, emendas que não julgamos aceitáveis: e aqui principiam as dificuldades do arrumo a que aludimos.
Conceder aos amadores o direito de prémios instituídos em competição sem ressalva de prémios pecuniários parece-nos erro adulterante do verdadeiro princípio e fim do amadorismo, dando origem a clima da contusão, onde todos os subterfúgios se tornam possíveis.

O Sr. Augusto Simões: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Augusto Simões: - V. Exa. conheceu o caso do hipismo? Faço esta pergunta porque sei que aos praticantes do hipismo, que são necessàriamente amadores, tem de ser passado, segundo os comandos da Federação Internacional, um cartão de profissionais. Esses atletas, dentro do seu amadorismo puro, recebem, porém, prémios pecuniários, sem que por esse facto percam a qualidade de amadores.
A meu ver, o critério de V. Exa. peca um tanto por este motivo: a ética desportiva mudou e hoje já não estamos precisamente dentro do clima dos tempos de Olímpia.

O Orador: - V. Exa. deixe-me, pelo menos, manter a minha opinião.

O Sr. Augusto Simões: - Mas com a mais ampla liberdade ...

O Orador: - Eu só venho aqui expor aquilo que penso. Não vou acorrentar ninguém, ao meu pensamento. Tenho apenas o propósito de servir a causa em que ando envolvido desde os meus tempos de menino. Venho aqui numa missão que acho delicada pela situação de Deputado e homem que andou metido no desporto. Mais nada. Tive ocasião de verificar muitas coisas engraçadas e tristes ...

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O Sr. Augusto Simões: - Não tenho qualquer dúvida; mas eu não quis outra coisa sendo citar um caso que me parece expressivo.

O Orador: - Eu disse isso tudo.
Ora uniu das funções essenciais do legislador consiste exactamente em eliminar do texto do articulado tudo quanto se afigure intrincado, obscuro ou confuso, deturpante de uma função que não pode sofrer mistificações. Só assim se pode conceber uma legislação e uma orientação que não torne embaraçosa ou complicada a interpretação dos textos, colocando cada um no seu duvido lugar.
O amador deverá ser aquele que cultiva a prática desportiva, apenas pelo prazer da cultura física, recreativo do espírito, e não com mira em qualquer remuneração de natureza pecuniária, e o que assim não seja estabelecido é, em minha opinião, a negação do amadorismo.

O Sr. Rodrigues Prata: - Faço votos por que esse princípio se mantenha.

O Orador: - Não pode nem deve aceitar-se o facto de o atleta amador poder receber subvenção destinada a estudos ou preparação profissional em estabelecimentos oficiais, acto julgado por mim absolutamente incompatível com a classificação de amador.
Igual opinião mantém o próprio relator do parecer da Câmara Corporativa, em plena discordância com a proposição de semelhante medida. A prevalecer essa doutrina, certos estamos que muito poucos praticantes do amadorismo virão a existir entre nós.
Velho praticante e antigo dirigente, com largo conhecimento dos homens, das sua virtudes e dos seus defeitos, estou no convencimento absoluto de que as minhas objecções se encontram dentro da verdade, participando inteiramente da ética desportiva do verdadeiro amador, que não pode aceitar vantagens que não pede e a lei lhe não concede.

O Sr. Rodrigues Prata: - Muito bem!

O Orador: - O espírito do amadorismo precisa manter-se bem vivo dentro da sua pureza, estimulado apenas pelo robustecimento do seu físico, de grande influência na vida do indivíduo, sendo-lhe dada liberdade para escolha da agremiação onde é praticante, não lhe cerceando o direito de transferência quando no fim de cada época desse direito queira usar.
Sei que este princípio é combatido por muitos, mas entendo que deve manter-se, caindo sob o rigor de apenas a instituir todo aquele que, dominado por miragens de interesse, se afasta de uma agremiarão que não infringe a lei do amadorismo para actuar noutra onde a lei é letra morta.
Sr. Presidente; à designação de não amadores ou subsidiados ficarão pertencendo todos aqueles que pela sua. actividade desportiva recebem pequenas compensações materiais, atletas a que se poderá chamar candidatos ou aspirantes ao grande profissionalismo, a que todos ou muitos aspiram.
Há, por vexes, necessidade de agir dentro de certas circunstâncias, com certa ou condicionada liberdade, e eu pergunto: até onde irão essas pequenas compensações materiais? A resposta não é fácil, e na prática, se não houver as necessárias cautelas, a confusão surgirá. Pretende-se dar ao amadorismo e ao profissionalismo uma elasticidade que as condições do mundo actual impõem e aceitam, mas que não estuo de harmonia com a verdade, visto que nem tudo se poderá ou deverá profissionalizar.
Caminha-se abertamente para a divisão em dois sectores, amadores e profissionais, mas estes só o podem e devem ser os especializados. Repare-se no facto, pleno de evidencia, do número que atinge em França: 40 000 praticantes do futebol, dos quais pouco mais de 600 são profissionais.
Sobre o baptismo a dar aos atletas não amadores ou subsidiados, pode discutir-se o facto da escolha ou da preferência por uma ou outra designação.
Entre as duas designações, não temos dúvida em afirmar que se nos afigura, preferível a de não amador, visto ser até a expressão usada e consagrada internacionalmente, sendo esta objecção de certo peso. Mas a discussão da terminologia a adoptar ficará para a especialidade.
Sr. Presidente: é o profissionalismo uma consequência lógica da evolução no aperfeiçoamento que de dia para dia se vem verificando nas diversas actividades desportivas. Na verdade, o exercício da cultura física e a prática de alguns desportos, na complexidade do seu aperfeiçoamento técnico e, portanto, espectacular, exigem do indivíduo um conhecimento perfeito e absoluto da matéria, que só à custa de treino muito intenso, de muito esforço, despendendo energia e vontade e não olhando a sacrifícios de natureza orgânica se poderá alcançar.
Pelo aproveitamento de qualidades atléticas natas ou adquiridas numa aturada especialização criou-se em várias modalidades e por toda a parte uma situação que normalmente é hoje admitida e bem aceite: o espectáculo pago oferecido pelo desporto, em todas as suas vantagens o alguns inconvenientes.
Foi o público, afluindo em progressivo aumento de concorrência a essas exibições, não regateando preço para seu recreio, admirando e aplaudindo os atletas de valia de certas modalidades, quem criou, em pleno acordo com o praticante e à face do rendimento das bilheteiras por ele observado, o profissionalismo no desporto.
Este facto, reconhecido em todo o Mundo, pareceu durante muitos anos não ser devidamente observado e considerado em Portugal, onde o falso amadorismo medrou largamente, fechando as entidades responsáveis os olhos â necessidade de encarar frontalmente o problema do profissional, que nada tem de demolidor, de indigno ou de aviltante.
O profissionalismo foi durante largos anos considerado fruto calamitoso de uma época, perigo que se tornava preciso evitar. Laborando um tão crasso erro nos conservámos até ao momento em que o Estado pretendeu, dentro da legalidade e da razão, com toda a verdade, regularizar situações que de facto já existem há largo tempo.
O receio, os temores e o medo desse mal, hoje desaparecido, e agora reputado útil nas suas consequências, sumiu-se, caminhando-se abertamente ao encontro das realidades e das- ansiedades, que enchem os estádios, na admiração entusiástica do espectáculo que lhe oferece a virtuosidade dos atletas, transformados em verdadeiros ídolos populares.
Sr. Presidente: difícil é, como já disse e repito, estabelecer barreiras certas entre amador e profissional, e, embora a proposta do projecto de lei admita a prática desportiva a profissionais e a não amadores ou subsidiados nas modalidades do futebol, ciclismo e boxe, não será surpresa dizer que o profissionalismo vai a pouco o pouco invadindo outras modalidades, onde; a remuneração, que é estímulo de prática e objecto de necessidade, existe. Permitindo-se às três referidas modalidades a adopção do profissionalismo, remetendo

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as outras para o lugar que lhes devia competir, mas de que se vão afastando, facilita-se e simplifica-se a sua actividade, chamando-as ao conceito do desporto pelo desporto, favorecendo assim muito particularmente o amadorismo.
Dessa acção poderá resultar uma mais viva e mais perfeita assistência técnica e moral na busca do contributo exigido para melhoria da formação moral e física do indivíduo.
Abraçando, portanto, o profissionalismo dentro das modalidades que os qualifica, serão profissionais todos quantos recebem remunerarão, através de um contrato legal, pela sua actividade desportiva.
Por este facto os profissionais do desporto enquadrar-se-ão dentro da jurisdição dos departamentos do Estado a que ficam subordinados.
Ao Ministério das Corporações e Providência Social e ao Ministério da Educação Nacional competirá aceitar e acautelar o definitivo da situação criada, cabendo ao primeiro tudo quanto diz respeito ao condicionalismo na sua actividade, bem expressa na lei, e ao segundo toda a competência específica inerente à actividade desportiva, que o atleta pratica usufruindo o combinado rendimento.
Aprovadas as bases da proposta de lei apresentadas pelo Governo, com algumas modificações que à face do parecer da Câmara Corporativa poderão introduzir-se-lhe, ou que a Assembleia Nacional haja sugerido, pertence ao Ministério da Educação Nacional estabelecer a regulamentação que caiba dentro das mesmas bases. Sendo empresa da maior importância, remediará muitos problemas que não foram agora especialmente focados, simplificando e actualizando velhas normas de acção de federações e clubes, o que dará motivo para modificar regulamentos em concordância com a matéria constitutiva, da lei.
E assim se abrirá um novo ciclo na vida desportiva do País, para o qual acabo de contribuir modestamente com o depoimento sincero que acabo de fazer.
Julgo, Sr. Presidente, ter dito muito pouco, mas o bastante, como expressão do meu pensamento, acerca das providências legais a que vai ser sujeita ou submetida a nova orgânica do desporto nacional em algumas modalidades.
Os reparos que fiz, os argumentos que apresentei, as objecções levantadas, contrariando ou defendendo determinados pontos contidos no projecto da proposta, de lei, são filhos de uma experiência longa de muitos anos e do conhecimento que colhemos e possuímos da matéria em discussão.
Em tudo quanto disse e expus à Assembleia Nacional existia apenas um único propósito: esclarecer alguns dos ilustres Deputados que me ouviam e tornar mais fáceis na sua interpretação e na sua aplicação os princípios-base da proposta em debate, simplificando a regulamentarão subsequente.
Quer o projecto da proposta de lei apresentada pelo Governo, quer o parecer elaborado pela Câmara Corporativa, são documentos que enobrecem e dignificam as personalidades que os subscreveram.
E, embora haja em curtos pontos disparidade de opinião, estamos esperançados em que tal desacordo se não mantenha e o desporto saia engrandecido e prestigiado deste choque de ideias, que não podem ensombrar ou diminuir o espírito do fé e confiança que as ditou.
São sinceros e sentidos os votos que formulamos para que da aplicação das novas fórmulas legislativas aprovadas pela Assembleia Nacional resultem benefícios palpáveis e comprovadas facilidades, trazendo ao desporto o melhor e mais progressivo aproveitamento no revigoramento do físico e do espírito, tendo sempre em mente a expressão latina, como guia e síntese desse alto objectivo, mens sana in corpore sano.
E, finalizando as minhas considerações, declaro dar na generalidade a minha aprovação ao projecto do proposta de lei apresentado pelo Governo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão, designando a próxima para o dia 20 do corrente, com a mesma ordem do dia da sessão de hoje.
Prevejo que a discussão na generalidade e na especialidade desta proposta de lei se concluirá na quarta-feira da próxima semana.
É, portanto, provável que na quinta-feira se inicie já a discussão do projecto de lei do Sr. Deputado Camilo de Mendonça sobre a limitação de curtas remunerações.
Fiz esta prevenção à Câmara porque, dada a importância do assunto, é indispensável que os Srs. Deputados que desejem intervir no debate façam, com a devida antecedência, a sua preparação.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

Sn. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Coelho.
Francisco José Vasques Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Hermano Saraiva.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
D. Maria Irene Leite da Costa.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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